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IDENTIDADE E SEXUALIDADE: DESCONSTRUINDO RÓTULOS

O presente trabalho realizado é uma reflexão inicial do projeto de extensão


Mapeamento da população LGBT de Delmiro Gouveia. O objetivo é fazer o
levantamento quantitativo identificando quais as prioridades para efetivação de politicas
públicas para população LGBT residente no município. Nosso olhar inicial foi para as
respostas obtidas nas entrevistas sobre autoidentificação percebendo que uma parcela
considerável dos entrevistados não compreendem algumas categorias como identidade
de gênero, sexual e racial, mas há um despertar para compreensão destes conceitos.
Romper com a tradicionalidade se autoidentificando como LGBT é um ato
libertário para os homoafetivos(as) tanto para sua construção identitária como para
reafirmar a existência e a busca por seu espaço na sociedade enquanto LGBTs além de
escarnar a necessidade da instituição de políticas públicas. Mas como fazer isso sem ter
o devido conhecimento sobre identidade de gênero, sexual e sua própria identidade?
Como se posicionar diante da sociedade com relação a sua orientação sexual e racial se
o preconceito está dentro de casa? Durante a aplicação dos questionários observamos
que a maioria dos entrevistados ficaram intrigados quando lhe era perguntado qual sua
identidade de gênero.

Eles se reprimiam por não conseguirem falar com propriedade sobre o assunto, é
muito difícil falar de algo que ainda é tratado como tabu e devido a isso só aumenta o
preconceito, ser tratados como diferente e ser apontado na rua para eles é amedrontador
inclusive quando não há o apoio familiar e principalmente para o negro e sexo feminino
onde o segundo nasce com uma carga arcaica imposta pela sociedade que é ser tratada
como objeto de propriedade, primeiro do pai que e sente responsável pela mesma
inibindo sua personalidade de acordo a dele e depois de um possível marido que vai
moldá-la de acordo com suas convicções, além da sociedade que de maneira indireta
também discrimina o sexo feminino, ou seja de todos os vieses o sexo feminino é
inferiorizado, principalmente os indivíduos de essência feminina, no sentido de sentir-se
mulher, e se pensar em enfrentar todas essas dificuldades rompendo com as
normatividades fundantes das relações de gênero.

(....)Tais diferenciações e conflitos foram percebidos por aqueles


como um problema entre homens e mulheres. Mais do que um
suposto machismo, trata-se das dificuldades de pessoas que, ao
reivindicarem a igualdade de direitos de uma população
constituída como diferente, não conseguem romper totalmente
com os esquemas de percepção fundantes das relações de gênero,
havendo uma re-posição das hierarquias naturalizadas entre os
gêneros. (Bourdieu, 1999).

Quando se fala em gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais em Delmiro


Gouveia há um certo “receio,” isso se deve também pelo fato do preconceito ser tão
enraizado na cultura local e da cidade ser de pequeno porte com um nível educacional
baixo, além da falta de políticas públicas voltadas para essa população.

O preconceito é latente no dia a dia dos integrantes da população LGBT, e isso


faz com que muitas pessoas acabem negando sua orientação sexual e identidade de
gênero para as outras pessoas e para si mesma. A reação da família também conta muito
no momento da autoidentificação dos mesmos.

No primeiro dia de pesquisa realizado na casa de Ana Moura, residente na


cidade de Delmiro e representante do GLAD, onde a mesma se dispôs a reunir varias
pessoas em sua casa para facilitar a aplicação dos questionários, percebeu-se a
fragilidade dessas pessoas com relação a sua autoidentificação tanto para elas mesmas
por não terem muito conhecimento dos termos como para a sociedade, e a falta de
integração deles com o GLAD.

Se autoidentificar fora do “padrão tradicional” segundo a sociedade numa cidade


onde o preconceito é tão vivo é bastante difícil, principalmente quando o preconceito
começa dentro de casa, a grande maioria dos entrevistados relataram que a família não
aceitou de inicio e dessas pessoas que responderam o questionário algumas a família
além de não aceitar ainda cortou relações com a pessoa depois da mesma se assumir.

A não aceitação da família contribui para que essas pessoas não busquem o
conhecimento sobre os termos bissexual, transexual, travesti, gay e lésbica, isso os
ajudaria muito porque através dessas informações eles poderiam se autoidentificar e
não se deixarem rotular, diminuindo assim também o preconceito que eles tem uns com
os outros.
Segundo alguns deles, as famílias causaram grandes traumas nas suas vidas, pois
as mesmas por não aceitarem suas orientações tanto sexual como de gênero acabaram
fazendo com que os LGBTs tivessem que se mudar indo morar com amigos, sozinhos
ou com parentes que os compreendessem, e isso os deixa totalmente desestabilizados. A
falta de apoio influencia também na escola, pois muitos não conseguem terminar o
ensino médio pelo preconceito e falta de apoio tendo eles que trabalhar para se
manterem.

Através da aplicação dos questionários foi possível constatar também a falta de


interesse dos LGBTs pelo GLAD, por não se sentirem representados pelo mesmo, e
algumas pessoas afirmaram ainda não ter conhecimento do grupo e nem de alguma
liderança na cidade que os represente, mesmo com a presença de Ana Moura,
representante do GLAD no momento da aplicação dos questionários, onde a mesma
durante as entrevistas se envolvia nas respostas dos entrevistados tentando induzir suas
respostas.

METODO:

Inicialmente elaborado pela Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas


sobre Diversidade e Educação do Sertão (Nudes), a Prof. Dra. Maria Aparecida da
Silva e ao longo do processo de término sendo discutido e revisto com a opinião e
acréscimo dos bolsistas e colaboradores, com objetivo de analisar através de questões
sociais a população LGBT e suas características, desde comportamento mais simples até
perceber aspectos pessoais junto às questões da homossexualidade em si.

O questionário foi aplicado pelos bolsistas e colaboradores, em uma abordagem


sempre esclarecedora das questões, fazendo tal aplicação cada um em seu período
estipulado, onde foi aqui iniciado no mês de janeiro do corrente ano, consistindo no
mesmo questionário dividido em 3 (três) partes, partindo inicialmente da simples
identificação do entrevistado, com questões como: Escolaridade, cor/auto identificação
entre outros, para que fosse acontecendo descontração entre as partes, e aos poucos
conhecendo o entrevistado, a religiosidade e a questão do trabalho na vida do mesmo
também são levados em conta.

Com a segunda parte e as Questões de Pertencimento LGBT já passamos a


adentrar particularidades como a maneira do entrevistado lidar com a sua
homossexualidade e até mesmo se sofreu agressões por conta da mesma, ainda
desmistificar o conceito de algumas palavras, como: gayfobia e transfobia, onde ainda
cabe ao entrevistador em questão explicar tais conceitos caso não sejam conhecidos para
um maior esclarecimento e aproveitamento do mapeamento, e a interação de quem está
sendo mapeado com o meio homossexual também fora da cidade de Delmiro Gouveia.

E finalmente com a última parte podemos observar que foi pensado


cuidadosamente em perceber a possível existência do modo de Representação que o
Grupo existente na cidade (GLAD) atende ao modo de representara classe homossexual
delmirense como um todo, e a aceitação ou não por parte dos outros indivíduos com o
entrevistado, expandindo ainda a visão geral da sociedade em relação a
homossexualidade como um todo.

Resultados e Discussões: Percebendo os rótulos presentes na sociedade delmirense

No que tange a aplicação dos questionários e a tabulação para o ato de conferir


os números, o processo foi acontecendo gradativamente, em um momento que foi
inicialmente como colocado anteriormente em auxílio pela Coordenadora do GLAD, a
Senhora Ana Moura, e posteriormente passado a desenvolver pelos alunos a aplicação
dos questionários, sendo em ambientes distintos, aqui por esta equipe desde a própria
praça da cidade de Delmiro Gouveia até o ambiente de trabalho dos referidos
entrevistados, ou locais escolhidos e adequados pelos mesmos, proporcionando
descontração e conforto ao responder as questões.

Existiram algumas dificuldades a cerca da aplicação do mapeamento, em


primeiro lugar tratou-se da população LGBT, onde os mesmos em muitas situações
demonstram certo receio em participar do ato de responder ao questionário, mesmo
sabendo da completa discrição e do termo de confidencialidade, pois ainda estavam em
processo de transição consigo mesmo, os gays em sua maioria mostravam-se mais
ousados ao responder e até mesmo no reconhecimento dos termos utilizados, e ao
contrário das lésbicas, pois maioria desconhecem termos presentes nas questões.

Em uma avaliação ainda não quantitativa concreta (tabulação ainda incompleta)


a percepção remete ainda a percepção dos motivos que levam a população da cidade de
Delmiro Gouveia a fazer acontecer o ato de rotular as pessoas, por sentir necessidade de
colocar um conceito preestabelecido para cada indivíduo, comportamento este que faz
com que a população LGBT em sua transversalidade possa se esconder e não se revelar,
onde mesmo dentro de sua própria casa acontecendo o preconceito o indivíduo não
poderá sentir de forma alguma um incentivo para conhecer-se enquanto sua identidade
sexual ou mesmo de gênero.

Pensar em identidade vai muito além de sexualidade, pois o modo homossexual


de ser visto pela sociedade geral e aqui em foco a da cidade de Delmiro, mostra ainda
fortemente conceitos heteronormativos, oriundo do papel do sexo e do patriarcado, onde
o homem, por exemplo, deve possuir uma conduta extremamente racional, pois ele
nasceu com um pênis, remetendo este sujeito a um conjunto de expectativas, ainda em
sentir atração pelo sexo oposto, ser o provedor da casa e até mesmo sua vaidade não
deve chegar ao extremo, aqueles que fogem a este paradigma são colocados as margens
e consequentemente vistos como marginalizados.

Assim como para o homem, para a mulher não é diferente, pois um conjunto de
expectativas também está atribuído a mesma, onde observado em torno da lésbica ser
ainda maior, pois segundo as entrevistas e relatos em conversa pós questionário e
observado pelos discentes que aplicaram os questionários na população da cidade de
Delmiro, percebeu-se que a mulher sendo lésbica sofre maior preconceito, partindo tal
ato dos héteros (homem e mulher), da própria população LGBT, dos próprios gays, pois
esta é mulher e representa ainda a submissão, e se esta mulher for negra o contexto de
preconceito ainda aumenta pois a raça negra representa aqui inferioridade, estando
sujeita assim a um número maior e mais significativo de preconceito.

Ainda com a questão da raça e interseccionando a sexualidade, cabe aqui tratar


do homem homossexual negro, e todas as dificuldades por assim dizer e seus temores na
sociedade em geral e especificamente aqui na cidade de Delmiro Gouveia, para uma
breve análise de tal, vamos até a história da própria homossexualidade e a primeira obra
que tratou destas questões: O bom crioulo (CAMINHA, 1991 [1894]), onde mostra um
casal de homossexuais, sendo um branco e outro negro, trazendo para o último
mencionado uma posição de ativo, másculo, que é geralmente até os dias atuais.

Quando acontece o ato de atribuir ao homem negro, o que com certeza dificulta
o fato da aceitação do homossexual negro em posição passiva e até mesmo em uma
identidade afeminada, já que a sua raça deve mostrar única e exclusivamente a
virilidade.
Uma sensação de ventura infinita espalhava-se-lhe em todo o corpo. Começava a sentir
no próprio sangue impulsos nunca experimentados, uma como vontade ingênita de
ceder aos caprichos do negro, de abandonarse- lhe para o que ele quisesse uma vaga
distensão dos nervos, um prurido de passividade. . .

- Ande logo! murmurou apressadamente, voltando-se.

E consumou-se o delito contra a natureza."

(O bom crioulo, CAMINHA, 1991 [1894], pág. 30)

Com a aplicação do relato e até o presente momento as análises feitas, podemos


averiguar que o ato de assumir-se negro e homossexual, para os homens tem sido mais
difícil, justamente pelos conceitos a cima mencionados e a carga que tal efeito exerce
ainda hoje, como Green (2000) coloca em seus estudos, a força também de argumentos
de que o preto está associado a todas as perversões, e assim as praticas homossexuais
também inclusas, sendo perceptível aqui no Sertão Alagoano, onde a cidade no decorrer
de nossas entrevistas e conversas apresenta receio desses homens, com medo de
macular a sua masculinidade, pois a raça em si é atribuída erroneamente muitas vezes a
pobreza e a marginalidade, e quando este ser já herdado toda uma herança de
preconceitos raciais resolve assumir sua sexualidade como gay, passa aí então a mais
ainda estar sujeito a rejeição.

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