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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB

FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA - FEF


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO FÍSICA
MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA EM REDE NACIONAL
(PROEF)

A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO PRÁXIS PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO


FÍSICA ESCOLAR

MARISA GORETI SCHMITT

BRASÍLIA

2020
MARISA GORETI SCHMITT

A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO PRÁXIS PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO


FÍSICA ESCOLAR

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado Profissional em Educação Física em
Rede Nacional (PROEF), junto à Universidade de
Brasília (UNB) e ao Núcleo de Educação à
Distância da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (NEAD/UNESP) como requisito
parcial para a obtenção de Mestre em Educação
Física.

Orientador: Prof. Dr. Alfredo Feres Neto

Brasília

2020
TERMO DE APROVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA

MARISA GORETI SCHMITT

A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO PRÁXIS PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO


FÍSICA ESCOLAR

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação


Física em Rede Nacional (PROEF), junto à Universidade de Brasília (UNB) e ao
Núcleo de Educação à Distância da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (NEAD/UNESP) como requisito parcial para a obtenção de Mestre
em Educação Física.

___________________________________________________________________
Prof. Dr. Alfredo Feres Neto (Presidente)
Programa de Pós-Graduação em Educação Física – PPGEF – UnB

___________________________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Osmar Flores de Noronha Figueiredo (Membro interno)
Programa de Pós-Graduação em Educação Física – PPGEF – UnB

___________________________________________________________________
Profª. Dra. Muna Muhammad Odeh (Membro externo)
Faculdade de Saúde – UnB

___________________________________________________________________
Prof. Dra Jaciara Oliveira Leite (Suplente)
Programa de Pós-Graduação em Educação Física – PPGEF – UnB

Brasília, abril de 2020.


AGRADECIMENTOS

Este trabalho é resultado de contribuições significativas de pessoas muito


especiais. O espaço desta página impossibilita agradecer a todos, além do que é
realmente muito difícil nomear as inúmeras pessoas que me ajudaram de uma forma
ou outra, ao longo desses dois anos até a finalização deste trabalho. Assim, cito
apenas algumas em particular, a quem muito devo.

Aos meus pais, Loreno e Nelcinda, pelo dom da vida e pelos ensinamentos.

Ao meu marido, Cláudio, que Deus tão generosamente pôs em minha vida e
que tem sido meu alicerce e amparo para todas as horas.

À minha pequena Catarina, que tem me inspirado a desejar e a trabalhar por


um mundo mais fraterno e pacífico.

Aos demais familiares pela compreensão, carinho e torcida.

Ao Professor Alfredo Feres Neto pela orientação, disponibilidade, carinho e


generosidade.

Aos demais membros da banca examinadora, Prof. Dr. Pedro Osmar Flores
de Noronha Figueiredo e Profª. Dra. Muna Muhammad Odeh, pelas preciosas
considerações no exame de qualificação.

Aos professores do Mestrado Profissional de Educação Física (Proef),


Alexandre Luiz Gonçalves de Resende, Alfredo Feres Neto, Edson Marcelo
Húngaro, Ingrid Dittrich Wiggers, Jônatas Maia da Costa, Pedro Fernando Avalone
Athayde, Rosana Amaro, Juarez Sampaio e Pedro Osmar Flores de Noronha
Figueiredo, pela dedicação e comprometimento.

Aos colegas de curso e de profissão, Charlles, Guilherme, Gustavo, Hadamo,


José Henrique, Juliane, Júlio César, Otacílio, Renata e Simone, pela coragem,
determinação, compartilhamento e aprendizagem em conjunto.

Aos professores da escola onde este trabalho foi realizado, pela generosa
acolhida, recebendo-me em suas classes, compartilhando saberes e possibilitando
reflexões e crescimento.

Aos alunos que foram o foco deste trabalho e que constituíram meus
laboratórios intensivos.

À Faculdade de Educação Física da UnB, pois foi nesta casa que percorri as
etapas de graduação e pós-graduação da minha formação profissional.

E finalmente, à CAPES, pelo apoio financeiro.

Recebam todos a minha mais sincera gratidão!


SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS.......................................................................7

RESUMO.......................................................................................................................9

ABSTRACT.................................................................................................................10

INTRODUÇÃO............................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS...........................................................15


1.1 ORIGEM DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS..........................................................15
1.1.1 Programa Saúde na Escola (PSE)..................................................................19
1.2 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NO CONTEXTO ESCOLAR..................................21
1.2.1 Estratégias e técnicas de mediação de conflitos............................................28

CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONFLITOS ESCOLARES.........35


2.1 CONFLITOS DA ESCOLA....................................................................................37
2.2 CONFLITOS NA ESCOLA....................................................................................43
2.3 REFLEXÕES À LUZ DA FILOSOFIA E DA PSICOLOGIA...................................46
2.4 CONFLITOS E EMOÇÕES...................................................................................49

CAPÍTULO 3 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA ED. FÍSICA ESCOLAR...............54


3.1 PECULIARIDADES DA EDUCAÇÃO FÍSICA.......................................................54
3.1.1 Projeto Educação com Movimento.................................................................58
3.2 CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA.................................................................60
3.2.1 Jogos cooperativos: origens e conceitos........................................................65
3.2.2 Assembleias de classe....................................................................................73
3.2.3 Comunicação Não-Violenta (CNV).................................................................77
3.2.4 Planejamento...................................................................................................79
3.4 PERCURSO METODOLÓGICO...........................................................................87
3.4.1 Instrumentos e procedimentos........................................................................88

CAPÍTULO 4 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: DA TEORIA À PRÁTICA.................93


4.1 ANÁLISE DOCUMENTAL.....................................................................................94
4.2 A PRÁTICA DA INTERVENÇÃO.........................................................................101
4.3 DISCUSSÃO DOS DADOS DAS INTERVENÇÕES..........................................106
4.3.1 Primeira semana...........................................................................................107
4.3.2 Segunda semana...........................................................................................117
4.3.3 Terceira semana............................................................................................124
4.3.4 Quarta semana..............................................................................................129

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................133

REFERÊNCIAS.........................................................................................................141

APÊNDICES..............................................................................................................150
APÊNDICE 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
DOS PROFESSORES..............................................................................................150
APÊNDICE 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
DOS PAIS..................................................................................................................152
APÊNDICE 3 – TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE) DOS
ALUNOS....................................................................................................................155
APÊNDICE 4 – ROTEIRO DE ANÁLISE DOCUMENTAL........................................157
APÊNDICE 5 – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO........................................................158
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADR – Alternative Dispute Resolution


AH – Altas Habilidades
ANEE – Alunos com Necessidades Educacionais Especiais
BNCC – Base Nacional Comum Curricular
CEFDESC – Coordenação de Educação Física e Desporto Escolar
CEPEUSP – Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo
CIPAVE – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar
CMC – Comissão de Mediação de Conflitos
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CNV – Comunicação Não Violenta
DA – Deficiência Auditiva
DF – Deficiência Física
DI – Deficiência Intelectual
DIPEF – Diretoria de Programas Institucionais, Educação Física e Desporto Escolar
DIEF – Diretoria Ensino Fundamental
DIINF – Diretoria de Educação Infantil
DMU – Deficiências Múltiplas
DV – Deficiência Visual
EAC – Escola Alemã Corcovado
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FLACSO – Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
GEFID – Gerência de Educação Física e Desporto Escolar
IMAB – Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil
ISI – Programa Inclusão Social desde a Infância
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEC – Ministério da Educação
MESC – Projeto Mediação de Conflitos no Ambiente Escolar
MPDFT – Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
NEP - Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos
OEI – Organização dos Estados Interamericanos
ONG – Organização Não Governamental
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEF – Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física
PDE – Plano Distrital de Educação
PEAC – Projeto de Extensão de Ação Contínua
PECM – Projeto Educação com Movimento
PPA – Plano Plurianual do Governo do Distrito Federal
PPP – Projeto Político-Pedagógico
PSE – Programa Saúde na Escola
SE – Secretaria de Educação
SEEDF – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
SEDUC – Secretaria de Estado de Educação
SME – Secretaria Municipal de Educação
SOE – Serviço de Orientação Educacional
SUBEB – Subsecretaria de Educação Básica
TRE/DF – Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal
UNB – Universidade de Brasília
RESUMO

Consistindo em uma pesquisa-ação, este estudo buscou identificar limites e


possibilidades para a inserção da mediação de conflitos como práxis pedagógica da
Educação Física Escolar. O público-alvo foi uma amostra de 17 participantes: uma
turma de 5º ano com 15 alunos, a professora regente e o professor de Educação
Física, todos vinculados à uma escola pública do Distrito Federal. A coleta de dados
foi realizada através de análise documental (Projeto Político-Pedagógico, Regimento
Escolar das Escolas Públicas do Distrito Federal e Livro de Ocorrências),
observação nas aulas de Educação Física e intervenção de mediação (jogos
cooperativos e assembleias de classe). Os dados coletados foram analisados
qualitativamente. Os resultados encontrados indicam que as estratégias de
mediação utilizadas neste estudo (jogos cooperativos e assembleias de classe)
aliadas à técnica de Comunicação Não-Violenta (CNV), se mostraram eficazes,
constituindo possibilidades de prática da mediação de conflitos nas aulas de
Educação Física Escolar. Os aspectos limitantes mais significativos encontrados se
referem à formação insuficiente dos professores para atuarem como mediadores e à
quantidade de aulas de Educação Física. Tais questões não impedem a
implementação de uma proposta de mediação, mas requerem empenho e
comprometimento dos profissionais envolvidos para tentar saná-las.

Palavras-chave: Mediação de conflitos – Educação Física Escolar – Jogos


cooperativos – Assembleias de classe.
ABSTRACT

Consisting of an action research, this study sought to identify limits and possibilities
for the insertion of conflict mediation as pedagogical praxis of School Physical
Education. The target audience was a sample of 17 participants: a 5th grade class
with 15 students, the conducting teacher and the Physical Education teacher, all
linked to a public school in Federal District. Data collection was performed through
documentary analysis (Political-Pedagogical Project, School Regulations for Public
Schools in the Federal District and Occurrence Book), observation in Physical
Education classes and mediation intervention (cooperative games and class
assemblies). The collected data were analyzed qualitatively. The results found
indicate that the mediation strategies used in this study (cooperative games and
class assemblies), allied to the Non-Violent Communication (NVC) technique, proved
to be effective, constituting possibilities for the practice of conflict mediation in School
Physical Education classes. The most significant limiting aspects found refer to the
insufficient training of teachers to act as mediators and the number of Physical
Education classes. Such issues do not prevent the implementation of a mediation
proposal, but require commitment of the professionals involved to try to remedy
them.

Keywords: Conflict mediation – School Physical Education – Cooperative games –


Class assemblies.
INTRODUÇÃO

A violência têm alcançado proporções assustadoras em toda a sociedade


configurando-se como a matéria-prima da atualidade (MULLER, 2007). “No contexto
escolar, ela parece estar instalada colocando à prova a capacidade dos sistemas de
educação para se transformarem em sistemas de integração social” (VISCARDI,
1999, apud CHRISPINO & CHRISPINO, 2011, p. 11). A cada dia são noticiados
casos de violência dentro e fora do espaço escolar, o que caracteriza a crescente
banalização das manifestações violentas. Como é uma questão que atinge a
sociedade como um todo, é necessário uma ação conjunta para debater e buscar
alternativas para essa ameaça crescente. As medidas de repressão da violência já
não cumprem com os objetivos de inibição e controle, exigindo uma mudança de
postura e de tratamento perante as situações que podem desencadear as
manifestações violentas. No contexto escolar, as medidas comumente utilizadas,
além de não surtirem efeitos positivos, parecem contribuir com as reincidências.
Quando ingressei na carreira Magistério, há 20 anos, comecei a observar que
as medidas tradicionais de resolução de conflitos (sanções e punições) não eram
eficazes. Todas as escolas onde atuei como professora contavam com um regimento
escolar, documento que normatiza e organiza as ações escolares. As escolas do
Distrito Federal, por exemplo, seguem o Regimento Escolar das Escolas Públicas do
Distrito Federal que regulamenta a organização pedagógico-administrativa das
unidades escolares. Na Seção II, Artigo 310, lê-se que o estudante, conforme a
gravidade e/ou a reincidência das faltas, está sujeito às seguintes medidas:

I. intervenção/advertência oral; II. advertência escrita; III. suspensão da


assiduidade na sala de aula, com atividades alternativas na unidade escolar,
de no máximo três dias letivos corridos; IV. transferência, quando o ato for
aconselhável, por comprovada necessidade de garantia de sua proteção ou
de outros. (…) §4º Cabe ao professor a aplicação das medidas previstas no
inciso I deste artigo e a equipe gestora, as contidas nos demais incisos
(DISTRITO FEDERAL, 2015, p. 105).

Tais medidas estavam tão arraigadas no contexto escolar que toda a


comunidade escolar (professores, pais e alunos) cobrava a aplicação das mesmas
para resolver as questões e para servir de “exemplo” para todos. Mas, ao longo dos

11
anos, observei alunos se envolvendo em situações conflituosas e reincidindo ou
agravando a sua “falta” sem se importar com o desfecho final. Diante dessas
situações, fiquei instigada em saber porque as medidas tradicionais já não traziam
os efeitos desejados. Também me perguntava se não haveriam outras formas, talvez
mais assertivas, de resolver as situações conflituosas. Ao me apropriar de
conhecimentos a respeito das problemáticas no contexto escolar, percebi que era
possível e necessário atuar de forma diferente diante de situações conflituosas. Era
preciso abandonar as antigas práticas de resolução de conflitos, pois não havia
como obter novos resultados utilizando as mesmas estratégias.
Hoje, a discussão a respeito das formas tradicionais de resolução de conflitos
tem proporcionado reflexões e novos olhares sobre a temática. Para Tognetta
(2011), as punições e sanções desrespeitam as crianças e geram violência ao expor
e humilhar os alunos através da aplicação de tais medidas. Outros estudiosos
(JARES, 2007; CHRISPINO, 2007; LA TAILLE, 2009; VINHA, 2011; ARAÚJO, 2013)
também demonstram preocupação as formas punitivas comumente utilizadas na
escola. Para eles, a escalada dos conflitos e da violência no contexto escolar é uma
questão preocupante que implica no rendimento, na aprendizagem dos alunos e nas
relações interpessoais. Por isso mesmo, a situação atual exige reflexão e construção
de alternativas mais assertivas para restabelecer um ambiente mais pacífico e
harmonioso.
Chrispino e Chrispino (2011) defendem que, para conter a escalada dos
conflitos, a escola deve ser capaz de perceber a existência dessas situações, de
reagir positivamente a elas e de usá-las como oportunidades de aprendizagem.
Jares (2008, p. 129) corrobora com a afirmação enfatizando que a repreensão, ainda
que necessária, não é suficiente, sendo “necessário criar uma boa convivência em
geral e capacidade para abordar os conflitos, em particular, o que requer uma atitude
constante de apoio para preparar e exercitar habilidades e técnicas de resolução”.
Nesse contexto, a atuação e a colaboração da comunidade escolar é imprescindível,
pois todos são sujeitos do processo e precisam buscar novas formas de se
relacionar e de resolver as questões interpessoais.
No contexto educacional, algumas iniciativas estão sendo implementadas
utilizando modelos diferentes para resolver situações conflituosas, dentre eles a

12
mediação de conflitos. Esse modelo, originário do setor judiciário, começou a ser
desenvolvido ainda na década de 90, mas só nos últimos anos passou a conquistar
mais espaço nas escolas. Dada a complexidade da situação atual, a comunidade
escolar como um todo, principalmente o professorado, precisa se engajar para
implementar formas de gestão e resolução pacífica dos conflitos. O professor de
Educação Física, por ser sujeito de conflitos como observador ou como participante,
também deve tomar para si o compromisso de trabalhar com os conflitos com uma
abordagem educativa.
Partindo de estratégias e técnicas de mediação de conflitos e do enfoque em
conteúdos específicos da Educação Física Escolar, este trabalho se propôs a
identificar limites e possibilidades para a inserção da mediação de conflitos como
práxis pedagógica da Educação Física Escolar. Importante esclarecer que o termo
“práxis” se refere à atividade teórico-prática que, segundo Sánchez Vázquez (1977,
p. 241) “tem um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a
particularidade de que só parcialmente, por um processo de abstração, podemos
separar, isolar um do outro”. Essa relação de interdependência e autonomia relativa
possibilita que a prática pedagógica seja “construída pouco a pouco, sobre a base
das interpretações das situações em que se vê envolvido em suas escolas e salas
de aula e, do resultado das decisões que adota” (SANTOMÉ, 1991, p. 13).
Com base no exposto, este estudo foi composto por uma análise teórica que
contemplou informações e considerações desde a origem da mediação de conflitos
até a sua implementação no contexto escolar, especificamente nas aulas de
Educação Física. A partir desses conhecimentos, foi possível a construção de uma
proposta de intervenção no contexto escolar, bem como a discussão do seu
desenvolvimento à luz das contribuições teóricas. O público-alvo deste estudo foi
uma turma de 5º ano com 15 alunos, a professora regente e um professor de
Educação Física vinculados à uma escola pública do Distrito Federal. A metodologia
utilizada foi a da pesquisa-ação por permitir um estudo por uma ação ou resolução
“de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo
ou participativo” (THIOLLENT, 2011, p. 20).

13
Este estudo foi estruturado com o enfoque em aspectos considerados
importantes para situar a mediação de conflitos no tempo e nos espaços onde
ocorre. No capítulo 1, foram abordadas várias considerações sobre a mediação de
conflitos, começando pela sua origem nos povos antigos e ressurgimento na área
jurídica. Na sequência, foram relatadas as iniciativas do setor judiciário para a
implementação de práticas restaurativas nas escolas e nas comunidades. Por fim,
foram abordadas as estratégias e técnicas utilizadas na mediação de conflitos no
contexto educacional.
No capítulo 2, foram abordados os conflitos gerados pelo e no ambiente
escolar, sendo que o primeiro termo se refere aos conflitos gerados pela própria
escola e, o segundo, aos conflitos gerados em outros espaços e manifestados
dentro da instituição. Exemplos desses conflitos são, respectivamente, a indisciplina
(oposição às regras impostas pela escola) e incivilidades (comportamentos que
contrariam as normas morais necessárias para a boa convivência). Para
compreender e intervir sobre tais conflitos, são propostas algumas reflexões à luz da
filosofia e da psicologia.
No capítulo 3, foi dado o enfoque nas características e peculiaridades da
Educação Física Escolar que podem favorecer a prática da mediação de conflitos
durante as aulas. Dentre elas, pode-se citar os conteúdos específicos da disciplina,
a ludicidade das práticas corporais e a afetividade na relação professor-aluno. O
capítulo também é composto pelo detalhamento de uma proposta de intervenção em
mediação de conflitos com ênfase nos jogos cooperativos, nas assembleias
escolares e na Comunicação Não-Violenta (CNV). Por fim, foram relatadas as
informações do percurso metodológico, como instrumentos, procedimentos de coleta
e análise dos dados.
No capítulo 4, foram relatadas as informações coletadas na pesquisa, bem
como as discussões com base na bibliografia. Esse capítulo é composto, também,
pelo detalhamento de uma prática de intervenção em mediação de conflitos cuja
proposta foi apresentada no capítulo anterior. A discussão decorrente da
implementação da proposta traz dados interessantes sobre os conflitos, bem como
elementos que configuram os limites e as possibilidades para a prática de mediação
de conflitos na Educação Física Escolar.

14
CAPÍTULO 1 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

1.1 ORIGEM DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Etimologicamente, a palavra mediação deriva do latim “mediatio” (mediação),


de “mediare” (intervir, colocar-se entre duas partes), de “medius” (meio)1. Significa,
então, intervir de maneira pacífica e imparcial na solução de conflitos. “O conflito é
inerente às relações humanas e, assim, faz parte da vida em sociedade. A forma de
resolvê-los varia de acordo com paradigmas vigentes nas diferentes culturas, em
cada época” (MAIA, BIANCHI e GARCEZ, 2019, p. 45). Assim, a forma atual da
mediação é o produto de uma lenta evolução que teve origem nas sociedades
primitivas e sofreu a fusão de diversas eras, culturas, valores e tendências
(PANTOJA e ALMEIDA, 2019).
Para compreender a mediação na sua essência, é necessário situá-la no
tempo e no espaço, conhecer os contextos culturais e sociais nos quais ela se
desenvolveu e acompanhar a sua trajetória até chegar aos movimentos
contemporâneos de mediação. Segundo estudiosos (MOORE, 1998; SIX, 2001;
PANTOJA e ALMEIDA, 2019), a mediação é uma prática milenar que existe desde
os primórdios da sociedade e era praticada nos litígios bíblicos, como na Grécia e na
civilização Romana, especialmente nas comunidades judaicas que a utilizavam na
resolução de conflitos civis e religiosos.
Essa prática difundiu-se em outras culturas como a islâmica, hindu e budista,
que mantém vivos certos procedimentos baseados no consenso que até hoje são
utilizados na resolução de conflitos locais e nacionais. Nessas culturas, o bem-estar
das comunidades era administrado por membros capacitados para mediar disputas
e conflitos. Moore (1998, p. 33), afirma que na Ásia a mediação representa uma
“prática milenar que resiste ao tempo, muito por influência do budismo na religião e
na filosofia, que marca a cultura da região, no sentido de que os budistas valorizam
fortemente a harmonia entre as pessoas e o equilíbrio nas relações humanas”.
Ainda segundo o autor supracitado, a tradição judaica da mediação “foi
absorvida tanto pela Igreja Católica na Europa Ocidental, quanto pela Igreja
1
Significado disponível em: <https://origemdapalavra.com.br/palavras/mediacao/>. Acesso em 20 de
set. 2019.

15
Ortodoxa no leste mediterrâneo. O clero era responsável pela administração de
disputas na sociedade ocidental, mediando conflitos de toda natureza (MOORE,
1998, p. 32). Na América, os Estados Unidos e o Canadá foram influenciados pelas
diversas culturas daqueles que vieram habitar o novo continente. Os grupos étnicos
judaicos e chineses, principalmente, somaram os procedimentos alternativos de
resolução voluntária de conflitos desses povos àqueles que já eram praticados pelos
americanos nativos. Entretanto, somente no século XX a mediação foi formalmente
institucionalizada, pois os mediadores (médico, o tabelião, o professor, o padre e
outros sábios) “que antigamente atuavam em vilarejos, foram enfraquecidos pelo
desenvolvimento urbano e pela dispersão das famílias tribais” (SIX, 2001, p. 31).
No período pós-guerra, numa época de explosão da luta pelos direitos civis,
os Estados Unidos, visando diminuir de forma rápida e econômica a grande
quantidade de processos que abarrotavam o Poder Judiciário, criaram um modelo
de meios alternativos de solução de conflitos. Assim, a mediação ressurgiu nos
Estados Unidos como um método alternativo de resolução de disputas, originando a
ADR (Alternative Dispute Resolution). Essa nova mediação trouxe consigo uma
profunda mudança nos modos de regulação social até então conhecidos e
praticados.
A reconhecida Escola de Negociação da Harvard Law School trouxe
novidades a respeito da mediação de conflitos. “Com base em uma nova
fundamentação teórica, limitou seu conceito a um método alternativo de resolução
de conflitos, com o objetivo de buscar um acordo entre partes em disputa, excluindo
a preocupação com as causas subjacentes ao impasse” (BARBOSA, 2004, p. 20).
Nesse mesmo período, “a mediação começou a ser utilizada por organizações
comunitárias para conter o conflito urbano e desenvolver os recursos locais,
paralelamente ao sistema de justiça formal” (BUSH e FOLGER, 2006, p. 20).
Os franceses, atentos ao desenvolvimento da mediação na América do Norte
e na Grã-Bretanha, foram aprender essa nova prática no Canadá, para depois
adaptá-la à sua cultura e criar um modelo francês de mediação. “O modelo francês
trata-se da chamada via “universalista”, inspirada na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, que enaltece o valor da igualdade entre as partes
em detrimento da simples solução do conflito” (SIX, 2001, p. 257). As primeiras

16
práticas de mediação foram aplicadas aos conjuntos habitacionais em dificuldade e
está diretamente relacionada com a crise habitacional que assolou a França após a
Segunda Guerra Mundial, quando a questão habitacional passou a ser o maior
problema da sociedade francesa (PETITCLERC, 2002, apud BELEZA, 2011, p. 21).
A mediação francesa acabou ganhando espaço perante a hegemonia da
mediação americana, canadense e inglesa, e passou a ser chamada de mediação
social. A diferença principal entre a mediação predominante na América do Norte e
aquela praticada mais popularmente na França está no seu enfoque: enquanto
países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra promoviam a pacificação dos
conflitos via conciliação, “os franceses inseriram a mediação na cultura de paz e dos
direitos humanos”. (BARBOSA, 2004, p. 21).
No Brasil, a mediação também aportou como um meio de desafogar o
Judiciário, sem nenhuma preocupação em compreender ou eliminar as causas que
geram os milhares de processos que abarrotam os tribunais. As duas vertentes da
mediação chegam quase que simultaneamente no país: em 1989 chegou em São
Paulo o modelo francês e, em 1990, vindo da Argentina, chegou no sul do país o
modelo norte-americano. “As primeiras experiências aconteceram no âmbito do
Judiciário, de forma precária e confusa, onde a mediação era tratada como sinônimo
de conciliação” (BELEZA, 2009, p. 67).
A prática só foi regulamentada por lei em 2015, apesar da mediação estar em
pleno crescimento no Brasil desde a década de 1990 e de haver propostas
legislativas encaminhadas para o Congresso Nacional desde 1998. A Lei nº 13.140,
de 26 de junho de 2015 2, dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de
solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública. A referida lei ainda dispõe:

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de


controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no
âmbito da administração pública.
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por
terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas
partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções
consensuais para a controvérsia.

2
Texto disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm>.
Acesso em 20 de set. de 2019.

17
Apesar da morosidade em legalizar a prática da mediação no Brasil, pode-se
afirmar que o país vive um momento favorável à emergência de iniciativas que
podem modificar as relações sociais, promover o diálogo, a paz e a cidadania nos
mais variados contextos da sociedade. Segundo Beleza (2009), no âmbito
comunitário, alguns programas de mediação surgiram e os mais conhecidos tanto
pela sustentabilidade quanto pelo êxito, são: Balcão de Direitos (Rio de Janeiro,
criado em 1997); Programa Polos de Cidadania (Belo Horizonte, criado no ano
2000); Casas de Mediação Comunitária (Ceará, criado no ano de 2000); e Programa
Justiça Comunitária (Distrito Federal, criado no ano 2000).
A partir da aprovação da Lei nº 13.140 em 2015, o Conselho Nacional de
Justiça aprovou resolução para que os tribunais de todo o país ofereçam núcleos
consensuais para resolução de conflitos. A medida faz parte da Política Nacional de
Tratamento dos Conflitos de Interesses, que visa assegurar a conciliação e
mediação das controvérsias entre as partes, assim como prestar atendimento e
orientação aos cidadãos. Com isso, vários outros programas surgiram nos âmbitos
judiciário e comunitário para atender aos anseios da população. Importante lembrar
que nos programas do judiciário o enfoque é dado na conciliação. Já nos programas
comunitários, o enfoque é dado na mediação social.
De acordo com Beleza (2009, p. 34), os objetivos principais da mediação
social são: “fomentar a comunicação na sociedade; ajudar a desenvolver e fortalecer
o vínculo social e contribuir para a integração de certas populações excluídas;
contribuir para o controle e prevenção da violência”. O Comitê Interministériel des
Villes reforça que

a mediação social busca a proteção dos indivíduos e seus direitos; não deve
substituir os serviços sociais e os direitos garantidos para cada indivíduo;
leva ao aprimoramento das relações sociais; educa para o gerenciamento
pacífico de conflitos, sendo considerada um meio privilegiado para promover
a cidadania e manter a paz nas escolas e nas cidades; deve contribuir para
o respeito dos direitos dos cidadãos e consumidores e nunca forçar alguém
a desistir de seus direitos; promove a melhoria da qualidade de vida e a
igualdade de direitos (FRANÇA, 2000, p. 128).

Com base nos resultados positivos alcançados pela mediação de conflitos


nos âmbitos judiciário e comunitário, o Poder Judiciário passou a oferecer técnicas

18
restaurativas3 de solução de conflito em salas de aula para promover a paz nos
ambientes escolares do país e evitar que novos processos judiciais nascessem
desses conflitos. Comarcas em diversos Estados já aplicam a mediação e os
chamados círculos restaurativos em conflitos escolares, práticas que estão em
conformidade com a Política Nacional de Resolução de Conflitos no Judiciário,
instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Contudo, a mediação no
ambiente escolar não é comum, mas felizmente está aumentando o interesse pelo
seu estudo e aos poucos a sua aplicação está ganhando mais espaço nas escolas
(FONSECA e COSTA, 2010).

1.1.1 Programa Saúde na Escola (PSE)

Além das iniciativas do setor judiciário para conter a escalada da violência,


em 2007, através do decreto Nº 6.286 4, foi instituído o Programa Saúde na Escola
(PSE) com a “finalidade de contribuir para a formação integral dos estudantes da
rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e
atenção à saúde” (BRASIL, 2007). Trata-se de uma política intersetorial do Ministério
da Saúde e do Ministério da Educação voltada às crianças, adolescentes, jovens e
adultos da educação pública brasileira. O PSE é implementado mediante adesão
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios formalizada por meio de termo de
compromisso. O orçamento destinado à sua cobertura provém dos Ministérios da
Saúde e da Educação, cabendo a cada um as despesas dos encargos no PSE.
As ações previstas como essenciais no PSE estão compreendidas em três
componentes: Componente I - Avaliação das condições de saúde; Componente II -
Promoção da saúde e prevenção das doenças e agravos; Componente III -
Capacitação permanente dos profissionais de saúde e educação. No Componente I
estão previstas ações no âmbito da saúde nutricional, saúde ocular, saúde bucal,
saúde auditiva, saúde clínica (situação vacinal e doenças), saúde psicossocial. No
3
Processos nos quais todas as partes envolvidas no conflito assumem a responsabilidade de
construírem um plano de ação para reparar o dano; restaurar a relação rompida; e transformar o
contexto que ensejou a situação conflituosa (PENIDO, 2019).
4
Texto completo disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decr
eto/D6286. htm>. Acesso em 20 de set. de 2019.

19
Componente II estão previstas ações no âmbito da alimentação saudável, prática
corporal, saúde sexual e reprodutiva, prevenção ao uso de drogas, cultura de paz,
saúde mental, saúde ambiental e desenvolvimento sustentável. No Componente III
estão previstas qualificações para abordagem das temáticas dos Componente I e II
(BRASIL, 2011).
Uma das linhas de ação do PSE 5 se refere à Promoção da Cultura de Paz e
Prevenção das Violências objetivando “realizar atividades no cotidiano da escola
abordando as temáticas da diversidade sexual, do bullying, da homofobia, da
discriminação e do preconceito da família e da comunidade” (BRASIL, 2015). O
referido programa prevê a realização de um diagnóstico situacional dos eventos de
violência (bullying, homofobia, discriminação, preconceito, violência doméstica e
sexual, tentativa de suicídio e acidentes no entorno e na escola) que possam estar
interferindo na saúde e na aprendizagem das crianças e dos adolescentes, com
repercussão na convivência familiar, na escola e na comunidade, e na violação de
direitos. Para tanto, reforça a necessidade do diálogo entre profissionais da Saúde e
da Educação, pais, responsáveis e demais membros da comunidade escolar
(BRASIL, 2015).
O programa sugere a elaboração de um projeto de convivência e mediação
de conflitos com metodologia participativa (rodas de conversa, teatro, dinâmicas,
narrativas, etc), com o envolvimento de todos os atores da comunidade escolar. As
ações devem ser pautadas em diretrizes como: trabalho com temas transversais
(valores); desenvolvimento de atividades que promovam o vínculo afetivo entre os
atores envolvidos; atenção permanente a comportamentos da criança e do
adolescente expostos a situações de violência, negligência ou discriminação;
fortalecimento da notificação da violência doméstica, sexual e outras, de acordo com
o que está estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) 6;

5
As ações do Componente II (Promoção da Saúde e Prevenção) do PSE são: (1) Ações de
Segurança Alimentar e Promoção da Alimentação Saudável; (2) Promoção das Práticas Corporais e
Atividade Física nas Escolas; (3) Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE): Educação para a Saúde
Sexual, Saúde Reprodutiva e Prevenção das DST/Aids e de Hepatites Virais; (4) Saúde e Prevenção
nas Escolas (SPE): Prevenção ao Uso de Álcool e Tabaco e outras Drogas; (5) Promoção da Cultura
de Paz e Prevenção das Violências; e (6) Promoção da Saúde Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável (BRASIL, 2011).
6
Texto disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>.

20
qualificação permanente dos profissionais; e melhoria das relações interpessoais na
escola (BRASIL, 2015).
De acordo com o Ministério da Educação (MEC) o PSE se propõe a ser um
novo desenho da política de educação e saúde, pois (1) trata a saúde e educação
integrais como parte de uma formação ampla para a cidadania e o usufruto pleno
dos direitos humanos; (2) permite a progressiva ampliação das ações executadas
pelos sistemas de saúde e educação com vistas à atenção integral à saúde de
crianças e adolescentes; e (3) promove a articulação de saberes, a participação de
estudantes, pais, comunidade escolar e sociedade em geral na construção e
controle social da política pública7.
Para que as escolas façam parte do Programa Saúde na Escola (PSE), os
gestores devem incluir as instituições no site do Ministério da Saúde. Como já foi
dito, o programa, dos Ministérios da Saúde e da Educação, prevê recursos
financeiros para os municípios desenvolverem ações de prevenção e promoção da
saúde no ambiente escolar. De acordo com dados de 2018, o programa atende a
90% dos municípios brasileiros, envolvendo mais de 20 milhões de estudantes de
85.706 escolas e mais de 36 mil equipes da atenção básica do Sistema Único de
Saúde (TOKARNIA, 2018).

1.2 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NO CONTEXTO ESCOLAR

Nos últimos anos, a violência nas escolas vem preocupando o poder público e
a sociedade como um todo. A escola se tornou um ambiente social propício para as
manifestações de conflito e violência. No Brasil, alguns estudos se dedicam a traçar
o mapa da violência escolar, identificando e classificando as ocorrências mais
frequentes. Segundos dados da Prova Brasil 8, levantamento realizado pelo portal

7
Informações disponíveis em: <http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/194secretarias-
112877938/secad-educacao-continuada-223369541/14578-programa-saude-nas-escolas>. Acesso
em: 20 de set. de 2019.
8
A Prova Brasil é uma avaliação censitária das escolas públicas das redes municipais, estaduais e
federal, com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino. Participam desta avaliação as escolas que
possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nas séries/anos avaliados, sendo os resultados
disponibilizados por escola e por ente federativo. Quem faz a prova são os alunos do 5º ano (antiga
4ª série) e do 9º ano (antiga 8ª série) do Ensino Fundamental de escolas públicas urbanas e rurais.

21
QEdu em 2017, mais da metade dos educadores de escolas públicas afirmou ter
presenciado agressões físicas ou verbais de alunos a funcionários ou professores,
no ambiente escolar. Entre os estudantes, a violência tem índices ainda maiores:
72% dos diretores e 70% dos professores relataram ter presenciado agressão verbal
ou física entre os alunos da escola9.
De acordo com o levantamento da Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais (FLACSO) feito em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a
Organização dos Estados Interamericanos (OEI) em sete capitais brasileiras e
divulgado em 2016, a violência verbal ou física chegou a 42% dos alunos da rede
pública nos doze meses anteriores. Em 65% dos casos, o agressor foi o próprio
colega, e 15% dos entrevistados relataram terem sido vítimas de professores. Entre
os tipos de violência praticada, o cyberbullying10 – que engloba intimidações na
internet e em aplicativos de conversa – representa 28% dos casos, e as ameaças,
21% (ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA e CERQUEIRA, 2016).
Dados como esses, encontrados em todo o território nacional, mostram a
urgência de uma reflexão profunda de educadores, gestores políticos e da
sociedade em geral. Os altos índices de situações violentas envolvendo o espaço
escolar mostra a necessidade de trazer o tema para debate dentro e fora da escola.
Chrispino (2007) afirma que o conflito só é percebido quando se transforma em
violência, o que revela que a sociedade como um todo tem dificuldades para
identificar e lidar com os conflitos e suas origens.
A escola, por congregar alunos de diferentes origens sociais e econômicas,
com valores, crenças, experiências e comportamentos singulares, é considerada o
retrato da diversidade presente na sociedade (ALMEIDA e PANTOJA, 2019). Essa
Desde 2015, os diretores e todos os professores de turmas que participaram da Prova Brasil
respondem um questionário de 125 perguntas que tratam do seu perfil, das condições de trabalho,
práticas pedagógicas, e percepção sobre o aprendizado dos alunos.
9
Dados disponíveis em: <https://www.qedu.org.br>. Acesso em: 20 de set. 2019.
10
Cyberbullying é a violência praticada contra alguém, através da internet ou de outras tecnologias
relacionadas ao mundo virtual. Sendo a ação com o objetivo de agredir, perseguir, ridicularizar e/ou
assediar. O pesquisador canadense, Bill Belsey, foi a primeira pessoa a citar e definir a palavra
“Cyberbullying”, no mundo. Segundo Belsey, envolve utilizar informação e comunicação junto da
tecnologia para hostilizar um grupo ou indivíduo, de forma deliberada e repetida. Ou seja, a diferença
entre o cyber e o bullying, é que neste caso, o agressor usa o meio eletrônico. Cyber = diminutivo de
“cybernetic” (algo ou local que possui tecnologia avançada). Bullying = origem da palavra inglesa
“bully” (o que significa valentão, briguento). Disponível em: <https://www.politize.com.br/cyberbullying-
o-que-e/> Acesso realizado em 20 de dez. 2019.

22
heterogeneidade contribui muito para a integração e interação social, mas, como
pode ser observado nas escolas, também provoca divergências inevitáveis que
podem intervir no processo de aprendizagem. Conviver com as diferenças é
desafiador, mas possibilita a elaboração de afetos e saberes que “constituem
marcos importantes que orientam o posicionamento dos sujeitos em relação a como
se identificam como gostariam de ser reconhecidos” (KAWASHIMA e MARTINS,
2011, p. 82).
Sendo assim, é necessário ver o conflito como algo positivo e como
oportunidade de aprendizagem. Para tanto, são necessários recursos técnicos e
emocionais para lidar com situações conflituosas e buscar resolvê-las. Infelizmente,
na maioria das escolas, os conflitos são considerados como negativos e a forma
utilizada para resolver as divergências ainda está pautada na aplicação de sanções
e punições como advertências, suspensões e transferências. Com base na realidade
escolar, as medidas adotadas estão longe de resolver as questões, pelo contrário,
podem até agravá-las. De acordo com Chrispino, Bernardes, Aldenucci e Meurer
(2019, p. 520), “os conflitos não resolvidos têm a tendência de voltar a ocorrer,
escalando em gravidade e complexidade, podendo derivar para a violência”.
Com base nos dados da pesquisa apresentados, pode-se observar que as
medidas tomadas até agora não surtem mais efeito. É preciso uma nova forma de
tratar os conflitos, pois, segundo Rosenberg (2006, p. 234), “culpar e punir não
contribui para as motivações que se gostaria de inspirar nos outros.” Schnitman
(1999) apud Beleza (2009), afirma que “as novas formas de conflitos
contemporâneos, fruto da complexidade das relações humanas, ensejaram o
surgimento de novas metodologias para lidar com esses conflitos” (p. 14). Faz-se
necessário, então, a utilização de novas formas de resolução para conter o avanço
da violência no contexto escolar.
A mediação de conflitos é uma dessas novas metodologias e sua proposta se
baseia no diálogo, na prática de escuta ativa e na busca soluções compartilhadas
pelos envolvidos, o que incrementa as habilidades sociais dos alunos e as
capacidades cognitivas. Assim, aprender técnicas de resolução de conflitos se
mostra tão importante para o desenvolvimento dos alunos quanto as disciplinas
curriculares. Outro aspecto positivo que reforça a utilização da mediação de conflitos

23
na escola é a característica que essa instituição tem de ser um local de assimilação
de ideias e atitudes. Assim, a escola se configura como um ambiente apropriado
para a disseminação de um novo paradigma de convivência pautado em uma
perspectiva não beligerante (JARES, 2005).
“A dinâmica da mediação procura transformar o conflito em um entendimento
entre as partes, transformando-se num exercício de consciência dos envolvidos”
(CORS, 2009, p. 07). Além disso, “a mediação possibilita a transformação da cultura
do conflito em cultura do diálogo, na medida em que estimula a resolução dos
problemas pelas próprias partes (...) para chegar a um acordo satisfatório”
(LOURENÇO e PAIVA, 2008, p. 07). Dessa forma, a mediação pode induzir a uma
“reorientação das relações sociais para formas de cooperação, de confiança e de
solidariedade, ou seja, formas mais maduras, espontâneas e livres de resolver
diferenças” (CHRISPINO e CHRISPINO, 2011, p. 60).
Resumidamente, a mediação de conflito transforma a comunicação e introduz
outra maneira de ver e de ser, mais aberta e verdadeira (CHRISPINO e
CHRISPINO, 2011). A possibilidade de contribuir na construção de uma cultura de
paz se constitui em uma das principais motivações para a maioria dos programas de
implementação da mediação escolar. Juntamente com essa motivação, está o
esforço para produzir reflexões em torno da realidade educacional, do clima e
cultura escolar da mediação como formação pacífica de resolução dos conflitos e
prevenção da escalada da violência (CHRISPINO, BERNARDES, ALDENUCCI e
MEURER, 2019). Dessa forma, a mediação de conflitos surgiu como uma estratégia
para alcançar uma convivência harmônica que garanta o desenvolvimento dos
projetos pedagógicos e, consequentemente, a realização dos objetivos
educacionais. Os programas e projetos de mediação implementados até agora têm
surtido efeitos positivos e profícuos nas comunidades escolares.
A prática da mediação de conflitos foi incorporada ao âmbito escolar nos
Estados Unidos ainda na década de 1980 e ganhou espaço nas escolas do mundo
todo, inclusive no Brasil. Experiências em alguns Estados confirmam a efetividade
da mediação de conflitos para propiciar um ambiente de convivência pacífica,
colaborativa e participativa nas escolas. No Paraná, a primeira experiência da
mediação de conflitos no contexto escolar foi proposta pelo Instituto de Mediação e

24
Arbitragem do Brasil (IMAB) em Curitiba. A instituição elaborou um projeto a pedido
da Secretaria de Estado de Educação em 1998. “O objetivo geral do programa de
mediação escolar era apresentar um modelo de gestão dos conflitos nos ambientes
de ensino capaz de introduzir um clima organizacional de harmonia e cooperação e
uma cultura de paz” (CHRISPINO, BERNARDES, ALDENUCCI e MEURER, 2019, p.
530). O projeto foi bem sucedido e foi levado, posteriormente, para São Paulo e
Santa Catarina.
O Rio Grande do Sul também é um dos pioneiros do país na aplicação da
mediação de conflitos, que se deu por meio do método da justiça restaurativa. Em
Porto Alegre, procedimentos restaurativos começaram a ser testados em 2002, mas
foi em 2005 que um dos três projetos pilotos de Justiça Restaurativa no país foi
implantado no Rio Grande do Sul, além de São Paulo e Distrito Federal. Assim
surgiu o “Justiça para o Século 21”, projeto que nasceu com o objetivo divulgar e
aplicar as práticas da justiça restaurativa em escolas, ONGs, comunidades e
Sistema de Justiça da Infância e Juventude em Porto Alegre. Implementado na 3a
Vara da Infância e da Juventude da capital gaúcha, é articulado pela Associação dos
Juízes do Rio Grande do Sul (CHRISPINO, BERNARDES, ALDENUCCI e MEURER,
2019).
Em 2011, a deputada Maria Helena Sartori encaminhou o Projeto de Lei Nº
150, que foi aprovado em 2012 e implantado em 2015, instituindo as Comissões
Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (CIPAVE) nas escolas do
Sistema Estadual de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. Essas comissões
concentram os esforços do governo do Estado no combate à violência em escolas
estaduais e na resolução de conflitos. O projeto é coordenado pela professora e
policial civil Luciane Manfro e tem a função de diagnosticar vulnerabilidades no
âmbito escolar, mapeá-las e planejar meios de prevenção ou de resolução
envolvendo pais, alunos, professores, direção, funcionários e comunidade
(CHRISPINO, BERNARDES, ALDENUCCI e MEURER, 2019).
Em São Paulo, um projeto foi elaborado em 2005 e implementado ainda no
mesmo ano. A proposta está em franco desenvolvimento e coleciona experiências e
oportunidades de aprimoramento da prática de mediação de conflitos. Tem como
objetivo “a criação de um contexto de convivência pacífica, colaborativa e

25
participativa em escolas e instituições educacionais” (CHRISPINO, BERNARDES,
ALDENUCCI e MEURER, 2019, p. 540). O Decreto Nº 56.560, de 28 de outubro de
2015, regulamenta a Lei nº 16.134, de 12 de março de 2015, que dispõe sobre a
criação da Comissão de Mediação de Conflitos (CMC) nas escolas da Rede
Municipal de Ensino do município de São Paulo/SP.
A Resolução SE 41, de 22/09/2017, institui o Projeto Mediação Escolar e
Comunitária, na rede estadual de ensino de São Paulo, e dá providências correlatas.
Em pouco mais de dez anos, a Secretaria de Educação de São Paulo ampliou o
programa de mediação de conflitos para todas as 5 mil escolas. Até 2017, somente
os vice-diretores atuavam como mediadores, mas ganharam reforços com a ajuda
de, pelo menos, um educador por escola para também atuar como mediador.
No Rio de Janeiro, a mediação de conflitos iniciou no final de 2008 na Escola
Alemã Corcovado (EAC), uma escola bicultural e bilíngue, situada na Zona Sul da
capital. O projeto teve como objetivo geral o “desenvolvimento e aprimoramento
competências e habilidades sociais, interpessoais e intrapessoais no corpo discente
da EAC” (CHRISPINO, BERNARDES, ALDENUCCI e MEURER, 2019, p. 534). O
Projeto de Lei Nº 2460/2013, do deputado José Luiz Nanci, institui nas escolas
públicas estaduais do Rio de Janeiro, o programa da mediação escolar. No
momento, ainda está em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro.
Em 2011, a Secretaria de Estado de Educação e a Defensoria Pública de
Minas Gerais assumiram o Projeto Mediação de Conflitos no Ambiente Escolar
(Mesc- Paz em Ação), que visa prevenir a violência e incentivar a resolução pacífica
de problemas dentro das escolas. O projeto prevê a formação de multiplicadores,
entre professores e estudantes, em mediação de conflitos e convivência
democrática. Em 2018, as duas instituições reafirmaram a parceria no projeto. A
nova etapa prevê a capacitação de 150 professores e estudantes, de sete escolas
da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A novidade é a extensão do projeto a
servidores das Superintendências Regionais de Ensino: foram 97, incluindo analistas
que atuam diretamente com o eixo diversidade (CHRISPINO, BERNARDES,
ALDENUCCI e MEURER, 2019).

26
Projetos exitosos também foram implementados em outros Estados. Um deles
está sendo realizado desde 2009 em uma escola pública de São Sebastião, na
periferia do Distrito Federal. O projeto intitulado “Estudar em Paz: Mediação de
Conflitos no Contexto Escolar” é um Projeto de Extensão de Ação Contínua (PEAC)
da Universidade de Brasília/UnB, cuja unidade de origem é o Núcleo de Estudos
para a Paz e os Direitos Humanos (NEP). De acordo com Beleza (2011, p. 01), o
objetivo do PEAC é “divulgar a cultura da mediação social nas escolas públicas do
Distrito Federal, formando mediadores sociais na escola e promovendo valores da
Cultura de Paz, dos direitos humanos, de justiça e cidadania”.
No Ceará, em 2016, iniciou o Projeto de Mediação Escolar com a proposta de
criação de células de mediação que permitiram a aplicação sustentável da mediação
nas escolas estaduais e municipais. O projeto abrange todas as práticas de
colaboração pacíficas como, por exemplo, mediação e processos circulares, que
visa reduzir os impactos da violência urbana no ambiente escolar e de promover a
qualificação técnica necessária para a criação da Célula de Mediação nas SEDUC
(Secretarias de Educação) e SME (Secretarias Municipais de Educação).
Em Vila Velha/ES, servidores formados pelos cursos de instrução em
mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) capacitaram professores e
conselheiros tutelares da cidade, além de alunos da rede pública de ensino, nas
técnicas da comunicação pacificadora. O curso, voluntário, começou em 2016 e
contou com 180 alunos. Em outubro de 2017, 300 jovens já estavam treinados em
mediação escolar.
Os projetos supracitados estão de acordo com a legislação atual, a Lei Nº
13.140, de 26 de junho de 2015, de abrangência nacional. Ela traz em seu artigo 42
que as orientações devem ser aplicadas, "no que couber, às outras formas
consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e
escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no
âmbito de suas competências” (BRASIL, 2015b). É a primeira lei que trata
claramente da mediação de conflito no contexto escolar, e não é da área
educacional, mas, sim, da área jurídica.
Quanto ao amparo de leis na área da educação para a realização da
mediação de conflitos no contexto escolar, pode-se dizer que está tendo certo

27
avanço, mas apenas em nível municipal e estadual. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB
- 9394/96 ), de abrangência nacional, não traz nada específico a respeito da prática,
mas apregoa que a educação é um direito de todo cidadão brasileiro. A Lei também
anuncia os princípios constitucionais e incorpora o respeito à liberdade e o apreço à
tolerância, principalmente com relação ao “diferente” – os portadores de
necessidades especiais; a coexistência das instituições públicas e privadas de
ensino; a valorização da experiência extraescolar e a vinculação entre a educação
escolar; e o trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996).
Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) trazem como
objetivo a “participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres
políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,
cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo
respeito” (BRASIL, 1998, p. 19). Como se vê, são orientações bastante genéricas
que não tratam diretamente da mediação de conflitos, mas apontam para questões
norteadoras da prática de mediação.
Diante do exposto, pode-se afirmar que os avanços no meio legal ainda são
precários dados os problemas de conflitos e de violência escolar enfrentados nos
últimos anos. Assim, é necessário que os projetos que já estão em desenvolvimento
sirvam de modelo e inspiração para que novas leis assegurem a prática da
mediação de conflitos nas escolas. Além disso, é necessário repensar o currículo de
formação inicial e continuada dos professores, pois ele se configura como um dos
principais entraves para a prática de mediação de conflitos no contexto escolar.

1.2.1 Estratégias e técnicas de mediação de conflitos

A mediação de conflitos conta com estratégias e técnicas de comunicação


para serem empregadas na resolução das questões. Dentre as estratégias, pode-se
citar as práticas restaurativas e as assembleias escolares. As práticas restaurativas
se originaram com os projetos do Ministério da Justiça, como explicitado
anteriormente. São formas de resolução de conflitos através das quais “o mediador
auxilia as partes envolvidas a realizar um processo dialógico visando transformar

28
uma relação de resistência e de oposição em relação de cooperação” (BRASIL,
2014, p. 20). Nesse processo, utilizando a técnica de Comunicação Não-Violenta
(CNV), os envolvidos buscam lidar com a situação almejando uma reflexão e a
responsabilização, o que permite o fortalecimento das relações e dos laços
comunitários. Os principais objetivos das práticas restaurativas são:

1) ajudar na segurança da comunidade escolar, pois têm estratégias que


constroem relacionamentos e capacitam todos da escola para assumirem a
responsabilidade pelo bem-estar dos seus membros; 2) desenvolver
competências nas pessoas, pois aumentam as habilidades pró-sociais
daqueles que prejudicaram outros, ajudando no fortalecimento da
personalidade de cada um; 3) trabalhar valores humanos essenciais, tais
como: participação, respeito, responsabilidade, honestidade, humildade,
interconexão, empoderamento e solidariedade, como veremos adiante; 4)
restaurar aquela relação afetada pelo conflito, se possível com a reparação
do dano causado à vítima; 5) assumir responsabilidades: as práticas
restaurativas permitem que os infratores prestem contas àqueles a quem
prejudicaram, habilitando-os a repararem, na medida do possível, os danos
causados (BRASIL, 2014, p. 21).

As mediações e os círculos restaurativos são exemplos de práticas


restauradoras. As mediações são reuniões mais fechadas que acontecem com as
partes envolvidas e um mediador. A mediação segue passos preestabelecidos: a)
pré-mediação: as partes devem concordar com a mediação; b) mediação: o
mediador recebe as pessoas envolvidas num problema e as posiciona uma de frente
para a outra. Na sequência, os envolvidos devem relatar o acontecido para que o
mediador possa ajudá-los. Já os círculos restaurativos são reuniões mais abertas,
em formatos circulares que reúnem todos os envolvidos no conflito, um facilitador e
demais pessoas que tenham interesse e/ou possam colaborar com a solução do
conflito (BRASIL, 2014). Esse modelo não segue etapas pré-definidas.
As assembleias escolares, “diferentemente dos outros modelos de resolução
de conflitos, não buscam mediá-los”, mas tentam trazê-los para serem discutidos no
espaço coletivo. O objetivo é possibilitar a “reflexão sobre os fatos cotidianos,
incentivando o protagonismo das pessoas e a coparticipação do grupo na busca de
encaminhamentos para os temas abordados” (ARAÚJO, 2015, p. 25). Dessa forma,
durante uma assembleia, “ao se dialogar sobre um conflito, garante-se a todos os
membros que dela participam a igualdade de direitos de expressar seus
pensamentos, desejos e modos de ação” (ARAÚJO, 2015, p. 26). Outro aspecto

29
interessante é que as questões são discutidas no coletivo e enfocam o fato que
aconteceu, não as pessoas envolvidas (VINHA, 2013).
Esse modelo de mediação de conflitos pode ocorrer em níveis distintos,
classificados por Araújo (2015) como: assembleia de classe, assembleia na escola,
assembleia para os profissionais que atuam no espaço escolar, e assembleia para
as relações entre escola e comunidade (por meio de fóruns). Cada nível de
assembleia é independente dos demais e tem seus objetivos específicos. Mas, caso
haja necessidade, os níveis também podem funcionar como etapas de um processo
de participação ativa da comunidade escolar para resolver questões que afetam o
desenvolvimento do processo educativo.
Resumidamente, as assembleias de classe são feitas pelos alunos e por um
professor escolhido pela turma. Elas tratam de temáticas que envolvem o espaço
específico de cada sala de aula. As assembleias de escola têm a participação de
todos os segmentos da comunidade escolar e buscam regulamentar as relações
interpessoais nos espaços coletivos. As assembleias docentes reúnem todo o corpo
docente e a direção para regulamentar temáticas relacionadas com o convívio entre
os docentes e entre docentes e direção. Os fóruns escolares reúnem diversos
segmentos das comunidades escolares que se dispõem a atuar no desenvolvimento
de ações em prol da cidadania no contexto escolar (ARAÚJO, 2015).
Independentemente das estratégias escolhidas para resolver os conflitos no
contexto escolar, o diálogo é a principal ferramenta utilizada para estabelecer uma
relação de igualdade entre as partes e de reconhecimento das suas necessidades. É
através do diálogo que as partes desenvolvem “a capacidade de enxergar as
necessidades por trás do que está sendo dito” (ROSENBERG, 2019, p. 22). É
importante ressaltar que, no diálogo das mediações, cada um tem a sua vez de falar,
de expor os seus sentimentos e necessidades sem ser interrompido por ninguém. As
partes envolvidas só precisam falar sem agressividade e, se for necessário, dentro
de um tempo estipulado.
Dessa forma, diálogo representa a base para todas as formas de resolução
de conflitos. Segundo Jares (2008, p. 33), “não há possibilidade de resolver os
conflitos senão por meio do diálogo, seja diretamente entre as partes que se
enfrentam ou através de terceiros que se coloquem como mediadores”. Além disso,

30
é “fundamental para promover mudanças construtivas em todos os níveis”
(LEDERACH, 2012, p. 35). Também é um fator essencial para melhorar a qualidade
de vida das relações humanas. “As pessoas crescem e se humanizam graças à
linguagem e ao diálogo. Conviver uns com os outros é um contínuo exercício de
diálogo” (JARES, 2008, p. 32). Para tornar o diálogo mais assertivo durante as
mediações, são utilizadas algumas técnicas como: escuta ativa, reformulação,
observação, comunicação assertiva, uso das “mensagens-eu”, e perguntar
restaurativo11 (BRASIL, 2014).
A escuta ativa é a técnica mais importante para a resolução de conflitos
porque é necessário “saber escutar com atenção e vontade”, o que “demanda
decisão consciente e a vontade de se livrar da distração e das intervenções”
(BRASIL, 2014, p. 27). Para manter uma escuta ativa é preciso:

a) prestar atenção na outra pessoa, permitindo que ela sinta e perceba o


seu interesse pela sua história; b) entender a mensagem do ponto de vista
do outro, ou seja, da pessoa que fala; c) captar a totalidade da mensagem
emitida, ou seja, além das mensagens, os sentimentos e as emoções; d)
prestar atenção na outra pessoa; e) escutar a mensagem e prestar atenção
nos sentimentos e nas emoções; f) não interromper; g) não fazer
julgamentos ou reprovações; h) parafrasear ou reformular ((BRASIL, 2014,
p. 27-28).

A reformulação é uma técnica que consiste em fazer um resumo do que


escutamos da fala do outro apenas para testar o entendimento, sem emitir
julgamentos. As partes diretamente envolvidas e o mediador devem fazer uso desta
técnica, pois é necessário o entendimento pleno de todos sobre a situação em
questão. Durante o resumo, pode-se incluir perguntas para esclarecer possíveis
dúvidas (BRASIL, 2014). Dentre os benefícios da reformulação, pode-se citar:
“geração de estímulo para o outro contar a história; relaxamento e melhoria de
autoestima, criação de um clima de confiança, e a possibilidade de uma boa
conexão com a outra pessoa” (BRASIL, 2014, p. 28).
A observação consiste em ficar atento ao que é falado sem fazer nenhuma
avaliação. A comunicação não violenta (CNV), proposta por Marshall Rosenberg,
“ensina a importância de separar a observação da avaliação, orienta e dá dicas para
que possamos expressar e ouvir melhor as pessoas” (BRASIL, 2014, p. 28). Para

11
Grifos meus.

31
Rosenberg (2006, p. 57), “quando combinamos observações com avaliações, os
outros tendem a receber isso como crítica”. Por isso, “as observações devem ser
sem avaliações, julgamentos, críticas, adjetivações”. Se a pessoa “se sente julgada,
criticada, ela assumirá uma postura de ataque, aumentando a resistência e
dificultando o diálogo”.
A comunicação assertiva se refere à emissão “de uma mensagem seguindo
um objetivo, com coerência entre sentimentos, pensamentos e atitudes” (BRASIL,
2014, p. 29). Essa técnica é essencial para o diálogo e ajuda os envolvidos “a
reduzir conflitos interpessoais; atuar de acordo com as suas necessidades;
expressar sentimentos; lidar com as reações emocionais de outras pessoas; exercer
os seus próprios direitos sem negar os dos demais” (BRASIL, 2014, p. 29).
O uso das “mensagens-eu” é uma técnica que requer que os envolvidos falem
usando os pronomes na primeira pessoa. As “mensagens-eu” possibilitam que cada
pessoa diga o expresse como se sentiu em relação a um fato ocorrido no passado
ou no presente. Para utilizar as “mensagens-eu” e desenvolver uma comunicação
mais assertiva diante de situações de raiva e de fortes emoções é preciso: “a)
identificar o sentimento; b) determinar a causa principal, ou seja, a necessidade que
está por trás do sentimento e que não está sendo atendida; c) e, por fim, decidir
como administrar a emoção e a situação” (BRASIL, 2014, p. 30).
Em outras palavras, é necessário ter muito cuidado ao se expressar em
situações conflituosas. Por exemplo, dizer “eu fiquei magoada porque...” traz uma
“mensagem-eu” e esclarece sobre os sentimentos observados numa situação.
Diferentemente disso, dizer “você me magoa sempre!” traz uma “mensagem-você” e
é extremamente acusatória. Esse último tipo de mensagem atinge a outra pessoa
culpabilizando-a. Como consequência, o acusado tende a revidar ou se retirar da
conversa (BRASIL, 2014). Eis mais alguns exemplos de “mensagens-eu” e
“mensagens-você”:

Mensagem-você Mensagem-eu
Você me magoou naquele dia! Naquele dia eu fiquei magoado quando…
porque...
Você não ajudou em nada no trabalho! Eu fiquei preocupado quando você não
fez a sua parte no trabalho… porque…

32
Você não colaborou com a nossa festa! Eu fiquei frustrado quando você não
colaborou com a nossa festa… porque…
Você não cumpriu o combinado! Você é Eu fiquei muito desapontado quando
um tratante! você faltou ao compromisso porque…
(BRASIL, 2014, p. 30)

O perguntar restaurativo é uma importante técnica para gerar diálogos


colaborativos porque possibilitam a escuta e o acolhimento. É necessário ter cuidado
para evitar as perguntas fechadas, aquelas que pedem “sim” ou “não” como
respostas. Diante de um problema, é preciso saber o que aconteceu. Para tanto,
algumas questões são cruciais: quem? O quê? Quando? Onde? Por quê? Como?
(BRASIL, 2014). Na sequência, é necessário coletar mais informações questionando
sobre:

O que aconteceu?; quem foi afetado ou sofreu algum dano?; o que você
sentiu naquele momento?; como está se sentindo agora?; o que posso fazer
para que você possa se sentir melhor?; como se pode dar uma
oportunidade aos envolvidos de repararem o dano e colocarem as coisas
em ordem?; o que você pode aprender desse fato?; como você poderia ter
feito isso de outra maneira?; como você acha que a vítima se sente?; o que
você pensou no momento do acontecimento? Estava tentando conseguir o
que?; houve mudanças na sua vida depois do incidente? (BRASIL, 2014, p.
31)

Esta técnica permite uma forma de ouvir que possibilita que o ouvinte entenda
a história do interlocutor e que reconheça seus pensamentos, sentimentos e
necessidades. O perguntar restaurativo traz benefícios como: “permitir que o
interlocutor reflita sobre o que ocorreu e suas consequências; promover a reflexão e
expressão dos sentimentos e necessidades; e ser utilizado em toda a situação em
que o ouvinte permanecer imparcial” (BRASIL, 2014, p. 32).
A Comunicação Não-Violenta (CNV), proposta por Rosemberg (2006), é uma
técnica bastante difundida entre as estratégias de mediação. Ela traz características
de todas as técnicas descritas anteriormente, se mostrando bastante completa e
assertiva. O desenvolvimento da CNV é composto por 4 componentes: 1)
observação, 2) sentimento, 3) necessidades e 4) pedido, os quais devem ser
percebidos e expressos verbalmente pelos envolvidos no conflito. Seu foco são: as
ações concretas que as pessoas observam e que afetam seu bem-estar; os

33
sentimentos gerados pela observação feita; as necessidades, valores, desejos etc.
responsáveis pelo surgimento dos sentimentos; e as ações concretas que precisam
ser tomadas para resolver as situações (ROSENBERG, 2006).

34
CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONFLITOS ESCOLARES

A violência têm alcançado proporções assustadoras em toda a sociedade


configurando-se como a matéria-prima da atualidade (MULLER, 2007). “No contexto
escolar, ela parece estar instalada colocando à prova a capacidade dos sistemas de
educação para se transformarem em sistemas de integração social” (VISCARDI,
1999, apud CHRISPINO e CHRISPINO, 2011, p. 11). A cada dia são noticiados
casos de violência dentro e fora do espaço escolar, o que caracteriza a crescente
banalização das manifestações violentas. Como é uma questão que atinge a
sociedade como um todo sendo, portanto um problema de todos, é necessário uma
ação conjunta para debater e buscar alternativas para essa ameaça crescente.
As medidas de repressão da violência já não cumprem com os objetivos de
inibição e controle. Isso requer uma mudança de postura e de tratamento perante as
situações que podem desencadear a sua manifestação. Considerando a violência
como consequência de um conflito, é possível buscar alternativas preventivas que
inibam as expressões violentas. Infelizmente, “não estamos acostumados a atuar
sobre os conflitos de maneira preventiva, e isso se deve a que não os
reconhecemos como tais senão em suas manifestações extremas” (CHRISPINO e
CHRISPINO, 2011, p. 49).
Para conter as manifestações violentas, a escola deve ser capaz de perceber
a existência do conflito, de reagir positivamente a ele e de usá-lo como oportunidade
de aprendizagem (CHRISPINO e CHRISPINO, 2011). A repreensão, ainda que
necessária, não é suficiente. É necessário criar uma boa convivência em geral e
capacidade para abordar os conflitos, em particular, requer uma atitude constante de
apoio para preparar e exercitar habilidades e técnicas de resolução (JARES, 2008,
p. 129). Nesse contexto, é imprescindível a atuação e a colaboração dos
professores, pois são sujeitos do processo e precisam buscar novos saberes para
implementar a prática.
Mas, quais são os conflitos que ocorrem no contexto escolar? Indisciplina,
violência, agressividade, desobediência ou falta de respeito? De tudo, um pouco, na
verdade! As angústias e queixas dos profissionais de educação não deixam dúvida:
“o maior problema da escola está na qualidade das relações que se estabelecem

35
nesta instituição entre as pessoas que ali convivem. São os conflitos!”12 (TOGNETTA
e VINHA, 2011, p. 11). As divergências estão presentes em todos os setores do
contexto escolar e atingem diferentes níveis de gravidade. Lederach (2012) e Jares
(2002) sustentam que os conflitos se estruturam a partir de causas, protagonistas,
processos e contextos e, por isso, atingem diferentes graus de complexidade.
De acordo com Chrispino e Chrispino (2011, p. 50), existem diversos tipos e
causas que originam os conflitos. De acordo com os tipos, eles podem ser
classificados em estruturais, de valor, de relacionamento, de interesse, e quanto aos
dados:

Tipos de conflitos Causas dos conflitos


Estruturais Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle,
posse ou distribuição desigual de recursos; poder e autoridade
desiguais; fatores geográficos, físicos ou ambientais que
impeçam a cooperação; pressões de tempo.
De valor Critérios diferentes para avaliar ideias ou comportamentos;
objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de vida,
ideologia ou religião diferente.
De relacionamento Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos;
comunicação inadequada ou deficiente; comportamento
negativo – repetitivo.
De interesse Competição percebida ou real sobre interesse fundamentais
(conteúdo); interesses quanto a procedimentos; interesses
psicológicos.
Quanto aos dados Falta de informação; informação errada; pontos de vista
diferentes sobre o que é importante; interpretações diferentes
dos dados; procedimentos de avaliação diferentes.
(CHRISPINO e CHRISPINO, 2011, p. 50)

Na escola, pode-se perceber a ocorrência de todos os tipos de conflitos que


têm os alunos, pais, professores, gestores, servidores e outros integrantes da
comunidade como protagonistas de conflitos cujas causas podem variar de acordo
com a tabela apresentada. Dada a complexidade das relações interpessoais, se faz
necessário avaliar a violência presente nas escolas por diversos ângulos e analisar a
dinâmica de convivência e o clima institucional nesse espaço. Não se pretende
esgotar a discussão sobre o tema, mas apresentar questões que necessitam de
12
Grifo das autoras.

36
reflexão. É importante questionar práticas, hábitos e concepções sobre o conflito, a
violência e os meios de solução. Também é importante abordar os métodos de
gestão dos conflitos comumente utilizados para, então, com base na literatura,
buscar aportes para a construção de medidas mais eficazes.
Atualmente, a realidade na maioria das escolas é desafiadora em todos os
aspectos da convivência e se caracteriza por uma desmotivação generalizada e um
manejo ineficaz dos conflitos interpessoais. Além dos conflitos educacionais,
“aqueles provenientes de ações próprias dos sistemas escolares ou oriundos das
relações que envolvem os atores da comunidade escolar mais ampla” (CHRISPINO
e CHRISPINO, 2011, p. 54), outros tipos de conflitos afligem a escola e a sociedade
como um todo. A proposta, neste capítulo, é discutir os conflitos da e na escola13,
identificar fatores que os desencadeiam e propor algumas reflexões. A título de
esclarecimento, os conflitos “da escola” são aqueles que têm a instituição como
fonte e os conflitos “na escola” são os que têm motivações externas a ela.

2.1 CONFLITOS DA ESCOLA

Um dos conflitos mais comuns da escola se refere às manifestações de


indisciplina, caracterizada como uma afronta direta às regras que são criadas por
gestores e professores. A indisciplina está diretamente relacionada à desobediência
de regras e se manifesta através de “desacato, rebeldia, intransigência,
questionamentos fora de hora, discordância, conversa, desatenção, bagunça,
agitação motora, falta de educação ou de respeito pelas autoridades” (VINHA, 2000,
p. 134). O seja, se refere aos comportamentos que perturbam o trabalho que o
professor pretende realizar no processo de ensino e de aprendizagem” (TREVISOL,
VIECELLI e BALESTRIN, 2011, p. 93). Para muitos professores, as situações de
indisciplina indicam mais do que a não obediência às regras, “significa muitas vezes
desobedecer às figuras que fazem a regra” (TOGNETTA, 2011, p. 135), inclusive o
próprio professor.

13
Grifos meus.

37
A indisciplina também se manifesta quando os alunos usam celular na aula,
teimam em não usar o uniforme, usam boné, se negam a sentar no grupo ao qual
são indicados (TOGNETTA, 2005). Como pode-se perceber, o termo indisciplina é
utilizado para se referir a um conjunto de problemas grande e heterogêneo, “que
apresentam naturezas distintas, cuja compreensão e solução requerem leituras
sensíveis às suas especificidades” (GARCIA, 2013, p. 30). Trevisol, Viecelli e
Balestrin (2011) defendem que para compreender e buscar possíveis soluções para
as situações de indisciplina nas escolas, é necessário analisar os fatores (social,
institucional, familiar, interpessoal e/ou intrapessoal, afetiva, entre outros) que estão
na base do problema.
A indisciplina já foi considerada como uma demonstração da inadequação do
aluno em relação à escola. Hoje, entretanto, ela não pode deixar de ser analisada,
também, “como uma possível expressão da inadequação da própria escola, das
suas práticas, teorias, métodos e materiais” (GARCIA, 2013, p. 21). Assim, o
fenômeno da indisciplina que comumente é de responsabilidade somente do aluno,
deve ser redimensionado a partir da inserção e discussão de outros fatores que
afetam diretamente os comportamentos e/ou manifestações de indisciplina. Esses
fatores podem estar

a) Relacionados aos profissionais que atuam com o aluno no espaço da


sala de aula (Quando o professor se omite a exercer seu papel de educador.
Muitos profissionais da educação apresentam-se desmotivados,
desinteressados pelo processo educativo e pela sua condição de
aprendizes); b) Relacionados à escola (organização e exposição das regras
de funcionamento de forma autoritária e arbitrária); c) Relacionados à
família (quando se exime de oportunizar a construção da base moral, das
regras e limites) (TREVISOL, VIECELLI e BALESTRIN, 2011, p. 96).

É importante frisar que as manifestações de indisciplina atuam sobre as


condições necessárias para as aprendizagens coletivas afetando o desenvolvimento
da relação pedagógica e interferindo no processo de ensino-aprendizagem dos
saberes na escola (GARCIA, 2013). E, “na medida em que a indisciplina se torna
algo persistente, estaria exercendo uma força de dissolução das condições de
aprendizagem, um dos pilares de sustentação da própria finalidade da escola”
(GARCIA, 2013, p. 26). Dessa forma, como um elemento de desorganização das
relações pedagógicas ou como uma ruptura das regras que organizam o processo

38
pedagógico a indisciplina persistente “pode resultar em implicações de longo
alcance na formação dos alunos” (GARCIA, 2013, p. 27).
Diante de situações de indisciplina, “muitos docentes afirmam que se sentem
despreparados e inseguros para intervir de maneira mais construtiva, não se
considerando aptos para mediar os conflitos de forma a favorecer a aprendizagem
dos valores e das normas “(VINHA, 2013, p. 63). Dessa forma, utilizam “qualquer
estratégia que acreditam ser útil para conter o problema como, por exemplo, dar
notas baixas, ameaçar, punir, conversar, gritar, advertir, acusar, censurar, excluir, ou
mesmo ignorar” (VINHA et al, 2011, p. 267). Por não saberem como agir, pioram a
situação usando da “coerção e do autoritarismo, que podem levar o aluno/indivíduo
a não cumprir a ordem imposta, protestando com indisciplina à autoridade”
(TREVISOL, VIECELLI e BALESTRIN, 2011, p. 95). Em situações conflituosas, os
profissionais despreparados também correm o risco de apelar para a humilhação e
as ameaças com o objetivo de fazer com que os alunos cumpram as regras.
Em muitas situações, os professores passam a considerar que a resolução
das situações conflituosas entre os alunos não faz parte da sua função. Assim,
propõem intervenções externas para coibir a ocorrência dos conflitos e se utilizam
de imposições de soluções prontas como: “transferência do problema para a família
ou para um especialista; o incentivo à delação; a culpabilização; a admoestação; a
associação da obediência à regra ao temor da autoridade, ao medo da punição, da
censura e da perda do afeto” (VINHA, 2013, p. 64). Para a autora, esses “são
mecanismos de controle utilizados cotidianamente nas escolas, que parecem
“funcionar” temporariamente, mas que, além de reforçar a heteronomia 14, não raro,
agravam o problema” (VINHA, 2013, p. 67).
Essas formas de resolução dos conflitos remontam a escola tradicional que
enfatizava a “tranquilidade, o silêncio, a docilidade, a passividade das crianças que
não podiam se distrair dos exercícios passados pelo professor, nem fazer sombra à
sua palavra” (REGO, 1996, apud VINHA, 2000, p. 134). A disciplina era considerada
como “sinônimo de obediência e submissão, e a indisciplina, um confronto com a
figura de autoridade ou com a própria instituição (escola); ou seja, alunos contra

14
Segundo Piaget, a heteronomia é uma fase na qual há apenas o respeito à autoridade. Não há
consciência, nem reflexão, apenas obediência. O indivíduo obedece às normas por medo da punição.
Na ausência da autoridade ocorre a desordem, a indisciplina.

39
escola/professor. Figurava-se assim, um ato de desobediência à autoridade
instituída” (RAMOS, TOGNETTA, VINHA e MARIANO, 2011, p. 306). Importante
esclarecer que não está se debatendo “a necessidade ou não da disciplina, mas sim
o modelo de disciplina, tendo em vista que esta é inerente a todo processo
educacional” (JARES, 2008, p. 208)
Como se sabe, essas concepções e práticas sobre disciplina e indisciplina
permanecem na escola atual, o que se explica pela fragilidade da formação inicial e
continuada dos professores para lidar com essas questões (GARCIA, 2013;
TOGNETTA, 2013; TREVISOL, VIECELLI e BALESTRIN, 2011). Dessa forma, a
formação insuficiente dos professores caracteriza um dos conflitos da escola, pois
os profissionais que deveriam intervir nos conflitos para garantir um ambiente
favorável à aprendizagem não são preparados para tal. Garcia (2013) salienta que
embora se fale em reforma educacional há anos, os cursos de licenciatura ainda não
avançaram na formação de professores que precisam de “preparo para atuar no
cotidiano escolar, em meio aos conflitos, violências e indisciplinas” (GARCIA, 2013,
p. 30).
Para Tognetta (2011), a escola precisa discutir e procurar caminhos para
resolver os problemas que tem com os alunos, e eles precisam se sentir respeitados
quando convidados a reparar seus erros, a assumir suas responsabilidades, a dizer
o que pensam e sentem com os envolvidos em um conflito. Mas, infelizmente, os
cursos de graduação não ensinam como atuar nesse sentido. Considerando os
apontamentos de Neira (2010), seguramente não se pode incluir quase nada sobre
reflexões de mecanismos de violências escolares, estudos sobre prevenção de
violências e educação para a paz, temas que ainda são muito remotos nos
currículos de formação de professores de maneira geral e na Educação Física. De
acordo com Finck e Salles Filho (2012, p. 112),

esse é um aspecto que limita os professores em relação à elaboração de


leituras mais profundas sobre as comunidades nas quais estarão inseridos,
em que a maioria acaba ficando no senso comum de reclamar dos
‘problemas’, criando também um despertencimento sobre sua função social
enquanto educador, faltando, muitas vezes, um olhar mais ampliado sobre
os conhecimentos da área e suas potencialidades.

40
É evidente a ausência de discussões mais profundas e de perspectivas mais
concretas em relação à formação no trato pedagógico de alguns temas, como os
conflitos no contexto escolar. Há muito tempo se discute sobre a formação dos
professores, sem que nenhuma medida pontual tenha sido tomada para melhorá-la.
O ensino ainda continua conteudista com ênfase na identificação e na repetição de
informações apresentadas, sem produção de conhecimento significativo. Segundo
Forteski (2013), a falha na atuação dos docentes acontece porque eles não recebem
uma preparação profissional suficiente e adequada e acabam reproduzindo as
metodologias que eles mesmos vivenciaram quando foram ensinados.
Tognetta (2013) é categórica ao afirmar a escola poderia evitar problemas
futuros se entendesse o que pensam as crianças, “como passam a conhecer um
novo objeto de estudo, como precisam ser ouvidas e como constroem os valores
através da convivência entre iguais, de trabalhos em grupo e de resolução de
problemas com quem é de direito” (TOGNETTA, 2013, p. 46). Ainda segundo a
autora, a boa intenção existe, mas não é o suficiente, pois os professores acabam
educando moralmente de maneira intuitiva e improvisada, pautando suas
intervenções principalmente no senso comum ou em suas próprias experiências.
Segundo Tognetta (2011), se os profissionais da educação tiverem formação
adequada poderão perceber as situações conflituosas como oportunidades de
aprender a conviver. Sabe-se que o trabalho dos professores é bastante complexo e,
por isso mesmo, eles precisam de apoio para reestruturar uma atuação pedagógica
que esteja de acordo com as novas demandas sociais e educacionais. Ramos,
Tognetta, Vinha e Mariano (2011) sugerem que o professor considere alguns
aspectos que são essenciais para uma atuação mais efetiva. Dentre eles, estão:
tomar consciência do que faz ou pensa a respeito de sua prática pedagógica; ter
uma visão crítica das atividades, dos procedimentos na sala de aula e dos valores
culturais de sua função docente; conhecer de fato os conteúdos escolares aos quais
se destina a ensinar; conhecer as características do desenvolvimento e da
aprendizagem de seus alunos; valorizar sua prática analisando-a criticamente
buscando aperfeiçoá-la.
Ao professor também é indicado

41
(…) não abandonar o perfil de aprendiz, buscar formação continuada,
compreender como o alunos aprendem do ponto de vista teórico-prático e, a
partir dessa compreensão, planejar as aulas, preparando-se com relação ao
conteúdo a ser ensinado para se sentir seguro no encaminhamento das
atividades desenvolvidas; diversificando os recursos metodológicos
utilizados, pois interagimos com alunos conectados ao mundo por diferentes
redes e ferramentas, assim, somente a lousa e o giz não possibilitam o
despertar do interesse pelo aprendizado dos conteúdos e dos saberes
escolares (TREVISOL, VIECELLI e BALESTRIN, 2011, p. 112).

Considerando que a formação de professores é a prioridade na educação


brasileira no início do século XXI, se faz necessária uma profunda reflexão e
proposição de mudança no conteúdo e desenho da educação superior de
professores para a educação básica. De acordo com Mello (2000), são necessárias
competências que incluem uma formação baseada na diversidade curricular que
atenda a complexidade cultural, social e econômica do país. Pois, “ensinar é uma
atividade relacional, ou seja, para coexistir, comunicar, trabalhar com os outros, é
necessário enfrentar a diferença e o conflito” (MELLO, 2000, p. 104).
O despreparo dos profissionais da educação também desencadeia outro tipo
de conflito da escola: a transferência do problema para a família. A esse respeito,
Leme (2011) afirma que, quando os profissionais da escola culpam o aluno ou a
família pelos conflitos, buscam se eximir de qualquer participação e solução dos
mesmos e isentar total ou parcialmente a responsabilidade da instituição. Na
verdade, ocorrem acusações mútuas, pois ambas as partes (família e escola)
delegam à outra a responsabilidade sobre o comportamento dos alunos na escola, o
que aumenta a desconfiança entre as duas instituições (JARES, 2008). Essa crise
foi percebida há muito tempo quando as transformações sociais exigiram novas
rotinas familiares que influenciaram na educação das crianças e acarretaram a
perda de boa “parte das normas básicas de convivência, o que antigamente se
chamava boas práticas de educação ou de civilidade” (JARES, 2008, p. 31).
Não se trata de tirar das famílias a responsabilidade pela formação de
meninos e meninas, mas de pontuar como inconsistentes “os nossos discursos de
que a culpa ou a responsabilidade15 por educar moralmente nossos meninos e
meninas é só da família” (TOGNETTA, 2011, p. 154). La Taille (2009, p. 232)
corrobora com tal afirmação acrescentando que “não há razão para se afirmar que a

15
Grifos da autora.

42
educação moral não é atribuição da escola (se não for, nem a formação de cidadãos
seria)”. Mas, o que a educação moral tem a ver com a indisciplina? Segundo alguns
autores (PIAGET, 1994; LA TAILLE, 2009; TOGNETTA, 2011; VINHA, 2013), a
educação moral e a indisciplina estão intrinsecamente relacionadas, mas esse tema
será abordado mais adiante ainda neste capítulo.

2.2 CONFLITOS NA ESCOLA

Como conflitos na escola, pode-se citar as incivilidades que, a grosso modo,


seriam manifestações de indisciplina que não têm relação com as regras impostas
pela escola. De acordo com Tognetta (2005), são exemplos de incivilidades: a falta
de respeito com os colegas e profissionais da escola, a falta de polidez e de boa
educação em pedir desculpas, pedir licença e ser gentil, pequenas infrações,
agressões e insultos. Ou seja, as incivilidades são comportamentos que contrariam
hábitos e costumes necessários para uma convivência harmoniosa em sociedade e
que são comumente ensinados pela família e reforçados pela educação formal.
Preconceito, discriminação e bullying16, que muitas vezes estão relacionados,
também são conflitos na escola e sua propagação no contexto escolar tem
preocupado a comunidade escolar. Esses três tipos de conflitos implicam sempre
uma relação social e surgem como uma forma de desvalorização da identidade do
outro. “Assim, são as formas mais agressivas de se relacionar com o semelhante e
são os meios mais eficazes de exclusão e, portanto, de violência, porque a diferença
é considerada desigualdade e não diversidade” (CAMACHO, 2001 apud
KAWASHIMA e MARTINS, 2011, p. 61).
Infelizmente, essas formas de violência quase sempre passam despercebidas
e/ou confundidas com indisciplina ou brincadeira. São consideradas “menos grave
porque não trazem consequências visíveis, não machucam o corpo e os danos são
geralmente psicológicos e/ou morais” (KAWASHIMA e MARTINS, 2011, p. 59). Além
disso, mesmo que percebidos, essas situações são resolvidas com medidas que
16
A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando
há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também
inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/34487>. Acesso em: 20 de set. 2019.

43
buscam apenas suprimir os conflitos, expondo os protagonistas a um contato diário
e permanente com conflitos latentes (CHRISPINO, BERNARDES, ALDENUCCI e
MEURER, 2019). Dessa forma, essas violências permanecem disfarçadas atingindo
a autoestima e a condição sócio-moral daqueles que as sofrem. Na verdade,
bullying, preconceito e discriminação são conflitos que se originam na falta de
respeito e no não reconhecimento do outro como um indivíduo. O outro recebe
sempre um olhar desumanizado que o torna “merecedor” de todo e qualquer insulto
(TOGNETTA, 2013).
De acordo com Tognetta (2011, p. 149), “é preciso trabalhar com os
sentimentos desses meninos e meninas que pouco se sensibilizam com os outros”
para que eles reconheçam a injustiça nessas situações. Na verdade, tanto os
autores como os alvos17 de bullying, discriminação e preconceito “carecem de um
mal18 cujo remédio também é de responsabilidade da escola: carecem de
sensibilidade moral, uma espécie de capacidade de sair de si, do ponto de vista
cognitivo e afetivo para ver o outro como um sujeito digno de respeito” (TOGNETTA,
2011, p. 141). E, nesse ponto, emerge novamente o aspecto da educação moral,
que, como visto anteriormente, é responsabilidade tanto da família quanto da escola.
Como foi visto, infelizmente ainda existem muitas divergências e desconfiança
entre essas duas instituições (Jares, 2008). A escola é acusada de não responder às
expectativas nela depositadas pela sociedade” (CHRISPINO e CHRISPINO, 2011),
enquanto a família é acusada de não educar e nem dar limites aos filhos. Mas, pelas
razões já expostas, é necessário que todos os envolvidos busquem adequação de
atitudes e posicionamentos para alcançar a tão almejada convivência harmoniosa.
Ou seja, “a família e a escola devem romper a dinâmica destrutiva das acusações
mútuas e fomentar laços de co-responsabilidade na educação dos estudantes”
(JARES, 2008, p. 205).
Partindo do pressuposto de que a educação é um processo conjunto, todos
os envolvidos (alunos, pais, professores e demais profissionais) têm
responsabilidades que devem ser cumpridas para que os objetivos educacionais
17
Expressões sugeridas por Tognetta (2013) em substituição às palavras agressor e vítima,
respectivamente. Segundo a autora, os termos sugeridos são mais adequados para que os
envolvidos reconheçam e aceitem as responsabilidades que cada um deve assumir no contexto do
conflito.
18
Grifo da autora.

44
sejam alcançados. É importante salientar a importância do termo correto a ser
utilizado no trato de questões conflituosas. Deve-se usar sempre o termo
responsabilidade, que se refere à obrigatoriedade moral de responder pelos próprios
atos19; e evitar o termo “culpa”, que se refere a atos repreensíveis ou criminosos 20.
Assim, a família e a escola são as maiores responsáveis (mas não culpadas!) e,
também, as partes que mais necessitam de equilíbrio perante os conflitos. São elas
que devem primar pelo exercício de suas funções e buscar meios de assegurar uma
educação integral efetiva para as crianças (JARES, 2005).
De acordo com Jares (2008), as famílias precisam ensinar a seus filhos que
cada direito vem acompanhado de um dever; devem colocar limites; devem exercer
a função de pais. Ainda segundo o autor, os pais devem estar atentos em relação à
educação dos filhos, pois “nada é tão perigosamente fácil quanto renunciar!”
(JARES, 2008, p. 212). Quanto à escola, além de reconhecer a sua
responsabilidade (LEME, 2011), precisa tomar iniciativas efetivas para solucionar os
conflitos e transformar as relações educativas “a partir de visões e práticas
pedagógicas que proporcionem um ambiente de convivência e aprendizagem que
atenda as necessidades autênticas dos sujeitos que ali estão” (GARCIA, 2013, p.
19).
Vale lembrar que procurar culpados não ajuda a progredir na busca por
soluções. “O culpado, inexoravelmente, é o outro” (CHRISPINO e CHRISPINO,
2011, p. 16). A escola deve assumir seu papel diante das novas demandas, diante
do diferente e da diversidade (CHRISPINO e CHRISPINO, 2011) e a família precisa
cumprir o “seu papel de acompanhamento e de controle“ (TREVISOL, VIECELLI e
BALESTRIN, 2011, p. 100). Considerando-se que os conflitos na e da escola são
problemas de cunho psicológico e/ou moral, escola e família devem assumir as
responsabilidades que lhes cabem e atuar incansavelmente para a construção e a
manutenção de valores éticos e morais, “porque ética é vacina e não remédio”
(TOGNETTA, 2013, p. 55).

19
Significado disponível em <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/responsabilidade/>. Acesso em 26 de jan. 2020.
20
Significado disponível em <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/culpa/>. Acesso em 26 de jan. 2020.

45
2.3 REFLEXÕES À LUZ DA FILOSOFIA E DA PSICOLOGIA

A partir deste ponto, serão colocadas algumas considerações de autores


(PIAGET, 1994; LA TAILLE, 2009; TOGNETTA, 2011; VINHA, 2013) que podem
servir de reflexão e orientação para professores, pais e comunidade em geral. Para
início de conversa, é importante esclarecer que os autores supracitados defendem a
educação ética e moral para o enfrentamento dos conflitos na escola. Para eles,
esses são valores devem ser ensinados pela família, mas também devem ser
conteúdos a serem ensinados ou melhor “praticados” na escola. La Taille (2009, p.
236) questiona, inclusive se “a presença desses conflitos, que minam as relações
sociais e prejudicam o ensino, não seria, em parte, decorrência do silêncio da escola
em matéria de educação moral”.
Mas o que a moral e a ética têm a ver com os comportamentos conflituosos
dos escolares? Antes de mais nada, é necessário buscar definir esses dois termos. A
ética se refere ao estudo filosófico da moral, que é o conjunto das normas aceitas de
forma livre e consciente que regula a conduta individual e social das pessoas. Por
moral, consideramos então, toda ação realizada por qualquer sujeito, orientada por
certos critérios – os chamados valores morais – e que por consequências sociais
pode ser julgada a partir destas (VÁSQUEZ, 1993, apud TARDELI e PASQUALINI,
2011, p. 194). A ética é “a busca por uma vida boa, com e para o outro em
instituições justas”, trabalhar com o tema da ética é trabalhar com as relações entre
as pessoas e ajudá-las a encontrar a dignidade nas relações que estabelecem
(RICOEUR, 1993, apud TOGNETTA, 2013, p. 54). Assim, moral e ética se
configuram como princípios fundamentais para assegurar a boa convivência.
Piaget, um dos teóricos mais importantes da área da educação é o autor do
livro O Juízo Moral na Criança que é considerado um marco na história da reflexão
humana sobre a moralidade. Segundo os estudos desse autor, o desenvolvimento
da moral se dá em duas fases: heteronomia e autonomia. “O sujeito heterônomo é
aquele que é governado pelos outros”. Depende deles e “de regras externas para
julgar sobre situações e para decidir sobre as ações necessárias. O sujeito
autônomo é aquele que constrói o autogoverno” e que “é capaz de julgar todas as
dimensões relevantes de uma situação a fim de decidir sobre as ações necessárias

46
ao bem estar da maioria” (TARDELI e PASQUALINI, 2011, p. 240). Segundo os
autores, a fase da heteronomia vai até os 8 anos, aproximadamente, e é marcada
pelo egocentrismo que impede a criança de pensar de forma recíproca e de
conservar valores morais. Na sequência, vem a fase da autonomia que se estende
pela vida toda e é caracterizada por um conjunto de noções morais complementares
e coerentes necessárias para a vida em sociedade.
Na fase da heteronomia, as regras morais que as crianças aprendem a seguir
e a respeitar são transmitidas por adultos aos quais elas atribuem legitimidade,
confiança, autoridade. Os adultos (pais, avós, professores, entre outros) “possuem o
compromisso de auxiliá-las no acesso ao conjunto de regras sociais e morais que
norteiam o agir das pessoas, e de ajudá-las a compreender o conteúdo, o sentido e
a importância de usá-las como princípio de vida” (TREVISOL, VIECELLI e
BALESTRIN, 2011, p. 95). Assim, é a autoridade (adultos que lhes são de confiança)
que insere a criança no mundo da moral, que sabe, portanto, os princípios dos quais
não se abre mão (PIAGET, 1994).
Pode-se dizer que “as crianças não nascem detentoras do conjunto de
conhecimentos sociais, éticos e morais necessários para viver em sociedade” e que,
por isso, “necessitam construí-los, apropriar-se deles, vivenciá-los e, principalmente,
atribuir valor a eles, desde a mais tenra idade, em sua família” (TREVISOL,
VIECELLI e BALESTRIN, 2011, p. 99). Quando as crianças iniciam a fase de
escolarização, a escola deve atuar como uma extensão do ensino desses
conhecimentos. A família e a escola também devem estar atentas para a mudança
das fases da heteronomia para a autonomia, pois é necessária uma mudança de
postura diante da fase autônoma.
Enquanto na fase heterônoma as crianças aceitam “obedecer às ordens das
pessoas que detêm a autoridade” (VINHA, 2013, p. 67), na fase autônoma
“respeitam as regras porque acreditam na necessidade de que elas sirvam para o
bem de todos os envolvidos” (KAWASHIMA e MARTINS, 2011, p. 81). Para que as
crianças atinjam a fase da autonomia, é necessário um

(…) processo educativo, familiar, escolar que oportunize a criança/aluno o


acesso às regras, a sua compreensão e que, a partir desses
encaminhamentos, esses sujeitos possam “elaborar uma disciplina”, cuja
necessidade é a descoberta na própria ação, ao invés de ser recebida

47
inteiramente pronta antes que possa ser compreendida (TREVISOL,
VIECELLI e BALESTRIN, 2011, p. 96).

Para Piaget (1994), as duas fases são definidas por dois tipos de moral: a
coação moral que resulta na heteronomia21 e a cooperação, que resulta na
autonomia22. A coação moral é caracterizada pelo respeito unilateral e pela grande
influência do adulto, pois, na fase da heteronomia “toda ordem ou regra partindo do
adulto constitui um dever moral” (KAWASHIMA e MARTINS, 2011, p. 67). A
cooperação é caracterizada pelo respeito mútuo que define uma relação de
reciprocidade e de respeito ao próximo e a si mesmo. Desse modo, a convivência
pautada na cooperação e, consequentemente, na autonomia deve ser almejada,
pois “é essa moral que conduz, no campo da justiça, ao desenvolvimento da
igualdade” (PIAGET, 1994, p. 243).
Em outras palavras, se “quisermos que nossos alunos desenvolvam valores
morais e éticos, “é preciso cuidar do ambiente em que vivem”, pois esses valores
“que tanto desejamos não são transmitidos e sim construídos, são vividos na
experiência dos conflitos cotidianos em que se pode pensar sobre os problemas”
(TOGNETTA, 2013, p. 55). Delval & Enesco (1994) apud Vinha (2000) corroboram
com tal afirmação sustentando que “a moralidade é resultante das interações ou
relações estabelecidas pelo sujeito com todos esses ambientes”, pois, “um dos
principais fatores que promove o desenvolvimento moral, é o tipo de experiências
que vive cada indivíduo (papel do sujeito) e, em concreto (e também em que os
educadores podem atuar), a atmosfera moral de seu círculo familiar, escolar e social,
em geral” (DELVAL & ENESCO, 1994, apud VINHA, 2000, p. 141).
Diante do exposto, pode-se perceber a importância de familiares e
profissionais da educação na vida das crianças e adolescentes, já que é o adulto
que insere as novas gerações no mundo da moral (PIAGET, 1994 e LA TAILLE,
2009). “É, portanto, da autoridade (pais e professores), conhecedora desses
aspectos do desenvolvimento moral que se espera uma ação profícua na
organização de um ambiente cujas relações sejam pautadas não pelo respeito

21
Fase do processo de desenvolvimento moral em que a regra está no outro. É necessária a
presença e a ameaça da autoridade para que a regra seja cumprida (Piaget, 1994).
22
Fase do processo de desenvolvimento moral em que a compreensão das regras permite o
gerenciamento delas, sem obediência baseada no medo, mas ao respeito à regra (Piaget, 1994).

48
sinônimo de obediência, e sim pela confiança” (TOGNETTA, 2011, p. 153). Ou seja,
a qualidade do ambiente sócio-moral é um aspecto fundamental para o
desenvolvimento da autonomia das crianças e adolescentes e é função da família e
da escola (PIAGET, 1994; LA TAILLE, 2009; TOGNETTA, 2011; TARDELI e
PASQUALINI, 2011).
É importante que tenha ficado claro que familiares e profissionais da
educação devem respeitar os espaços uns dos outros na educação das crianças e
adolescentes. As famílias devem respeitar o princípio de autoridade do professorado
(JARES, 2008), assim como a escola deve respeitar e valorizar o esforço dos
familiares na condução da educação informal. Esse é um ponto importante para que
a escola e pais e/ou responsáveis possibilitem o suporte para a vivência das regras
sociais e morais e dos valores (TREVISOL, VIECELLI e BALESTRIN, 2011, p. 109)
necessários para a manutenção de uma convivência harmoniosa.

2.4 CONFLITOS E EMOÇÕES

Como já relatado, os conflitos têm sido uma constante nas escolas e são as
principais dificuldades enfrentadas pelos profissionais da educação. Os esforços
empreendidos até agora para resistir aos avanços dos comportamentos agressivos
não têm surtido o efeito esperado e as manifestações conflituosas seguem
comprometendo a condução do trabalho pedagógico. Diante disso, é necessário
tomar medidas que tornem o ambiente mais favorável à aprendizagem, o que pode
ser alcançado com a identificação e a compreensão de alguns fatores que
desencadeiam os comportamentos conflituosos; e a intervenção positiva em relação
aos conflitos. Tais atitudes podem facilitar a relação professor-aluno, minimizar a
ocorrência dos conflitos e diminuir as barreiras existentes entre as partes envolvidas.
Como visto no capítulo 1, algumas iniciativas já foram tomadas para inibir a
escalada dos conflitos. Uma delas se refere à mediação de conflitos no contexto
escolar que começou quando o Poder Judiciário passou a oferecer técnicas
restaurativas de solução de conflito em salas de aula a partir de 1998 para promover
a paz nos ambientes escolares do país. Outra se refere ao Programa Saúde na

49
Escola (PSE), instituído em 2007, cuja abordagem inclui ações voltadas para a
Promoção da Cultura de Paz e Prevenção das Violências. Na sua maioria, as
propostas de mediação de conflitos já implementadas são abordadas como tema
transversal, ou seja, são trabalhadas paralelamente aos conteúdos escolares. Em
algumas escolas, as propostas são apresentadas em forma de projeto e realizadas
no contra-turno.
Desde a implementação das propostas de mediação de conflitos no contexto
escolar, em 1998, várias estratégias e técnicas foram empregadas. Dentre as mais
assertivas e eficientes na resolução de conflitos estão as estratégias das práticas
restaurativas e das assembleias de classe, e a técnica de diálogo da Comunicação
Não-Violenta (CNV). Como visto anteriormente, essas práticas seguem uma espécie
de roteiros ou etapas que exigem conhecimento por parte do mediador para intervir
de forma produtiva. Mas também foi visto que as origens ou causas dos conflitos são
diversas e podem estar relacionadas às questões emocionais, morais e/ou éticas.
Assim, o mediador precisa de conhecimentos mais profundos e específicos das
áreas da filosofia e da psicologia para poder intervir positivamente. Dentre as
questões que suscitam maior empenho por parte do professor mediador, está o
manejo das emoções, tanto próprias quanto dos alunos.
“Da psicologia (do grego: psico = alma ou atividade mental e logia = estudo),
a mediação importa noções sobre o funcionamento psíquico mantendo-se atenta à
presença da emoção nos relacionamentos e na construção dos conflitos” (FRAGA,
MOSQUÉRA e MEYER, 2019, p. 148). As emoções afetam os comportamentos de
todas as pessoas levando-as, muitas vezes, a comportamentos inesperados. Por
isso, a mediação de conflitos no contexto escolar também deve considerar as
emoções como princípio norteador das ações. Elas precisam ser consideradas
sempre “para evitar bloqueios em relação aos avanços que possam ter sido
conquistados, bem como a construção de soluções de benefício mútuo” (FRAGA,
MOSQUÉRA e MEYER, 2019, p. 149).
Cuidando das emoções, a mediação possibilita a restauração da relação
interpessoal e social dos mediandos. Outro diferencial é que o manejo adequado
das emoções traz à mediação a possibilidade de propiciar experiências que incluam
a aceitação de diferentes sentimentos, bons e/ou ruins. Nas palavras de Carl Rogers

50
(1961) apud Fraga, Mosquéra e Meyer (2019, p. 149), ao ficar mais “à vontade com
as nossas emoções, inclusive com as negativas, a corrente de sentimentos positivos
flui com mais vigor. É como se, ao se permitir sentir dor, o indivíduo abrisse espaço
para uma experiência mais intensa de alegria”.
Oliveira (2017) corrobora com tal afirmação ao dizer que crianças e adultos
têm necessidade de serem vistos e ouvidos, pois buscam no outro a validação e a
explicação de suas próprias vivências interiores. Infelizmente, a rotina escolar
preenchida por disciplinas curriculares, conteúdos e afazeres didáticos e
burocráticos não comporta um espaço para que se fale de emoções. Oliveira (2017)
afirma que os alunos se sentem acolhidos na escola quando têm oportunidade de
falar sobre as situações que lhes causam ansiedade e estranhamento, como
dificuldades familiares, problemas de autoestima, etc. Ainda segundo o autor,

a desadaptação escolar e os problemas de aprendizagem e de


comportamento estão, em grande parte dos casos, associados a questões
emocionais; e não a aspectos cognitivos, como tradicionalmente
costumamos relacionar. Desse modo, ajudar o educando a entender e a
lidar com suas questões interiores ocasiona melhora no seu desempenho
escolar, assim como, melhora sua vinculação com a instituição escolar
(OLIVEIRA, 2017, p. 06).

Infelizmente, desde crianças, as pessoas aprendem que os conflitos são


negativos e que as emoções causadoras dos mesmos deveriam ser superadas,
escondidas e/ou ignoradas. Dessa forma, não é difícil entender por que a maioria
dos adultos, especificamente os professores, tem dificuldades em manejar as
emoções em sala de aula e fora dela. Para começar, o que seriam as emoções?
Segundo Goleman (2001, p. 303), a “emoção se refere a um sentimento e seus
pensamentos distintos, estados psicológicos e biológicos, e a uma gama de
tendências para agir”. Segundo o autor, as emoções podem ser divididas em
famílias básicas:

1) Ira: fúria, revolta, ressentimento, raiva, exasperação, indignação, vexame,


acrimônia, animosidade, aborrecimento, irritabilidade, hostilidade e, talvez
no extremo, ódio e violência patológicos.
2) Tristeza: sofrimento, mágoa, desânimo, desalento, melancolia,
autopiedade, solidão, desamparo, desespero e, quando patológica, severa
depressão.

51
3) Medo: ansiedade, apreensão, nervosismo, preocupação, cautela,
consternação, escrúpulo, inquietação, pavor, susto, terror; e, como
patologia, fobia e pânico.
4) Prazer: felicidade, alegria, contentamento, deleite, diversão, orgulho,
prazer sensual, emoção, arrebatamento, gratificação, satisfação, bom
humor, euforia, êxtase e, no extremo, mania.
5) Amor: aceitação, amizade, confiança, afinidade, dedicação, paixão,
adoração, ágape.
6) Surpresa: choque, espanto, pasmo, maravilha.
7) Nojo: desprezo, desdém, antipatia, aversão, repugnância, repulsa.
8) Vergonha: culpa, vexame, mágoa, remorso, humilhação, contrição
arrependimento e mortificação (GOLEMAN, 2001, p. 303-304).

As emoções e as suas causas não são fáceis de serem percebidas e/ou


identificadas. Segundo Rosenberg (2006), isso acontece porque as pessoas não
aprenderam a identificar e revelar suas emoções e, quando isso acontece, são
julgadas severamente. No contexto escolar não é diferente! Professores aprenderam
a suprimir, disfarçar e até ignorar suas próprias emoções e, por isso, têm
dificuldades em aceitar a expressão das emoções dos alunos e de ajudá-los a
entendê-las. A mediação e a gestão de conflitos passam, necessariamente, pela
gestão dos próprios conflitos originados por emoções não trabalhadas. Assim, para
desempenhar o papel de mediador de conflitos, o professor precisa ter clareza sobre
a resolução dos próprios conflitos seja qual for a natureza dos mesmos.
Os conflitos interpessoais são os mais complexos de se resolver, pois são
situações de interação social de confronto, desacordo, frustração que desencadeiam
“afetos negativos que podem ser resolvidos de maneira violenta ou pacífica,
dependendo, justamente, dos recursos cognitivos e afetivos dos envolvidos e dos
contextos sociais em que ocorrem” (FARIAS, 2007, p. 27). Assim, para ser um bom
mediador dos conflitos emocionais próprios e alheios, os professores precisam
buscar leituras, cursos e/ou qualificações para compreender os diversos aspectos
das emoções.
Para resolver tais conflitos é necessário rever a forma como cada um
aprendeu a lidar com as emoções. Segundo Goleman (2001, p. 229), “os padrões
emocionais aprendidos podem ser mudados”. Mas, para tanto, é necessário aceitar
a necessidade de mudança para buscar uma forma mais consciente de resolução de
conflitos e, consequentemente, conseguir viver em paz. Neste sentido Vinyamata
(2005, p. 28), diz que

52
aprender a viver em paz é, basicamente, um exercício de transformação, de
mudança, uma mudança significativa na percepção do “outro”, da vida em
sua integralidade, de valores, de transformação ética, de cultura de vida
cotidiana de relação consigo mesmo. São mudanças que ocorrem em
profundidade, nas convicções, nas emoções, nos sentimentos, nas
maneiras de sentir, de viver, nas atitudes, nos objetivos.

Diante do exposto, pode-se perceber que o manejo das emoções dentro ou


fora da sala de aula não é algo fácil, simples e rápido de se resolver. O caminho
mais curto para a modificação desse cenário passa pela formação, capacitação e/ou
qualificação dos professores para que aprendam a lidar com suas emoções e
ajudem os alunos a lidarem com as deles. Morgado e Oliveira (2009, p. 53) afirmam
que aprender a gerir e a resolver conflitos “ajuda a desenvolver a capacidade de
tomar decisões, de estabelecer e manter relações interpessoais, de utilizar as
emoções de forma adequada e de utilizar o pensamento crítico e criativo na
resolução de problemas”. Dessa forma, alunos que tiverem a orientação de
identificar e expressar suas emoções poderão encontrar outras formas de resolver
seus conflitos internos e externos.
O que se propõe, então, é uma espécie de alfabetização emocional que, de
acordo com Goleman (2001), implicará em um trabalho adicional para as escolas, já
que as famílias estão falhando em aspectos importantes da educação das crianças.
O autor alerta que “essa temerária tarefa exige duas grandes mudanças: que os
professores vão além de sua missão tradicional e que as pessoas na comunidade se
envolvam mais com as escolas” (GOLEMAN, 2001, p. 293). Nesse sentido, o
professor deve ser facilitador e mediador dos conflitos emocionais. Para Oliveira
(2007, p. 29),

o professor facilitador ao contrário do professor do modelo tradicional de


educação que tem a função de depositar as informações, preocupa-se com
a construção da autonomia de seus alunos propondo situações onde os
mesmos sejam capazes de chegar as suas próprias conclusões ao invés de
receber respostas prontas. O professor facilitador permite que os alunos
participem das decisões referentes a solução de seus conflitos.

53
CAPÍTULO 3 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

3.1 PECULIARIDADES DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Inegavelmente, a escola é um espaço de convivência, de diversidade e de


conflitos, e, por isso mesmo, é imprescindível que ela se organize em prol da coesão
social, da alfabetização para a diversidade de linguagens presentes na sociedade e
para a formação em valores básicos da convivência (JARES, 2007). Durante o
período que a criança permanece na escola, é comum a ocorrência de conflitos
originados pelas mais diversas causas, inclusive durante as aulas de Educação
Física. É justamente esse contexto diverso e conflituoso, onde as crianças
permanecem longo tempo, o responsável pela estruturação da maior parte da sua
vida social, cognitiva e motora (TOGNETTA, 2011). Partindo do fato de que o
professor participa dos conflitos, ora como participante, ora como observador,
também deve tomar para si a responsabilidade de buscar alternativas para tentar
resolver as situações conflituosas de forma pontual e contínua.
As aulas da disciplina proporcionam vivências da cultura corporal de forma
lúdica e prazerosa que desencadeiam uma série de emoções, e que reforçam os
laços de afetividade entre professores e alunos. Além dessas características, a
Educação Física “[…] possui conteúdos e objetivos próprios que incidem sobre o
ser/estar humano na sociedade com suas múltiplas dimensões, sejam elas físicas,
psicológicas, afetivas, culturais, morais ou sociais” (DE CONTI e PALMA, 2016, p.
239). Dessa forma, pode-se dizer que essa disciplina “no contexto escolar possui
uma particularidades em relação aos demais componentes curriculares”, por tratar-
se “de um componente que contribui para a formação do cidadão com instrumentos
e conhecimentos diferenciados daqueles chamados tradicionais no mundo escolar”
(BRASIL, 2006, p. 224).
Nas palavras de Finck e Salles Filho (2012), é possível que as ações
pedagógicas da Educação Física sejam direcionadas para a discussão e reflexão a
respeito de violências, conflitos e paz. Segundo os autores, não se trata de utopia,
mas de possibilidades viáveis para a construção e manutenção de práticas voltadas
para a mediação de conflitos interpessoais. Também não se trata de abandonar os

54
conteúdos que devem ser trabalhados pela disciplina. Como Jares (2002) e
Velázquez Callado (2004) sugerem, as propostas de pacificação do contexto escolar
devem ser trabalhadas como temas transversais, ou seja, devem ser abordados
juntamente com os conteúdos a serem trabalhados. Nesse sentido, cabe ao
professor promover reflexões e ações coletivas e consensuais em prol de uma
convivência pacífica.
Dadas as peculiaridades da Educação Física, essa disciplina tem plenas
condições para comportar um projeto de mediação de conflitos durante as aulas.
Para tanto, Velázquez Callado (2004, p. 51) defende que é preciso “(…) destacar
aqueles elementos que, por suas próprias características, são essenciais na área da
Educação Física (...)”. Assim, “(…) parece uma área privilegiada para trabalhar com
assuntos relacionados à regulação de conflitos, relações grupais, habilidades
sociais, etc. Os professores podem, por exemplo, localizar nos eixos temáticos da
cultura corporal de movimento as possibilidades de utilizá-los como instrumentos de
comunicação, expressão, lazer e cultura”.
De acordo com Finck e Salles Filho (2018) investimento na mediação dos
conflitos e na construção coletiva de regras possibilitaria maior autonomia,
favorecendo ações de não-violência e contribuindo assim para a ideia de uma
cultura de paz. Assim, haveria melhoria das convivências e relações interpessoais
poderiam evoluir para processos educacionais que potencializam o diálogo. Dessa
forma, mesmo que o professor de Educação Física aja sozinho na escola ao
implementar e desenvolver o projeto de mediação, as melhorias poderão ser
observadas por todos os demais professores, gestores e comunidade escolar como
um todo. Essas são apenas algumas ideias que demonstram o potencial da
disciplina para abordar a questão da mediação (FINCK e SALLES FILHO, 2018).
Como demonstrado, a Educação Física é dotada de várias características que
possibilitam a implementação de um trabalho voltado para a mediação de conflitos.
No caso das crianças e jovens, ela pode oferecer a vivência das técnicas de
mediação através da realização de jogos, dinâmicas e discussão de conflitos
cotidianos. E, assim, possibilitar que os alunos “exercitem, de forma lúdica, o
reconhecimento e a expressão positiva das emoções, o respeito, a escuta ativa, o
controle da impulsividade, o manejo da raiva, a comunicação eficaz, e outras

55
ferramentas de resolução criativa de problemas” (FRAGA, MOSQUÉRA e MEYER,
2019, p. 151).
Assim, o professor de Educação Física deverá atuar como um mediador, ou
seja, como um “facilitador” da comunicação entre os envolvidos nos conflitos para
que possam expressar-se, escutar-se, compreender-se e chegar a um acordo”
(MULLER, 2007, p. 152). É claro que para atuar como mediador, o professor precisa
de capacitação/qualificação para melhor conduzir o processo de mediação. Além
disso, deverá agir de acordo com os princípios de atuação, dentre os quais se
destacam:

1. Voluntariedade - A intervenção do mediador deve ser aceite pelas partes


em conflito. A decisão de partir para uma mediação por parte dos litigantes
deve, igualmente, ser um ato livre e voluntário.
2. Confidencialidade - As partes deverão cumprir com este dever mantendo
as sessões em segredo. A garantia de confidencialidade torna ambas as
partes do conflito mais disponíveis para se manifestarem acerca do conflito,
para exprimir a forma como o encaram e, por conseguinte, mais aptas para
propor alternativas de resolução.
3. Imparcialidade/ Neutralidade e Independência - O mediador deve manter-
se independente, tanto das partes como de qualquer outra instância
(MORGADO e OLIVEIRA, 2009, p. 49-50).

Importante ressaltar que a mediação não busca eliminar os conflitos das


relações pessoais, pois conviver em paz não significa ausência de conflitos. “[...] paz
nega a violência, não os conflitos, que fazem parte da vida”. (JARES, 2002, p. 132).
Entende-se que o conflito é inevitável à condição humana, “o conflito é o estado
natural do homem” (MENDEL, 1974, p. 13). O que se busca, então, é a construção
de uma cultura de paz alicerçada no respeito pela diferença e pela diversidade. Para
tanto, a educação para a paz visa o desenvolvimento de competências, como:
comunicação, construção do consenso e da sensibilidade à diversidade cultural, e
resolução alternativa de conflitos.
A educação em prol da pacificação requer uma abordagem voltada para o
desenvolvimento de valores, sendo preciso que o currículo escolar fomente e facilite
a capacidade de autocompreensão, de conscientização interpessoal e
aprendizagem comunicativa. Para se implementar um trabalho de resolução de
conflitos no contexto educativo através da mediação é necessário alterar os
comportamentos, as posturas diante dos eventos conflituosos e a comunicação

56
interpessoal. Desse modo, o sucesso de um projeto de mediação na escola depende
do envolvimento dos “atores” do contexto escolar (MORGADO e OLIVEIRA, 2009).
De acordo com as autoras,

a escola deve desenvolver um contexto de significação congruente com a


mediação. De pouco servirá que as crianças e os jovens estudantes sejam
sensibilizados e treinados para uma cultura de diálogo, de escuta e de
pacificação das relações interpessoais, se o discurso de educadores e
docentes for incoerente com esta postura (MORGADO e OLIVEIRA, 2009,
p. 50).

A mediação tem por base a convicção de que todos os envolvidos nos


conflitos são capazes de adquirir competências e desenvolver capacidades para a
resolução de problemas, de uma forma positiva e criativa, através do diálogo. De
acordo com Jares (2002) apud Morgado e Oliveira (2009, p. 49), o processo de
mediação deverá ter como objetivos:

1. favorecer e estimular a comunicação entre as partes em conflito, o que


traz consigo o controle das interações destrutivas;
2. levar a que ambas as partes compreendam o conflito de uma forma
global e não apenas a partir da sua própria perspectiva;
3. ajudar na análise das causas do conflito, fazendo com que as partes
separem os interesses dos sentimentos;
4. favorecer a conversão das diferenças em formas criativas de resolução
do conflito;
5. reparar, sempre que viável, as feridas emocionais que possam existir
entre as partes.

É importante partir do princípio de que desenvolver uma cultura de mediação


na escola implica a formação para a democracia, a cidadania, a educação para a
paz e os direitos humanos, a resolução pacífica dos conflitos, a prevenção da
violência e a criação de um clima saudável que favoreça uma boa convivência
escolar. O que está sendo sugerido é o trabalho de mediação transformadora que
modifique a forma como os alunos interpretam e/ou reagem ao mundo externo,
contribuindo, assim, para uma educação emocional que lhes oriente na resolução
dos conflitos. A resolução de conflitos “se trata de aprender a viver. Recuperar a
serenidade, planejar uma vida satisfatória de maneira integral, vencer dificuldades,
superar crises, conviver” (VINYAMATA, 2005, p. 22).

57
Importante salientar que há a orientação para que o processo de implantação
das assembleias seja decidido nos espaços democráticos já consolidados nas
escolas, como nos conselhos escolares ou nas coordenações pedagógicas.
Baseando-se no princípio de democracia no contexto escolar, os professores não
são obrigados a desenvolver a prática das assembleias. O ideal é que todos os
professores, mediante estudo e capacitação sobre o tema, decidam a favor. O que
ocorre na prática é que poucos professores aceitam o desafio e acabam atuando
sozinhos nas escolas. Dependendo dos resultados, esses professores podem atuar
como disseminadores da prática da assembleia e conquistar novos adeptos.
Segundo Araújo (2015) a baixa adesão se deve ao fato de a maioria dos
professores ainda preferir manter as relações autoritárias que garantem as
instâncias de poder institucionalizadas e consolidadas no contexto escolar. Mas essa
é uma questão a ser abordada oportunamente em outro estudo. Como foi dito, a não
participação da totalidade dos professores não impede a realização de um trabalho
voltado para a resolução de conflitos. O professor de Educação Física pode, por
exemplo, realizar um trabalho individual como foi desenvolvido neste estudo e, com
o tempo, apresentar aos demais professores os benefícios dessa prática. O
professor pode, também, auxiliar a escola na realização de eventos com a
comunidade escolar para abordar tópicos relevantes sobre a os conflitos do contexto
escolar e as formas de resolução.

3.1.1 Projeto Educação com Movimento

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) traz em


seu artigo 26, parágrafo terceiro que “a educação física, integrada à proposta
pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica”
(BRASIL, 1996). Embora essa lei disponha sobre a obrigatoriedade da Educação
Física na Educação Básica, nem todos os Estados e municípios a cumprem. Aqui no
Distrito Federal, a referida Lei é parcialmente cumprida por meio do Projeto
Educação com Movimento (PECM). Esse projeto se configura como uma
particularidade da Educação Física no Estado por contemplar o atendimento aos

58
alunos da Educação Infantil e do primeiro segmento do Ensino Fundamental (1º ao
5º ano).
O PECM foi idealizado em 2011 a partir de plenárias realizadas para
discussão do Currículo em Movimento da Educação Básica do Distrito Federal. Após
indicação dos professores de Atividades sobre a necessidade de inserção do
professor de Educação Física nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, foi
elaborada a primeira versão do Projeto (DISTRITO FEDERAL, 2018). Em 2012, o
Projeto Educação com Movimento já cumpria o seu objetivo de inserir
progressivamente o professor de Educação Física nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Nesse mesmo ano, o projeto foi aprimorado pela Gerência de
Educação Física e Desporto Escolar (GEFID), da Diretoria de Programas
Institucionais, Educação Física e Desporto Escolar (DIPEF), em parceria com as
Diretorias de Educação Infantil (DIINF) e de Ensino Fundamental (DIEF). Em 2014,
passou a atender, também, a Educação Infantil. Em 2018, foi sancionado como
Política Pública do Distrito Federal e espera-se que o PECM possa “contribuir com
os processos de ensino e aprendizagem dos estudantes, possibilitando uma
formação integral crítica e integrada ao Projeto Político-Pedagógico das unidades
escolares” (DISTRITO FEDERAL, 2018, p. 08).
De acordo com o Projeto Educação com Movimento aprovado em 2018, os
objetivos são:

Objetivo Geral
• Implantar e implementar projeto de educação denominado Educação com
Movimento na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
da rede pública de ensino do Distrito Federal, ampliando as experiências
corporais dos estudantes, mediante a intervenção pedagógica integrada e
interdisciplinar entre o professor de Atividades e o professor de Educação
Física na perspectiva da Educação Integral, conforme preconizado no
Currículo em Movimento da Educação Básica do Distrito Federal.

Objetivos Específicos
• Explorar os conteúdos da cultura corporal de movimento presentes na
Educação Física, tais como: o jogo, a brincadeira, o esporte, a luta, a
ginástica, a dança e conhecimentos sobre o corpo, integrando-os aos
objetivos, linguagens e conteúdos da Educação Infantil e dos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental;
• Estimular a interdisciplinaridade na intervenção pedagógica do professor
de Educação Física, por meio do planejamento e atuação integrada ao
trabalho do professor de Atividades, em consonância com o projeto político-
pedagógico da escola e com o Currículo em Movimento da Educação
Básica;

59
• Fortalecer o vínculo do estudante com a escola, considerando as
necessidades da criança de brincar, jogar e movimentar-se, utilizando as
estratégias didático-metodológicas da Educação Física na organização do
trabalho pedagógico da escola;
• Contribuir para a formação integral dos estudantes, por meio de
intervenções corporais pedagógicas exploratórias e reflexivas, com base em
valores, tais como: respeito às diferenças, companheirismo, fraternidade,
justiça, sustentabilidade, perseverança, responsabilidade, tolerância, dentre
outros, que constituem alicerces da vida em sociedade e do bem- -estar
social (DISTRITO FEDERAL, 2018, p. 09).

O referido documento sustenta que “a movimentação corporal é elemento


obrigatório da Educação Física para a aprendizagem dos seus conhecimentos que
abrangem, de maneira integrada, as dimensões cognitivas, motoras e sócio-afetivas”
(DISTRITO FEDERAL, 2018, p. 17). Para tanto, os professores devem atuar como
sujeitos mediadores do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes no
ambiente escolar. O profissional de Educação Física deverá ter uma participação
ativa nos espaços de coordenação pedagógica para buscar articulação entre os
pares, conhecimento sobre a avaliação dos processos de ensino e aprendizagem da
escola. Igualmente importante é a coordenação pedagógica conjunta entre o
professor de Educação Física e o professor de Atividades, pois possibilita a
interdisciplinaridade e a sistematização do planejamento das aulas de Educação
Física (DISTRITO FEDERAL, 2018).

3.2 CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA

Com base nas discussões já realizadas, uma proposta de mediação de


conflitos nas aulas de Educação Física deve abordar os conteúdos da disciplina e
aspectos filosóficos (valores) e psicológicos (emoções) que são imprescindíveis para
a manutenção de um ambiente sócio-moral adequado ao ensino e à aprendizagem.
De acordo com Velázquez Callado (2004), para formular uma proposta baseada
nesses moldes, é necessário procurar elementos e/ou conteúdos da cultura corporal
de movimento que são característicos e essenciais na área da Educação Física e
que podem servir de instrumentos para a mediação de conflitos.
Para tando, foi feita uma análise em documentos oficiais como os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Educação Física (BRASIL, 1998), a Base Nacional

60
Comum Curricular (BRASIL, 2018), o Currículo em Movimento do Distrito Federal
(DISTRITO FEDERAL, 2018a) e o Projeto Educação com Movimento (DISTRITO
FEDERAL, 2018b). É importante salientar que todos os documentos citados estão
de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96,
que estabelece a Educação Física como componente curricular obrigatório em toda
a Educação Básica (BRASIL, 1998).
Para facilitar na identificação dos elementos e/ou conteúdos da disciplina que
podem contribuir para a construção de uma proposta, foram levados em conta os
aspectos que poderiam contribuir para o desenvolvimento de uma convivência
pacífica. Observando os objetivos da Educação Física no Ensino Fundamental
propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física (PCNEF),
pode-se notar o que se relaciona à capacidade do aluno “participar de atividades
corporais (…) reconhecendo e respeitando características físicas e de desempenho
de si próprio e dos outros, sem discriminar por características pessoais, físicas,
sexuais ou sociais”. A seguir, outro objetivo complementa esse primeiro enfatizando
a importância de o aluno “adotar atitudes de respeito mútuo, dignidade e
solidariedade em situações lúdicas e esportivas, repudiando qualquer espécie de
violência” (BRASIL, 1998, p. 43).
Quanto aos conteúdos, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação
Física trazem uma classificação em três dimensões: conceituais, procedimentais e
atitudinais. Tal classificação permite que Educação Física não limite as
aprendizagens

(…) em seus fundamentos e técnicas (dimensão procedimental), mas inclui


também os seus valores subjacentes, ou seja, quais atitudes os alunos
devem ter nas e para as atividades corporais (dimensão atitudinal). E,
finalmente, busca garantir o direito do aluno de saber o porquê dele realizar
este ou aquele movimento, isto é, quais conceitos estão ligados àqueles
procedimentos (dimensão conceitual) (DARIDO, 2012, p. 55).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais também sugerem que “as atitudes, os


conceitos e os procedimentos dos conteúdos sejam trabalhados em toda a
dimensão da cultura corporal, envolvendo, assim, o conhecimento sobre o corpo,
esportes, jogos, lutas, ginásticas, atividades rítmicas e expressivas” (BRASIL, 1998,
p. 65). Na prática docente, os conteúdos das dimensões conceitual, atitudinal e

61
procedimental não são divididos, mas pode haver ênfases em determinadas
dimensões. A abordagem de uma proposta para trabalhar a mediação de conflitos
nas aulas de Educação Física deve enfatizar a dimensão atitudinal que, nas
palavras de Darido (2012, p. 62), se traduz em “saber ser”. Neste sentido, a BNCC
(Base Nacional Comum Curricular) enfatiza “a construção de valores relativos ao
respeito às diferenças e no combate aos preconceitos de qualquer natureza”
assegurando “a superação de estereótipos e preconceitos expressos nas práticas
corporais” (BRASIL, 2018, p. 221).
Em nível estadual, é importante considerar mais dois documentos que
orientam a prática pedagógica: o Currículo em Movimento do Distrito Federal
(DISTRITO FEDERAL, 2018a), que abrange todas as disciplinas de todos os níveis
da Educação Básica; e o Projeto Educação com Movimento (DISTRITO FEDERAL,
2018b), que abrange as Escolas de Educação Infantil e as Escolas Classes 23. Esse
último é específico do componente curricular da Educação Física. O Currículo em
Movimento reforça que “a Educação Física pode contribuir de maneira privilegiada
para a formação integral dos estudantes integrando as dimensões afetiva, cognitiva,
social e motora no trabalho com o corpo e com o movimento” (DISTRITO FEDERAL,
2018b, p. 109).
O documento citado também corrobora com os PCNs a respeito da
classificação dos conteúdos e afirma que “a organização do trabalho pedagógico de
Educação Física deve ainda buscar o equilíbrio entre objetivos e conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais, visando atender o desejado
desenvolvimento integral do estudante” (DISTRITO FEDERAL, 2018a, p. 112). O
Projeto Educação com Movimento também apregoa a “formação integral dos
estudantes, por meio de intervenções corporais pedagógicas exploratórias e
reflexivas” e detalha que as aulas de Educação Física devem ser pautadas em
valores como: “respeito às diferenças, companheirismo, fraternidade, justiça,
sustentabilidade, perseverança, responsabilidade, tolerância, dentre outros, que
constituem alicerces da vida em sociedade e do bem-estar social” (DISTRITO
FEDERAL, 2018b, p. 09).

23
Denominação utilizada no Distrito Federal para se referir às escolas que atendem alunos das
séries iniciais (1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental.

62
Os elementos observados na análise dos documentos oficiais podem ser
abordados no desenvolvimento de qualquer conteúdo da Educação Física. Porém,
os jogos, especificamente os jogos cooperativos, são considerados os mais
indicados dadas as suas atratividade (FRIEDMANN, 1996; VELÁZQUEZ CALLADO,
2004) e funções. De acordo com Soler (2011) e Brotto (2013), esses jogos servem
para desenvolver as habilidades físicas, afetivas, sociais e intelectuais; desenvolvem
a criatividade; permitem uma maior socialização e abrem novos canais de
comunicação. Friedmann (1996, p. 66-67) também defende a utilização dos jogos
afirmando que, por meio deles, são estabelecidas possibilidades variadas que
incentivam o desenvolvimento humano em suas diferentes dimensões, dentre as
quais:

1) Desenvolvimento da linguagem: até adquirir a facilidade da linguagem, o


jogo é o canal através do qual os pensamentos e os sentimentos são
comunicados pela criança.
2) Desenvolvimento cognitivo: o jogo dá acesso a um maior número de
informações, “tornando mais rico o conteúdo do pensamento infantil”
(Friedmann, 1996, p. 64). Também, ao jogar, a criança consolida habilidades
já adquiridas e pode praticá-las, de modo diferente, diante de novas
situações.
3) Desenvolvimento afetivo: o jogo é uma “janela” da vida emocional das
crianças. A oportunidade de a criança expressar seus afetos e emoções
através do jogo só é possível em um ambiente e espaço que facilitem a
expressão: é o adulto quem deve criar esse espaço.
4) Desenvolvimento físico-motor: a exploração do corpo e do espaço leva a
criança a se desenvolver. Piaget considera a ação psicomotora como a
precursora do pensamento representativo e do desenvolvimento cognitivo e
afirma que a interação da criança em ações motoras, visuais, táteis e
auditivas sobre os objetos do seu meio é essencial para o seu
desenvolvimento integral.
5) Desenvolvimento moral: as regras do exterior são adotadas como regras
da criança, quando ela constrói sua participação de forma voluntária, sem
pressões. A relação de confiança e respeito com o adulto ou com outras
crianças é o pano de fundo para o desenvolvimento da autonomia.

Entretanto, autores como Orlick (1989), Velázquez Callado (2004), Soler


(2011) e Brotto (2013) alertam sobre o tipo de jogo utilizado e sobre a necessidade
de intervenção por parte do professor para atingir os objetivos propostos pelo jogo. A
esse respeito, Brotto (2013, p. 41), afirma que é preciso refletir sobre “que tipo de
jogo nós necessitamos jogar atualmente, levando em conta o tipo de educação que
queremos e as habilidades de relacionamento que precisamos desenvolver”. O fato
é que, enquanto a cooperação colabora para “construir pontes que encurtem as

63
distâncias, diminuam as fronteiras e aproximem as pessoas umas das outras”
(BROTTO, 2013, p. 19), “a competição nos leva a ver os outros com desconfiança”
porque, “em situação de competição, somos menos capazes de ver as coisas a
partir da perspectiva do outro” (BROWN, 1994, p. 41 apud BROTTO, 2013, p. 50). A
intenção não é demonizar a competição, até porque, “competição e cooperação são
processos sociais e valores presentes no jogo, no esporte e na vida” (BROTTO,
2013, p. 42).
Dadas as suas características, os jogos cooperativos podem trazer
contribuições significativas para o desenvolvimento de uma proposta voltada para a
mediação de conflitos. Velázquez Callado (2004), Soler (2011) e Brotto (2013)
enfatizam a abordagem dos jogos cooperativos para auxiliar no desenvolvimento
pessoal e na convivência social. Para os autores, eles ajudam a enfrentar desafios,
solucionar problemas e harmonizar conflitos, potencializando a ludicidade, a
amizade e a autoconfiança. Diante das contribuições dos jogos cooperativos para a
construção de valores e para a mudança de comportamentos, é imprescindível que
a sua abordagem faça parte da proposta de mediação de conflitos.
Nos capítulos anteriores, foram descritas outras práticas que também buscam
o desenvolvimento de valores e a mudança de comportamentos: as assembleias
escolares. Pode-se perceber que essas reuniões constituem momentos bastante
oportunos e profícuos para a construção de valores almejados pela Educação
Física. Para Puig (1998), esses valores devem fazer parte da educação que,
segundo o autor, se compõe de instrução e formação. A primeira está relacionada à
aprendizagem de conhecimentos como leitura e escrita, dentre outros. A segunda se
refere à preparação dos alunos para se relacionarem melhor consigo mesmo, com
os outros e com as regras e normas de convivência social, constituindo assim, a
educação moral ou educação em valores. Para o autor, a prática das assembleias
está inserida em um contexto mais amplo e coerente de busca pela formação de
indivíduos autônomos e críticos, e de uma escola que almeja concretamente a
participação escolar e a democratização das relações.
Assim, as duas práticas citadas (jogos cooperativos e assembleias de classe)
se complementam e constituem a proposta de intervenção deste estudo para mediar
os conflitos nas aulas de Educação Física. A primeira caracteriza um conteúdo

64
específico da disciplina e a segunda propõe um momento específico para a
abordagem e resolução de conflitos. Ambas trazem como características principais o
diálogo assertivo e a participação de todos os envolvidos para buscar soluções. O
diálogo pautado na Comunicação Não-Violenta (CNV), cuja descrição se encontra
no capítulo 1, será a terceira prática a compor a referida proposta. Na verdade, as
duas primeiras serão permeadas pela última. A seguir, encontra-se uma breve, mas
necessária, explanação sobre essas práticas e suas origens.

3.2.1 Jogos cooperativos: origens e conceitos

Os jogos cooperativos são práticas muito antigas, pois já eram vivenciados


por povos ancestrais do Alasca, da Austrália, da África e da América do Norte que os
usavam para celebrar a vida. Aqui no Brasil, esses jogos também estão presentes
na cultura indígena (BROTTO, 2013). Como pode-se observar, os jogos
cooperativos fazem parte da história de alguns povos e ainda é praticado até os dias
de hoje. Eles surgiram em outras sociedades no século passado por causa da
“preocupação com a excessiva valorização dada ao individualismo e à competição
exacerbada existente na sociedade moderna, mais especificamente, na cultura
ocidental” (BROTTO, 2013, p. 61). No mundo ocidental, algumas pesquisas
começaram a ser feitas na década de 50 sobre o tema e alguns precursores se
destacaram.
Em 1950, Ted Lentz atuou no movimento de pesquisas para a paz e foi um
pioneiro na área dos jogos cooperativos. Em 1972, Jim e Ruth Deacove inventaram
jogos cooperativos inovadores que estimulam o espírito de cooperação e a ideia de
vencer em conjunto. Em 1974, David Earl Platts, Mary Inglis, Joy Drake e Alexis
Edwards desenvolveram um método para promover a confiança pessoal e grupal
através de jogos. Esse método influenciou os trabalhos de vários pesquisadores,
inclusive os de Terry Orlick. Em 1976, Marta Harrison e Andrew Fluegelman
publicaram livros com jogos cooperativos. Em 1978, Terry Orlick publicou o livro
“Winning through cooperation”, considerado como uma obra completa sobre os
jogos cooperativos e reconhecido mundialmente. Na década de 80, Xesús R. Jares

65
publicou inúmeras obras sobre jogos cooperativos e sua interface com a educação
para a paz. Nesse período, Guilhermo Brown publicou um livro com o mesmo tema
na América Latina. Em 1992, nos Estados Unidos, o Dr. Spencer Kagan publicou o
livro “Cooperative Learning”. No início dos anos 2000, Raul Omeñaca, Ernesto
Puyelo, Jesús Vicente e Carlos Velázquez Callado publicaram as suas obras na
Espanha (VELÁZQUEZ CALLADO, 2004; SOLER, 2011; BROTTO, 2013).
No Brasil, as ações em prol dos jogos cooperativos começaram em 1980.
Nesse ano, em Brasília, foi fundada a Escola das Nações que tinha como filosofia a
educação para a paz. Um dos seus principais pressupostos pedagógicos eram os
jogos cooperativos. Em 1988, a Universidade Espiritual Mundial Brahma Kumaris
apresentou um manual de atividades cooperativas para professores. Em 1989, a
Editora Círculo do Livro de São Paulo publicou o livro “Vencendo a competição”, de
Terry Orlick. Em 1991, os professores Fábio Brotto e Jofre Cabral de Menezes
ofereceram um programa semestral de jogos cooperativos no Centro de Práticas
Esportivas da USP (CEPEUSP), em São Paulo. Em 1992, Brotto criou o Projeto
Cooperação cujo foco era a difusão dos jogos cooperativos por meio de eventos e
publicações. Em 1994, Guilhermo Brown publicou o seu segundo livro no país:
“Jogos cooperativos: teoria e prática”. Em 1995, Brotto publicou seu primeiro livro:
“Se o importante é competir, o fundamental é cooperar”. Em 1996, o Projeto
Cooperação em parceria com Jim Deacove lançou os primeiros jogos cooperativos
de tabuleiro no Brasil. Em 2000, foi lançada a primeira Revista de Jogos
Cooperativos (SOLER, 2011; BROTTO, 2013).
Mas o que são os jogos cooperativos? “Jogos cooperativos são aqueles em
que os jogadores jogam uns com os outros e não mais contra os outros” (SOLER,
2011, p. 72). Para Brotto (2013, p. 43) “a cooperação é um processo em que os
objetivos são comuns, as ações são compartilhadas e os resultados são benéficos
para todos”. A proposta desses jogos é “diminuir a agressividade nos jogos e na
própria vida, promovendo em quem joga atitudes positivas, tais como: cooperação,
solidariedade, amizade e comunicação” (SOLER, 2011, p. 51). Além disso, os jogos
cooperativos podem promover “a autoestima e o desenvolvimento de habilidades
interpessoais positivas. Muitos deles são orientados para a prevenção de problemas
sociais, antes de se tornarem problemas reais” (BROTTO, 2013, p. 61).

66
De acordo com Soler (2011, p. 28), “os jogos cooperativos servem para se
viver, relaxar, aprender e, fundamentalmente, conectar-se com a essência da vida”.
A cooperação possibilita “a aceitação, ajuda mútua, divertimento, prazer, qualidade
de vida, enfim, criar possibilidades de mudanças”. Dessa forma, “o jogo cooperativo
é uma alternativa que pode ajudar a solucionar problemas e conflitos, pois está
diretamente relacionado com a comunicação, coesão, confiança e autoestima”
(SOLER, 2011, p. 51). Além disso, os jogos cooperativos favorecem várias atitudes
que são essenciais para o exercício da convivência:

1) evitam situações de exclusão;


2) diminuem as chances de experiências negativas;
3) favorecem o desenvolvimento das habilidades motoras e capacidades
físicas (universo psicomotor) de forma prazerosa;
4) estimulam um clima de alegria e descontração;
5) promovem o respeito e a valorização pelo diferente;
6) ensinam para além das regras e estruturas do jogo (SOLER, 2011, p. 54).

Brotto (2013) defende que os jogos cooperativos possuem muitos “aspectos


que os fazem ser uma das mais eficientes abordagens para promover o Exercício de
Convivência24, tão fundamental para o desenvolvimento pessoal e para a
transformação social por meio do jogo e do esporte” (BROTTO, 2013, p. 19). O
objetivo desses jogos é ajudar na construção de uma ética cooperativa, uma ética
para a convivência, que permita a aproximação entre as pessoas e que desenvolva
as competências humanas necessárias para a melhoria da qualidade de vida atual
e, fundamentalmente, para a vida das futuras gerações. Os três pilares dessa ética
são: respeito pelo outro; solidariedade com o outro; e cooperação com o outro”
(SOLER, 2011; BROTTO, 2013).
Os jogos cooperativos estão alinhados à educação necessária para uma
nova geração que, segundo relatório para a UNESCO da Comissão Internacional
sobre Educação para o século XXI (1999), deve ser holística e fundamentada em
quatro pilares fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser
e aprender a conviver.

Em primeiro lugar, Aprender a conhecer. Mas, considerando as rápidas


alterações suscitadas pelo progresso científico e as novas formas de
atividade econômica e social, é inevitável conciliar uma cultura geral,
24
Grifos do autor.

67
suficientemente ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade,
um reduzido número de assuntos. Essa cultura geral constitui, de algum
modo, o passaporte para uma educação permanente, à medida que fornece
o gosto, assim como as bases, para aprender ao longo da vida.
A seguir, Aprender a fazer. Além da aprendizagem continuada de uma
profissão, convém adquirir, de forma mais ampla, uma competência que
torne o indivíduo apto para enfrentar numerosas situações, algumas das
quais são imprevisíveis, além de facilitar o trabalho em equipe que,
atualmente, é uma dimensão negligenciada pelos métodos de ensino. Essa
competência e essas qualificações tornam-se, em numerosos casos, mais
acessíveis, se os alunos e os estudantes têm a possibilidade de se
submeter a testes e de se enriquecer, tomando parte em atividades
profissionais ou sociais, simultaneamente aos estudos. Essa é a justificativa
para atribuir um valor cada vez maior às diferentes formas possíveis de
alternância entre escola e trabalho.
Em terceiro lugar, Aprender a ser. No século XXI, todos nós seremos
obrigados a incrementar nossa capacidade de autonomia e de
discernimento, acompanhada pela consolidação da responsabilidade
pessoal na realização de um destino coletivo. E também, em decorrência de
outro imperativo sublinhado por esse relatório: não deixar inexplorado
nenhum dos talentos que, à semelhança de tesouros, estão soterrados no
interior de cada ser humano. Sem sermos exaustivos, podemos citar a
memória, o raciocínio, a imaginação, as capacidades físicas, o sentido
estético, a facilidade de comunicar-se com os outros, o carisma natural de
cada um... Eis o que confirma a necessidade de maior compreensão de si
mesmo.
Por fim, Aprender a conviver, pilar ao qual a Comissão conferiu relevância
sobre os demais. De acordo com o relatório, é fundamental desenvolver o
conhecimento a respeito dos outros, de sua história, tradições e
espiritualidade. E a partir daí, criar um novo espírito que, graças
precisamente a essa percepção de nossa crescente interdependência,
graças a uma análise compartilhada dos riscos e desafios do futuro,
conduza à realização de projetos comuns ou, então, a uma gestão
inteligente e apaziguadora dos inevitáveis conflitos. Eis algo que, para
alguns, pode parecer uma utopia que não deixa de ser necessária –
inclusive, vital – para sair do ciclo perigoso alimentado pelo cinismo ou pela
resignação (DELORS, 2010, p. 13-14).

Uma educação pautada nesses pilares precisa adaptar-se continuamente às


mudanças da sociedade sem ignorar as vivências, as experiências e os saberes
construídos pelos povos. O ser humano por ser diverso, ou seja, por cada um ter
suas próprias características, sejam elas físicas, culturais, cognitivas, afetivas etc, se
torna rico em aprendizagens a serem compartilhadas. “A grande sacada é valorizar e
respeitar essas diferenças (…), pois só podemos trocar algo com quem é diferente
de nós” (SOLER, 2011, p. 105). Esse processo de trocas fortalece os vínculos entre
as pessoas e configura uma “aprendizagem compartilhada, ocorrendo em uma
situação dinâmica de coeducação e cooperação, na qual todos são,
simultaneamente, professores-e-alunos” (BROTTO, 2013, p. 20).

68
Muitas tentativas já foram feitas para modificar e melhorar as relações
interpessoais no contexto escolar, mas foram infrutíferas. Parte do fracasso se deve
ao fato de que as pessoas são resistentes à mudança, inclusive nos ambientes
educativos. De acordo com Soler (2011, p. 63), o que “precisamos fazer enquanto
educadores comprometidos com uma nova pedagogia é modificar o foco, tentando
criar um clima de cumplicidade, em que as pessoas possam perceber e descobrir o
outro”. Friedmann (1996), aponta algumas das principais características que a
escola deve ter para buscar as mudanças que tanto almeja:

1) ser um elemento de transformação da sociedade;


2) considerar as crianças como seres sociais e construtivos;
3) privilegiar o contexto socioeconômico e cultural;
4) reconhecer as diferenças entre as crianças;
5) considerar os valores e a bagagem que elas já têm;
6) propiciar a todas as crianças um desenvolvimento integral e dinâmico;
7) favorecer a construção e o acesso ao conhecimento;
8) valorizar a relação adulto/criança, caracterizada pelo respeito mútuo, pelo
afeto e pela confiança;
9) promover a autonomia, criticidade, criatividade, responsabilidade e
cooperação (FRIEDMANN, 1996, p. 54).

Até hoje, a escola tem se preocupado com o conhecimento acadêmico, com


rendimento e resultados. Como afirma Terry Orlick (1989, p. 19), “nós não
ensinamos nossas crianças a terem prazer em buscar o conhecimento, nós as
ensinamos a se esforçarem para conseguir notas altas”. Dessa forma, perde-se a
oportunidade de ensinar às crianças os valores humanos e a possibilidade de
experimentar o valor das outras pessoas. As crianças também perdem a
possibilidade de aprender e aperfeiçoar habilidades que são fundamentais para
superar crises e dificuldades, ou seja, que são imprescindíveis para a boa
convivência. Dentre essas habilidades estão: “solucionar problemas positivamente,
dialogar, desenvolver e valorizar as virtudes, descobrir potenciais, assumir
responsabilidades, sustentar um clima de bom humor, descontração e, ao mesmo
tempo, manter-se concentrado e flexível” (BROTTO, 2013, p. 50).
Nesse contexto, a Educação Física surge como um importante instrumento
que pode viabilizar a implementação de uma educação voltada para um caráter mais
humano. Sua principal vocação neste momento “é promover a co-aprendizagem e o
aperfeiçoamento de habilidades humanas essenciais, tais como: criatividade,

69
confiança mútua, autoestima, respeito e aceitação, paz-ciência25, espírito de grupo,
bom humor, compartilhar sucessos e fracassos (…)” (BROTTO, 2013, p. 51). Tais
objetivos só serão atingidos com o “desenvolvimento da cooperação como um
exercício de co-responsabilidade para o aprimoramento das relações humanas, em
todas as suas dimensões e nos mais diversificados contextos” (BROTTO, 2013, p.
55).
O principal desafio da Educação Física Escolar, portanto, é deixar de focar a
competição. Para os propósitos que a cooperação almeja, não faz sentido continuar
a ensinar os alunos a “vencer jogos” (BROTTO, 2013), eles precisam aprender a
gostar do jogo. A intenção não é demonizar a competição, até porque, de acordo
com Brotto (2013, p. 41) “cooperação e competição são aspectos de um mesmo
espectro que não se opõem, mas se compõem”. A questão é que “a competição é
um processo em que os objetivos são mutuamente exclusivos, as ações são
individualistas e somente alguns se beneficiam dos resultados” (BROTTO, 2013, p.
43). Para o trabalho que está sendo proposto, a cooperação é a mais adequada
porque permite “um processo de ensino-aprendizagem capaz de favorecer de fato o
Encontro ao invés do Confronto26” (BROTTO, 2013, p. 21).
Neste sentido, uma das principais contribuições da Educação Física Escolar é
a possibilidade de vivenciar, através dos jogos, valores que determinarão a
qualidade da convivência e do ambiente educativo. Importante relembrar que um
trabalho voltado para a educação de valores e virtudes humanas não pode ser algo
estanque e pontual, mas deve ser contínuo e permanente. De acordo com
Velázquez Callado (2004, p. 52) essa é a única forma de “desenvolver um novo tipo
de cultura, a cultura da paz, caracterizada por uma tríplice harmonia do ser humano
consigo mesmo (âmbito pessoal), com os demais (âmbito social) e com o meio
ambiente em que vive (âmbito ambiental)”. O autor propôs uma série de condutas
que os alunos devem manifestar e uma série de objetivos comportamentais
relacionados a essas condutas.

25
Grifos do autor.
26
Grifos do autor.

70
Âmbito pessoal Âmbito social Âmbito ambiental
Facilitar um maior Melhorar as relações de Respeitar o meio
conhecimento da própria grupo e criar um clima ambiente
personalidade positivo nas aulas
Favorecer nos alunos a Eliminar todo tipo de Preocupar-se com a
percepção das próprias discriminação por razões conservação e melhora
capacidades e limitações étnicas, de sexo, de do meio ambiente
condição social, etc.
Promover a autonomia na Promover processos de
hora da tomada de regulação autônoma dos
decisões e conflitos por meios não
responsabilidade violentos
Melhorar o auto-conceito de Favorecer o conhecimento,
todos e cada um dos respeito e valorização das
nossos alunos diferentes manifestações
culturais do mundo
(VELÁZQUEZ CALLADO, 2004, p. 53)

É importante ressaltar que os jogos cooperativos enfocam a construção e a


vivência de virtudes e valores. Assim, é importante que os professores saibam da
sua importância na educação, principalmente, na educação pautada em valores,
pois eles devem ser exemplos daquilo que apregoam. Como afirma Jares (2002, p.
217), o educador precisa demonstrar “coerência entre a forma de educar e a forma
de viver”. Além disso, de acordo com Friedmann (1996), o educador deve ter as
seguintes habilidades:

1) propor regras e leis, em vez de impô-las. Os alunos, ao elaborarem e


decidirem sobre as regras, exercitarão uma atividade política e moral;
2) possibilitar a troca de ideias para chegar a um acordo sobre as regras,
praticando a descentralização e a coordenação de pontos de vista;
3) dar responsabilidade para fazer cumprir as regras e inventar sanções e
soluções;
4) permitir julgar qual regra deverá ser aplicada;
5) fomentar o desenvolvimento da autonomia;
6) possibilitar ações físicas que motivem as crianças a serem mentalmente
ativas (FRIEDMANN, 1996, p. 74).

Além disso, para implementar uma proposta voltada para a cooperação, o


professor terá que resgatar, recriar e difundir os jogos cooperativos com “um
exercício de potencialização de valores e atitudes, capaz de favorecer o
desenvolvimento da sociedade humana como um todo integrado” (BROTTO, 2013,
p. 62). Ainda segundo o autor, a proposta não é promover “uma vida sem conflitos,

71
problemas e aspirações, mas, sim, uma comum-unidade27 real, com seres humanos
dispostos a lidar com conflitos e objetivos de um modo diferente” (BROTTO, 2013, p.
62). Se faz importante citar um alerta feito ainda na década de 1980: “se os padrões
das brincadeiras preparam as crianças para os seus papeis como adultos, então
será melhor nos certificamos de que os papeis para os quais elas estão sendo
preparadas sejam desejáveis” (ORLICK, 1989, p. 85).
Na prática, os jogos cooperativos funcionam como um importante instrumento
que melhora o aspecto socioafetivo das relações interpessoais porque o aluno tem a
oportunidade de conhecer mais sobre si, sobre os outros e sobre o ambiente que o
cerca. Eles configuram como o “componente afetivo e experimental” sugerido por
Jares (2002, p. 217) e têm a função de desenvolver conjuntamente a intuição e o
intelecto que possibilitam aos alunos “una más plena comprensión tanto de sí
mismos como de los demás, mediante la combinación de experiencias reales (por
oposición al estudio “clásico”) y del análisis” (UNESCO, 1983, p. 105).
Os jogos cooperativos também contam com algumas categorias que orientam
e facilitam o desenvolvimento das práticas de acordo com as características dos
alunos. Tais categorias, segundo Brotto (2013), foram propostas por Terry Orlick em
seu livro Vencendo a competição28. “Embora sejam apresentadas em separado,
essas categorias se relacionam de uma maneira interdependente, fazendo com que,
em uma mesma atividade ou situação, mais do que uma delas esteja sempre
presente” (BROTTO, 2013, p. 100-101).

CATEGORIAS CARACTERÍSTICAS
Jogos Jogos plenamente cooperativos, onde todos jogam para superar
cooperativos um desafio comum e pelo prazer de jogar. Nesta categoria, todos
sem os participantes fazem parte de um mesmo time e o resultado é
perdedores compartilhado. Jogam pelo prazer de continuar a jogar juntos.
Jogos de Jogos que permitem a existência de duas ou mais equipes, sem
resultado que haja competição entre ambas, pois os objetivos e resultados
coletivo são comuns, favorecendo a cooperação dentro de cada equipe e
entre as equipes. A motivação principal está em realizar objetivos
comuns, que necessitam do esforço coletivo para serem
alcançados.

27
Grifos do autor.
28
Livro publicado em São Paulo, pela editora Círculo do Livro, em 1989.

72
Jogos de Jogos onde os jogadores experimentam situações de troca entre as
inversão equipes, favorecendo a consciência de interdependência, respeito,
empatia, valorização dos parceiros de jogo e diminuição da
preocupação excessiva com o resultado. São tipos de inversão:
Rodízio: Os jogadores mudam de lado de acordo com situações
pré-estabelecidas, como por exemplo: depois de sacar ou após a
cobrança de um escanteio;
Inversão do goleador: O jogador que marca o ponto (gol, cesta
etc.) muda para o outro time;
Inversão de placar: O ponto (gol, cesta etc.) conseguido é
marcado para o outro time;
Inversão total: É uma combinação das duas inversões anteriores.
Tanto o jogador que fez o ponto como o ponto conseguido, passam
para o outro time.
Jogos Jogos indicados para iniciar a aplicação dos Jogos Cooperativos
Semicoopera- com crianças e adolescentes, especialmente num contexto de
tivos aprendizagem esportiva. São jogos com estruturas competitivas
que contêm elementos de cooperação, favorecendo a diminuição
gradativa da competição. Sua estrutura fortalece a cooperação
entre os membros do mesmo time e oferece aos participantes a
oportunidade de jogar em diferentes posições. Dentre estes
elementos, podemos citar:
Todos jogam: Todos que querem jogar e recebem o mesmo tempo
de jogo;
Todos tocam/Todos passam: A bola deve ser passada entre
todos os jogadores do time, para que seja validado o ponto;
Todos marcam ponto: Para que um time vença, é preciso que
todos os jogadores tenham feito pelo menos um ponto.
Dependendo do grau de habilidade do grupo, podemos considerar
as tentativas que resultaram em bola na trave, aro da tabela ou um
saque correto;
Todas as posições: Todos os jogadores passam pelas diferentes
posições no jogo.
Passe misto: A bola deve ser passada, alternadamente, entre
meninos e meninas;
Resultado misto: Os pontos são convertidos, ora por menino, ora
por menina.
(BROTTO, 2013, p. 100-101)

3.2.2 Assembleias de classe

Como relatado no capítulo 1, as assembleias escolares oportunizam o diálogo


sobre conflitos garantindo a todos os participantes a igualdade de direitos de

73
expressar seus pensamentos e desejos (ARAÚJO, 2015). É pelo diálogo que o
grupo busca alternativas para resolver ou enfrentar as questões que afetam a todos.
Assim, essas reuniões se configuram como momentos muito importantes para
refletir sobre atitudes e valores, e construir habilidades e capacidades psicossociais,
tais como: desenvolvimento da empatia, da escuta ativa e atenta, da visão de
coletividade e corresponsabilidade, e da argumentação lógica para defender seu
ponto de vista. Segundo Araújo (2015, p. 27), “as pessoas com tais habilidades
cognitivas, afetivas e emocionais terão maior possibilidade de agir de modo ético no
mundo, ao perceber as diferenças em nossos modos de agir e de pensar”.
Dentre os tipos de assembleias (de classe, docente, de escola e fórum
escolar), as de classe tratam, especificamente, da regulamentação da convivência e
das relações interpessoais de um determinado grupo ou turma. O desenvolvimento
das reuniões tem algumas nuances que devem ser consideradas dependendo da
idade ou ano escolar. Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, por exemplo, o
professor polivalente assume a função de coordenador e define um horário semanal
para a assembleia. Na segunda fase do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, a
grade horária é mais complexa, sendo necessário planejar com cuidado o horário e
o local onde a reunião ocorrerá. Geralmente, os alunos desses segmentos escolhem
um dos professores para ser o coordenador/mediador das reuniões.
Araújo (2015) ressalta que, embora cada tipo de assembleia tenha suas
características e objetivos, alguns procedimentos são comuns a todos. De acordo
com a proposta metodológica desenvolvida pelo autor, esses procedimentos são: a
mobilização do grupo; a sistematização da periodicidade; a escolha dos temas; a
preparação das assembleias e a composição da pauta; o registro das decisões
tomadas; e, por fim, a coordenação e a representação nas assembleias.
A mobilização do grupo é a primeira etapa e deve abordar a importância e os
significados de estabelecer um espaço de diálogo e de participação coletiva. É uma
fase que precisa de apropriação de conhecimentos a respeito dos prós e contras da
prática, bem como do seu desenvolvimento. Também é necessário deixar claro para
os alunos e professores que “as assembleias não têm o objetivo de resolver
problemas de indisciplina nem de eliminar comportamentos considerados
inadequados” (ARAÚJO, 2015, p. 46). Como já foi falado, essas reuniões buscam

74
trazer para o coletivo as questões que estão atrapalhando o grupo para que sejam
discutidas e resolvidas com a participação de todos.
Quanto à periodicidade, é fundamental garantir uma regularidade para que as
questões não se acumulem e para que a assembleia se mantenha como referência
para a resolução de situações conflituosas. Os professores são os principais
responsáveis pelo cumprimento da agenda de reuniões e não devem deixar as suas
questões profissionais e/ou pessoais interferir na programação. Segundo Araújo
(2015), a periodicidade ideal é: assembleia de classe, semanal; assembleia de
escola, mensal; assembleia docente, mensal; fórum escolar, semestral.
Em relação aos temas a serem abordados nas assembleias, as questões
referentes ao convívio escolar e às relações interpessoais são as mais comuns.
Dentre as questões de convívio escolar estão a manutenção da limpeza dos
espaços coletivos, atitudes e comportamentos que prejudicam o andamento das
atividades e a organização o espaço e do tempo. As questões de relações
interpessoais se referem àquelas que afetam individualmente as pessoas nas
relações que elas têm entre si. É importante esclarecer que as assembleias não
abordam apenas os conflitos sobre os temas, mas também o reconhecimento a
respeito dos avanços individuais e coletivos. Esses aspectos serão abordados a
seguir.
Quanto à preparação das assembleias e à composição da pauta, outros
procedimentos são indicados para que as reuniões cumpram com seus objetivos. A
pauta é construída coletivamente por professores, alunos e demais profissionais da
escola no espaço de tempo entre uma assembleia e outra. Os temas que compõem
as pautas são divididos em dois grandes blocos: críticas e felicitações. A razão
desse procedimento é que as reuniões devem ser momentos de reflexão e
resolução de conflitos cotidianos e, também, de momentos positivos de
reconhecimento de esforços em prol do bem comum. Para a composição da pauta,
pode ser proposto que as pessoas registrem as suas críticas e felicitações em uma
cartolina que deve ficar acessível aos interessados.
A orientação é a de que os participantes não citem os nomes dos colegas nas
críticas para evitar exposição desnecessária, discussão improdutiva e acusações
mútuas. Como já foi dito, a assembleia deve ser um momento de reflexão e busca

75
por soluções na coletividade. Já nas felicitações, os participantes devem citar os
nomes dos colegas que estão sendo lembrados para que as atitudes positivas sejam
reconhecidas e reforçadas. Antes da assembleia, professores e alunos devem
organizar a pauta elegendo os temas prioritários e agrupando as questões similares
sem excluir nenhuma. As críticas devem ser lidas e discutidas no início das
assembleias e, em seguida, as felicitações. De acordo com Araújo (2015, p. 56), a
organização da pauta descrita pode ter o seguinte formato:

Eu critico Eu felicito

Outro procedimento importante é o registro das decisões tomadas pelo grupo


durante as assembleias. Segundo Araújo (2015), esse é um instrumento que exerce
a função de ata e que permite construir a história do grupo através das suas
decisões e comprometimentos com as regras e encaminhamentos resultantes das
reuniões. O autor propõe a

elaboração de um livro-ata, simples, no qual sejam anotados: a) um


cabeçalho com data, local e tipo de assembleia; b) cada tema constante da
pauta e as regras elaboradas e/ou decisões tomadas; c) os
encaminhamentos sugeridos para o enfrentamento do conflito ou para o
cumprimento da regra. No fim da ata, depois de anotados cada tema e suas
decisões, na mesma página devem constar a identificação de quem
coordenou a assembleia e a assinatura de todos os participantes (ARAÚJO,
2015, p. 62).

A coordenação e a representação nas assembleias se referem à distribuições


dos cargos e funções que possibilitam o desenvolvimento das reuniões. Esse
procedimento é aplicado em todas as assembleias, com exceção dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, em que o professor assume as funções e a
responsabilidade pela realização das reuniões. Esse procedimento garante que
todos os interessados possam experienciar todos os cargos e funções, cujas
representações são rotativas.

76
É necessário, ainda, abordar as etapas que caracterizam o funcionamento
das assembleias escolares. O primeiro ponto a considerar é a disposição física dos
lugares na sala, que deve ser em forma de círculo ou semicírculo, permitindo que
todos conversem frente a frente. O segundo ponto se refere aos três momentos
distintos que compõem a pauta de críticas de uma assembleia: 1) diálogo sobre o
tema; 2) construção das regras de convivência; e 3) resolução de conflitos e
sugestões para cumprir a regra. Esses momentos devem ser organizados pelo
coordenador e precisam da colaboração de todos os participantes para que
aconteçam da forma mais pacífica possível. Na sequência, vêm as felicitações que
mostram os avanços obtidos pelo grupo e, por fim, o encerramento que é feito após
a leitura dos encaminhamentos decididos pelo grupo (ARAÚJO, 2015).
Dadas as considerações expostas a respeito do desenvolvimento das
assembleias escolares, é possível perceber a importância dessas práticas para a
construção de valores necessários à convivência. Como mencionado, as
assembleias constituem momentos importantes de diálogo que permitem a
aprendizagem de ouvir e falar de forma assertiva, e que orientam os participantes a
agirem em outras relações interpessoais de acordo com as habilidades
desenvolvidas. Dessa forma, o desenvolvimento de assembleias escolares,
especificamente das assembleias de classe, se mostra oportuno e produtivo para a
implementação de uma proposta de mediação de conflitos na Educação Física
Escolar.

3.2.3 Comunicação Não-Violenta (CNV)

Dada a sua assertividade nas resoluções de conflitos através da mediação, é


importante trazer mais algumas informações a respeito dessa técnica de diálogo. A
Comunicação Não-Violenta é uma técnica de comunicação desenvolvida pelo
psicólogo americano Marshall B. Rosenberg (2006) e que tem se mostrado muito
eficiente nas mediações de conflitos. Para o autor, a comunicação não violenta
(CNV) “é um poderoso modelo de comunicação cujo propósito é inspirar conexões
sinceras entre as pessoas de maneira que as necessidades de todos sejam
atendidas por meio da doação compassiva” (ROSENBERG, 2019, p. 07). Essa

77
técnica, ao se basear em “práticas respeitosas que promovem a cooperação
genuína”, permite que o foco da mediação seja “criar condições para que a
necessidade de todos seja atendida29” (ROSENBERG, 2019, p. 13).
O processo da CNV é composto por 4 componentes: 1) observação, 2)
sentimento, 3) necessidades e 4) pedido, os quais devem ser percebidos e
expressos verbalmente pelos envolvidos no conflito. Ou seja, o processo da CNV
deve focar

as ações concretas que estamos observando e que afetam nosso bem-


estar; como nos sentimos em relação ao que estamos observando; as
necessidades, valores, desejos etc. que estão gerando nossos sentimentos;
e as ações concretas que pedimos para enriquecer nossa vida
(ROSENBERG, 2006, p. 26).

O termo não-violência da CNV tem sua origem na palavra sânscrita ahimsa,


utilizada nos textos da literatura budista e hinduísta. Seu significado se refere “a
ausência de toda e qualquer intenção de violência, ou seja, é o respeito em
pensamento, palavra e ação pela vida de todo ser vivo” (MULLER, 2007, p. 52).
Segundo Muller (2007) e Rosenberg (2019), é a partir do respeito pelas outras
pessoas que ocorre o desenvolvimento da empatia. Ou seja, a partir do momento
em há respeito por uma pessoa, é possível se colocar no lugar dela e compreender
seus pontos de vista, suas opiniões e necessidades.
Neste sentido, a CNV também funciona como uma importante estratégia de
aprendizagem para mediadores e mediandos, pois possibilita que os envolvidos em
um conflito aprendam a expressar as suas necessidades e a reconhecer as dos
demais. E esta é a etapa inicial para o desenvolvimento do respeito e da empatia. As
práticas da CNV envolvem

1) expressar as próprias necessidades; 2) enxergar as necessidades dos


outros, independentemente do modo como se expressam; 3) verificar se as
necessidades foram compreendidas com exatidão; 4) oferecer a empatia de
que as pessoas precisam para ouvir as necessidades dos outros; e 5)
traduzir as soluções ou estratégias propostas para uma linguagem de ação
positiva, ou seja, dizer com clareza o que queremos quando estamos
fazendo um pedido, usando verbos de ação precisos (ROSENBERG, 2019,
p. 13).

29
Grifos do autor.

78
Como foi dito, a CNV é parte de um processo mais complexo (mediação) do
qual participam as partes envolvidas diretamente no conflito (mediandos) e um
facilitador da comunicação (mediador). O foco da mediação é conduzir os envolvidos
a passar “da ad-versidade (do latim, adversus: que se volta contra) à con-versação
(do latim, con-versari: voltar-se para), ou seja, levá-los a voltar-se um para o outro
para conversar, compreender-se e, se possível, chegar à reconciliação” (MULLER,
2007, p. 151). Nesse processo, o mediador é um facilitador do diálogo e da
negociação entre as partes em conflito (MULLER, 2007 e JARES, 2008).
Importante salientar que “as situações, contextos, disputas e seus
significados, processos, protagonistas do conflito etc. são diferentes, o que dificulta
sustentar um único perfil de mediação válido para sempre e para todo conflito”
(JARES, 2008, p. 156). Ou seja, nem sempre a mediação de conflitos irá surtir
resultados positivos e nem sempre as técnicas utilizadas durante o processo, como
a CNV por exemplo, serão efetivas e exitosas. Como afirmam Chrispino e Chrispino
(2011), “o uso da mediação não é panaceia salvadora. Ela tem limites, limitações
intrínsecas e contraindicações” (p. 64).

3.2.4 Planejamento

PRIMEIRA SEMANA

Intervenção 1 - Jokempô

Objetivos: desenvolver atenção, rapidez, coordenação motora e habilidades


motoras de locomoção (andar, correr); melhorar a autoestima, aprender a respeitar o
ritmo individual; ajustar-se ao ritmo grupal; estimular a cooperação; reforçar o
espírito de equipe.

Espaço: quadra esportiva

Material: giz branco para desenhar as linhas.

79
Desenvolvimento:

A turma foi dividida em duas equipes considerando a lista de chamada: equipe dos
números pares e equipe dos números ímpares. Cada grupo foi posicionado em
coluna na ponta direita de cada linha de fundo da quadra. Ao sinal, os primeiros
alunos de cada coluna começaram a corrida. Ao se encontrarem, paravam um de
frente para o outro e jogavam pedra, papel e tesoura. Quem vencia continuava a
correr no percurso até encontrar a segunda pessoa do outro grupo. Quem perdia
voltava para o final da fila do seu grupo. Quem chegava até a outra coluna, ia para o
final da fila do outro grupo (troca de grupo) e conquistava um ponto para o seu grupo
de origem.

Este jogo é interessante porque possibilita o rompimento do modelo tradicional


ganhador-perdedor. A cada instante, as crianças estão em times diferentes. Os
pontos conquistados ficam no grupo de origem, mas elas vão para o outro grupo.
Após um tempo, o placar não importa mais e o jogo se transforma em pura diversão.
No final do jogo, os alunos fizeram uma autoavaliação e comentários a respeito do
jogo.

Intervenção 2 – Queimada cooperativa

Objetivos: desenvolver atenção, rapidez, coordenação motora e habilidades


motoras de locomoção (andar e correr) e de manipulação (arremesso e recepção);
melhorar a autoestima, aprender a respeitar as habilidades individuais, cooperar
com os colegas; estimular a cooperação; reforçar o espírito de equipe.

Espaço: quadra esportiva

Material: bola e rede de vôlei

80
Desenvolvimento:

A turma foi dividida em duas equipes de acordo com a ordem dos alunos no círculo
da conversa inicial. A primeira metade formou uma equipe e a outra metade formou
outra equipe. Os participantes não tinham lugares definidos dentro da quadra, ou
seja, podiam se movimentar por todo o espaço destinado à sua equipe. Foi
combinado que todos os jogadores arremessariam a bola para a quadra adversária,
e que os próprios alunos organizariam a ordem dos arremessos. A rede de vôlei foi
utilizada para garantir a segurança dos alunos que têm medo de serem atingidos
pela bola. Ao lançar a bola para o outro lado da quadra, o objetivo era atingir algum
aluno. Se o aluno agarrasse a bola, o jogo continuava normalmente. Se o aluno
fosse atingido e a bola caísse no chão, tinha que sair da quadra e ficar na lateral. O
time do aluno que saiu tinha que se esforçar para agarrar a bola para possibilitar o
retorno do colega. No final do jogo, depois de um tempo determinado, eram
contabilizados os alunos que estavam na lateral da quadra para ver qual equipe
tinha vencido o jogo. No final do jogo, os alunos fizeram uma autoavaliação e
comentários a respeito do jogo.

Assembleia de classe

Discussão das situações geradoras de conflitos entre os alunos e alunos e


professores.

SEGUNDA SEMANA

Intervenção 3 – Time zoneado

Objetivos: estimular a cooperação; reforçar o espírito de equipe; desenvolver


atenção, rapidez, coordenação motora e habilidades motoras de locomoção (andar,
correr e saltar) e de manipulação (arremesso e recepção); melhorar a autoestima,
aprender a respeitar as habilidades individuais.

81
Espaço: quadra esportiva dividida em 8 zonas, sendo 4 zonas “A” e 4 zonas “B”
intercaladas.

Material: bola de handebol e giz branco para desenhar as linhas.

Desenvolvimento:

Os participantes se posicionaram nas 8 zonas, ficando 2 em cada uma delas. A


partir desses posicionamentos, foram formadas as equipes “A” e “B”. Os
participantes só podem jogar dentro da zona que ocupam no momento. O time “A”
deve tentar fazer gol no time “B” e vice-versa. A bola deve ser passada para a zona
seguinte mais próxima, correspondente ao respectivo time. Feito o gol, promove-se
um rodízio, em que todos trocam de zona, passando a ocupar a próxima zona.
Exemplo: a dupla que estava no gol da zona B vai para o gol da zona A, empurrando
a dupla que estava no gol da zona A para próxima zona B; esta, por sua vez,
empurra a dupla que ocupava essa zona B para a próxima zona A, e assim
sucessivamente, até completar a troca lá na zona do gol B. Feito isso, o jogo
recomeça. Ao final do jogo, todos os participantes terão passado tanto pela zona A
como pela zona B! No final do jogo, os alunos fizeram uma autoavaliação e
comentários a respeito do jogo.

Intervenção 4 – Barra-manteiga

Objetivos: estimular a cooperação; reforçar o espírito de equipe; desenvolver


atenção, velocidade, coordenação motora e habilidades motoras de locomoção
(andar e correr); melhorar a autoestima, respeitar as habilidades individuais.

Espaço: quadra esportiva

Material: giz branco para desenhar as linhas.

82
Desenvolvimento:

Foram traçadas no chão duas linhas paralelas deixando uma distância de cerca de 8
metros entre elas. A turma foi dividida em duas equipes de acordo com a lista de
chamada: equipe dos números pares e equipe dos números ímpares. Cada equipe
formou uma fila atrás de uma das linhas traçadas no chão. Todos ficaram com a
palma da mão virada para cima e o cotovelo dobrado na altura da cintura. Um
representante de uma das equipes foi até o time adversário, escolheu um dos
adversários e bateu na mão direita estendida gritando: “Barra manteiga, na fuça da
pega” e correu de volta em direção ao seu campo. O aluno que foi tocado tinha de
correr atrás do outro jogador, este se fosse pego antes de voltar ao seu time,
passava a integrar a equipe adversária. Vencia a equipe que terminar com maior
número de jogadores. No final do jogo, os alunos fizeram uma autoavaliação e
comentários a respeito do jogo.

Assembleia de classe

Discussão das situações geradoras de conflitos entre os alunos e alunos e


professores.

TERCEIRA SEMANA

Intervenção 5 – Passeio do bambolê

Objetivos: estimular a cooperação; reforçar o espírito de equipe; desenvolver


atenção, agilidade com os membros superiores, coordenação motora; melhorar a
autoestima, aprender a respeitar as habilidades individuais.

83
Espaço: quadra esportiva

Material: 2 bambolês

Desenvolvimento:

A turma foi dividida em duas equipes de acordo com a lista da chamada: a primeira
metade formou uma equipe e a outra metade formou outra equipe. Cada equipe
formou um círculo com os alunos de mãos dadas com o bambolê entre os braços de
dois alunos. A equipe tinha que passar o bambolê por todos os participantes dando 3
voltas completas no círculo. Não puderam utilizar as mãos para ajudar a passar o
bambolê nem soltá-las. Se isso acontecesse, o bambolê voltaria para o início,
zerando a contagem das voltas. Ganhava a equipe que completava o desafio
primeiro. No final do jogo, os alunos fizeram uma autoavaliação e comentários a
respeito do jogo.

Intervenção 6 – Basquete cooperativo

Objetivos: estimular a cooperação; reforçar o espírito de equipe; desenvolver


atenção, rapidez, coordenação motora e habilidades motoras de locomoção (andar,
correr e saltar) e de manipulação (arremesso e recepção).

Espaço: quadra esportiva

Material: bola de vôlei (porque é mais leve do que a de basquete)

Desenvolvimento:

A turma foi dividida em duas equipes considerando os meses em que os alunos


fazem aniversário. As equipes foram desafiadas a realizar o jogo de basquete sem
quicar ou andar com a bola ou seja, apenas usar o passe. Para marcar pontos, a

84
bola tinha que passar por todos os alunos da equipe. Os participantes não podiam
roubar a bola, apenas interceptá-la. A bola podia ser arremessada apenas de fora da
linha da área do gol (do futsal ou handebol). Se a bola tocasse na tabela, a equipe
marcava 1 ponto; se batesse no aro, marcava 2 pontos; se a bola entrasse na cesta,
marcava 3 pontos. No final do jogo, os alunos fizeram uma autoavaliação e
comentários a respeito do jogo.

Assembleia de classe

Discussão das situações geradoras de conflitos entre os alunos e alunos e


professores.

QUARTA SEMANA

Intervenção 7 – Pique-vôlei

Objetivos: estimular a cooperação; reforçar o espírito de equipe; desenvolver


atenção, rapidez, coordenação motora e habilidades motoras de locomoção (andar e
correr) e de manipulação (arremesso e recepção), melhorar a autoestima, aprender
a respeitar as habilidades individuais.

Espaço: quadra esportiva

Material: bola e rede de vôlei

Desenvolvimento:

A turma foi dividida em dois times, considerando a ordem na lista de chamada e


foram posicionados um em cada lado da quadra. Esse jogo é uma adaptação do
jogo de vôlei, tendo algumas regras diferentes, como a possibilidade de segurar a

85
bola com as duas mãos e de sacar de qualquer lugar da quadra dependendo da
força do aluno. Então, para começar o jogo, um aluno de um time saca; o outro time
pega, passa a bola pra 3 colegas e então o 3º arremessa para o campo adversário.
Todos os alunos da equipe onde a bola cair tem que fugir para o fundo da quadra
sem que ninguém seja pego. Se algum aluno for pego, ele deve passar para o outro
time. Venceria a equipe que acabasse o jogo com o maior número de integrantes.
No final da aula, os alunos fizeram uma autoavaliação e comentários a respeito do
jogo.

Intervenção 8 – Salto em equipes

Objetivos: estimular a cooperação; reforçar o espírito de equipe; desenvolver


habilidades motoras de locomoção (saltar); melhorar a autoestima, aprender a
respeitar as habilidades individuais.

Espaço: quadra esportiva

Material: giz branco para marcar as distâncias

Desenvolvimento:

A turma foi dividida em duas equipes de acordo com a ordem dos alunos no círculo
da conversa inicial. A primeira metade formou uma equipe e a outra metade formou
outra equipe. Todos os participantes de cada grupo tinham que saltar com os dois
pés. A marca da sua chegada era a marca de saída do colega. O resultado final, era
a soma das medidas de todos os saltos e mostrava a distância que o grupo
conseguiu percorrer. No final do jogo, os alunos fizeram uma autoavaliação e
comentários a respeito do jogo.

86
Assembleia de classe

Discussão das situações geradoras de conflitos entre os alunos e alunos e


professores.

3.4 PERCURSO METODOLÓGICO

O desenvolvimento da proposta de intervenção descrita neste capítulo foi


precedido por uma pesquisa que buscou informações a respeito das concepções e
práticas de resolução de conflitos. A pesquisa e a intervenção foram realizadas em
uma escola pública do Distrito Federal. A instituição está situada em uma
comunidade carente, com famílias oriundas de diversos pontos do Distrito Federal e
do Brasil. Parte dessas famílias participa de programas assistenciais, o que
comprova que dispõe de poucos recursos financeiros. A composição familiar de
muitos alunos não segue os padrões estruturais antigos por não possuírem todos os
membros residindo na mesma casa, o que dificulta o trabalho pedagógico, a
participação familiar no âmbito escolar e influencia diretamente no comportamento e
no rendimento escolar dos alunos.
De acordo com os professores, boa parte dos alunos demonstra
instabilidade emocional, insegurança, baixa autoestima e/ou agressividade. A
referida escola foi escolhida por dois motivos principais: por ter uma alta incidência
de conflitos entre os alunos; e por perceber na escola a necessidade de novas
alternativas para trabalhar as questões conflituosas que culminam em agressividade
e violência. É necessário reiterar que a escola não pode contar com a maioria das
famílias para resolver tais questões e, por esse motivo, precisa se apropriar de
medidas mais assertivas para tratar dos conflitos que tanto atrapalham o
desenvolvimento das atividades pedagógicas.
O público-alvo da pesquisa foram: uma turma de 5º ano com 15 alunos, a
professora regente e o professor de Educação Física. Em relação à turma, é
composta por 08 meninas e 07 meninos com idades entre 10 e 13 anos. Um dos

87
alunos apresenta Deficiência Intelectual (DI), o que explica e justifica a redução da
turma. É importante destacar que, embora pequena, a turma foi escolhida por
apresentar muitos conflitos entre os alunos e entre eles e os demais profissionais da
escola, segundo informações da direção. Os critérios de inclusão dos participantes
da pesquisa foram: fazer parte de um contexto escolar; estar envolvido em conflitos
que ocorrem rotineiramente; e consentir em participar da pesquisa. Os critérios de
exclusão dos participantes deste estudo foram: não pertencer à turma selecionada;
não ministrar aulas para os alunos participantes; e não consentir em participar da
pesquisa.

3.4.1 Instrumentos e procedimentos para a coleta e a análise das informações

O tema do presente estudo é “Mediação de conflitos como práxis pedagógica


na Educação Física Escolar” e buscou identificar limites e possibilidades para a
inserção da mediação de conflitos como práxis pedagógica da Educação Física
Escolar. A metodologia utilizada foi a da pesquisa-ação que, segundo Thiollent
(2011, p.20),

(…) é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e


realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um
problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo.

É importante ressaltar que o trabalho do pesquisador tem um caráter pessoal


que “tem uma dimensão social, o que confere o seu sentido político” (SEVERINO,
2002, p. 146). Na pesquisa-ação, especificamente, a atuação do pesquisador vai
além de resoluções imediatistas, pois ele deve buscar

(…) desenvolver a consciência da coletividade nos planos político ou


cultural a respeito dos problemas importantes que enfrentam (…) para
tornar mais evidentes aos olhos dos interessados a natureza e a
complexidade dos problemas considerados (THIOLLENT, 2001, p. 24-25).

88
Os instrumentos para a coleta de informações do estudo foram 3: observação,
diário de bordo e análise documental. Os roteiros de observação (antes e durante a
intervenção) tiveram questões fechadas e abertas com o intuito de investigar 5
aspectos: a incidência de conflitos durante as aulas de Educação Física; a postura
do professor diante dos conflitos; a existência (ou não) de mediação por parte do
professor ou dos alunos; a participação e atuação dos alunos durante a intervenção
de mediação da pesquisadora; e a aquisição de novas competências e habilidades
para mediar conflitos nas aulas de Educação Física a partir das intervenções.
Segundo Selltiz (1974) apud Richardson et al (1985, p. 213), a observação é muito
válida em uma pesquisa porque

não é apenas uma das atividades mais difusas na vida diária; é também um
instrumento básico da pesquisa científica. A observação torna-se uma
técnica científica à medida que serve a um objetivo formulado de pesquisa,
é sistematicamente planejada, sistematicamente registrada e ligada a
proposições mais gerais e, em vez de ser apresentada como conjunto de
curiosidades interessantes, é submetida a verificações e controles de
validade e precisão.

O diário de bordo foi utilizado para registrar aspectos percebidos durante a


observação e contemplou informações importantes a respeito das atuações
docentes e discentes durante as aulas de Educação Física. A análise documental foi
utilizada para identificar quais procedimentos são indicados no Regimento Escolar
em caso de conflitos no ambiente escolar. Também foi utilizada para avaliar as
ocorrências de conflitos registradas no “livro de ocorrências” e os procedimentos de
resolução dos mesmos. Além disso, o PPP (Projeto Político-Pedagógico) foi
analisado para averiguar a existência, ou não, de algum projeto cujo foco seja o
trabalho com conflitos e/ou a mediação dos mesmos. Segundo Richardson et al
(1985, p.182),

(…) a análise documental consiste em uma série de operações que visam


estudar e analisar um ou vários documentos para descobrir as
circunstâncias sociais e econômicas com as quais podem estar
relacionados. O método mais conhecido de análise documental é o método
histórico que consiste em estudar os documentos visando investigar os fatos
sociais e suas relações com o tempo sócio-cultural-cronológico.

89
A coleta de dados foi realizada em 20 sessões no total: 04 sessões de análise
documental, 04 sessões de observação e 12 sessões de intervenção de mediação
(jogos cooperativos e assembleias). As informações apuradas na análise
documental do Regimento Escolar, do livro de ocorrências e do PPP (Projeto
Político-Pedagógico) foram registrados no diário de bordo para discussão a ser feita
posteriormente. Também foram coletadas informações durante as aulas semanais
de Educação Física do 5º ano, no período da tarde, com o intuito de analisar: a
incidência de conflitos durante as aulas de Educação Física; a postura do professor
diante dos conflitos; e a existência (ou não) de mediação por parte do professor e/ou
dos alunos.
Durante a intervenção, as duas aulas semanais de educação física foram
utilizadas para o desenvolvimento dos jogos cooperativos. Também foi utilizada uma
aula (50 minutos), na quinta-feira, para a realização da assembleia de classe que
tinha como objetivo a resolução dos conflitos observados nas aulas práticas. Caso
os alunos tivessem situações que ocorreram fora da aula de Educação Física e
quisessem resolvê-las, era possível inserir na pauta da reunião.
Para abordar os conflitos durante as aulas e nas assembleias foi utilizado o
modelo da Comunicação Não-Violenta (CNV) sugerido por Marshall B. Rosenberg
(2006). Esse modelo tem por base 4 componentes: 1) observação, 2) sentimento, 3)
necessidades e 4) pedido, os quais devem ser percebidos e expressos verbalmente
pelos envolvidos no conflito. De acordo com Rosenberg (2006, p. 26), o processo da
CNV deve focar

as ações concretas que estamos observando e que afetam nosso bem-


estar; Como nos sentimos em relação ao que estamos observando; as
necessidades, valores, desejos etc. que estão gerando nossos sentimentos;
e as ações concretas que pedimos para enriquecer nossa vida.

É importante salientar que a orientação a respeito da periodicidade da


mediação de conflitos nas séries iniciais do Ensino Fundamental é que ocorra
semanalmente. Outra orientação a ser mencionada é que a mediação foi (e deve
ser) feita coletivamente com todos os alunos da turma. Esse formato funciona
melhor quando se trata de crianças e/ou pré-adolescentes, pois gera proporciona
reflexões a respeito dos conflitos relatados e possibilita a participação de todos os

90
alunos no processo dialógico de falar e ouvir (ARAÚJO, 2015). Tal prática é
defendida por Richardson et al (1985) quando afirmam que “em todas as ações que
envolvem indivíduos, é importante que as pessoas compreendam o que ocorre com
os outros” (p.160). Dessa forma, o diálogo constitui

a melhor situação para participar na mente de outro ser humano é a


interação face a face, pois tem o caráter, inquestionável, de proximidade
entre as pessoas, que proporciona as melhores possibilidades de penetrar
na mente, vida e definição dos indivíduos (RICHARDSON et al, 1985,
p.160).

Com base no tema de pesquisa, nos instrumentos de coleta de informações e


na necessidade de descrever e analisar a complexidade da temática em questão, a
análise dos dados foi qualitativa. De acordo com Richardson et al (1985, p.39),
estudos que empregam tal metodologia também podem “analisar a interação de
certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos pelo grupo,
contribuir no processo de mudança comportamental e possibilitar o entendimento
das particularidades do comportamento dos indivíduos.”
Del-Masso, Cotta e Santos (2018, p. 03), corroboram com os autores
supracitados acrescentando que a análise qualitativa permite “considerar suposições
de um corte temporal e espacial de determinado fenômeno por parte do
pesquisador, definindo o campo e a dimensão em que o trabalho se desenvolverá.”
Além disso, esse tipo de análise também permite a interação com as pessoas, com
o contexto e com o objeto que está sendo pesquisado. Ainda segundo as autoras, a
escolha da pesquisa qualitativa no contexto escolar “permite descrever a
complexidade de determinado problema e compreender e classificar os processos
dinâmicos, as mudanças, as variáveis e particularidades dos docentes, gestores e
alunos que se incluem nesse contexto” (DEL-MASSO, COTTA e SANTOS, 2018, p.
03).
A respeito da análise de dados, Lakatos e Marconi (2001) apud Mattos,
Rosseto Júnior e Rabinovich (2017, p.89) afirmam que ocorre em três níveis:
“interpretação, na qual o pesquisador verifica as relações entre as variáveis;
explicação sobre os fenômenos que ocorreram na coleta de dados; e especificação,
momento em que explicita até que ponto as relações entre as variáveis são válidas”.
Segundo esses mesmos autores, com os dados analisados, chega “a hora de dar

91
significado às respostas obtidas, descrevendo-as e explicando-as com base nos
documentos, obras e conhecimentos adquiridos na pesquisa bibliográfica”
(LAKATOS e MARCONI, 2001, apud MATTOS, ROSSETO JÚNIOR e RABINOVICH,
2017, p.89).
Por sua vez, a pesquisa bibliográfica “é a técnica que auxilia o estudante fazer
a revisão da literatura, ou seja, o quadro teórico que lhe permite conhecer e
compreender melhor os elementos teóricos que fundamentarão a análise do tema e
objeto de estudo escolhidos” (REIS, 2010, p. 60). De acordo com Chinazzo (2009), a
pesquisa bibliográfica envolve a leitura, análise e interpretação de textos científicos,
preferencialmente. Tais textos “se definem pela natureza dos temas estudados e
pelas áreas em que os trabalhos se situam. Tratando-se de trabalhos no âmbito da
reflexão teórica, tais documentos são basicamente textos: livros, artigos, etc”
(SEVERINO, 2002, p. 77).

92
CAPÍTULO 4 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: DA TEORIA À PRÁTICA

Entendendo a prática pedagógica como um elemento de construção


constante do saber, é atribuída ao professor a necessidade e a condição de
pesquisador que busca alternativas para trabalhar com o tema em questão. Nesse
intento, o rigor metodológico é imprescindível para que o saber produzido possa ser
ressignificado nas próprias práticas e nas dos demais professores. Nesse sentido, a
pesquisa-ação contribui porque dá elementos para que os pesquisadores em
educação produzam informações e conhecimentos de uso mais efetivo, inclusive ao
nível pedagógico, o que promove condições para ações e transformações de
situações dentro da própria escola (THIOLLENT, 2011).
Assim, a pesquisa-ação se caracteriza por uma ação pedagógica teorizada e
caracteriza a práxis pedagógica na qual deve ser pautada a atuação do professor
como profissional da educação. De acordo com Sánchez Vázquez (1977), a
atividade do professor é práxis quando é feita tendo em vista o alcance de
determinados resultados. Essa antecipação consciente do resultado que se pretende
atingir é de natureza teórica, mas prevê uma ação prática para que a realidade seja
transformada. Por outro lado, as situações que surgem do cotidiano da sala de aula
e de outros espaços escolares, demandam uma teoria. Portanto, estão presentes a
ideia (teoria) e a ação (prática), que buscam transformar a realidade, ou seja, há
uma unidade entre concepção e ação.
Nessa perspectiva, a prática pedagógica é, simultaneamente, a expressão e a
fonte do saber docente, e do desenvolvimento da teoria pedagógica (SÁNCHEZ
VÁZQUEZ, 1977). Assim, ao mesmo tempo em que o professor atua de acordo com
as suas experiências e aprendizagens, ele cria e enfrenta desafios cotidianos
(pequenos e grandes) e, baseado neles, constrói conhecimentos e saberes que
caracterizam um processo contínuo de fazer, refletir e refazer. Com isto posto, a
presente proposta buscou intervir nos conflitos observados no contexto escolar,
refletir e repensar a prática tendo a fundamentação teórica como base. Para tanto,
foram seguidas algumas etapas que estão descritas a seguir.

93
4.1 DISCUSSÃO DAS INFORMAÇÕES DA ANÁLISE DOCUMENTAL

Como foi relatado no capítulo anterior, especificamente no detalhamento do


percurso metodológico, a amostra foi escolhida com base no índice de conflitos
entre os alunos e entre eles e os professores. A ocorrência das situações
conflituosas foram confirmadas através das observações feitas durante as aulas de
Educação Física. As discussões a respeito dos conflitos se estendiam para outros
lugares e momentos da vivência escolar culminando, por vezes, em agressão verbal
e/ou física. Com o problema coletivo identificado e confirmado, a etapa seguinte foi
fazer uma análise nos documentos norteadores da instituição de ensino para tentar
identificar qual era a dinâmica utilizada para a resolução dos conflitos.
Foram analisados o Livro de Ocorrências, o Regimento Escolar e o Projeto
Político-Pedagógico (PPP). O Livro de Ocorrências é um documento no qual são
registradas todas as incidências de conflitos ocorridas no contexto escolar, bem
como as medidas tomadas para a resolução. O Regimento Escolar das Escolas
Públicas do Distrito Federal regulamenta a organização pedagógico-administrativa
das unidades escolares nos termos da legislação vigente e dos dispositivos
normativos do Sistema de Ensino do Distrito Federal. O Projeto Político-Pedagógico
é um documento coletivo elaborado pela comunidade escolar e reflete a proposta
educacional da escola para o ano letivo.
Analisando o Livro de Ocorrências, observou-se o empenho do orientador
como mediador dos conflitos e a sua contribuição para a manutenção do bom
convívio entre os alunos. Porém, as medidas utilizadas para a resolução das
incidências demonstraram um caráter coercitivo e/ou punitivo. Alguns desfechos
recorrentes foram: “Os alunos estão proibidos de se envolverem em confusão e
serão advertidos se reincidirem”; “Conversei com os alunos envolvidos na confusão
e os mesmos estão cientes que se voltar a acontecer, eles serão suspensos e os
pais chamados na escola”; “Após a conversa, o aluno ficou ciente que da próxima
vez ele será suspenso pelo mau comportamento”; “Após a conversa, os alunos se
comprometeram a não mais voltarem a brigar. Caso aconteça, a família será
chamada na escola”; “Os alunos ficaram sem recreio por causa do ocorrido”; “O
aluno ficou sem recreio para repassar as regras de convivência da sala”.

94
Também foram encontrados registros de reclamações de pais e de alunos
perante a postura de alguns professores em sala de aula. Um aluno do 3º ano
reclamou que a bibliotecária teria praticado bullying contra ele por usar brinco. A
solução apresentada pelo orientador foi “conversar com a professora e com o aluno
para esclarecer os fatos.” Outra reclamação observada foi feita pelos responsáveis
por um aluno do 1º ano. Segundo eles, o filho reclamou que a professora chama
muito a atenção dele como se fosse o único a bagunçar e desobedecer na sala. O
orientador deu a mesma solução do caso anterior, se comprometendo a “conversar
com a professora e com o aluno para esclarecer os fatos.” Sem julgar o mérito dos
encaminhamentos do orientador, é necessário observar que pais e alunos também
têm oportunidades de externar suas insatisfações e veem o orientador como
intermediário dos conflitos entre alunos e professores e entre família e escola.
Nas resoluções registradas pelo orientador, notou-se o uso de advertência,
suspensão e outras medidas punitivas. Importante ressaltar que as medidas
tomadas por ele condizem com as normas que constam no Regimento Escolar das
Escolas Públicas do Distrito Federal. Na Seção II, Artigo 310, lê-se:

O estudante, pela inobservância das normas contidas neste Regimento, e


conforme a gravidade e/ou a reincidência das faltas, está sujeito às
seguintes medidas: I. intervenção/advertência oral; II. advertência escrita; III.
suspensão da assiduidade na sala de aula, com atividades alternativas na
unidade escolar, de no máximo três dias letivos corridos; IV. transferência,
quando o ato for aconselhável, por comprovada necessidade de garantia de
sua proteção ou de outros. (…) §4º Cabe ao professor a aplicação das
medidas previstas no inciso I deste artigo e a equipe gestora, as contidas
nos demais incisos (DISTRITO FEDERAL, 2015, p. 105).

Tradicionalmente, são essas as medidas tomadas para resolver as situações


conflituosas no contexto escolar e são, inclusive, apoiadas e cobradas por pais e
professores. Segundo Vinha (2013), essas são formas de resolução agressivas,
extremamente ineficazes e revelam o despreparo e a insegurança da escola para
lidar com os conflitos interpessoais. Ainda segundo a autora, é comum os
professores acreditarem “na solução dos problemas de mau comportamento dos
alunos através de medidas mais duras pela escola como punições severas,
expulsões, contratação de mais funcionários e policiamento intensivo” (VINHA et al,
2016, p. 99).

95
De acordo com o PPP da escola, o Serviço de Orientação Educacional (SOE)
acumula várias responsabilidades referentes à manutenção da paz e da boa
convivência na escola. O orientador trabalha na perspectiva de prevenção primária e
na redução de danos, em parceria com toda a equipe escolar; na identificação e
encaminhamentos das queixas escolares de alunos; na construção das regras de
convivência em parceria com professores e equipe escolar; na sensibilização dos
envolvidos em situações problemas; e na identificação, prevenção e mediação de
conflitos. Como observado nos desfechos transcritos, a atuação do orientador não
foi a de mediador, pois os alunos não participaram da solução para os conflitos.
Muller (2006, p. 90) afirma que “para ter uma solução positiva do conflito, é preciso
que haja participação e cooperação de ambas as partes.” O mediador deve
esclarecer aos envolvidos que não se trata de impor uma solução, “mas de professor
e alunos buscarem, juntos, uma saída para o conflito”.
O PPP não faz referência quanto à utilização das normas do Regimento
Escolar das Escolas Públicas do Distrito Federal para a resolução das questões
conflituosas e/ou violentas. Apenas aponta o orientador educacional como mediador
dos conflitos. O documento também não prevê trabalhos pontuais nem projetos cujo
foco seja a prevenção da violência. De acordo com a “organização curricular” citada
no PPP, são trabalhados alguns temas transversais que incidem na manutenção da
boa convivência.

O eixo Educação para a Diversidade e Educação para a Sustentabilidade


são abordados constantemente pela Coordenação Pedagógica, focando
temáticas relacionadas ao respeito ao outro (…); o eixo Cidadania e
educação em e para os direitos humanos tem sido desenvolvido em
parceria com a família nas formações oferecidas bimestralmente; (…) o
programa Inclusão Social desde a Infância, Eleitor do Futuro e Políticos do
Futuro, oferecido pela Secretaria de Estado de Educação (SEEDF), a
Subsecretaria de Educação Básica (SUBEB) e o Tribunal Regional Eleitoral
do Distrito Federal (TRE/DF); (…) e o programa Inclusão Social desde a
Infância (PPP, 2019).

Os temas transversais trabalhados pela escola fazem parte dos conteúdos


indicados para serem trabalhados com o objetivo de promover uma cultura de paz e
melhorar a convivência no contexto escolar. Segundo Jares (2008), alguns dos
conteúdos para uma “pedagogia da convivência” são: os direitos humanos como

96
marco regulador da convivência; o respeito; o diálogo; a solidariedade; a não-
violência; o caráter mestiço das culturas; a ternura como paradigma de convivência;
o perdão; a aceitação da diversidade e o compromisso com os mais necessitados.
Mesmo não tendo um projeto ou programa específico, pode-se perceber que a
escola trabalha com temas importantes para melhorar a convivência e,
consequentemente, reduzir os conflitos.
Como observado, as medidas coercitivas e/ou punitivas tomadas para
resolver os conflitos que constam no Livro de Ocorrências estão de acordo com as
orientações do Regimento Escolar das Escolas Públicas do Distrito Federal, embora
o Projeto Político-Pedagógico (PPP) não faça nenhuma referência. A forma como os
conflitos são resolvidos na escola foi um ponto importante a considerar para a
proposta da roda de conversa e da intervenção de mediação. Foi esclarecido que
nenhum fato relatado durante a mediação seria repassado para a direção,
coordenação e/ou orientação.
Na roda de conversa, professores e alunos demonstraram ter opiniões
diferentes quanto à definição e gravidade das ações conflituosas, o que mostra que
os conflitos são analisados de forma diferente dependendo de quem os observa.
Enquanto os professores consideram até uma discussão como conflito, os alunos só
o percebem nas agressões físicas. Na visão dos alunos, a turma não tem problemas
com conflitos, apenas discutem muito, xingam e “zoam” uns aos outros. Alunos e
professores demonstraram dificuldades em separar conflito de violência, que embora
relacionados, não são sinônimos.
De acordo com Chrispino e Chrispino (2011, p. 42), “os conflitos são situações
em que duas ou mais pessoas entram em oposição ou desacordo porque suas
posições, interesses, necessidades, desejos ou valores são incompatíveis ou são
percebidos como incompatíveis.” A violência, por sua vez, é definida como o “uso de
força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou
contra um grupo ou comunidade que possa resultar em sofrimento, morte, dano
psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação” (OMS, 2002, p. 05).
No prosseguimento da conversa, com o objetivo de obter mais informações
sobre a turma, foi solicitado aos alunos que escrevessem anonimamente sobre as
situações conflituosas que já enfrentaram e/ou estavam enfrentando, eles citaram

97
xingamentos, depreciação por parte dos colegas e abuso sexual. Os dois primeiros
já eram esperados por serem muito comuns no contexto escolar, mas o terceiro
causou surpresa e espanto nos adultos envolvidos. O caso do abuso sexual teve de
ser encaminhado à direção da escola para averiguação por se tratar de um crime
grave contra a criança. Quando se trata de casos dessa natureza, o professor não
tem autorização legal para mediar os conflitos nem as suas consequências.
De acordo com o artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n.8.069, de 13 de julho de 1990), o professor de ensino fundamental, pré-escola ou
creche, deve apenas comunicar à autoridade competente os casos de que tenha
conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de violência contra criança ou
adolescente. A partir daí, “cabe ao responsável da rede de proteção garantir a
urgência e a celeridade necessárias ao atendimento de saúde e à produção
probatória, preservada a confidencialidade” (BRASIL, 1990, p. 213).
Em relação à prática de mediação,

cabe ressaltar que alguns conflitos são não mediáveis e devem estar
previstos nos documentos do programa escolar. Não se pode mediar
conflitos criados por subtração de direitos, por crimes ou atos infracionais
que a lei indica como de informação obrigatória às autoridades competentes
(agressão a menores, por exemplo) (CHRISPINO e CHRISPINO, 2011, p.
82).

De acordo com as observações realizadas, há que se concordar que conflito e


convivência são duas realidades sociais inerentes à vida em sociedade, sendo
impossível separá-los, pois onde há vida, há conflito (Jares, 2008). É importante
salientar que na mediação os conflitos são considerados como algo natural,
inevitável e necessário ao crescimento do ser humano (JARES, 2008; VINHA e
TOGNETTA, 2009; LEDERACH, 2012; CHRISPINO, BERNARDES, ALDENUCCI e
MEURER, 2019). Chrispino e Chrispino (2011) afirmam que o conflito, inclusive,
possui inúmeras vantagens e que dificilmente são percebidas:

1) ajuda a regular as relações sociais; 2) permite o reconhecimento das


diferenças, que não são ameaça, mas resultado natural de uma situação em
que há recursos escassos; 3) ajuda a definir as identidades das partes que
defendem suas posições; 4) racionaliza as estratégias de competência e de
cooperação (CHRISPINO e CHRISPINO, 2011, p. 47).

98
Neste sentido, a mediação de conflitos é um importante instrumento a ser
utilizado na prevenção da violência, já que inibe a sua escalada. A título de
esclarecimento, a prevenção da violência defendida neste texto não se refere a uma
ação em data específica, como tantas outras, que a escola deve trabalhar. A
prevenção passa obrigatoriamente pelo trabalho de mediação e transformação dos
conflitos e deve constituir um programa permanente na instituição escolar. Pois,
como afirmam Chrispino e Chrispino (2011, p. 15), “a violência escolar é sistêmica e
complexa e, por isso, não é razoável esperar que seja superada por ações pontuais
e espasmódicas, movidas pela comoção de um fato mais contundente.”
Alguns documentos que orientam a ação educativa fazem referência à
prevenção da violência, mas não deixam claro se deve ser um trabalho sistemático,
nem fazem menção à capacitação dos professores. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), no artigo 12 traz que
os estabelecimentos de ensino, têm a incumbência de “promover medidas de
conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência,
especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas”; e
estabelecer “ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas”. Além
disso, apregoa que “os conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de
todas as formas de violência contra a criança e o adolescente sejam incluídos, como
temas transversais, nos currículos escolares” (BRASIL, 1996).
Em consonância com a LDB, o Currículo em Movimento do Distrito Federal
traz o Eixo Transversal: “Educação para a diversidade, cidadania e educação em e
para os direitos humanos” que estabelece a prática da resolução de conflitos
“através do respeito à opinião do outro e à troca de experiências, visando a
compreensão da disputa como um elemento intrínseco da competição e não como
uma atitude de rivalidade frente aos demais” (DISTRITO FEDERAL, 2018, p. 116). O
artigo 70-A da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA) dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios deverão “atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e
na execução de ações destinadas ao apoio e incentivo às práticas de resolução
pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente”
(BRASIL, 1990, p. 47).

99
Embora os documentos citados não abordem, tanto no trabalho de mediação
de conflitos quanto na prevenção da violência, a participação da família é
imprescindível. Mais do que participar, a família precisa cooperar para que o trabalho
desenvolvido na escola encontre um ambiente favorável para ser reproduzido nos
lares. É notório que a família “passou a delegar à escola funções educativas que
historicamente eram de sua própria responsabilidade” (CHRISPINO e CHRISPINO,
2011, p. 11), mas o contexto atual exige que essas duas instituições se unam em
prol de um objetivo maior: a educação para uma cultura de paz e para a prevenção
da violência. “Ainda que pareça paradoxal, contudo, educar para a paz não é nem se
revela algo harmonioso, isento de conflitos ou que produza unanimidade” (JARES,
2002, p. 15).
A boa relação observada entre a escola participante do estudo e as famílias
não indica que não existam conflitos, o que justifica ainda mais a importância da
mediação no contexto escolar. Alguns registros no Livro de Ocorrências indicam que
as famílias e a escola nem sempre estão de acordo sobre as responsabilidades que
cabem a cada uma ou a ambas no que diz respeito aos conflitos e as manifestações
violentas. Entretanto, é necessário que haja um esforço coletivo para que as
orientações de ambas as partes coincidam. Isso é primordial quando se fala em um
trabalho de mediação voltado para a resolução e transformação de conflitos.
A escola parece manter uma relação estreita e respeitosa com as famílias. Os
pais são incentivados a participar ativamente da construção pedagógica da escola e
têm oportunidades para refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem dos
alunos. A “Reunião de pais e mestres” é o principal momento de avaliação do
trabalho realizado no bimestre e do rendimento do aluno. A escola compreende que

a parceria família-escola é primordial para que possamos alcançar o êxito


de nossos alunos. A família representa o alicerce para que o indivíduo
construa uma boa estrutura social, pois é dentro do espaço familiar que a
criança determina os primeiros relacionamentos, que depois abrangerá a
escola e por fim a sociedade. Por isso, a participação da família na vida da
criança é de suma importância, é ela que servirá de modelo de
relacionamentos para que, mais tarde, ela se relacione com outras pessoas
(PPP, 2019).

100
4.2 A PRÁTICA DA INTERVENÇÃO

O primeiro contato direto com os alunos se deu em uma roda de conversa


proposta para que eles refletissem sobre os conflitos recorrentes na turma e
propusessem formas de resolução. A partir dos esclarecimentos e do levantamento
dos primeiros dados, foi iniciada a prática de intervenção na turma. Foi explicado
que esse trabalho de dialogar, identificar os conflitos e buscar soluções com a ajuda
das partes envolvidas se chama mediação e que seria o foco das intervenções. Para
finalizar a atividade, foi solicitado aos alunos que escrevessem anonimamente sobre
os conflitos que não quiseram abordar perante o grupo. As situações relatadas
poderiam ser retomadas posteriormente, caso os alunos tivessem interesse em
conversar individualmente com a pesquisadora.
Em seguida, iniciou-se a etapa de mediação nas aulas de Educação Física
através dos jogos cooperativos. As incidências conflituosas resolvidas durante as
aulas e, a cada semana, eram retomadas nas assembleias de classe que tinham o
propósito de buscar soluções coletivas para as questões que afetavam o grupo.
Tanto nas aulas de Educação Física como nas assembleias, a mediação foi pautada
na técnica de diálogo da Comunicação Não-Violenta (CNV) sugerido por Marshall B.
Rosenberg (2006). Essa técnica foi escolhida para abordar os conflitos durante as
intervenções de mediação por possibilitar aos alunos a reflexão e a expressão dos
seus sentimentos.
Como foi relatado, o caso do abuso sexual ficou a cargo do Conselho Tutelar
e da família, mas o restante dos casos foi mediado pela autora nas primeiras
intervenções. Quando os alunos julgavam que um caso estava resolvido, já
começava a mediação do próximo. Todos os casos observados e relatados (exceto o
de abuso sexual) foram considerados mediáveis e seguiram o processo da
Comunicação Não Violenta (CNV) proposta por Marshall B. Rosenberg (2006).
Fazendo uso dessa técnica, os alunos puderam ser mais assertivos nas suas
queixas, pois “o processo de comunicação não violenta se baseia em práticas
respeitosas que promovem a cooperação genuína” (ROSENBERG, 2019, p. 13). Se
o diálogo não for orientado, as falas dos envolvidos podem representar críticas e
“criam uma tendência à autoproteção, característica que, embora não sendo inimiga

101
da honestidade, tende a diminuir a franqueza na reflexão sobre si próprio”
(LEDERACH, 2012, p. 73).
A orientação dada aos alunos no tocante à abordagem do conflito durante as
discussões foi de respeitar o colega independentemente do que tinha acontecido.
Assim, se a situação ocorresse durante a realização dos jogos cooperativos ou em
outro momento e fosse abordado na assembleia de classe, o aluno deveria seguir as
etapas propostas pela CNV e primar sempre pelo respeito ao se expressar. Dessa
forma, os conflitos foram trabalhados, resolvidos e transformados antes que se
manifestassem em forma de violência.
A proposta das intervenções era justamente possibilitar a criação de
respostas adaptativas aos conflitos, ao que a CNV contribuiu imensamente. A CNV é
desenvolvida de acordo com etapas que servem de base para a solução de
conflitos. Segundo Rosenberg (2019), a essa técnica possibilita:

1) expressar nossas necessidades; 2) enxergar as necessidades dos outros,


independentemente do modo como se expressam; 3) verificar se as
necessidades foram compreendidas com exatidão; 4) oferecer a empatia de
que as pessoas precisam para ouvir as necessidades dos outros; e 5)
traduzir as soluções ou estratégias propostas para uma linguagem de ação
positiva (ROSENBERG, 2019, p. 13).

De acordo com o autor, “a CNV é um poderoso modelo de comunicação cujo


propósito é inspirar conexões sinceras entre as pessoas de maneira que as
necessidades de todos sejam atendidas por meio da doação compassiva”
(ROSENBERG, 2019, p. 07). O processo da CNV é composto por 4 componentes: 1)
observação, 2) sentimento, 3) necessidades e 4) pedido, os quais devem ser
percebidos e expressos verbalmente pelos envolvidos no conflito. Ou seja, o
processo da CNV deve focar

as ações concretas que estamos observando e que afetam nosso bem-


estar; como nos sentimos em relação ao que estamos observando; as
necessidades, valores, desejos etc. que estão gerando nossos sentimentos;
e as ações concretas que pedimos para enriquecer nossa vida
(ROSENBERG, 2006, p. 26).

Embora o processo da CNV deixe claro a utilização do diálogo como principal


instrumento da mediação, é oportuno dizer que ela se compõe basicamente de

102
etapas que devem ser seguidas para que o diálogo entre as partes envolvidas seja
claro e objetivo. Segundo Jares (2008), o diálogo é tão importante para a resolução
de conflitos que, quando ele se rompe, inviabiliza a resolução de qualquer questão.
E não há possibilidade de “resolver os conflitos senão por meio do diálogo, seja
diretamente entre as partes que se enfrentam ou através de terceiros que se
coloquem como mediadores ou, ao menos, intermediários” (JARES, 2008, p. 33).
Nas observações realizadas nas aulas de Educação Física, notou-se que o
professor também utiliza o diálogo para resolver questões conflituosas. Embora não
utilizando o processo da CNV, o professor ouve as partes envolvidas e ajuda os
alunos a buscarem juntos a resolução para as situações. O professor tem
conhecimento sobre as práticas de mediação por ter feito o Curso de Mediação de
Conflitos no Contexto Escolar oferecido pelo Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios (MPDFT). É o único profissional da escola com capacitação em curso
específico de mediação de conflitos escolares. Mesmo com formação, o professor
demonstrou dificuldades em mediar determinados tipos de conflitos. É importante
ressaltar que isso ocorre independente da formação e/ou capacitação para mediar
conflitos. Qualquer iniciativa depende preliminarmente da sensibilização e
capacitação das pessoas (professores, alunos e direção). Assim,

não cabe perder tempo justificando o porquê da crença de que a escola e


seus membros conhecem o conflito e a mediação de conflitos; seus
fundamentes e duas técnicas carecem de fundamento fático. A mediação de
conflito no universo escolar é uma programa com competências e
conhecimentos novos, ainda não disseminados no contexto educacional
(CHRISPINO e CHRISPINO, 2011, p. 87).

Voltando à intervenção, no começo do processo de CNV para a mediação, foi


solicitado que os alunos refletissem sobre a convivência com os colegas para
perceber as situações que estavam afetando seu bem-estar. Essa tarefa eles
conseguiram realizar com certa facilidade elencando várias situações que foram
listadas para poder organizá-las quanto a urgência de mediação. Seguindo o
processo, os alunos tinham que identificar e expressar o que sentiam em relação às
situações, mas tiveram muitas dificuldades. Isso acontece, segundo Rosenberg
(2006, p. 34), “porque o nosso repertório de julgamentos e rótulos é maior do que o
vocabulário para descrever nossos estados emocionais”. Assim, foi necessário

103
ajudar os alunos na identificação e na expressão dos sentimentos em relação aos
conflitos.
No terceiro passo do processo, os alunos precisavam dizer qual necessidade
não estava sendo atendida e que, por consequência, gerou um conflito, mas
também tiveram dificuldades em relação a isso. Ou seja, eles identificaram os
conflitos, mas não sabiam quais sentimentos decorriam deles e nem as
necessidades que não eram atendidas. As dificuldades que os alunos demonstraram
são também encontradas pelos adultos. Para Rosenberg (2019, p. 14),

pouquíssimas pessoas são ensinadas a expressar as próprias


necessidades. (...) Em consequência, não conseguimos encontrar soluções
para os conflitos. Em vez de ambos os lados expressarem as próprias
necessidades e compreenderem as da outra parte, todos entram numa
disputa para ver quem está certo. E é bem provável que isso termine
causando várias formas de violência verbal, psicológica ou física – e não a
solução pacífica das diferenças.

Completando o processo da CNV, os alunos deviam fazer pedidos para as


pessoas envolvidas nos conflitos. Os pedidos deveriam expressar claramente o que
eles queriam dos outros para pôr um fim à situação conflituosa. Nesse momento, em
vez de pedidos, os alunos expressavam exigências e ordens. Em todas as etapas
nas quais os alunos demonstraram dificuldades, foi necessário um auxílio para que
compreendessem o que estava sendo solicitado e pudessem se expressar
verdadeiramente. Ficou claro que o processo de CNV para a resolução de conflitos é
simples e complexo ao mesmo tempo, porque exige uma análise minuciosa de
sentimentos e necessidades que geralmente passam despercebidos. De qualquer
forma, “os problemas e conflitos têm de ser enfrentados, mas temos de saber
enfrentá-los” (JARES, 2008, p. 216), pois “o potencial para mudanças construtivas
repousa em nossa habilidade de reconhecer, compreender e retificar o acontecido”
(LEDERACH, 2012, p. 51).
Já nos primeiros encontros, a mediação com o uso da CNV foi bastante
produtiva em relação à participação e atuação dos alunos durante a intervenção. Foi
possível observar a aquisição de novas competências e habilidades dos alunos para
mediar conflitos nas aulas de Educação Física. Dentre elas, pode-se citar: a
concepção positiva do conflito; a identificação e expressão dos sentimentos gerados
pelos conflitos; e a utilização do diálogo para resolver desentendimentos. As

104
melhorias foram muito importantes, sobretudo a mudança da concepção de conflito
que é uma peça-chave para a aceitação da mediação como alternativa de resolução.
Jares (2008) defende que modificar a percepção negativa do conflito “é um dos
desafios prioritários a serem enfrentados para encarar a realidade dele como algo
natural e a partir daí tratá-lo como um ato educativo, uma oportunidade para
aprender” (p. 77). Nesse sentido, “ensinar as crianças a encontrar uma saída para o
conflito significa ensiná-las a não fugir desse conflito, e ajudá-las a compreender que
é possível passar pelo conflito e lidar com ele de maneira construtiva” (MULLER,
2006, p. 91).
A primeira fase da mediação trouxe elementos importantes para a convivência
dos participantes, pois eles conseguiram visualizar os conflito de outra perspectiva.
Na avaliação inicial dos alunos, surgiram opiniões como: “conflito é ruim” e “temos
que fazer de tudo para não entrar em conflito com ninguém”. E essa é a percepção
da maioria das pessoas, principalmente no contexto escolar. Mudando a concepção
de conflito, alunos e professores começaram a vislumbrar outras alternativas para
resolvê-los. Os alunos passaram a demonstrar mais tolerância nos relacionamentos,
principalmente com os colegas. Os conflitos continuaram existindo, mas a reação
dos alunos foi amenizada depois da primeira sessão de mediação. Alguns alunos
passaram a fazer a gestão dos conflitos que, segundo Chrispino e Chrispino (2011,
p. 58),

é um patrimônio pessoal que, quando conquistado, alça o indivíduo a um


novo e irreversível patamar social: o que busca a solução do conflito. A
mediação de conflito é uma ação diferente, visto que atende por meio de
terceiros, àqueles que não conseguem fazer sozinhos a gestão do conflito
em que se envolveram.

Na sequência, as intervenções aconteceram durante as duas aulas semanais


de Educação Física e nas assembleias de classe semanais com o objetivo de
buscar soluções para problemas que foram observados pelos alunos e que afetavam
a coletividade. Por se tratar de uma turma com idades entre 10 e 12 anos, os jogos
escolhidos pertencem à categoria dos semicooperativos. Segundo Brotto (2013),
esses jogos são os ideais para aplicar em grupos de adolescentes pois trazem
elementos competitivos e cooperativos. Os jogos escolhidos tinham como objetivos

105
principais desenvolver a empatia, a cooperação, a solidariedade, as condutas de
ajuda, a comunicação interpessoal; criar um clima de aula positivo; diminuir as
condutas agressivas no grupo; e promover a regulação dialogada dos conflitos. Os
jogos foram apresentados seguindo as etapas sugeridas por Soler (2011): a)
apresentação das instruções para o jogo: explicação dos objetivos do jogo; b)
jogando o jogo: cuidado com o ambiente e o tempo necessário para realizar o jogo;
c) processando o jogo: discussão no final do jogo para avaliar a atividade e fazer
ajustes.
Antes de começar a explanar sobre as atividades realizadas, é importante
salientar que as aulas tiveram o enfoque da aula pacífica, cuja abordagem tem como
fundamento uma série de procedimentos e dinâmicas que privilegiam o aprendizado
cooperativo e a prática de princípios que contribuem para desenvolver uma cultura
de mediação de conflitos (CHRISPINO e CHRISPINO, 2011). Resumidamente,
alguns desses pontos são:

1) Cooperação: os estudantes aprendem a trabalhar juntos, a confiar, a


ajudar e a compartilhar com os demais;
2) Comunicação: os estudantes aprendem a observar cuidadosamente, a
comunicar-se com precisão e a escutar com sensibilidade;
3) Respeitar a diversidade: aprendem a respeitar e a apreciar as diferenças
entre as pessoas e a entender o preconceito e como ele funciona;
4) Exposição positiva das emoções: aprendem a expressar suas emoções e
seus sentimentos, especialmente os de ira e de frustração, exprimindo-os
de formas não violentas, não agressivas e não destrutivas, exercitando o
autocontrole;
4) Mediação de conflitos: aprendem as habilidades de responder
criativamente e criticamente aos conflitos que ocorrem em seu contexto
social mais amplo (HEREDIA, 1999 apud CHRISPINO e CHRISPINO, 2011,
p. 77).

4.3 DISCUSSÃO DOS DADOS DAS INTERVENÇÕES

Como disse Terry Orlick (1989, p. 19), “não ensinamos nossas crianças a
jogar, mas a vencer jogos”. Por meio da competitividade precoce e da frieza afetiva
em relação aos outros, elas são treinadas para que sejam vencedoras. Por isso,
correm o risco de não conseguir manifestar sentimentos como simpatia e
generosidade em relação aos outros (LA TAILLE, 2009). Na contramão da
competição, os jogos cooperativos possibilitam “ensinar à criança que para ser

106
aceita não precisa marcar mais pontos ou ser mais forte e melhor sempre, mas sim
ser exatamente quem é” (SOLER, 2011, p. 66). Ainda segundo o autor, esse é um
meio de humanizar as pessoas, pois ninguém nasce humano, mas se torna humano
ao socializar-se por meio das diversas formas de interações” (SOLER, 2011).
Orlick (1989) defende que os padrões de comportamento social fluem dos
valores que são trabalhados e adquiridos durante os jogos e brincadeiras na infância
e dos modelos aos quais as pessoas crianças são expostas. Isto quer dizer que
“somos socializados para tipos construtivos ou destrutivos de comportamento”
(ORLICK, 1989, p. 23). Se diz que os jogos foram criados para construir o caráter e
promover o desenvolvimento de valores morais, mas só cumprirão esses objetivos
se forem orientados para tal. Não se pode atingir tais objetivos estimulando a
competição exacerbada, pelo contrário, é necessário que “o jogo nunca se torne
mais importante do que as pessoas” (ORLICK, 1989, p. 58). E este é o foco dos
jogos cooperativos.
Algumas informações são importantes e podem auxiliar na compreensão do
desenvolvimento dos jogos. A primeira é que os jogos escolhidos não são totalmente
cooperativos, eles são semi-cooperativos, ou seja, têm elementos cooperativos e
competitivos. Segundo Brotto (2013), é mais aconselhável utilizar os jogos semi-
cooperativos e os de inversão com alunos que tiveram pouca ou nenhuma
experiência com jogos cooperativos. A segunda informação diz respeito às
instruções de comportamento em relação aos colegas. Foi dito que era importante
respeitar os colegas e tratá-los com cordialidade, mesmo se eles não se saíssem
bem nos seus embates ou se não compreendessem bem a dinâmica do jogo.
Também foi dito que a regra principal dos jogos era que todos os alunos se
divertissem ao praticar as atividades.

4.3.1 Primeira semana

Foram desenvolvidos os jogos “jokempô” e “queimada cooperativa”. No


primeiro jogo, os alunos demonstraram conhecer a dinâmica do “pedra-papel-ou-
tesoura” utilizado para determinar os vencedores dos embates. A maioria gostou do

107
início do jogo porque envolvia competição, corrida e muita adrenalina. Os alunos
mais inseguros demonstraram apreensão e ansiedade durante o desenvolvimento
do jogo mesmo quando não era a sua vez de participar. Com o desenrolar da
atividade, o acordo de respeito e cordialidade foi esquecido, dando lugar a insultos e
xingamentos. Os alunos insultados devolviam o insulto e/ou se negavam a continuar
participando do jogo.
Era notória a rivalidade entre os alunos e as duas equipes. A rivalidade
entendida, neste estudo, como “o comportamento dirigido contra uma outra pessoa,
enquanto o objeto ou posição pelo qual de compete é secundário” (ORLICK, 1989,
p. 81). Todos queriam vencer o jogo e ter o melhor desempenho para,
consequentemente, o reconhecimento dos colegas. Para conseguir atingir os
objetivos, os alunos estavam dispostos a tudo, desde insultos até trapaças. Esses
atos destrutivos, como afirma Orlick (1989), são acompanhados de desumanização.
Os alunos já não se viam como colegas, mas como rivais que precisavam ser
combatidos. Segundo Orlick (1989, p. 80), “a desumanização torna mais fácil a
destruição de uma outra pessoa, pois é difícil causar propositalmente ferimento ou
dor aos semelhantes, a não ser que se encontre alguma forma de desumanizá-los.”
Os alunos demonstraram descontrole em relação à expressão de sentimentos
como raiva, angústia, ansiedade e medo. Esse último sentimento demonstrado,
principalmente, pelos participantes menos competitivos e/ou menos habilidosos. O
comportamento dos alunos exigiu várias interrupções e intervenções durante o jogo.
Seguindo as sugestões de Vinha (2013, p. 77), as situações foram utilizadas “para
auxiliar os alunos a reconhecer as próprias perspectivas e as dos outros e a
aprender aos poucos, como buscar soluções aceitáveis e respeitosas para todas as
partes envolvidas.” Durante as discussões, mesmo concordando que não estavam
cumprindo as regras, os alunos não reconheciam o erro e atribuíam a
responsabilidade aos colegas.
À medida que o jogo foi se desenvolvendo, alguns alunos começaram a
perceber que os colegas que marcavam ponto, ou seja, que percorriam todo o
trajeto e chegavam ao outro time, já não faziam parte da equipe de origem. Os
alunos que iam para a equipe que estava vencendo ficavam felizes, mas os que iam
para a equipe que estava perdendo ficavam bravos e questionavam a dinâmica do

108
jogo. Como a turma tinha apenas 15 alunos, rapidamente uma equipe se uniu à
outra. Já não eram duas equipes, mas apenas uma. Os alunos não entenderam
muito bem o que aconteceu, mas durante a avaliação da atividade foi possível
esclarecer. Nesta atividade ficou claro que alguns alunos não aceitavam seus pares,
principalmente os menos habilidosos e que buscavam formas agressivas para
resolver as suas diferenças.
Em seus estudos, Deluty (1979) encontrou três estratégias de resolução de
conflitos interpessoais: agressiva, submissa e assertiva. A forma de resolução
agressiva se caracteriza pelo enfrentamento da situação de conflito interpessoal
apelando para formas de agressividade e de coerção, como violência ou desrespeito
ao direito, sentimento e opinião alheia. A forma de resolução submissa se
caracteriza pelo não enfrentamento (fuga ou esquiva) de uma situação e pela
valorização dos direitos, ideias e sentimentos dos outros em detrimento dos
próprios. A forma de resolução assertiva envolve o enfrentamento da situação de
conflito, mas sem qualquer tipo de coerção. Essa forma se caracteriza por
valorização e defesa dos próprios direitos, mas levando em consideração os direitos,
sentimentos, ideias e opiniões alheias.
Segundo Tardeli e Pasqualini (2011), a forma assertiva pode se consolidar se
as crianças, ao se envolverem em conflitos, forem mediadas por pessoas
capacitadas para tal, ou seja, se forem

tratadas com respeito pelas figuras de autoridade nas condições de conflitos


interpessoais. Sendo mais claro, é preciso oferecer um ambiente que
favoreça a cooperação entre os pares, que acredita na capacidade das
pessoas em construírem formas mais evoluídas para negociar nos
desentendimentos interpessoais, pode favorecer a consolidação do estilo
mais justo e equilibrado de solução de conflitos (TARDELI e PASQUALINI,
2011, p. 247).

Infelizmente, a forma de resolução agressiva é a atitude mais observada entre


os alunos, principalmente quando estão condicionados a competir. A aceitação das
próprias limitações e das limitações dos colegas é algo impensável quando o
interesse está apenas em vencer. Orlick (1989, p. 95) afirma que a “aceitação só é
demonstrada ao se tratar alguém como o indivíduo digno que ele é”, algo difícil de se
conseguir quando o outro é visto como um inimigo a ser combatido. Para que os

109
alunos pudessem aceitar os colegas, eles precisariam aceitar a si próprios
reconhecendo que também têm limitações. Além disso, precisariam se autovalorizar
para desenvolver um sentido positivo de si mesmo e dos outros (ORLICK, 1989).
Para tal intento, os jogos cooperativos poderiam contribuir por ter estruturas de
aceitação e reforço de comportamentos desejáveis (VELÁZQUEZ CALLADO, 2004;
BROTTO, 2013).
No final da aula, todos se sentaram em círculo para avaliar a aula e a
participação de cada um. Primeiramente, para nortear a autoavaliação, foi citado o
acordo feito antes do jogo. A maioria dos alunos admitiu não ter cumprido o acordo.
Um aluno disse que “no calor do jogo não tem como lembrar de acordos”. Outro
aluno complementou dizendo que “durante o jogo a gente só quer ganhar, por isso
não lembra de mais nada”. Os alunos começaram, então, uma discussão com tom
acusatório, falando sobre possíveis trapaças, insultos e justificando suas atitudes
como respostas às atitudes dos colegas. Foi necessário relembrá-los da regra de
cada um falar na sua vez. Alguns alunos falaram que a dinâmica do jogo era injusta.
As opiniões se dividiram entre os que gostaram do jogo e os que o desaprovaram. A
baixo está transcrito um trecho de um dos diálogos entre os alunos e a
pesquisadora.

Aluno A: “Oxe, tia! A gente tinha ganhado deles, mas no final todo mundo
ganhou? Isso é injusto!”
Aluno B: “É, tia! A gente se esforçou pra ganhar e eles não! Não tá certo!
Pesquisadora: “O que era necessário para ganhar o jogo?”
Aluno C: “Tinha que correr rápido e vencer o embate.”
Pesquisadora: “O que estava relacionado à sorte e o que estava relacionado à
habilidade motora?
Grupo de alunos: “Tinha que ter sorte no embate e habilidade na corrida.”
Pesquisadora: “Então, mesmo que a outra equipe tivesse mais habilidade na
corrida, se não tivesse sorte no embate não venceria.”
Aluno B: “Tinha que ter os dois.”
Pesquisadora: “Então, não dá pra dizer que a outra equipe não se esforçou.
Pode ser que só não tiveram sorte nos embates. Não é isso?”

110
Grupo de alunos: “É!”
Pesquisadora: Como foi perceber que todos haviam ganhado?
Aluno A: “Foi horrível!”
Aluno C: “Nem acreditei! Eu já estava triste por ter perdido, mas quando a
senhora disse que nós também tínhamos ganhado, fiquei super feliz!”
Aluno D: “Eu achei esse jogo sem graça! Gosto mais dos jogos que têm
ganhadores!”
Alunos E: “Se não tem ganhador, pra que jogar?”
Aluno F: “Eu gostei deste jogo, tia, porque ninguém pode zoar de quem
perde.”

As opiniões dos alunos “D” e “E” são característicos em grupos de alunos que
estão iniciando o contato com os jogos cooperativos. Boa parte dos alunos não vê
sentido em jogar se não tiver vencedores, pois estão acostumados às situações
competitivas nas quais buscam vencer à qualquer custo. Uma das motivações
principais da competição é “a satisfação em humilhar o outro e assegurar que não
atinja seus objetivos”, pois é “orientada para a desvalorização do outro” (BROTTO,
2013, p. 45). Assim, os alunos condicionados à competição têm muitas resistências
aos jogos cooperativos que têm como motivação principal “ajudar os outros a atingir
seu objetivo. A cooperação e a ajuda são um fim em si mesmas, em vez de um meio
para se atingir um fim” (BROTTO, 2013, p. 46).
Durante a avaliação do jogo Jokempô, alguns alunos demonstraram empatia
afirmando que “é muito ruim perder” e que “o jogo foi legal porque todos puderam
ganhar!” Para Velázquez Callado (2004) e Rosenberg (2019), o desenvolvimento da
empatia é um dos princípios básicos que devem nortear a convivência para a
manutenção de um ambiente harmonioso e pacífico. É a empatia que favorece o
surgimento do sentimento de respeito pelos demais, pois se colocando no lugar do
outro, pode-se aceitar as suas limitações sem julgamentos (ROSENBERG, 2006). O
respeito, por sua vez, está relacionado à dignidade humana e deve ser o princípio
norteador de todas as relações interpessoais, pois a sua falta torna a convivência
impossível (JARES, 2008 e VINHA, 2013).

111
No jogo “queimada cooperativa”, foi feito o mesmo procedimento adotado no
primeiro jogo. Foram dadas instruções sobre o comportamento respeitoso e cordial
que era esperado em relação aos colegas. Também foi dito que a regra principal dos
jogos era que todos os alunos se divertissem ao praticar as atividades. Ao
questionar os alunos sobre o que poderia ser feito em caso de xingamentos e
insultos, foi sugerido que a cada incidência um aluno fosse retirado do time agressor
como se tivesse sido queimado. Para voltar ao jogo, seguiria a regra válida para os
demais, ou seja, teria que esperar um colega agarrar a bola lançada pelo time
oponente. Alguns alunos reagiram à nova sanção, mas ela foi aceita e aprovada pela
maioria.
O uso da rede foi a segunda regra que causou estranhamento. Apesar de ter
explicado o uso dela para proteger os alunos mais medrosos e/ou menos
habilidosos, alguns falaram que nunca tinham visto algo do tipo e que o jogo não
seria legal. Alguns alunos também não aprovaram a regra de seguir uma sequência
para que todos os alunos da equipe pudessem arremessar a bola. As equipes no
primeiro jogo foram formadas considerando a lista de chamada: equipe dos números
pares e equipe dos números ímpares. No segundo jogo, foi considerada a ordem
que os alunos sentaram no círculo da conversa inicial. As equipes do segundo jogo,
portanto, tiveram algumas diferenças em relação às equipes do primeiro jogo.
O jogo teve início sem problemas por ser uma atividade conhecida das
crianças, tendo a variação apenas do uso da rede. Quando o primeiro aluno foi
“queimado”, começaram os questionamentos porque o aluno que “queimou” deveria
ir para o time adversário. O aluno que trocou de equipe logo quis saber como faria
para voltar ao time de origem. A pesquisadora nem precisou responder, pois um
aluno se adiantou e disse: “É só queimar alguém que era da sua equipe!” O jogo
transcorreu normalmente porque os alunos estavam mais interessados em “queimar”
os colegas do que no resultado do jogo. No final, as duas equipes venceram: uma
por não ter integrante fora da quadra e a outra por ter o menor número de
integrantes “queimados” durante o jogo.
É interessante notar que em um determinado momento, os alunos
esqueceram do objetivo coletivo (ganhar o jogo) e passaram a perseguir os objetivos
individuais (queimar o colega, sentir-se superior, etc). Segundo Brotto (2013, p. 43),

112
na competição, “para que um dos membros alcance seus objetivos, outros deixarão
de atingir os seus.” Como se percebe, esse é um comportamento destrutivo derivado
claramente da competição, mas que se manifesta também na cooperação, ou seja,
quando não há competição (ORLICK, 1989; SOLER, 2011; BROTTO, 2013). De
acordo com Orlick (1989, p. 23), esses padrões de comportamento não fluem
somente dos valores adquiridos nos jogos, mas “dos modelos a que estamos
expostos e dos reforços que resultam do engajamento em certos atos”.
Na avaliação da aula, houve acusações entre os alunos. Foi dito que alguns
alunos eram “fominhas”, pois não queriam passar a bola para que os outros
integrantes arremessassem ao time adversário. Os acusados, por sua vez, disseram
que queriam jogar para marcar ponto, já que os outros eram “ruins de arremesso.”
Embora tenha ocorrido tal comportamento, a regra de que todos tinham que
arremessar a bola foi cumprida. Na autoavaliação, os alunos que foram chamados
de “fominhas” disseram que suas participações foram ótimas porque marcaram
pontos. Os outros alunos, porém, argumentaram dizendo que a participação deles
não foi ótima porque eles não queriam cooperar com os colegas, ou seja, não
queriam que eles jogassem.
Todos puderam se avaliar e avaliar as atitudes dos outros, mas foi orientado
que fizessem sem tom acusatório. Todas as discussões durante e após os jogos se
originaram dos conflitos de interesses dos envolvidos nas atividades. Para Piaget
(1994), esse desequilíbrio motiva as crianças a refletirem sobre maneiras distintas
de restabelecer a reciprocidade, o que as leva a considerar pontos de vista
diferentes, a argumentar, a cooperar e a agir levando em conta sentimentos,
perspectivas e ideias de outra pessoa. Essa forma de resolução de conflitos é
considerada cooperativa e “sugere um equilíbrio entre a capacidade de persuasão
do outro e a satisfação de si mesmo” (VINHA, 2013, p. 72).
Como foi dito no capítulo 1, as assembleias escolares trazem os fatos
cotidianos para o espaço coletivo com o objetivo de possibilitar a reflexão e
incentivar o protagonismo das pessoas e a coparticipação do grupo na busca por
soluções (ARAÚJO, 2015). La Taille (2009) corrobora com tal afirmação
acrescentando que as assembleias possuem pontos positivos como, por exemplo, o
desenvolvimento de comportamentos democráticos (cooperação, responsabilidade,

113
igualdade, liberdade, tomada de consciência da relação entre regras e princípios).
Ainda segundo o autor, as assembleias podem melhorar “a qualidade moral do
convívio escolar que é dimensão incontornável para a educação do juízo moral” (LA
TAILLE, 2009, p. 273).
A assembleia representa o “momento em que o coletivo se reúne para refletir,
tomar consciência de si mesmo e transformar o que seus membros consideram
oportuno, de forma a melhorar os trabalhos e a convivência” (PUIG, 2000, apud
VINHA, 2013, p. 82). Para Vinha (2013), as assembleias escolares constituem um
momento institucional do diálogo e a realização das mesmas visam mediar os
conflitos, melhorar o convívio escolar e prevenir a violência. Ainda segundo a autora
elas constituem um espaço para “o exercício da cidadania onde as regras são
elaboradas e reelaboradas constantemente, em que se discutem os conflitos e se
negociam soluções, validando o respeito mútuo como princípio norteador das
relações interpessoais” (VINHA, 2013, p. 82).
Como foi mencionado, esse modelo de mediação de conflitos pode ocorrer
em níveis distintos, classificados por Araújo (2015) como: assembleia na sala de
aula, assembleia na escola, assembleia para os profissionais que atuam no espaço
escolar, e assembleia para as relações entre escola e comunidade (por meio de
fóruns). Cada nível de assembleia é independente dos demais e tem seus objetivos
específicos. Mas, caso haja necessidade, os níveis também podem funcionar como
etapas de um processo de participação ativa da comunidade escolar para resolver
questões que afetam o desenvolvimento do processo educativo.
Na assembleia de classe, especificamente, os participantes (alunos e um
professor escolhido pela turma) tratam de questões que dizem respeito a um
determinado grupo de alunos e que envolvem o espaço de aula (sala ou quadra).
Segundo Jares (2002 p. 199), as assembleias têm caráter educativo porque
possibilitam a “aprendizagem da auto-responsabilidade, da autogestão da turma e
dos hábitos democráticos de convivência”. O professor assume o papel de
“moderador” da discussão e sua intervenção varia de acordo com a necessidade do
grupo ou da questão em debate. Isso quer dizer que o professor deve abandonar a
“autoridade moralizadora” (LA TAILLE, 2009, p. 269) durante as assembleias e dar

114
oportunidade para que os alunos construam as suas regras de convivência de
acordo com a base moral que já possuem.
Para a realização das assembleias com o grupo de alunos deste estudo, foi
proposto que no final de cada aula os alunos anotassem os acontecimentos que eles
“criticavam” e os que eles “felicitavam”. Os nomes dos colegas eram citados apenas
nas felicitações. As anotações eram colocadas em uma caixa para serem lidas no
dia da assembleia, que acontecia na sexta-feira. Antes de se reunir com a turma, a
pesquisadora separava as anotações em dois grupos: críticas e felicitações. A
assembleia durava uma hora e começava com as orientações de cuidados em
relação ao tom da voz, de respeito aos colegas e de ordem para se pronunciar. As
“críticas” eram lidas e debatidas primeiro, enquanto que as “felicitações” eram
usadas para fechar as reuniões. Críticas e felicitações foram abordadas com o
objetivo de mostrar ao grupo que, apesar dos problemas, a turma tinha muitos
pontos positivos para valorizar.
Foi enfatizado o uso da comunicação não violenta (CNV) para a resolução
dos conflitos apresentados durante a assembleia de classe. Segundo Rosenberg
(2019, p. 13), a prática dessa técnica de comunicação envolve:

1) expressar nossas necessidades;


2) enxergar as necessidades dos outros, independentemente do modo
como se expressam;
3) verificar se as necessidades foram compreendidas com exatidão;
4) oferecer a empatia de que as pessoas precisam para ouvir as
necessidades dos outros; e
5) traduzir as soluções ou estratégias propostas para uma linguagem de
ação positiva.

A assembleia da primeira semana aconteceu após a realização dos jogos


“jokempô” e “queimada cooperativa”. Como relatado anteriormente, durante o
desenvolvimento dessas atividades, os alunos demonstraram sentimentos como
apreensão, ansiedade, medo, angústia e raiva que culminaram em rivalidade.
Xingamentos e insultos fizeram parte dos dois jogos, o que exigiu muitas
intervenções durante as aulas e motivou os pedidos de desculpas. Por conta disso,
a grande maioria das “críticas” abordou queixas a respeito do comportamento dos
colegas durante o jogo. Dentre as reclamações estavam: “Eu critico os colegas que
xingam a gente durante o jogo!”; “Eu critico aqueles que querem ser melhores do

115
que os outros!”; “Eu critico quem não respeita os colegas!”; e “Eu critico quem
atrapalha a aula com conversas!”.
Como se percebe, as críticas focaram um comportamento muito comum entre
as crianças (e também entre os adultos): a vaidade. O significado dessa palavra 30 se
refere à valorização que se atribui à própria aparência, ou quaisquer outras
qualidades físicas ou intelectuais, fundamentada no desejo de que tais qualidades
sejam reconhecidas ou admiradas pelos outros. Segundo La Taille (2009), a vaidade
está imersa em orgulho, glória, ostentação, soberba, etc. Ainda segundo o autor, o
vaidoso “precisa do olhar e da admiração do outro” e, por isso, procura chamar a
atenção para si de todas as formas. “Ser admirado, elogiado e adulado é seu maior
desejo. Passar despercebido é seu maior medo e seu maior castigo” (LA TAILLE,
2009, p. 165).
Durante os jogos, muitos alunos buscaram a “visibilidade” ou “aprovação”
perante o grupo. Gritaram, xingaram os colegas e ignoraram os alunos com menos
habilidades motoras. Visivelmente, atingir o objetivo individual era mais importante
do que alcançar a meta da equipe. Para o vaidoso, os outros são apenas “seres que
ele quer impressionar, são seres aos quais ele quer se mostrar superior, que ele
quer ofuscar para que melhor o admirem” (LA TAILLE, 2009, p. 175). É importante
diferenciar a necessidade de visibilidade do vaidoso e a necessidade de visibilidade
do ser humano. Essa última se refere à necessidade de ser visto e respeitado que
todos os indivíduos têm. Trata-se, apenas, da necessidade de reconhecimento da
sua existência, o que o torna merecedor de ser tratado com deferência, com
consideração31 (LA TAILLE, 2009).
Na assembleia, todos os alunos tiveram vez o voz para exprimirem as suas
impressões a respeito da aula. La Taille (2009) mostra em pesquisas realizadas que
a prática de “falar de si” é necessário e benéfico para enriquecer as relações, mas
nenhum aluno foi coagido a falar. Todas as críticas recolhidas na semana foram
todas lidas e debatidas, sendo que as reclamações semelhantes foram abordadas
de uma vez só para otimizar o tempo. Os alunos foram orientados para não citarem
nomes durante o debate das críticas, mas mesmo ocorreram acusações e a

30
De acordo com o resultado da pesquisa no endereço: https://www.google.com/search.
31
Grifos do autor.

116
orientação teve de ser relembrada algumas vezes. Essa orientação é importante
porque o objetivo da assembleia de classe não é acusar ninguém, mas discutir sobre
questões que estão afetando a turma. Além disso, o aluno exposto na acusação,
geralmente, reage com agressividade, impedindo a reflexão sobre suas atitudes.
Nas “felicitações”, os alunos podiam revelar os nomes dos colegas, pois o
objetivo era identificar e valorizar as atitudes positivas durante a aula. Foram
registradas felicitações como: “Eu felicito o Pedro por ter me ajudado a organizar os
materiais da aula!”; Eu felicito a Maria por ter me lembrado de pegar meu agasalho!”;
“Eu felicito o Matheus por ter pedido desculpas depois de ter me empurrado!”. A
maioria dos registros trouxe exemplos de cordialidades corriqueiras que são comuns
entre as crianças que mantém uma amizade. Não foi observado nenhum registro de
felicitação entre os alunos que tiveram algum tipo de atrito durante o jogo. De
qualquer forma, as felicitações foram aplaudidas pelos alunos e, por fim, coladas em
uma cartolina que foi fixada na parede juntamente com o cartaz de acordos.

4.3.2 Segunda semana

Foram desenvolvidos os jogos “time zoneado” e “barra-manteiga”. Como na


semana anterior, foram relembradas as regras sobre o respeito e a cordialidade
entre os alunos e a regra de que todos os integrantes da equipe devem participar do
jogo. Para a composição das equipes no primeiro jogo (time zoneado) foi solicitado
que os alunos se posicionassem nas 8 “zonas” demarcadas no piso, ficando 2 em
cada uma delas. As “zonas” estavam nomeadas alternadamente com as letras “A” e
“B”, dando origem às duas equipes. Como foi dito anteriormente, a meta do jogo era
o time “A” fazer gol no time “B” e vice-versa. Para isso, a bola deveria ser passada
para a zona seguinte mais próxima, correspondente ao respectivo time. Com o gol
feito, as equipes passavam a ocupar a próxima zona.
Demorou um pouco para que os alunos percebessem que todos os
participantes estavam passando tanto pela zona “A” como pela zona “B”! Ou seja,
em um momento eram de uma equipe, mas logo em seguida, eram de outra. Não
demorou para um aluno emitir uma observação em tom de reprovação: “Ah, esse é

117
um daqueles jogos em que todo mundo ganha!” A maioria dos alunos não se
importou com o comentário do colega e continuou o jogo porque estavam excitados
com a possibilidade de ficar em várias posições (ataque e defesa) durante o jogo.
No final do jogo, um aluno comentou: “Tia, já que todo mundo ganha, a gente não
precisa se preocupar com quem joga nas equipes, né?!” Esse comentário foi um
“divisor de águas” na forma como os alunos percebiam o jogo e, especificamente, o
jogo cooperativo.
A proposta dos jogos cooperativos é justamente celebrar o encontro das
pessoas e a diversão decorrente das atividades. Infelizmente, grande parte dos
jogos supervalorizam a competição estimulando “o confronto ao invés do encontro”
(BROTTO, 2013). Essas são “situações capazes de eliminar a diversão e a pura
alegria de jogar”, pois produzem “mais perdedores do que vencedores” e
transformam o jogo em “um espaço de tensão e ilusão” (BROTTO, 2013, p. 61). Os
alunos perceberem que os jogos podem ser jogados por todos independentemente
do nível de habilidade é um avanço significativo, já que um dos objetivos da
Educação Física é “dar oportunidades a todos os alunos para que desenvolvam
suas potencialidades, de forma democrática e não seletiva, visando a seu
aprimoramento como seres humanos” (BRASIL, 1998, p. 30).
Na avaliação da aula, os alunos falaram sobre a forma aleatória que foi
utilizada para formar as equipes. Disseram que formaram as equipes “sem querer”,
ao que um aluno respondeu que não tinha “importância” e repetiu o que havia
falado: “já que todo mundo ganha, a gente não precisa se preocupar com quem
joga nas equipes”. Mesmo tendo as duas equipes como vencedoras, alguns alunos
ainda falaram sobre o rendimento dos colegas criticando aqueles que não tinham
bom arremesso e/ou recepção da bola. Outros alunos chamavam a atenção para a
sua atuação durante o jogo. Um aspecto interessante observado durante o jogo e
relembrado na avaliação foi que os alunos mais habilidosos passaram a ensinar os
colegas menos habilidosos para que tivessem um melhor rendimento.
Além da ajuda, os alunos passaram a comemorar os êxitos dos colegas,
mesmo que pequenos. De acordo com Velázquez Callado (2004, p. 61), esse tipo de
atitude com reforço positivo é imprescindível, pois “é preciso que os alunos se deem
conta do que vão conseguindo fazer” para ficarem mais confiantes. As atitudes dos

118
alunos mais habilidosos transformou a forma como se relacionavam com os demais.
Não estavam ensinando para ganhar o jogo, mas para que o colega desenvolvesse
suas habilidades e conseguisse jogar melhor. Orlick (1989) diz que o que limita as
experiências cooperativas é a visão de jogo e esporte disseminada na sociedade,
mas que, ao experimentar a tendência cooperativa, as ideias de cooperação passam
a se manifestar de maneira rápida e regular. E era justamente isso que estava
acontecendo!
O segundo jogo realizado na segunda semana foi o “barra-manteiga”. A turma
foi dividida em duas equipes de acordo com a lista de chamada: equipe dos
números pares e equipe dos números ímpares. Alguns alunos já conheciam o jogo
e perguntaram o que seria diferente nessa atividade já que, de acordo com as
palavras de um aluno, “os jogos sempre têm regras diferentes!” A pesquisadora
respondeu que não haveriam regras diferentes, apenas uma forma diferente de
interpretar os resultados. Nesse jogo, vence a equipe que terminar com maior
número de jogadores. A questão é que as equipes são diferentes no final do jogo,
pois os alunos são “capturados” durante o jogo. Assim, a equipe que acabar com
mais alunos, terá integrantes das duas equipes originais.
Como esse jogo requer velocidade e agilidade, os alunos começaram a
almejar a “captura” dos mais habilidosos nesses quesitos para ganhar a disputa.
Quando chegava a vez de um aluno menos habilidoso participar, os colegas davam
dicas de como correr ou se esquivar da perseguição do adversário. Alguns alunos
aceitavam as dicas, mas outros diziam que sabiam como fazer e não precisavam de
ninguém para ensinar. Em todos os embates entre as equipes, houve torcida dos
colegas para que seus companheiros tivessem êxito na fuga ou na captura. Alguns
conflitos surgiram porque os alunos passaram a “queimar” a linha de saída ou
chegada, o que era uma “trapaça”, ou seja, a regra não estava sendo cumprida.
Além disso, alguns alunos começaram a “ameaçar” a batida na mão, o que na
opinião da maioria desconcentrava os colegas.
Um jargão popular diz que a regra existe para ser quebrada, mas não é bem
assim. As regras dos jogos são levadas muito a sério, principalmente a partir dos 10
anos de idade quando elas passam a configurar um “acordo mútuo” (PIAGET, 1994)
que requer respeito e cumprimento. De acordo com o autor, quando as crianças

119
chegam na fase de se submeter às regras e praticá-las, “formam uma concepção
nova da regra: pode-se mudá-las, com a condição de haver entendimento, porque a
verdade da regra não está na tradição, mas no acordo mútuo e na reciprocidade”
(PIAGET, 1994, p. 82). Assim, mesmo que as regras sejam alteradas, exige-se o
cumprimento delas como fator fundamental para o prosseguimento do jogo.
O descumprimento de regras normalmente gera uma sensação de injustiça, o
que causa conflitos (MIZUSAKI e MENIN, 2011) que, segundo as autoras, devem
receber toda a atenção do professor que está com os alunos. É fundamental que “os
padrões que geram injustiça sejam abordados e modificados” (LEDERACH, 2012, p.
34) para que a confiança e o respeito sejam restabelecidos. Assim, diante da
reclamação de “quebra de regras” e “trapaça” foi necessário retomar as regras do
jogo abordando a importância delas para o bom desenvolvimento da atividade.
Alguns alunos disseram que estavam quebrando as regras “de brincadeira”, mas
que voltariam a jogar “sério”. Outros alunos disseram que era necessária alguma
sanção para essas atitudes, mas a maioria da turma não concordou.
Na avaliação da aula, os alunos voltaram a falar sobre a importância de
respeitar as regras. Afirmaram que “não tem graça jogar com gente que não segue
as regras”. Os alunos que haviam “trapaceado” disseram que o que fizeram “nem foi
tão grave assim”, mas reconheceram o erro e se comprometeram a jogar “sério” nos
próximos jogos. Um aluno agradeceu ao colega que deu dicas para correr melhor e
se esquivar da perseguição. Diante disso, a pesquisadora pediu uma salva de
palmas para os alunos que ajudaram e para os que agradeceram pela ajuda. Na
sequência, muitos alunos que tinham “esquecido” de agradecer, o fizeram. Quando
os alunos fizeram a autoavaliação, falaram do comportamento, do rendimento no
jogo e da ajuda que prestaram aos colegas. Assim, a cooperação passou a fazer
parte dos quesitos da autoavaliação.
Pode-se ver, no exemplo desse jogo, que a aprendizagem não precisa ter um
foco restrito ao objeto a ser conhecido ou ao resultado almejado. Ele pode ser
projetado também sobre a qualidade das interações que ocorrem durante o
processo (ORLICK, 1989). Ao ensinar os colegas como proceder para ter um
resultado melhor, os alunos estavam reestruturando verbalmente o que haviam
aprendido na prática ou com alguém mais velho. Dessa forma, enquanto aprendiam

120
um novo jogo, compartilhavam os conhecimentos que já tinham com os colegas,
dando origem a uma aprendizagem cooperativa. Segundo Brotto (2013, p. 20)
“aprender é sempre uma aprendizagem compartilhada, ocorrendo em uma situação
dinâmica de coeducação e cooperação, na qual todos são, simultaneamente,
professores-e-alunos.”
A assembleia de classe da segunda semana aconteceu após os jogos “time
zoneado” e “barra-manteiga”. Como na semana anterior, foram relembradas as
regras sobre o respeito e a cordialidade entre os alunos, mas a ansiedade que os
jogos causavam impedia qualquer atitude nessa direção. Houve acusações de
trapaças e não seguimento das regras, mas também houve avanços. No primeiro
jogo da semana, os alunos perceberam que poderiam apenas se divertir sem ter
preocupação com a formação das equipes. Assim, o jogo passou a ser visto mais
como diversão do que como competição, mas o nível de habilidades dos colegas
ainda era importante. Nessa semana, os alunos mais habilidosos passaram a
ensinar os colegas menos habilidosos para que tivessem um melhor rendimento. A
ajuda aos colegas começou a fazer parte dos quesitos da autoavaliação.
Esse tipo de atitude cooperativa é cada vez mais necessário nesse complexo
mundo contemporâneo que exige o refinamento de atitudes (ações, pensamentos,
sentimentos) e de relacionamentos consigo mesmo, com o outro e com o ambiente
(BROTTO, 2013). “Cooperação, confiança e respeito mútuo parecem ser um dos
alicerces principais para a co-evolução humana. No entanto, precisamos reaprendê-
los praticando esses valores por meio dos nossos relacionamentos no cotidiano”
(BROTTO, 2013, p. 56). Isso não quer dizer que a cooperação é a melhor maneira
de promover a qualidade das relações, nem levará a uma vida sem conflitos e
problemas. O que se pode afirmar é que ela possibilitará que as pessoas resolvam
as situações adversas de forma consciente e diferente do modo usual.
As críticas abordaram, em sua maioria, os xingamentos e insultos
direcionados aos colegas durante os jogos. Alguns alunos relembraram o acordo da
primeira assembleia dizendo que muitos dos colegas não estavam seguindo o que
foi combinado. Ou seja, a maioria dos alunos ainda estava demonstrando
comportamento agressivo e desrespeitoso, tanto na comunicação como nas
atitudes. Os alunos adicionaram às reclamações anteriores, críticas como: “Eu critico

121
quem não segue as regras do jogo!” e “Eu critico os alunos que trapaceiam para
ganhar o jogo!” Alguns alunos quiseram justificar as suas atitudes dizendo que as
trapaças eram estratégias, mas logo foram repreendidos pelos colegas que
disseram que as estratégias têm que estar de acordo com as regras. Um aluno
afirmou: “Se não estiver de acordo com as regras, você está roubando!”. Os
acordos: “seguir as regras do jogo” e “não trapacear no jogo” foram acrescentadas
ao cartaz da primeira assembleia.
Como já foi dito, as regras e os princípios passam a ter muita importância na
faixa etária (10-12 anos) na qual os alunos se encontram. Segundo Friedmann
(1996, p. 35), nessa fase, “a regra é considerada como uma lei imposta pelo
consentimento mútuo, cujo respeito é obrigatório, permitindo-se transformá-la desde
que haja consenso geral.” Mesmo não expressando verbalmente, eles têm claro que
“os princípios dizem “em nome do que agir”, enquanto que as regras dizem “como
agir” (LA TAILLE, 2009, p. 225), e cobram atitudes coerentes. Os debates a respeito
de regras e princípios deram origem aos primeiros acordos: 1) tratar os colegas com
respeito; 2) esperar a vez de falar; e 3) falar sem agressividade. A pedido dos
alunos, um cartaz foi fixado na parede da sala de aula para que a turma pudesse
relembrar o que foi acordado na reunião.
As felicitações dessa semana foram direcionadas aos alunos que seguiam as
regras durante o jogo e àqueles que se preocupavam com os colegas e os
ensinavam para que tivessem um rendimento melhor. Se na primeira assembleia os
alunos abordaram cordialidades corriqueiras, na segunda abordaram atitudes e
comportamentos considerados importantes e indispensáveis para manter um bom
relacionamento com os colegas. Foi possível perceber que a noção de justiça e o
juízo moral passaram a fazer parte das vivências e das discussões. Não bastava
apenas “fazer” o que era pedido durante o jogo, mas tinha que “fazer o que era
certo” sem ser injusto com ninguém. Nesse contexto, ser justo era seguir as regras,
respeitar os colegas e não excluir ninguém.
Baseando-se no esforço que os alunos faziam para que os valores e as
virtudes do grupo fossem consideradas, é possível afirmar que os alunos estavam
em plena formação e construção do que Puig (1998) e Araújo (2015) chamam de

122
personalidades morais32. Piaget (1998, p. 27) já havia afirmado que “não há moral
sem uma educação moral”, e isto estava sendo demonstrado na prática. Os avanços
observados durante a realização das assembleias estavam confirmando o caráter
reflexivo e educativo dessa técnica de mediação de conflitos que busca a mudança
de comportamentos através do desenvolvimento de valores. Assim, pode-se dizer
que as assembleias estavam se constituindo em “oficinas” bastante produtivas. Os
alunos estavam tendo a oportunidade de refletir sobre suas atitudes e
comportamentos em relação aos colegas.
Segundo La Taille (2009, p. 251), “a qualidade das relações sociais é
incontornável para se promover o desenvolvimento do juízo moral, sendo este
dependente das interações sociais pelas quais o indivíduo passa durante sua vida”.
Neste sentido, a escola pode auxiliar no desenvolvimento humano contribuindo para
que as crianças interiorizem uma série de valores imersos na sociedade
(VELÁZQUEZ CALLADO, 2004) que as conduzem à boa cidadania e à construção
da sua humanidade (MULLER, 2006). É preciso dizer que é fundamental que os
alunos percebam a necessidade desses valores e dos princípios que que
possibilitam a convivência com o outro. A partir do estabelecimento de condutas
consensuais sugeridas pelos alunos, eles poderão “perceber a importância dos
direitos e dos deveres de cada um em relação ao outro” (MULLER, 2006, p. 82).
As regras e princípios dos jogos estavam bem claros para todos, embora não
fossem seguidos por todos os alunos o tempo todo nem em todas as situações. A
realização da assembleia inspirada pela busca do consenso oportunizou a
percepção de questões que eram importantes para os alunos, mas que não estavam
sendo trabalhadas. Para La Taille (2009), essas reuniões são experiências que aliam
igualdade entre os membros e liberdade de participação, configurando uma ótima
oportunidade para promover a autonomia. Assim, “ao dar aos alunos a oportunidade
de refletir sobre a moral, de entrar em contato com reflexões éticas e de participar de
decisões coletivas, apresenta a eles outras alternativas de pensar e de agir” (LA
TAILLE, 2009, p. 274).
Piferrer (1992) apud Vinha (2000, p. 38) defende que o desenvolvimento
moral é influenciado pelas “emoções, pelos juízos morais, pela capacidade de inibir

32
Grifos do autor.

123
condutas antissociais e pela capacidade de iniciar condutas valorizadas como
morais”, o que se relaciona diretamente a um processo de socialização. Dessa
forma, “a moralidade está inserida no aspecto social, pois refere-se sempre a uma
situação interativa, isto é, o sujeito com relação ao outro”. Se o que se busca é que
as crianças aprendam como agir perante o outro, “logicamente é preciso haver o
outro, e, em qualquer relação com outrem é necessária a existência de regras e
normas de condutas que orientem essas relações” (VINHA, 2000, p. 38).

4.3.3 Terceira semana

Foram realizados os jogos “passeio do bambolê” e “basquete cooperativo”.


Antes dos jogos, foram relembradas as regras sobre o respeito e a cordialidade
entre os alunos e a importância de prestar ajuda ao colega quando fosse necessário.
No primeiro jogo (passeio do bambolê), a turma foi dividida em duas equipes de
acordo com a ordem na lista de chamada: a primeira metade formou uma equipe e a
outra metade formou outra equipe. Para a realização da atividade os alunos
deveriam ficar de mãos dadas e passar o bambolê por todos os integrantes da
equipe. Não poderiam soltar as mãos e nem utilizá-las para ajudar a passar o
bambolê sob penalidade de zerar a contagem de voltas. Ganharia a equipe que
completasse 3 voltas com o bambolê.
Quando o jogo começou, ambas as equipes ficaram alvoroçadas para passar
os bambolês rapidamente sem pensar em como estavam procedendo. Como
resultado, as duas equipes foram penalizadas porque os alunos estavam soltando
as mãos e/ou utilizando-as para passar o bambolê. Além disso, em meio aos
incentivos para o colega passar pelo bambolê também havia xingamentos. Com o
jogo parado, as regras foram relembradas e foi solicitado que os colegas tentassem
orientar os integrantes da equipe ao invés de xingá-los. O jogo recomeçou e o clima
das duas equipes era de descontração e ansiedade ao mesmo tempo. As crianças
riam muito das situações, mas também pediam que os colegas fossem rápidos para
se desvencilhar do bambolê e passá-lo a diante.

124
A preocupação deu lugar à diversão fazendo com que a maioria dos alunos
focassem apenas na sua equipe, sem se importar com a outra. O resultado ficou em
segundo plano e as situações de “sufoco” dos colegas passaram a receber todas as
atenções, gerando muitos risos e gargalhadas. Foi um momento gratificante porque
nenhum jogo tinha proporcionado tanta diversão e descontração. Finalmente, as
crianças tinham seguido a regra mais importante: se divertir. Os alunos
comemoraram quando completaram o desafio proposto pelo jogo, mas logo voltaram
a comentar sobre as situações presenciadas. O aluno que era alvo das gargalhadas
logo citava outra situação engraçada e todos riam novamente. Um ou outro aluno
não gostou de ser o foco das atenções, mas não foi motivo para gerar nenhum
conflito mais sério.
Um dos alunos sugeriu que fosse feito um grande círculo com todos e que
fossem colocados 2 ou 3 bambolês. O desafio seria não permitir o encontro dos
bambolês, ou seja, era um objetivo coletivo. A turma concordou com a realização da
atividade e, logo após a combinação das regras, começou a brincadeira. Importante
observar que tenha surgido uma proposta de jogo totalmente cooperativa em uma
turma com características competitivas. Provavelmente, os alunos já estavam
percebendo que o mais importante não era o jogo, mas os jogadores. Nessa
perspectiva, os participantes passam de adversários para solidários (BROTTO,
2013) e não precisam se preocupar com habilidades, apenas com a diversão e o
encantamento que o jogo pode proporcionar.
O segundo jogo realizado na terceira semana foi o “basquete cooperativo”.
Para essa atividade, a turma foi dividida em duas equipes considerando os meses
em que os alunos fazem aniversário. Modificando as regras originais, as equipes
foram desafiadas a realizar o jogo de basquete sem quicar ou andar com a bola ou
seja, apenas usar o passe. Para marcar pontos, a bola tinha que passar por todos os
alunos da equipe. Os participantes não podiam roubar a bola, apenas interceptá-la.
A bola podia ser arremessada apenas de fora da linha da área do gol (do futsal ou
handebol). Se a bola tocasse na tabela, a equipe marcava 1 ponto; se batesse no
aro, marcava 2 pontos; se a bola entrasse na cesta, marcava 3 pontos.
A primeira reclamação foi a de que seria impossível marcar pontos porque a
bola tinha que passar por todos os alunos. Foi informado que a regra fazia parte do

125
desafio que o jogo impunha e encorajou os alunos a terem perseverança no pleito.
Logo no início, o jogo teve que ser interrompido porque os alunos estavam insistindo
em contrariar as regras combinadas antes da atividade. Os alunos acataram a ideia
de um colega de “punir” a inobservância das regras: o aluno que procedesse dessa
forma daria a posse de bola para a outra equipe. Durante o jogo ocorreram alguns
eventos de “quebra” de regras e de xingamentos por falta de habilidade dos colegas.
Todas as intercorrências receberam a intervenção da pesquisadora e resolvidas com
a anuência de todos os alunos.
A despeito do trabalho realizado e dos avanços conquistados pela turma,
alguns alunos voltaram a agir de forma individualista e egoísta. Uma das possíveis
explicações pode ser o fato de o basquete ser um jogo conhecido por sua alta
competitividade. Isso pode ter influenciado negativamente os alunos fazendo com
que eles se esquecessem da meta do grupo e buscassem apenas a realização dos
objetivos pessoais. De acordo com Soler (2011, p. 53), “esse comportamento de
tentar, desenfreadamente, superar o outro exige muita energia e revela o medo de
ser superado.” Ainda segundo o autor, comportamentos assim atrapalham o trabalho
em equipe, pois “o mais aconselhável seria unir essas energias em busca do bem
comum” (SOLER, 2011, p. 53).
Por conta da grande incidência de reclamações durante o jogo, foi necessário
interrompê-lo várias vezes para que os conflitos não gerassem agressões verbais e/
ou físicas. O tempo destinado para ajudar os alunos no controle dos conflitos foi
muito importante e é fundamental para qualquer proposta de mediação,
principalmente nas aulas de Educação Física. Não tem como deixar para o final da
aula, pois para o aluno reclamante o problema é urgente e precisa ser resolvido. Os
alunos foram encorajados a conversar para resolver os próprios conflitos, para
depender cada vez menos da intervenção da pesquisadora. Segundo Velázquez
Callado (2004, p. 65), “o processo para levar os alunos a resolverem seus próprios
conflitos parte de convencê-los de que é normal que se produzam, mas que
precisamos saber enfrentá-los e controlá-los corretamente.”
Durante a avaliação, alguns alunos relembraram os xingamentos afirmando
que ficaram chateados e que tiveram vontade de sair do jogo. Houve uma pequena
discussão com responsabilização e culpabilização de terceiros pelas situações

126
ocorridas e pelo resultado do jogo. Depois da fala de todos os alunos, aqueles que
haviam xingado os colegas pediram desculpas, assim como o fizeram durante o
jogo. Um dos alunos da equipe vencedora que havia xingado os colegas menos
habilidosos sugeriu que o resultado do jogo fosse alterado, passando a considerar
um empate. Ele disse que “todo mundo errou porque teve muita discussão e
xingamento” e que, por isso, seria melhor considerar um empate “para que ninguém
ficasse chateado”. Outros alunos da mesma equipe não aprovaram de imediato, mas
acabaram concordando porque as atitudes deles tinham “estressado” os colegas e
tirado a concentração deles.
O fato de os alunos aceitarem a responsabilidade por um acontecimento pode
ocorrer apenas para que a discussão sobre o assunto acabe, mas mesmo assim,
traz reflexão e aprendizagem em algum nível. É importante salientar que as
situações de xingamentos, provocações, intimidações e outras condutas
inadequadas ao desenvolvimento da aula sempre tiveram consequências. Os alunos
não foram punidos com advertências verbais ou escritas, mas além das “punições”
propostas pelos próprios alunos, aqueles que agiram diferentemente do esperado e/
ou combinado tiveram que se retratar e desculpar. Com isso, “não se pretende
defender a ausência de consequência, mas qualificar e dimensionar as apropriadas
à promoção de um ambiente escolar agradável e seguro para todos” (LEME, 2011,
p. 163).
A assembleia de classe da terceira semana foi realizada após o
desenvolvimento dos jogos “passeio do bambolê” e “basquete cooperativo”. As duas
atividades ainda foram permeadas por xingamentos e acusações, mas os alunos se
mostraram dispostos a resolver os conflitos por meio do diálogo. Como pontos
positivos, os alunos demonstraram maior senso de responsabilidade em relação aos
seus atos e conseguiram descontrair, mesmo sob efeito da ansiedade. Também
surgiu a proposta de realização de um jogo totalmente cooperativo, ou seja, os
alunos já estavam percebendo que o mais importante não era o jogo, mas os
jogadores. As críticas da assembleia diminuíram em relação à semana anterior e os
alunos demonstraram respeito e consideração pelos colegas ao abordá-las.

127
Parece um detalhe de pouca importância, mas o “convívio pautado pelo estar
com e para outrem33” (LA TAILLE, 2009, p. 274) exige o exercício do respeito. Para
Vinha (2000), esse é um dos valores fundamentais para a construção de um
ambiente sociomoral onde os indivíduos se tratam como iguais. É desse contexto de
respeito mútuo que a cooperação precisa para surgir, pois também “é um tipo de
relação estabelecida entre pessoas que se veem, umas às outras, como iguais”. Ela
precisa de uma “articulação mútua entre as ações de ambos os polos porque é
baseada na reciprocidade” (LA TAILLE, 2009, p. 150). Juntamente com a
solidariedade, a cooperação e o respeito fazem parte dos três pilares da ética
necessária à aproximação entre as pessoas e à convivência harmoniosa (SOLER,
2011).
As felicitações trouxeram elementos diferentes em relação às semanas
anteriores. Foram felicitados os alunos que não eram “ignorantes” e que “sabiam
conversar” para resolver um problema. Dois alunos que tinham parado de “zoar” os
colegas que “erravam” no jogo e o aluno que sugeriu o jogo totalmente cooperativo
também receberam as felicitações. Como os alunos podiam felicitar quem eles
quisessem, o número de felicitações aumentou. Além disso, o teor delas passou a
abordar comportamentos e atitudes dos colegas em situações que ocorriam em
outros momentos e em outros espaços escolares. A diversificação das abordagens
das felicitações foi vista como algo bastante positivo para este estudo, pois se
esperava que a mudança de comportamento não ficasse restrita às aulas de
Educação Física, mas que abrangesse todo o espaço escolar.
Estava claro que os alunos estavam “enxergando” os colegas e sendo “vistos”
por eles em diversas situações e contextos, o que é extremamente importante,
principalmente quando a observação acompanha um reforço positivo. La Taille
(2009, p. 165) considera que “nada é mais humilhante do que nunca ser percebido
pelos outros, do que não existir para os outros”. Para o autor, o reconhecimento da
existência do outro é o “marco zero” da moralidade, que deverá ser exercitada
habitualmente. “Sem a formação de hábitos não há personalidade moral, e, todavia,
não haverá se estes hábitos não forem virtuosos, ou seja, se não apontarem na
direção do bem e da felicidade comuns a todos” (TARDELI e PASQUALINI, 2011, p.

33
Grifos do autor.

128
212). Assim, formar valores depende de um trabalho sistemático e preventivo com a
participação ativa das crianças em todas as ações (TOGNETTA, 2013).

4.3.4 Quarta semana

Na última semana de jogos cooperativos, foram realizados o “pique-vôlei” e o


“salto em equipe”. Como nas semanas anteriores, foram relembradas as regras
sobre o respeito e a cordialidade entre os alunos, a regra de que todos os
integrantes da equipe devem participar do jogo e a regra de que todos deveriam se
divertir. Para o primeiro jogo (pique-vôlei), a turma foi dividida em dois times,
considerando a ordem na lista de chamada e os alunos foram posicionados um em
cada lado da quadra. Sendo uma adaptação do jogo de vôlei, a atividade trouxe
algumas regras diferentes, como a possibilidade de segurar a bola com as duas
mãos e de sacar de qualquer lugar da quadra dependendo da força do aluno. Como
os alunos não tinham contato com o jogo de vôlei, a maioria demonstrou uma certa
ansiedade por não saber como seria a atividade.
Foi esclarecido que o jogo seria realizado com calma para tirar todas as
dúvidas e garantir uma brincadeira divertida para todos. Foi explicado que, para
começar o jogo, um aluno de um time deveria sacar enquanto o outro time deveria
pegar. Ao pegar a bola, o aluno deveria passá-la para 3 colegas, sendo que o
terceiro arremessaria para o campo adversário. Se a bola caísse no chão, todos os
alunos da equipe que tinha deixado a bola cair tinham que fugir para o fundo da
quadra para que ninguém fosse pego. Se isso acontecesse, o aluno deveria passar
para o time adversário. Os alunos fizeram mais algumas perguntas a respeito do
jogo e, por causa da insegurança, pediram para que fosse feito um “teste sem valer
ponto” antes que o jogo começasse “de verdade”.
Depois do “teste” e do esclarecimento das dúvidas, foi iniciado o jogo. Ainda
surgiram algumas questões no início da atividade, mas logo os alunos entenderam a
dinâmica. Embora o foco do jogo fosse o vôlei adaptado, os alunos logo
demonstraram preferir o momento em que uma equipe tinha que fugir da outra. O
fato de derrubar a bola passou a ter pouca importância, pois o fundamental era

129
correr para escapar da outra equipe. Foi interessante porque os alunos ficaram
muito atentos durante o jogo, pois tinham que perceber em que momento a bola
cairia para reagir com perseguição ou fuga. Outro aspecto bastante interessante foi
o auxílio que alguns alunos prestaram aos colegas na hora da fuga. Aqueles que
tinham mais velocidade na corrida pegavam nas mãos dos colegas menos velozes
para ajudá-los a escapar dos alunos da outra equipe.
O segundo jogo realizado na quarta semana foi o “salto em equipes”. Para a
atividade, a turma foi dividida em duas equipes de acordo com a ordem dos alunos
no círculo da conversa inicial. A primeira metade formou uma equipe e a outra
metade formou outra equipe. Foi informado que todos os participantes de cada
grupo teriam que saltar com os dois pés, sendo que a marca da chegada de um
aluno seria a marca de saída do colega. Assim, o resultado final dependeria da soma
das medidas de todos os saltos e mostraria a distância que o grupo conseguiu
percorrer. Mesmo com uma explicação detalhada e exemplificação prática, alguns
alunos ainda ficaram com dúvidas, mas conseguiram entender a dinâmica da
atividade durante a realização da mesma.
Nessa atividade, a competitividade esteve presente o tempo todo, mas se
manteve no nível de comparações entre os alunos. Não foi observado nenhuma
discussão ou conflito durante a realização dos saltos. Os alunos torceram pelos
colegas de equipe, fizeram previsões sobre o rendimento de cada um e, no final do
jogo, uma equipe atribuiu a vitória da outra por causa da presença de um
determinado aluno que se saiu muito bem no salto. O aluno que se destacou no
salto não havia demonstrado as habilidades necessárias para a realização dos
outros jogos. O fato de ser “responsabilizado” pela vitória da sua equipe o deixou
muito feliz e ele quis compartilhar com os colegas as “técnicas” que utilizava para
saltar longe. Desde o início das intervenções, foi a primeira vez que esse aluno se
sentiu aceito pela equipe por ter alcançado um bom rendimento.
Na avaliação da aula, alunos de ambas as equipes disseram que haviam se
esforçado bastante para dar o melhor de si e ajudar seu time a vencer e que, por
isso, classificavam a participação como “ótima”. Esse tipo de observação demonstra
que os alunos conseguiram perceber que, além dos objetivos da equipe, haviam os
individuais. Eles estavam cooperando para a sua equipe ter um bom resultado, mas

130
também estavam competindo com seus colegas de equipe e com o outro grupo pelo
melhor resultado. De acordo com Orlick (1989), a cooperação e a competição não
são sempre opostas e nem ocorrem independentes uma da outra. Segundo o autor,
existem graduações de competição e de cooperação e pode haver até interação
entre as duas. Assim, durante um jogo, o aluno “pode cooperar para seu time ser o
melhor competidor ou competir para ser o melhor cooperador” (ORLICK, 1989, p.
83).
Além de todos os alunos terem a participação garantida em todas as
atividades, eles também tiveram a oportunidade de expressar as suas opiniões e
percepções no final de cada aula. Foi solicitado que, durante o momento de
avaliação e autoavaliação, os alunos respeitassem o ponto de vista dos colegas e
que não interferissem. Era um momento de fala e escuta sensível que poderia
proporcionar muitas aprendizagens, principalmente o desenvolvimento da empatia.
Para isso, “os alunos precisavam se sensibilizar com o outro, ouvir suas dores, sentir
suas mágoas (…)” (TOGNETTA, 2013, p. 44). As avaliações da aula, de si e dos
colegas possibilitaram muitas reflexões para todos, mas a aprendizagem de cada
um dependeu de suas percepções.
A assembleia de classe da quarta semana foi realizada após o
desenvolvimento dos jogos “pique-vôlei” e “salto em equipe”. Foram observadas
atitudes positivas como a cooperação entre os colegas mais e menos habilidosos; o
controle da competitividade em nível aceitável; a valorização dos colegas; e a
percepção dos limites de cada um. Os conflitos foram poucos, mas ainda se
observou xingamento e responsabilização de terceiros por determinados eventos. O
número de críticas feitas pelos alunos e lidas na última assembleia refletiram o nível
de desenvolvimento dos alunos quanto à autogestão dos conflitos. Foram poucas as
críticas e o conteúdo delas tinha um tom mais brando, o que indica que os alunos
estavam tendo mais cuidado na comunicação.
As felicitações, pelo contrário, aumentaram substancialmente. Foram
felicitados os alunos que ajudaram os colegas; que jogaram “direito”; que não
criticaram os colegas durante o jogo; que não xingaram; e que não quiseram “ser
mais que os outros”. Mesmo os alunos que receberam críticas, foram felicitados por
algum motivo. Claramente, estavam demonstrando polidez no trato com os colegas.

131
Essa virtude “é entendida como conjunto de regras de civilidade” e considerada
essencial na gênese da moralidade (LA TAILLE, 2009, p. 281). Obviamente, nem
todos os alunos demonstraram essa virtude, mas a maioria sim. Esse era um
resultado já esperado, pois ninguém aprende no mesmo ritmo nem mesmo
internaliza novas percepções e conhecimentos da mesma forma (PIAGET, 1994).
Mas pode-se afirmar que as crianças demonstraram o desenvolvimento da empatia,
da cooperação, da solidariedade, das condutas de ajuda e da comunicação
interpessoal em algum nível.

132
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A agressividade e a violência têm alcançado proporções assustadoras dentro


e fora da escola, caracterizando uma crescente banalização dessas manifestações.
Pelos dados expostos, foi possível perceber que as medidas de repressão da
violência já não cumprem com os objetivos de inibição e controle. No contexto
escolar, especificamente, advertências, suspensões e transferências têm apenas
protelado o enfrentamento da problemática em questão. Considerando a violência
como consequência de um conflito, é possível buscar alternativas preventivas que
inibam as expressões violentas. Para tanto, se faz necessária uma mudança de
postura e de tratamento perante as situações que podem desencadear essas
manifestações.
A mediação de conflitos, cuja origem foi explanada no primeiro capítulo, é
uma proposta que vem promovendo melhorias nas instituições escolares. Nesse
contexto, a atuação e a colaboração dos professores é imprescindível, pois são
sujeitos do processo e precisam buscar novos saberes para implementar a prática.
Eles precisam “criar uma boa convivência em geral e capacidade para abordar os
conflitos, em particular, o que requer uma atitude constante de apoio para preparar e
exercitar habilidades e técnicas de resolução” (JARES, 2008, p. 129). Segundo
Chrispino e Chrispino (2011), os professores e demais profissionais devem ser
capazes de perceber a existência do conflito, de reagir positivamente a ele e de usá-
lo como oportunidade de aprendizagem.
Durante as aulas de Educação Física, especificamente, conflitos,
agressividade e violência sempre foram uma constante, exigindo dos professores
uma resolução de conflitos mesmo que informal e empírica. Partindo do fato de que
esses profissionais participam dos conflitos, ora como partes, ora como
observadores, também devem tomar para si a responsabilidade de buscar
alternativas para tentar resolver as situações conflituosas. Isto posto, este trabalho
foi realizado visando identificar limites e possibilidades para a inserção da mediação
de conflitos como práxis pedagógica na Educação Física Escolar.
Para tanto, foram analisadas as orientações e as práticas utilizadas na
resolução dos conflitos escolares, bem como o posicionamento dos professores da

133
turma a esse respeito. Através da análise documental, foi possível observar que o
maior índice de ocorrências se referia a agressões físicas e/ou verbais com grande
reincidência dos agressores. Tal constatação confirma que o conflito volta a ocorrer
quando não trabalhado corretamente (CHRISPINO, 2007). Também foi possível
observar que os profissionais da escola resolvem os conflitos de acordo com as
orientações do Regimento Escolar da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Já
o Projeto Político Pedagógico não faz nenhuma referência quanto às normas e
sanções, apenas aponta o Serviço de Orientação Educacional como o principal
responsável pelas mediações das situações conflituosas.
As observações feitas durante as aulas de Educação Física e os dados
encontrados no Livro de Ocorrências apontaram para a necessidade de uma prática
voltada para a mediação de conflitos. Através da fundamentação teórica, foram
discutidas as relações entre contexto social, conflitos e convivência no ambiente
escolar, confirmando a relevância da mediação de conflitos no contexto escolar.
Ficou claro que é necessária uma ação conjunta para debater e buscar alternativas
para inibir a escalada da violência. Entretanto, mesmo não tendo o engajamento de
todos os profissionais da escola, algo deve ser feito, mesmo que inicialmente sejam
ações isoladas.
Nesse sentido, a Educação Física tem condições que possibilitam o
desenvolvimento de uma proposta de mediação de conflitos interpessoais entre
alunos e entre alunos e professores. Durante este estudo, foram aplicadas duas
estratégias de mediação: jogos cooperativos e assembleia de classe. Após o
estranhamento inicial, as duas estratégias se mostraram bastante eficazes no
combate à escalada de conflitos, agressividade e violência. Importante salientar que
as estratégias de mediação contaram com a técnica de Comunicação Não-Violenta
(CNV) proposta por Rosenberg (2006). Como foi exposto, a CNV é composta por
etapas que permitem a identificação e a expressão dos sentimentos de forma
assertiva.
O desenvolvimento dos jogos cooperativos foi fundamental para a proposta
deste estudo e atingiu os objetivos de modificar o comportamento dos alunos no
jogo e desenvolver as competências humanas necessárias para transformar atitudes
no dia a dia (VELÁZQUEZ CALLADO, 2004; SOLER, 2011; BROTTO, 2013). Não se

134
duvidava da eficácia do jogo como um elemento educacional, mas, como afirma
Brotto (2013), é necessário sempre refletir que tipo de jogo os alunos estão jogando
levando em conta que tipo de educação e sociedade se pretende desenvolver. Orlick
(1989) corrobora com essa afirmação reafirmando o potencial do jogo como um
caminho para a transformação. Para o autor

os jogos são um elemento importante do ambiente natural, tanto quando o


lar, a comunidade e a escola. (…) Eles têm o potencial de ajudar a diminuir
a lacuna que existe entre as atitudes declaradas dos adultos e o seu
comportamento efetivo, entre o que as crianças dizem querer e o que
recebem agora. (…) Portanto, é viável introduzir comportamentos e valores
por meio de brincadeiras e jogos que, com o tempo, poderão afetar a
sociedade como um todo (ORLICK, 1989, p. 121).

Quanto às assembleias de classe, se mostraram momentos importantes de


de reflexão coletiva que aconteceram de forma organizada e sistematizada. Essa
estratégia cumpriu com o seu objetivo de melhorar a convivência e as relações
interpessoais por meio do diálogo. Os alunos conseguiram utilizar as reuniões para
conversar sobre os conflitos ou discutir questões que, de alguma forma, estavam
incomodando no desenvolvimento das atividades no cotidiano escolar. Eles foram
incentivados a participar do diálogo respeitando as diferenças, valores e crenças de
cada colega. Segundo Araújo (2007, p. 24-25), as assembleias contribuem de forma
significativa para a resolução de conflitos porque se garante “[...] a todos os
membros que dela participam a igualdade de direitos de expressar seus
pensamentos, desejos e modos de ação, ao mesmo tempo que é garantido também
a cada um de seus membros o direito à diferença de pensamentos, desejos e modo
de ação”.
O diálogo assertivo, orientado pela técnica da CNV, complementou essa
estratégia possibilitando a exposição das questões e a busca de alternativas para a
solução e/ou enfrentamento dos problemas. A prática das assembleias possibilitou
que alunos e alunas entrassem em contato com uma diversidade de opiniões e de
condutas, o que permitiu que pensassem sobre suas posturas e a dos colegas nas
situações cotidianas. De acordo com Velázquez Callado (2004), pensar sobre si
contribui para a educação afetiva, favorece a autoestima, melhora a autoconfiança e
ajuda a superar os conflitos intrapessoais. Pensar sobre o outro de forma construtiva

135
é imprescindível para um processo de co-educação e para a melhoria das relações
interpessoais que, segundo Velázquez Callado (2004, p. 33), “é a base da educação
social”.
Ao organizar as pautas de acordo com críticas e felicitações, os alunos
puderam discutir não só os conflitos e problemas da turma, mas também valorizar os
aspectos positivos do grupo. As felicitações deram origem a incentivos enquanto que
as críticas originaram regras de convivência. Jares (2008, p. 25) diz que “conviver
significa viver uns com os outros com base em certas relações sociais e códigos
valorativos forçosamente subjetivos”. E que, por isso mesmo, “exige a adoção de um
rol de normas básicas que a regulem. Normas que devem ser aprovadas por todos
aqueles que sejam afetados por elas” (JARES, 2008, p. 224). As regras aprovadas
pelos alunos serviram para orientar as condutas e comportamentos, mas foi
necessário um trabalho contínuo e persistente.
Diante do exposto até agora, pode-se afirmar que a Educação Física tem,
além do dever, possibilidades de desenvolver uma prática pautada na mediação e
resolução de conflitos interpessoais. Neste estudo foram utilizadas apenas duas
estratégias (jogos cooperativos e assembleias de classe), mas diante da diversidade
de contextos muitas outras poderão surgir e se mostrar tão ou mais eficazes. A
resolução de conflitos pautada no diálogo, o desenvolvimento de valores, o
reconhecimento do outro e a conduta orientada por normas coletivas foram algumas
das habilidades e competências adquiridas pelos alunos e que não podem ser
desprezadas. Elas representam os resultados da verdadeira educação, da educação
humanizadora que, nas palavras de Velázquez Callado (2004, p. 32), “é um
processo de sociabilização que dura toda a vida e que contribui para interiorizar nas
pessoas uma série de valores”.
Durante este estudo, também foram observados alguns limites que podem
influenciar, mas não impedir, o desenvolvimento das aulas voltadas para a temática
em questão. Os aspectos limitantes mais significativos dizem respeito à formação
dos professores, à resistência dos demais profissionais da escola e à quantidade de
aulas de Educação Física. Quanto à formação, Tognetta (2011) é categórica ao
afirmar que os profissionais da educação precisam de formação adequada para
perceber as situações conflituosas como oportunidades de aprender a conviver. O

136
professor não pode deixar de se manifestar diante das questões conflituosas, mas
deve superar as formas de resolução de conflitos comumente praticadas. De acordo
com Tognetta e Vinha (2011, p. 13), na maioria das escolas, “as intervenções que
são feitas por diferentes profissionais vão em direção a suprimir o conflito, a impedi-
lo, a não permiti-lo”.
Partindo do princípio de que o conflito faz parte das relações interpessoais
(MULLER, 2006; GALTUNG, 2006; CHRISPINO, 2007; JARES, 2008; LEME, 2011;
ROSENBERG, 2019), a escola precisa encontrar formas diferentes de resolvê-los.
Isso não quer dizer que em vez de punir ela deva ser permissiva! Como já foi dito, a
prática no contexto escolar deve ter como objetivo refletir sobre sentimentos, direitos
e deveres de todos para construir um ambiente coletivo, pacífico e favorável à
aprendizagem (LEME, 2011). Nesse contexto, a incumbência dos professores é
possibilitar que os alunos se eduquem no convívio com o outro, proporcionando a
eles o desenvolvimento da capacidade de reflexão e o exercício da crítica
(KAWASHIMA e MARTINS, 2011). Dessa forma, ao construir estratégias mais justas,
respeitosas e cooperativas para resolverem seus conflitos as crianças poderão
passar da relação heterônoma para a autônoma, baseada nos direitos, deveres e
bem-estar entre as pessoas (KAWASHIMA e MARTINS, 2011; TOGNETTA e VINHA,
2011, p. 13).
Como foi exposto no capítulo 2, os professores não recebem orientação sobre
formas de resolução de conflitos durante a formação inicial porque os cursos de
licenciatura (inclusive a de Educação Física) não ainda não contemplam o tema, o
que requer que os profissionais busquem formação complementar. Em vários
Estados, instituições oferecem cursos com duração variada a respeito do tema. No
Distrito Federal, a Associação Brasiliense de Psicodrama e Sociodrama, por
exemplo, oferece a Especialização em Mediação de Conflitos e Intervenções
Grupais, que se propõe esclarecer os processos e fenômenos grupais, afetividade e
relações de poder; trabalhar os sofrimentos de grupos em diversos contextos
laborais e sociais; intervir nos processos comunicacionais de grupos e equipes;
mediar conflitos grupais e relacionais, com uso de métodos e técnicas de ação e
psicossociais34.
34
De acordo com o site da instituição:<http://abpdf.com.br/especializacao-em-mediacao-de-conflitos-
e-intervencoes-grupais/>. Acesso realizado em 20 de fev. 2020.

137
A EAPE (Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação) oferece
os cursos: 1) Aprender sem parar – Cultura de Paz, cujo objetivo é contribuir com a
perspectiva da inclusão, persistência do diálogo e empatia como práticas para a
Cultura de Paz, possibilitando bem estar e favorecendo as aprendizagens; 2)
Mediação de conflitos como práxis pedagógica, com o objetivo de promover uma
práxis pedagógica dialógica crítico-reflexiva frente dos desafios da convivência
escolar de educar um sujeito integral a partir do respeito, da dignidade humana e
relações democráticas; e o Projeto de Mediação de Conflito no Contexto Escolar,
que tem como objetivo desenvolver o planejamento e implementação de
ações/estratégias pedagógicas em mediação de conflitos que contribua no
reconhecimento, rejeição e eliminação das violências da/na realidade escolar e
favoreça a cultura de paz e a educação em e para os direitos humanos no projeto
político-pedagógico da escola35.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) oferece o Curso
de Mediação de Conflitos no Contexto Escolar e teve a sua terceira edição no ano
passado. O conteúdo programático inclui a análise do conflito, seus tipos e
consequências, com destaque para os problemas de convivência mais frequentes
nas escolas: indisciplina, disrupção, maus-tratos, objeção escolar, absenteísmo,
vandalismo e bullying. Os participantes também serão capacitados em técnicas de
Comunicação Não-Violenta, fundamentos da negociação, processos circulares e de
mediação. Tudo isso para que as questões possam ser resolvidas com ferramentas
de mudanças de atitude36.
Outro limite observado se refere à resistência dos demais profissionais da
escola e está relacionado à formação, mas terá outro enfoque: a força do hábito.
Gandhi já dizia que não se pode confundir o que é habitual com o natural
(ROSENBERG, 2019), mas a verdade é que aquilo que é vivenciado e aprendido na
prática durante anos, principalmente na infância e adolescência, passa a configurar
como algo natural e imutável. Punições e sanções fizeram parte formação de todos
os professores, pois independentemente da instituição onde estudaram, foram
35
De acordo com o site da instituição: <https://www.eape.crteweb.com/>. Acesso realizado em 20
de fev. 2020.
36
De acordo com o site da instituição: <https://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/comunicacao-
menu/sala-de-imprensa/noticias/10970-curso-de-mediacao-de-conflitos-no-contexto-escolar-chega-a-
terceira-edicao>. Acesso realizado em 20 de fev. 2020.

138
submetidos a elas quando cometeram “faltas”. Assim, essa prática está arraigada
nesses profissionais e sua modificação exige força de vontade, comprometimento e,
é claro, formação adequada.
Pelo fato de ter sido vivenciada por diversas gerações, a prática da punição e
sanção atrapalha, inclusive, que os professores percebam as novas realidades que
se apresentam no contexto escolar e as novas exigências que elas impõem. Em
outras palavras, eles tentam resolver questões da sociedade atual com um modelo
de resolução secular. Na Educação Física, especificamente, se observa que
conflitos, agressões e violências são, na sua maioria, resolvidos da maneira
tradicional. Casos mais simples são resolvidos com advertências orais; casos
medianos são resolvidos com a exclusão dos alunos de uma ou duas aulas; e casos
mais graves são encaminhados à direção e, comumente, também é pedida a
exclusão dos alunos por um número determinado de aulas. Em alguns casos, é
solicitada a presença dos pais.
Como afirmam Vinha et al (2011, p. 298), a escola é o local “onde ocorre (ou
que deveria ocorrer) a aprendizagem da igualdade, da vivência de relações com os
pares, da regulamentação e vivência do bem comum”. Partindo desse ponto,
defende-se que os professores dessa disciplina busquem capacitação para poder
construir estratégias mais assertivas para lidar com os conflitos. Como já foi dito, a
escola é o local apropriado para que as crianças aprendam a conviver, mas
precisam de profissionais competentes que as auxiliem nesse processo. Tognetta e
Vinha ( 2011, p. 19) vão além ao sustentar que, além da formação, os professores
precisam ter “compromisso com a pesquisa, com o aprofundamento teórico para
nortear a práxis educativa e com um fazer pedagógico transformador e competente”.
Por fim, a quantidade de aulas semanais também pode representar um limite
para o desenvolvimento da proposta de mediação. Para o presente estudo, foram
necessárias três aulas semanais para a realização da proposta interventiva: 2 para a
realização dos jogos cooperativos e uma para a assembleia de classe. O Projeto
Educação com Movimento, que orienta a prática da Educação Física na escola onde
o estudo foi realizado prevê, no seu artigo 2º, duas intervenções semanais de 50
minutos cada uma, evitando-se aulas duplas ou em dias consecutivos (DISTRITO
FEDERAL, 2018). Dadas as condições, o professor de Educação Física pode optar

139
por: 1) realizar a assembleia a cada 15 dias para não atrapalhar o desenvolvimento
dos conteúdos; ou 2) trabalhar em conjunto com o professor regente para que este
realize e coordene as assembleias semanalmente.
O documento citado acima já prevê a integração pedagógica do professor de
Educação Física e do professor de Atividades, tendo como objetivo o fortalecimento
e o enriquecimento do trabalho educativo. Mas para o desenvolvimento de um
trabalho contínuo e duradouro de mediação de conflitos, esses profissionais
precisam mais do que uma orientação legal. Precisam ter posicionamentos
semelhantes em relação à concepção de conflitos, ou seja, precisam perceber o
potencial educativo nas situações conflituosas. Além disso, precisam estar de acordo
sobre as formas mais assertivas de resolução de conflitos para não divergirem
durante a intervenção com os alunos.
Como foi possível observar, este trabalho focou apenas alguns aspectos
sobre as possibilidades e limites do desenvolvimento de uma proposta de mediação
de conflitos nas aulas de Educação Física. Outros estudos são imprescindíveis para
que a discussão sobre a temática nessa área se amplie trazendo reflexões e
contribuições à prática escolar. Para outros possíveis trabalhos, seria interessante
buscar aspectos que não tiveram papel central nessa pesquisa, como: o estudo da
relação entre as formas de resolução de conflitos e a reincidência dos mesmos; as
concepções de conflito e as estratégias de resolução adotadas pelos pais e
profissionais da escola; a comparação entre os tipos de conflitos antigos e atuais
registrados nos documentos da escola e a sua relação com o momento histórico-
cultural; e a discussão a respeito das medidas punitivas comumente utilizadas na
sociedade com o propósito de “educar” os cidadãos. Como se percebe, muitos
outros aspectos precisam ser estudados sobre o tema.

140
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149
APÊNDICES

APÊNDICE 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)


DOS PROFESSORES

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


(Conselho Nacional de Saúde, Resolução 466/2012/Resolução 510/2016)

Convidamos o(a) Senhor(a) a participar voluntariamente do projeto de


pesquisa Mediação de conflitos como práxis pedagógica na Educação Física
Escolar, sob a responsabilidade da pesquisadora Marisa Goreti Schmitt. O projeto
buscará analisar as aulas de Educação Física, que se configuram como terreno fértil
para o surgimento de conflitos e violência, para propor possibilidades de intervenção
através da mediação social de conflitos. O objetivo desta pesquisa é identificar
limites e possibilidades para a inserção da mediação de conflitos como práxis
pedagógica da Educação Física Escolar.
O(a) senhor(a) receberá todos os esclarecimentos necessários antes e no
decorrer da pesquisa e lhe asseguramos que seu nome não aparecerá sendo
mantido o mais rigoroso sigilo pela omissão total de quaisquer informações que
permitam identificá-lo(a). A sua participação se dará por meio de observações e
entrevista na escola nas duas aulas semanais de Educação Física com um tempo
estimado de uma hora e quarenta minutos para sua realização. Dada a
complexidade dos seres humanos, é possível que o trabalho a ser realizado acarrete
em algum dano eventual social porque os participantes irão expor situações que
geraram conflitos. Durante a mediação, os participantes poderão desenvolver
habilidades para reconhecer e trabalhar as consequências do dano através de uma
perspectiva não violenta. Se o(a) senhor(a) aceitar participar, estará contribuindo
para o aperfeiçoamento de práticas em prol da mediação de conflitos escolares, pois
este estudo é importante porque seus resultados fornecerão informações para
auxiliar na implementação do programa de mediação de conflitos na escola.
O(a) Senhor(a) pode se recusar a responder (ou participar de qualquer
procedimento) qualquer questão que lhe traga constrangimento, podendo desistir de
participar da pesquisa em qualquer momento sem nenhum prejuízo para o(a)
senhor(a). Sua participação é voluntária, isto é, não há pagamento por sua
colaboração. Caso haja algum dano direto ou indireto decorrente de sua participação
na pesquisa, o(a) senhor(a) deverá buscar ser indenizado, obedecendo-se as
disposições legais vigentes no Brasil.
Os resultados da pesquisa serão divulgados na Universidade de Brasília
podendo ser publicados posteriormente. Os dados e materiais serão utilizados
somente para esta pesquisa e ficarão sob a guarda do pesquisador por um período

150
de cinco anos, após isso serão destruídos. Se o(a) Senhor(a) tiver qualquer dúvida
em relação à pesquisa, por favor telefone para: Marisa Goreti Schmitt, na
Universidade de Brasília no telefone (61) 99609-9220, disponível inclusive para
ligação a cobrar. Pode entrar em contato, também, pelo e-mail:
marisaschmitt@gmail.com.
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de
Ciências da Saúde (CEP/FS) da Universidade de Brasília. O CEP é composto por
profissionais de diferentes áreas cuja função é defender os interesses dos
participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. As dúvidas com relação à
assinatura do TCLE ou os direitos do participante da pesquisa podem ser
esclarecidos pelo telefone (61) 3107-1947 ou do e-mail cepfs@unb.br ou
cepfsunb@gmail.com, horário de atendimento de 10:00hs às 12:00hs e de 13:30hs
às 15:30hs, de segunda a sexta-feira. O CEP/FS se localiza na Faculdade de
Ciências da Saúde, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Universidade de Brasília,
Asa Norte. Caso concorde em participar, pedimos que assine este documento que
foi elaborado em duas vias, uma ficará com o pesquisador responsável e a outra
com o(a) Senhor(a).

________________________________________________
Nome e assinatura do (a) Participante de Pesquisa

______________________________________________________________
Nome e assinatura da Pesquisadora Responsável

Brasília, ___ de ___________ de 2019.

151
APÊNDICE 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
DOS PAIS

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE


(Conselho Nacional de Saúde, Resolução 466/2012/Resolução 510/2016)

Seu (Sua) filho(a) (ou menor sob sua responsabilidade) está sendo convidado
a participar como voluntário do projeto de pesquisa “Mediação de conflitos como
práxis pedagógica na Educação Física Escolar” sob responsabilidade do(a)
pesquisador(a) Marisa Goreti Schmitt. O projeto buscará analisar as aulas de
Educação Física, que se configuram como terreno fértil para o surgimento de
conflitos e violência, para propor possibilidades de intervenção através da mediação
social de conflitos. O objetivo desta pesquisa é identificar limites e possibilidades
para a inserção da mediação de conflitos como práxis pedagógica da Educação
Física Escolar.
O estudo será realizado com professores e alunos do 5° ano B para identificar
os limites e as possibilidades para a implementação da mediação de conflitos como
práxis pedagógica na Educação Física Escolar. A metodologia a ser utilizada é a da
pesquisa-ação. Os instrumentos para a coleta de dados do estudo serão 4: roteiro
de entrevista, roteiro de observação, diário de bordo e análise documental. O roteiro
de entrevista terá questões fechadas e abertas que investigarão a prática de
coordenadores, supervisores, orientadores e diretores quanto ao procedimento de
resolução de conflitos entre alunos e entre alunos e professores.
A coleta de dados se dará em duas aulas práticas, durante as aulas de
Educação Física do 5º ano, turma C, às quartas-feiras, período da tarde, com o
intuito de analisar a incidência de conflitos durante as aulas de Educação Física; a
postura do professor diante dos conflitos e a existência (ou não) de mediação por
parte de alunos ou professor. Se o(a) senhor(a) consentir com a participação do(a)
seu/sua filho(a), estará contribuindo para o aperfeiçoamento de práticas em prol da
mediação de conflitos escolares, pois este estudo é importante porque seus
resultados fornecerão informações para auxiliar na implementação do programa de
mediação de conflitos na escola.
Também será utilizada uma aula (50 minutos), na quinta-feira, para a
pesquisadora trabalhar a mediação dos conflitos observados nas aulas práticas. As
incidências observadas nas aulas serão revistas e os alunos poderão escolher quais
têm maior urgência para serem mediadas. Se os alunos tiverem situações que
ocorreram fora da aula de Educação Física e quiserem resolvê-las, também entrarão
para a seleção de acordo com a urgência. Dada a complexidade dos seres
humanos, é possível que o trabalho a ser realizado acarrete em algum dano
eventual social porque os participantes irão expor situações que geraram conflitos.
Durante a mediação, os participantes poderão desenvolver habilidades para

152
reconhecer e trabalhar as consequências do dano através de uma perspectiva não
violenta.
Se o(a) Senhor(a) tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, por favor
telefone para: Marisa Goreti Schmitt, na Universidade de Brasília no telefone (61)
99609-9220, disponível inclusive para ligação a cobrar. Pode entrar em contato,
também, pelo e-mail: marisaschmitt@gmail.com.
Seu (Sua) filho(a) (ou menor sob sua responsabilidade) está livre para, a
qualquer momento, deixar de participar da pesquisa. Todas as informações
fornecidas por você e pelo(a) seu (sua) filho(a) (ou menor sob sua responsabilidade)
e os resultados obtidos serão mantidos em sigilo e, estes últimos só serão utilizados
para divulgação em reuniões e revistas científicas. Você será informado de todos os
resultados obtidos, independentemente do fato de estes poderem mudar seu
consentimento em autorizar seu (sua) filho(a) (ou menor sob sua responsabilidade) a
participar da pesquisa. Você e seu (sua) filho(a) (ou menor sob sua
responsabilidade) não terão quaisquer benefícios ou direitos financeiros sobre os
eventuais resultados decorrentes da pesquisa. Este estudo é importante porque
seus resultados fornecerão informações para auxiliar na implementação de um
programa de mediação de conflitos na escola.

Diante das explicações, se você concorda que seu (sua) filho(a) (ou
menor sob sua responsabilidade) participe deste projeto, forneça os dados
solicitados e coloque sua assinatura a seguir.

Menor participante:

Nome:______________________________________________R.G._______

Responsável(is)
Nome:______________________________________________R.G._______
Endereço:______________________________________________________
Fone:________________

Brasília,______de________________de 2019.

153
Assinatura - Responsável legal Assinatura - Pesquisador(a)
responsável

OBS.: Termo apresenta duas vias, uma destinada ao responsável legal e


a outra ao pesquisador.

Nome Pesquisadora: Marisa Goreti Schmitt Cargo/Função: Mestranda


Instituição: Universidade de Brasília
Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília/DF, CEP:
70910-900
Telefone: (61) 3107-1734
Projeto submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da
Saúde. Campus Darcy Ribeiro. Universidade de Brasília. Asa Norte, Brasília/DF,
CEP: 70910-900

154
APÊNDICE 3 – TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE)
DOS ALUNOS

Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE)

Conselho Nacional de Saúde, Resolução 466/2012/Resolução 510/2016)

Você está sendo convidado a participar como voluntário do projeto de


pesquisa “Mediação de conflitos como práxis pedagógica na Educação Física
Escolar” sob responsabilidade da pesquisadora Marisa Goreti Schmitt. O estudo
será realizado com professores e alunos do 5° ano C para identificar se é possível
inserir a mediação de conflitos como nas aulas de Educação Física. A pesquisadora
acompanhará as aulas de Educação Física por alguns dias, observará os problemas
existentes e buscará soluções juntamente com os alunos. Esse é uma metodologia
de pesquisa chamada de pesquisa-ação. Durante a pesquisa, serão realizadas
entrevista, observação e análise de documentos da escola. As entrevistas serão
feitas com os coordenadores, supervisores, orientadores e diretores pra saber como
os conflitos são resolvidos na escola. Serão observadas as duas aulas práticas
semanais de Educação Física do 5º ano, turma C, às quartas-feiras, período da
tarde, para analisar a ocorrência de conflitos durante as aulas; a atitude do professor
e dos alunos diante dos conflitos.
Também serão utilizadas aulas nas quintas-feiras com duração de 50 minutos
para a pesquisadora tentar resolver os conflitos observados nas aulas práticas. As
incidências observadas nas aulas serão revistas e os alunos poderão escolher quais
têm maior urgência para serem mediadas. Se os alunos tiverem situações que
ocorreram fora da aula de Educação Física e quiserem resolvê-las, também entrarão
para a seleção de acordo com a urgência. Dada a complexidade dos seres
humanos, é possível que o trabalho a ser realizado acarrete em algum dano
eventual social porque os participantes irão expor situações que geraram conflitos.
Durante a mediação, os participantes poderão desenvolver habilidades para
reconhecer e trabalhar as consequências do dano através de uma perspectiva não
violenta.
Os seus pais (ou responsáveis) autorizaram você a participar desta pesquisa,
caso você deseje. Você não precisa se identificar e está livre para participar ou não.
Caso inicialmente você deseje participar, posteriormente você também está livre
para, a qualquer momento, deixar de participar da pesquisa. O responsável por você
também poderá retirar a autorização ou interromper a sua participação a qualquer
momento. Este estudo é importante porque seus resultados fornecerão informações
para auxiliar na implementação do programa de mediação de conflitos na escola.
Você não terá nenhum custo e poderá consultar a pesquisadora responsável
em qualquer época, pessoalmente ou pelo telefone da instituição, para

155
esclarecimento de qualquer dúvida. Se você tiver qualquer dúvida em relação à
pesquisa, por favor telefone para: Marisa Goreti Schmitt, na Universidade de Brasília
no telefone______________, disponível inclusive para ligação a cobrar. Pode entrar
em contato, também, pelo e-mail: ________________________.
Todas as informações por você fornecidas e os resultados encontrados serão
mantidos em sigilo, e estes últimos só serão utilizados para divulgação em reuniões
e revistas científicas. Você será informado de todos os resultados obtidos,
independentemente do fato de estes poderem mudar seu consentimento em
participar da pesquisa. Você não terá quaisquer benefícios ou direitos financeiros
sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa.

Brasília,______de _________ de 2019.

Participante Pesquisadora responsável

Nome Pesquisadora: Marisa Goreti Schmitt Cargo/Função:


Mestranda
Instituição: Universidade de Brasília
Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília/DF, CEP: 70910-
900
Telefone: (61) 3107-1734
Projeto submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da
Saúde. Campus Darcy Ribeiro. Universidade de Brasília. Asa Norte, Brasília/DF, CEP:
70910-900

156
APÊNDICE 4 – ROTEIRO DE ANÁLISE DOCUMENTAL

1) Quais são os conflitos mais comuns registrados no Livro de Ocorrências da


escola?
2) Qual profissional é responsável por resolver os conflitos?
3) Quais foram as estratégias adotadas para resolver os conflitos?
4) Os alunos reincidiram nos conflitos?
5) Quais são as formas de resolução de conflitos apontadas no Regimento Escolar
das Escolas Públicas do Distrito Federal?
6) O Projeto Político-Pedagógico faz referência às formas adotadas para a resolução
de conflitos?

157
APÊNDICE 5 – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

1) Ocorrem conflitos durante as aulas de Educação Física?


2) Quais são os motivos?
3) Qual é a postura dos alunos diante dos conflitos?
4) Qual é a postura do professor de Educação Física diante dos conflitos?
5) Qual é a postura do professor regente diante dos conflitos?
6) Os alunos demonstram pré-disposição para resolver os conflitos de forma
amigável?
7) Os professores intervém nos conflitos dos alunos?
8) Qual forma adotam para resolver os conflitos?
9) Como os alunos reagem diante da mediação de conflitos proposta pelo estudo?
10) As intervenções de mediação de conflitos têm ajudado alunos e professores a
desenvolver novas competências e habilidades para mediar conflitos na escola?

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