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HISTÓRIA DA MARINHA

A Marinha do Antigo Egipto

História da Marinha
© José Varandas
OS ABUNDANTES RECURSOS DO NILO

“Os barcos eram o mais


fácil e rápido meio de
transporte no Egipto, tão
normal que os Egípcios
pensavam que o Sol
atravessava o céu diurno e
o céu nocturno numa
barca”.

Luís Manuel de Araújo, Dicionário do


Antigo Egipto (2001).
FABRICO DE UM BARCO NILÓTICO DE PAPIRO

§ É no vale do Nilo que encontramos algumas das


primeiras evidências de construção naval e,
também, de grande atividade marítima.
§ Escavações arqueológicas têm, de modo mais ou
menos continuado , desenterrado em vários
pontos desse grande rio vestígios dessa relação
intensa que os antigos egípcios tinham com o rio
e com o mar.
reconstituição de um relevo pintado de um túmulo da V dinastia (c.2400 a. C.)
§ As várias escavações concentraram-se, em larga
escala, em sítios cujas datações são posteriores
ao Neolítico, desconhecendo-se ainda bastante
sobre a vida marítima neste período.
CONTRASTES
Os frágeis barcos de papiro do rio Nilo versus a grande embarcação para o Mediterrâneo
CONSTRUÇÃO NAVAL

§ As primeiras embarcações egípcias foram construídas


com juncos e não tinham capacidade navegar no Mar
Vermelho ou no Mediterrâneo. Destinavam-se apenas
ao Nilo.
§ Sempre que os navios eram obrigados a suportar
viagens mais longas, o Egipto frequentemente importava
madeira de cedro de Biblos, com quem mantinha boas
relações comerciais e, quando necessário, solicitavam a
outros estados, com os quais negociavam, o
fornecimento de embarcações. Situação bem
exemplificada nas cartas de Amarna, onde está um
pedido ao rei de Chipre para construir navios para a
marinha egípcia.
§ Já na época da Batalha contra os “Povos do Mar”, os
egípcios tornaram-se especialistas na construção de
navios adequados ao mar.
reconstituição de um barco de papiro do Império Antigo. Desenho de Pierre Probst. § Possuíam um único mastro com uma vela quadrada
horizontal. A proa era geralmente decorada com um
crânio humano a ser esmagado pela cabeça de um leão.
Tinham dois remos verticais, a popa, que faziam de
leme. Podiam pesar 70 ou 80 toneladas e tinham cerca
de 50 remadores.
CONSTRUÇÃO NAVAL

§ Depois de iniciada, a atividade marítima cresceu sem parar, e por


volta de 3000 a. C. um grande número de portos (alguns
acompanhados por estaleiros de construção e reparação naval) foi

estabelecido no sentido de coordenar e apoiar o crescente comércio


interno, mas também o aumento exponencial de contactos com
outros povos do Mundo Antigo com capacidade marítima.
§ Obsidiana para as ferramentas e esmeril para brocas e trabalho de
polimento vinham de terras como Melos e Naxos no Egeu, e o Egipto
importava dos Cárpatos, através do Danúbio, ouro, e mármore vinha
da futura Itália, enquanto das costas do Líbano chegavam

Barca real de Khufu.


carregamentos de madeira.
Barca em madeira de cedro do Líbano, feita para o rei Khufu (IV dinastia c.2580 a. C.) § Neste tempo e mais para Leste, também, os Sumérios navegavam a
partir de Ur, a sua capital, no Eufrates, em direção ao Golfo Pérsico.
CONSTRUÇÃO NAVAL
§ Entretanto, e apesar dos efeitos condicionantes dos sistemas tradicionais, o design dos navios
mercantes egípcios continuava a evoluir. A próxima evidência data de 2700 a. C. e provém do
túmulo de Pti, nas proximidades de Sakara.
§ É um conjunto de desenhos que representam várias fases de construção naval. Alguns
arquitetos navais que os estudaram chegaram a conclusões interessantes. Uma delas é a de
que por esta altura os construtores navais egípcios começavam a perceber melhor o
“comportamento” do navio no mar e a natureza dos impactos (do stress) a que este era
submetido.
§ Entendiam agora os dois tipos de força que eram necessários – transversal e longitudinal – e
Junção de Tábuas. Império Antigo (III milénio a. C.)
preparavam a primeira na estrutura interna, enquanto providenciavam que a estrutura dos
bordos e o convés resolvesse a segunda. Com efeito, a estrutura do navio era uma série de
“anéis” transversais compostos por traves, pelas traves do convés e do chão ligadas entre si
através da sobrequilha e da estrutura do convés. Então (tal como agora) a robustez do convés
era inevitavelmente reduzida pelas aberturas destinadas às cabinas e ao acesso ao porão.
§ A maior parte das representações mostra-nos navios com quinze remadores em cada lado, o
que dando uma distância de mais ou menos 1 metro entre cada homem nos daria um
tamanho projetado para a embarcação de cerca de 21 a 22 metros.
O “TRUSS”
CONSTRUÇÃO NAVAL

§ O túmulo de Pti é da V dinastia, mas um dos mais relevantes faraós dessa dinastia no
incremento da atividade naval egípcia foi Sahuré, que enviou uma flotilha de oito navios
numa expedição para aquisição de escravos ao Mediterrâneo Oriental. O episódio foi
recordado num baixo relevo.
§ As embarcações aí representadas mostram uma característica nova. É o Truss – uma
grossa, longa e forte corda que rodeia a curva do navio e é esticada para a ré (retaguarda)
sobre o convés assente numa série de postes bifurcados e presa à popa.
§ Mecanicamente a ideia é boa, mas apesar de elegante, falhava enquanto elemento de
força longitudinal do navio. Era uma solução bastante desajeitada para o problema de
construir navios maiores e que demonstrava a incapacidade técnica dos construtores
navais daquele período.
§ Contudo, o que é espantoso, esta solução – o Truss – continuava a ser usada 1500 anos
depois.

embarcações do Império Antigo, c.2600-2300 a. C.


EMBARCAÇÕES DO ANTIGO EGIPTO

1. Barcaça para transporte de gado (Império Antigo)

2. Barco de carga para navegação em alto mar (Império Antigo)

3. Barco ligeiro de recreio com cabina central (Império Novo)

4. Barcaça para transporte de grandes blocos de pedra (Império Novo)


MARINHA MERCANTE E DE EXPLORAÇÃO

§ O raide de Sahuré em 2700 a. C. tinha sido a primeira expedição naval


alguma vez representada e descrita, mas a viagem dos navios de Hatchepsut
por volta de 1500 a. C., está melhor relatada e com grande pormenor.

§ A localização geográfica do Punt parece ter-se esfumado nas névoas do


tempo, mas as inscrições no templo de Deir el-Bahari, revelam a natureza de
Transporte de blocos de pedra para a construção de pirâmides. uma parte significativa da carga que chegou ao Egipto.
Reconstituição da área de trabalhos em Guiza, Império Antigo.

§ Ali se vislumbram referencias às maravilhas do Punt, às fragrantes madeiras,


à mirra, às resinas, ao marfim, ao ouro, à canela, a vários tipos de incenso, à
cosmética para os olhos, a macacos, a cães, a peles de panteras do sul,
juntamente com nativos e as suas crianças.

reconstituição de uma embarcação de recreio com cabina, do Império Antigo.


MARINHA MERCANTE E DE EXPLORAÇÃO
§ A antiga marinha egípcia tem uma história muito extensa quase tão antiga quanto a
própria civilização. As melhores fontes sobre o tipo de navios que utilizavam e as
suas finalidades provêm dos relevos dos vários templos religiosos que se espalham
pelo território.
§ Enquanto os primeiros navios que eram usados para navegar no Nilo eram muitas
vezes feitos de junco, os navios oceânicos e marítimos eram então construídos de
madeira de cedro, provavelmente das florestas de Biblos, no atual Líbano.
§ Embora o uso da marinha não fosse tão importante para os egípcios como pode ter
sido para os gregos ou romanos, ainda assim provou o seu valor durante as
campanhas Tutmésidas e até mesmo na defesa do Egipto sob Ramsés III. Tutmés III
entendeu a importância de manter comunicações rápidas e eficientes e linhas de
abastecimento que ligassem as suas bases na região do Levante com o Egipto.
§ Por essa razão, aquele faraó, construiu estaleiros para a frota real perto de Mênfis,

Em busca das riquezas do Punt. A grande expedição


cujo único objetivo era fornecer constantemente ao exército egípcio em campanha
naval de Hatchepsut
reforços e demais suprimentos.
NAVIOS DE GUERRA

• O navio de guerra propulsionado

a remos dominou os mares ao

longo de 4500 anos, muito mais

do que os seus congéneres

movidos a vela.

• Desenvolveu-se através de

muitas formas, muitas mais do

que as dos veleiros, ou dos

navios metálicos movidos a

vapor, que duraram pouco mais

de um século.
A GUERRA NO MAR

§ Durante o Império Antigo até ao início


do Império Novo, a marinha e os navios
dos antigos egípcios eram quase
inexistentes, exceto para realizar tarefas
de comunicação e transporte.
§ No entanto, através da reorganização
maciça das forças armadas egípcias e de
uma política externa agressiva, a
marinha começou a ser cada vez mais
crucial na manutenção do poder e da
influência egípcia no exterior.

Reconstituições a partir de imagens líticas do templo funerário de Ramsés III em Medinet Habu
A GUERRA NO MAR
§ É muito difícil distinguir os navios de guerra do Antigo Egipto
dos navios de carga, pois não há grande diferença entre
embarcações usadas para transporte, comércio ou ações
militares (tal como em grande parte das marinhas do Mundo
Antigo). As primitivas “canoas de guerra” dos tempos pré-
históricos eram, também, usadas para atividades pacíficas e os
seus sucessores, os navios de madeira dos tempos dos faraós,
também eram usados para uma larga variedade de missões, que
incluíam viagens pacíficas, comerciais e atividade militar.
§ Contudo, seria muito difícil, para os navios “oceânicos” egípcios

Combate naval contra os “Povos do Mar”.


sulcarem águas infestadas de inimigos sem levarem a bordo
Baixo-relevo templo funerário de Medinet Habu (Lucsor Ocidental).
guarnições armadas com militares profissionais. Um navio de
guerra do Antigo Egipto seria, pois, uma versão armada, dos
navios tradicionais.
OBJETIVOS PRINCIPAIS DA MARINHA DE GUERRA

1. transporte de tropas, suprimentos e prisioneiros: a paisagem egípcia é muitas vezes considerada áspera
e muito difícil de percorrer, exceto pelos poucos quilómetros que cercam o Vale do Nilo. Por esta razão,
a utilização de embarcações como meio de comunicação e transporte mostrou-se muito eficaz. Usaram
a sua marinha para enviar soldados para locais em todo o Egito cujo ação era reprimir rebeliões ou
repelir atacantes. Também usavam a marinha para transportar alimentos e suprimentos para os fortes
que estavam localizados no sul, perto da Núbia.
2. plataforma para arqueiros: nos relevos do templo em Medinet Habu, que descrevem a tentativa de
invasão do Egipto pelos “Povos do Mar”, vemos os navios egípcios a combater contra os navios maiores
e mais lentos dos “Povos do Mar”. Vislumbram-se as plataformas de onde arqueiros e fundibulários
egípcios atacam o inimigo. Possuir navios mais rápidos e manobráveis permitiu aos egípcios assediar
constantemente o inimigo à distância e, ao mesmo tempo, recuar e atacar vindos de outra direção.
3. destruir navios inimigos: nos mesmos relevos, que retratam os fuzileiros navais egípcios a bordo dos
navios a abordar os navios dos Povos do Mar. Representam cenas de intenso combate corpo a corpo
com lanças, escudos e machados logo após as embarcações egípcias usando ganchos e cordas
agarrarem, puxarem e prenderem os navios inimigos.
Estatueta funerária de faiança do comandante
Hekaemsaf, intendente da frota real (XXVI
dinastia, século VI a. C.). Victoria Museum, Suécia.
BATALHAS NAVAIS: o cerco de Avaris

§ Das batalhas navais chegou-nos muito pouca informação.


Parece não existir uma grande distinção entre a marinha e
o exército no Antigo Egipto mas, mesmo assim, subsiste
alguma informação sobre alguns confrontos navais.

O cerco de Avaris
§ No final da 17ª e início da 18ª dinastia, os Egípcios
cercaram a cidade hicsa de Avaris e dessa operação militar
ficou o relato de um combatente (marinheiro) chamado
Ahmose, filho de Ibana. Afirma pertencer à guarnição do
navio chamado Norte, no qual navegou com o exército
egípcio em direção a Avaris. Parece ter-se tratado de um
combate terrestre e naval, já que aquele marinheiro afirma
ter “lutado no canal contra Pezedku de Avaris”.
Modelo de navio de guerra do faraó Ramsés III.
BATALHAS NAVAIS: a batalha do Delta contra os “Povos do Mar”

§ Este confronto é talvez o mais famoso da guerra egípcia


contra os “Povos do Mar”. Envolveu a força naval do império,
e é a primeira batalha naval a ser bem documentada.
§ Durante o reinado de Ramsés III (1182 a. C.-1151 a. C.) um
conjunto de povos (“Povos do Mar”) ameaçava o território
dos faraós egípcios depois de ter derrotado os poderosos
hititas mas, Ramsés III, preparou uma poderosa força naval e
procurou repelir os invasores no delta do rio Nilo.
§ No baixo-relevo do templo em Medinet Habu Ramses
afirma:
Desembarque no Delta do Nilo. Combate entre egípcios e invasores (reconstituição histórica). “Eu preparei a foz do rio como uma parede forte com navios
de guerra, galés e embarcações leves, que estavam
completamente equipados tanto na proa como na popa com
bravos guerreiros que carregavam as suas armas e infantaria
de toda a ordem”.
PROCISSÃO REAL
com a barca de Amon
O OCASO DA MARINHA EGÍPCIA
§ Muitos estudiosos atribuem o eclipse (ou o não desenvolvimento) da
marinha egípcia enquanto potência no transporte e na guerra à
grande escassez de madeira. Sem esta matéria-prima era impossível
a construção naval de grande dimensão, o lançamento à água de
embarcações destinadas às duas missões. Não ter madeira (florestas
com árvores de grande porte) asfixiava o desenvolvimento naval.
Mas, será esta a resposta? Que se saiba desde as suas origens que o
Egipto não dispunha de grandes florestas. E, não irá dispor.
§ Outras teses sobre o ocaso prematuro da marinha dos faraós,
atribuem à “excelência” do sistema naval fenício a causa principal. A
historiografia tem sempre atribuído a “viagem marítima” aos
marinheiros daquela costa posicionada a norte do Delta. Confere-

Regresso da frota de alto mar ao Egipto. Baixo-relevo do templo funerário de Sahuré, em lhes o domínio do Mediterrâneo, de norte a sul, de leste a oeste. São
Abusir (c.2500 a. C.).
deles as grande frotas, as linhas de comunicação, os principais
entrepostos e o aluguer dos fretes navais. Nos estaleiros fenícios
construíam-se bons navios, sólidos, “marinheiros”, mais evoluídos.
A DERRADEIRA VIAGEM PARA O TÚMULO
fragmento do papiro de Hunefer, XIX dinastia c.1250 a. C. (British Museum)
VIAGEM ETERNA NA BARCA SOLAR
pintura mural do túmulo de Irinefer (XIX dinastia, c.1250 a. C.)
MODELOS DE EMBARCAÇÕES
Império Médio e Império Novo (II milénio a. C.)
POÇO NAVIFORME EM GUIZA
NAUFRÁGIO DE ULUBURUN
1300 a. C., navio de 20 toneladas e 16 metros de comprimento

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