Você está na página 1de 23

EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS

Antonio Rodolfo de Siqueira


Viviane Guidotti
M278e Siqueira, Antonio Rodolfo de.
Educação de jovens e adultos / Antonio Rodolfo de
Siqueira, Viviane Guidotti. – Porto Alegre : SAGAH, 2017.
216 p. : il. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-9502-052-8

1. Educação de jovens. 2. Educação de adultos I.


Guidotti, Viviane. II. Título.

CDU 37.022

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094

Educacao_Jovens_e_Adultos_1-4.indd 2 16/03/2017 11:48:13


Tendências do pensamento
político-pedagógico
sobre EJA: contexto
sócio-histórico
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Aprender a história da Educação de Jovens e Adultos em seus aspectos


gerais e particulares.
 Reconhecer a importância da EJA na busca da inclusão social.
 Contextualizar a EJA nas diferentes fases do desenvolvimento histórico.

Introdução
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil vem percorrendo uma
trajetória histórica muito recente. Com foco inicial na alfabetização, seu
propósito principal era ensinar alunos adultos a ler e a escrever. Entretanto,
como a EJA se fundamenta no cenário social e político, houve mudanças
paradigmáticas significativas, promissoras e amparadas pela legislação
vigente, que buscam respeitar as especificidades do educando jovem/
adulto e a sua diversidade cultural. Neste capítulo, você vai saber mais
sobre a resolução que sustenta o pensamento pedagógico da EJA, bem
como suas funções e as especificidades dos alunos que buscam essa
modalidade de ensino.

Educacao_jovens_U1_C01.indd 13 16/03/2017 11:49:07


14 Educação de Jovens e Adultos

A história da Educação de Jovens


e Adultos no Brasil
A alfabetização de jovens e adultos existe desde a colonização do Brasil.
Naquela época, essa educação veio com os jesuítas, que ensinaram os índios.
Posteriormente, com a chegada da família Real, em 1808, as escolas passaram
a ser prioridade de quem tinha condições econômicas, ou seja, somente os
nobres frequentavam as escolas. Logo, nem todos tinham o direto de estudar.
Segundo Ghiraldelli Jr. (1992), a educação brasileira teve início com o fim
dos regimes das capitanias. A educação no período colonial teve três fases:

 a de predomínio dos jesuítas, que, na sua forma de ensinar a língua


portuguesa e passar conhecimentos científicos, enfocavam a religião
(catequização dos indígenas);
 a das reformas de Marquês do Pombal, que, com a expulsão dos jesuítas,
dá início à organização das escolas de acordo com o interesse do Estado;
 a do período de D. João VI, que, apesar de ter estabelecido diversas ins-
tituições de ensino, como a Academia Real Militar, e escolas noturnas,
sofria pela ineficiência do Estado para mantê-las em funcionamento;
logo, a educação ficava cada vez mais relegada a segundo plano.

Com a Independência do Brasil, em 1822, a Constituição Brasileira


(Carta Magna de 1824) estabeleceu o ensino primário gratuito e para todos,
porém nem todos tinham acessibilidade. A única lei geral sobre a instrução
primária foi promulgada em 15 de outubro de 1827 e preconizava que as
escolas deveriam ensinar a ler, a escrever e a utilizar as quatro operações
de aritmética, bem como noções gerais de geometria prática, gramática,
moral cristã e doutrina católica. As meninas foram incluídas, mas com
currículos diferenciados, delimitando, já na formação educacional, seu
papel na sociedade brasileira. As primeiras Escolas Normais para formar
professores surgiram em 1835.
A instrução era uma ferramenta para fortalecer um Estado Nacional inde-
pendente e para civilizar o povo brasileiro, visando a acabar com a “desordem”
das ruas. Segundo Vidal e Faria Filho (2003), 20 anos depois da independên-
cia do Brasil, foram criadas diversas Faculdades de Direito, mas, devido à
conjuntura da época, apenas as elites tinham acesso a essa formação. Logo,
a maioria da população não tinha condições de frequentar a escola.
O Ato de 1834 modificou a constituição de 1824 e estabeleceu que as
Assembleias Provinciais atuariam no ensino elementar e secundário, deixando

Educacao_jovens_U1_C01.indd 14 16/03/2017 11:49:07


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 15

para o Estado Imperial a responsabilidade de cuidar do ensino superior em


todo o país, como município da Corte operando nos demais níveis de ensino.
A visão predominante (e ilusória) era de que todas as pessoas, pobres, brancos
e negros, deveriam passar pela escola para adquirir as noções da cultura e
da civilização ocidental (europeia), isto é, somente a educação conseguiria
desenvolver o país.
O primeiro recenseamento demográfico do Brasil aconteceu em 1872 e apu-
rou um índice de analfabetismo alarmante: somente 17,7% da população entre
6 e 15 anos havia frequentado a escola, portanto, mais de 82% da população
não sabia ler nem escrever. Nos debates políticos do período, o analfabetismo
era um problema relacionado a questões eleitorais e econômicas.
A Lei nº 9, de 22 de março de 1874, inaugurou na Província de São Paulo
a obrigatoriedade ensino primário junto aos futuros cidadãos que deveriam
ser preparados para ajudar a construir uma nova nação, mas esse princípio
estava muito distante da realidade, dada a situação precária do ensino público
(poucas escolas e mal estruturadas) (HILSDORF, 2003). Cabe destacar aqui
a forte participação de sociedades, associações leigas e religiosas e de outras
instituições particulares na proposição de projetos educacionais no auxílio à
instrução de crianças e de adultos trabalhadores em outros espaços, tanto em
instituições privadas quanto na família.
Em 1879, Carlos Leôncio de Carvalho encabeçou uma reforma educa-
cional, por meio do art. 4º do decreto 7.247, que criou cursos noturnos para
adultos do sexo masculino nas escolas públicas de instrução primária. Essa
iniciativa influenciou a reforma eleitoral, a Lei Saraiva de 1881, que, entre
outras medidas, previa a eleição direta, a elegibilidade dos não católicos,
libertos e naturalizados, embora conservasse a restrição de renda mínima,
e instituía, pela primeira vez, o voto apenas às pessoas alfabetizadas. Isso
significou uma redução drástica no número de eleitores, que de 10% passou
a ser de menos de 1% da população (FARIA FILHO, 1998). Para Paiva (1983),
Rui Barbosa ansiava que o impedimento ao voto do analfabeto gerasse um
maior investimento na instrução do povo, para que pudessem participar como
cidadãos da vida política do país. No entanto, o que aconteceu foi o contrário:
a Lei Saraiva, em vez de estimular o poder público na difusão da instrução,
disseminou o preconceito em relação ao analfabeto. A Lei Saraiva, de certa
forma, transformou a instrução em um importante mecanismo de exclusão
tanto para os recém-libertos quanto para as classes trabalhadoras. Assim, se no
Império as pessoas eram selecionadas para participar da política pelos critérios
econômicos, na República essa seleção se dava por critérios de instrução. A
partir de 1889, os republicanos históricos operavam com a mentalidade de

Educacao_jovens_U1_C01.indd 15 16/03/2017 11:49:07


16 Educação de Jovens e Adultos

democracia e progresso vinculada à instrução, utilizando-a como meio de


educar e instruir a população. A escola era o lócus de formação para o novo
homem republicano, produto e também produtor de uma sociedade moderna,
democrática e progressista.

No livro “O direito à educação: lutas populares pela escola em Campinas” (SOUZA, 1998)
analisa as formas de escolarização estatal voltadas para as crianças das camadas
populares na primeira metade do século XIX. Vale a pena conferir!

A partir da Revolução Industrial no Brasil (na década de 1930), que


ocorreu quando as indústrias necessitavam de mão de obra especializada
e o país nada tinha para oferecer, parte da população começou a migrar do
campo para a cidade em busca de novas oportunidades e, com isso, houve a
necessidade de alfabetizar os trabalhadores, daí a criação de escolas noturnas
para adultos. Começaram então os debates para popularizar o acesso às
escolas, pois muitos acreditavam que toda a sociedade poderia se beneficiar
com uma educação de qualidade. De fato, o governo passou a ver as entidades
como utilidade pública, ou seja, começou a valorizar as pequenas institui-
ções que buscavam meios de alfabetizar seus jovens e adultos mesmo sem
condições financeiras. A Educação de Jovens e Adultos começou não como
uma forma governamental, mas, sim, como um modo de conscientização
de que todos tivessem o mesmo direito. Vamos ver agora por que a da EJA
é importante para a inclusão social.

A importância da EJA e a inclusão social


A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem a função social de assegurar a
escolarização dos sujeitos que, historicamente, foram excluídos do direito à
educação. Assim, deve-se cuidar para não reproduzir na escola as práticas
excludentes da sociedade, pois seu papel é justamente a formação de sujeitos
capazes de intervir de forma crítica e reflexiva, problematizadora, democrática
e emancipatória, com voz, vez e decisão na solução e superação dos problemas
e desafios à sua sobrevivência e existência:

Educacao_jovens_U1_C01.indd 16 16/03/2017 11:49:07


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 17

“Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo, todos nós sabemos alguma
coisa, todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”
(FREIRE, 2001, p. 34).
São jovens e adultos de camadas populares que, ao interromperem sua
trajetória escolar, repetem histórias, muitas vezes coletivas e familiares, de
negação dos direitos. Negar o enraizamento dessa negação, dessa identidade
coletiva, social e popular, compromete a percepção da própria identidade
da EJA, correndo o risco de a modalidade ser encarada como mera oferta
individual de oportunidades pessoais perdidas.
Para discutir o problema da educação e chegar a considerações capazes de
orientar uma solução para o analfabetismo adulto, é preciso um olhar justo e
verdadeiro, que só pode vir do ponto de vista social: um olhar de direitos e não
de caridade. É necessário enxergar o analfabetismo como um aspecto social,
e não como um conceito abstrato, e partir do fato real, concreto, existencial,
isto é, o homem adulto analfabeto.
A educação é um direito assegurado pelas leis que regem o Brasil, logo,
precisamos traçar um caminho efetivo para fazer uma nova história no contexto
educacional brasileiro, a fim de que essas leis prevaleçam e sejam cumpridas,
em especial na EJA, com a perspectiva de acabar com o analfabetismo e/ou
sanar a problemática de crianças e adolescentes que não conseguem terminar
o ensino regular na idade própria.
Para melhor conhecer as peculiaridades desta modalidade de educação
voltada para adultos, é preciso pesquisar profundamente as razões pelas quais
esses sujeitos buscaram os estudos novamente. A EJA foi estabelecida pela
LDB nº 9.394/96, no Art. 37, que diz que a “[...] Educação de Jovens e Adultos
será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
ensino fundamental e médio na idade própria.” (BRASIL, 1996).
A EJA trata de alunos com características diversificadas e diferenciadas das
crianças e adolescentes do ensino em idade regular. Antes de conhecer essas
características, precisamos antecipar que, hoje, a educação voltada para adultos é
conhecida como andragogia. Com a mesma raiz linguística do termo pedagogia,
andragogia diferencia-se apenas porque é inicialmente formada pela palavra
andrós, que significa homem; logo, andragogia designa a educação dos homens
e, é claro, das mulheres (TAMAROZZI; COSTA, 2007). Sua formulação marca
a diferença dos processos educativos de crianças e adultos, já que historicamente
as pesquisas sobre aprendizagem estiveram muito mais direcionadas ao público
infanto-juvenil. Conforme Oliveira (1997, p. 60), em relação à construção do
conhecimento, os processos de aprendizagem de adultos são menos explorados
dos que as teorias que apresentam considerações sobre crianças e jovens.

Educacao_jovens_U1_C01.indd 17 16/03/2017 11:49:07


18 Educação de Jovens e Adultos

Isso significa que a construção cognitiva do adulto e os mecanismos que


ele desenvolve para a aprendizagem são ainda carentes de uma investigação
mais consistente. Um dos estudos mais antigos sobre o assunto foi realizado
por Lindeman, que identificou, pelo menos, cinco pressupostos-chave para a
Educação de Jovens e Adultos, descritos a seguir:

1. Os jovens e adultos, são motivados a aprender, por isso, à medida que


experimentam, suas necessidades e interesses são satisfeitos. Por isso,
esses são os pontos mais apropriados para iniciar a organização das
atividades de aprendizagem do adulto.
2. A orientação de aprendizagem do adulto está centrada na vida; por isso,
as unidades apropriadas para organizar seu programa de aprendizagem
são as situações de vida, e não as disciplinas.
3. A experiência é a mais rica fonte para jovens e adultos, por isso, o centro
da metodologia da educação do adulto é a análise das experiências.
4. Os jovens e adultos têm uma profunda necessidade de serem auto-
dirigidos; por isso, o papel do professor é engajar-se no processo de
mútua investigação com os alunos, e não apenas transmitir-lhes seu
conhecimento e depois avaliá-los.
5. As diferenças individuais crescem com a idade; por isso, a EJA deve
considerar as diferenças de estilo, tempo, lugar e ritmo de aprendizagem
de cada aluno.

Paulo Freire é tido como um desbravador de uma educação apropriada para


pessoas jovens e adultas no Brasil. Ele sistematizou, a partir de um olhar atento
sobre o cenário político-educacional de sua época e a necessidade dos alunos, um
método de educação que tinha o adulto como centro da discussão, desencadeando
um processo de libertação e de conscientização dos educandos. Freire praticou a
andragogia mesmo antes de o termo se tornar conhecido no Brasil. Em sua obra
Pedagogia do Oprimido, ele formulou, com clareza, uma proposta baseada em
um processo de educação libertadora, que levava à conscientização do sujeito
em oposição à ideia de um aluno apenas receptor de conteúdos predetermina-
dos. Segundo Freire 2005, p. 25) “[...] é importante saber que se deve respeito
à autonomia, à dignidade e à identidade do educando e, na prática, procurar a
coerência com esse saber.”. Tratamos aqui o perfil desse alunado com base nas
palavras do autor e com a intenção de conhecer o(a) aluno(a) que procura a EJA.
A construção de conhecimento a que todo ser humano tem direito precisa
ser respeitada em sua amplitude e diversidade. Na EJA, em uma mesma sala
de aula, estão reunidos jovens, adultos, e idosos de idades e gêneros diferentes,

Educacao_jovens_U1_C01.indd 18 16/03/2017 11:49:08


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 19

religiosidades, pertencimentos étnicos, culturais, trajetórias de vida, saberes


acumulados, fazeres, especialidades vividas, temporalidades, concepções, etc.
Além da diversidade, os sujeitos dessa modalidade são adolescentes, jovens
e adultos que não completaram sua escolarização em período específico
(idade); trabalhadores que precisam de diploma; pessoas que não tiveram
acesso à escola e, por questões financeiras, tiveram que parar de estudar e
pessoas com dificuldades de aprendizagem (SOUZA, 2011). A procura pela
EJA tem aumentado ao longo dos anos e contribuído para baixar os índices
de analfabetismo no Brasil. Essas pessoas buscam a realização de sonhos, o
primeiro emprego ou a melhoria de sua vida profissional, o desenvolvimento
ou mesmo a ideia de sair da situação de analfabetismo e exclusão social.
A sociedade tem a ideia de que os jovens e adultos que procuram a EJA são
pessoas fracassadas. A esse respeito, Souza (2011, p. 20) afirma que:

É preciso desmontar a ideia de fracasso escolar atribuída ao aluno. Exis-


tem fatores estruturais, ou seja, os quais possuem raízes profundas na
sociedade, que são em grande medida responsáveis pela existência
de pessoas fora da escola; outras que desistem da escola e outras que
ingressam tardiamente ou que repetem várias vezes de ano.

Os alunos que procuram a EJA têm anseios em relação ao ambiente escolar


associados com as necessidades diárias, a inserção social e a autonomia na
vida, isto é, eles pretendem ampliar suas chances no mercado de trabalho e
sua participação em situações que requerem escrita, além de elevar seu status
social; suas falas remetem a questões políticas, econômicas e sociais.
Aos poucos, quando o aluno percebe que o educador está por inteiro na
relação que se estabelece em sala de aula, ele vai se reconhecendo e se engajando
nas diferentes atividades. Para a consolidação desse processo, é importante
que o educador valorize a fala do educando, sua autoria, sua vida, reconheça
sua produção e o estimule a se colocar diante do grupo.
Dessa forma, deve ocorrer a mediação entre os saberes que os alunos
carregam e o conteúdo escolar. Considerar esses aspectos é fundamental para
o trabalho com jovens e adultos não alfabetizados ou pouco escolarizados,
pois suas experiências e circunstâncias culturais, históricas e sociais propiciam
situações de aprendizagem, promovendo o desenvolvimento.
A EJA nos dias atuais tem três funções:

1. reparadora (que discorre sobre o direito de igualdade para todos com


uma educação de qualidade);

Educacao_jovens_U1_C01.indd 19 16/03/2017 11:49:08


20 Educação de Jovens e Adultos

2. equalizadora (vem para oferecer novas oportunidades e outro rumo na


vida profissional); e
3. qualificadora (permite o desenvolvimento potencial do caráter).

Quando os alunos ingressam na EJA, ocorre uma transformação na sua


autoestima: eles passam por uma satisfação e realização pessoal, tornando-
-se independentes e reavaliando seus objetivos. Eles constatam que não
dispõem de tempo para regredir em seu aprendizado, voltando no caminho
que já percorreram, ou seja, nesta evolução e transformação da sociedade e
das tecnologias, eles reconhecem que, se abandonassem os estudos, cairiam
na mesmice.
A educação, aqui em especial a EJA, é uma prática humana direcionada por
uma determinada concepção teórica. Assim, a EJA é uma instância pela qual é
possível adquirir conhecimento. Neste contexto, o ato de aprender a aprender é
uma das principais funções do ato de ensinar, ou melhor, do ato de educar, daí
a necessidade de pesquisar sobre como a aquisição de conhecimento modifica
as pessoas em um processo de conscientização e reconstrução de suas vidas,
transformando-as como agentes transformadores de sua própria realidade.

A EJA nas diferentes fases do desenvolvimento


histórico: de 1945 até hoje
Como vimos na primeira seção sobre a história da Educação de Jovens e
Adultos no Brasil, interrompemos nossa descrição na chamada era da Revo-
lução Industrial brasileira, compreendida entre as décadas de 1930 e 1940,
sob a ditatura de Getúlio Vargas. Com o fim do Estado Novo, em 1945, o
país sofreu uma forte agitação política. Dessa forma, a sociedade passou a
ver o grande número de analfabetos e a preocupar-se com esse fator. Assim,
o problema ganhou destaque, e a solução estaria na Educação de Jovens e
Adultos (EJA). A partir deste ponto, o povo começou a mostrar sua força e
a lutar por uma educação de qualidade. Ainda em 1945, ocorre um marco
mundial: o surgimento da UNESCO (Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura), um importante estímulo à implantação de
programas nacionais para a educação de adultos analfabetos em todo o mundo.
Seus principais objetivos estavam relacionados à educação de base voltada à
população de uma maneira geral, crianças, adolescentes e adultos de ambos
os sexos. Após a Segunda Guerra Mundial, a UNESCO visava a ampliar uma
consciência internacional, atenta às dimensões do fenômeno da “ignorância”

Educacao_jovens_U1_C01.indd 20 16/03/2017 11:49:08


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 21

e aos significados de sua supressão no campo da “educação fundamental”. O


Brasil, como vários países da América Latina, África e Ásia, passou a contar
com o apoio da UNESCO.
No governo de Eurico Gaspar Dutra, ocorreu, em 1947, o I Congresso
de Educação de Adultos, que marcou o início da Campanha de Educação
de Adultos Analfabetos (CEAA), promovida pelo Ministério da Educação
e Saúde e que pretendia promover uma “educação de base” ou a “educação
fundamental comum” a todos os brasileiros da zona urbana e rural que não
sabiam ler e escrever. Os gestores da Campanha tinham como estratégia
sensibilizar os vários setores da sociedade brasileira, desde o cidadão comum,
até empresários, professores e religiosos, para acabar com o analfabetismo no
País, associando a esse processo a transformação social e o desenvolvimento
do País como um todo. Para isso, foi criado em 1947 o Serviço de Educação
de Adultos (SEA), pelo Departamento Nacional da Educação, do Ministério
da Educação e da Saúde, o que significou um indicador importante na mudança
do lugar da educação de adultos no Brasil. Esse novo serviço orientava e
coordenava nacionalmente os trabalhos dos planos anuais de ensino supletivo
para adolescentes e adultos analfabetos.
O SEA implementou a CEAA, motivando e estimulando todos os Estados
a promover, com seus próprios recursos, a criação de classes de educação de
adultos delineadas no plano geral do ensino supletivo. Os professores sele-
cionados deveriam ser mobilizados conforme os seguintes critérios: 1º) os
que estavam atuando em escolas públicas; 2º) normalistas diplomados e que
não estavam atuando na rede oficial; 3º) alunos do magistério em fase final
de conclusão do curso; 4º) pessoas com curso ginasial, comercial ou técnico;
por último, as leigas, ou mesmo aquelas que tinham até o 4º ano primário. O
Setor de Orientação Pedagógica ficou responsável por produzir as cartilhas
e os textos de leitura para serem usados nas unidades de alfabetização. As
metas estabelecidas para a instalação das unidades em todo o País foram:
10.000 classes, em 1947; 14.110, em 1948; 15.204, em 1949; e 16.500, em
1950. A visibilidade social da Campanha e, ao mesmo tempo, o chamamento
para que toda a sociedade brasileira participasse como alunos, professores e/
ou colaboradores foi em grande parte realizada via comunicação impressa e
radiofônica nos municípios. De acordo com Vovio (2007), o Primeiro Guia de
Leitura foi distribuído pelo Ministério da Educação em larga escala para as
escolas supletivas do País e orientava o ensino pelo método silábico. As lições
partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas segundo suas caracterís-
ticas fonéticas. As primeiras lições continham pequenas frases montadas com
as mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos textos

Educacao_jovens_U1_C01.indd 21 16/03/2017 11:49:08


22 Educação de Jovens e Adultos

contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho


e mensagens de moral e civismo. Os professores que atuaram na Campanha
ministraram seus cursos de alfabetização junto a adolescentes, jovens e adultos
privilegiando métodos e conteúdos muito próximos aos desenvolvidos com as
crianças do ensino regular primário, o que acabou contradizendo os discursos
de educação ampla propostos no programa educativo da CEAA. A ideia que
ganhou espaço a partir desse período era a de que o analfabeto seria uma
pessoa “incapaz”, um adulto com mentalidade de criança que não aprendeu,
portanto, “emburrecido” (PAIVA, 1983).
No final dos anos 1950, as críticas intensificadas somadas à percepção de
que o período do curso era insuficiente começaram a minar a Campanha. O
material didático e os programas também foram considerados inadequados
às especificidades da educação de adultos. No entanto, é inegável que es-
ses esforços possibilitaram um campo de reflexão pedagógica em torno do
analfabetismo e suas consequências sociais e psicológicas. Outra importante
contribuição da CEAA, apontada por Haddad e Di Pierro (2000), refere-se
à criação, nos municípios e nos estados brasileiros, de uma infraestrutura
voltada aos jovens e adultos, bem como à regulamentação dos fundos res-
ponsáveis pela distribuição dos recursos financeiros para essa finalidade. As
campanhas de alfabetização vão praticamente desaparecer no governo de
Juscelino Kubitschek, de 1955 a 1960. Muitos historiadores analisam esse
período como um momento que estabilizou uma memória impregnada da
disseminação de otimismo e estabilidade política que teria propiciado uma
elevação significativa nos índices de crescimento econômico, embalada pela
concretização da construção de Brasília, em 1960.
O governo de Juscelino Kubitschek investiu de forma intensa no setor
de infraestrutura e incentivou a industrialização, abrindo o país aos capitais
estrangeiros, oferecendo-lhes inúmeras facilidades em áreas consideradas
prioritárias, como indústria automobilística, transporte aéreo e estradas de
ferro, eletricidade e aço. Assim, Estado, empresa privada nacional e capital
estrangeiro estavam unidos para promover o desenvolvimento econômico pela
industrialização (FAUSTO, 1997). Enquanto isso, os movimentos operário e
sindical estavam ativos e articulados. Em São Paulo, foi criado, em 1955, o
Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que congregava os sindicatos da meta-
lurgia, dos gráficos, da indústria têxtil, etc. No Rio de Janeiro, os comunistas
criaram uma frente composta pelos ferroviários, marítimos e portuários, que
deu origem ao Pacto de Unidade e Ação (PUA), atuando junto ao funcionalismo
público. A criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) ocorreu nesse
período FAUSTO, 1997). Foi nesse cenário que, em 1958, JK convocou o II

Educacao_jovens_U1_C01.indd 22 16/03/2017 11:49:08


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 23

Congresso de Educação de Adultos que, apesar da chamada e do foco, acabou


priorizando os debates sobre o ensino primário. De todo modo, essa iniciativa
foi reproduzida em todos os estados brasileiros, estimulando o surgimento de
inúmeros grupos e propostas para tentar solucionar o problema da educação
de adultos no País.
Paulo Freire participou deste evento e ganhou grande visibilidade ao apre-
sentar um relatório que trouxe o debate sobre o analfabetismo para a agenda
nacional. Afirmou, naquele contexto, que o problema do não desenvolvimento
do Brasil não poderia ser imputado ao fato de a população não saber ler e
escrever: o “atraso” do País se dava pelo fato de o povo se encontrar em uma
grave situação de miséria. Essa nova maneira de ver e colocar o problema
sobre a situação da educação, dos analfabetos, do desenvolvimento nacional,
enfim, das condições de vida da população, possibilitou que esse grupo do
Nordeste defendesse ações que fortalecessem a formação da consciência do
povo brasileiro, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo, principal-
mente da população mais pobre e excluída do país (FÁVERO, 1983).
As críticas produzidas por Paulo Freire traziam uma nova visão do pro-
cesso educacional: a educação deveria se relacionar com a vida concreta, o
desenvolvimento, a formação da nacionalidade, da sociedade civil, portanto,
com a participação democrática. Freire elaborou uma proposta pedagógica
ligada à vida, relacionada não apenas à escolarização formal, mas também à
comunidade. No governo de João Goulart ocorreu uma maior aproximação entre
o Ministério da Educação e Cultura e as entidades estudantis, os sindicatos
e os setores da Igreja Católica que vinham atuando com a educação popular.
Nesse contexto, Paulo de Tarso, Ministro da Educação, criou uma Comissão
de Cultura Popular com o objetivo de implantar, em todo o território nacional,
“novos sistemas educacionais de caráter eminentemente popular”. Paulo Freire
foi nomeado presidente dessa Comissão e teve por missão produzir levanta-
mentos e pesquisas sobre a questão do analfabetismo no País. Foram criadas
as Comissões Regionais de Cultura Popular, para incentivar pesquisas nas
áreas ligadas à promoção da cultura popular, como folclore, teatro, cinema,
música, etc. Um pulsar acelerado passou a ditar os rumos dos movimentos
culturais, que se multiplicaram e mobilizaram lideranças tanto do mundo
privado quanto da esfera pública. O 1º Encontro Nacional de Alfabetização e
Cultura Popular e a criação de um programa extensivo de educação de adultos
aconteceram nesse contexto.
No ano de 1963, o Movimento de Educação de Base (MEB) também foi
um agente fundamental no processo da educação de adultos e que estava
imbuído da filosofia e pedagogia de Paulo Freire. Nesse sentido, a educação

Educacao_jovens_U1_C01.indd 23 16/03/2017 11:49:08


24 Educação de Jovens e Adultos

era tomada como um processo de conscientização que poderia transformar


as pessoas e as estruturas vigentes, as mentalidades e as estruturas. Essa
estratégia passava pela elaboração de uma série de materiais didáticos dire-
cionados para jovens e adultos, buscando tornar o processo de alfabetização
uma tomada de consciência e transformação da realidade. Alguns títulos já
indicavam essa perspectiva, por exemplo, Saber para viver e Viver é lutar.
Fávero (1983), elaborou as lições visando à compreensão do que é o homem,
do que é o mundo e das relações estabelecidas entre si. As dimensões rela-
cionadas aos conflitos da vida humana, aos desequilíbrios e às injustiças de
um país subdesenvolvido, ao conceito de classe social e à luta de classes, ao
questionamento sobre o voto do analfabeto, à exploração capitalista, à força
da cultura e da ação popular para mudar as condições de vida são alguns dos
tópicos. Ou seja, de uma visão micro da realidade as lições vão ampliando a
consciência das pessoas para os problemas mais gerais da sociedade, articu-
lando o individual, o coletivo e o social.
Em janeiro de 1964, o Programa Nacional de Alfabetização optou pela proposta
metodológica de alfabetização de Paulo Freire, sendo ele próprio o coordenador
da Comissão Especial responsável pela sua implantação. Em 1964, foram criados
60.870 círculos de cultura, a fim de alfabetizar 1.834.200 adultos, atendendo
8,97% da população analfabeta na faixa etária de 15 a 45 anos (PAIVA, 1983).
Os movimentos de educação e culturas populares foram completamente
reprimidos e desarticulados no período da ditadura militar, que se iniciou em
março de 1964. O Plano Nacional de Alfabetização foi extinto pelo Decreto
nº. 53.886/64. O Movimento de Educação de Base também sofreu com a
repressão dos militares que inibiram suas ações na educação de adultos e a
atuação da esquerda da Igreja Católica. A hierarquia da Igreja Católica optou
por se colocar apenas no âmbito de sua missão evangelizadora. As lideranças
desses movimentos foram perseguidas, as ideias e os ideais de transformação
social foram silenciados, muitos professores e estudantes engajados nas práticas
de alfabetização e conscientização foram perseguidos, cassados e exilados.
Nesse contexto, de um lado a EJA foi utilizada como possibilidade de
incrementar a coesão social, e, de outro, foi projetada como o símbolo de
uma sociedade “democrática” em um “regime de exceção”. O País mais uma
vez testemunhou uma educação mistificada, tomada como estratégia de mo-
bilidade social dos indivíduos. O acesso à escola representava uma maneira
de assegurar a igualdade de condições para ascensão nesse novo contexto.
A educação era apresentada à população como uma necessidade, ou o único
meio para o crescimento e o desenvolvimento econômico do País.

Educacao_jovens_U1_C01.indd 24 16/03/2017 11:49:08


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 25

O governo militar implantou a Cruzada da Ação Básica Cristã (Cruzada


ABC), que buscava capacitar os analfabetos para serem participantes na socie-
dade contemporânea, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico.
Os sujeitos analfabetos teriam como retorno o acesso aos bens produzidos
nesta e por esta sociedade. Esse programa, que durou de 1964 a 1969, tinha
uma perspectiva de integração nacional e destruiu os programas oficiais do
período de Goulart que persistiam, combatendo fortemente as iniciativas que
ainda se inspiravam no método de Paulo Freire.
Diante do vazio deixado por Paulo Freire e do insucesso da Cruzada do
ABC, foi criado, em 1967, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MO-
BRAL), que pretendia ser a resposta do Estado frente aos elevados índices
de analfabetismo da população brasileira. O censo de 1970 apresentou dados
indicando que 33% da população acima de 15 anos não sabia ler nem escrever.
A meta do então Presidente da República Emílio Garrastazu Médici era acabar
com o que denominou “vergonha nacional”, isto é, o analfabetismo, em 10 anos.
Para isso, o MOBRAL tornou-se o instrumento próprio da ditadura, imposto,
implementado e estruturado sem consulta da sociedade em sua proposição
e estratégias de planejamento. Seu processo pedagógico era centralizado e
hierarquizado: os professores não podiam planejar e desenvolver as ativida-
des junto aos jovens e adultos com autonomia. De acordo com o relatório da
UNESCO de 1974, os materiais didáticos eram uma das principais marcas do
programa, tanto pela sua diversidade quanto pela quantidade. Neles, a reflexão
dos temas abordados era condicionada por uma visão nacionalista e ufanista,
descrevendo um País extremamente diversificado submetido a um único
projeto: o de se tornar desenvolvido. O método de alfabetização utilizado era
o analítico-sintético, que se apropriava do léxico de outros autores, como as
palavras geradoras, presumidas pelos editores como expressões próprias do
cotidiano da população. A partir da palavra geradora proposta a priori, era
feita decomposição em sílabas, e as dificuldades linguísticas eram ampliadas;
assim deveriam ser compostas outras palavras e frases. Não havia densidade
nos procedimentos metodológicos do MOBRAL, o que contrastava com as
experiências produzidas e voltadas aos jovens e adultos na década de 1960.
Apesar de os materiais trazerem dimensões importantes da realidade brasileira,
ela era falseada. A promessa da educação era inserir os alfabetizandos no
projeto de desenvolvimento nacional. Propagandas nos meios de comunicação
de massa visavam a convencer a opinião pública de que o MOBRAL era um
programa de alfabetização “revolucionário e aberto”. Tudo isso gerou muita
crítica, culminando com a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
contra o programa em 1975 (PAIVA, 1983).

Educacao_jovens_U1_C01.indd 25 16/03/2017 11:49:08


26 Educação de Jovens e Adultos

Quanto ao ensino supletivo, ele foi regulamentado pelo governo militar


e se propunha “[...] a recuperar o atraso, a reciclar o presente formando uma
mão de obra que contribuísse no esforço para o desenvolvimento nacional,
através de um novo modelo de escola.” (HADDAD; DI PIERRO, 2006, p. 12).
Os resultados do MOBRAL foram insatisfatórios: no Censo de 1980, as
pessoas que não sabiam ler nem escrever representavam 25,8% da população.
Logo, a redução do analfabetismo promovida pelo programa não superou a
marca de 7,8%. As campanhas de alfabetização de adultos promovidas nas
décadas de 1950 e 1960 obtiveram resultados mais satisfatórios contando
com condições de funcionamento e de financiamento muito mais precárias
(PAIVA, 1983). As atividades do MOBRAL permaneceram até 1985, quando
foi extinto. No seu lugar foi criada a Fundação Educar, cujo objetivo era pro-
mover a execução de programas de alfabetização e de educação básica não
formais, voltados para pessoas cuja experiência de empobrecimento resultou
na exclusão do acesso à escola. Em março de 1990, a Fundação Educar foi
extinta pelo governo Collor.
No período de 1985 a 1990, assumiu-se o papel de apoiar tecnicamente
os programas de EJA e manteve-se uma estrutura nacional de pesquisa e
produção de material didático, bem como coordenações estaduais. A década
de 1980 foi marcada pela retomada de projetos e pesquisas voltados para a
alfabetização de jovens e adultos. A principal conquista obtida pelos movi-
mentos populares e pela sociedade civil organizada em torno da Constituinte
de 1988 foi garantir o direito universal ao ensino fundamental público e
gratuito, independentemente da idade. Nesse sentido, a EJA foi recolocada
no sistema educacional brasileiro.
No cenário internacional, a Educação de Jovens e Adultos passou também
a ser reconhecida por vários países diante das diversas conferências orga-
nizadas pela UNESCO nos anos 1990. As Conferências Internacionais de
Educação de Adultos (CONFINTEA) acontecem a cada 12 ou 13 anos. A I
CONFINTEA ocorreu em 1949, em Elsinore, na Dinamarca, em um contexto
de pós-guerra e de tomadas de decisões em busca pela paz. O Brasil não
participou dessa primeira edição. A II CONFINTEA aconteceu em 1960,
em Montreal, Canadá, e teve como destaque a consolidação da Declaração
da Conferência Mundial de Educação de Adultos. Na III CONFINTEA,
que aconteceu na cidade de Tóquio (Japão), em 1972, a aprendizagem ao
longo da vida foi definida como premissa básica, diante da constatação
de que a instituição escolar não dá conta de garantir a educação integral.
A IV CONFINTEA, com a temática “Aprender é a chave do mundo”, foi
realizada em Paris, na França, em 1985, e teve como destaque o reconhe-

Educacao_jovens_U1_C01.indd 26 16/03/2017 11:49:08


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 27

cimento do direito de aprender como o maior desafio para a humanidade.


A V CONFINTEA ocorreu em Hamburgo, na Alemanha, em 1997, e deu
continuidade às proposições realizadas nas conferências anteriores. Para a
história da Educação de Jovens e Adultos, no entanto, tornou-se singular pela
grande mobilização durante o processo que antecedia a sua realização. Foram
promovidos encontros em cinco regiões mundiais para consolidar o relatório
para a Conferência Internacional. A temática era a aprendizagem de adultos
como ferramenta, direito, prazer e responsabilidade.
Em 2000, foi realizado em Dakar (Senegal) o Fórum Mundial da Educação,
que avaliou os compromissos assumidos pelos países signatários da Decla-
ração Mundial de Educação para Todos e do Plano de Ação para satisfazer
as necessidades básicas de aprendizagem, resultado da Conferência Mundial
sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990. Em
2003, houve uma reunião de balanço realizada em Bangcoc (Tailândia) para
monitorar e avaliar os compromissos firmados na V CONFINTEA. A VI
CONFINTEA aconteceu no Brasil, em Belém do Pará, em 2009.
No caso brasileiro, a conexão da educação às necessidades básicas das
populações foi colocada na LDB, Lei nº 9.394/96, ou seja, a Educação de Jovens
e Adultos foi integrada ao ensino básico comum. Infelizmente, não foram
assegurados, ainda, de forma adequada, os recursos financeiros específicos
para realizar as ações e ampliar o atendimento no sistema educacional (por
exemplo, a existência de vagas para todos que desejam frequentar o segundo
segmento do ensino fundamental e o ensino médio).
A União sempre se colocou no papel histórico de indutora da educação
básica de jovens e adultos e, apesar de não coordenar os programas emergen-
ciais oferecidos – tarefa repassada aos estados e municípios –, estabeleceu
e centralizou um conjunto de instrumentos para controlar e regular suas
atividades, visando a:

 Regularizar a coleta e divulgação de estatísticas educacionais.


 Instituir referenciais curriculares.
 Formular programas de formação docente.
 Subsidiar a produção de materiais didáticos.
 Criar exames de certificação (Exame Nacional de Certificação de
Competências para Adolescentes e Adultos).

O relatório anual da UNESCO de 2012, sobre “Educação para Todos”,


indicava que o Brasil deveria conseguir reduzir a taxa de analfabetismo em
adultos para 5%. Segundo os dados do IBGE (2015) , a taxa de analfabetismo

Educacao_jovens_U1_C01.indd 27 16/03/2017 11:49:08


28 Educação de Jovens e Adultos

no país foi de 8% entre as pessoas de 15 anos ou mais. Os dados atuais de-


monstram que não conseguimos fazer a redução proclamada.
Nas últimas décadas, as ações delineadas nos âmbitos municipais, estaduais
e nacional para acabar com o analfabetismo adulto no Brasil não dialogaram
entre si, portanto, não conseguiram se potencializar justamente por causa dessa
desarticulação. Programas nacionais, estaduais e municipais de alfabetização
coexistem em um mesmo momento, em um mesmo lugar, muitos por meio
de parcerias entre a sociedade civil e o Estado (município, estado e união). Di
Pierro (2005) alerta para os riscos dessa forma de operacionalização e indica
três problemas:

1. a delegação, para a sociedade civil organizada, das responsabilidades


que deveriam ser assumidas exclusivamente pelo poder público;
2. a reafirmação da Educação de Jovens e Adultos como objeto de
filantropia, e não da constituição de direitos educativos dos jovens
e adultos;
3. o incentivo à formalização e institucionalização da Educação de Jovens
e Adultos de baixa qualidade, uma vez que, por mais que as instituições
educativas, organizadas pela sociedade civil, busquem atender a uma
demanda represada de Educação de Jovens e Adultos, as condições para
isso são, em grande parte, improvisadas no que se refere à infraestrutura
(espaço, mobiliários, equipamentos), à formação de recursos humanos
e aos materiais pedagógicos.

São inúmeros os exemplos de como esse mosaico das formas como os


serviços de educação/ alfabetização de jovens e adultos coexistem no mesmo
tempo, na mesma localidade e, às vezes, no mesmo espaço. Atualmente, se
considerarmos o Estado de São Paulo, é possível verificar a proposição do
Programa Brasil Alfabetizado, um programa nacional, criado em 2003, que
investe recursos para que as organizações da sociedade civil e os organismos
públicos desenvolvam seus projetos. No nível estadual, entre outros, figura
o Programa Alfabetiza São Paulo, executado pelos Conselhos Comunitários
de Educação, Cultura e Ação Social, pelo Instituto Brasileiro de Estudos e
Apoio Comunitário e por outras organizações não governamentais. No âmbito
municipal, existem os programas MOVA, implementados e financiados por
governos municipais e estaduais e dirigidos a organizações da sociedade
que se prestam a alfabetizar jovens e adultos, tendo sido implementados no
município de São Paulo nas gestões do Partido dos Trabalhadores (1989-
1992 e 2001-2004).

Educacao_jovens_U1_C01.indd 28 16/03/2017 11:49:08


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 29

1. Em uma escola da rede pública de qualidade independente


do Estado de Minas Gerais, os das histórias de seus alunos.
professores da EJA discutem em b) Escolher os professores de
uma reunião sobre as diretrizes EJA que não realizaram a
curriculares nacionais que graduação, pois a falta de
sustentam o trabalho desta escolarização dos alunos exige
modalidade. Qual alternativa pouca formação dos docentes.
reflete, de maneira correta, c) Oferecer uma proposta
os princípios da legislação educacional adequada às
discutidos nesta reunião? características dos alunos
a) O professor da EJA precisa pensando em buscar e
planejar suas aulas pensando favorecer a permanência
em aproximar métodos e deste aluno na escola.
atividades utilizadas com d) O desafio maior da
o ensino das crianças. comunidade escolar com
b) Os professores da EJA o aluno da EJA consiste em
precisam considerar o perfil ensiná-lo a ler e escrever.
dos alunos para poder e) O cenário social na atualidade
realizar seu planejamento. desafia os professores a ensinar
c) É importante que haja uma o aluno de EJA a resolver
postura rígida e muito situações matemáticas que
exigente do professor de potencializam o pensamento
EJA para que possa ajudar os lógico-matemático.
alunos a resgatarem o tempo 3. Ao desenhar a proposta pedagógica
perdido de escolarização. da EJA, a escola precisa:
d) Os professores de EJA a) Preocupar-se somente com
devem seguir rigorosamente a faixa etária dos alunos.
os conteúdos dos livros, b) Impreterivelmente conhecer
independentemente das a situação econômica
situações acontecidas com dos seus alunos.
a comunidade local. c) Apenas verificar a situação
e) A escolarização do educando social dos educandos.
jovem/adulto é um privilégio d) Oferecer uma educação
concedido às pessoas que permanente, diversificada
abandonaram os estudos e/ou e universal.
não estudaram na época certa. e) Preocupar-se exclusivamente
2. Ao refletir sobre a trajetória social com as condições de
e histórica da EJA, observa-se que trabalho dos professores.
o desafio atual dos professores, 4. As funções que a EJA
gestores e técnicos consiste em: assume perante a sociedade
a) Oportunizar uma educação brasileira são definidas pelos

Educacao_jovens_U1_C01.indd 29 16/03/2017 11:49:08


30 Educação de Jovens e Adultos

seguintes propósitos: b) Padronizem a forma dos


a) Reparar, equalizar e qualificar. conteúdos mínimos exigidos
b) Educar, ensinar e formar. para eles obterem o certificado.
c) Formar, reparar e ajudar. c) Favoreçam a atualização
d) Formar, reparar e ensinar. de conhecimentos e o
e) Ajudar, educar e informar. acesso a novas áreas do
5. Uma proposta pedagógica trabalho e da cultura.
adequada de EJA deve oportunizar d) Retirem as pessoas da zona de
ao educando jovem/adulto situações conforto e que aumentem os
de ensino e de aprendizagem que: índices de escolarização no Brasil.
a) Nivelem o aluno de EJA às e) Reestabeleçam única e
turmas de crianças, considerando exclusivamente, nos alunos da
os requisitos exigidos para EJA, a sensação de pertencer
cada etapa de ensino. ao mundo letrado.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Brasília: Presidência da república, 1996. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em 15 fev. 2017.
COSTA, A. L. J. À luz das lamparinas: as escolas noturnas para trabalhadores no município
da Corte (1860-1889). 2007. 174 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa
de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, 2007.
FARIA FILHO, L. M. (Org.). Educação, modernidade e civilização: fontes e perspectivas
de análise para a história da educação oitocentista. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
FAUSTO, B. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.
FÁVERO, O. Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro:
Graal, 1983.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação uma introdução ao pensa-
mento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
GHIRALDELLI JR., P. Educação física progressista. São Paulo: Loyola, 1992.
HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Aprendizagem de jovens e adultos: avaliação da década
da educação para todos. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, n. 14, p. 29-40, 2000.

Educacao_jovens_U1_C01.indd 30 16/03/2017 11:49:09


Tendências do pensamento político-pedagógico sobre EJA: contexto sócio-histórico 31

HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. A historical overview of adult formal education in Brazil.


In: CASTRO, R. V.; SANCHO, A. V.; GUIMARÃES, P. (Ed.). Adult Education: new routes in
a new landscape. Braga: University of Minho, 2006, p. 231-270..
HILSDORF, M. L. História da educação brasileira: leituras. São Paulo: Thomson, 2003.
Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=annbqSHv3iMC>. Acesso
em: 03 ago. 2014.
IBGE. Uma análise das condições de vida da população brasileira 2016. Rio de Janeiro:
IBGE, 2015. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2016/default_tab_xls.shtm>.
Acesso em: 16 mar. 2017.
OLIVEIRA, D.A. (Org). Gestão democrática da educação: desafios contemporâneos.
Petrópolis: Vozes, 1997.
PAIVA, V. P. Educação popular e educação de adultos. Rio de Janeiro: Loyola, 1983.
PIERRO, M. C. Notas sobre a redefinição da identidade e das políticas públicas de
educação de jovens e adultos no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n.
92, p. 1115-1139, 2005.
SOUZA, M. A. Educação de jovens e adultos. 2. ed. Curitiba: Ibpex, 2011.
SOUZA, R. F. O direito à educação: lutas populares pela escola em Campinas. Cam-
pinas: Unicamp, 1998.
VIDAL, D.; FARIA FILHO, L. M. A escolarização no Brasil: cultura e história da educação,
2003.
TAMAROZZI, E.; COSTA, R. P. Fundamentos metodológicos em EJA II. Curitiba: Maxigrá-
fica, 2009.
VOVIO, C. L. Entre discursos: sentidos, práticas e identidades leitoras de alfabetizadores
de jovens e adultos. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual
de Campinas, São Paulo, 2007.

Educacao_jovens_U1_C01.indd 31 16/03/2017 11:49:09


Conteúdo:

Você também pode gostar