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BRASIL
SOTIROPOULOS, Dafne
BOULHOSA, Tatiana
RESUMO
No decorrer da história, a sociedade brasileira teve sua formação sustentada sob estruturas
coloniais e patriarcais. Consequentemente, o campo artístico foi afetado e, no século XIX, a
arte passou por processos de institucionalização, que privilegiaram um pequeno grupo
constituído por homens brancos, cisgêneros e de alto poder aquisitivo. Mesmo com um
gradativo percurso para ampliar partições de gêneros, identidades étnico-raciais e classes
econômicas, marcas passadas se mantêm presentes. Explorando essa temática, o artigo
científico visa construir um panorama do Ensino Superior de Artes Visuais no Brasil, traçando
narrativas e analisando perfis de professoras e estudantes do Centro Universitário Belas Artes
de São Paulo. Com base em revisões literárias, investigação de documentos e elaboração de
questionários, foram revelados contrastes entre a pluralidade e as desigualdades, enfatizando
efeitos que incidem sobre a educação.
ABSTRACT
Throughout history, Brazilian society has been shaped by colonial and patriarchal views. As a
result, in the 19th century, art went through processes of institutionalization that favored a small
group composed of white, cisgender men with high purchasing power. Despite gradual
progress in expanding gender, ethnic-racial identities, and economic class divisions, the past
wounds still affect the present. Thus, this scientific article aims to study the diversity in national
art education, tracing narratives and analyzing profiles of professors and students at the Centro
Universitário Belas Artes de São Paulo. Based on literature reviews, document investigation,
and questionnaire development, contrasts between plurality and inequalities have been
revealed, emphasizing the effects that impact education.
1. INTRODUÇÃO
2. OBJETIVOS
3. METODOLOGIA
4. DESENVOLVIMENTO
No início do século XIX, com receio de uma possível invasão francesa, a Família Real
portuguesa junto de sua corte, deslocaram-se para o Brasil, desembarcando em 22 de janeiro
de 1808. Ao se estabelecerem na cidade do Rio de Janeiro, uma série de mudanças estruturais
aconteceram. Uma das áreas afetadas foi a educação, recebendo investimentos que colaboraram
com a fundação dos primeiros institutos de Ensino Superior, sendo eles: Escolas de Cirurgia
(Salvador, BA); Anatomia, Medicina e Cirurgia (Rio de Janeiro, RJ); e Academia da Guarda
Marinha (Rio de Janeiro, RJ). Pouco após, nasceram os cursos da Academia Real Militar (Rio
de Janeiro, RJ), em 1810; de Agricultura (Rio de Janeiro, RJ), 1814; e o Liceu de Artes e
Ofícios (Rio de Janeiro, RJ), 1816.
Entretanto, era necessário que houvesse mais avanços. De 1945 a 1968, o movimento
estudantil lutou em defesa de uma educação mais democrática, laica e gratuita. Em 1961, foi
aprovada a Lei das Diretrizes de Bases da Educação, legislação que regulamentou o sistema
educacional por completo. Porém, muitas conquistas foram dissolvidas com o golpe militar de
1964, que privou liberdades e deteriorou direitos civis. Essa situação se modificou com o fim
da ditadura, ao longo da Redemocratização, com a Constituição de 1988 e a LDB de 1966,
permitindo mais admissões e determinando parâmetros de ensino-aprendizagem.
A partir dos anos de 1930, foram estabelecidas as primeiras estáticas sobre o Ensino
Superior, ligadas à porcentagem de matrículas e a quantidade de estabelecimentos privados.
Com o passar das décadas e o avanço dos debates sobre educação, surgiram estudos mais
aprofundados sobre as instituições e os perfis docentes e discentes. Assim, atualmente, é
possível observar panoramas detalhados que refletem a realidade brasileira.
No entanto, para além da cisgeneridade, há pouca coleta de dados. Um estudo realizado pela
Universidade Estadual Paulista (Unesp), com base em estimativas de 2020, concluiu que o
Brasil possui em torno de 4 milhões de pessoas transgêneros, equivalente a 1,9 % da população.
Porém, conforme a V Pesquisa de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) Graduandos(as)
das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), de 2018, somente 0,3 % dos universitários
são trans, relativo a 0,02% desse grupo. Ademais, dos que estudam em federais, 58% são pretos
e 76% possuem renda de até um salário mínimo.
Havia outra questão, ligada aos próprios movimentos artísticos que permeavam as
criações externas e nacionais. Enquanto no Brasil se construía um Barroco único, marcado pela
junção de culturas, os franceses se prendiam ao Neoclássico, influenciados por ideais clássicos,
julgando os trabalhos locais como defasados e em decadência. Dessa maneira, contrários ao
repertório nacional, a Missão Artística Francesa fundou em 13 de agosto de 1816 o Liceu de
Artes e Ofícios.
Inicialmente, foi nomeado como Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios. No entanto,
a nomenclatura se alterou sucessivamente para: Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura
e Arquitetura Civil, Academia das Artes, Academia Imperial das Belas Artes e, em 1826, fixou-
se como Imperial Academia e Escola de Belas Artes. Sem inovações estilísticas, ensinavam
métodos neoclassicistas, baseados em um antigo sistema de aprendizagem, constituído por
oficinas que foram adaptadas às circunstâncias e limitações do meio. Esse processo, afirmado
pelos franceses como fim da arte empírica e início da fase metodológica no Brasil, pode ser
compreendido como um colonialismo cultural, já que houve um gradativo apagamento da
cultura local para substituí-la por produções europeizadas, reforçando domínios imperialistas.
Além disso, o espaço acadêmico foi fundado não apenas por homens cisgêneros,
brancos e de alto poder aquisitivo, mas exclusivamente para eles, mantendo esta realidade por
cerca de seis décadas. Somente em 1881, inauguraram aulas para o sexo feminino, no Liceu de
Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Era uma educação técnica, voltada para um público mais
humilde e com a intenção inclinada para formação de artesãs. Mais de dez anos depois, em
1892, mulheres começaram a ser oficialmente aceitas na Escola Nacional de Belas Artes do
Rio de Janeiro. Entretanto, muitas optaram pelo livre ingresso, porque a matrícula oficial exigia
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exames de admissão sobre conhecimentos que a maioria não tinha (como francês, álgebra e
história), devido ao pouco acesso ao ensino secundário, que também não costumava aceitá-las.
Em academias particulares, essa ingressão ocorreu antes, porém cobravam altos valores,
equivalente ao dobro do que homens pagavam, acrescentado ao fato de que a maioria vinha de
ricas famílias e tinha parentesco com artistas.
Até 1895, na Belas Artes do Rio de Janeiro, as classes não eram divididas por gênero,
contrariando a lei do Decreto 115, Artigo 187, que assegurava a proibição de turmas mistas.
Em 1896, um ateliê de modelo vivo foi criado exclusivamente para as mulheres. No entanto,
como consequência, houve resistência à inscrição, pois a prática delas observarem corpos
despidos era socialmente malvista, tendo, até a virada do século, só duas estudantes, que
posteriormente foram aspirantes a escultoras: Julieta França e Nicole Vaz de Assis. Durante
um longo período, formaram-se artistas que não precisavam representar corpos, como
miniaturistas, pintoras de natureza-morta, de retratos e de porcelanas. Nesta época, a arte
histórica era mais valorizada, mas não podiam reproduzir por não possuírem noções
anatômicas, sendo desvalorizadas e sofrendo repressões de críticos.
Sob o espírito ainda presente da Semana de Arte Moderna de 1922, um grupo seleto de
intelectuais e artistas foi convidado para uma cerimônia histórica nas salas do Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo, na Avenida São João, no centro. Assim, em 23 de setembro
de 1925, ocorreu oficialmente a inauguração da “Academia de Bellas Artes de São Paulo”. Na
época, a presidência era composta por Pedro Augusto Gomes Cardim (1865-1932), um filho
de artistas portugueses que participava ativamente da vida artística e cultural, observando na
fundação uma oportunidade de ampliar os estudos sobre artes, visto que a cidade não dispunha
de uma escola dedicada à vertente.
Meses depois, em 15 de fevereiro de 1926, a Academia de Bellas Artes abriu seu espaço
físico em um prédio público na Rua Bento Freitas, 60, Vila Buarque. Contando com 58
funcionários, iniciou a oferta do curso de Pintura e Escultura, sendo um marco para a formação
de uma juventude que caminhava em prol da criação brasileira. Em 28 de janeiro de 1932, foi
reconhecida pelo estado e mudou de nome para Escola de Belas Artes de São Paulo.
Nos anos 50, contando com 25 anos de experiência, tornou-se a primeira escola artística
artística de nível superior, sendo o principal reduto de arte figurativa da década.
4.3.2. Curso de Artes Visuais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo
4.3.3. Questionários
4.3.3.1. Professoras
4.3.3.1. Estudantes
Sendo um dos maiores cursos artísticos do Brasil, foi estruturado um questionário que
visa analisar e averiguar a composição social de Artes Visuais: Pintura, Gravura e Escultura,
do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, respondido por 104 estudantes.
5. RESULTADOS
Nos anos de 1920, o país passou por transformações, em que a rede privada cresceu de
maneira intensificada, incentivando o estabelecimento de normas e parâmetros educacionais.
Durante essa mesma época e sob o fervor da Semana de Arte Moderna, o Centro Universitário
Belas Artes de São Paulo foi fundado, em 1925, sendo a primeira instituição artística do estado.
Desde então, segue ofertando um dos principais cursos nacionais de bacharelado em Artes
Visuais.
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No que diz respeito aos estudantes, 104 colaboraram com a análise, nos quais 30,8%
são do primeiro semestre, 1,9% do segundo, 29,8% terceiro, 4,8% quarto, 8,7% quinto, 1%
sexto e 23,1% sétimo; e 68,3% estudam de manhã, 25% tarde e 6,7% noite. Somente 4,8% são
homens cisgêneros, enquanto os 95,2% são formados por 61,5% mulheres cis, 15,4% não-
binários, 7,7% gênero fluído, 5,8% agênero e 4,8% homens transgêneros. 86,5% se
autodeclaram brancos, 5,8% pardos, 3,8% amarelos, 1,9% pretos, 1% indígena e 1% preferiu
não responder. Dentre eles, 28,8% são bolsistas e, relativo a renda mensal, 2,9% recebem
menos de 1 salário mínimo, 12,5% de 1 a 3 salários mínimos, 27,9% de 4 a 6 salários mínimos,
15,4% salários mínimos, 16,3% acima de 11 salários mínimos e 25% optaram por não
responder. Sobre o corpo docente, 63,5% têm mais disciplinas ministradas por professores,
28,8% por professoras e 7,7% um número equilibrado. Durante as aulas, 52,9% acham que a
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maioria discrepante dos artistas apresentados são homens, 26% declararam que estudaram
apenas artistas cis, mas muitas mulheres foram mostradas, 14,4% disseram que viram artistas
trans, porém a maior parcela era cis, 1% observou tanto artistas cis quanto trans e 5,8% não
tiveram conteúdo suficiente para responder a pergunta. Ademais, 86,4% reiteraram que esses
criadores eram predominantemente brancos e apenas 6,8% acharam que houve equilíbrio
étnico-racial. Logo, 40,4% não enxergam que há diversidade nas matérias e 49% apontaram
que tem, entretanto poderia melhorar. Refletindo sobre os colegas, 66,3% repararam que as
mulheres são a maior parte, 17,3% veem uma proporção semelhante entre homens e mulheres,
12,5% harmonia entre homens, mulheres e não-binários e 3,8% notaram mais o espectro de
não binaridade, além de 91,3% identificaram mais brancos. Particularmente, 64,4% receiam
que seu gênero possa trazer desvantagens profissionais. Por fim, é interessante destacar que
60,6% queriam aprender mais sobre artistas mulheres, 63,5% mais de artistas trans, 70% mais
artistas LGBTQIAP+ e 74% mais artistas negros, pardos, amarelos e indígenas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
negros e bolsistas tendem a sofrer discriminação. E, dentre outros relatos, alegaram a propensão
de docentes valorizarem mais poéticas trabalhadas por homens, falta de incentivos e pouca
inclusão decolonial na formação acadêmica. Com isso, é possível concluir que apesar de haver
uma luta a favor da diversidade no meio educacional e artístico, ainda existem espaços
importantes para serem conquistados, de modo que as diversidades ficam alijadas dos centros
de poder e, portanto, das construções de narrativas e futuras profissionalizações.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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