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O ENSINO PÚBLICO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XIX

César Augusto Castro1


Kênia Gomes Lopes

O percurso histórico educacional brasileiro, notadamente marcado pelo


descompasso entre a demanda social de educação e a qualidade do ensino desenvolvido no
âmbito escolar, expressa o nível de descontinuidade administrativa tradicional, num país
que culturalmente tem sua história marcada por interesses conservadores e,
consequentemente, por um modelo educacional elitista e excludente. A discussão pela
qualidade educacional constitui-se questão premente num contexto caracterizado pela
globalização econômica, com níveis elevados de pobreza e de introdução acelerada de
novas tecnologias e materiais no processo produtivo; tais fenômenos, ainda que
diferenciados, influenciam de forma determinante a conjuntura de todos os países do
mundo.
A situação configura a supremacia dos interesses do mercado e do capital sobre os
interesses humanos, gerando valores pouco construtivos, o que coloca e, pauta questões
éticas complexas, por outro lado, transformações científicas e tecnológicas que ocorrem
aceleradamente exigem dos indivíduos novas aprendizagens. A realidade brasileira.
complexa e heterogênea não permite a compreensão da estruturação do modelo escolar
como processo linear, simples e único, mas somente poderá ser entendido a partir dos
condicionantes históricos que o circustancializa.
Este trabalho objetiva analisar o discurso presente na obra O ENSINO PÚBLICO,
de autoria de A. de Almeida Oliveira, publicada em 1874, em São Luís do Maranhão, com
a finalidade de mostras o estado em que se encontrava a instrução pública no Brasil e as
reformas necessárias.
A escolha desta obra deu-se em função do período de sua publicação, que
caracteriza as mudanças ocorridas no Brasil, a partir do último quartel do século XIX,

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Professor do Programa de Pós_graduação em Educação e do Departamento de Biblioteconomia da UFMA.
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. E--mail: ccampin@terra.com.br
Professora do Departamento de Filosofia e Educação da Universidade Estadual do Maranhão. Mestre em
Ciências da Educação- IPLAC/CUBA. E-mail: kenialopes@hotmail.com
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implicando para a história educacional brasileira, os indícios da ruptura com o modelo


monárquico, alterando a concepção educacional vigentes uma vez que o Brasil passa a
estabelecer relações econômicas com a Inglaterra e (re) significa o binômio educação e
trabalho (RIBEIRO, 1989).
Adotou-se como categorias de análise: cultura, instrução pública, gênero, trabalho
docente, demanda educacional, estrutura de poder e desenvolvimento. Categorias que são
tratadas pelo autor no decorrer das noves partes que integram este trabalho, onde crítica o
sistema educacional do período, as formas de organização escolar, da infantil à superior, a
gratuidade e a liberdade de ensino.
Aborda de maneira ampla a formação e o papel do professor, os métodos e os
materiais de ensino e a educação de mulheres, sendo esta responsável pela instrução infantil
uma vez que “ Se o ensino é dado pelo hábito e não pelo raciocínio, professora e mãe tem
iguaes meios de preencher aquella tarefa”(OLIVIERA, 1874,p.446).
Oliveira acredita que a melhoria quantitativa e qualitativa da instrução pública no
Brasil estaria relacionada “[...] às necessidades de ensino, escholas normaes, museus,
bibliothecas, comissários, conselheiros remunerados”(1874, p.384).
No final do texto, em anexo, apresenta extenso material sobre receita e despesas das
províncias com a instrução primária e secundária, bem como descrição do número de
alunos matriculados, em estabelecimentos públicos e particulares em toso o país e, nas
escolas noturnas para adultos.
Assim, a obra de Almeida Oliveira constitui-se em uma excelente à história da
educação brasileira no final do século XIX.

O ENSINO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XIX

O Brasil, no período em que “O Ensino Público” foi editado, encontrava-se


fortemente influenciado pelas idéias republicanas e por amplos questionamentos acerca do
poder central sobre as provínciais. Esta centralização política e financeira interferia
significativamente no campo educacional. A instrução tinha o papel de estabelecer o
domínio da classe dominante ociosa que acumulava riquezas a partir do trabalho escravo
( ROMANELLI,1991,p.37).
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Aliava-se a estes fatos o atraso industrial do país, os grandes latifúndios, o privilegio


da educação superior em relação aos demais níveis de ensino. Neste sentido, afirma
Azevedo (1976,p.76) que “A educação teria de arrastar-se através de todo o século XIX,
inorganizada, anárquica, incessantemente desagregada. Entre o ensino primário e o
secundário não há pontes de articulações: são dois mundos que se orientam, cada um na sua
direção”. Portanto as camadas populares encontravam-se à margem de todo e qualquer
processo social, educacional, cultural e econômico.
Para Oliveira, todos os males do país, inclusive o educacional, centravam-se no
poder monárquico, cuja reversão se daria através do poder republicano.

A monarchia tem sido funesta no Brasil. À ella é que devemos todos os


nossos males – a centralisação que nos atrophia, os disperdicios que nos arruinam,
a ignorancia que nos deprime, a politica de oppresão que nos esmaga, a corrupção,
de que ella e seu governo precisam para sustentar-se. Conseguintemente nada de
esperanças na corôa: nada de reformas com ella. Ou a morte com ella ou a salvação
com a república( 1874,p.19).

Com a República, acreditava o autor que a educação assumiria o foco central de


suas ações, notadamente aquelas dedicadas à educação infantil, por considerar a base para a
formação de jovens capazes de contribuir com o desenvolvimento da nação, o
fortalecimento da democracia e, principalmente, para dirimir as desigualdades sociais,
dentre elas a escravidão.

Todavia ao iniciar-se o período republicano, a situação da instrução popular não era


das mais alentadas. Com uma população de 14 milhões de habitantes no último ano do
Império, contávamos com uma freqüência de 250.000 alunos em nossas escolas primárias e
o crescimento quantitativo das escolas e matrículas se fazia muito lentamente [...] Quanto
aos índices de analfabetismo, a situação do conjunto do país no final do século XIX e
primeiras décadas do século XX era assustadora [...]. Verificamos, portanto, que em termos
de realizações concretas pouco se fez pelo ensino elementar nas primeiras décadas
republicanas, embora em outras áreas – como no ensino secundário e superior, e sobretudo
no ensino pedagógico, técnico e profissional - tenha se observado um ligeiro
desenvolvimento ( PAIVA, 1987, p.83-85).

Essa descrição contraria as expectativas do autor do livro aqui analisado. Ele


acreditava que uma das soluções mais importantes para a melhoria da educação brasileira
seria a oferta da instrução pública fortemente apoiada pelo Estado e oferecida às camadas
populares. Acreditava, também, na ampliação das escolas privadas, dedicadas àqueles que
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detinham capital econômico, nas escolas profissionalizantes para formar mão-de-obra


qualificada e na ampliação do ensino superior, objetivando o desenvolvimento da ciência.
Acreditava, ainda, na educação feminina, sendo esta uma medida capaz de avaliar a
ignorância de um povo, posto que, “Dos 4890 estabelecimentos de instrucção primária, que
temos, apenas 1752 pertencem ao sexo feminino, sendo 1339 públicas e 413 particulares,
uns e outros freqüentados por 50.758 alumnos”(OLIVEIRA, 1874, p.39). Isso ocorria pelo
grau de subordinação da mulher, sendo a sua maioria analfabeta. Um número reduzido era
preparado pelos país ou perceptores, processo limitado às primeiras letras e ao aprendizado
dos afazeres domésticos (RIBEIRO, 2000,p.67).
Este quadro agravava-se pela carência e baixos salários dos professores e pelas
condições físicas e materiais dos estabelecimentos de ensino, localizados principalmente
nos centros urbanos. Um fator criticado por Oliveira era a descontextualização do ensino,
que dificultava a compreensão entre os saberes, as práticas e a realidade nacional e local.
Em vez de aprenderem a ter medo de almas do outro mundo, de
sortilegios, de demonios e mysterios os meninos seriam iniciados nos principios da
verdadeira religião, que consite simplesmente amar a Deus e aos homens. Em vez
de se entreterem com façanhas bellicosas e practicas methaphysicas, theologicas ou
idolotras seriam educados segundo as vistas das civilizações modernas ou afeitos
desde a eschola a pensar nas instituições e nos costumes de que mais precisa o seu
paiz (OLIVEIRA, 1874, p.17).

Uma das formas de modificar o quadro “caótico” do ensino brasileiro seria torná-lo
obrigatório Para tanto, Oliveira compara o papel do Estado com a responsabilidade dos pais
com os cuidados dos filhos, na medida em que a ambos caberia o papel de formar homens
probos, virtuosos e cumpridores de seus direitos e deveres, pois “Na ignorância e na falta
de educação é que reside a fonte da miséria e da desordem, dos crimes e dos vícios de toda
sorte, como é nestes malles que estam os principaes causas dos perigos e despesas sociaes”(
OLIVEIRA, 1874,p.75).
Uma das alternativas para minimizar este quadro seriam as Escolas Noturnas para
atender àqueles que não tinham condições de freqüentá-la no turno diurno, alteração do
horário das aulas com o objetivo de atender às necessidades dos meninos que precisavam
trabalhar e o povoamento do meio rural com escolas ambulantes. “Com as escholas
ambulantes mandará o Estado que os professores percorram annualmente taes e taes pontos
de cada comarca, demorando-se certo tempo em cada um delles”(OLIVEIRA, 1874, P.81),
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com a finalidade de ensinarem as primeiras letras aos (as) meninos(as). Entende este autor
que o custo com este tipo de ensino seria oneroso para o Estado, mas julgava que não existe
sacrifícios financeiros quando os benefícios são com a educação.
A fim de controlar este nível de ensino e os demais, o autor d`O Ensino Público
sugere a criação em todas as províncias e municípios de uma milícia militar que garantia
que todos os pais, situados nos mais distantes pontos, quando da oferta do ensino
ambulante, entregassem seus(as) filhos(as) aos cuidados dos(as) professores(as).
A educação obrigatória deveria preencher quatro requisitos essenciais:
ü Primeiro – estabelecer a idade escolar e determinar o perímetro das escolas.
ü Segundo – possibilitar ao executor (supervisor militar) todos os meios de
verificar se há na localidade crianças que deixaram de aprender.
ü Terceiro – solicitar ao Estado ajuda aos pais que, por sua pobreza, não puderem
mandar os filhos à escola, sendo a estes fornecidos roupas e todo o material
prévio para o ensino.
ü Quarto – estatuir e aplicar penalidades aos pais que deixaram de dar instrução
aos seus filhos.
Desse modo, esta modalidade de ensino deveria ser gratuita. Todavia, Oliveira
defende com veemência o ensino privado oferecido por instituições que possuem condições
de ofertá-la em qualidade, sob supervisão rigorosa do Estado, sendo que a mesma deveria
reservar um percentual do total de alunos inscritos para as camadas populares. Essa seria
uma forma de eliminar o “[...] contraste entre quase a ausência de educação popular e o
desenvolvimento da formação de elites, tinha de forçosamente estabelecer, como
estabeleceu, uma enorme desigualdade entre a cultura da classe dirigida, de nível
extremamente baixo, e a da classe dirigente, elevado sobre a grande massa de analfabetos”
(AZEVEDO, 1996, p.560).
Ao mesmo tempo em que a educação deveria ser gratuita para as camadas
populares deveria também predominar a liberdade de ensino, tanto nas escolas públicas
quanto nas escolas privadas. Por liberdade de ensino “ [...] não se comprehende só a
liberdade de abrir escholas, mas também a liberdade scientifica, ou o direito de exprimir o
professor livremente as suas idéias[...](OLIVEIRA,1874,p.101). Idéia que se
consubstanciou em 1879 com a reforma Leôncio de Carvalho, para quem muito deveria ser
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feito para imprimir um impulso à educação. Entre as medidas necessárias, estava a


liberdade de ensino, isto é, a possibilidade de todos que se sentissem capacitados esporem
suas idéias segundo o método que lhes parecesse mais adequado.
Em sendo as escolas privadas menos atrelada ao Estado, caberia propagar as
doutrinas que este deixava de anunciar, emendar ou corrigir as falhas que os professores
das escolas públicas cometessem e de obrigarem aos alunos a serem mais estudiosos e os
docentes mais dedicados ao magistério.
Quanto ao ensino superior, deveria centrar-se no livre pensamento, na medida em
que esse voltasse para formar intelectuais e cientistas. Essa liberdade constituía-se de
fundamental importância pela natureza da universidade. Crítica e reveladora da realidade
não poderia cercear-se pelas legislações pensadas e criadas por indivíduos que
desconheciam os benefícios desse nível de educação. Isto porque, a liberdade de ensino
não existe sem secularização, na medida em que, “ [...] a eschola não é uma dependência do
templo e o professor um auxiliar do sacerdote” (OLIVEIRA,1874, p.116).
A defesa da separação da Igreja do Estado seria uma forma de eliminar a imposição
daqueles que professam outra fé religiosa que não fosse a católica, pois segundo Oliveira,
esta hostilizava e negava os princípios da civilização moderna, centrados nos modelos
liberais e positivistas de sociedade e de educação. Portanto, a obritoriedade religiosa
constituía-se na inimiga da “ [...] da razão e da sciencia, os perseguidores de Lamenais e de
Lutero, os algozes de J. Huss, de Galilei e de Vezale, procuram entorpecer essas faculdades
por meio de doutrinas ultramontanas, ou forcejam por afundal-as num oceano de erros e
calumnias, superstições e terrores” (OLIVEIRA,1874, p.129)
Nesse sentido, afirma Ribeiro (2000,p.65)
Liberais e cientificistas (positivistas) estabelecem pontos comuns em seus
programas de ação: abolição dos privilégios aristocráticos, separação da Igreja do
Estado[...] abolição da escravidão, libertação da mulher para, através da instrução,
desempenhar seu papel de esposa e mãe, e a crença na educação, chave dos
problemas fundamentais do país.

Enquanto a igreja deveria separar-se do Estado igualmente deveriam deixar de


existir escolas para meninos e escolas para meninas. Essa separação contribuiria para
aumentar o nível de analfabetismo nas localidades rurais e nas cidades distantes. A junção
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de meninos e meninas na mesma escola contribuiria para diminuir as despesas com a


construção e manutenção de escolas distintas para ambos os sexos.
Em uma outra perspectiva, esta co-educação seria salutar pois estimularia a disputa
por notas e boa conduta, eliminaria a idéia de que a aproximação de meninos e meninas
seja um perigo misterioso e inaceitável. Em salas mistas, os alunos tornar-se-iam mais
atenciosos e polidos e as meninas alargariam o currículo de suas idéias e aprenderiam a
conhecer os homens.
Deste modo, o processo de ensino seria único, não haveria distinção entre os saberes
próprios para meninos e saberes adequados às meninas, as quais, por sua vez, deveriam
aprender os inerentes ao seu sexo (bordar, coser, cozinhar, etc.) e ampliá-los com os saberes
próprios do sexo oposto.
Igualmente não deveria haver distinção entre professores para meninos e professoras
para meninas, no ensino primário e no ensino secundário. Nesse nível de ensino, o
secundário, deveria, de acordo com Oliveira, ser mais prático, principalmente para os
alunos que não tinham condições e não almejassem o ensino superior. Questiona este autor:
Para que serviria o estudo do latim, do inglês, do alemão da filosofia, da retórica e dos
clássicos para estes alunos?
Em contrapartida, escolas secundárias de caráter profissional no Brasil eram em
número insignificante em comparação às que objetivam formar candidatos ao ensino
superior e restritos ao sexo masculino, a exemplo das escolas de agricultura, mecânica e
industriais.
Em sendo o nível de ensino dividido em três estágios -primário, secundário
(profissional e clássico) e superior, as matérias se complementariam no decorrer do
processo de escolarização. No primeiro nível, as matérias seriam: leitura, escrita, cálculo,
desenho, geografia, lições das coisas. No segundo, em continuidade ao anterior,
aprenderiam: escrita, caligrafia, gramática, definições, etimologias, estudos das raízes,
aritmética, escrituração mercantil, geometria, trigonometria, álgebra, levantamento de
plantas, desenho de arquitetura, astronomia, física, química, análises, higiene, história
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natural nos seus diversos ramos, música vocal, lição das coisas*, e línguas latina, francesa e
alemã. No último nível, aprenderiam os conteúdos do secundário, de modo de mais
científico e completo.
Nas escolas profissionais, as disciplinas seriam divididas entre aquelas de caráter
geral e as conhecimento específico, centradas no tipo de formação e deveriam abordar a
teoria e a prática, sendo esta desenvolvida em laboratório e atividade de campo.
Esse ensino deveria ser ministrado por meio de explicações simples e freqüentes,
voltados para o cotidiano presente na vida do aluno e do meio onde se insere, através de
anedotas, contos e exemplos. Para tanto, os professores seriam ajudados por seus adjuntos e
monitores. Esse tipo de ensino contribuiria para desaparecer “... essa espécie de fanatismo,
que até hoje tem havido pelos estudos literários, médicos e de direito” (OLIVEIRA, 1874,p.
205).
O ensino deveria ser de responsabilidade do Estado, das províncias e dos
Municípios,. sendo que a educação inferior deveria ser atribuição dos municípios, o ensino
superior, das províncias mediante as suas necessidades. Ao Estado caberia o controle de
todos os níveis, sendo que a administração escolar deveria ficar a cargo dos Conselhos
Escolares, compostos pelos professores e representantes dos pais. Os Conselhos das
Universidades seriam compostos pelos diretores das faculdades e pelos professores
catedráticos. Estes Conselhos seriam aglutinados e orientados por um Conselho Central,
que deveria manter um periódico com a finalidade de publicar todas as idéias que possam
interessar à instrução pública, isto é: “Estatística Escolar, livros clássicos, relatórios da
instrucção, estado das escolas, conferencias pedagógicas, methodos de ensino”
(OLIVEIRA, 1874, p. 218).
Essas responsabilidades deveriam priorizar o ensino noturno para atender à parcela
da população adulta que não cumpriu sua escolaridade ou nunca freqüentou uma escola.
Em 1874, havia em todo país 136 escolas noturnas, sendo 83 públicas e 53
particulares, todas para atender ao sexo masculino. “Parece que já isto não é tão pouco para
uma instituição que apenas remota a 1868. Em 1868 (1º de julho) foi que se abriu a

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Conteúdos trabalhados com exemplo prático e selecionados ao dia a dia do discente; a exemplo do
funcionamento de um relógio, as partes das plantas, como fazer sapatos, os materiais, tempo gasto e o valor,
etc.
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primeira eschola nocturna que teve o Brasil, depois do Lyceu de Artes e Officcios da Côrte
– a do professor Cruz de São Bento, nesta província” (OLIVEIRA,1874,p226).
Se havia preocupação com a escola noturna, havia igual interesse com escolas para
atender crianças desvalidas, tanto do sexo masculino como do feminino. No Maranhão,
com esta finalidade existia desde 1841 a casa dos educandos artífices ( FERNANDES,
1929,p.279).
É evidente que em todos os níveis de ensino, independente da clientela a atender, o
professor ocuparia papel fundamental, na medida em que ele era o agente ativo do
processo, cuja característica é apresentada na forma de poema pelo Autor do texto
analisado.

Puro nos costumes, no dever exacto


Modesto, polido, cheio de bondade.
Paciente, pio firme no caracter.
Zeloso, ativo e tão prudente
Em punir como em louvor:
Agente sem ambições, apostolo
Em que a infância se modela.
Espelho em que o mundo se reflete.
Mytho de sacerdote, juiz e pai.
Eis o mestre, eis o professor
(OLIVEIRA, 1874. p.258)

Observamos que o professor para Oliveira é um misto de pai e orientador espiritual,


por um lado; por outro, um profissional que faria de sua prática um sacerdócio, um
apostolado. Tais características são adequadas à mulher professora, pelo seu espírito
maternal; sua doçura a torna educadora, por excelência, de crianças. Entretanto, Oliveira
alerta contra o preconceito existente na época, em que a professora por estas características
poderia afeminar os meninos.
Professores e professoras deveriam ser formados pela escolas normais, surgidas em
Minas Gerais, em 1835. Em 1847, havia 4 (quatro) escolas em todo o país, todavia, muitas
desapareceram em anos posteriores, por falta de estrutura, reformas mal conduzidas e baixa
remuneração dos professores, que faziam do magistério apêndice, com o objetivo de apenas
melhorarem seus rendimentos mensais.
As escolas procuravam trabalhar com os mais modernos métodos de ensino,.que,
segundo Oliveira, surgem a partir das últimas décadas do século XVII e consolidam-se no
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século XVIII. Centravam-se em quatro distintas teorias educacionais: Escola Pia, Escola
Humanista, Escola Filantrópica e Escola Eclética. A primeira, fundada por Francke, na
Alemanha, defendia a idéia de que a educação deveria centrar no vivo conhecimento de
Deus. A segunda sustentava que os estudos das humanidades deveriam ser o centro de todo
processo da educação. A terceira centrava-se em Comenius, Rousseau e Locke. Defendia a
idéia de que a educação deveria dirigir-se de conformidade com as leis da natureza e
centrava-se nas diversidades do caráter, força e vocação dos meninos; nada ensinar-lhes
que eles não pudessem compreender e, sobretudo, deveria tornar o ensino o mais agradável
e simples possível. A escola eclética era um conjunto dos pontos positivos dos demais,
sendo Pestalozzi o principal representante.
O Método Pestalozzi serviu de orientação para a produção de várias textos básicos
de orientação à educação infantil, a exemplo de Livros de Leitura de Abílio Cezar Borges,
Augusto Freire de Silva e Antônio Pinheiro de Aguiar; Novo Methodo de Ensinar a Ler e
Escrever de autoria de Freire da Silva e Bacadafá, de Pinheiro de Aguiar.
Oliveira defende a idéia de que a aplicação adequada de qualquer método de ensino
dependeria dos modos de ensino, dos materiais de ensino e das condições estruturais das
escolas, sendo este o requisito mais importante. As escolas deveriam ser localizadas,
preferencialmente, no centro das cidades, com a frente voltada para o nascente ou para o
norte, porque desses pontos tornam-se mais arejadas, com pátios arborizados, amplas salas
de aula e de estudo, bibliotecas e mobílias adequadas tanto para professores como para os
alunos. “Para o professor, uma mesa, um estrado, uma cadeira, uma campainha e um
tinteiro [...] Para a biblioteca, vários livros de cada uma das matérias do ensino, alguns
cursos de pedagogia, o Código criminal, a Constituição do paiz, as Leis e Regulamentos da
instrução pública, alguns exemplares dos livros mais apropriados à leitura, um atlas geral,
outro especial do Brazil [...] Para os alunos uma escrivaninha, uma ardósia, um tinteiro,
uma cadeira, e um quadro de translados” (OLIVEIRA, 1874, p..352-353).
Essa estrutura, juntamente com outras condições necessárias ao processo de ensino-
aprendizagem, demandariam recursos provenientes do Município Neutro e das Províncias.
Entretanto cada escola deveria responsabilizar-se com toda ou parte de suas despesas
móveis e imóveis, através de arrecadação de multas, expedição de certificados, diplomas,
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atestados, inscrições, cursos de férias, doações, locação de seu espaço físico para festas
comemorativas da comunidade onde se insere etc.
Ao concluir sua obra, Oliveira chama atenção para o fato de que a mesma seja um
meio importante de esclarecimento e conscientização para quem deseja a reforma da
instrução pública no Brasil. Nesta perspectiva, convida o leitor para um triplo trabalho

Trabalho em ver o que convem e o que cumpre fazer, trabalho em


combater os indiffetentes ou hostis a instrucção, trabalho em colligir forças para a
acção e encaminhal-as devidamente, Trabalhai, pois, desenvolvei toda a vossa
actividade, e ficai certo de que o dia do trimpho há de chegar. Se estais sosinho
hoje tereis conpanheiros amanhan. E se estes forem poucos à principio serão
muitos mais tarde ( OLIVEIRA, 1874,p.470).

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Fernando de. A transmissão da cultura. 5.ed. São Paulo: Melhoramentos,


1976.
FERNANDES, Henrique Costa. Administradores maranhenses. São Luís: Imprensa
Oficial,1929.
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade. São Paulo: EPU,1976.
OLIVEIRA, A de Almeida. O Ensino público. São Luís: [s.n],1874.
PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1987.
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 16
ed. Campinas: Autores Associados, 2000.
ROMANELLI, Otaíza. História da educação brasileira. 14 ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

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