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Artigo original

OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O


PARTIDO DOS TRABALHADORES (1980-2016)*
Carla de Paiva Bezerra
https://orcid.org/0000-0001-5238-354X

Universidade de São Paulo (USP), São Paulo – SP, Brasil. E-mail: carlabezerra@usp.br

DOI: 10.1590/3410016/2019

Nas eleições de 1982, o Partido dos Trabalha- bre como deve ocorrer a sua efetivação nos variados
dores (PT) lança um mote que o acompanharia em espaços institucionais ocupados pelo partido. Essas
sua história: “governar com participação popular e disputas ocorrem nas instâncias partidárias e, prin-
inversão de prioridades”. A defesa da participação cipalmente, em governos sob sua administração, a
como elemento indissociável de uma visão de de- partir dos quais o debate extrapola o partido e passa
mocracia política e econômica está presente desde a a envolver também a sociedade civil.
fundação do partido e permanece nos documentos Após análise sistemática de resoluções e publi-
internos até hoje. Constitui seu núcleo ideológico, cações partidárias, apresentamos neste artigo como
compreendendo os valores mínimos sobre os quais os sentidos atribuídos ao termo participação – bem
o partido constrói sua identidade e coesão (Free- como seus vários adjetivos – vão gradualmente se
den, 1996). A defesa da participação é também alvo modificando. O trabalho ancora-se na análise da
de intensas disputas sobre seu sentido político e so- variação de cinco aspectos que explicitam como o
PT abordou a ideia da participação em diferentes
períodos de sua história: (a) ideias adjacentes, no
sentido dado por Freeden (1996), isto é, com quais
* Este artigo é uma síntese atualizada da dissertação de mes-
trado defendida em 2014, disponível em: <http://www. outros ideais a participação se conecta em diferentes
teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-06102014- momentos, de modo a moldarem seu significado;
105726/pt-br.php>. Agradeço o apoio do CNPq. (b) a posição ocupada pelo partido na institucio-
Artigo recebido em: 08/03/2017 nalidade; (c) a instituição participativa prevalen-
Aprovado em: 01/04/2019 temente utilizada; (d) a relação estabelecida entre
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Estado e sociedade civil no processo participativo; foram realizadas entrevistas com atores importantes,
(e) o mote ou lema partidário e/ou de governo. para dirimir eventuais dúvidas ou lacunas não solucio-
A variação desses diversos aspectos nos permite nadas pelo registro documental disponível. De posse
estabelecer três grandes períodos temporais: o pri- desse material documental, buscamos reconstruir os
meiro vai da fundação do partido, em 1980, até o acontecimentos históricos, apoiando-nos também na
lançamento do livro O modo petista de governar, em revisão da literatura, sempre confrontada com os do-
1992, que sintetiza os aprendizados das primeiras cumentos. No caso de divergências, apoiamo-nos nas
gestões municipais; o segundo, caracterizado pelo posições expressas nos documentos.
crescimento eleitoral partidário, com a expansão da Ao estabelecermos as resoluções aprovadas, seja
sua presença em governos municipais e estaduais, em encontros ou congressos, como fio condutor,
até a eleição para o governo federal, em 2002; o ganhamos a vantagem da comparabilidade sistemá-
terceiro período inicia-se no primeiro mandato do tica sobre as mudanças no interior do partido. Por
ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva e estende-se outro lado, é preciso ressaltar que tal escolha aca-
até o impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, bou por privilegiar a análise das posições que pre-
em 2016. valeceram no interior do partido, em detrimento
Afirmamos que o PT transitou do ideal radical dos debates e disputas internos. No entanto, nosso
de delegação total de poder aos movimentos so- maior interesse neste artigo é compreender a sín-
ciais para uma gradual consolidação da função de tese das ideias partidárias, mais do que mapear as
fiscalização, controle e elaboração de políticas pú- diferentes posições em detalhe. A diversidade de
blicas em espaços compartilhados entre governo e posições, no entanto, é perceptível nos demais do-
sociedade civil. Nosso argumento é de que há uma cumentos analisados, como os artigos da Teoria &
dinâmica relacional, em que a adoção de diferen- Debate, cadernos e livros com artigos publicados
tes instituições participativas para a concretização pela FPA, bem como nas entrevistas realizadas.
da diretriz da participação simultaneamente molda Além desta introdução, o artigo está organiza-
e reflete as preferências ideológicas partidárias. Se, do em mais cinco seções. A primeira apresenta o
por um lado, a diretriz da participação vem do conceito de morfologia da ideologia e sua aplicação
processo fundacional do partido e de sua origem na análise sobre as mudanças no ideário participati-
movimentista, o modo de colocar em prática essa vo do PT. As três seções seguintes tratam cada uma
diretriz é feito de forma experimentalista e difusa, de um período histórico. A que se refere aos anos
sendo as experiências bem-sucedidas posteriormen- 1980 – segunda seção – mostra como o mote da
te incorporadas pelo partido e difundidas enquanto “participação popular e inversão de prioridades”
tal. Tais mudanças são permeadas por conflitos par- aparece nos documentos fundacionais do partido,
tidários, seja entre seus grupos internos, seja entre seguido da análise da proposta de “conselhos popu-
aqueles que ocupam diferentes espaços de atuação: lares”. A terceira discute o “modo petista de gover-
governo, estrutura partidária e movimentos sociais. nar”, marca cunhada a partir das primeiras gestões
A metodologia de pesquisa baseou-se central- municipais do PT, após a Constituição de 1988,
mente na análise documental. Como fio condutor, que têm como carro-chefe o Orçamento Participa-
que estabelece um parâmetro comparativo, há a aná- tivo (OP). A quarta seção analisa a política partici-
lise sistemática de alguns documentos nacionais do pativa do PT a partir de 2003, quando o partido
PT: primeiramente, todas as resoluções de encontros e assume a direção do governo federal. O artigo en-
congressos; depois, os veículos de comunicação nacio- cerra-se com nossas considerações finais.
nal do PT, que tiveram diferentes nomes ao longo do
tempo: Boletim Nacional, PT Notícias e a revista Teo-
ria & Debate. Também foram analisadas, como docu- As transformações do PT
mentos, publicações que expressam posições partidá-
rias, editadas pela Fundação Perseu Abramo (FPA) ou O PT é o partido brasileiro que mais recebeu
ainda pelo governo, durante gestão petista.1 Por fim, atenção de estudiosos, em análises que se dedicam a
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diferentes recortes: organização partidária e víncu- flui na ideia de que o PT nasceu como um partido
los sociais, governos locais, governo federal e atua- de esquerda ideológico, com forte enraizamento
ção legislativa. Amaral e Power (2016) subdividem social e compromisso com políticas sociais redistri-
a significativa produção teórica sobre o partido em butivas. Também concorda que ocorreram mudan-
quatro “ondas”, que são simultaneamente uma di- ças significativas na organização e no programa do
visão cronológica e temática. partido ao longo de sua história, com um processo
A primeira onda é cunhada como “fundação de moderação programática e a maior ênfase na di-
e consolidação” do PT e recai sobre a novidade mensão eleitoral e de governabilidade, bem como
da sua presença no cenário político brasileiro, sua o envolvimento do partido em grandes escândalos
composição social, correntes e debates internos, de corrupção, notadamente os que ficaram conhe-
destacando-se os estudos de Keck (1991) e Mene- cidos como Mensalão e Operação Lava Jato. Essas
guello (1989). A segunda onda é denominada de mudanças também tiveram reflexo na composição
“experiências subnacionais” e abarca o início dos interna partidária, com a saída ou expulsão de se-
anos 1990, cujos temas centrais são a relação entre tores considerados mais radicais, que formaram di-
partido, governo e movimento social e sobre como ferentes partidos de esquerda: PSTU (1993), PCO
implementar mecanismos de participação na ges- (1995) e, finalmente, PSOL (2004).3 No entanto,
tão, sobre os quais se debruçaram Simões (1992), há divergências significativas entre os autores sobre
Couto (1995) e Abers (1996).2 Certamente, dentre as razões que motivaram tais alterações, a intensi-
as “ondas”, é nesta que o tema da promoção da par- dade da mudança ocorrida e seus impactos sobre o
ticipação aparece de modo mais forte, com grande futuro dos vínculos sociais e da militância da orga-
destaque para a temática do “modo petista de go- nização partidária.
vernar” e os estudos de caso sobre OP. A terceira Cabe destacar ainda que a análise de mudança
onda aparece como “a transformação e moderação programática e ideológica do PT se centra nos se-
do PT” e abarca análises das transformações ideo- guintes aspectos: fortalecimento de uma estratégia
lógicas, programáticas e organizacionais do partido, eleitoral voltada à maximização de votos e flexibi-
ocorridas a partir de meados da década de 1990. Já lização do leque de alianças e coalizões de governo,
a quarta onda é sobre o “PT no governo federal”, adoção de política econômica ortodoxa e desvios
havendo uma continuidade dos temas abordados de corrupção (Samuels 2004; Hunter, 2007; Sin-
relacionados na terceira onda, agora sob a ótica dos ger, 2010). Ainda no que diz respeito à organização
efeitos de ser governo (incumbency), destacando-se interna partidária, Ribeiro (2010) afirma que o PT
autores como Samuels (2004), Hunter (2007), Ri- caminhou no sentido de uma crescente dependên-
beiro (2010), Singer (2010) e Amaral (2013). cia da estrutura estatal, embora ainda mantendo
Posteriormente a esse balanço bibliográfico, vínculos fortes com a sociedade, conclusão seme-
há ainda trabalhos mais recentes, como o de Sin- lhante à de Amaral (2013), para quem as atividades
ger (2018), que analisa os dois governos de Dilma de militância interna se tornaram mais abrangen-
Rousseff, buscando explicar a “crise do lulismo”, tes, porém de menor intensidade. Por fim, Amaral
conceito elaborado pelo próprio autor, que cul- e Meneguello (2017) demonstram que o perfil dos
minou com o impeachment da presidente, e o de líderes intermediários do partido e suas relações
Amaral e Meneguello (2017), que analisa todo o com os movimentos sociais mantiveram-se cons-
período do PT no governo federal, de 2003 a 2016. tantes ao longo de sua história, o que criaria um
Os autores se valem de uma pluralidade de dados ambiente de permanente tensão interna com a cú-
eleitorais, partidários e de surveys de opinião para pula partidária.
traçar como os anos de governo petista alteraram o Apesar dessa significativa produção empírica
próprio partido, o cenário político brasileiro e pró- sobre o PT, não há nenhum estudo sistemático vol-
pria natureza da democracia no Brasil. tado à análise das transformações ocorridas no que
Considerando esse panorama, em suas diferen- identificamos como núcleo ideológico do partido – a
tes ênfases e referenciais teóricos, tal literatura con- defesa da participação popular e da inversão de prio-
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ridades – e suas políticas públicas participativas e re- trabalho tende a dar igual peso ao papel de atores
distributivas decorrentes. Singer (2010) sustenta que da sociedade civil, como as Comunidades Eclesiais
houve uma relativização de transformações estrutu- de Base, a polity community da saúde e os partidos
rais e do socialismo para privilegiar políticas sociais de esquerda. Assim, a relevância do PT, embora
com benefícios mais imediatos. Já Samuels (2004) perceptível, acaba diluída em função da opção nar-
ressalta que a visão radical de democracia, participa- rativa. Ainda, o trabalho não se propõe a apresentar
ção cívica, igualdade e inclusão social ainda prevalece mecanismos causais ou hipóteses que expliquem as
no partido, embora em conflito com uma política mudanças e escolhas feitas.
econômica pragmática. Por sua vez, Amaral e Me-
neguello (2017) destacam como, apesar do término
crítico e imprevisível, a era do PT no governo federal Morfologia da ideologia: núcleo,
atingiu marcos sociais importantes, com a redução adjacências e periferia
da pobreza e da desigualdade, o reconhecimento in-
ternacional em políticas associadas de aumento do O uso do termo núcleo ideológico se ancora na
salário mínimo, o fortalecimento de redes de prote- proposta de morfologia da ideologia desenvolvida
ção social e os programas de transferência de renda, por Freeden (1996). O autor entende a ideologia
como o Bolsa Família. como um agregado de conceitos políticos, que ga-
Colocando a análise por outro ângulo, a emer- nham significado na interrelação desses conceitos
gência de políticas participativas no Brasil pós-re- e de seu contexto histórico. O termo vem não por
democratização também conformou um campo acaso da linguística, de modo que podemos traçar
da literatura dedicado à inovação democrática, que um paralelo entre ideias e linguagem: assim como
inicialmente confere maior centralidade ao papel o sentido das palavras pode ser alterado pelo seu
da sociedade civil. Os partidos, embora necessários, contexto, o mesmo ocorre com os conceitos e ideias
aparecem apenas como atores providos de vontade políticas, que só ganham significado em conexão
política ou disposição para a concretização de insti- com outros conceitos.
tuições participativas, como parte de uma estratégia Os conceitos devem ser “essencialmente contes-
traçada pelas organizações da sociedade civil, que es- táveis”, isto é, manifestar a propriedade de represen-
tabelece com eles relações pontuais (Romão, 2010). tar valores significativos, dotados de complexidade
A importância do papel do PT, em específico, interna, que contenham diferentes descrições, por
e de partidos políticos, em geral, é retomada por vezes contraditórias entre si, e serem abertos a mu-
esse campo no final dos anos 2000, com a chegada danças em um contexto histórico e social mutável
do PT ao governo federal e a centralidade que as (Freeden, 1996). Exemplos de conceitos políticos
políticas participativas passaram a ter nesse plano, dotados dessas características seriam: democracia,
sendo os principais exemplos a criação de conselhos povo, legitimidade, igualdade, liberdade. A disputa
nacionais e realização de dezenas de conferências ideológica se dá na busca de controle do sentido e
nacionais de políticas públicas. Desse modo, há da linguagem política, de modo a orientar a ação e o
mudança na abordagem da literatura, que passa a poder político da sociedade. Por isso que há disputa
dar destaque à relação estabelecida entre sociedade pelo uso das palavras e sobre o seu significado.
política e sociedade civil (Wampler, 2008; Romão, A morfologia proposta por Freeden pressu-
2010; Bülow e Abers, 2011; Souza, 2011; Tatagi- põe diferentes camadas onde as ideias ou conceitos
ba e Blikstad, 2011; Teixeira, 2013). Tais estudio- políticos estão posicionados entre o núcleo (core)
sos tendem a centrar suas análises em governos e e a adjacência ou a periferia de dada ideologia. O
períodos específicos. Teixeira (2013) é exceção ao núcleo constitui o elemento fundamental e especí-
buscar contar “uma história da participação”, cote- fico, capaz de se manter sozinho; os componentes
jando diferentes momentos históricos com base em adjacentes ou periféricos são adicionados para dar
narrativas dos atores envolvidos no processo. No maior densidade ao conceito, sendo mais voláteis e
entanto, ao reunir narrativas de diversos atores, seu passíveis de mudanças conforme o contexto. Assim,
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importa não só a presença do conceito, mas o seu fim de compreender quais se posicionam à direita,
posicionamento dentro dessa estrutura ideológica. à esquerda ou ao centro do espectro partidário bra-
Por exemplo, os conceitos de igualdade e liberdade sileiro, seja em termos de preferência do eleitorado
estão presentes tanto na ideologia socialista quanto (Singer, 2002; Carreirão, 2007), de votações no
na liberal. A diferença estaria na posição que cada Parlamento (Power e Zucco, 2009) ou composição
um ocupa na sua morfologia interna. No socialis- sócio-ocupacional de bancadas (Rodrigues, 2002).
mo, prevalece a igualdade como núcleo e a liber- A proposta estaria mais relacionada com a ideia do
dade como adjacência, enquanto no liberalismo Projeto Manifesto,4 que disponibiliza uma base de
ocorre o inverso. A maior ou menor proximidade dados que permite realizar análises quantitativas
da liberdade em relação ao núcleo igualdade, no comparadas de programas eleitorais de partidos de
caso do socialismo, e outras ideias adjacentes, é todo o espectro ideológico de diversos países do
o que explicaria as variações nessa grande família mundo, de modo a estudar as preferências partidá-
ideológica, que vai do socialismo soviético à social rias sobre políticas públicas. Muito mais modesta-
democracia (Freeden, 1996). mente, nosso estudo realiza uma análise qualitativa
Em nosso estudo, exploramos como o concei- sobre a preferência de um partido brasileiro em
to político de participação ocupa lugar central na uma política específica.
ideologia petista, refletida nas resoluções e progra- Em segundo lugar, como mencionamos na se-
mas de governo. Consideramos que o núcleo ideo- ção anterior, as críticas relacionadas à mudança pro-
lógico do PT é o de “um partido que governe para gramática do PT não se concentram em qualquer
os setores marginalizados da sociedade”, com “par- desses elementos do seu núcleo ideológico, com ex-
ticipação popular e inversão de prioridades”, isto é, ceção talvez da aplicação de uma política econômi-
a inclusão desses setores marginalizados tanto no ca ortodoxa. A defesa da ética na política e o com-
plano dos direitos sociais e econômicos como na bate à corrupção, por exemplo, tornam-se centrais
arena política. Trata-se de elementos que definem a para o partido somente nos anos 1990, quando são
essência e identidade do PT, identificados por sua usados para se firmar como um partido de oposição
constância nas resoluções de encontros e congressos no Congresso Nacional. Nesse momento, o PT já
e nos programas de governo, desde a sua fundação, tinha sua estrutura voltada para o crescimento elei-
em 1980, até a interrupção do segundo mandato toral em municípios e, em especial, para a disputa
presidencial de Dilma Rousseff, em 2016. do governo federal. Se o envolvimento posterior
No presente artigo, a análise se concentra na de lideranças do partido em grandes esquemas de
ideia da participação e como esta muda de signifi- corrupção o fez perder parte do seu eleitorado, esse
cado pelo reposicionamento dos conceitos adjacen- não foi o motivo para novos rompimentos internos
tes e periféricos. A participação popular promovida partidários, pois teve efeito diminuto sobre suas
pelos conselhos populares da década de 1980 não é lideranças intermediárias, cujo perfil permanece
exatamente a mesma da participação social previs- estável em todo o período (Amaral e Meneguello,
ta no Sistema Nacional de Participação Social em 2017). Ou seja, a defesa da ética na política, por
2014, embora possa ser traçada alguma continui- mais que tenha sido um componente importante
dade. Isto é, embora o núcleo permaneça, a mu- da identidade pública e eleitoral do PT em dado
dança nos conceitos adjacentes ocasiona mudança momento histórico, não pode ser alçada a elemento
do próprio significado da participação para o PT, do núcleo ideológico, seja por não ter centralidade
nos diferentes contextos em que o partido atua ao no momento da fundação do partido, seja porque
longo de sua história. situações de envolvimento em corrupção, embo-
Nossa abordagem sobre ideologia partidária ra tenham gerado crises internas, não chegaram a
difere-se do que tem predominado na ciência po- colocar em cheque a própria identidade partidária.
lítica brasileira em dois sentidos. Primeiramente, Vejamos a seguir, como se apresentam os princípios
ela não está preocupada em estabelecer um posicio- fundantes do PT em suas resoluções.
namento relacional entre diferentes agremiações, a
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Os princípios fundantes do visava romper com o que é associado a elementos


Partido dos Trabalhadores tradicionais da política brasileira, tais como práticas
clientelistas, corrupção e procedimentos burocráti-
O PT define-se também como partido das massas cos (Souza, 2008; Keck, 1991).
populares, unindo-se ao lado dos operários, vanguarda Somente no VII Encontro Nacional, realizado
de toda a população explorada, todos os outros
trabalhadores – bancários, professores, funcionários logo após a queda do muro de Berlim, em maio/ju-
públicos, comerciários, boias-frias, profissionais liberais, nho de 1990, é que se tem a primeira resolução em
estudantes, etc. – que lutam por melhores condições busca de sistematizar o “socialismo petista”. Nela, o
de vida, por efetivas liberdades democráticas e por PT anuncia ser um partido crítico às experiências
participação política. do socialismo real, bem como à social-democracia.
O PT afirma seu compromisso com a democracia
plena, exercida diretamente pelas massas, pois não O PT entende ser necessária a superação do capi-
há socialismo sem democracia e nem democracia sem talismo como sistema de opressão, colocando-se
socialismo. solidário às experiências de libertação dos trabalha-
Carta de Princípios (1º de maio de1979)5 dores. Afirma ainda que a democracia é um valor
estratégico para o partido, expressa inclusive em sua
O Partido dos Trabalhadores afirma, em seu organização interna, plural e não verticalizada. O
manifesto de fundação, ser um partido construído socialismo democrático tem como dimensões in-
“ao mesmo tempo em que se desenvolvem as lu- dissociáveis a igualdade econômica e as liberdades
tas dos trabalhadores” e cujo programa “não nasce democráticas de participação política.
pronto e acabado”.6 Em função de sua composição Essa resolução nos permite ampliar o alcance
heterogênea, que reunia atores oriundos de diferen- da expressão “inversão de prioridades-participação
tes tradições políticas, qualquer tipo de resolução popular”. A participação política não faz sentido
programática exigia um tempo de maturação e de- para o PT sem estar associada à dimensão de justiça
bate significativo. A maior parte dos estudos sobre social e transformação econômica. Há uma profun-
o PT7 aponta uma composição partidária confor- da ligação entre democracia política e democracia
mada por quatro grandes blocos: sindicalistas, mo- econômica, e a noção de “inversão de prioridades”
vimentos ligados à Igreja Católica, movimentos equivale à defesa da igualdade econômica e da jus-
sociais rurais e urbanos diversos e grupamentos tiça social, enquanto a “participação popular” se
marxistas saídos da clandestinidade. Acrescente-se vincula à igualdade política para participar e incidir
a esses quatro blocos a figura dos intelectuais e dos sobre os espaços de poder.
parlamentares oriundos do MDB (Keck, 1991; A ideia de que os mecanismos de participação
Meneguello, 1989; Souza, 2008; Baiocchi, 2003). democrática deveriam ir além do voto era expressa
Todos esses diferentes atores irão contribuir e in- no propósito de incentivo à mobilização e organiza-
fluenciar a conformação do programa e da prática ção política da sociedade em torno de determinadas
política do partido. causas ou demandas. Muitas vezes, estava associada
Anos antes da primeira resolução partidá- também à noção de democracia direta, evidencia-
ria sobre socialismo, são estas palavras de ordem da na proposta de plebiscitos e consultas, que eram
que atuam como diretrizes da ação político-par- utilizados pelo PT como forma de mobilização. O
tidária: “a inversão de prioridades”, cujo sentido sentido da participação estava fortemente associa-
era constituir políticas públicas direcionadas para do ao ideal de transformação social profunda: criar
os trabalhadores, os setores populares e os menos condições para a revolução e a construção do so-
favorecidos; e “a participação popular”, que sig- cialismo.
nificava instituir e estimular toda forma possível
de participação política desses mesmos setores, os Conselhos populares
quais o partido almejava organizar e representar.
Outro elemento também presente na fundação é A primeira proposta para promoção da parti-
o da “transformação da estrutura do Estado”, que cipação dos cidadãos nas decisões do governo era o
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de governar por meio de conselhos populares. Em diante dos conselhos instituídos pelo PMDB,8 vis-
sua concepção inicial, abarcava toda espécie de ex- tos como espaços de cooptação de lideranças pelo
periência de organização local acumulada pelo PT: governo, que não criavam formas permanentes de
formas que os movimentos que deram origem ao organização e controle do poder por parte da popu-
partido já organizavam (Comunidades Eclesiais de lação (Moisés, 1985).
Base, organização por local de trabalho, células, nú- A ambiguidade e a insuficiência do conceito
cleos de base partidários ou ainda conselhos comu- de conselhos populares foram evidenciadas com a
nitários de saúde, moradia etc.), misturadas com chegada do PT aos governos locais. Os militantes
referências marxistas inspiradas nos sovietes russos e filiados petistas, antes ocupantes de espaços estri-
e na Comuna de Paris. Trata-se de um esforço de tamente reivindicatórios e com forte recorte social,
traduzir o ideário de participação das bases em uma se veem premidos a ocupar instâncias de poder na
proposta concreta para ser executada por um gover- qual devem agregar interesses e atender reivindica-
no eleito pelo PT (Bittar, 1992). ções de modo universal. Anteriormente, o PT ocu-
Tal proposta era evidentemente dúbia, e seus pava uma posição marcadamente reivindicatória e
sentidos eram muito disputados por setores do par- oposicionista em relação ao Estado. Nesse sentido,
tido com diferentes origens sociais. Aqueles mais seu discurso e suas ações podiam referir-se a ape-
fortemente vinculados a tradições marxista-leni- nas um setor social, que ele alegava representar. Já
nistas viam os conselhos populares como espaços ocupar o Estado significava governar para toda a
de organização dos trabalhadores, ponto inicial população e ter de negociar com todos os setores
de processos revolucionários de cunho socialista. políticos. Essa mudança de posição institucional
Qualificados como “embriões do duplo poder”, foi denominada por Couto (1994) de “mudança
os espaços dos conselhos eram vistos como locais ambiental”, potencializando conflitos no interior
de fortalecimento de poder da classe trabalhadora, do partido, onde passam a haver atores em ambas
onde seria gestado um poder paralelo ao do Estado, as posições, no governo e na sociedade. Isso coloca
que posteriormente o suplantaria. Já os setores mais novos desafios para os petistas nas administrações
vinculados aos movimentos populares e de edu- municipais, que exigia uma atuação diferente dos
cação popular viam os conselhos populares como que permaneciam atuando nas estruturas partidá-
espaços de articulação e fortalecimento dos movi- rias ou nos movimentos sociais, os quais seguiam
mentos sociais. Isto é, espaços de auto-organização atuando na lógica estritamente reivindicatória e
para conformar grandes frentes de movimentos contestavam as posições assumidas pelos que esta-
com vistas a ampliar a capacidade de incidência da vam na administração.
sociedade civil sobre o Estado, mas sem a dimensão A disputa sobre esse conceito irá se somar a
revolucionária. outras disputas de poder entre os espaços parti-
Em realidade, o termo conselho popular era dários, dos movimentos sociais e do governo, nas
capaz apenas de canalizar a diretriz de incentivo à poucas prefeituras conquistadas pelo partido. To-
participação popular e à organização política dos davia, também parece ser o ponto de início para a
setores populares como mecanismo de transfor- elaboração de experiências exitosas e inovadoras na
mação social, tanto no seu sentido revolucionário gestão pública.
como no reformista. A sua falta de definição deriva- Esse novo posicionamento em relação ao Es-
va de um partido ainda em processo de construção tado exigirá do PT uma nova formulação, que
de identidade, permeado por atores com distintas delimite o papel a ser cumprido pelos atores parti-
origens e tradições políticas. A disputa sobre o con- dários de acordo com a esfera que estejam ocupan-
ceito se dava ou em bases ideais, ou ainda a partir do: movimento/sociedade civil, Estado ou direção
de experiências pontuais bem-sucedidas, sobre as partidária. Por sua vez, as instituições participativas
quais o PT tinha em geral pouca influência. O ter- colocavam-se no limiar dessa tensão: era o espaço
mo era, em alguma medida, uma forma de o par- em que Estado e sociedade civil se encontravam.
tido demarcar politicamente seu campo de atuação
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Assembleia Nacional Constituinte ca da participação. O texto ganha um tom muito


mais próximo do que eram os debates internos do
A participação na Assembleia Nacional Cons- PT à época. Além da menção explícita aos con-
tituinte (ANC) representou um momento de enor- selhos populares, o texto já prevê a participação
me aprendizado institucional para o Partido dos e o controle social da gestão pública na área de
Trabalhadores. Esse aprendizado se deu desde o serviços públicos em geral, com menção explícita
desafio de elaboração de um projeto de Constitui- a transportes, e nas áreas de saúde, educação, se-
ção, passando pelo estabelecimento de uma atua- guridade social e trabalho.
ção coesa da bancada até a realização de alianças O projeto foi imediatamente rejeitado pelo ple-
e negociação com outros partidos, articulando isso nário e, a partir disso, o PT se esforça por manter sua
tudo à intensa mobilização social em torno do pequena bancada bastante atuante, sempre intervin-
Plenário Pró-Participação. A análise desse período do e apresentando emendas, cujo foco se centrava
nos explicita os dilemas enfrentados pelo PT sobre em diretos políticos e sociais, destacando-se os temas
como viabilizar, por meio da atuação institucional, do trabalho, reforma agrária, saúde e seguridade.
as suas bandeiras de luta.9 Quanto à participação, ao longo do proces-
A participação do PT na Constituinte eviden- so da ANC, o partido apresentou diversas emen-
cia um partido mais bem definido em relação à ên- das muito próximas do que está expresso nesse
fase na disputa eleitoral e de espaços institucionais. primeiro projeto de Constituição, eventualmente
A maior parte dos seus dezesseis deputados, eleitos com maior grau detalhamento, mas expressando a
em 1986, mantinha fortes laços com a direção par- criação de mecanismos de controle social, com a
tidária e/ou com os movimentos sociais que deram previsão de espaços de participação de organizações
origem ao partido. Além disso, houve intenso de- da sociedade civil, para serviços públicos em geral,
bate interno sobre a atuação partidária, o que gerou planejamento urbano, saúde, reforma agrária, entre
uma atuação bastante coesa da bancada em todo o outros.11 Essa diversidade de conselhos já é indica-
processo (Keck, 1991). tiva da ação que o PT terá no decorrer dos anos
O PT se destacou na Constituinte por ter sido 1990, de constituição de conselhos municipais li-
o único partido a apresentar uma proposta comple- gados a políticas sociais.
ta de Constituição, projeto esse que foi rapidamente É interessante notar que, nos textos elaborados
derrotado e serviu muito mais como um demarcador pelo partido nos casos da saúde e seguridade,12 já
político, dando o tom do que se seria a postura do se visualizam as diretrizes do que posteriormente
partido no decorrer do processo. Para tal, a direção viria a se tornar o Sistema Único de Saúde (SUS)
nacional solicitou ao jurista Fábio Konder Compara- e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS),13
to10 a elaboração de uma proposta em 1985, que foi respectivamente. Isso se deve em grande medida ao
entregue em fevereiro do ano seguinte. fato de o PT ter incorporado em suas propostas as
Na proposta de Comparato, as inovações do resoluções da 8ª Conferência Nacional de Saúde.
ponto de vista da participação centravam-se em Até então, as conferências de saúde tinham caráter
mecanismos de participação direta, como a possi- acadêmico-profissional, alterado com a decisão de
bilidade de emendas à Constituição por iniciativa abrir a conferência à ampla participação da socieda-
popular e a necessidade de referendo para ratificar de civil, desde as etapas municipais. Esse processo
emendas relacionadas a liberdades e direitos civis, culminou em um evento com cerca de 4 mil pes-
políticos e sociais. Em todo caso, a proposta não re- soas, no qual se definiram as diretrizes que viriam
fletia o debate e o acúmulo partidário sobre o tema, a estruturar o SUS,14 inclusive no que diz respei-
não havendo qualquer menção ao conceito de con- to a seu sistema de gestão participativo (Dowbor,
selhos populares. 2012). Os petistas estiveram envolvidos nesse
Submetida posteriormente para aprovação processo, especialmente por meio de sindicatos de
pelo Diretório Nacional do PT, a proposta sofre trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores
alterações substantivas no que se refere à temáti- (CUT), do Movimento Popular de Saúde (MOPS)
OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES... 9

e de vários conselhos populares de saúde então exis- estabelecesse diretrizes para a atuação partidária e o
tentes (Fleury, 1997; Dowbor, 2012). diferenciasse dos demais partidos: o modo petista de
Em síntese, os anos 1980 representam um mo- governar. Tendo como diretrizes gerais a promoção
mento de efervescência interna no PT, um partido da participação popular e a inversão de priorida-
formado por uma miríade de grupos de diferen- des, como na década de 1980, a diferença residia na
tes tradições políticas, que busca estabelecer a sua preocupação em torná-las viáveis e executáveis, con-
identidade interna, enfrentando as contradições siderando a realidade das administrações municipais.
tanto do embate interno entre os diferentes grupos, Consolida-se a ideia de que os espaços partici-
quanto no aprendizado da ocupação de espaços ins- pativos são promovidos e coordenados pelo governo,
titucionais da política. com participação da sociedade civil. Tanto a ideia de
Ainda é incipiente a presença do partido na espaço revolucionário, como a de auto-organização
política institucional, com menos de uma dezena do movimento cedem espaço para a lógica da demo-
de prefeituras, uma reduzida bancada no Congresso cratização da gestão e a criação de espaços de interlo-
Nacional, assembleias estaduais e algumas cadeiras cução entre Estado e sociedade civil.
em câmaras de vereadores. A maior parte de suas O modo petista de governar também estava em
lideranças e sua maior força advém da sua presença consonância com a nova estratégia do partido no
em movimentos sociais, desde associações de bair- plano nacional: consolidar-se como partido de opo-
ro até o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra sição ao governo federal, demonstrando a diferença
(MST) e a CUT, os quais ajudou a fundar. O con- de seu projeto político e sua viabilidade enquanto
texto de redemocratização e forte presença social governo, por meio de suas prefeituras municipais.
faz com que a ideia da participação esteja associada A primeira iniciativa de estabelecer uma instância
a visões mais amplas sobre a democracia e o pró- formal partidária15 para se debruçar sobre a atuação
prio regime político, por vezes conflitantes entre si: institucional do PT, tanto em governos municipais
participação direta dos cidadãos e dos movimentos quanto no Legislativo, se dá com a criação da Secre-
sociais, poder popular, socialismo. Não por acaso, taria Nacional de Assuntos Institucionais (SNAI-PT),
Teixeira (2013) cunha a década de 1980 como o em 1989, cujo primeiro secretário é Luiz Dulci, segui-
“período instituinte”, no qual a se vislumbra a “par- do de Jorge Bittar. A partir dela, se elaborou o livro O
ticipação como emancipação”. modo petista de governar (Bittar, 1992).16 Foi o início
A forma de concretizar esse ideal de participa- do uso dessa expressão que se firmou como verdadeira
ção passa pela própria retomada dos direitos políti- marca partidária ao longo dos anos 1990.
cos, como o direito de voto, de associação e de greve, O livro se propõe a três grandes objetivos: rea-
mas também por inovações como os conselhos po- lizar um balanço dos três anos de experiência do
pulares. Enquanto os primeiros eram reivindicações PT nas gestões municipais; contribuir para o de-
compartilhadas por todos os atores que se opunham bate sobre reforma do Estado e políticas sociais; e,
ao regime militar, o mote de “governar por meio de por fim, construir uma referência para a elabora-
conselhos populares” era uma marca exclusivamente ção de programas de governo do PT nas eleições
petista, fortemente influenciada pelos movimentos municipais subsequentes (Bittar, 1992, pp. 15-34).
sociais, que reivindicavam a delegação total do po- Há também uma tentativa de definição de papéis
der do Executivo. Isso se torna foco de divergências entre partido, governo e sociedade civil, atuando o
e disputas políticas de grupos internos e se mostra de partido tanto na esfera estatal como societal, não se
pouca viabilidade em governos locais. confundindo com nenhum deles:

A democratização do Estado e a garantia da par-


O modo petista de governar ticipação da população nas decisões e na gestão
é um papel da administração. Cabe à sociedade,
É assim que, na década de 1990, o PT buscou estimulada pelo partido, criar espaços autôno-
forjar uma marca de gestão que simultaneamente mos de organização (Bittar, 1992, p. 24).
10 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

É reconhecida como função do partido siste- A nova cidadania exige o reconhecimento das
matizar a ação prática e a experiência das prefei- contradições e desigualdades socioeconômicas e
turas em diretrizes gerais, que consubstanciam o políticas, bem como das diferenças de cultura,
modo petista de governar. Esse modo aparece con- gênero e de etnia, como fundamentos concretos
ceituado de diferentes formas ao longo do texto, para o desenvolvimento dos novos direitos indi-
ora enfatizando mais a dimensão da transformação viduais e coletivos (Bittar, 1992, p. 211).
social, ora mais visto como método de gestão ino-
vadora e democrática. Quanto às formas de concretização do ideário
Na seção específica de Participação Popular, participativo, fica nítido tratar-se de um momento
temos uma boa síntese do que o PT entende por de transição ou inflexão política no que tange aos
governar com “participação popular e inversão de conselhos populares. Essa ideia ainda reside no ima-
prioridades”, sendo essa combinação que caracte- ginário petista, mas é cada vez mais insustentável.
rizaria a “diferença do projeto petista”: seus laços A prática das prefeituras já aponta outro sentido,
com a sociedade civil e seu compromisso com a consolidando a instituição de conselhos gestores de
transformação social, pondo em prática políticas políticas, conforme se depreende dos dois trechos a
redistributivas. seguir, extraídos de diferentes pontos do texto:

O modo petista de governar é mais que uma in- A proposta de conselhos populares expressou
versão de prioridades administrativas, com a im- a marca de nossa ação democratizante nas pre-
plementação de políticas públicas redistributivas a feituras. Havia, já no processo eleitoral de 88,
favor dos trabalhadores e das camadas mais pobres uma preocupação com a expectativa que a pro-
da população. O que diferencia o projeto petista posta gerava. A expressão conselho popular era
de poder dos demais é que este se identifica na utilizada para denominar formas de organiza-
sociedade civil, com sua pluralidade de interesses, ção distintas. [...]
opiniões e vontades, e na cidadania dos traba- Após três anos, esses dilemas ainda não estão
lhadores e dos movimentos sociais, os atores pri- equacionados politicamente no interior do
vilegiados na formulação das políticas de governo partido. O debate sobre participação popular
e na constituição de uma nova ordem social e po- em nossas prefeituras está vinculado à ideia da
lítica. O modo petista de governar é, portanto, existência de algum conselho ou comissão re-
uma proposta de transformação das condições conhecidos formalmente: orçamento, saúde,
da vida social por iniciativa dos homens e mu- educação, desenvolvimento urbano (Bittar,
lheres historicamente excluídos do poder sócio- 1992, p. 23)
-político (Bittar, 1992, p. 210; grifos nossos).
No livro O modo petista de governar já existe a
Também se percebem mudanças no vocabulá- defesa de desenho bastante semelhante aos conse-
rio, aparecendo agora termos antes não utilizados, lhos gestores de políticas, apontados como solução
como sociedade civil e cidadania. Os termos relati- para praticamente todas as políticas setoriais, com
vos a movimentos populares e sociais ainda apare- atuação de parcela da sociedade civil e parcela da
cem – e permanecem nas resoluções partidárias até administração.
o presente –, mas passam a dividir espaço com os Fica clara a delimitação, outrora confusa, sobre
novos termos. No caso específico de cidadania, que quais são as funções dos conselhos gestores, qual
começa a surgir nas resoluções partidárias após a o seu lugar institucional e o seu papel, bem como
Constituição de 1988, a inflexão é importante, pois a sua composição. Os conselhos setoriais passam a
saímos de uma perspectiva classista – o governo dos ser entendidos como espaços institucionais orga-
trabalhadores ou dos setores oprimidos – para um nizados pelo próprio Estado, como o local de in-
termo universalista. Para equacionar essa questão, o terlocução privilegiada com a sociedade civil, que
PT recorre à ideia de uma nova cidadania: tem o papel de fiscalização, controle e debate sobre
OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES... 11

diretrizes de políticas. A mesma definição é expres- O livro O modo petista de governar é também
sa em áreas tão distintas como cultura, habitação, o primeiro documento do PT de maior circula-
meio ambiente, saúde e assistência social, educação ção onde há menção ao Orçamento Participativo
e orçamento. (OP).17 O assunto aparece especificamente vincu-
Outro ponto importante é que desaparece a lado à cidade de Porto Alegre, como uma das ino-
ideia de que o governo deveria abrir mão de seu po- vações para garantir “orçamentos com participação
der decisório, delegando-o aos conselhos. Em vez popular”. É visto como um formato específico de
disso, temos a ideia da “cogestão”, que irá se tornar participação no orçamento.
uma constante nas resoluções sobre participação
popular até pelo menos o início dos anos 2000 (Bi- De modo a assegurar o realismo do orçamen-
ttar, 1992, p. 25). Isto é, não há delegação de poder to, nossas administrações vêm inovando na
por parte do Estado, mas sim uma gestão compar- forma de montagem das suas propostas orça-
tilhada com a sociedade civil, dentro dos espaços mentárias e no processo de discussão junto ao
participativos. Em resumo, da indefinição e disputa Poder Legislativo no momento de apreciação
sobre o caráter dos conselhos, há um deslocamento das leis orçamentárias. A principal inovação é
rumo ao papel de controle social e governança. o Orçamento Participativo, peça fundamental
Um fator importante para essa mudança no para o resgate da cidadania (Bittar, 1992, pp.
entendimento sobre o caráter dos conselhos parece 237-239).
ser as alterações legais ocorridas a partir da Cons-
tituição de 1988. Não é possível, neste estudo, O OP acaba por se consolidar como vitrine do
avaliar o peso da influência do SUS e dos conse- modo petista para promover a participação da popu-
lhos de saúde sobre as demais áreas setoriais, muito lação; será cada vez mais enfatizado como uma espé-
embora pareça razoável supor que a então recente cie de marca partidária. A resolução do 10º Encontro
aprovação da lei que dispõe sobre a participação da Nacional do PT, em 1995, evidencia o peso político
comunidade no SUS (Lei 8.142/1990) tivesse um crescente dos governos municipais para o partido,
poder de influência significativo como modelo para bem como a profunda articulação entre modo petis-
outras áreas de políticas públicas. Na seção especí- ta, participação e orçamento participativo:
fica sobre saúde, o PT reconhece a influência do
movimento sanitário no seu programa: 77 – As prefeituras e os governos de estado
(sic) do PT estão radicalizando a participação
O SUS implica gestão democrática, criação do democrática. Nas suas administrações, o PT
Conselho Municipal e participação da socieda- consegue imprimir uma nova e diferente marca
de nos vários níveis de decisão. Este avanço do na atividade política, voltando-a para o inte-
setor de saúde, onde as propostas dos segmen- resse da maioria da população. As experiências
tos progressistas da sociedade para esta área fo- de orçamento participativo – em que a população
ram incorporadas à Constituição, se colocava decide onde e como aplicar os recursos públicos –
para todas as administrações, independente do já se generalizaram nas cidades e nos estados em
seu matiz partidário. que o PT é governo.
Ao vencer as eleições municipais, o PT trazia o (Resoluções do 10º Encontro Nacional do PT –
compromisso de contribuir com a implantação 1995; grifos nossos)
do Sistema Único de Saúde, já que os pressu-
postos aí estabelecidos vinham sendo defendi- A difusão nacional e internacional do OP, para
dos pelo PT junto aos outros setores da socie- além das áreas de influência do partido, também é
dade e seus representantes desde a realização explicada pelo papel cumprido por lideranças po-
da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 86 líticas de Porto Alegre para inserir o OP na agen-
(Bittar, 1992, pp. 139-141). da política internacional, dos quais se destacam
os ex-prefeitos petistas Tarso Genro e Raul Pont
12 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

(Oliveira, 2016). Inicialmente, o programa adquire gue sair das demandas mais urgentes de organização
visibilidade como “melhor prática” de gestão urba- administrativa e problemas básicos de infraestrutura
na em 1996, durante a UN-Habitat II.18 Segue-se urbana para também começar a pensar estratégias de
a esse prêmio a divulgação intensiva do programa desenvolvimento urbano de longo prazo.
em espaços internacionais de articulação política, Pontual e Silva (1999), Genro (1997) e Daniel
tais como a rede Mercocidades e o Fórum Social (1999) convergem para a defesa de novas experiên-
Mundial (FSM), evento que insere o OP na agenda cias participativas voltadas a pensar o desenvolvi-
internacional de políticas públicas.19 mento urbano, econômico e social da cidade. São
Portanto, o início dos anos 1990 representa um exemplos de esforços nesse sentido: o Congresso
ponto de inflexão no ideário participativo do PT. A da Cidade (Belém), a Cidade Constituinte (Porto
decisão deliberada do partido em investir na dispu- Alegre) e Projeto Cidade Futuro (Santo André).
ta de espaços institucionais, tendo como objetivo Também concordam que, embora o OP seja um
principal a conquista do governo federal, começa excelente mecanismo, ele não deve ser a única ins-
a gerar retornos eleitorais positivos: o PT passa a tituição participativa, sendo insuficiente para a ela-
governar prefeituras em diversas grandes cidades. boração de políticas de longo prazo.
Por sua vez, a maior presença na institucionalida- A atuação do partido em governos estaduais
de gera efeitos sobre o próprio programa partidá- também é alvo de reflexão na publicação sobre o
rio. A experiência prática traz à tona as limitações e modo petista de governar (Trevas, 1999). São duas
ambiguidades da proposta de conselhos populares. as experiências de OP realizadas em outros entes
Diante da necessidade de dar respostas palpáveis e da federação: o Distrito Federal (DF), na gestão
coerentes com o seu programa, o PT inicia diver- 1994-1998, e o Estado do Rio Grande do Sul, en-
sas experiências de novos desenhos de instituições tre 1998-2002. No DF, a estrutura de discussão é
participativas nas cidades em que governa. Onde semelhante à de um município, uma vez que não
tais experiências são bem-sucedidas, elas são incor- há subdivisão desse ente federativo. No entanto,
poradas ao programa partidário e passam a servir de no caso da aplicação do OP em âmbito estadual,
referência para as demais prefeituras. temos a dimensão federativa como fator complica-
Assim, no rol do modo petista de governar ga- dor. Como envolver prefeitos de diferentes orienta-
nham relevância o OP e os conselhos setoriais de ções políticas de modo a colaborar com a elabora-
políticas. No entanto, os conselhos, ao se tornarem ção participativa do orçamento, ao mesmo tempo
obrigatórios a todos os municípios, tiveram diluí- em que os próprios prefeitos têm interesse em in-
da sua marca de gestão petista. De fato, os mais cidir sobre o orçamento estadual? A experiência do
bem-sucedidos, em termos de maior presença nos Estado do Rio Grande do Sul, implementada pelos
municípios, foram os que tinham mecanismos le- mesmos atores que a iniciaram no município de
gais de indução federal, como a saúde, a assistência Porto Alegre cerca de 10 anos antes, enfrentou du-
social e os conselhos da criança e do adolescente ros embates e ações judiciais que quase impediram
(Gurza Lavalle e Barone, 2015). a sua realização. O governo havia sido judicialmen-
É assim que, ao longo da década de 1990, há te proibido de organizar as assembleias, fornecer
uma proliferação de experiências bem-sucedidas de espaço ou transporte para a realização das mesmas.
OPs em governos petistas de grandes cidades, que A saída encontrada pelo governo foi recorrer aos
proporcionaram grande visibilidade política (Belo movimentos sociais que defendiam a realização do
Horizonte, Belém, Recife, Distrito Federal, Santo An- OP, para que garantissem a infraestrutura mínima
dré), bem como a sua disseminação nacional e inter- à continuidade de realização das assembleias regio-
nacional para além dos limites partidários, passando nais (Souza, 1999).
a aparecer nos debates a preocupação com a diversifi- Por fim, Trevas (1999) retoma o debate sobre a
cação das experiências de participação, já despontadas relação estabelecida entre o partido e seus governos,
algumas dessas novas experiências. Com amadure- com uma interessante reflexão acerca dos efeitos da
cimento e maior experiência de gestão, o PT conse- atuação institucional sobre a organização partidária:
OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES... 13

[...] pode-se afirmar que a experiência de governo vida da população, especialmente a mais pobre. A
para o PT o obriga a aprofundar o debate sobre ideia de participação aparece então fortemente co-
suas formulações políticas, seus objetivos e estraté- nectada à ideia de boa democratização da gestão,
gia, sob pena de inviabilizar a consolidação des- de maneira a possibilitar uma cogestão do governo
sa experiência como concretização do projeto entre os políticos e seus cidadãos. Teixeira (2013)
partidário ou realizá-la de modo inconsistente. denomina esse período como o da “participação
[...] a experiência de governo passa a ser um dos como deliberação”, o que expressaria a ideia de
componentes estruturais de desenvolvimento parti- “partilha de poder”, bem como o desejo dos mo-
dário. Projeta-se sobre a estrutura de poder do vimentos sociais em influenciar políticas públicas.
partido; incide sobre a dinâmica de grupo di- As publicações em 1999 já apresentam um pri-
rigente e das direções partidárias; e, sobretudo, meiro balanço e apontam no sentido de um esgo-
constitui-se em espaço estratégico das disputas tamento do modelo de participação centrado em
internas (Trevas, 1999, p. 55; grifos nossos). uma única instituição. A experiência do Rio Gran-
de do Sul também indica que a mudança de escala
Essa reflexão é muito importante por ir ao en- federativa do OP gera novos pontos de tensão. Se
contro do nosso argumento de que é a presença antes a participação popular tinha o potencial de
do partido no âmbito institucional, enquanto par- constranger o Legislativo local (Dias, 2002), limi-
tido incumbente, que proporciona a elaboração tando a sua atuação, o mesmo não ocorre na re-
de práticas de políticas públicas e participação que lação federativa. A pressão exercida pelos prefeitos
serão posteriormente incorporadas e sistematiza- para incidir sobre o orçamento estadual, combina-
das pelo próprio partido. E vai além, ao acrescen- da com a pressão do Legislativo estadual, conseguiu
tar que a experiência de governo tem a capacidade praticamente inviabilizar a ação do Executivo. A
de incidir sobre a dinâmica interna de poder do implementação do OP em âmbito nacional deveria
próprio partido. considerar tal complexidade.
Em síntese, o debate presente na primeira pu-
blicação sobre o modo petista de governar (Bit-
tar, 1992) expressa um momento de inflexão na PT no governo federal: a participação é
compreensão do partido sobre seu papel na ins- método de governar
titucionalidade. Se o PT da década de 1980 era
definido como um partido com baixa presença Os anos 2000 trazem novos desafios, com a
institucional, na década de 1990, o quadro muda eleição de Luís Inácio Lula da Silva à presidência
significativamente: a ampliação da presença em da República.20 O PT segue defendendo que a pro-
prefeituras tem efeitos sobre os grupos internos do moção da participação, agora como “método de
PT e tendem a se sobrepor a eles, as experiências gestão”, associada à promoção da justiça social. A
bem-sucedidas são sistematizadas e passam a servir presença no governo federal permite agora fazer
de exemplo a ser disseminado. Ao longo de toda com que a disseminação de conselhos gestores e
a década, o partido trabalha para seu crescimento conferências, ampliadas para diferentes políticas,
eleitoral, expandindo sua presença em prefeitu- sejam associadas ao PT. Se a ampliação da presença
ras e no Legislativo. Se, neste último, o foco é se do PT em governos municipais já foi capaz de gerar
consolidar como partido de oposição, nas prefei- alterações significativas na dinâmica interna e no
turas o esforço é se firmar como um partido que, programa partidários, era previsível que a ascensão
ao mesmo tempo que é responsável e “sabe go- ao governo federal trouxesse novas tensões e contra-
vernar”, também possui uma marca distintiva em dições ao partido.
seus governos. O modo petista quer ser sinônimo Ainda em 2000, no 12º Encontro Nacional
de governos que garantem a participação dos cida- do PT, temos uma resolução sobre “As bases de
dãos em suas decisões, por meio do OP, com o in- um programa democrático e popular para o Bra-
tento de proporcionar melhorias nas condições de sil”. Esse foi o último encontro do qual partici-
14 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

pou Celso Daniel,21 antes de ser assassinado em implementação de políticas industriais ou seto-
2002, tendo sido um dos principais elaboradores riais; gestão participativa dos fundos públicos etc.
de suas resoluções. À época, prefeito de Santo (12º Encontro Nacional do PT, 2000; grifos
André, ele havia sido recém-indicado, em janeiro nossos)
de 2002, para ser o coordenador do Programa de
Governo,22 função posteriormente assumida por A participação ou, mais especificamente, a ges-
Antônio Palocci.23 tão participativa aparece com grande peso em um
Nesse documento, reafirma-se a necessidade de debate maior sobre redefinição do papel do Estado,
associar a participação ao planejamento. Temos já proporcionando a constituição de uma “nova esfera
algumas pistas do que será feito no futuro governo, pública democrática”, livre de “práticas clientelistas”
porém ainda de forma pouco delineada. e com a incorporação de atores excluídos do jogo po-
lítico tradicional. Chama a atenção a utilização de
74. [...] A gestão pública participativa – uma termos que se aproximam de autores da literatura
das referências centrais de nossos governos es- participativa do mesmo período.24 Ainda são cita-
taduais e municipais – deve ser uma dimensão das diversas formas possíveis para viabilizar a parti-
básica da reformulação da relação entre o Es- cipação, havendo significativo foco em viabilizar na
tado brasileiro e a sociedade, também no nível participação temas ligados ao desenvolvimento e à
central. A constituição de novas esferas públicas economia. Ademais, é apontado pela primeira vez o
democráticas, voltadas à cogestão pública, à par- desafio da incorporação da dimensão federativa para
tilha de poder público, à articulação entre demo- a viabilização do OP em âmbito nacional.
cracia representativa e democracia participativa Embora na “Carta ao povo brasileiro”,25 lan-
será fator-chave para, ao mesmo tempo, comba- çada em 2002, não haja menção à participação po-
ter as práticas clientelistas, valorizando a fala pular, o tema é retomado no programa de governo
dos direitos, e propiciar a participação de novos daquele ano. Os termos seguem aqueles já estabele-
protagonistas sociais, representando a maioria da cidos no 12º Encontro Nacional, reafirmando-se a
população, hoje excluída das decisões (salvo raras ideia de fortalecimento e instituição de órgãos cole-
exceções). Serão, portanto, não apenas espaços giados, como câmaras, conselhos e mesas de nego-
de debate e deliberação envolvendo Estado e ciação, além da menção a implantação de um OP
sociedade, mas igualmente de disputa de he- nacional. A novidade está nas conferências, inicial-
gemonia com a cultura clientelista e com os mente referenciadas somente na política de saúde,
valores neoliberais. que aparecem pela primeira vez como estratégia do
75. [...] convém destacar desde logo algumas PT para a participação:
iniciativas relevantes nesse campo: a imple-
mentação do orçamento participativo no nível 50. Nosso governo adotará as Conferências de
central será desafio de peso, na medida em que Saúde como prática regular para a avaliação da
não se trata de efetuar uma mera transposição situação de saúde, de discussão e deliberação
mecânica de políticas em curso nos níveis lo- de diretrizes para a formulação das políticas
cal e estadual para o central, que é muito mais setoriais, respeitando os encaminhamentos das
complexo (será necessário, por exemplo, tomar mesmas e adotando medidas para fortalecer os
na devida conta a estrutura federativa brasilei- Conselhos de Saúde.
ra); os variados conselhos temáticos ou setoriais –
inclusive para o controle público das empresas Uma vez eleito ao governo federal, o Presidente
estatais e das concessionárias de serviços públi- Lula opta por criar um ministério responsável pela
cos; a reformulação de fundo das agências na- relação com a sociedade civil. A Secretaria-Geral,
cionais de regulação, integrando representantes que antes tinha a função de articulação com o Con-
dos consumidores; instituições como as câmaras gresso e com os entes federados, tem suas atribui-
setoriais, voltadas à elaboração, negociação e ções alteradas.26 Além de pensar em mecanismos de
OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES... 15

participação, suas atribuições incluem a mediação agendas de desenvolvimento econômico e social,


de demandas e reivindicações advindas dos movi- políticas de combate à pobreza e às desigualdades
mentos sociais (Dulci, 2010). sociais e regionais, bem como sobre a política in-
Em termos de instituições participativas, a ternacional. Nesse sentido, para esse autor, o de-
aposta vai no sentido de retomar a centralidade dos bate sobre a alocação do orçamento “torna-se ins-
conselhos gestores. Pela primeira vez, a institui- trumental”. Outra dificuldade mencionada por ele
ção de conselhos poderia ser claramente associada refere-se à complexidade federativa de implementa-
como uma política do PT, fato que não ocorria no ção do OP, que geraria a necessidade de se pensar
âmbito municipal, em função das legislações na- mecanismos de pactuação com estados e municí-
cionais sobre conselhos serem aplicadas de forma pios, além do Parlamento.
universal a todas as prefeituras. A fórmula de ins- Em 2007, a resolução sobre participação do
tituir conselhos nacionais para uma pluralidade de 3º Congresso do PT, o primeiro realizado após o
políticas foi adotada em conjunto com a instituição escândalo do Mensalão, acaba por repetir, ipsis lite-
de conferências nacionais para todas as áreas, em ris, a introdução do documento do ano 2000, “As
clara alusão à experiência da saúde, conforme se de- bases de um programa democrático e popular para
preende do trecho do Programa de Governo 2002 o Brasil”, que contou com a participação de Celso
mencionado. Daniel. Ao final são agregadas algumas propostas,
O programa de Governo para as eleições de destacando-se: uma das últimas menções explícitas
2006 apresenta uma sistematização dos esforços ao OP em documentos nacionais,27 por um lado; e,
empreendidos na primeira gestão, bem como um por outro, a novidade, no título, de criação de “um
compromisso de continuidade dessas ações, expres- sistema federal de democracia participativa”, tema
sas pelos verbos “prosseguir”, “manter”, “ampliar”, que passará a ser frequente.
“dar continuidade”, “consolidar”. Não há novas Em documento de balanço de sua gestão à
propostas de temas, e sim a continuidade das ações frente da Secretaria-Geral da Presidência da Repú-
efetivamente colocadas em andamento na primei- blica entre 2003-2010 (Brasil, 2011), Luiz Dulci
ra gestão de Lula. Talvez o único item de novidade declara que o ministério tem “a tarefa de coordenar
seja a proposta de institucionalizar os canais de par- um Sistema de Democracia Participativa, por meio
ticipação, já apontando uma preocupação que será de Conselho, Conferências, Ouvidorias, Mesas de
constante nas gestões seguintes do PT, conforme se Diálogo, Fóruns e Audiências Públicas”. Essa ideia
verá adiante. de que a miríade de mecanismos de participação
Cabe destacar, pela primeira vez nas resolu- incentivados pelo Governo Lula constituiria um
ções e programas nacionais, a ausência de menção verdadeiro “sistema” de participação” é reiterado
explícita ao OP, substituído por “fóruns públicos” inúmeras vezes ao longo do documento. Três deles
de debate sobre o plano plurianual e o orçamen- merecem destaque: a criação e/ou reformulação de
to da união. É notável, a partir desse momento, a Conselhos Nacionais de Políticas Públicas, combi-
redução da presença dessa instituição pari passu ao nado com a realização de Conferências Nacionais
crescimento de importância do papel dos conselhos sobre as respectivas políticas setoriais e, por fim, a
e conferências no que vem a se denominar “parti- realização sistemática de mesas de negociação e diá-
cipação como método de governar” do PT no âm- logo com os movimentos sociais das mais diversas
bito federal. pautas. O debate sobre orçamento é direcionado
Embora não haja um debate sistematizado so- para o debate sobre os Planos Plurianuais (PPA) de
bre o tema, entrevistas com dirigentes partidários 2004-2007 e 2008-2011, por meio de audiências
apontam algumas pistas. Vicente Trevas (2014) e da utilização dos próprios conselhos nacionais
afirma que o âmbito federal altera a agenda de prio- como espaços de discussão, conforme já constava
ridades políticas do partido, que deve buscar meios no Programa de Governo de 2006.
para pensar em “como conduzir o país”. O parti- Luiz Dulci (2010), então ministro da Secreta-
do passa a ter maior capacidade de incidir sobre as ria-Geral, afirma ser favorável a que a sociedade civil
16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

discuta o orçamento, mas se diz contrário à implan- Em busca de efetividade e institucionalização


tação em âmbito federal do desenho do OP munici-
pal, remetendo-se à instituição de um conselho: A resolução sobre diretrizes de Programa de
Governo em 2010, aprovada pelo 4º Congresso do
Elaboramos uma proposta que não vingou, PT 2010/2011,28 tem como tom principal o refor-
mas pode e deve ser retomada no próximo ço das ideias de institucionalização da participação
governo, que era a de um conselho de acompa- por meio de um “sistema nacional”, ora entendido
nhamento de todo o ciclo orçamentário, tanto como já existente, ora por ser criado. É essa a agen-
da LDO quanto do orçamento propriamente da do Governo Dilma Rousseff: o de sistematizar
dito, do plano plurianual. Por que não vingou? as inovações em um verdadeiro sistema de parti-
Porque algumas das entidades envolvidas que- cipação, que integre os vários níveis federativos e
riam um conselho que pudesse decidir sobre poderes.
política econômica, o que é um erro. [...] O caminho da institucionalização exige previa-
Estamos testando ainda. Há companheiros mente o de balanço sobre o estado da arte. Nesse
que acham que deveríamos fazer o orçamento sentido, o governo cumpre o papel de indução de
participativo, transpondo para o âmbito na- uma agenda de pesquisa mediante seu think-tank,
cional, o orçamento participativo municipal. o Ipea. Ainda no último ano do Governo Lula, em
Sou contra, porque a transposição é mecânica 2010, em diálogo e parceria com a Secretaria-Ge-
e não funciona. Porém, sou a favor de demo- ral, o Ipea inicia um projeto denominado “Institu-
cratizar mais, de assegurar algum tipo de in- cionalização da Participação Social do Brasil”, com
terlocução com do Estado com a sociedade no uma agenda de pesquisa abrangente, que pautava
ciclo orçamentário. Por que não? (Dulci, 2010, parte importante da literatura sobre participação ao
pp. 111-114) longo desse período. O material produzido concen-
tra-se em conselhos e conferências, como institui-
Nesse trecho, também se percebe um limite so- ções participativas mais consolidadas, mas também
bre que tipos de assuntos devem ser objeto de parti- busca abranger maior diversidade de arranjos par-
cipação e debate da sociedade civil, sendo a política ticipativos (ou interfaces socioestatais). Os diversos
econômica um limite claro. Em outro trecho, é en- estudos realizados centram sua análise nos diferen-
fatizado o papel da participação social como forma tes tipos de desenho institucional, perfil dos atores
de controle e accountability do Estado: participantes e, especialmente, sobre como analisar
e aperfeiçoar a sua efetividade em termos de inci-
E nos empenhamos então em criar canais, dência e controle em políticas pública.29
constituir, consolidar canais que já existiam de Outra ação importante foi no sentido de con-
participação social na elaboração, no acompa- solidar os avanços em marcos legais. Muito embora
nhamento, na fiscalização e na correção de rumo Dulci, ao final de sua gestão, já afirmasse a exis-
das políticas públicas. No fundo, esse é o ob- tência de um sistema de participação, tratava-se de
jetivo da participação social (Dulci, 2010, pp. mero recurso retórico para dar visibilidade a uma
89-90; grifos nossos). estrutura que existia de fato, mas que ainda carecia
de regulamentação legal em formato de sistema de
A participação para Dulci (2010) não é uma políticas públicas.
forma de delegação de poder, nem de cogestão, mas A primeira iniciativa de instituição legal de um
sim de uma “escuta forte do Estado”. Essa inflexão sistema participativo vem do Governo do Estado
consolida a mudança do significado da participação do Rio Grande do Sul, cujo governador para o pe-
ao longo da trajetória do PT: do ideal revolucio- ríodo 2011-2014 é Tarso Genro (PT-RS), ex-pre-
nário, a participação migra para a função de boa feito de Porto Alegre e um dos principais dissemi-
governança, elaboração, acompanhamento e fisca- nadores do OP em âmbito nacional e internacional
lização de políticas públicas. (Oliveira, 2016). O Sistema Estadual de Participa-
OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES... 17

ção Popular e Cidadã (Sisparci) foi instituído pelo da democracia participativa no Brasil. A Polí-
Decreto Estadual nº 49.765/2012 e é uma nítida tica Nacional de Participação Social selou este
inspiração para o que virá a ser proposto posterior- compromisso, ao mesmo tempo que explicitou
mente pelo governo federal. as resistências ainda presentes – no Estado e
Em realidade, a elaboração e concepção do na sociedade – à ampliação e aprofundamento
Sisparci ocorre em um processo que possibilitou o de uma concepção participativa de democracia
diálogo entre governo estadual, governo federal e (Brasil, 2014; grifos nossos).
academia. Conforme se depreende de documento
do governo do estado, o sistema foi idealizado e Um aspecto não menos importante na seme-
discutido publicamente em diversos seminários rea- lhança do Sistema Nacional de Participação Social
lizados ao longo da gestão, dos quais participaram, com a experiência gaúcha é que ambos os sistemas
em diferentes momentos, o Ministro-Chefe da Se- foram instituídos por decreto (e não por lei). Isso
cretaria-Geral da Presidência da República Gilberto significa que foram feitos de forma unilateral por
Carvalho, entre outros representantes desse minis- parte do Executivo em relação ao Legislativo. Se, no
tério, do Ipea, do Ministério do Planejamento, de caso do Rio Grande do Sul, esse fato não provocou
órgãos do sistema ONU, além de diversos acadê- qualquer reação, no governo federal ele foi o pretex-
micos nacionais e internacionais (Rio Grande do to utilizado para uma disputa política em torno do
Sul, 2014). Nesse sentido, é forte o indicativo de tema entre situação e oposição no Congresso Nacio-
que o processo de amadurecimento dentro do pró- nal, às vésperas da disputa presidencial de 2014.
prio governo federal sobre o que seria um sistema O Governo Dilma, a partir de sua segunda me-
federal de participação passou por esse processo de tade, foi extremamente turbulento. Os protestos de
experimentação anterior em nível estadual. junho de 2013 deram início a uma sequência de
O Decreto no 8.243/2014, que institui a Políti- acontecimentos que fizeram despencar a populari-
ca e o Sistema Nacional de Participação Social, espe- dade presidencial, que até aquele mês era de 65%
lha uma estrutura base muito semelhante à do siste- de aprovação (bom/ótimo) para apenas 30%.30 A
ma gaúcho: ambos estabelecem diretrizes, objetivos partir de então, o quadro foi de intensa polarização
e indicam que instituições participativas compõem política com movimentação da oposição no Con-
o sistema. Ele representa um esforço de consolidar a gresso e nas ruas, antecipando o cenário de disputa
diretriz da participação como um elemento parte da eleitoral do final daquele ano.
estrutura da administração pública, a parte de uma Assim, ao ser editado em 2014, o Decreto
miríade de arranjos institucionais. Nos termos do no 8.243 provocou fortes reações da oposição e da
documento de balanço final da gestão: mídia. Naquele momento, os dirigentes e servidores
se viram surpresos com a enorme reação ao decreto, e
Hoje, com a multiplicação de canais de parti- somente posteriormente foi possível compreender tal
cipação garantidos por lei, não é exagero dizer ação como parte de uma articulação maior de oposi-
que a participação tornou-se definitivamente ção ao governo, que culminaria com o impeachment,
parte da configuração institucional do Estado em 2016, da então Presidente Dilma Rousseff.
brasileiro. Está estruturada uma sólida arquite- A oposição logrou aprovar na Câmara, Decre-
tura participativa que se espraia por um con- to Legislativo que sustaria os efeitos do Decreto no
junto amplo de ministérios e secretarias e que 8.243. Porém, ao ser remetido ao Senado, o requeri-
tem se traduzido, ao longo das décadas, na for- mento ficou suspenso. Em seu programa de governo
mulação de programas e projetos inovadores, “Mais mudanças, mais futuro”, nas eleições de 2014,
que melhoraram a condição de vida das pes- Dilma Rousseff segue na defesa do Sistema Nacio-
soas. [...] nal de Participação e reafirma que “As instâncias de
A defesa da participação social como “método de participação não são conflitantes com as atribuições
governo” pode ser identificada como principal do Poder Legislativo”. Ainda é interessante ver que
marca desse período no que se refere à agenda o Programa, embora sintético e moderado, reafirma
18 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

que participação e políticas redistributivas são objeti- de políticas públicas adotar. O partido segue ex-
vos que caminham em conjunto: pandindo sua presença institucional no Legislativo
e em prefeituras, que são orientadas pelas diretrizes
O segundo governo Dilma buscará também gerais do que é implementado no governo federal.
promover um novo ciclo de avanços institucio- Vale lembrar que, embora cada vez mais dependen-
nais, destinado a eliminar os gargalos histori- te do Estado, o PT segue ainda conectado com seus
camente impostos às formas de representação vínculos sociais (Ribeiro, 2010, Amaral, 2013).
política e ao acesso democrático a direitos de No caso da participação, o OP não é visto como
toda a população. Ampliar a democracia política viável pelos membros do núcleo do governo. Se a
é um objetivo que anda junto com o compromisso manutenção do debate sobre orçamento é pensada
de aumentar cada vez mais a democracia econô- na tímida forma de fóruns de discussão sobre PPA,
mica – a distribuição de renda e a eliminação da LDO e LOA,32 as grandes estrelas da participação
pobreza (grifos nossos). passam a ser os conselhos e conferências nacionais
de políticas públicas, expandidas vertiginosamente.
A polêmica em torno do Sistema Nacional de Nesses espaços, a participação dos cidadãos e mo-
Participação perdeu relevância tão logo foi passa- vimentos sociais é entendida como “uma escuta
do o período eleitoral, com a estratégia da oposi- forte” nos termos do Ministro Luiz Dulci (2010)
ção centrada então no questionamento das urnas – termo também utilizado por Teixeira (2013) em
e, posteriormente, no pedido de impeachment da sua periodização, no qual não há necessariamente
presidente reeleita. Isso levou à curiosa situação de uma vinculação entre as decisões tomadas nos espa-
termos o Decreto no 8.243/2014 em vigência até ços das conferências e as ações adotadas pelo gover-
sua revogação expressa, em 2019, pelo Presidente no. No decorrer do processo, há a necessidade de
Jair Bolsonaro,31 sem que isso tenha gerado qual- organizar toda a “arquitetura” participativa desen-
quer alteração no funcionamento das instituições volvida. A busca por sua “efetividade” é feita por es-
representativas e participativas. Por um lado, isso tudos que visam compreender quais os seus efeitos,
comprova o argumento dos defensores do decreto sejam para a inclusão de novos atores, sejam para
de que não haveria “usurpação” das competências a melhoria de políticas públicas. Simultaneamen-
do Legislativo, uma vez que não se estava criando te, surge a proposta de um sistema de participação,
novas figuras jurídicas, mas tão-somente sistemati- impulsionado pela experiência do Rio Grande do
zando ou reunindo instituições que já eram previs- Sul, despontando como uma possível solução para
tas em leis próprias. Por outro, evidencia também lidar com a miríade de arranjos e ações emergidos
a fragilidade da proposta governamental, que efeti- dos ministérios do governo federal. Tal proposta,
vamente dependeria de outras ações do Executivo no entanto, não ocorreu em tempo de se tornar viá-
para se tornar real. vel antes do fim do ciclo do PT no governo federal.
Essa foi a última ação de maior vulto do Governo
Dilma Rousseff, no que tange a políticas participati-
vas. O seu curto segundo mandato foi ainda mais tur- Considerações finais
bulento que o primeiro e completamente dominado
pela agenda oposicionista. A participação como marca Entre o PT movimentista da década de 1980 e
do modo petista de governar segue presente nas reso- o PT no governo federal, no início do século XXI,
luções do 5º Congresso Nacional do PT, realizado em a ideia de participação manteve-se sempre presente
junho de 2015, o último antes do processo de impea- nas resoluções partidárias e nas ações de governo
chment, que encerra o ciclo de gestões consecutivas do em diferentes níveis, com centralidade política e
partido à frente do governo federal. como uma marca partidária, de modo a diferenciar
Em síntese, a chegada do PT ao governo fe- o PT de outros partidos. Isso nos permite com-
deral estabelece novos desafios para o partido em preender a ideia de participação como componente
termos de estratégias de governabilidade e que tipo do núcleo ideológico do PT, uma vez que é um dos
OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES... 19

elementos definidores da identidade programática governo deveria delegar o seu poder decisório a ele,
do partido. situação que nunca existiu na prática, mesmo nas
Embora permaneça a ideia participacionista, poucas prefeituras que o partido deteve na década
há alterações que afetam os conceitos adjacentes a de 1980. Já nos anos 1990, ocupando efetivamente
ela. Afinal, muitos elementos mudaram ao longo espaços de governo, o PT desenvolve o conceito de
do processo, a começar pelo próprio contexto polí- cogestão: os espaços participativos seriam espaços
tico: uma nova ordem constitucional se estabeleceu, de decisão e gestão compartilhada Estado-socieda-
com ela gradualmente foram se moldando as nos- de. A ideia de cogestão se apresenta bastante forte
sas instituições democráticas e o sistema partidário. nas primeiras experiências de OP e vai se tornan-
No caso do PT, o partido sai dos movimentos para do mais matizada ao longo da década, conforme se
consolidar-se cada vez mais como um partido elei- adotam diferentes desenhos institucionais, que dão
toral, com presença em todos os níveis de governo, maior peso a elementos técnicos ou mesmo à repre-
alterando nesse processo também sua organização sentação governamental nas instâncias do OP. Já no
interna. Para implementar sua política participati- governo federal, o discurso adotado é, de saída, o
va, alteraram-se as instituições participativas preva- de que os sistemas de conselhos e conferências têm
lentemente utilizados, a relação estabelecida entre uma função eminentemente fiscalizatória e sugesti-
Estado e sociedade civil no processo participativo e va: são espaços para uma “escuta forte do Estado”
o mote ou lema partidário e/ou de governo. (Dulci, 2010). O Quadro 1 mostra a síntese dos
Transitou-se dos incipientes conselhos popula- elementos trabalhados neste artigo.
res para instituições desenvolvidas a partir de expe- O papel que a sociedade civil deve cumprir na
riências de gestão, como o orçamento participativo sua relação com o Estado transitou da ideia de de-
(OP) e diversos conselhos, até que a complexifica- legação total de poder – fato que, ressalte-se, nunca
ção de arranjos institucionais em múltiplas áreas existiu de fato, mas estava presente no plano do de-
de políticas públicas permitisse vislumbrar um bate interno partidário – para a ideia de que a so-
desenho de um sistema nacional de participação. ciedade civil deve cumprir o papel de fiscalização e
Na concepção original dos conselhos populares, o controle, além de poder atuar de forma sugestiva na

Quadro 1
Os Sentidos da Participação

1980 1990 2000


Ideias adjacentes Poder popular, Revolução, Democratização da gestão, Elaboração de políticas,
Democracia direta Definição de prioridades Fiscalização, controle e
de gastos, Elaboração de transparência
políticas, Fiscalização
Relação Estado- Delegação de poder Cogestão “Escuta forte”
sociedade civil
Instituição participativa Conselhos populares Orçamento Participativo e Conferências e conselhos
Conselhos gestores nacionais de políticas
públicas, Sistemas de
participação (nacional/
estadual)
Posição do PT na Ausente/Baixa Ampliação crescente da Governo federal, estados e
institucionalidade (centro da atuação política presença em prefeituras, prefeituras
em movimentos sociais) governos estaduais
Fonte: Elaboração própria a partir da análise de acervo documental, resoluções de encontros e conferências nacionais do
Partido dos Trabalhadores (1980-2016).
20 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

elaboração de políticas públicas. Gradualmente, e à -sucedidas se tornam exemplos a serem seguidos.


medida que o partido acumula experiências admi- Isso não significa afirmar que a dimensão de de-
nistrativas em diferentes níveis de governo, a par- bate interno partidário não seja relevante, afinal é
ticipação deixa de estar associada à transformação a diretriz partidária que estabelece a busca criati-
social radical e passa a estar cada vez mais associada va por soluções factíveis na administração pública.
ao vocabulário da gestão transparente de políticas Esse movimento nos permite afirmar que há uma
públicas, da sua elaboração ao seu controle e fisca- dinâmica relacional, em que a adoção de diferen-
lização de desvios exercidos por aqueles que estão tes desenhos institucionais para a concretização da
ocupando os espaços de poder no Estado. diretriz da participação simultaneamente molda e
Ao longo do processo, tornou-se perceptível a reflete as preferências ideológicas partidárias.
prevalência de dois grandes polos elaboradores de
políticas participativas no partido. O primeiro é o
Rio Grande do Sul, destacando-se primeiramente Notas
pela implantação do OP em Porto Alegre, e também
pela elaboração inicial da ideia de sistema de partici- 1 Esses documentos foram levantados em sua maioria
pação. Com exceção de Olívio Dutra, todos os prin- no Centro Sérgio Buarque de Holanda: de Docu-
cipais quadros elaboradores estavam mais alinhados mentação e Memória Política (CSBH), da Fundação
Perseu Abramo (FPA) e no seu sítio eletrônico, com
à esquerda partidária: Tarso Genro e Raul Pont. O
exceção das publicações do governo federal.
segundo polo, São Paulo e Minas Gerais, sobressain-
do os OPs de Santo André e Belo Horizonte, que 2 Rebecca Abers (1996) não é mencionada na revisão
bibliográfica feita por Amaral e Power (2016). No en-
desenvolveram desenhos diferentes do OP de Por-
tanto, é o primeiro estudo comparado sobre o funcio-
to Alegre ao conferirem gradualmente maior peso namento dos conselhos populares de orçamento em
à participação governamental e a critérios técnicos. cinco cidades governadas pelo PT, no período 1989-
Os quadros políticos oriundos desse segundo grupo 1992: Ipatinga (MG), Piracicaba (SP), Porto Alegre
pertencem ao chamado Campo Majoritário,33 que, (RS), Santo André (SP) e Santos (SP). O de Porto
posteriormente, irão compor o núcleo político do Alegre viria a dar origem ao Orçamento Participativo
Governo Lula, cabendo mencionar como principais (OP).
figuras públicas Celso Daniel, Luiz Dulci e Gilberto 3 PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unifica-
Carvalho. Não se trata aqui de pensar nesses polos do), PCO (Partido da Causa Operária), PSOL (Parti-
como antagônicos, mas muito mais como elabora- do Socialismo e Liberdade).
ções distintas e ênfases diferentes, que se encontram, 4 The Manifesto Project é uma iniciativa alemã da WZB
dialogam e influenciam mutuamente, produzindo (Wissenschaftszentrum Berlin für Sozialforschung –
sínteses e difundindo experiências entre diferentes Centro de Ciências Sociais de Berlin), financiado pela
municípios e níveis de governo. DFG (Deutsche Forschungsgemeinschaft – Fundação
Se, por um lado, os debates e disputas internos Alemã de Pesquisa). Mais informações em: <https://
manifesto-project.wzb.eu/>; acesso em: 8 jun. 2019.
do partido estabelecem apenas grandes diretrizes –
“governar com participação popular e inversão de 5 Disponível em: <http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-
-fazemos/memoria-e-historia/documentos-histori-
prioridades” –, por outro, a forma específica de
cos-0>. Acesso em: 19 maio 2013.
como seus governos devem agir se dá pelo experi-
6 Manifesto de Fundação do Partido dos Trabalhadores,
mentalismo de suas gestões municipais, estaduais e
Colégio Sion (SP), 10 de fevereiro de 1980. Disponí-
federal. É tal dinâmica que permite que governos
vel em: <http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/
municipais ligados a tendências não hegemônicas memoria-e-historia/documentos-historicos-0>. Aces-
nacionalmente dentro do partido, como Porto Ale- so em: 19 maio 2013.
gre e Belém,34 passem a ser referências partidárias a 7 Quase toda a literatura sobre o PT apresenta essa
partir de gestões locais. composição, agrupando ou articulando de forma di-
É no âmbito do governo – local, estadual ou ferenciada cada um desses grupos. Ver Keck (1991),
federal – que as instituições participativas bem- Meneguello (1989), Secco (2011), Souza (2008) e
OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES... 21

Baiocchi (2003). tando com apoio dos setores sanitaristas especialmen-


8 Cabe ressalvar que o termo participativo não era usa- te do MDB (Dowbor, 2012).
do pelo PT na década de 1980, e sim pelo PMDB, a 15 Ao longo dos anos 1980, houve experiências partidá-
partir das ideias de Franco Montoro. Para saber mais, rias voltadas à reflexão sobre a atuação petista no âm-
ver Bezerra (2014). bito de governos municipais, porém não formalmente
9 A participação do PT na Constituinte é, até hoje, alvo vinculadas ao PT. Ver Bezerra (2014).
de polêmica e críticas de outros partidos. Após dois 16 O livro foi o resultado de dezessete seminários temá-
anos de intensa participação, tendo sua pequena ban- ticos e reuniões com petistas de prefeituras, além de
cada representada em quase todas as comissões, a ban- representantes de sindicatos, ONGs e universidades.
cada votou contra o texto final, em protesto, por tê-lo 17 Nenhuma das experiências da década de 1980 recebia
considerado conservador, especialmente em relação à o nome de Orçamento Participativo. Mesmo em Por-
ordem econômica, mesmo reconhecendo avanços no to Alegre, o termo só passa a ser utilizado em 1990 e
campo dos direitos sociais. Após o voto contrário, no seu desenho somente se consolida como tal nos anos
entanto, assinou a Carta Magna, por compreender de 1991 e 1992. Para saber mais, ver Bezerra (2014).
que a assinatura era um reconhecimento da sua par-
18 UN-Habitat II é a expressão utilizada para denominar
ticipação no processo. Com efeito, tal posicionamen-
Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assen-
to político só é compreensível mediante uma análise
tamentos Humanos (Second United Nations Confe-
mais minuciosa da leitura do PT sobre o processo.
rence on Human Settlements), ocorrida em Istambul,
10 O projeto foi publicado com o título: Muda Brasil: Turquia, em 1996.
uma Constituição para o desenvolvimento democrático
19 Embora a difusão do OP em âmbito internacional
(São Paulo, Brasiliense, 1986).
tenha contado inicialmente com os esforços de lide-
11 A ANC passou por diversas etapas para apresentação ranças petistas brasileiras, gradualmente ele passa a fa-
de emendas, entre subcomissões, comissões, comissão zer parte da agenda de agências internacionais, como
da sistematização e plenário. Para este estudo, foi fei- ONU e Banco Mundial, que também advogam pela
ta a análise de todas as emendas apresentadas pelos sua implementação em diversos locais do mundo.
deputados petistas em todo o processo. Esses docu- Estima-se que existam hoje entre 1.269 e 2.788 ex-
mentos foram obtidos na Câmara dos Deputados por periências de OP em países tão diversos como Peru,
meio de solicitação ao “Fale Conosco” da Biblioteca Venezuela, França, Itália e Estados Unidos (Oliveira,
Pedro Aleixo: <http://www2.camara.leg.br/documen- 2016). Se a difusão nacional do OP está diretamente
tos-e-pesquisa/biblarq/fale-conosco>. O documento vinculada à atuação do PT, sua difusão internacional
analisado continha 768 páginas de emendas. ultrapassa, em muito, o alcance do “modo petista de
12 Na Constituição de 1988, a seguridade social abarca governar”.
a saúde, assistência social e previdência. Já no projeto 20 O PT esteve à frente do governo federal por 13 anos
apresentado pelo PT, a saúde é apresentada em seção consecutivos. Luís Inácio Lula da Silva assume em
separada. 2003 e, reeleito, permanece como presidente por 8
13 O SUS foi formalmente previsto na Constituição anos. Dilma Rousseff é eleita como sucessora, assu-
de 1988, com a participação da comunidade como mindo em 2011, sendo posteriormente reeleita para
diretriz (art. 198, III). Contudo, a participação na o período 2015-2018. No entanto, seu mandato é in-
gestão em todos os níveis só foi regulamentada pos- terrompido em 2016, em processo de impeachment.
teriormente, na Lei nº 8.142/1990, que instituiu os 21 Celso Daniel foi assassinado em 2002, em um caso até
conselhos de saúde em todos os níveis, bem como as o presente momento não solucionado.
conferências de saúde. Por sua vez, não havia previ-
22 Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
são constitucional de um sistema único da assistência
brasil/fc2001200203.htm>. Acesso em: 25 maio
social, o SUAS. Isso foi feito de forma genérica na
2014.
LOAS (Lei nº 9.742/1993), ao instituir um sistema
federativo de conselhos com participação da socieda- 23 A coordenação de campanha em 2002 foi composta
de civil. O SUAS só foi formalmente instituído em por Luiz Dulci, José Dirceu, Antônio Palocci, Luiz
2011 (Lei nº 12.435). Gushiken e Gilberto Carvalho (DULCI, 2010).
14 Cabe destacar que a proposta do SUS só foi aprovada 24 Notadamente os trabalhos de Leonardo Avritzer e Sér-
por ter sido apresentada como emenda popular e con- gio Costa, conforme sistematização crítica realizada
22 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

por Gurza Lavalle (2003). do Avritzer na Carta Capital, 10 jun. 2014: <https://
25 A carta é tida como símbolo da moderação do discur- www.cartacapital.com.br/politica/por-que-o-novo-
so petista (Singer, 2010), na qual Lula apresenta seus -decreto-de-dilma-nao-e-bolivariano-8992.html>.
compromissos com a estabilidade macroeconômica. 32 Respectivamente, Plano Plurianual, Lei de Diretrizes
26 As antigas funções da Secretaria-Geral eram de arti- Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. Os dois
culação com o Legislativo e com as entidades da fe- últimos são propostos anualmente pelo Executivo e
deração e foram incorporadas à Casa Civil no período aprovados pelo Legislativo e estabelecem o orçamen-
2003-2005, com José Dirceu como ministro. Após to anual da união. O primeiro constitui uma peça de
sua saída, Dilma Rousseff assume como ministra, per- planejamento de ações governamentais em termos de
manecendo nesse ministério somente a atribuição de programas pela duração de quatro anos.
coordenação das relações federativas (art. 33 da Lei 33 Após a “crise do Mensalão”, há uma reorganização in-
no 10.683/2003). Já a coordenação política e relação terna e o grupo hegemônico no interior do PT passa
com o Congresso Nacional passam a ser atribuição da a se chamar “Construindo um Novo Brasil – CNB”,
Secretaria de Relações Institucionais (SRI), pela Lei denominação oriunda da tese apresentada no 3º Con-
no 11.204/2005. gresso, em 2007.
27 Cabe destacar a dissonância entre o tom da resolução 34 Dentro do PT, os termos corrente, tendência e agrupa-
congressual, fruto do debate interno e mediações en- mento são usados intercambiavelmente para se referir
tre grupos partidários, e o Programa de Governo de aos diferentes grupos e facções internos. Nos casos
2006, que teve como seu coordenador Marco Aurélio referidos, Porto Alegre teve a maior parte de seus pre-
Garcia, parte do núcleo político do governo. feitos (Tarso Genro, Raul Pont e João Verle) ligados
28 O 4º Congresso do PT foi realizado em duas etapas. aos chamados grupos da “esquerda do PT”, como a
A primeira em 2010, com os temas: (a) conjuntura Democracia Socialista e a Mensagem ao Partido, em
nacional e internacional; (b) tática, política de alian- oposição ao chamado Campo Majoritário, posterior-
ças, programa e candidaturas para as eleições 2010; mente reorganizado como Construindo um Novo
(c) construção partidária e plano de ação. A segunda Brasil (CNB), grupo originado da Articulação dos
foi realizada em 2011, versando sobre a reformulação 113, com prevalência do setor sindical. Já o prefeito
do Estatuto Partidário. Referência: Regimento Inter- de Belém, Edmilson Rodrigues, era ligado à chamada
no do IV Congresso do PT, aprovado pela Comissão Força Socialista (posteriormente chamada Ação Po-
Executiva Nacional em 10 fev. 2010. pular Socialista). Essa é a última grande corrente da
“esquerda do PT” a sair do partido. Em 2005, a APS e
29 Informações gerais sobre o projeto, publicações e ba-
diversos outros agrupamentos menores ingressam no
ses de dados produzidas estão disponíveis em: <http://
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26 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO THE SENSES OF LES SIGNIFICATIONS DE LA


NO PARTIDO DOS PAARTICIPATION IN THE PARTICIPATION AU PARTI DES
TRABALHADORES (1980-2016) WORKERS PARTY (1980-2016) TRAVAILLEURS (1980-2016)

Carla de Paiva Bezerra Carla de Paiva Bezerra Carla de Paiva Bezerra

Palavras-chave: Democracia participati- Keywords: Participative democracy; Mots-clés: Démocratie participative;


va; Instituições participativas; Participa- Participative institutions; Participation; Institutions participatives; Participation
ção; Partido dos Trabalhadores; Instru- Workers’ Party; Instruments; Ideology; au Parti des Travailleurs; Instruments;
mentos; Ideologia; Políticas públicas. Public policies. Idéologie; Politiques publiques.

Nas eleições de 1982, o Partido dos Tra- At the 1982 election, the Workers’ Party Au cours des élections de 1982, le Parti
balhadores (PT) lança o mote: “governar (PT – Partido dos Trabalhadores) re- des Travailleurs (PT) lance la devise : «
com participação popular e inversão de leased the motto: “to govern with popu- gouverner avec la participation populaire
prioridades”. Essas ideias acompanha- lar participation and inversion of priori- et l’inversion des priorités ». Ces idées ac-
riam o partido ao longo de sua história, ties”. These ideas would accompany the compagneraient le parti tout au long de
porém com mudanças substantivas em party throughout its history, although son histoire, mais avec des changements
como são entendidas por seus militantes with substantial changes in the way they substantiels dans la façon dont cela est
e dirigentes. Mudanças essas explicitadas were perceived by its militants and lead- compris par ses militants et ses dirigeants.
pelas prioridades dadas a diferentes ins- ers. These changes were made explicit Ces changements ont été explicités par les
trumentos de políticas públicas, que vão by the priorities given to different pub- priorités données aux différents instru-
desde a proposta de governar por Con- lic policy instruments, ranging from the ments des politiques publiques, qui vont
selhos Populares, da década de 1980, até proposal to govern by Popular Councils de la proposition, dans les années 1980,
a constituição de um Sistema Nacional in the 1980s to the constitution of a Na- de gouverner par des Conseils Populaires,
de Participação no governo federal, em tional System of Participation in the fed- à la mise en place, en 2014, d’un Système
2014. Alegamos que há uma dinâmica eral government in 2014. We argue that National de Participation au gouverne-
relacional, em que a adoção de diferentes there is a relational dynamic, in which ment fédéral. Nous soutenons qu’il existe
instrumentos de políticas públicas para a the adoption of different public policy une dynamique relationnelle dans laquelle
concretização da diretriz da participação instruments for the implementation of l’adoption de différents instruments de
simultaneamente molda e reflete as pre- the participation guidelines simultane- politiques publiques pour la réalisation
ferências ideológicas partidárias. Com ously shapes and reflects party ideological de la ligne directrice de la participation,
base no experimentalismo de suas gestões preferences. Based on the experimental- façonne et reflète simultanément les
municipais, estaduais e federal, as expe- ism of its municipal, state, and federal préférences partisanes idéologiques. Sur
riências bem-sucedidas são incorporadas administrations, successful experiences la base de l’expérimentation de ses ad-
ao programa partidário como exemplos a were incorporated into the party pro- ministrations municipales, régionales et
serem seguidos por outros governos pe- gram as examples to be followed by other fédérales, les expériences réussies sont in-
tistas. A partir da análise sistemática de PT governments. From the systematic corporées au programme du Parti comme
resoluções e publicações partidárias apre- analysis of party resolutions and pub- des exemples à suivre par d’autres gouver-
sentamos como os sentidos atribuídos ao lications, we present how the meanings nements du PT. Nous présentons, à partir
termo participação e seus vários adjetivos attributed to the term participation and de l’analyse systématique des résolutions
vão, gradualmente, se modificando, em its various adjectives gradually change, et des publications du Parti, de quelle fa-
conjunto com a escolha dos instrumen- together with the choice of priority in- çon les significations attribuées au terme
tos prioritários para a implementação de struments for the implementation of par- participation et ses différents adjectifs se
políticas participativas. ticipatory policies. modifient graduellement ensemble avec le
choix des instruments prioritaires pour la
mise en place des politiques participatives.

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