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A FORMAÇÃO DO MDB E A INFLUÊNCIA DO

QUADRO PARTIDÁRIO ANTERIOR1

R odrigo Patto Sá M otta


Universidade Federal de Minas Gerais

RESUM O

O o b je tiv o d o a u to r n e s te a r tig o é f a z e r u m a a n á lis e d a f o r m a ç ã o d o “p a r t i d o d a s o p o s i ç õ e s ” n o r e g im e


m ilita r : o M D B . O a u to r p r e t e n d e m o s tr a r q u e o M D B in c o r p o r o u , e m s u a c o n s titu iç ã o , a h e r a n ç a tr a b a lh is ta
e r e fo r m is ta o r iu n d a s p r i n c i p a l m e n t e d o P T B e d e p a r t e d o P S D — a g r e m ia ç õ e s q u e p e r te n c e r a m a o s is te m a
p a r t i d á r i o d o p e r í o d o 1 9 4 5 - 1 9 6 5 —, d o s q u a is v ie r a m a m a io r ia d o s p o l í ti c o s q u e f o r m a r a m o M o v im e n to
D e m o c r á tic o B r a s ile ir o . A n a tu r e z a d e s s a h e r a n ç a d e fin iu o p r o g r a m a e a a tu a ç ã o d e s te p a r tid o e s e u
d e s lo c a m e n to n u m c a m p o p o l í ti c o q u e p o d e s e r d e n o m in a d o d e c e n tr o - e s q u e r d a .

PALAVRAS-CHAVE: p a r t i d o s p o lític o s ; s is te m a p a r tid á r io b r a s ile ir o ; r e g im e m ilita r ; M D B .

I. INTRODUÇÃO fonnista na constituição do MDB2 . Não des­


cuidamos, contudo, de enfatizar também o papel
A proposta deste artigo é analisar a for­
de outras correntes políticas constituidoras do
mação do MDB e a influência por ele sofrida
partido, e mesmo de nuançar o impacto do tra-
dos partidos vigentes no sistema partidário do
balhismo. Por outro lado, destacamos ao final
período 1945-1965.
do texto que a herança recolhida pelo “partido
Para tanto, reunimos dados sobre a vincu- das oposições” foi sendo superada ao longo do
lação partidária precedente dos parlamentares tempo, superação no sentido de incorporação e
emedebistas, sobre a constituição do programa transformação.
do partido e analisamos alguns aspectos de sua
atuação política.
II. A CRIAÇÃO DO BI PARTIDARISMO
A hipótese básica que guia nossa investi­
gação é que a articulação constituidora do MDB, O Movimento Democrático Brasileiro nas­
capitaneada m ajoritariam ente por políticos ceu a partir de um dos atos autoritários do regime
egressos do PTB e do PSD, definiu os traços militar instituído em abril de 1964, o Ato Institu­
marcantes da nova agremiação. Exatamente por cional n°2, de outubro de 1965. O AI-2 resultou
causa do perfil das forças políticas que lhe deram de uma grave crise política vivida no interior da
origem, o MDB, em seu programa e em sua atua­ coalizão que governava o país desde 1964.
ção, acabou situando-se num campo político que
A intenção do grupo que se reunia em torno
pode ser chamado de centro-esquerda.
do Presidente Castello Branco era de que o mo­
O viés de análise apresentado destaca-se da vimento de abril de 1964 promovesse uma
bibliografia existente em relação ao tema — por
sinal muito escassa — por concentrar o foco
sobre a importância da herança trabalhista e re-
2 Nossa perspectiva é distinta, por exemplo, do tra­
balho de KINZO, 1988, autora de um excelente
estudo sobre o MDB. Ao contrário de Kinzo, que
considera tênues as diferenças constitutivas entre
ARENA e MDB, destacamos a existência de caracte­
1 Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado rísticas marcadamente contrastantes distingüindo os
do autor. V. MOTTA, 1993. dois partidos.
depuração nos quadros políticos e administra­ Pois bem, o AI-2, que extinguiu os antigos
tivos do país, ao mesmo tempo em que se imple­ partidos e abriu caminho para o bipartidarismo,
mentaria uma reorientação na política econômi- foi editado após uma crise provocada pela pres­
co-financeira. Não se pensava, pelo menos de são da linha-dura. No final de 1965 estavam pre­
início, na implantação pura e simples de uma vistas eleições em vários estados da Federação
ditadura (GORENDER, 1987:71). Algumas das e Castello Branco, fiel à sua postura de não
atitudes do novo governo apontavam neste senti­ fechar todos os canais democráticos, garantiu o
do, inclusive a manutenção em funcionamento cumprimento do calendário eleitoral. Para fazê-
do Congresso Nacional e dos partidos, ainda que lo teve de enfrentar fortes pressões no sentido
devidamente depurados após a primeira leva de de que as eleições fossem canceladas.
cassações.
Os resultados do pleito causaram grande im­
A coalizão que conduziu o movimento de pacto nas hostes governistas (STEPAN,1975:
1964 não era homogênea, dividia-se em várias 186). Nos dois maiores estados em que houve
facções. Dentre elas destacavam-se, todavia, du­ disputa, Minas Gerais e Guanabara, os candi­
as, que tinham perspectivas distintas acerca dos datos apoiados pelo governo foram derrotados.
rumos a tomar na condução do país. Elegeram-se governadores sustentados pela
aliança PSD-PTB, com apoio oficioso do Partido
A primeira, e mais coesa, era oriunda da ESG
Comunista. A vitória da oposição em Minas e
(Escola Superior de Guerra), que assumiu a he­
na Guanabara alimentou as idéias dos militares
gemonia dentro do governo com a ascensão de
da linha-dura, associados a alguns civis golpis­
Castelo Branco à presidência. Por causa da proe-
tas, sobre a necessidade de um endurecimento
minência de Castelo sobre os “esguianos”, eles
político. Esses segmentos consideraram o fato
também eram chamados de “castelistas” . Os
uma derrota da “ Revolução” e uma ameaça de
“esguianos” tinham uma concepção bastante li­
revigoramento da subversão e do comunismo.
beral em termos econômicos. Preconizavam u-
Uma crise militar foi detonada, o que provocou
ma modernização para a economia brasileira, o
a intervenção do Ministro da Guerra, Costa e
que na sua ótica passavâ por um aprofundamento
Silva, tentando contornar os ânimos exaltados.
dos laços com o capital norte-americano. Em
Os estrategistas do governo, diante do potencial
termos políticos, esposavam também algumas
crescimento da oposição demonstrado pelo re­
posturas “ liberalizantes”, por mais paradoxal
sultado das urnas, e também premidos pela pres­
que isso possa parecer, pois se tratava de uma
são dos “duros” a favor da adoção de medidas
facção que participou ativam ente do golpe
“fortes”, resolveram reforçar as prerrogativas do
político.
Executivo, aumentando, portanto, a face discri­
A outra grande facção, conhecida por “ li­ cionária do regime (KLEIN & FIGUEIREDO,
nha-dura”, era menos coesa e sua composição 1978: 26).
passou por flutuações ao sabor das diferentes
Promoveram assim uma reformulação no
conjunturas que se sucederam aos aconteci­
sistema partidário, de modo a que ele se ade­
mentos de 1964. Os chamados “duros” diver­
quasse melhor aos objetivos do novo regime
giam dos “castelistas” por terem posições nacio­
político. Temia-se que a permanência do antigo
nalistas e discordarem do internacionalismo li-
quadro partidário viesse a favorecer de forma
beralizante esposado pelos primeiros. Quanto a
constante seus adversários. A mística construída
questões políticas tendiam a ser mais autori­
em torno da aliança PSD-PTB contribuiu para
tários, desprezando as sutilezas “ liberais” dos
a disseminação da idéia de que ela era eleito­
seguidores de Castello Branco3 .
ralmente imbatível, colocando para o governo
o risco de novas derrotas no futuro. Resolveu-
3 “Os principais oponentes militares ao grupo de
oficiais ‘internacionalistas liberais’ simbolizados por
Castello Branco, inicialmente, foram denom inados Este grupo não era totalmente fixo, mas sua com posi­
pelos brasileiros de oficiais de ‘linha-dura’. Um ter­ ção e paixões mudavam de acordo com as pressões
mo mais preciso seria ‘nacionalistas autoritários’. políticas do m om ento” . (STEPAN, 1975: 181).
se, pois, acabar com o problema de maneira condição prévia para o seu registro, a adesão de
radical, eliminando-se pura e simplesmente os no mínimo um terço dos representantes da Câ­
antigos partidos políticos. mara e do Senado4 . Assim, por força da lei, os
partidos deveriam nascer como organizações
Além da convicção em torno da ameaça de
primordialmente parlamentares. Após o fato
derrotas eleitorais, outro problema preocupava
consumado, com o partido oposicionista já cria­
o governo: a falta de uma base de apoio sólida
do pelos parlamentares, é que se procurou obter
no Parlamento. Após o golpe foi estruturado um
o reconhecimento da sociedade.
bloco governista no Congresso, mas ele não
garantia a coesão necessária para a defesa dos Não é difícil perceber que a construção da
interesses do Executivo junto ao Legislativo. legitimidade do novo sistema partidário era uma
Portanto, com a decisão de reestruturar o sistema tarefa extremamente complicada. Tratava-se não
partidário, pretendia-se resolver dois problemas: só de obter respaldo social, como também de
destruir aqueles partidos que podiam servir de convencer o eleitorado a votar nos novos parti­
foco de contestação ao regime e construir um dos. Além do fato de o bipartidarismo ser uma
partido da situação, uma organização vinculada criação artificial e autoritária, deve-se considerar
umbilicalmente ao movimento de 1964 e que, também que havia uma tradição partidária ante­
portanto, lhe garantisse suporte (KINZO,1988: rior, a qual tinha se enraizado junto à população
28). e construído um jogo de fortes identificações
simbólicas5 . Repentinamente, por força de um
Mas por que então não criaram sim ples­
ato autoritário, os partidos com os quais a popu­
mente um regime de partido único? Prova­
lação estava habituada há anos foram extintos e
velm ente pela ju n ção de dois motivos. Pri­
criados apenas dois, que deveriam dar conta de
meiro, pela necessidade de apresentar uma
representar toda multiplicidade de aspirações,
fachada democrática do país para o exterior, até
anseios e posicionamentos ideológicos peculia­
mesmo devido à intenção de distinguir-se das
res a uma organização social complexa. Além
ditaduras e “republiquetas” tão comuns na Amé­
disso, para o MDB se pôs uma outra dificuldade.
rica Latina. Segundo, e por paradoxal que pare­
Um número muito expressivo de líderes políti­
ça, devido a alguns pruridos liberais ainda rema­
cos de extração popular haviam sido cassados
nescentes em certos setores governistas. E pos­
nos primeiros expurgos, desfalcando-se seria­
sível também que a manutenção de um canal
mente o campo oposicionista qualitativa e quan­
aberto à manifestação oposicionista objetivasse
titativamente.
melhor vigiá-la. Trazendo as forças oposicionis­
tas para o campo institucional, o Estado militar Os emedebistas tiveram dificuldades para
poderia controlá-las de maneira mais fácil. Seja completar o número mínimo de parlamentares
como for, os detentores do poder decidiram-se exigido pela lei para criar sua agremiação. Tive­
pela criação de um sistema bipartidário, cabendo ram assim que suportar a constrangedora situa-
às heterogêneas forças oposicionistas o desafio
de se acomodarem todas na mesma agremiação.
O MDB começou a ser articulado ainda no 4 Dessa form a poderiam ser criados, no máximo,
final de 1965 e já em março do ano seguinte três partidos. Na prática, contudo, estabeleceu-se o
conseguia se registrar no Tribunal Superior Elei­ bipartidarism o. Por um lado, a oposição não tinha
toral. Os promotores da reformulação pensavam forças para articular mais do que um partido. O
governo, por seu turno, “estim ulou” todos os seus
em organizações partidárias provisórias (LA-
apoiadores a se congregarem sob um só partido, de
M O U N IE R & M E N E G U E L L O , 1986: 65),
m aneira a se garantir uma forte base de apoio no
portanto os nomes das agremiações criadas não Congresso. Cf. KINZO, 1988: 29.
incluíram a palavra partido.
^ A esse respeito, ver LAVAREDA, 1991. O autor
O MDB foi um partido que nasceu de cima mostra como, no início dos anos 60, havia se cons­
para baixo, criado de dentro do Parlamento para tituído entre setores muito expressivos da população
fora, por força do arbítrio do regime. A legisla­ fortes identificações com relação aos partidos então
ção que instituiu os novos partidos exigia, como em vigentes.
ção de Ver o Presidente Castello Branco inter­ PSP 4
cedendo junto a um Senador para convencê-lo
PDC 5
ajuntar-se ao MDB { J o r n a l d o B r a s i l , 27/11/
65, p. 04). Entretanto, isto parece não ter ocorri­ PTN 5
do em relação à Câmara dos Deputados, onde o PST 1
limite mínimo foi atingido com certa tranqüili­
dade. O fato é que havia um grande receio entre PSB 2
muitos parlamentares em assumir claramente PRT 2
uma postura oposicionista, por causa dos riscos
que corriam em relação às cassações. Total 148

111. O MDB E OS ANTIGOS PARTIDOS QUADRO 2

Na Câmara dos Deputados, as articulações V i n c u la ç ã o p a r t i d á r i a a n t e r i o r d o s

visando à criação do M DB passaram pela s e n a d o r e s e m e b e b is ta s

discussão entre alguns blocos parlamentares que


precederam a organização dos dois partidos. Já PTB 13
foi referida a existência de um bloco governista.
PSD 6
Este era liderado pelo parlamentar mineiro Pe­
dro Aleixo. A imprensa, por sua vez, registrou PTN 1
a existência de pelo menos outros três blocos,
PL 1
de cujajunção emergiu o MDB. Havia um Bloco
Democrático Parlamentar, que agregava princi­ PSB 1
palmente elementos egressos do PSD, liderado
Total 226
por Martins Rodrigues e contando com aproxi­
madamente cinqüenta aderentes. Havia o Bloco
Parlamentar Trabalhista, liderado por Doutel de Como se pode ver pelos quadros acima o
Andrade e que tinha por volta de oitenta mem­ partido da oposição era formado basicamente
bros. O seu nome indica a origem de seus com­ por elementos oriundos do PTB e do PSD. Os
ponentes, oriundos do PTB. E por fim, um bloco parlamentares pertencentes a esses dois partidos
independente, liderado por Mário Covas, con­ perfaziam, juntos, cerca de 80% dos deputados.
gregando deputados com origem nos pequenos Somando os elementos oriundos dos outros par­
partidos { J o r n a l d o B r a s i l , 4/11/65, p. 04). tidos, constata-se que compunham apenas 20%
O MDB emergiu a partir das negociações en­ da representação emedebista na Câmara. No Se­
tre as lideranças desses grupos e, como veremos, nado, o peso dos extintos PTB e PSD sobre o
a sua composição refletiu basicamente o contin­ MDB era ainda maior. Juntos eles perfaziam
gente numérico expresso nos blocos. cerca de 86% dos senadores da oposição.

Vejamos o quadro da origem partidária dos Observando melhor os quadros pode-se che­
deputados que fundaram o MDB: gar a outras conclusões interessantes. O ex-PTB
era majoritário dentro do MDB. Dentre os extin­
QUADRO 1
tos partidos era o que forneceu o maior número
V in c u la ç ã o p a r t i d á r i a a n t e r i o r de quadros à oposição. Dos representantes na
d o s d e p u ta d o s e m e d e b is ta s Câmara que aderiram ao MDB em 1966, cerca
de 50% tinham pertencido ao PTB. No Senado
esta proporção ascendia a 59%. O PSD vinha
em seguida com 30% na Câm ara e 27% no
PTB 75
PSD 44
UDN 10 6 FLEISCHER, 1984: 127.
Senado7 .
Verificando-se a origem partidária dos depu­ LEGISLATURA DE 1971-1975
tados eleitos pelo MDB nas legislaturas subse­
(Deputados e Senadores do MDB)
qüentes, percebe-se que os ex-petebistas conti­
nuaram sendo o grupo mais numeroso, exceto
em 1978, como pode ser visto nos quadros para QUADRO 5 QUADRO 6
as quatro legislaturas a partir de 1966, quando
ocorreram as primeiras eleições sob o bipartida- Câmara Senado
rismo. origem N° origem N°
PTB 32 PTB 1
LEGISLATURA DE 1967-1971 PSD 22 PSD 4
(Deputados e Senadores do MDB) UDN 8 PSP 1
PSP 4 PDC 1
QUADRO 3 QUADRO 4 PDC 3
Câmara Senado PTN 5
origem N° origem N° PR 2
PTB 50 PTB 10 PSB 2
PSD 39 PSD 5 * 8
UDN 14 UDN 1 Total 86 Total 7
PSP 8 PTN 1
PDC 5 PL 1 LEGISLATURA DE 1975-1978
PTN 7 PSB 1 (Deputados e Senadores do MDB)
PST 2

PL 2 QUADRO 7 QUADRO 8
PSB 1 Câmara Senado
* 5 origem N° origem N°
Total 133 Total 19
PTB 42 PTB 2
PSD 28 PSD 6
UDN 14 UDN 1

7 A título de com paração, vamos registrar alguns PSP 6 PSP 1


dados relativos à ARENA. Entre os parlam entares PDC 5 PDC 1
fundadores do partido do governo o grupo m ais
num eroso provinha da UDN, cerca de 86 deputados, PTN 5 PST 1
que com punham aproxim adam ente 34% do partido.
PR 3 PL 1
Em seguida vinham os ex-pessedistas, com 78 de­
putados e 30,5% da representação dentro da A R E­ PSB 2 PSB 1
NA. Quanto aos deputados pertencentes até então
ao PTB, 38 filiaram -se à ARENA, aproxim adam ente
PTR 2
15% do novo partido. A Aliança Renovadora N aci­ * 50 * 3
onal foi constituída inicialmente por cerca de 257
deputados. Total 160 Total 18
LEGISLATURA DE 1979-1983 gência entre as bancadas oposicionistas na Câ­
mara e no Senado, notória desde a formação do
(Deputados e Senadores do MDB)
MDB, conduziria o Partido a uma crise grave
[...]. A ameaça de cisão no MDB persistirá, no
QUADRO 9 QUADRO 10 entanto, na legislatura a instalar-se no dia I o de
fevereiro, na medida em que se mantenha a dife­
Câmara Senado rença de comportamento entre as duas bancadas.
origem N° origem N° O quadro de senadores do MDB permanecerá
praticamente inalterado e nada indica que a
PTB 36 PTB 5 bancada da Câmara, que sofrerá considerável
PSD 37 PSD 7 renovação, venha a ser menos agressiva do que
a atual” { J o r n a l d o B r a s i l , 21/01/1967, p. 03).
IJDN 13 UDN 3
A matéria aponta para a existência de di­
PSP 7 PDC 2
vergências sérias entre os emedebistas do Se­
PDC 8 PST 1 nado e da Câmara, sugerindo, inclusive, que tais
diferenças constituíam uma permanente ameaça
PTN 3 PL 1
de cisão no partido. A diferença de comporta­
PR 3 PSB 1 mento aventada tinha origem justamente no fato
de que os deputados tendiam a ser mais agres­
PSB 4
sivos que os senadores na sua prática oposi­
PRT 2 cionista.
* 76 * 5 Contudo, a proeminência dos trabalhistas na
Total 189 Total 258 bancada de deputados federais do MDB tem que
ser melhor analisada. Os dados demonstram uma
tendência, no decorrer do tempo, de diminuição
Ao longo das quase duas décadas de exis­ do peso do ex-PTB no interior do MDB. Se na
tência do MDB, o PTB se constituiu no partido formação do partido, em 1966, os trabalhistas
que forneceu os maiores contingentes oposi­ compunham 50,6% dos deputados federais, em
cionistas. Esta afirmação, contudo, se aplica 1967 essa proporção baixava para 37,6%. Em
mais à Câmara dos Deputados que ao Senado. 1971 os deputados em edebistas de origem
Entre os membros da oposição a influência dos petebista correspondiam a 37,2% do total; em
petebistas neste último foi bem menor, parti­ 1975 caíram para 26,2% e em 1979 foram
cularmente a partir de 1971. reduzidos a 19%. Essa redução, todavia, deveu-
se ao declínio da influência dos antigos partidos
De uma maneira geral, a influência dos par­ de um modo geral, fruto da renovação nos
lamentares emedebistas com origem nos parti­ quadros políticos. Em 1979, 76 deputados do
dos “reformistas” (PTB, PSB etc.) era maior na MDB — 40% de um total de 189 — já não
Câmara, o que provavelmente explica o perfil apresentavam vinculação partidária anterior.
mais moderado da bancada oposicionista no Se­
nado, em comparação com a de deputados fede­ Mesmo levando-se em conta que ocorreu u-
rais. A própria imprensa apontava para este fe­ ma progressiva redução no coeficiente numérico
nômeno, falando mesmo num conflito entre as dos trabalhistas dentro do MDB, é inegável que
representações oposicionistas das duas Casas a sua influência foi muito marcante. A presença
por conta da sua postura diferente: “A diver­ maciça dos ex-petebistas no partido oficial da
oposição foi fundamental para a definição de
seus rumos e de sua atuação. Nos primeiros anos
8 FLEISCHER, 1984: 127-137. Existem pequenas de funcionamento do bipartidarismo falava-se
imprecisões nas totalizações de algum as das tabelas muito em hegemonia do PTB dentro da nova
elaboradas por Fleischer, mas são estatisticam ente agremiação das oposições, por causa do peso
desprezíveis.
numérico dos oriundos do trabalhismo9 . populares e levar adiante um programa de refor­
mas sociais (DELGADO, 1989: 157).
Um outro dado importante a ser levado em
conta, no sentido de averiguar-se a influência A facção trabalhista reformista teve uma
dos partidos extintos sobre o MDB, diz respeito importância destacada nas mobilizações po­
à “herança” das suas estruturas organizacionais. pulares e nacionalistas dos anos 50 e 60, quando
Quando o bipartidarismo foi estabelecido, ARE­ o projeto das “reformas de base” ganhou proje­
NA e MDB procuraram se aproveitar das estru­ ção política, mobilizando importantes setores
turas dos velhos partidos, principalmente no que da população (MORAES, 1989: 34). De certo
se refere aos diretórios municipais. O espólio modo o PTB serviu de estuário para as forças
que o M DB recolheu é bastante revelador: políticas que lutavam pelas reformas sociais,
“Quando os novos partidos foram criados, quase configurando-se como a face político-insti-
todos os diretórios municipais que antes perten­ tucional mais visível do campo “popular-refor-
ciam à UDN passaram para a ARENA [...]; o mista” . Basta recordar que o maior e mais influ­
MDB, ao contrário, herdou a maioria das redes ente grupamento clandestino da esquerda (o Par­
do PTB e do PSB, que foram insuficientes para tido Comunista) atuava principalmente através
começar, particularmente, nos estados mais ru­ do PTB e em aliança com ele. Isso fazia com
rais, e também herdou setores menores do PSD que freqüentemente o PTB aparecesse como a
e de outros partidos, mas principalmente urba­ própria encarnação da aliança reformista. Era
nos” (SOARES, 1988: 105). comum também que a ala reformista ou doutri­
nária do PTB fosse associada a personalidades
Destaca-se aqui o perfil em inentem ente
que melhor a encarnassem ou que exercessem
urbano do jovem MDB, que absorveu quase que
um papel de liderança destacada, como eram os
inteiramente as organizações de partidos de ca­
casos do Presidente João Goulart e do Gover­
ráter urbano como o PTB e o PSB. Além disso,
nador Leonel Brizola.
as parcelas dos outros partidos que vieram a inte-
grá-lo eram, em muitos casos, também de ori­ Pois bem, é preciso levar em consideração
gem urbana. Como se vê as informações dispo­ essas divisões internas do trabalhismo para en­
níveis em relação à absorção das estruturas dos tender a sua influência sobre o MDB. O PTB
partidos extintos confirmam o grande peso que que compunha majoritariamente o MDB não era
detinha o PTB dentro da nova agremiação oposi­ dominado pela ala favorável às reformas de base
cionista. e às reivindicações populares10. E nem poderia
ser de outro modo, uma vez que a onda de cas-
Entretanto, é preciso considerar que o ve­
sações pós-64 atingiu basicamente os políticos
lho partido fundado por Getíilio nunca chegou
ligados às propostas reformistas. De fato, a ala
a conformar uma agremiação homogênea. Havia
mais à esquerda do PTB e a própria esquerda de
basicamente duas tendências no PTB. Uma fisi­
um modo geral foram bastante enfraquecidas e
ológica, ligada ao aparelho do Estado, notada-
esvaziadas com a derrota sofrida em 1964. Isso,
mente à burocracia sindical, cujo objetivo básico
obviamente, comprometeu sua capacidade de
era reproduzir esses vínculos e aproveitar-se ao
atuar e influir politicamente.
máximo das benesses propiciadas pelas relações
estreitas com o Estado. E uma outra, que pode Apesar dessas significativas dificuldades, os
ser classificada como doutrinária, mais clara­ setores ligados às lutas “populares” consegui­
mente preocupada em defender reivindicações ram deixar sua marca no MDB, exercendo uma
forte pressão para que o partido adotasse um
perfil mais identificado com os seus projetos,
9 É difícil corroborar esta opinião. Certam ente a in­
notadamente nos primeiros anos da trajetória
fluência dos trabalhistas foi muito significativa, parti­
emedebista. Tal influência pode ser percebida
cularmente nos dois prim eiros anos, mas isto não im­
na elaboração do programa do partido, na consti-
plicou autom aticam ente em hegemonia. A influência
e capacidade de articulação dos políticos moderados,
principalm ente os ex-pessedistas, conseguia contra­ 10 Coluna do Castello, J o r n a l d o B r a s il , 14/12/65,
balançar o peso num érico do grupo do ex-PTB. p. 04.
tuição de sua matriz discursiva e na prática po­ tinacionais no país.
lítica.
Quanto à “questão social”, a ênfase do dis­
O programa emedebista, negociado durante curso e da ação dos emedebistas — e, ressalte-
as articulações para a formação do partido, refle­ se, houve mais retórica que ação — concentrou-
tiu a sua composição heterogênea. Procurou-se se na denúncia do agravamento dos problemas
estabelecer um equilíbrio entre as posições das sociais do país, decorrência das políticas adota­
diversas correntes políticas integrantes do cam­ das pelo regime militar. A título de exemplo,
po oposicionista. O eixo central, único ponto podemos mencionar o caso da extinção da esta­
de convergência para todos, constituiu-se em bilidade no emprego e a implantação do FGTS
torno das reivindicações democráticas e de retor­ (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Os
no ao Estado de direito. grupos mais agressivos da oposição tentaram
protestar contra esta medida governamental, ar­
Contudo, outros dois elementos foram incor­
ticulando ações conjuntas com lideranças sindi­
porados ao programa de maneira a contentar os
cais no período 1966-67.
setores reformistas: a temática nacional e as rei­
vindicações sociais. Na verdade, a formulação No decorrer dos cerca de treze anos de e-
desses temas no programa era propositalmente xistência do partido cristalizou-se a existência
vaga, deixando margem para ambigüidades11 . de setores “esquerdistas” que permaneceram
Mas a ala mais radical do MDB procurou inter­ fiéis às bandeiras originais, mesmo tendo havido
pretá-los à sua maneira, enfatizando o naciona­ mudanças na sua composição e uma paulatina
lismo e a denúncia das mazelas sociais em seus redução da influência trabalhista13. A pressão
discursos e em sua militância. e a atuação política dos grupos reformistas con­
tribuiu sobremaneira para a constituição da cul­
No que se refere ao nacionalismo, foi muito
tura política emedebista, legada em grande me­
constante no discurso dos parlamentares da opo­
dida, posteriormente, ao PMDB.
sição o questionamento da penetração do capital
estrangeiro na economia brasileira, processo fa­ Um outro exemplo pode ser aventado para
cilitado e estimulado pelos governos milita­ mostrar a influência dos setores “reformistas”
res12 . No início dos anos 1970 a oposição tentou ou “populistas” e de suas lideranças dentro do
empreender ações mais concretas em relação ao MDB. O aval de Jango foi fundamental para que
problema: propôs o estabelecimento de uma CPI esses setores aderissem ao movimento conheci­
no Congresso para investigar a atuação das mul­ do como “ Frente Ampla” e contornassem as difi­
culdades políticas relacionadas a ele. A articula­
ção da Frente Ampla ocorreu em 1967/68 e ten­
tava congregar as principais lideranças políticas
11 A formulação básica do program a era a seguinte:
que naquele momento se colocavam em rota de
restauração plena da dem ocracia representativa;
colisão com o regime militar. Os três grandes
política de desenvolvim ento nacional; política de
justiça social; política externa de independência, sem
nomes encabeçando o movimento eram Jus-
prejuízo da solidariedade com os países democráticos celino Kubitschek, João Goulart e Carlos La­
{ J o r n a l d o B r a s il\ 23/1 1/65, p. 07). cerda, este último tendo aderido recentemente
à oposição, desencantado com o regime que aju­
12 “Como se vê, a política de intercâmbio, sem que
dou a implantar. Era uma articulação que passa-
entremos em m aiores porm enores, [...] se revestiu
de preocupações de aniquilar com o em presário naci­
onal. Primeiro, dificulta para o mesmo produzir e,
13 No início de 1 975 o J o r n a l d o B r a s il fez uma
em seguida, facilita a im portação de produtos sim i­
lares ao nacional, para com pletar a obra de liquidação pesquisa de opinião entre os congressistas. Uma das
industrial do país. E a desnacionalização de nossa perguntas era sobre a participação do Estado na eco­
fábricas deverá ser o fim do Brasil, por isso que ela nomia. Entre os parlam entares do MDB, 60% eram
vem determinando, em termos alarmantes, o domínio a favor do aum ento da presença estatal na econom ia,
econômico dos capitalistas norte-am ericanos” . Dep. enquanto 22% defendiam a sua redução e 18% a sua
César Prieto, ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTA­ m anutenção nos patam ares então vigentes { J o r n a l
d o B r a s il , 15/04/75, pp. 04 e 05).
DOS, Vol. II, 15/02/66, p. 337.
va por cima dos partidos, visando estabelecer razões nem ideológicas nem técnicas que a-
um movimento amplo de luta pelo retorno à de­ conselhem a reconstituição das antigas legendas,
mocracia. inclusive a do PTB, que fornece o principal
núcleo do Partido oposicionista. Do ponto-de-
A aliança proposta para viabilizar a Frente
vista ideológico, o MDB atenderia hoja à média
causava muita polêmica entre os setores mais à
do pensamento esquerdista, na defesa de postu­
esquerda no espectro político. Muitos não conce­
lados nacionalistas, sociais e outros, que consti­
biam a hipótese de verem unidos Jango e La­
tuíam o núcleo da doutrina trabalhista. Na me­
cerda lutando do mesmo lado. Os embates dos
dida em que forças populares forem se integran­
anos anteriores estavam ainda muito frescos na
do na agremiação, mais autênticamente expri­
memória para serem colocados de lado facil­
mirá ela as posições básicas do trabalhismo e
mente. Vários deputados emedebistas subiram
do nacionalismo. Tecnicamente, o MDB oferece
à tribuna da Câmara para demonstrar sua estra­
uma base mais ampla de ação e um instrumento
nheza com relação aos rumores a respeito da
mais valioso de operação daquela doutrina do
articulação da Frente14. O número dos que se
que o PTB, que, recompondo-se agora, não con­
colocavam contra o movimento era apreciável.
taria com a colaboração ostensiva dos seus lí­
As resistências só foram definitivamente rompi­
deres populares, postos fora da vida pública pela
das quando foi anunciada publicamente a adesão
suspensão dos seus direitos políticos [...]. O
de Jango à Frente Ampla: “ Dirijo-me especial­
PTB, voltando, daria um golpe mortal no prestí­
mente à Oposição. Os que hesitaram — e os
gio do MDB e nem por isso se organizaria como
pouquíssimos que ainda hesitam — por motivos
fôrça capaz de substituí-lo [...]” 16.
compreensíveis, não têm mais motivo para fazê-
lo. Jango, cassado, está na Frente” 15. Ora, como sabemos, esse episódio não levou
a nada de concreto. A idéia de reorganização de
A nosso ver isso demonstra que a facção tra­
um partido trabalhista, naquela conjuntura, foi
balhista ligada à linha reformista, mesmo sendo
logo posta de lado. O mais importante e revela­
minoritária, tinha um poder de pressão razoável
dor não foi a articulação em si, mas o temor que
dentro do MDB. De qualquer modo, a presença
ela causou na liderança emedebista. O episódio
dos trabalhistas dentro do MDB, ideológicos ou
revelou o quanto a herança trabalhista era impor­
não, era fundamental para conferir ao partido
tante para o MDB pois, como foi demonstrado,
uma imagem e um apelo populares. Isto pode
o PTB constituía o principal núcleo do partido
ser exemplificado por um episódio relatado por
das oposições. O temor causado pela proposta
Carlos Castello Branco.
de sua reorganização demonstra que havia um
Ainda em 1967, portanto pouco tempo após medo de que ela implicasse num esvaziamento
a implantação do bipartidarismo, um grupo de orgânico do MDB. Por outro lado, indica tam­
políticos trabalhistas articulou o ressurgimento bém que o MDB pretendia atuar aproximada­
do PTB. A proposta atemorizou algumas lide­ mente na mesma “faixa” do trabalhismo, objeti­
ranças emedebistas, preocupadas com um pro­ vando atingir o mesmo espaço e o mesmo elei­
vável esvaziamento do recém-fundado partido torado17 .
oposicionista. Castello Branco relatou a argu­
A preocupação das lideranças emedebistas
mentação dos líderes emedebistas, que procura­
em absorver e ocupar o espaço do PTB é com-
vam evitar a volta do PTB: “O Secretário-Geral
do MDB, Sr. Martins Rodrigues, invoca, em am­
paro do seu Partido, o argumento de que não há
16 Coluna do Castello, J o r n a l d o B r a s il , 1 1/07/67,
p. 04.

14 Caso, por exem plo, do Deputado Lurtz Sabiá, 17 Existem dados com provando que, pelo menos em
ANAIS DA CÂM ARA DOS DEPUTADOS, Vol. certas regiões, o MDB conseguiu atrair os votos dos
XX, 13/09/67, p. 475. antigos eleitores do PTB. Uma pesquisa realizada
em Niterói nas eleições m unicipais de 1976 levantou
15 D eputado David Lerer, ANAIS DA CÂM ARA elem entos apontando nessa direção. Cf. LIMA JR.,
DOS DEPUTADOS, Vol. XXII, 26/09/67, p. 95. 1978: 127.
preensível, se for considerada a grande penetra­ da na atuação oposicionista do MDB, constitu­
ção do PTB no eleitorado urbano. Uma pesquisa indo parcela substantiva no interior dos seg­
feita pelo IBOPE no início de 1964, abarcando mentos mais aguerridos do partido.
as oito maiores capitais brasileiras, revelou que,
Nos primeiros anos de existência do MDB,
nessas cidades, o PTB era o partido preferido
a convivência interna entre as diversas matrizes
do eleitorado. Tomando os dados para as oito
partidárias foi problemática. Não é difícil imagi­
capitais de maneira global, o PTB obtinha 29%
nar como foi complicado abrigar sob o mesmo
de preferência, contra 14% para a UDN e 7%
partido tendências e grupos tão diversos. Ainda
para o PSD (LAVAREDA, 1991:13 5). Outro da­
mais se for considerado que a adesão ao novo
do interessante: o PTB teve seus redutos mais
sistema partidário foi praticamente compulsória,
importantes na Guanabara e em Porto Alegre,
independendo da vontade dos atores em questão.
que foram também os centros urbanos de maior
Não se tratava somente de um problema de ori­
penetração emedebista. Sem dúvida nenhuma,
gem partidária diversa, com tudo que isto im­
o MDB conseguiu herdar parcelas significativas
plica em termos de práticas e tradições diferen­
do eleitorado fiel aos trabalhistas.
tes. Havia também as questões ideológicas e pro­
Não se pode, contudo, desprezar o papel dos gramáticas, que se constituíam em fortes fatores
outros grupamentos políticos que contribuíram de dissenso, ultrapassando, muitas vezes, as
para a formação do MDB, particularmente o fronteiras dos partidos.
PSD. O Partido Social Democrático deixou uma
Inicialmente as disputas e dissensões ocorri­
marca profunda no novo partido, principalmente
am basicamente antepondo as lideranças de ori­
entre os emedebistas que viriam a ser conhecidos
gem petebistae pessedista. Lideranças trabalhis­
depois como integrantes da ala moderada do
tas de corte mais radical discordavam do oposi-
Movimento Democrático Brasileiro. O pessedis-
cionismo moderado que os políticos oriundos
mo legou ao MDB um núcleo importante de po­
do PSD pretendiam adotar como linha para o
líticos experientes, que prestaram bons serviços
MDB. Destacaram-se neste embate, particular­
à causa da democracia. A matriz pessedista con­
mente, os deputados Doutel de Andrade e Os-
tribuía para dar um tom mais moderado à atua­
waldo Lima Filho. Ambos foram personalidades
ção oposicionista, através de uma predisposição
de grande expressão no período “populista”, mas
para a conciliação que irritava os membros mais
escaparam das primeiras cassações no imediato
radicais do MDB. Todavia, em diversos momen­
pós-64. Atuando dentro do MDB eles lutavam
tos, particularmente quando o autoritarismo se
para colocar o partido numa postura próxima
fez sentir com mais força, a experiência e mo­
ao seu projeto histórico, caudatário das propos­
deração dos ex-pessedistas foram cruciais para
tas reformistas dos anos 60. Poupados em 1964,
manter a frente oposicionista e dar-lhe um rumo
sua vida política ativa e legal não durou muito,
conseqüente.
contudo. Doutel foi cassado em novembro de
Quanto aos pequenos partidos que também 1966 e Oswaldo Lima Filho em 1968, pelo AI-
deram sua contribuição para a estruturação do 5. Mas, enquanto puderam atuar, estas e outras
MDB, é mais difícil aquilatar o seu grau de influ­ lideranças se bateram no interior do MDB contra
ência. Amalgamaram-se, de um modo geral, na os que propunham uma atuação moderada para
grande frente democrática representada pelo a oposição. Em agosto de 1966, por exemplo,
MDB. Os políticos oriundos dos pequenos parti­ defenderam uma proposta na bancada do MDB
dos de orientação trabalhista ou socialista, além no sentido de que o partido adotasse uma postura
dos comunistas do PCB, adotaram posições de obstrução em relação às iniciativas legislati­
convergentes com as do grupo reformista do vas governamentais { J o r n a l d o B r a s i l , 17/08/
PTB, aderindo ao MDB. Foi justamente essa 66, p. 04). Isto se chocava com a posição dos
convergência que contribui para que o perfil pró­ ex-pessedistas, propensos a negociar sempre.
prio dessas agremiações ficasse freqüentemente
Em decorrência da divergência quanto à linha
obscurecido dentro do novo partido. Contudo,
que o partido deveria seguir, a disputa pela lide­
muitos elementos provenientes destas orga­
rança da bancada na Câmara Federal tornou-se
nizações menores tiveram importância destaca­
acirrada. Explica-se essa disputa pelo fato de o
líder desempenhar importante papel na atuação No entanto, não se pode deixar de chamar
parlamentar do partido, tornando-se uma de suas atenção para o fato de que a repressão, tornada
expressões mais visíveis. No começo de 1967, corriqueira no regime militar, foi responsável
o grupo ligado ao trabalhismo articulou o lança­ pela eliminação política de uma infinidade de
mento da candidatura do deputado Oswaldo Li­ lideranças. A renovação nos quadros partidários
ma Filho a líder. A intenção era, através da ocu­ foi propiciada também pela onda repressiva. Os
pação da liderança, influir para que o MDB tri­ espaços políticos abertos deixados pelos cassa­
lhasse por um oposicionismo mais radical. Do dos iam sendo ocupados, muitas vezes, por pes­
lado mais moderado o candidato era Martins Ro­ soas iniciantes na vida política. Portanto, a reno­
drigues, ex-integrante do PSD, que vinha exer­ vação e a superação dos marcos partidários an­
cendo a liderança do MDB desde 1966. Por fim, teriores foram fruto da evolução temporal e da
articulou-se a candidatura de um t e r t i u s na pes­ dinâmica social, mas também da sanha persecu­
soa do deputado Mário Covas, que acabou ele- tória dos governos pós-64.
gendo-se líder (.J o r n a l d o B r a s i l , 02/02/67, p.
Mesmo assim, algumas formações políticas
04). O episódio revela assim a dinâmica das
mantiveram suas bases atuando na frente emede-
disputas internas no início da trajetória emede-
bista e conseguiram se reaglutinar depois, na
bista.
reforma partidária de 1979. Foi o que ocorreu
Esta disputa pela liderança, ocorrida em com os trabalhistas seguidores da liderança de
1967, é também um marco no que se refere à Leonel Brizola, que organizaram o Partido De­
superação do vínculo com os partidos anteriores. mocrático Trabalhista. Mas a grande maioria das
A bancada decidiu que a escolha do líder não figuras de expressão pol ítica anterior ao biparti-
deveria mais ocorrer baseada em composições darismo optaram, em 1979/80, por não voltar
a partir dos antigos partidos, como havia ocorri­ aos esquemas antigos, adotando soluções parti­
do no ano anterior. Decidiu-se que o líder deve­ dárias novas. Muitos trabalhistas históricos pre­
ria ser aquele que obtivesse maior número de feriram permanecer no PMDB, praticamente
votos na bancada, independente de sua origem uma continuação do MDB.
partidária (.J o r n a l d o B r a s i l , 22/01/67, p. 03).
Obviamente, porém, a progressiva superação
Isto pode ser considerado um sintoma de que o
da herança dos partidos extintos não implicou
MDB começava a ser encarado como um partido
no desaparecimento das clivagens internas. Os
de fato, com existência própria, e não um agre­
posicionamentos políticos distintos permanece­
gado de fragmentos de outras agremiações.
ram, alimentando as cisões e as disputas intra-
De fato, paulatinamente a herança dos par­ partidárias. Só que cada vez menos as diver­
tidos extintos foi sendo superada e essa supera­ gências dependiam das ligações partidárias ante­
ção deve ser entendida no sentido de incorpora­ riores. Elas passaram a ser fruto de uma dinâmi­
ção, e não rejeição. As propostas, os projetos e ca interna própria ao MDB, que mantinha em
as características que os partidos extintos impri­ pauta temas antigos, como o nacionalismo, e
miram ao MDB permaneceram, mas foram sen­ recolhia outros recentes, ou renovados, como a
do transformadas ou enriquecidas ao longo do luta contra o arrocho salarial.
tempo. As mudanças ocorridas na realidade soci­
Por outro lado, se é verdade que o vínculo
al exigiram a atualização de certas fórmulas e
com o quadro partidário anterior foi superado,
de certas práticas. Além disso, houve uma reno­
não se pode esquecer que a influência dos
vação muito grande dos próprios quadros políti­
antigos partidos deixou traços permanentes no
cos partidários. Os elementos mais jovens que
MDB, marcando profundamente sua atuação,
iam sendo incorporados à vida parlamentar fre­
seu programa e mesmo sua cultura política. O
qüentemente não tinham pertencido a nenhum
com prom isso de reunir liberais moderados,
partido anterior. A própria marcha do tempo tor­
democratas e esquerdistas de diversos matizes
nava esse fenômeno inevitável, criando uma
levou o partido a procurar um espaço de atuação
geração de políticos com maior grau de liberda­
na área de confluência entre o centro e a es­
de em relação ao passado e cujo único vínculo
querda do espectro político.
era com o MDB.
Rodrigo Patto Sá Motta é Mestre em História (UFMG) e Professor do Departamento de História da
mesma universidade.

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