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RESUM O
Vejamos o quadro da origem partidária dos Observando melhor os quadros pode-se che
deputados que fundaram o MDB: gar a outras conclusões interessantes. O ex-PTB
era majoritário dentro do MDB. Dentre os extin
QUADRO 1
tos partidos era o que forneceu o maior número
V in c u la ç ã o p a r t i d á r i a a n t e r i o r de quadros à oposição. Dos representantes na
d o s d e p u ta d o s e m e d e b is ta s Câmara que aderiram ao MDB em 1966, cerca
de 50% tinham pertencido ao PTB. No Senado
esta proporção ascendia a 59%. O PSD vinha
em seguida com 30% na Câm ara e 27% no
PTB 75
PSD 44
UDN 10 6 FLEISCHER, 1984: 127.
Senado7 .
Verificando-se a origem partidária dos depu LEGISLATURA DE 1971-1975
tados eleitos pelo MDB nas legislaturas subse
(Deputados e Senadores do MDB)
qüentes, percebe-se que os ex-petebistas conti
nuaram sendo o grupo mais numeroso, exceto
em 1978, como pode ser visto nos quadros para QUADRO 5 QUADRO 6
as quatro legislaturas a partir de 1966, quando
ocorreram as primeiras eleições sob o bipartida- Câmara Senado
rismo. origem N° origem N°
PTB 32 PTB 1
LEGISLATURA DE 1967-1971 PSD 22 PSD 4
(Deputados e Senadores do MDB) UDN 8 PSP 1
PSP 4 PDC 1
QUADRO 3 QUADRO 4 PDC 3
Câmara Senado PTN 5
origem N° origem N° PR 2
PTB 50 PTB 10 PSB 2
PSD 39 PSD 5 * 8
UDN 14 UDN 1 Total 86 Total 7
PSP 8 PTN 1
PDC 5 PL 1 LEGISLATURA DE 1975-1978
PTN 7 PSB 1 (Deputados e Senadores do MDB)
PST 2
PL 2 QUADRO 7 QUADRO 8
PSB 1 Câmara Senado
* 5 origem N° origem N°
Total 133 Total 19
PTB 42 PTB 2
PSD 28 PSD 6
UDN 14 UDN 1
14 Caso, por exem plo, do Deputado Lurtz Sabiá, 17 Existem dados com provando que, pelo menos em
ANAIS DA CÂM ARA DOS DEPUTADOS, Vol. certas regiões, o MDB conseguiu atrair os votos dos
XX, 13/09/67, p. 475. antigos eleitores do PTB. Uma pesquisa realizada
em Niterói nas eleições m unicipais de 1976 levantou
15 D eputado David Lerer, ANAIS DA CÂM ARA elem entos apontando nessa direção. Cf. LIMA JR.,
DOS DEPUTADOS, Vol. XXII, 26/09/67, p. 95. 1978: 127.
preensível, se for considerada a grande penetra da na atuação oposicionista do MDB, constitu
ção do PTB no eleitorado urbano. Uma pesquisa indo parcela substantiva no interior dos seg
feita pelo IBOPE no início de 1964, abarcando mentos mais aguerridos do partido.
as oito maiores capitais brasileiras, revelou que,
Nos primeiros anos de existência do MDB,
nessas cidades, o PTB era o partido preferido
a convivência interna entre as diversas matrizes
do eleitorado. Tomando os dados para as oito
partidárias foi problemática. Não é difícil imagi
capitais de maneira global, o PTB obtinha 29%
nar como foi complicado abrigar sob o mesmo
de preferência, contra 14% para a UDN e 7%
partido tendências e grupos tão diversos. Ainda
para o PSD (LAVAREDA, 1991:13 5). Outro da
mais se for considerado que a adesão ao novo
do interessante: o PTB teve seus redutos mais
sistema partidário foi praticamente compulsória,
importantes na Guanabara e em Porto Alegre,
independendo da vontade dos atores em questão.
que foram também os centros urbanos de maior
Não se tratava somente de um problema de ori
penetração emedebista. Sem dúvida nenhuma,
gem partidária diversa, com tudo que isto im
o MDB conseguiu herdar parcelas significativas
plica em termos de práticas e tradições diferen
do eleitorado fiel aos trabalhistas.
tes. Havia também as questões ideológicas e pro
Não se pode, contudo, desprezar o papel dos gramáticas, que se constituíam em fortes fatores
outros grupamentos políticos que contribuíram de dissenso, ultrapassando, muitas vezes, as
para a formação do MDB, particularmente o fronteiras dos partidos.
PSD. O Partido Social Democrático deixou uma
Inicialmente as disputas e dissensões ocorri
marca profunda no novo partido, principalmente
am basicamente antepondo as lideranças de ori
entre os emedebistas que viriam a ser conhecidos
gem petebistae pessedista. Lideranças trabalhis
depois como integrantes da ala moderada do
tas de corte mais radical discordavam do oposi-
Movimento Democrático Brasileiro. O pessedis-
cionismo moderado que os políticos oriundos
mo legou ao MDB um núcleo importante de po
do PSD pretendiam adotar como linha para o
líticos experientes, que prestaram bons serviços
MDB. Destacaram-se neste embate, particular
à causa da democracia. A matriz pessedista con
mente, os deputados Doutel de Andrade e Os-
tribuía para dar um tom mais moderado à atua
waldo Lima Filho. Ambos foram personalidades
ção oposicionista, através de uma predisposição
de grande expressão no período “populista”, mas
para a conciliação que irritava os membros mais
escaparam das primeiras cassações no imediato
radicais do MDB. Todavia, em diversos momen
pós-64. Atuando dentro do MDB eles lutavam
tos, particularmente quando o autoritarismo se
para colocar o partido numa postura próxima
fez sentir com mais força, a experiência e mo
ao seu projeto histórico, caudatário das propos
deração dos ex-pessedistas foram cruciais para
tas reformistas dos anos 60. Poupados em 1964,
manter a frente oposicionista e dar-lhe um rumo
sua vida política ativa e legal não durou muito,
conseqüente.
contudo. Doutel foi cassado em novembro de
Quanto aos pequenos partidos que também 1966 e Oswaldo Lima Filho em 1968, pelo AI-
deram sua contribuição para a estruturação do 5. Mas, enquanto puderam atuar, estas e outras
MDB, é mais difícil aquilatar o seu grau de influ lideranças se bateram no interior do MDB contra
ência. Amalgamaram-se, de um modo geral, na os que propunham uma atuação moderada para
grande frente democrática representada pelo a oposição. Em agosto de 1966, por exemplo,
MDB. Os políticos oriundos dos pequenos parti defenderam uma proposta na bancada do MDB
dos de orientação trabalhista ou socialista, além no sentido de que o partido adotasse uma postura
dos comunistas do PCB, adotaram posições de obstrução em relação às iniciativas legislati
convergentes com as do grupo reformista do vas governamentais { J o r n a l d o B r a s i l , 17/08/
PTB, aderindo ao MDB. Foi justamente essa 66, p. 04). Isto se chocava com a posição dos
convergência que contribui para que o perfil pró ex-pessedistas, propensos a negociar sempre.
prio dessas agremiações ficasse freqüentemente
Em decorrência da divergência quanto à linha
obscurecido dentro do novo partido. Contudo,
que o partido deveria seguir, a disputa pela lide
muitos elementos provenientes destas orga
rança da bancada na Câmara Federal tornou-se
nizações menores tiveram importância destaca
acirrada. Explica-se essa disputa pelo fato de o
líder desempenhar importante papel na atuação No entanto, não se pode deixar de chamar
parlamentar do partido, tornando-se uma de suas atenção para o fato de que a repressão, tornada
expressões mais visíveis. No começo de 1967, corriqueira no regime militar, foi responsável
o grupo ligado ao trabalhismo articulou o lança pela eliminação política de uma infinidade de
mento da candidatura do deputado Oswaldo Li lideranças. A renovação nos quadros partidários
ma Filho a líder. A intenção era, através da ocu foi propiciada também pela onda repressiva. Os
pação da liderança, influir para que o MDB tri espaços políticos abertos deixados pelos cassa
lhasse por um oposicionismo mais radical. Do dos iam sendo ocupados, muitas vezes, por pes
lado mais moderado o candidato era Martins Ro soas iniciantes na vida política. Portanto, a reno
drigues, ex-integrante do PSD, que vinha exer vação e a superação dos marcos partidários an
cendo a liderança do MDB desde 1966. Por fim, teriores foram fruto da evolução temporal e da
articulou-se a candidatura de um t e r t i u s na pes dinâmica social, mas também da sanha persecu
soa do deputado Mário Covas, que acabou ele- tória dos governos pós-64.
gendo-se líder (.J o r n a l d o B r a s i l , 02/02/67, p.
Mesmo assim, algumas formações políticas
04). O episódio revela assim a dinâmica das
mantiveram suas bases atuando na frente emede-
disputas internas no início da trajetória emede-
bista e conseguiram se reaglutinar depois, na
bista.
reforma partidária de 1979. Foi o que ocorreu
Esta disputa pela liderança, ocorrida em com os trabalhistas seguidores da liderança de
1967, é também um marco no que se refere à Leonel Brizola, que organizaram o Partido De
superação do vínculo com os partidos anteriores. mocrático Trabalhista. Mas a grande maioria das
A bancada decidiu que a escolha do líder não figuras de expressão pol ítica anterior ao biparti-
deveria mais ocorrer baseada em composições darismo optaram, em 1979/80, por não voltar
a partir dos antigos partidos, como havia ocorri aos esquemas antigos, adotando soluções parti
do no ano anterior. Decidiu-se que o líder deve dárias novas. Muitos trabalhistas históricos pre
ria ser aquele que obtivesse maior número de feriram permanecer no PMDB, praticamente
votos na bancada, independente de sua origem uma continuação do MDB.
partidária (.J o r n a l d o B r a s i l , 22/01/67, p. 03).
Obviamente, porém, a progressiva superação
Isto pode ser considerado um sintoma de que o
da herança dos partidos extintos não implicou
MDB começava a ser encarado como um partido
no desaparecimento das clivagens internas. Os
de fato, com existência própria, e não um agre
posicionamentos políticos distintos permanece
gado de fragmentos de outras agremiações.
ram, alimentando as cisões e as disputas intra-
De fato, paulatinamente a herança dos par partidárias. Só que cada vez menos as diver
tidos extintos foi sendo superada e essa supera gências dependiam das ligações partidárias ante
ção deve ser entendida no sentido de incorpora riores. Elas passaram a ser fruto de uma dinâmi
ção, e não rejeição. As propostas, os projetos e ca interna própria ao MDB, que mantinha em
as características que os partidos extintos impri pauta temas antigos, como o nacionalismo, e
miram ao MDB permaneceram, mas foram sen recolhia outros recentes, ou renovados, como a
do transformadas ou enriquecidas ao longo do luta contra o arrocho salarial.
tempo. As mudanças ocorridas na realidade soci
Por outro lado, se é verdade que o vínculo
al exigiram a atualização de certas fórmulas e
com o quadro partidário anterior foi superado,
de certas práticas. Além disso, houve uma reno
não se pode esquecer que a influência dos
vação muito grande dos próprios quadros políti
antigos partidos deixou traços permanentes no
cos partidários. Os elementos mais jovens que
MDB, marcando profundamente sua atuação,
iam sendo incorporados à vida parlamentar fre
seu programa e mesmo sua cultura política. O
qüentemente não tinham pertencido a nenhum
com prom isso de reunir liberais moderados,
partido anterior. A própria marcha do tempo tor
democratas e esquerdistas de diversos matizes
nava esse fenômeno inevitável, criando uma
levou o partido a procurar um espaço de atuação
geração de políticos com maior grau de liberda
na área de confluência entre o centro e a es
de em relação ao passado e cujo único vínculo
querda do espectro político.
era com o MDB.
Rodrigo Patto Sá Motta é Mestre em História (UFMG) e Professor do Departamento de História da
mesma universidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OUTRAS FONTES