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Ivonete da Silva Lopes

Anderson David Gomes dos Santos


(Organizadores)

Mídia, poder e a
(nova) agenda do capital

Autores
Adilson Vaz Cabral Filho
Anderson David Gomes dos Santos
Antonio Albino Canelas Rubim
Chalini Torquato G. de Barros
Dácia Ibiapina
Douglas Alves Medeiros
Eula D. T. Cabral
Flávia Rocha
Iluska Coutinho
Luiz Felipe Novais Falcão
Marcos Urupá
Natália Oliveira Teles da Silva
Samária Andrade
Sérgio Ribeiro de Aguiar Santos

ULEPICC-BRASIL
SÃO CRISTÓVÃO, 2018
O conteúdo deste livro é de inteira responsabilidade dos autores.

Revisão Dos Autores


Capa ISCS
Adaptação Ebook ISCS

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA


BIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

M629
Mídia, poder e a (nova agenda) do capital [recurso eletrônico / Ivonete da
Silva Lopes, Anderson David Gomes dos Santos. - São Cristóvão :
ULEPICC-Brasil, 2018.
160 f. : il.

ISBN 978-85-93620-05-8

1. Economia. 2. Política da comunicação de massa. 3. Indústria cultural. 4.


Poder (Ciências sociais). I. União Latina de Economia Política da
Informação, da Comunicação e da Cultura - Seção Brasil. II. Lopes Ivonete
da Silva. III. Santos, Anderson David Gomes dos.

CDU - 338.47
SUMÁRIO

PARTE 1 – Políticas de comunicação e de cultura

Mídia brasileira: entre a Concentração e a democratização midiática


Eula Dantas Taveira Cabral

Regulação de conteúdo, televisão e diversidade em países da América Latina


Chalini Torquato G. de Barros

Políticas de Comunicação Comunitária no Brasil: o que foi, o que deixou de


ser e o que se avizinha
Adilson Vaz Cabral Filho

Narrativas e Mobilização Social na campanha “Frente em Defesa da EBC e


da Comunicação Pública.”
Luiz Felipe Novais Falcão e Iluska Coutinho

Algumas reflexões sobre comunicação, cultura, democracia e


desenvolvimento no Brasil atual
Antonio Albino Canelas Rubim

Políticas Públicas de Cinema: O Impacto do Fundo Setorial do Audiovisual


no cinema brasileiro
Sérgio Ribeiro de Aguiar Santos

Políticas Públicas Audiovisuais: os apoios às coproduções cinematográficas


no Brasil e na Argentina
Flávia Rocha e Dácia Ibiapina

PARTE 2 – Indústrias Midiáticas

A presença negra na televisão. Um olhar para TV Brasil


Natália Oliveira Teles da Silva

Sobre o acontecimento e sobre o outro: coletivos de comunicação em busca


de poder e legitimidade no campo do Jornalismo
Samária Andrade

Os direitos de transmissão de futebol para jogos eletrônicos: a cessão do


Brasileirão para o PES e para o FIFA
Anderson David Gomes dos Santos e Douglas Alves Medeiros

Redes Sociais e internet: como as pessoas se tornaram usuárias, produtoras


e consumidoras em um piscar de olhos
Marcos Urupá
Sobre os Autores
PREFÁCIO

Murilo César Ramos


(Pesquisador Sênior - LaPCom/UnB)

Gosto de pensar, e espero não estar errado, que o Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da UnB é o que, desde os anos 1970, tem, de forma mais continuada, procurado associar seus
estudos e pesquisas sobre Políticas de Comunicação e de Cultura ao seminal veio teórico da
Economia Política da Comunicação e da Cultura. Assim, se estiver certo, e mesmo não estando, este
livro resultante do VI Encontro Ulepicc-Brasil realizado em 2016 justo na UnB é mais um exemplo
precioso que a entidade nos traz da qualidade das pesquisas que fazemos no país associando
aquelas duas correntes teórico-práticas.
Começo pela questão vital da relação comunicação e democracia tratada já no texto que abre o
volume, “Mídia Brasileira entre a Concentração e a Democratização Midiática”, de Eula Dantas
Teixeira Cabral, relação presente também diretamente no texto “Algumas Reflexões sobre
Comunicação, Cultura, Democracia e Desenvolvimento”, de Antonio Albino Canelas Rubim. Quatro
textos incluo ainda nesse bloco que, entendo, associa ainda que de forma indireta, a comunicação e
a democracia: “Políticas de Comunicação Comunitária no Brasil: o que foi, o que deixou de ser e o
que se avizinha”, de Adilson Vaz Cabral Filho; “Narrativas e Mobilização Social na Campanha
‘Frente em defesa da EBC e da comunicação pública’”, de Luiz Felipe Novais Falcão e Iluska
Coutinho; “Regulação de Conteúdo, Televisão e Diversidade”, de Chalini Torquato G. de Barros; e
“Os Direitos de Transmissão de Futebol para Jogos Eletrônicos: a cessão do Brasileirão para o PES
e para o FIFA”, de Anderson David Gomes dos Santos e Douglas Alves Medeiro. A este último dedico
menção especial por alinhar-se a uma corrente de trabalhos fundamentais mas ainda escassos entre
nós, a da economia política da comunicação centrada no esporte, em particular no futebol.
As políticas audiovisuais com viés mais propriamente econômico aparecem nos textos de Flávia
Rocha e Dácia Ibiapina, “Políticas Públicas Audiovisuais: os apoios às coproduções no Brasil e na
Argentina”, e de Sérgio Ribeiro de Aguiar Santos, “Políticas Públicas de Cinema: o impacto do
Fundo Setorial do Audiovisual no cinema brasileiro”. FSA que é, aproveito para ressaltar, um objeto
importante para novos e seguidos estudos, dada a sua centralidade hoje para as políticas
audiovisuais, e dados seu significativo volume de recursos e a complexidade da atribuição e gestão
desses recursos.
Por último e não menos importantes, três textos aparentemente isolados, mas unidos pela
perspectiva crítica privilegiada que a economia política nos dá: de Natália Oliveira Teles da Silva, “A
Presença Negra na Televisão: um olhar para a TV Brasil”; de Marcos Urupá, “Redes Sociais e
Internet: como as pessoas se tornaram usuárias, produtoras e consumidoras em um piscar de
olhos”; e de Samária Andrade, “Sobre o Acontecimento e sobre o Outro: coletivos de comunicação
em busca de poder e legitimidade no campo do jornalismo”.
Boas, profundas e necessárias leituras.
Vamos a elas.

Brasília, Agosto de 2018.


APRESENTAÇÃO

Ivonete da Silva Lopes


Professora da Universidade Federal de Viçosa
e vice-presidenta da ULEPICC-Brasil

Anderson David Gomes dos Santos


Professor da Universidade Federal de Alagoas
e secretário-geral da ULEPICC-Brasil
(Organizadores)

Os textos que compõem este livro construíram o VI Encontro Nacional da ULEPICC-Brasil


(capítulo Brasil da União Latina da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura),
que ocorreu em Brasília-DF nos dias 09, 10 e 11 de novembro de 2016. A escolha dos artigos se deu
a partir de convite a quem participou como palestrante de algumas das mesas temáticas e por
indicação dos(as) coordenadores(as) dos Grupos de Trabalho.
O título do evento e que também é deste livro eletrônico, Mídia, poder e a (nova) agenda do
capital , busca demarcar a conjuntura imediata pós-golpe, que destituiu a presidenta Dilma
Rousseff. O processo teve a participação da Indústria Cultural nacional aliada às elites para atender
aos novos interesses do capital para as políticas nacionais, o que está envolvendo a precarização
dos direitos trabalhistas, redução do Estado e com efeitos sobre o mercado comunicacional e as
políticas públicas voltadas à cultura.
Este livro constitui um esforço presente nas pesquisas da economia política de refletir
criticamente sobre o contexto social a partir da dimensão comunicacional e cultural. A obra está
dividida em duas perspectivas. A primeira parte, “Políticas de comunicação e de cultura”, conta com
sete capítulos que fazem um balanço do cenário nacional no que concerne às políticas públicas da
comunicação e da cultura. A segunda parte, “Indústrias midiáticas”, traz quatro textos que tratam
de diferentes aspectos de setores da Indústria Cultural.
Esperamos que este livro auxilie para se entender o contexto político-econômico brasileiro e a
participação da Indústria Cultura no debate de relações de poder que envolvem a constituição
social. Tenham uma boa leitura!
PARTE 1
POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO E DE CULTURA
Mídia brasileira: entre a Concentração
e a democratização midiática

Eula Dantas Taveira Cabral

A Concentração da mídia brasileira

Mesmo vivendo crises política e econômica, o Brasil se destaca por sua extensão territorial e
população com mais de 200 milhões de habitantes, que consome uma mídia totalmente concentrada
por poucos conglomerados na radiodifusão que atingem quase 100% do país e outros poucos, porém
100% estrangeiros, que dominam as telecomunicações. Mercado midiático dominado pelo oligopólio
de grupos que determinam o que o brasileiro verá e lerá nas plataformas comunicacionais.
Realidade lucrativa para as empresas, mas prejudicial para a população, que se vê refém de
conteúdos que não levam em conta a sociedade e nem respeitam o capítulo V da Constituição
Federal de 1988.
A Concentração é um fenômeno onde as indústrias midiáticas passam a ser agrupadas nas mãos
de poucas corporações tanto no âmbito regional quanto no mundial. Interfere no pluralismo e na
diversidade do conteúdo. O que interessa para o mercado é ter várias empresas em áreas
diversificadas formando um conglomerado, resultado de fusões, aquisições e/ou criação de um novo
grupo, onde o foco é racionalizar custos e riscos, adquirindo mais poder e gerando lucro, levando ao
monopólio e/ou oligopólio.
No Brasil, cinco grupos nacionais privados dominam o mercado de radiodifusão (rádio e
televisão), além de serem líderes em outras áreas, sejam elas midiáticas ou não. São eles: Rede
Globo, SBT, Record, Bandeirantes e Rede TV! Eles chegam a quase 100% do território nacional. Só
não atingem os lugares no Brasil onde não existe energia elétrica e nem energia solar.
É fato que, no Brasil, com 5.570 municípios, as pessoas veem televisão, seja para buscar
informações ou apenas para passar o tempo e ver qualquer tipo de programa que esteja sendo
exibido. Realidade esta também constatada nos demais países latino-americanos, onde a TV é o
principal veículo de comunicação. Não é à toa que a preocupação da sociedade civil em tentar
regular e regulamentar a mídia seja necessária para evitar que crianças, em pleno dia, sejam
vítimas de programações de violência e sexo e influenciadas a aceitarem como “normal” e “correto”
qualquer ato, seja ele violento ou não.
Ao analisar os dados registrados pelo Mídia Dados 2017 sobre a composição da programação da
TV aberta no período de segunda a sexta-feira de 7h às 18h, durante o ano de 2016, na Rede Globo
registrou-se que a maior parte de sua programação (menos de um terço), 27%, é jornalismo; no SBT,
50% é novela; na Record, 40% é jornalismo e 40% é novela; na Bandeirantes, 33% é jornalismo; e na
Rede TV! 67% é feminino.
No mesmo horário, no final de semana, a Globo divide a maior parte de sua programação com
programas humorísticos (13%), jornalísticos (13%) e esportivos (13%); no SBT, 50% é auditório; na
Record, 38% para filmes; na Bandeirantes, 33% esporte; e a Rede TV! divide em reality show (25%),
futebol (25%), esporte (25%) e auditório (25%). É interessante observar que somente o SBT tem
programação infantil durante a semana; e no final de semana, mesmo o Mídia Dados 2017 não
registra a informação, a Record exibe o espaço Record Kids com desenhos e seriados. Mas, por que
os demais grupos ignoram o público infantil? Por que pouco espaço para os milhões de
brasileirinhos que assistem TV todos os dias?
O Capítulo V da Constituição de 1988, em seu artigo 221, registra que a produção e
programação das emissoras de rádio e de televisão devem ter como princípios: “I - preferência a
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”. Onde encontramos educação?; II -
promover a cultura nacional e regional e estimular “a produção independente que objetive sua
divulgação”; “III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
estabelecidos em lei”; além do “IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
Será que, em algum dia, a sociedade reagirá e os conglomerados levarão a sério?
Os meios de comunicação se aproveitam da grande audiência e expõem suas ideias e interesses
particulares como o que é certo e o que deva ser aceito pela sociedade. Vendem ideias em seus
telejornais e programas de entretenimento e abrem seus espaços para anúncios publicitários que
lhe tragam grandes retornos financeiros. Não dão importância ao que está registrado no Capítulo V
da Constituição Brasileira e oferecem qualquer coisa para a população, sem o mínimo de conteúdo,
seduzindo os brasileiros com “projetos sociais na comunidade” que lhe rendem mais credibilidade,
tirando do caminho os veículos comunitários e lhes transformando em campeões de audiência. Algo
que rende investimentos publicitários e favores dos Governos, se quiserem chegar na população.
Simplesmente, imobilizam os governos e os controlam, em muitos casos, como fantoches,
impedindo-os de agirem como Poder Executivo.
O Mídia Dados Brasil 2017 registra o grande poderio dos grupos televisivos no Brasil. A Rede
Globo chega em 98,3%, ou seja, em 5.476 cidades brasileiras, atingindo 99,4% dos domicílios com
TV; SBT em 88,1%, conquistando 4.909 municípios e 96,8% de domicílios com televisão; Record com
78,1% ou 4.351 municípios, atingindo 93,8% dos domicílios com TV; Bandeirantes com 64,1%, em
3.572 municípios e 90,1% dos domicílios com televisão; e Rede TV com 56,7%, atingindo 3.159
municípios e 78,5% de domicílios com televisão.
Mas, como é possível um poderio tão grande se a atual Constituição Brasileira não admite nem
monopólio nem oligopólio da mídia? Não se pode ignorar que a Rede Globo tem 123 emissoras,
sendo 5 próprias; SBT, 114 emissoras, sendo 8 próprias; Record, 108 emissoras, sendo 17 próprias;
Bandeirantes, 34 emissoras; Rede TV!, 40 emissoras.
A legislação brasileira proíbe o monopólio e o oligopólio da mídia, conforme artigo 220,
parágrafo quinto da Constituição Brasileira (1988). Também não permite no Decreto 236/67 a
participação societária do mesmo grupo em mais de cinco concessões em VHF, no país, e em duas
em UHF, em cada Estado. Porém, mesmo com as proibições, percebe-se que os grupos ignoram e
vão se firmando no mercado com o maior número possível de emissoras de rádio e televisão.

Expectativas frustradas

Durante os governos petistas havia grande expectativa em relação à democratização da


comunicação no país. Todo o discurso que fora pregado pelo Partido dos Trabalhadores, em busca
de uma mídia mais democrática, foi sumindo com o passar do tempo. A esperança creditada pela
população, em busca de um lugar mais justo e com uma mídia sem distorções de conteúdo, se
perdeu. O governo também não conseguiu se colocar como tal e regular e regulamentar a mídia
brasileira.
A democratização da comunicação é uma histórica bandeira de luta dos movimentos sociais no
Brasil. É uma preocupação de organizações sociais em suas atuações diárias, levando em conta as
necessidades da reformulação de políticas públicas. Considera a diversidade de produtores
capacitados e qualificados para acessar e exercer o controle sobre as mídias de grande circulação,
além de implementar meios de alcance local e comunitário (CABRAL FILHO; CABRAL, 2005).
Como não foi possível resistir aos encantos e poderio dos grupos midiáticos? Como o governo
conseguiu ignorar a luta incansável dos movimentos sociais e não democratizou a mídia brasileira?
Isso era tudo que a sociedade civil não esperava de um governo que estampava como meta o bem-
estar do povo brasileiro.
Para piorar a situação, além da concentração na área de Radiodifusão e feita por proprietários
brasileiros, na de Telecomunicações o agravante é que todos os proprietários são estrangeiros e
atingem quase 100% do território nacional. Os principais grupos hoje são: Vivo, Oi, Claro S.A e Tim.
Nextel e SKY também chegam em vários lugares. Mas o interessante aqui é que dominam a
telefonia, a Internet e a TV por assinatura do Brasil, rendendo-lhes bilhões de reais todos os anos.
De acordo com o documento “O desempenho do setor de telecomunicações no Brasil” (2017), no
primeiro trimestre de 2017, registravam 331,1 milhões de assinantes: 41,5 milhões na telefonia fixa;
242,8 milhões com celulares; 18,9 milhões na TV por assinatura; 27,2 milhões na banda larga fixa; e
0,7 milhões nos serviços de SME (Trunking). Números que mostram que no primeiro trimestre de
2017 o setor de telecomunicações “produziu – Receita Operacional Bruta - R$ 56,2 bilhões, o que
representa uma queda de (0,6%) em relação aos R$ 56,8 bilhões produzidos no primeiro trimestre
de 2016 (1T16)” (Idem).
No segundo trimestre de 2017, conforme verificou a Teleco (2017), as empresas de
telecomunicações vêm dividindo o mercado. É o caso da Vivo, que teve a maior receita líquida (R$
21,3 bilhões) e foi líder em market share de celular no Brasil, com 30,7%. É importante ressaltar
que ao analisar o crescimento de receita líquida a SKY cresceu 7,1%, Tim 2,9% e Vivo 1,7%; já,
Claro (-1,9%), Oi (-7,8%) e Nextel (-14,0%) tiveram crescimento negativo.
Apesar da queda na receita líquida, a Claro é líder em telefonia fixa, banda larga e TV por
assinatura, porém seu market share de banda larga fixa foi de 8,6 milhões de acessos e na TV por
assinatura com 9,5 milhões de assinantes, atingindo o market share de 51%. No caso da
rentabilidade, a Tim se destacou com 35,3%.
Observa-se que é um mercado onde as cifras são calculadas em bilhões. Dinheiro que o governo
federal liberou em 100% para as empresas estrangeiras. E é importante observar que é um mercado
que ainda nem atingiu a metade da população brasileira. Dá para se ignorar que Internet, TV por
assinatura e telefonia estão nas mãos do capital estrangeiro?
De acordo com Moraes (2013, p.21-22), com a possibilidade de se ter comunicação,
telecomunicações e informática atuando juntas, “agrupam-se os mais diversos atores econômicos,
atraídos pela oportunidade de alavancar seus negócios”. Esse novo cenário “agravou a
concentração e a oligopolização de setores complementares (imprensa, rádio, televisão, internet,
audiovisual, editorial, fonográfico, telecomunicações, informática, publicidade, marketing, cinema,
jogos eletrônicos, celulares, redes sociais etc.)” (Idem). E pior: passou a dominar e a determinar o
conteúdo que a sociedade vê e/ou lê.
Não há como negar que os “proprietários” dos conglomerados midiáticos olham para a mídia
como um negócio. Poucos grupos dominando a comunicação e outros poucos as telecomunicações.
Eles sabem que deveriam estar subjugados ao governo federal, mas o ignoram porque veem que as
mudanças econômicas e tecnológicas contam muito mais. Posicionam-se como verdadeiros
empresários que não levam em consideração as legislações. Invadem os territórios e criam
realidades para serem adequadas pelos governos. O que vale é o que fazem, fazendo com que a
opinião pública se adéque aos discursos que criam. Pois, se a sociedade vê um grupo forte dando
“ordens” ao governo e o governo acatando o que é dito, considera que o retrato apresentado, talvez,
seja real e que deva ser o melhor para todos. E é aqui que ocorre o perigo.

Em busca da democratização da comunicação

Mesmo sendo uma luta incansável da sociedade, durante o governo Lula (2003-2010) esperava-
se um novo cenário midiático. Entretanto, não foi o que se mostrou nos anos seguintes. Dilma
(2011-2016) trabalhou em suas promessas de campanha à Presidência que regulamentaria a mídia,
mas não o fez. Hoje, Lula tenta voltar à presidência do país fazendo o mesmo discurso. Mas, daria
para acreditar em suas promessas?
Voltando ao período do governo Lula, tem-se o processo de implantação da TV digital aberta no
Brasil, que começou em 2003, resultado de troca de interesses entre o Estado e os grupos de mídia,
diante do qual as organizações da sociedade civil foram alijadas do processo decisório.
Em 2003, Bustamante (2003, p. 179) já registrava em suas pesquisas: “nos países em que sua
aparição [da TV Digital terrestre] foi mais tardia, os governos intervieram frequentemente,
outorgando-lhes concessões e posições dominantes”. E o Brasil se enquadra neste registro.
Bolaño e Brittos (2007, p. 150) verificaram que, no Brasil, o antigo Ministério das Comunicações,
hoje Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), estabeleceu “um
modelo de negócios flexível, podendo, por exemplo, em uma localidade haver alta definição e em
outra não, ausência a ser compensada com maior quantidade de canais”, privilegiando uma das
principais reivindicações das grandes redes. Ou seja, a definição dos serviços de TV Digital a serem
implementados ficou destituída de critérios públicos, passando a ser definida mediante interesses
privados.
No Brasil, quando o presidente Lula assinou o Decreto 4.901, de 26 de novembro de 2003,
instituindo bases para a construção do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) e princípios
norteadores de uma política pública, que envolviam valores éticos e de gestão a serem efetivados e
aprimorados, evidenciava-se a promoção da inclusão social e da diversidade cultural do País,
visando a democratização da informação. Além disso, visava o estímulo à pesquisa e ao
desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional
relacionadas à tecnologia de informação e comunicação; assim como o ingresso de novas empresas,
propiciando a expansão do setor.
O decreto tratava o desenvolvimento do mercado de comunicações, ações e modelos de negócios
para a televisão digital adequados à realidade econômica e empresarial do país; uso do espectro de
radiofrequências; convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicações e do
incentivo à indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais.
Para cumprir os objetivos do decreto, foi feita uma Chamada Pública para a apresentação de
pesquisas em torno do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), sob avaliação da Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP) e coordenação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações (CPqD), resultando na aprovação de 22 propostas de diferentes universidades
brasileiras, envolvendo 1500 pesquisadores e a quantia de R$ 65 milhões, dos quais R$ 15 milhões
destinados ao CPqD e R$ 50 milhões distribuídos às universidades.
O Decreto e a Chamada Pública evidenciavam o que se buscava de um político que levava em
consideração os interesses da maioria da população e reconhecia o potencial científico dos
brasileiros. Tudo parecia que seria diferente do que vinha sendo construído pelos presidentes
anteriores. Porém, o presidente, que assinara em seu primeiro ano de mandato algo que mudaria a
história de seu país, não manteve sua palavra.
No último ano do primeiro mandato do Governo Lula, em 2006, mesmo tendo reconhecido as
grandes contribuições das pesquisas, programas, tecnologias e testes feitos em prol do SBTVD,
voltou-se atrás na continuidade das pesquisas. O presidente assinou o Decreto 5.820/2006 (base de
referência legal para o sistema, mas que não é consistente como uma lei), ignorando o SBTVD e
criou o padrão nipo-brasileiro. Na verdade, no modelo adotado pelo Brasil aproveitou-se apenas
uma tecnologia brasileira: o middleware Ginga, software base, produzido em conjunto pela UFPB e
PUC-Rio. As demais seriam do sistema japonês, o ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting-
Terrestrial).
O governo brasileiro ignorou o modelo de TV digital criado pelos pesquisadores brasileiros,
aprovados em chamadas públicas, que poderia ter sido o marco do país em relação aos países
vizinhos. Ao invés de apostar na potencialidade de seus pesquisadores, privilegiou-se fazer a política
de expansão do padrão nipo-brasileiro. Isso pode ser constatado na aderência ao sistema por Costa
Rica, Chile, Equador e Botsuana.
Apesar do pouco caso dado pelo governo federal, é fato que o middleware Ginga só sobreviveu
por que seus pesquisadores correram atrás, colocando-o como foco em outros projetos de pesquisa,
sendo reconhecido pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) como o quarto padrão
mundial para interatividade, ao lado dos relacionados aos padrões de modulação americano (ATSC),
europeu (DVB) e japonês (ISDB).
Não se pode esquecer, ainda, que o governo brasileiro também se colocou à disposição de
emissoras e produtores de conteúdo, oferecendo linhas de financiamento da ordem de R$ 1 bilhão
através do Programa de Apoio à implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre
(PROTVD), criado e mantido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Fruto de uma realocação de recursos de financiamentos anteriores para emissoras de TV, visava
desonerar fabricantes de conversores e reduzir o preço final dos produtos, resultando, na prática,
em pagamento indireto por parte da população.
O PROTVD foi dividido em três subprogramas: o PROTVD Fornecedor, voltado para fabricantes
de transmissores e de receptores; o PROTVD Radiodifusão, para o setor de radiodifusão televisiva,
visando a construção de infraestrutura digital e de estúdio; e o PROTVD Conteúdo, voltado para a
produção de conteúdo exclusivamente nacional.
O SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), um dos principais grupos midiáticos nacionais do Brasil,
foi o primeiro grupo de mídia a se aproveitar dessa linha de financiamento, contando com um apoio
de R$ 9,2 milhões do BNDES. Segundo matéria da publicação IDGNow (2007), o financiamento
equivalia a 86% de um projeto orçado em R$ 10,7 milhões, com recursos destinados à modernização
dos transmissores analógicos, para garantirem a qualidade do sinal durante o período de transição
da TV analógica para a TV digital, conhecido como simulcasting.
Assim, os grupos de mídia se beneficiaram da formulação do Decreto 5.820/2006, que
estabeleceu as definições orientadoras para a implantação da TV digital terrestre no Brasil e
diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão
digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão.
Além de não reconhecer as irregularidades que estava cometendo ao assinar o Decreto
5.820/2006, o governo federal ignorou o SBTVD e criou o padrão nipo-brasileiro, consignando faixas
extras às concessionárias de radiodifusão para os testes em transmissão simultânea analógica e
digital, pondo em ação o programa de implantação da TV digital que estas impuseram ao país.
Em relação à interatividade, não foi incentivada pelo setor de eletroeletrônicos, precisando ser
garantida no âmbito governamental ao comprometer a oferta de televisores com Ginga. Em 2016,
estava presente em 90% das TVs fabricadas no Brasil, mesmo tendo se apostado que até 2015
estaria em 100%. Nenhum registro mostra os dados atuais sobre os televisores com o middleware
brasileiro.
No dia 26 de maio de 2017 foi feita a Portaria nº 2.992, revogando as de 2016 e estabelecendo o
novo cronograma de transição da transmissão analógica para a digital. O piloto do desligamento do
sinal analógico foi a cidade de Rio Verde (GO), previsto para novembro de 2015, mas que só ocorreu
no dia 01 de março de 2016.
A nova portaria foi resultado do atraso das empresas responsáveis pela distribuição dos kits
(conversor, antena e controle remoto) para as famílias que integram o Cadastro Único do Governo
Federal (alegavam que estavam tendo dificuldades na produção dos kits); e porque algumas
emissoras de TV apontaram problemas técnicos para instalação de estações de televisão (como
aconteceu em Belo Horizonte e no interior de São Paulo).
Atrasos, erros e justificativas marcam a história da TV digital no Brasil. Não se pode ignorar que,
com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e com o seu vice, Michel Temer, assumindo como
novo Presidente da República, mudanças foram feitas na área de digitalização televisiva. Cinco dias
antes da “transferência definitiva” da presidência para Temer, o novo ministro de Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, assinou no dia 26 de agosto de
2016, a Portaria nº 3.493 (substituída pela Portaria nº 2.992/2017), que mudava os cronogramas do
desligamento da TV digital no país, realocando a distribuição dos set-top-box que seria feita aos
beneficiários do Programa Bolsa Família do Governo Federal para as famílias integrantes do
Cadastro Único, designadas como Famílias de Baixa Renda.
Entre as guerras políticas de quem decide o que e escolhe a quem beneficiar, o fato é que uma
parte dos municípios brasileiros substituirá o sinal analógico pelo digital até 2023 utilizando uma
tecnologia com poucas possibilidades e que não apostou nos projetos brasileiros. E mais: não se
pode ignorar que as pessoas mais pobres e que não têm TV preparada para receber o sinal digital
deverão gastar, pelo menos, cerca de R$ 300 para se adaptarem. Caso não tenham condições
financeiras, ficarão sem acesso à TV aberta. Será que o país está preparado para enfrentar essa
situação?
Mas o que muda com a TV digital? Sob o ângulo tecnológico, pouquíssima coisa. Pois o que se
tem de interatividade é a possibilidade de ver a descrição e o resumo das capítulos e cenas das
novelas. Ao analisar a concentração dos conglomerados que têm como veículo principal a TV aberta,
observa-se que seu poderio é mantido, mesmo com o desligamento do sinal analógico. E a
democratização?
Com a derrota do governo petista na implantação da TV digital, não se pode se ignorar que
houve uma tentativa de se democratizar a mídia com a realização da I Conferência Nacional de
Comunicação, em 2009. Evento realizado em Brasília e que teve a participação de mais de 1.600
delegados. Das entidades do setor privado, participaram apenas a Associação Brasileira de
Radiodifusão (Abra) e a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil); as demais
ignoraram. O evento, mesmo não tendo o apoio dos grandes grupos midiáticos, resultou em 600
propostas que tinham como meta auxiliar o governo na regulação das comunicações no Brasil.
Infelizmente, é fato o registro que os debates aconteceram de modo tímido e restrito, com pouca
sinalização de avanços reais e sem levar em conta as propostas aprovadas na referida Conferência,
feita com a participação de representantes de governo, empresas e de organizações da sociedade
civil não comercial.
Além da Conferência, no governo Lula, em julho de 2010, o presidente fez um decreto que criava
uma Comissão Interministerial que elaborou estudos e apresentou propostas de revisão do marco
regulatório dos serviços de radiodifusão e de telecomunicações. Em 2014, a presidenta da
República, Dilma Rousseff, prometeu que no seu segundo mandato (que se iniciou em 2015)
defenderia a regulação da mídia no Brasil. Porém, como é um assunto que mexe com todos os erros
que vêm sendo cometidos pela mídia contra a sociedade brasileira, principalmente no que tange ao
direito à informação e à democratização das comunicações, tornou-se alvo de resistência no
Congresso Nacional e “vendido” pelos conglomerados de mídia à população brasileira como censura
à liberdade de expressão.
No dia 12 de maio de 2016, o Senado Federal aprovou a abertura de processo de impeachment
contra a presidenta Dilma Rousseff (PT). Foi afastada por 180 dias até o julgamento final pelo
Senado. Com o afastamento da presidente, o vice Michel Temer (PMDB) assumiu como presidente
em exercício e, no mesmo dia (12) reduziu de 32 para 23 o número de ministérios, dando posse aos
novos ministros . O Ministério das Comunicações foi incorporado ao Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovações, transformando-se em Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações.
O governo de Dilma Rousseff foi encerrado com impeachment no dia 31 de agosto de 2016, data
em que o presidente interino, Michel Temer, assumiu a Presidência da República, deixando de lado
todas as promessas e projetos de sua antecessora . E, mesmo com todas as contradições levantadas
e motivos não justificados, o fato é que o posicionamento político do governo brasileiro não é mais o
mesmo.
Um dos últimos atos da presidenta Dilma Rousseff, antes de ser afastada da Presidência da
República, foi a regulamentação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965) através do Decreto 8.711,
publicado na edição extra do Diário Oficial da União no dia 11 de maio de 2016. Nele, são levados
em consideração a neutralidade da rede, a proteção dos registros de acesso e dados pessoais.

Para repensar...

Em relação à democratização das comunicações no Brasil, esperava-se que os governos Lula e


Dilma a tornasse realidade. Mas pouco se fez. Não foram criados critérios regulatórios, como para
viabilização ou incentivo à multiprogramação por parte das emissoras, que poderia ser um dos
benefícios da transição para o digital.
Mesmo com todo o enfraquecimento do governo petista, o governo federal precisa se organizar e
não se omitir diante da concentração da mídia no Brasil. Não pode tapar os olhos para o fato que
parlamentares sejam responsáveis pela renovação dos canais e, ao mesmo tempo, sejam
proprietários. A Constituição de 1988, em sua seção V, artigo 54, registra que deputados e
senadores são proibidos de firmar ou manter contrato com empresas concessionárias de serviço
público, não podendo, ainda, aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado nas
emissoras.
O governo brasileiro precisa pôr em pauta a regulamentação e a regulação da mídia no Brasil,
cuja base está no capítulo V, da Comunicação Social, da Constituição Federal de 1988. A
contribuição do Governo Federal na mudança deste cenário de concentração midiática é vista pela
sociedade civil como fundamental. É preciso garantir a diversidade e a pluralidade de informações
na comunicação brasileira. O governo precisa cumprir o seu dever de garantir o direito à
comunicação.
A sociedade civil vem se envolvendo bastante nos debates sobre a concentração da mídia no
Brasil. Defende que a concentração midiática é uma ameaça à liberdade de expressão no Brasil e
que a democratização da comunicação deve ser uma realidade no país, lutando-se contra o
oligopólio privado na mídia nacional. Faz-se necessário mudar o cenário, combatendo e vencendo a
concentração midiática no país.
É preciso garantir a diversidade e a pluralidade de informações na comunicação brasileira.
Enquanto o governo federal não faz nada, a sociedade civil precisa reagir, se envolver e lutar contra
a concentração através de atuações nas escolas, universidades e junto com as instituições que lutam
em prol da democratização da comunicação.
No Rio de Janeiro, os grupos de pesquisa das universidades federais vêm atuando fortemente
com projetos, exposições, cursos e debates que chamam a sociedade para refletir e se envolver
neste desafio. É o caso do Centro de Pesquisa e Produção em Comunicação e Emergência (Emerge),
da UFF; e o Grupo de Pesquisa Políticas e Economia da Informação e da Comunicação (PEIC), da
UFRJ. Na Fundação Casa de Rui Barbosa, no setor de Políticas Culturais, vem se trabalhando com
Economia Política da Comunicação e da Cultura (EPCC), fazendo-se Colóquios (em parceria com o
Emerge e o GT1 – Políticas de Comunicação – da União Latina de Economia, Política da Informação
e Cultura, capítulo Brasil (ULEPICC-Brasil), publicações e pesquisas que envolvem ativistas e
pesquisadores; tem-se, inclusive, um site do projeto (https://pesquisaicfcrb.wixsite.com/epcc) que
chama a atenção da sociedade brasileira para notícias, pesquisas, legislação e eventos de EPCC.
A democratização da comunicação e das telecomunicações só se tornará realidade quando a
concentração não for aceita como algo natural. A sociedade brasileira não pode se acomodar.
Precisa entender e encarar este desafio.

Referências bibliográficas

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dos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão para o SBTVD-T.
Diário das Leis. Disponível em: https://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/236135-
estabelece-o-cronograma-de-transiuuo-da-transmissuo-analugica-dos-serviuos-de-radiodifusuo-de-
sons-e-imagens-e-de-retransmissuo-de-televisuo-para-o-sbtvd-t.html. Acesso em: 15 set. 2017.

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TV DIGITAL: Ginga está em 90% das TVs produzidas no país. IDG Now!,13 set. 2016. Disponível em:
http://idgnow.com.br/blog/circuito/2016/09/13/tv-digital-ginga-esta-em-90-das-tvs-produzidas-no-
pais/. Acesso em: 15 set. 2016.
Regulação de conteúdo, televisão e
diversidade em países da América Latina

Chalini Torquato G. de Barros

Introdução

Nos últimos anos tem ganhado força nos países latino-americanos um movimento de
reformulação das leis que orientam os setores de comunicação. Em 2004, a Venezuela reestrutura o
setor de TV com a aprovação da Lei Resorte e em 2007 cria um novo sistema de comunicação
pública. A Argentina aprova em 2009 a Lei de Serviços de Comunicação e Audiovisual (LSCA), ou
ley de medios, seguida pela boliviana Lei Geral de Telecomunicações, em 2011; a Lei Orgânica de
Comunicação no Equador, em 2013; a Lei Federal de Telecomunicações e Radiodifusão no México,
em 2014; e, mais recentemente, em 2015, a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, no
Uruguai.
Alguns trabalhos haviam identificado esse fenômeno como associado à ascensão de governos
progressistas à presidência e outros ao reforço de valores democráticos impulsionados pela
maturação de movimentos sociais atrelados à conjunção mundial de disseminação de novas
tecnologias da comunicação com maior acesso à informação (MORAES, 2009; RAMOS, 2010). O fato
é que essas reformulações têm acontecido sequencialmente na região e, em relação às discussões
regulatórias midiáticas em âmbito mundial, apresentam a particularidade de destacarem a noção de
direito à comunicação. Os debates em torno das novas leis apresentam, em geral, uma natureza
política, paralelo à discussão técnica , reforçando o papel de interesse público do serviço de
audiovisual para a satisfação das necessidades de comunicação dos diversos povos e culturas da
região, combatendo a concentração de propriedade e abrindo mais canais institucionais para a
participação da sociedade civil.
Nesse contexto, propõe-se entender, à luz do debate sobre a democratização da comunicação,
como essas novas leis discutem a proteção e a participação das minorias, como crianças e
adolescentes, mulheres, pessoas com deficiência, povos originários, população negra, LGBT, etc.,
que historicamente sofrem com problemas de representação e de voz nos conteúdos de mídia
majoritariamente orientados para o mercado. Para isso, o trabalho utiliza a metodologia
comparativa, com indicadores criados para auxiliar na análise de como se dá o reconhecimento
expresso de diversidade, proteção e participação das minorias sociais ou grupos vulneráveis nos
textos das principais leis desses países referentes a conteúdo televisivo.
Território latino-americano e o debate da democratização da mídia
Mais aproximados ao modelo estadunidense, os sistemas de comunicação latino-americanos se
desenvolveram essencialmente pela exploração privada. Porém, as tradições paternalistas e
clientelistas das políticas da região gestaram uma importação distorcida daquele modelo, com a
ausência de agências reguladoras e a defesa de interesses das famílias oligárquicas e elites políticas
e econômicas (MASTRINI et al., 2005). Tais práticas foram mantenedoras da condescendência de
sistemas ditatoriais e permanecem, inclusive, com o restabelecimento da democracia.
Entretanto, a retomada da democracia gradativamente abriu espaços de participação civil
pública e fomentou a articulação de movimentos sociais que, entre outras pautas, buscava também
resgatar o papel da mídia como um recurso da cidadania. É possível perceber ainda, nesse contexto,
a retomada do conceito do direito à comunicação oriundo da década de 1970 e tão importante para
a conscientização acerca dos prejuízos trazidos por uma mídia controlada não mais pelo poder do
Estado, como era na ditadura, mas pela iniciativa privada, através de uma lógica, ainda assim,
excludente.
Pensar em pautar o tema de um modelo de mídia mais democrático, contudo, passa a exigir
novos pontos de partida. Realidades estruturadas sobre democracias em fase de consolidação,
dificuldade dos Estados nacionais em estabelecer políticas para a área, cooptação de sua função
reguladora, acordos supranacionais, exigência de regras para novos modelos de negócio,
movimentos sociais mais fortalecidos, digitalização e convergência tecnológica (fazendo
interpenetrar os setores de audiovisual, informática e telecomunicações), toda essa reconfiguração
insere-se num projeto de governança global da comunicação identificado com uma Sociedade da
Informação que torna imperativo repensar ideias, conceitos e diagnósticos.
Novos valores para as políticas de comunicação

Em vários países do mundo cresce a percepção crítica do público diante da excessiva


arbitrariedade que a orientação pelo lucro gera como distorção para a indústria audiovisual e para a
percepção sobre a diversidade social (MATTELART, 2005). Trata-se do resultado de discussões
embasadas no que Mattelart (2005) vai chamar de ordem pós-colonial da comunicação, derivada da
crise da ideologia do desenvolvimento que reforçou processos de independência e libertação
coloniais às culturas invadidas.
A desestabilização do paradigma do desenvolvimento/modernização, resultado da ideologia do
progresso infinito, está em acordo com o reconhecimento da singularidade das culturas, como fonte
da identidade, do sentido, da dignidade, da inovação social. A falência da visão linear da transmissão
de valores consagra a diversidade como condição necessária para uma via de saída do
subdesenvolvimento, diferente da via orientada pela ideologia do cálculo (o PNB) e do determinismo
técnico. A reabilitação da criatividade das culturas tem como contrapartida a instauração da
solidariedade simultaneamente em nível local, em escala nacional e mundial, a valorização do
“espírito local”, o imperativo categórico da participação civil e a preocupação com a biodiversidade
(MATTELART, 2005, p. 80).

A entrada no que chama de era pós-colonial inverte no conjunto do sistema das Nações Unidas a
relação de forças entre Norte e Sul quando a Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura) se transformava no epicentro das discussões relativas às trocas
desiguais de informações e de comunicação. A defesa dos países não alinhados pelo reconhecimento
de uma “nova ordem mundial” surgia paralela à reivindicação de um “direito à comunicação” em
seus dois aspectos: acesso e participação (MATTELART, 2005). Abandonada na década de 1980,
alguns dos valores dessa discussão passam a ser retomados quando novos desafios da comunicação
voltam a colocar o Estado como fundamental na definição e organização dessas novas indústrias.
À sua função política democrática juntou-se uma segunda função de caráter cultural, educativo e
entretenimento voltados para a coesão da cultura nacional. Seus princípios e direitos básicos,
segundo Murciano (2006), deveriam ser: a diversidade (regional, linguística, política, cultural etc.),
a identidade cultural (subnacional ou local), a independência industrial e comercial (com a
promoção, primeiro, do cinema nacional e atualmente pelo cinema independente), fomento à vida
associativa e cidadã (comunitarismo e cidadania) e na proteção do bem-estar, da infância e da
juventude etc. Pluralismo, acesso, visibilidade, liberdade de expressão e participação se reforçam
como direitos a serem expandidos para toda a sociedade.
Se por um lado o pluralismo (e com ele a diversidade) impõe-se como forma de reforçar a
liberdade de expressão básica de toda democracia, por outro a participação é exigida diante da
excessiva centralização e dirigismo de empresas de comunicação que determinam conteúdos e
horários meramente de acordo com estratégias de lucro. Relaciona-se ainda, de acordo com
Murciano (2006), com direitos à informação relevante, direitos de réplica, ou de contraposição de
ideias em temas polêmicos, maior visibilidade de grupos sociais de menor peso demográfico,
comunidades étnicas e culturas minoritárias.
A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, resultado da Conferência Geral da Unesco
em Paris em 2001, eleva a diversidade cultural à categoria de “patrimônio da Humanidade”,
comprometendo-se a sua preservação e renovação. Ela defende que cada indivíduo deve reconhecer
não só a alteridade em todas as duas formas, como também o caráter plural da sua própria
identidade dentro das sociedades nacionais igualmente plurais. Só desta forma é possível conservar
a diversidade cultural na sua dupla dimensão de processo evolutivo e fonte de inovação, criação e
expressão (MURCIANO, 2006).
No caso específico da América Latina, com seus elevados índices de concentração de
propriedade e cuja regulação prova-se um grande desafio, vê-se como essencial para o projeto
democrático a reflexão acerca do interesse público que o conteúdo midiático representa e sua
interlocução com “valores vulneráveis” da sociedade (BLUMLER, 1992). Anteriormente bastante
contributiva para as discussões da década de 1970 sobre direito à comunicação e imperialismo
cultural, seu processo de mercantilização do setor de entretenimento e a reconfiguração das
indústrias culturais, reflexo da profunda assimilação de lógicas neoliberais, porém, afastou esse
debate da agenda pública. Trata-se de um tema recuperado não apenas pelos movimentos sociais
defensores de uma ampla reforma nos setores midiáticos, mas também dos estudos da Economia
Política da Comunicação com a recuperação da tradição da escola latino-americana em seu ativismo
acadêmico em busca de sistemas de comunicação mais democráticos e do estabelecimento de
Políticas Nacionais de Comunicação (PNC) (MASTRINI et al., 2005).

Análise comparativa de indicadores

Tendo, portanto, em vista os desafios históricos desta região, a presente pesquisa se debruça
sobre os novos textos de leis gerais para o setor de comunicação mais recentemente aprovados nos
países da América Latina. Usamos, assim, como base: aLei Orgânica de Telecomunicações e a lei
Resorte da Venezuela, aprovada em 2004; a Lei n°. 26.522/2009 de Serviços de Comunicação e
Audiovisual (LSCA) argentina, de 2009; a boliviana Lei Geral de Telecomunicações, de 2011; a Lei
Orgânica de Comunicação do Equador, de 2013; a Lei Federal de Telecomunicações e Radiodifusão
do México, de 2014; e, a mais recente, Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual do Uruguai,
aprovada em 2015. Os indicadores criados a partir das categorias “valores democráticos” e
“regulação de conteúdo” da pesquisa desenvolvida anteriormente em Torquato (2014), aqui são
direcionados para o novo objeto e orientados pelas questões correspondentes apresentadas no
quadro a seguir.

Quadro 1: Indicadores – Regulação de conteúdo televisivo

Fonte: elaboração própria

Tomando como base o primeiro indicador “Reconhecimento expresso de valores como direito à
comunicação, proteção às minorias, diversidade, tolerância etc.”, é possível afirmar que em todas as
legislações estudadas o espectro radioelétrico é considerado de interesse público, ficando, assim,
sob a administração do Estado. Trata-se de uma normativa recorrente em legislações anteriores da
região e mantida nas reformulações atuais. Um outro aspecto relevante é o reconhecimento
expresso da comunicação como um direito humano, cuja única exceção é a legislação mexicana.
Na Venezuela, Lei Orgânica de Telecomunicações define como seu objetivo o estabelecimento de
um marco legal geral para o setor a fim de garantir o direito humano das pessoas à comunicação e a
realização de atividades econômicas necessárias para alcançá-lo. Junto com ela a lei Re sorte traz
também outros valores, como a responsabilização social de prestadores de serviços de comunicação
e para fomentar o equilíbrio democrático entre seus direitos e deveres a fim de promover a justiça
social e contribuir para a formação da cidadania, da democracia, da paz, dos direitos humanos, da
cultura, da educação, da saúde e do desenvolvimento social e econômico da Nação. O texto diz,
ainda, em seu artigo 2, que a interpretação da lei deve dar-se pelos princípios: liberdade de
expressão, comunicação livre e plural, proibição de censura prévia, responsabilidade ulterior,
democratização, participação, solidariedade, responsabilidade social, soberania, segurança da
Nação e livre concorrência (VENEZUELA, 2007).
A Lei n°. 26.522 argentina entende a comunicação audiovisual como fundamental ao
desenvolvimento sociocultural da população por criar formas de exteriorizar o “direito humano
inalienável de se expressar, receber, difundir e pesquisar informações, ideias e opiniões”
(ARGENTINA, 2009, art. 2º, tradução nossa ). Essa visão encontra-se também na nova legislação
boliviana que coloca como dever do Estado garantir o direito humano individual e coletivo à
comunicação, satisfazendo as necessidades de informação e comunicação social das comunidades
em que os meios estejam instalados (BOLÍVIA, 2011). Na normativa uruguaia, os serviços de
comunicação audiovisual (SCA) devem ser garantidos como interesse público, pois permitem o
exercício do direito de comunicar e receber informações para o exercício pleno da liberdade de
expressão da cidadania, difusão de valores centrais para a identidade e a diversidade cultural, apoio
à educação, compondo um sistema essencial para a promoção da convivência, integração social,
igualdade, pluralismo e valores democráticos (URUGUAI, 2015).
A legislação do Equador, por sua vez, se destaca na defesa do direito à comunicação, não apenas
por garanti-lo em sua Lei Orgânica de Comunicações, mas também de maneira mais ampla, pois o
traz seu novo texto constitucional 1, no artigo 384. Ali se estabelece que o sistema de comunicação
social deve assegurar o exercício dos direitos à comunicação, à informação, à liberdade de
expressão e fortalecer a participação cidadã, sendo necessário criar mecanismos para sua plena
garantia para todas as pessoas. A nova lei do país traz um capítulo específico sobre os Direitos à
Comunicação, incluindo as seguintes seções: Direitos de liberdade, que inclui proibição da censura
prévia, direito à liberdade de expressão e opinião, responsabilidade posterior, direitos de receber
informações de relevância, direito de resposta, proibição do chamado “linchamento midiático”, etc.;
Direitos de igualdade e interculturalidade, que inclui direitos de criação de conteúdo, de acesso à
frequências e às TICs, direito à comunicação intercultural e plurinacional, direito de acesso para
pessoas com deficiência e participação cidadã; Direitos dos comunicadores, que procura garantir
independência dos profissionais da mídia, sigilo da fonte, livre exercício profissional e composição
equitativa das equipes de trabalho nos meios de comunicação com paridade entre homens e
mulheres, interculturalidade, igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência e diversas
faixas etárias (EQUADOR, 2013).
O artigo 71 da lei equatoriana define, ainda, como sendo responsabilidades comuns de todos os
sistemas de comunicação, privados, estatais e comunitários, os princípios relativos ao direito
constitucional à informação e à comunicação – respeitar e promover direitos humanos, desenvolver
o senso crítico dos cidadãos, promover diálogos de interesse coletivo, contribuir para paz, fiscalizar
o Estado e seus funcionários, promover o diálogo intercultural e as noções de igualdade na
diversidade e nas relações interculturais, promover a integração política, econômica e cultural dos
cidadãos, povos e coletivos humanos, promover a educomunicação.
Promoção do pluralismo, da diversidade, da não discriminação, da transparência dos processos
de outorga, garantia à liberdade editorial, o incentivo à produção nacional e independente são
valores reiteradamente mencionados em diversos artigos da nova lei do Uruguai. Existem lá
também capítulos específicos para direitos das pessoas, de crianças e adolescentes, das pessoas
com deficiência, direito ao acesso a eventos de interesse geral, direitos dos jornalistas, direitos dos
prestadores de SCA, além de um capítulo voltado para tratar de diversidade e pluralismo e outro
para promoção da produção audiovisual nacional.
Já na lei equatoriana, artigos específicos tratam dos chamados princípios da participação,
princípio da democratização da comunicação e da informação – democratizando propriedade e
garantindo acesso e participação –, princípio da interculturalidade e plurinacionalidade – o Estado
deve garantir a relação intercultural entre comunidades, povos e nacionalidades a fim de difundir
conteúdos que reflitam as diferentes visões, culturas, tradições, conhecimentos e saberes em suas
diferentes línguas –, princípio da ação afirmativa – através do qual as autoridades devem melhorar
condições de acesso e o exercício de direitos por grupos humanos em situação de desigualdade
(EQUADOR, 2013).
Ainda no que diz respeito à diversidade, é interessante destacar que na Bolívia – oficialmente
Estado Plurinacional de Bolivia – a complementaridade de sistemas na regulação do espectro é
dividida em 4 categorias: do Estado, até 33%; Comercial, até 33%; Social-comunitário, até 17%; e
povos indígenas, originários, campesinos, comunidades interculturais e afrobolivianas, outros 17%
(BOLÍVIA, 2011).
Já no que se refere ao indicador “Proteção de crianças e adolescentes” esse país entra como
destaque negativo, na medida que não apresenta especificações sobre regras de proteção para
crianças e adolescentes. E no caso do México, embora tenham sido encontradas referências à
priorização dos conteúdos audiovisuais ao desenvolvimento de crianças, como no artigo 226 que
defende os conteúdos para esse público devem fortalecer valores culturais, éticos e sociais,
pacíficos, de não discriminação e respeito à dignidade de todas as pessoas, evitar apologia à
violência, informar sobre os direitos da infância, estimular criatividade, solidariedade, interesse
pelo conhecimento, promover tolerância e respeito à diversidade de opiniões e os direitos das
mulheres, não são definidos horários de proteção. A lei desse país define apenas que a classificação
deve ser informada antes dos programas pelos provedores do serviço e os seus horários devem ser
antecipadamente divulgados ao público (MÉXICO, 2014).
As legislações dos outros países, porém, estabelecem horários gerais. Na Argentina e no
Uruguai, o horário das 6h às 22h na TV aberta é livre para todo o público e deve evitar conteúdos
que exibam ou façam apologia a violência excessiva, comportamentos criminosos, discriminatórios
ou conteúdo pornográfico. Na outra faixa de horário o conteúdo é voltado para o público adulto. Há
casos também de horário “supervisionado” ou de “responsabilidade compartilhada”. No Equador, a
responsabilidade compartilhada é adequada para o público a partir dos 12 anos, com supervisão de
adultos, entre as 18h e às 22h; e entre 22h e 6h o conteúdo é voltado para maiores de 18 anos. Já na
Venezuela os horários são divididos entre: “todo usuário”, das 7h às 19h; “horário supervisionado”,
das 5h às 7h e 19h às 23h; e “horário adulto”, entre 23h e 5h (EQUADOR, 2013; VENEZUELA,
2004).
Argentina e Venezuela estabelecem o mínimo de três horas diárias de programas culturais e
educativos, informativos e recreativos dirigidos especialmente a crianças e adolescentes, com
enfoque pedagógico, sendo que na Argentina há ainda a exigência que 50% dessas seja nacional.
Em todas as legislações crianças e adolescentes mantêm o direito de ter sua identidade preservada
em informações divulgadas que possam lhes prejudicar.
Em México e Uruguai as mensagens publicitárias também não podem se dirigir diretamente às
crianças e aos adolescentes ou aproveitar-se de sua lealdade a pais e professores e devem seguir as
recomendações internacionais relativas a alimentos com alto teor de gordura, sal ou açúcar. Além
disso, crianças e adolescentes não podem atuar em qualquer comercial de produtos que
prejudiquem sua saúde ou integridade física, psicológica ou social.
Em relação ao item “Proteção contra incitação ao crime e discursos de ódio”, com exceção da
Bolívia, todos os outros países possuem regras claras. No artigo 8 da venezuelana Lei Resorte se
estabelecem proibições a mensagens de rádio, TV e meios eletrônicos que: incitem ou promovam o
ódio e a intolerância por razões religiosas, políticas, de gênero, racismo ou xenofobia; incitem,
promovam ou façam apologia ao delito; constituam propaganda de guerra; fomentem ansiedade ou
inquietação da cidadania de modo a alterar a ordem pública; desconheçam as autoridades
legitimamente constituídas; induzam ao homicídio; incitem ou promovam o descumprimento do
ordenamento jurídico vigente (VENEZUELA, 2004).
Similarmente, a LSCA argentina informa que a programação deverá evitar qualquer conteúdo
que promova discriminação, de gênero, orientação sexual, etnia, pessoas com deficiência, incitem
maus tratos ou menosprezem a dignidade humana ou induzam comportamentos prejudiciais para o
ambiente e a saúde ou integridade de pessoas. A lei mexicana proíbe, em seu artigo 256, conteúdos
com qualquer forma de discriminação motivada por origem étnica ou nacional, de gênero, idade,
deficiência, condição social, de saúde, de religião, opiniões, preferências sexuais, estado civil ou
qualquer outra que atente contra a dignidade humana ou tenha por objetivo anular ou menosprezar
os direitos e as liberdades das pessoas. Por sua vez, o artigo 28 da lei uruguaia, no âmbito dos
direitos das pessoas, define que não poderão ser difundidos pelos SCA conteúdos que incitem ou
façam apologia à discriminação e ao ódio nacional, racial ou religioso, que constituam incitações à
violência ou qualquer outra ação ilegal similar contra qualquer pessoa ou grupo de pessoas, seja
motivada por raça, etnia, sexo, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, idade, deficiência,
identidade cultural, lugar de nascimento, credo ou condição socioeconômica.
São proteções presentes também na lei equatoriana, cujos artigos 61, 62 e 67 impedem
conteúdos que conotem distinção, exclusão ou restrição baseada em razões de identidade de
gênero, idioma, ideologia, filiação política, passado judicial, condição migratória, condição
socioeconômica, orientação sexual, estado de saúde, portar HIV ou quaisquer outras que
menosprezem direitos humanos reconhecidos pela Constituição do país; proíbe ainda mensagens
com exploração, abuso sexual, apologia à guerra, ódio nacional, racial ou religioso (EQUADOR,
2013).
Quanto ao indicador “Obrigações positivas de conteúdo: cotas de produção nacional, regional e
independente, preocupação com estereótipos, educação para diversidade, estímulo à produção por
minorias”, destaca-se as leis de Venezuela, Argentina e Uruguai.
A Lei Resorte estipula que pelo menos sete horas diárias do horário “todo usuário” sejam de
programas produzidos no país, com quatro dessas de produção independente. Além disso, exige
pelo menos três horas diárias de programação nacional no “horário supervisionado”, das quais 1h30
seja de produção independente (VENEZUELA, 2009).2 Para fazer cumprir essas regras, existe uma
Comissão de Programação de Televisão, cuja função é estabelecer condições de alocação de espaços
a produtores nacionais independentes a fim de garantir a democratização do espectro radioelétrico,
a pluralidade, a liberdade de criação e a garantia da concorrência.
Já na Argentina, emissoras abertas devem emitir um mínimo de 60% de produção nacional, 30%
de produção informativa própria, 30% de produção local independente em cidades com mais de um
milhão e meio de habitantes, 15% em localidades com mais de 600.000 e 10% em outras
localidades. Já as TVs por assinatura devem transmitir sinais de todas as emissoras públicas do
Estado, dos Estados provinciais, de Buenos Aires, municípios e universidades nacionais. Devem dar
prioridade em sua grade a sinais locais, regionais ou nacionais, devem incluir um sinal de
programação local própria, ou um sinal regional em caso de localidades com menos de 6.000
habitantes. Devem incluir, ainda, um mínimo de sinais originados em países do Mercosul e países
latino-americanos com os quais a Argentina possua convênios com tal propósito (ARGENTINA,
2009).
Existem, ademais, cotas para produções cinematográficas argentinas. Para TVs abertas, a
exigência mínima é de exibição de oito longas-metragens por ano produzidos majoritariamente por
produtoras nacionais independentes. TVs por assinatura ou TVs abertas localizadas em áreas com
menos de 20% da população do país podem optar por cumprir a cota adquirindo direitos de
veiculação de filmes nacionais e produzidos por produtores independentes nacionais. Canais de TV
por assinatura que difundirem seus programas de ficção num total superior a 50% de sua
programação diária e que não forem considerados nacionais deverão destinar 0,5% de sua
faturação bruta do ano anterior para a aquisição de direitos de filmes nacionais. Segundo o artigo
123, a programação das emissoras da Radio e Televisão Argentina Sociedade do Estado (RTA) deve
ter no mínimo 60% de produção própria e 20% de produções independentes em todos os meios que
componham sua rede. A faixa de horário para essas exibições deve ser entre 21h e 23h
(ARGENTINA, 2009).
No Uruguai, de acordo com o artigo 60, os SCA abertos e por assinatura, comerciais ou públicos,
devem passar a incluir em sua programação ao menos 60% de produção ou co-produção nacional,
sendo uma porcentagem a ser determinada por regulamentação específica para produção de fora de
Montevidéu. Além disso, ao menos 30% dessa programação deve ser de produtores independentes,
não podendo um mesmo produtor independente ocupar mais de 40% de um mesmo serviço de
radiodifusão. Um mínimo de duas horas por semana de programação emitida deverá conter
lançamentos nacionais de ficção televisiva ou de filmes e, desses, pelo menos 50% deverá ser de
produção independente. Ao menos dois filmes nacionais devem ser transmitidos no horário entre
19h e 23h por ano. Também, num mínimo de duas horas por semana, a programação deve promover
a indústria criativa – teatro, dança, artes visuais, museus, música, livros, cinema, videogames,
desenhos etc. –, sendo pelo menos 50% dedicados à produção nacional (URUGUAI, 2015).
Na lei do México, os concessionários que dão até 20% de sua programação para produção
nacional podem aumentar o tempo limite de publicidade em até dois pontos percentuais. Já aqueles
que oferecem espaço de até 20% para produção nacional independente podem incrementar em até
5% seu tempo de publicidade. Eles devem ainda estimular os valores artísticos locais e nacionais, as
expressões da cultura mexicana de acordo com as características de sua programação. É previsto
vagamente no artigo 250 que o Executivo impulsione medidas de financiamento da produção
nacional e independente (MÉXICO, 2014).
No Equador os conteúdos televisivos devem ser classificados da seguinte forma: I – informativos;
O – de opinião; F – formativos, educativos culturais; E – entretenimento; D – desportivos; e P –
publicitários. Cabe às empresas de mídia a obrigação de identificar seus conteúdos, assinalando sua
adequação aos diferentes públicos. Ao menos, 60% da programação diária do horário familiar deve
ser de conteúdo nacional, sendo 10% destes de produção independente. Um só produtor não pode
concentrar mais de 25% da cota diária (EQUADOR, 2013).
Já no indicador “Participação e controle social em mecanismos de monitoramento”, a estrutura
que mais se destaca é a argentina. Os mecanismos de participação social instituídos pela LSCA são:
Conselho Federal de Comunicação Audiovisual, Conselho Honorário Consultivo Público de Mídia,
Conselho Assessor da Comunicação Audiovisual da Infância, e a Defensoria Pública dos Serviços de
Comunicação. A distribuição de controles entre essas instâncias utiliza-se de instrumentos de
accountability , como relatórios, informes e reuniões abertas ao público (ARGENTINA, 2009).
A LSCA cria também, para auxiliar neste monitoramento, o Registro Público de Sinais e
Produtores, para os produtores de conteúdo e empresas geradoras e comercializadoras de sinais;
bem como o Registro Público de Publicidade e Produtoras Publicitárias, incluindo informações sobre
agências e empresas de publicidade em geral. Esses arquivos têm o objetivo de organizar e
disponibilizar o conteúdo veiculado ao conhecimento geral para consultas e monitoramento. Existe
ainda a Defensoria Pública dos Serviços de Comunicação, cuja função é receber consultas e queixas
do público, encaminhar as reclamações informando as autoridades competentes, publicar
resultados, manter registros das críticas realizadas, convocar espaços públicos e privados de debate
sobre a mídia, audiências públicas, propor alterações legais etc. Essa defensoria atua em conjunto
com um Conselho Honorário Consultivo Público de Mídia para o caso de canais públicos além do
conselho específico para proteção de crianças e adolescentes.
No caso da Venezuela, a lei estabelece, ainda, o direito de antena em que se prevê 10 minutos
semanais cedidos aos usuários do tempo que é destinado para mensagens culturais, informativas e
educativas do Estado. Além disso, os usuários dos serviços de rádio e TV podem se articular em
Organizações de Usuários e Usuárias (OUU) para promover seus interesses e direitos e para
fiscalizar o cumprimento da legislação.
Em todas as leis, a violação de disposições relativas a conteúdo acarreta para os operadores de
radiodifusão punições como a aplicação de multas, em alguns, a cessão de espaços para a difusão
de mensagens culturais e educativas, suspensão da habilitação administrativa ou mesmo a
revogação da concessão.
No caso do Equador, existem artigos específicos para garantir a participação cidadã. O país criou
o Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Informação e da Comunicação para ser um
colegiado voltado a regular o setor com autonomia funcional, administrativa e financeira, sendo
integrado por representantes do Executivo, dos Conselhos Nacionais de Igualdade, do Conselho de
Participação Cidadã e Controle Social, dos Governos Autônomos Descentralizados e um Defensor do
Público. Para esse colegiado é previsto ainda um Conselho Consultivo composto por representantes
dos produtores de audiovisual, dos comunicadores, das organizações cidadãs, das faculdades e de
estudantes de comunicação. Existe também a Superintendência da Informação e da Comunicação
como órgão técnico de vigilância, auditoria e fiscalização, com capacidade de sanções, autônomo,
cujo superintendente deve ser nomeado pelo Conselho de Participação Cidadã e Controle Social
(EQUADOR, 2013).
No Uruguai o controle social é assegurado na nova legislação pela Comissão Honorária
Assessora de Serviços de Comunicação Audiovisual (Chasca), a Comissão Honorária Assessora do
Sistema Público de Rádio e Televisão Nacional e a figura da defensoria do público (URUGUAI,
2015). Além disso, o artigo 27 estabelece que o Poder Executivo deve oferecer mecanismos de
participação cidadã no processo de elaboração e fiscalização de políticas públicas para o setor de
SCA.
Na Bolívia, a defesa de espaços de participação é mais vaga. O Comitê Plurinacional de
Tecnologias de Informação e Comunicação (Coplutic) – criado para propor políticas e planos
nacionais de desenvolvimento de TICs, por exemplo, não tem prevista participação da sociedade
civil. Mas a criação de espaços para a participação e controle social no desenho de políticas
públicas e fiscalização de telecomunicações, TICs e serviços postais, via audiências públicas,
espaços permanentes de discussão, incluindo povos indígenas originários campesinos é prevista no
artigo 110 (BOLÍVIA, 2011).
O México, por sua vez, reproduz a experiência dos outros países a participação do público via
defensoria da audiência, tornando-a obrigatória para concessionários de radiodifusão pelo artigo
259. Devem ter um código de ética publicado no Registro Público de Concessões e dar retorno a
queixas e sugestões em até 20 dias. Não é prevista a participação da sociedade civil dentro do
Instituto que regula o setor, mesmo no conselho consultivo composto por 15 especialistas (MÉXICO,
2014).

Considerações finais

Após o levantamento dessas informações oriundas dos seis países analisados, é possível
constatar que o método comparativo, a partir da aplicação de indicadores, cumpre o proposto.
Quanto mais ampla a quantidade de indicadores, mais específica a análise comparativa consegue
ser sobre uma determinada categoria. Entretanto, por se tratar de uma aproximação inicial, é
possível chegar a algumas considerações parciais.
Com relação especificamente a temática da diversidade, pode-se destacar as legislações de
Equador e Uruguai, que ampliam esse debate, talvez pelos seus textos legais terem resultado de
participação social mais ampla. Outra constatação inicialmente chegada é que, com exceção de
Argentina e Uruguai, raramente os textos das leis sofrem influência de um país para outro. Embora
os desafios sejam similares, como a concentração de propriedade e a forte influência de oligarquias
políticas, as discussões têm acontecido isoladamente, sem a interlocução de experiências entre
esses países.
É importante destacar o caráter inicial da presente abordagem que acabou por se restringir aos
países que possuem lei geral. Além disso, como feito em Torquato (2014), a análise de resultados
torna-se mais aprofundada quando cruzada com a interpretação qualitativa conseguida através de
entrevistas, contatos in loco com pesquisadores e especialistas, bem como do levantamento
histórico dos desafios de cada realidade.

Referências bibliográficas

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Audiovisual en todo el ámbito territorial de la República Argentina.

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2011.

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América Latina e outros ensaios. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2009.

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diversidade cultural, desenvolvimento econômico e tecnológico e bem-estar social. In: SOUSA,
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RAMOS, Murilo César. Possibilidade de uma nova agenda para as políticas de comunicação na
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TORQUATO, Chalini. Democratização da comunicação:discussão teórico-conceitual e análise


comparada de ambientes regulatórios para o setor de televisão nos países do MERCOSUL. 390f.
Tese (Doutorado em Comunicação) - Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia –
UFBA, Salvador, 2014.

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VENEZUELA. Ley Orgánica de Telecomunicaciones, de 1 de junho de 2000 . Disponível em:


http://www.derechos.org.ve/pw/wp-content/uploads/telecomunicaciones.pdf. Acesso em: 18 jun.
2013.

VENEZUELA. Ley de Responsabilidad Social en Radio y Televisión , de 2 de novembro de 2004.

Notas

[1]A Constituição equatoriana foi aprovada em 2008 e, além de garantir a comunicação como um
direito, combate a formação de monopólios e oligopólios na comunicação, estabelece auditorias
para as concessões públicas de canais (EQUADOR, 2008).

[2] Ressalte-se que no artigo 14 é especificado que não se considerarão para o cálculo de horas
exigidas de produção nacional e independente re-exibições com dois anos desde a sua primeira
difusão. Em nenhum caso o mesmo produtor nacional independente poderá ocupar mais de 20% do
período de difusão semanal exigido (VENEZUELA, 2009).
Políticas de Comunicação Comunitária no Brasil:
o que foi, o que deixou de ser e o que se avizinha

Adilson Vaz Cabral Filho

Introdução

Este artigo parte de uma reflexão no campo da Comunicação Comunitária, que busca articular a
formulação e a implementação de suas políticas com a compreensão de um quadro sistêmico da
radiodifusão brasileira, em comparação com outras realidades nacionais da América Latina e outros
contextos.
Remetendo a um quadro de análise proposto inicialmente em 2010 e que vem sendo aplicado a
outros contextos, cabe compreender a extensão de modificações na referida política diante da
transformação no contexto político nacional. Ao salientar a importância da análise sistêmica em
sucessivos contextos no âmbito nacional, pretende-se investigar a própria validade e a possível
necessidade de atualização do próprio quadro de análise, apontando questões relevantes que
emergiram ou se demonstraram inconclusas diante das transformações ocorridas no momento
presente, bem como reforçando a necessidade de serem estabelecidos desafios claros a serem
perseguidos no tocante às políticas para o setor.
O texto p arte da pesquisa bibliográfica, a partir de autores de referência na articulação entre
Comunicação Comunitária, Políticas de Comunicação e Economia Política da Comunicação,
articulando, em sua fundamentação teórica, conceitos relacionados à comunicação produzida pela
sociedade organizada (PERUZZO, 2008), às tentativas de enquadramento regulatório em diversos
autores (CABRAL FILHO, 2015; GERMANO, 2010 e LIMA, 2011) e à relação das Políticas de
Comunicação com o setor comunitário (MORAES, 2011; RAMOS, 2007).
Trabalhando também com pesquisa documental fundamentada em leis, decretos e portarias de
referência no setor da Comunicação Comunitária, bem como relatórios e/ou manifestos públicos do
e sobre o setor, a pesquisa ressalta a necessidade de articulação de organizações acadêmicas e
sociais mais amplas, não apenas específicas no campo da comunicação, em torno de mecanismos de
cogestão como conselhos, conferências e audiências públicas para a formulação, a implementação e
o monitoramento de políticas para a área, bem como ressalta a visibilidade do setor comunitário no
contexto do sistema público de comunicação.

Perspectiva comparada em perspectiva temporal

No artigo “Mídia da sociedade civil, direitos à comunicação e a transição para o digital no Brasil:
estabelecendo uma estrutura analítica para uma perspectiva comparada internacional” (CABRAL
FILHO; CABRAL, 2011, p. 11), elaborado em função da deflagração da ainda incipiente digitalização
da TV no Brasil, é ressaltada a necessidade de demarcar distinções que compreendam o sistema
público de comunicação como privado não-comercial ou público não-estatal, pois:
se, em relação ao primeiro termo, o interesse e o caráter são suficientes para estabelecer a devida
distinção, cabe, diante da segunda abordagem, afirmar a capacidade da sociedade organizada em
grupos sem fins lucrativos, distinta do Estado e seu sistema estatal de comunicação, de gerir um
sistema de comunicação do povo, do público por sua própria natureza.

Ao estabelecer princípios para estabelecer uma referência jurídica para o sistema público de
comunicação, salienta-se ainda que “uma série de indicadores necessitam ainda ser formulados e
afirmados coletivamente como referência e orientação para iniciativas distintas que almejem em
atuar nessa perspectiva”, sendo que um dos “grandes impasses e desafios é o da apropriação dos
processos de digitalização das comunicações na expressão da autonomia popular visando a
configuração de suas iniciativas” (CABRAL FILHO; CABRAL, 2011, p. 12).
Assim, a partir do cenário brasileiro, compreende-se a necessidade de:
identificar eixos e questões chave visando elaborar um quadro de referências comparativo entre
países, para compreender a atual situação mundial da digitalização do rádio e da TV, bem como seus
principais avanços e demandas na afirmação da comunicação como direito humano (CABRAL FILHO;
CABRAL, 2011, p. 12).

Dessa forma, são conformadas as bases para uma reflexão que busca responder uma série de
questões gerais que já apontam a necessidade de compreender as articulações entre iniciativas de
comunicação comunitária e o papel regulatório e de implementação das políticas públicas por parte
do Estado:
Quais novas possibilidades para iniciativas de difusão baseadas nas pessoas / nas comunidades a
transmissão de TV e rádio digital está oferecendo?
Quais incrementos estão sendo feitos por ativistas nas comunidades e demais grupos a fim de
aumentar a apropriação social da transmissão digital?
Qual o papel do Estado na disposição de empoderar pessoas para conduzir tais iniciativas na
programação, produção, gestão de emissoras e na participação política?
Como o Estado ou outros atores lidam com o financiamento ou outros tipos de apoio a estas
iniciativas?(CABRAL FILHO; CABRAL, 2011, p. 12)

A insuficiência em compreender a complexidade dessas questões levou à formulação dos


seguintes aspectos, dispostos no quadro de referências a seguir, a ser trabalhado a partir da análise
mais aprofundada de um determinado país.

Quadro 1 – Papel do Estado sobre políticas públicas

Fonte: autoria própria

A aplicação de um estudo mais amplo a partir do caso brasileiro poderia ser apresentado sob a
seguinte configuração:

Quadro 2 – Papel do Estado brasileiro sobre políticas públicas

Fonte: autoria própria

A partir daí é que se colocam os problemas relacionados ao que se pretende aqui abordar. Ainda
que adequados como ponto de partida para definir quadros de referência, é necessário
compreender que tais aspectos levantados são passíveis de modificação diante de fatores
socioculturais, políticos, econômicos, entre outros, sendo que os aspectos comparativos também
podem ser trabalhados em função do tempo.
A uma análise que busca dar conta da incidência do Estado e de aspectos políticos relacionados
com as iniciativas de comunicação comunitária, cabe compreender o acompanhamento permanente
dos aspectos levados em consideração para a composição de um quadro adequado. Pode-se
compreender, inclusive, que não se trata de um quadro estático, mas de um cenário dinâmico,
atravessado por uma complexidade de fatores que cabem ser levados em consideração. Assim, são
atendidas, de certo modo, as expectativas com o artigo introdutório, ponto de partida desta
reflexão:
refletir questões específicas em textos de apoio similares, percebendo a importância desse quadro no
que consiste as iniciativas de difusão do rádio e da TV pela sociedade civil, no contexto de uma
política de mídia global mais ampla, capaz de reconhecer a capacidade da sociedade como ator
midiático, para além do Estado e do Mercado (CABRAL FILHO; CABRAL, 2011, p. 13).

Posteriormente, em estágio pós-doutoral realizado em Madri, foi possível comparar as iniciativas


comunitárias de comunicação em TV no Brasil e na Espanha, buscando “o desenvolvimento de um
método que envolvesse elementos e etapas fundamentais do processo de investigação,
possibilitando assim sua maior abrangência, bem como a construção de referências para estudos
futuros” (CABRAL, 2015, p. 106), compreendendo as seguintes etapas:
1. Funcionamento do Estado espanhol: suas atribuições e participações de cada setor na elaboração e
implementação de políticas públicas no setor.
2. Principais atores sociais e acadêmicos, com trabalhos publicados e textos formulados sobre o
desenvolvimento e as perspectivas da área.
3. Principais leis e ações políticas, relacionadas com as questões propostas pelos atores, que já
tenham sido aprovadas ou em fase de elaboração.
4. Principais debates em curso, relacionados tanto com os pontos principais a serem trabalhados a
partir da legislação já aprovada ou a ser viabilizada.
5. Construção de demandas futuras, relacionadas a questões decorrentes do próprio desenvolvimento
das iniciativas comunitárias, que originam uma nova necessidade de formulação de políticas e
regulamentações derivadas.

Essa estrutura permitiu estabelecer o projeto “Políticas locais de Comunicação Comunitária na


América Latina”, ainda em fase inicial, cuja proposta é identificar a visibilidade da Comunicação nas
estruturas de governo dos distintos países, compreender as legislações específicas relacionadas à
radiodifusão comunitária, bem como formas de promover sustentabilidade e sustento por parte das
iniciativas de comunicação comunitária à luz das regulamentações e regulações existentes.
Dessa forma, busca-se compreender outras realidades a partir de aspectos similares de práticas
e demandas de iniciativas comunitárias de comunicação, que podem se refletir em novas
regulamentações. Ao mesmo tempo, são identificadas questões específicas, relacionadas a distintas
estruturas de Estado, conformações empresariais e mobilizações de ativistas de comunicação
comunitária.
Compreender, contextualizar e colocar tais mudanças em perspectiva comparada, a partir dos
mais diferentes aspectos envolvidos, é uma tarefa ampla e desafiadora. As informações relacionadas
aos países latino-americanos estão sendo atualizadas e disponibilizadas num portal intitulado
ProLocal, disponível em http://www.prolocal.uff.br, contribuindo para fomentar futuras pesquisas.
Para além dos aspectos apontados, especialmente no âmbito deste texto, cabe compreender a
pertinência da investigação sobre questões que influenciaram as políticas locais de Comunicação
Comunitária no Brasil ao longo dos últimos governos, no sentido de identificar transformações
significativas que atualizem o quadro de referências e evidenciem aspectos distintos. Se é
pertinente que categorias de análise se transformam significativamente ao longo do tempo, a partir
de aspectos relevantes, porém distintos, a realização de pesquisas sistemáticas e contínuas servirá
para melhor compreender a temática da Comunicação Comunitária e suas implicações que sua
apresentação a partir de quadros que remetem a um determinado contexto temporal.

Caminho lento na década ampliada

Não é possível dizer que o Brasil tenha perdido todas as oportunidades na área de Comunicação
Comunitária ao longo dos últimos 15 anos, período compreendido por Gabriel Kaplún como a
década ampla. Entretanto, é necessário reconhecer que o caminho foi extremamente lento em
comparação a outros países latino-americanos, que também vivenciaram governos progressistas em
seus mandatos. Cabe aqui trabalhar com algumas iniciativas relevantes para a Comunicação
Comunitária, problematizando suas conquistas para, posteriormente, apontar desafios a serem
enfrentados.
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) nasceu pelo Decreto 5.820/2006, que define as
principais características da TV Digital no Brasil, incorporando estruturas já criadas em torno da
Radiobrás e da TVE Brasil. Foi regulamentada a partir da Lei 11.652/2008, tendo sido acionada pela
realização de Fóruns Nacionais de TV Pública, em 2007 e 2009, conformando o então chamado
campo público, com a participação de associações como a Associação Brasileira de Televisões e
Rádios Legislativas (Astral), caso das TVs Câmara, Senado e Justiça; a Associação Brasileira das
Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec); a Associação Brasileira de Televisão
Universitária (ABTU), que compreende TVs de instituições de ensino superior públicas, mas também
privadas; e a Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM). Embora relacionada com o
sistema público, a constituição da EBC ainda reforça considerável atrelamento aos governos de
turno e à estrutura de Estado, aproximando-a mais de um sistema estatal, porém distinta na
autonomia de gestão e de diálogo com a sociedade na composição de seus temas e conteúdos.
A partir da aproximação de diversas organizações e movimentos sociais, conduzindo lutas
relacionadas à afirmação de direitos humanos e ambientadas na formulação de políticas na relação
com o Estado através de Conferências públicas, o movimento pela democratização da comunicação
enfim buscou viabilizar a sua Conferência na área de Comunicação e teve sua proposta acolhida em
2009, com a realização de sua I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). De lá para cá
não houve, nem por parte dos sucessivos governos de Lula e Dilma, nem mesmo pela disposição
manifesta das organizações sociais, disposição em dar continuidade a esse mecanismo consolidado
de cogestão Estado-sociedade.
A Lei 12.485, aprovada em 2011, incorpora a Lei de TV a Cabo, de 1995, possibilita aos canais
comunitários de TV a Cabo a veiculação em outros modelos de tv por assinatura, condicionada à
viabilidade técnica das operadoras. Apesar de impossibilitar a expansão desses canais, fato é que
gestoras dos canais comunitários de TV a Cabo ainda não se mobilizaram para reservar seus canais
junto a operadoras de TVs por assinatura no país.
Com base no Decreto da TV Digital, os Canais da Cidadania foram especificados através de
portarias, sendo a 489/2012 a que detalha com mais clareza os procedimentos para apresentação de
propostas sua viabilidade. Para além de uma faixa de âmbito municipal e outra estadual, duas são
para associações comunitárias, que levam em consideração o histórico de atuação de canais
comunitários de TV a cabo existentes, obtendo pontuação adicional em caso de disputa pela
destinação das faixas de programação das associações. Trata-se de oportunidade sem equivalência
na Comunicação brasileira, pois permitiriam a transmissão de conteúdos audiovisuais de forma
gratuita a toda população. No entanto, o desinteresse político, sob alegação de base econômica, por
parte de prefeituras, vem desmobilizando organizações sociais potencialmente interessadas na
viabilização desses canais.
No tocante às rádios comunitárias, os governos de Lula e Dilma não enfrentaram diretamente a
criminalização do setor, que teve número maior de apreensões que nos governos de Fernando
Henrique Cardoso (FHC). A lei de radiodifusão comunitária, sempre questionada pelo setor, nunca
foi atualizada a despeito de projetos de lei que circulam na Câmara dos Deputados, incluindo a
tentativa de também regulamentar a televisão comunitária em sinal aberto. Por outro lado, foi
publicada a Portaria 4.334/2015, que regulamenta procedimentos relacionados ao serviço de rádios
comunitárias, desburocratizando o processo de solicitação de outorgas e flexibilizando publicidade,
o que, por si só, já contou com reação da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (A
BERT), que anunciou disposição em contestá-la na justiça.
Os dois mandatos do governo Dilma também não levaram adiante a atualização do Marco
regulatório da Comunicação, tal como expectativa após a I Confecom. Dilma chegou a mencionar a
regulação econômica da mídia em discurso de campanha que a levou ao segundo mandato em 2014,
mas não deu prioridade ao tema diante da crise que levou ao seu impeachment em 2016. A despeito
de investir noutra edição da Confecom, que poderia reconduzir o debate entre governo, empresas e
sociedade sobre o desdobramento das quase 700 propostas aprovadas, o movimento pela
democratização da comunicação lançou a campanha “Para expressar a liberdade” , que buscou
mobilizar a sociedade em torno da aprovação de um “ Projeto de Lei de Iniciativa Popular para a
aprovação de uma Lei de Mídia Democrática” . Para ser encaminhado ao Congresso, o projeto
necessitava de 1 milhão e 300 mil assinaturas, mas desde quando foi lançado, em 2011, não
conseguiu nem alcançar a metade.
Desse modo, os assuntos abordados revelam aspectos inconclusos ou mal resolvidos, que devem
ser levados em consideração numa análise em perspectiva com o momento atual. Revelam a
necessidade de compreender as iniciativas de Comunicação Comunitária como integrantes do
conjunto das Políticas de Comunicação e na compreensão do funcionamento do Estado, para além
do desafio da regulamentação, mas da implementação, monitoramento, avaliação e
suporte/fomento, componentes de políticas públicas em sua amplitude. Além disso, reforçam a
demanda por mapeamentos contínuos da Comunicação Comunitária, capazes de compreender
alterações políticas e culturais ao longo de períodos de tempo distintos. Cabem a tais mapeamentos
serem orientados por bandeiras específicas historicamente afirmadas por seus ativistas, como a
participação equânime no espectro e na verba pública destinada ao setor.

Comunicações a partir do Governo Temer

Com a posse de Michel Temer como Presidente da República, em 31 de agosto de 2016, começa
a ser desmontada a frágil estrutura relacionada à Comunicação Pública no país, bem como as
expectativas de uma regulação da mídia, mesmo que circunscrita ao seu aspecto econômico, como
declarou Dilma Rousseff, quando ainda candidata ao seu segundo mandato.
Tal processo evidenciou dois elementos de seu breve período no governo: a contundência em
desconstruir estruturas anteriores, aproveitando-se do argumento da necessidade de enxugar a
máquina administrativa e cortar custos, bem como de proporcionar eficiência na gestão da máquina
pública. Revelou também uma pressa em fazer tais mudanças, aplicando uma agenda que transpôs
elementos habituais e esperados do neoliberalismo em função de uma reacomodação de forças que
sustentaram sujeitos e setores políticos que contribuíram com sua transição, evidenciando, por
outro lado, que o presente governo ainda se sustenta como refém de forças exteriores que o
controla e captura a própria máquina administrativa do Estado brasileiro.
O que se apresentou para a Comunicação brasileira foi um reflexo desse raciocínio: a reforma
ministerial proporcionou a incorporação do antigo Ministério das Comunicações ao Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação, fazendo surgir o disforme MCTIC (Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações), sob o comando de Gilberto Kassab, do PSD. Apesar de Lia
Ribeiro (2016) ter assinalado, em matéria para o portal Telesíntese, que a extinção do Ministério
das Comunicações revelava a fragilidade política do setor, a boa recepção das entidades
empresariais do setor a essa mudança denota que sua invisibilidade contribuiu apenas para
desconstruir expectativas de políticas da área mais voltadas para a sociedade.
A confirmação do comando da Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica ratifica a
vinculação da pasta aos interesses empresariais. Nomeada para o cargo, Vanda Jugurtha Bonna
Nogueira é conhecida advogada de empresas de radiodifusão junto à Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel);e ao antigo Ministério das Comunicações, conforme noticiou o mesmo
Portal Telesíntese (AQUINO, 2016), tendo solicitado prioridade a casos de Globo, SBT e Record
mesmo informalmente no cargo, tal como noticiado na Folha de São Paulo (BILENKY, 2016).
Outro remanejamento importante no desenho da estrutura relacionada à Comunicação Social foi
a passagem da Secretaria de Comunicação Social (Secom), antes atrelada diretamente à
Presidência da República, para o comando da Casa Civil. A secretaria está sob a responsabilidade
de Márcio de Freitas Gomes, assessor do PMDB desde 2009, envolvido no episódio de recebimento
de verbas da conta de campanha da chapa Dilma-Temer, em 2014, além de ter recebido dinheiro
repassado à empresa da qual era sócio-proprietário quando ainda assessor de Michel Temer na vice-
presidência da República (SEABRA, 2016; VALENTE, 2016).
A Secom no governo Temer segue sendo responsável pela distribuição de verba publicitária, já
tendo promovido um significativo realinhamento de orientação no trato com os veículos públicos.
Sob a argumentação de não apoiar veículos de comunicação atrelados ao PT e sua militância,
reduziu apoio à mídia alternativa, incluindo aí veículos regionais, comunitários e educativos. No
entanto, o argumento de redução do gasto da máquina pública não se adequa, na medida em que
foram desembolsadas significativas quantias para empresas comerciais, relacionadas à base de
sustentação do presente governo, tal como apurou Miguel do Rosário (2016), do blog O Cafezinho, a
partir de dados do extrato de publicidade da própria Secom.
No tocante à comunicação pública, foi desconstruído o pouco avanço conseguido nos governos de
Lula e Dilma. Tão logo foi empossado, o presidente Temer empenhou-se em desmontar a estrutura
anterior da EBC, destituindo o então presidente Ricardo Melo e sinalizando a extinção do Conselho
Curador, órgão consultivo da Empresa composto por 22 integrantes da sociedade civil, cujo papel
era o de “zelar pelos princípios e autonomia da Empresa Brasil de Comunicação, impedindo que
[houvesse] ingerência indevida do Governo e do mercado sobre a programação e gestão da
comunicação pública” (EBC, 2018).
Ricardo Melo até tentou reaver seu mandato junto ao Supremo Tribunal Federal (STF),
respaldado pela própria lei que criou a EBC, a 11.652/2008, mas a publicação da Medida Provisória
744/2016 foi suficiente para dar sequência ao desmonte, promovendo mudanças que já implicam no
realinhamento da emissora com um projeto de caráter mais institucional e menos autônomo e
integrado com diferentes segmentos sociais. Em seu lugar, Temer nomeou Laerte Rímoli, ex-
assessor de imprensa do Ministério das Comunicações no governo FHC, ex-coordenador de
campanha à presidência de Aécio Neves (PSDB) em 2014 e ex-diretor de comunicação da Câmara
dos Deputados, convidado pelo então deputado Eduardo Cunha (PMDB).
As mídias comunitárias também foram atingidas por tabela no desmonte da comunicação
pública, já que compreendidas pelo artigo 223 da Constituição Federal brasileira como um sistema
distinto do estatal e do privado, bem como dos demais sistemas públicos ligados a poderes de
Estado com orçamento originários, sem contar com fonte original de orçamento através de fundos
públicos ou de publicidade comercial, apenas apoio cultural mediante patrocínios.
As perspectivas de sustentabilidade das iniciativas comunitárias de comunicação estão sendo
frontalmente ameaçadas por um governo cujas práticas já evidenciam e demarcam sua vinculação
com o setor privado, com a desagregação da sociedade organizada sob a argumentação da
desvinculação política, apesar de se reconfigurar como realinhamento político de fácil
arregimentação mediante instrumentos midiáticos de caráter comercial e massivo, de controle
tradicional em municípios e regiões brasileiras distintas.
Se as políticas de Comunicação tal como vinham sendo conduzidas já eram prejudiciais ao setor,
o cenário atual é desolador e afeta a ausência de outras políticas públicas voltadas para o social,
dada a contribuição para o desenvolvimento local que tais meios proporcionam em seus locais de
atuação. O foco prioritário no sistema privado denota a retomada de dispositivos usados em
governos anteriores, na medida em que o presidente empossado tentou diretamente barrar as duas
ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) existentes no STF contra a
manutenção de concessões de rádio e TV por parte de deputados e senadores, conforme indica o
artigo 54 da Constituição Federal1. Atualmente o Sistema de Acompanhamento de Controle
Societário da ANATEL (Siacco) indica 40 parlamentares como donos de rádio ou televisão, mas se
levantadas as participações indiretas o número deve ser ainda maior.
A manutenção das concessões de rádio e TV a políticos pode sinalizar a liberação de novas
concessões a parlamentares pelo governo Temer, reeditando a prática da moeda de troca para apoio
em propostas que tramitam no Legislativo, como a PEC 55 do controle dos gastos públicos, a
Reforma da Previdência e a do Ensino Médio, para além dos jantares suntuosos no Planalto,
contrastantes com a atual situação do país. Não se trata apenas de compreender a condução das
políticas de Comunicação no cenário brasileiro, mas como o cenário político se encontra com o setor
das comunicações naquilo que o país revela de mais perverso. Não à toa, o procurador-geral da
República Rodrigo Janot compreende que
a participação de titulares de mandato eletivo em pessoas jurídicas concessionárias, permissionárias
ou autorizatárias de serviços de radiodifusão confere a políticos poder de influência indevida sobre
importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização
de atos do poder público. Viola, por conseguinte, preceitos fundamentais de democracia e soberania
popular (Constituição da República, artigos 1º , parágrafo único, e 14), cidadania (artigo 1º , inciso II),
pluralismo político (artigo 1º, V), isonomia (artigo 5º), liberdade de expressão (artigos 5º, IX, e 220),
direito à informação (artigo 5º, XIV), legitimidade e normalidade dos pleitos eleitorais (artigos 14, §
9º, e 60, § 4º, II) e pluripartidarismo (artigo 17) (BRASIL, 2016).

Considerações finais – o que se avizinha para a radiodifusão comunitária?

Esta pesquisa buscou articular a análise comparativa das políticas de Comunicação Comunitária
em dois distintos momentos da história brasileira recente. Evidenciou a necessidade de
compreensão dos cenários diante da alteração do contexto político de turno e da realização de
quadros analíticos capazes de acompanhar essa trajetória, vinculando a Comunicação Comunitária e
suas políticas a variáveis como o funcionamento do Estado, as associações e organizações
envolvidas na formulação e na implementação de marcos legais, os debates em curso que mobilizam
a sociedade etc.
Afirmou-se a necessidade de estabelecer parâmetros e referências para o aprimoramento do
setor comunitário como orientadores de pesquisas e futuras formulações, indicando a importância
do setor comunitário como distinto do estatal e do privado, com características distintas que
demandam especificações próprias e um papel a ser assumido pelo Estado na necessidade de
afirmação de políticas que viabilizem e proporcionem sustentabilidade ao setor.
Para além da evidente desconstrução do setor ao longo do governo Temer, recém empossado,
cabe identificar não apenas a falta de vontade política inerente aos governos Lula e Dilma para com
o setor, bem como a indisposição de organizações sociais que atuam no movimento da
democratização da comunicação para com a defesa do setor e a afirmação de mecanismos de co-
gestão capazes de envolver segmentos sociais no reforço à importância dessas iniciativas.
A realização da I Confecom, em 2009, trouxe ganhos inigualáveis para a mobilização da
sociedade, que passou a contribuir com a formulação de uma nova regulamentação para a área a
partir dos distintos referenciais de cada movimento organizado que se reconheceu no processo de
elaboração da Conferência para propor mudanças a serem incorporadas no texto de uma futura lei.
A continuidade do processo de Conferências na área da Comunicação não só não foi demandada,
como o “Projeto de Lei de Iniciativa Popular para a promulgação de uma nova Lei de Mídia
Democrática”; introduziu uma subdivisão no sistema público, compreendendo-o em suas partes
institucional e comunitária. Algo que destoa das regulamentações implementadas em países latino-
americanos que compreenderam processos de regulamentação mais democráticos.
Dada a gravidade da acelerada desconstrução do pouco que se conseguiu avançar ao longo dos
mandatos de Lula e Dilma, se tornam recorrentes os questionamentos sobre como transpor ou ao
menos resguardar certas iniciativas comunitárias de comunicação que se evidenciaram como
importantes contribuições a um cenário que favoreça a democratização das comunicações.
Cabe retomar o ponto da conclusão dos trabalhos da I Confecom e a realização do Seminário
Convergência das Mídias, em 2010, pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República
(Secom-PR), visando sensibilizar a área das Comunicações para a necessidade de uma nova
regulamentação. Não pelo desafio mais imbricado que é a formulação e a implementação de uma
nova lei, mas no sentido de preservar conquistas da regulamentação existente e as iniciativas em
curso.
Trata-se sim de pleitear mudanças que não incidam em reformas constitucionais, mas que
garantam a afirmação das leis existentes e a interpretação mais precisa do texto constitucional. Tais
dimensões se traduzem em demandas que evidenciam a disposição de um Estado cujo papel pode
ser o de fomentar e viabilizar tais meios.
Assim, se revelam como caminhos indissociáveis da luta pela afirmação da comunicação
democrática como direito humano a busca por uma posição definitiva sobre inconstitucionalidade
da participação direta ou indireta de políticos em concessões, a desconstrução de conglomerados
através da desconcentração dos grupos de mídia, a extinção da publicidade sobre determinados
temas e para determinados públicos e, por fim, o estabelecimento de uma distinção mais clara entre
sistema estatal e público que proporcione sustentabilidade às iniciativas comunitárias de
comunicação.
Se tal cenário é significativamente difícil, quiçá intangível, não é apenas porque vivemos um
processo do desmonte do pouco já construído em curso, mas também porque desperdiçou-se
oportunidades que poderiam resultar num maior engajamento da sociedade, ciente do papel da
comunicação para o desenvolvimento local e o enfrentamento cotidiano de suas atividades. Retomar
o rumo da democratização e da afirmação da cidadania não será um processo fácil, mas será
significativamente mais difícil se a sociedade organizada abrir mão de suas iniciativas de
comunicação.

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aumentar-renda-de-assessor-de-temer.shtml. Acesso em: 20 nov. 2016.

Notas

[1] “Art 54. Os Deputados e Senadores não poderão:


I - desde a expedição do diploma:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública,
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o
contrato obedecer a cláusulas uniformes;
[…]
II - desde a posse:
a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de
contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; […]”.
Narrativas e Mobilização Social na campanha
“Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública”

Luiz Felipe Novais Falcão


Iluska Coutinho

Introdução

A situação política, especialmente o debate sobre a instância governamental por que passa o
Brasil, parece ter convocado os cidadãos à cena de debate; há uma espécie de imperativo por
posicionar-se. A instabilidade política trazida à tona por uma sucessão de escândalos que surgiram
a partir da OperaçãoLava-jato, desencadeada pela Polícia Federal, abriu discussões, acirrou
disputas. A polarização da esquerda e da direita foi acentuada e tornou-se ainda mais explícita na
forma com que muitos veículos de comunicação conduziram o noticiário. A mobilização em torno do
que foi noticiado, a crítica à cobertura jornalística, a vontade de participação de segmentos cada
vez maiores da sociedade e ainda a busca por contrapontos, notadamente, tomou sites de redes
sociais, discursos acadêmicos e rodas informais de conversa, ampliando o debate democrático.
Um dos desdobramentos observou-se na TV Pública, e nos debates acerca sobretudo da TV Brasil
e seu jornalismo. A emissora pública brasileira constituída em 2007, no segundo governo Lula,
voltou a atenção para ser a voz que abria espaço para as visões negligenciadas pelas TVs
comerciais, atuando assim na perspectiva de complementariedade, tal como previsto no texto
constitucional. Em 12 de maio de 2016 ocorreu o afastamento da presidenta da República Dilma
Rousseff e, mesmo antes da decisão definitiva, as consequências chegaram aos veículos de
comunicação pública.
Neste ponto, é fundamental voltarmos nossa análise para o afastamento do diretor-presidente da
Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o jornalista Ricardo Mello, em 17 de maio. É que,
contrariando a legislação vigente e toda a história para a construção desse modelo de comunicação
pública estabelecido à época no país, o então presidente em exercício, Michel Temer, exonerou
Ricardo Melo e nomeou para o cargo, três dias depois, Laerte Rímoli. A primeira presidência de
Rímoli, interina como a de Temer, durou duas semanas até que o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) José Antônio Dias Toffoli decidiu liminarmente pelo retorno de Melo à presidência.
Uma das reações à situação vivida pela EBC foi a criação de uma campanha em prol de sua
manutenção nos moldes em que foi pensada e criada (um modelo capaz de dar vez e voz a parcelas
da população que não encontram tanto espaço nas emissoras comerciais). A campanha, intitulada
“Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública”, busca, ainda em 2017, assegurar apoiadores
da causa, mobilizar cidadãos capazes de defender um modelo de TV distinto da lógica e da
influência do poder financeiro, ou ainda da lógica política governamental.
A mobilização da campanha ocorreu nas redes sociais digitais; foi criada uma “Fanpage” no
Facebook e, por meio de peças audiovisuais, a ideia de levar ao cidadão o máximo de informação
ganhou forma.
No âmbito deste texto a proposta é entender – a partir dos conceitos de gêneros televisivos,
formação de público, mobilização social e formação cidadã – como o discurso da informação
essencial via TV Pública é importante para os espectadores, e como este diálogo sobre a
importância da mídia pública deve chegar até eles. A análise busca mostrar como é trabalhada nos
materiais da campanha a necessidade de manutenção da TV pública e dessa demanda como
instrumento mobilizador. Assim, busca-se responder: quais seriam estas narrativas mobilizadoras
que reafirmam as promessas de uma narrativa audiovisual pública?
A resposta para essa questão parte da investigação de dois vídeos divulgados pela “Fanpage” por
meio da análise da materialidade audiovisual (COUTINHO, 2016). O primeiro vídeo é intitulado
“#TodosPelaComunicaçãoPública” e trouxe depoimentos de pessoas influentes e com destaque
cultural, intelectual e representativo; tais vozes seriam potencialmente capazes de afetar a
percepção que os internautas teriam sobre a TV pública e sua importância. Na sequência outro
vídeo, “Desenhando a TV”, descreve e desconstrói a justificativa da pouca audiência da TV Pública
alimentada pelo “senso comum” como uma medida de sua importância.
Os dois vídeos abordam e trabalham aspectos que apresentam a TV Brasil e sua promessa. As
narrativas audiovisuais tentam mobilizar o internauta-telespectador da TV e convertê-lo em público
mais ativo, cidadão. Observa-se o incentivo à participação e ao engajamento na “Frente em Defesa
da EBC e da Comunicação Pública”. A narrativa reafirma a importância dos conteúdos presentes na
grade da programação da emissora de TV pública brasileira como forma de reforçar suas promessas
de diálogo com telespectadores-cidadãos, conscientes.
Neste trabalho procuramos destacar o potencial de mobilização dos vídeos que utilizam
elementos da análise televisiva para definir que rumos o cidadão busca para o futuro, ainda incerto
da EBC e, consequentemente, da TV Brasil.
A campanha em defesa da EBC continuou depois do afastamento definitivo da presidenta Dilma,
em 31 de agosto de 2016. Como um de seus primeiros atos, o governo em exercício publicou no
Diário Oficial da União, em 02 de setembro, a Medida Provisória 744, que extinguiu o Conselho
Curador, excluindo o espaço institucional de participação da sociedade civil. Além disso, permitiu a
mudança do diretor-presidente da EBC, sem observância do final do mandato fixo (e independente
da presidência da República); houve assim a concretização do afastamento de Ricardo Melo e a
posse de Laerte Rímoli, agora sem os impedimentos da liminar, uma vez que a lei foi alterada.
Rímoli, inclusive, já recebia como presidente desde o período de interinidade de Michel Temer. A
MP 744 ainda alterou o Conselho de Administração, incluindo representantes do Executivo, e
excluiu o artigo que garantia a autonomia da EBC em relação ao Governo Federal, encerrando o
caráter público inscrito na lei de criação da EBC.

A TV pública e a narrativa compromissada com o cidadão

Quando falamos em Televisão é preciso considerar que o que a configura enquanto mídia é o uso
que se faz dela e a interação de produtores de conteúdo com quem assiste. A compreensão da TV
enquanto mídia, de acordo com François Jost (2007), ultrapassa a reunião de imagem, som e
palavra. Ela estaria na “articulação cotidiana da efemeridade de um fluxo a regularidade do tempo
social” (Ibid., p. 26) . O autor acredita que, para entendê-la, é fundamental “levar em conta seu
contexto e o lugar particular ocupado pelo telespectador” (Ibid., p.45). E a TV pública não foge a
essa lógica.
As emissoras de TV pública precisam representar o contraponto à crítica que Martín-Barbero e
Rey (2001) formulam acerca da TV, considerada por eles como “inculta, frívola e até imbecil”. Nessa
perspectiva o protagonismo da TV pública se estabelece na contramão das narrativas que levam os
autores acima citados ao pensamento de TV enquanto desserviço.
Essa é a concepção que estrutura as narrativas analisadas, a ideia defendida na campanha a que
nos referimos neste texto e que busca estabelecer a relevância da TV pública enquanto mídia, com
poder de mobilização, e que, em seu fluxo, organiza narrativas que resgatam também a cidadania
de cada espectador e estabelecem o empoderamento individual e coletivo diante do seu conteúdo.
Por levar em consideração a formação e a representatividade do telespectador é que a TV
pública tenta transformar o simples receptor de um fluxo narrativo em público. Destaque-se aqui o
entendimento de público semelhante ao que propõe Jean-Pierre Esquenazi (2006). O autor defende
que “para existir, um público deve manifestar-se, de forma concreta, no espaço público”. Dayan
(2006, p. 31) também acredita na existência de uma camada de público não passiva:
O público disperso na televisão não é necessariamente um ectoplasma no qual algumas fórmulas
encantatórias conseguissem dar visibilidade. Não está condenado a ser diagnosticado da mesma
forma como identificamos uma doença. Este público pode ser reflexivo, consciente da sua existência,
capaz de desenhar outros públicos, ser por vezes defensivo quanto a eles: não está condenado ao
silêncio.

A TV Brasil aparece como alternativa de mídia para atingir essa parcela de público, mais
engajado. De acordo com a lei de criação da emissora, ela deve ser capaz de ampliar discussões que
adequam até mesmo o próprio veículo em direção à formação da sociedade, o que, como colocou
Matos (2007), precisa levar em conta as dimensões sociais, geográficas, culturais e históricas do
Brasil.
A defesa do entretenimento saudável e enriquecedor, que demonstre respeito à inteligência e à
sensibilidade do telespectador, sobretudo das crianças; a valorização dos programas como
complemento à ação educadora da escola e formadora da família, e a condenação a atos que incitem a
sexualidade precoce na programação; a não submissão às imposições mercadológicas, em respeito ao
telespectador como cidadão; repúdio ao estímulo a todas as formas de violência na programação e
condenação a qualquer tipo de exploração que conduza à humilhação do ser humano na programação
(MATOS, 2007, p. 5).

O interesse público não pode estar ameaçado numa TV pública. Ao buscar uma emissora
independente dos desmandos de governos impõe-se o desafio de diversificar, de ampliar conteúdos
e de atender plenamente as demandas locais com qualidade como propõe Carmona (2006):
Hoje, a rede pública que faz sentido se dará pela possibilidade de diversificar as opiniões, de abrir os
conteúdos, de tratar de todos os temas e abordar todas as localidades. Essa será sua marca e sua
qualidade. Hoje, no Brasil, é preciso abrir as oportunidades, ouvir outras vozes e ver e propiciar
outros modelos e formatos.

Esse entendimento de uma TV pública questionadora e a serviço do cidadão passa a estar


ameaçado, na visão dos idealizadores da campanha em favor da EBC, quando a própria constituição
do modelo de administração antes previsto em lei é alterada, e desrespeitada, com a edição da
medida provisória. O governo de Michel Temer, ao ignorar o estatuto da TV pública na alteração da
legislação infraconstitucional, sinalizou a tentativa de controle do conteúdo daquilo que não poderia
jamais ter amarras, em uma comunicação que se caracterize efetivamente como de serviço público.

Campanha em prol da TV pública mas… na internet?

Além da não vontade política em manter a TV pública, é ingênuo esperar que outras emissoras
de TV apoiem significativamente a causa em torno da manutenção da EBC e, consequentemente, da
TV Brasil. Por isso mesmo a Campanha em redes sociais digitais na internet surgiu como alternativa
na busca por mobilizar a sociedade.
Ao lançar mão dessas redes sociais, os idealizadores da campanha pretendiam amplificar a
mobilização da sociedade. Nessa perspectiva e levando em conta a relação descrita por Martín-
Barbero e Rey (2001) entre a TV e o universo digital é possível compreender que os sites de redes
sociais têm a chance potencial de agregar pessoas mesmo separadas fisicamente. É que o espaço
público continua existindo nas interfaces eletrônicas e digitais, estabelecendo com os usuários da
rede outras formas de acessar e entender o fluxo narrativo, e de interagir com ele.

[...] a cidade informatizada não necessita de corpos reunidos, mas interconectados. Pois bem, o que
constitui a força e a eficácia da cidade virtual, entretecida pelos fluxos informáticos e pelas imagens
televisivas, não é o poder das tecnologias em si mesmas, mas a sua capacidade de acelerar, amplificar
e aprofundar tendências estruturais de nossas cidades (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001, p. 52).

O espaço virtual serve como lugar para convergir pensamento, reunir pessoas e abrir caminho
para que ações sejam elaboradas. Nele o cidadão pode avaliar o conteúdo da emissora pública e
reforçar o diálogo sobre aquilo que ele espera ver e, principalmente, continuar vendo na TV Brasil,
o que garantiria sua adesão à campanha “Em defesa da EBC”.
O que se espera de uma narrativa televisiva é a chave para a audiência do público em relação às
emissões televisivas. O telespectador precisa saber minimamente o que está diante de si na tela dos
aparelhos de TV. E o que estabelece essa conexão prévia é o que Jost (2007, p. 69) conceitua como
“promessas dos gêneros”:

Gênero é uma interface entre produtores, difusores e telespectadores, via mediadores que são os
jornalistas. Se ele possui uma função estratégica na comunicação televisual, isso se deve à virtude de
um nome, de uma etiqueta, como os discursos produzidos no lançamento produzido no lançamento de
um novo programa. Ele é a promessa de uma relação com um dos três mundos definidos já citados 1 .

É preciso previamente saber que tipo de emissão vai ser assistida e o que esperar do produto
audiovisual. Frequentemente este apontamento se dá por anúncios institucionais, trabalho de
divulgação durante a programação no que diz respeito a lançamento, atrações e tipo de informação
levada ao espectador. Como falamos de uma campanha na internet, nos dois vídeos analisados por
este trabalho as narrativas em vídeo reforçam as promessas de gênero já estabelecidas pela TV
Brasil e reafirmam que tipo de programação as pessoas que apoiam a campanha esperam da
emissora.
Os vídeos analisados a seguir apontam para um discurso comum que destaca a importância da
TV pública no Brasil. Ambos reafirmam o caráter de formação cidadã, mostram que ao dar voz aos
assuntos mais diversos presentes no cotidiano da sociedade, a TV cumpre seu papel social.

1) #TodosPelaComunicaçãoPública

“Em defesa da EBC. Eu apoio uma TV pública de qualidade, autônoma, e representativa da


diversidade cultural e política do Brasil”.
Estas são as primeiras frases do vídeo. A introdução é narrada em “off” enquanto na tela vem o
título do audiovisual que abre uma série de pequenos vídeos feitos por quem dá o seu depoimento
feito.
O primeiro é o cantor e compositor Chico Gomes, que em sua fala destaca as entrevistas, a
divulgação da cultura e ainda a surpresa ao saber de um movimento, nas palavras dele, “para
acabar com a EBC”. Nesse momento o conteúdo do audiovisual apresenta os gêneros e formatos
trabalhados pela EBC, de que forma e sob quais linguagens o discurso, principalmente o televisivo,
chega ao cidadão que acompanha a EBC.
Na sequência, Ivonete Lopes, doutora em Comunicação, lembra da reflexão sobre os próprios
meios de comunicação e ainda os temas ligados à periferia. Ao destacar essa crítica, a professora
coloca em discussão o modelo de TV pública e do seu diferencial: a isenção frente aos modelos
comercial e estatal. Até que a participação do ator Greco Blue reafirma a necessidade da EBC e de
tudo que ela engloba, inclusive as emissoras de rádios e plataforma web.
O vídeo chama a atenção para as oito emissoras de rádio da EBC e a jornalista Tamara Freire
detalha o perfil de cada uma. O professor e advogado Wandir Gallotti completa o raciocínio
defendendo a Rádio MEC para “difusão da cultura e da boa música, entretenimento de excelência e
informação de qualidade”.
Nova sequência de caracteres assinala a seguinte frase: “Nós Queremos a EBC como ela é
hoje!”. E o trecho seguinte do vídeo traz Wladmir Platanon, jornalista da EBC, explicando o papel
das Agências Públicas de notícias na tarefa de garantir a complementariedade e a diversidade do
povo brasileiro.
Já a fotógrafa Tania Rego aparece falando sobre parte do funcionamento da Agência Brasil e
sobre a circulação das fotografias produzidas e veiculadas. Ela ressalta o trabalho em prol da
democratização da informação.
O último depoimento é do músico Tico Santa Cruz. No trecho, a tônica da discussão está apoiada
na necessidade de “respeito às coordenadas estabelecidas democraticamente em relação à TV
Pública”.

2) Desenhando a TV Brasil

O segundo vídeo não tem qualquer voz humana. Ele se apoia numa trilha sonora, na medida em
que frases e desenhos vão sendo feitos numa lousa. A tônica central da discussão é detalhar a
abrangência da TV Brasil enquanto ironiza aqueles que acreditam que a TV Brasil é traço de
audiência.
Com dados, o vídeo mostra quantitativamente qual o público estimado da emissora. Levados em
consideração os índices de audiência de seis capitais do Brasil, o “traço” de audiência representaria
32 milhões de brasileiros que assistem a TV Brasil. O material compara ainda a audiência a de
outros veículos de comunicação de grande circulação no país. Em todos os exemplos a TV está à
frente com larga vantagem.
Ainda sobre quem assiste ao conteúdo da TV Pública no Brasil, o vídeo questiona os 170 milhões
de brasileiros não pesquisados das cidades que não as seis avaliadas. Quantas dessas pessoas
seriam espectadores das emissões da TV Brasil? A dúvida amplia o caráter de abrangência e
penetração da grade de programação da emissora. O material explicita ainda o volume de conteúdo
específico gerado, a quantidade dos filmes nacionais exibidos e destaca os oito anos de existência
da TV Brasil.
O vídeo toca ainda na questão do trabalho de discussão sobre as diversidades e finaliza com uma
metáfora do traço, que vira desenho e acaba de apresentar a emissora e reafirma que alguns dos
pactos de audiência pode ser “apagado” por uma borracha.

Espaço público, mobilização social e ação

As narrativas adotadas em cada um dos vídeos tem um único propósito: sensibilizar por meio da
informação o cidadão no sentido de defender a EBC e, consequentemente, a TV Brasil. É pela
campanha virtual que se pretende alcançar mobilização social do público.
Bezzon (2004) defende que grande parte da formação cidadã se dá pelo acesso à informação. A
autora aponta para a necessidade de transparência e fidedignidade dos meios de comunicação na
hora de veicular e proporcionar o tal acesso. Essas são condições fundamentais para a formação
democrática da opinião pública.
Nesse sentido, o trabalho dos idealizadores da campanha ao disponibilizar informação,
principalmente por meio dos vídeos, permite a articulação entre indivíduos. Serve ainda na
identificação de cada um desses indivíduos e na criação de vínculos.
Ao estabelecer diálogo num espaço público virtual os cidadãos podem se organizar e fazer com
que os grupos de interesse formados partam para a ação, no caso a luta pela manutenção da EBC.
No processo, a participação livre do cidadão é peça-chave para entender a mobilização social de
um conjunto de pessoas, comunidades e sociedades. O que une cada um é o sentimento de ser parte
integrante do movimento e esse sentimento se estabelece por meio da comunicação como defendem
Toro e Werneck (2004, p. 14):
Como falamos de interpretações e sentidos também compartilhados, reconhecemos a mobilização
social como um ato de comunicação. A mobilização não se confunde com propaganda ou divulgação,
mas exige ações de comunicação no sentido amplo, enquanto processo e compartilhamento de
discurso, visões e informações.

A informação nas campanhas de mobilização, como a analisada no âmbito deste texto, está
diretamente ligada ao processo educativo. Ela é um dos caminhos para emancipar o indivíduo assim
como surge entre as características apontadas como sendo também das TVs públicas. Parte da
justificativa para a manutenção da TV Brasil está no que ela pode contribuir para a formação
daquela pessoa que superou a ignorância e sabe definir o que é melhor para ela, para a
coletividade.
O espaço de mobilização social, mesmo que virtual, precisa antes de tudo estabelecer o que Toro
e Werneck (2004) tratam como “imaginário” e na campanha em questão este imaginário se faz
presente a partir das promessas de gênero estabelecidas durante o fluxo da programação da TV
Brasil e retomadas pela comunidade virtual.
Quando o cidadão, o telespectador-internauta, tem a emoção afetada para gerar a paixão pelo
propósito coletivo e a partir daí compartilha esse “imaginário” ele avança no processo de
mobilização. Comungando de um mesmo imaginário então cada um deve estar apto para receber
novas informações, elaborar um raciocínio a partir da própria experiência, interpretar a realidade e,
sem abrir mão das suas particularidades, trabalhar na defesa dos interesses convergentes e
dialogar com imaginários divergentes.
Entre os 66 vídeos publicados na página da campanha até a primeira semana de agosto de 2016,
os dois conteúdos audiovisuais tomados como recorte empírico neste trabalho figuravam entre os
que tiveram maior repercussão até novembro daquele ano. O vídeo #TodosPelaComunicaçãoPública
alcançou, no período, 3.796 visualizações, 194 compartilhamentos e 106 curtidas. Já o “Desenhando
a TV Brasil” alcançou 147.443 visualizações, 6.635 compartilhamentos e 1.720 curtidas. Vale
ressaltar que para os estudiosos da comunicação digital compartilhamentos e curtidas são índices
do engajamento no universo virtual.
Ao se informar, informar o outro, promover a cidadania e assumir posições no coletivo
mobilizado, o cidadão recebe a tarefa de promover o debate, romper com o ciclo de ignorância e
desconhecimento de muitos, fomentar o diálogo e, democraticamente, proporcionar o avanço nas
decisões sobre o destino da TV pública no Brasil, ou mesmo o debate sobre ele, rompendo com o
silenciamento sobre o tema na mídia hegemônica e comercial.

Considerações finais

Ao analisar o contexto em que os vídeos foram criados e o referencial adotado pela campanha
“Frente em defesa da EBC e da comunicação Pública” é possível dizer que as estratégias se
justificam. Lançar mão das redes sociais digitais para divulgar informação ao público foi estratégia
acertada na medida em que os organizadores da campanha colocam o espaço virtual como ambiente
para mobilização. Fazem assim uma conexão, entre suportes diferentes, para enaltecer a lógica da
programação televisiva que se insere na narrativa dos dois vídeos. São discursos que reforçam,
audiovisualmente, as promessas de gênero estabelecidas na identidade, pública, da emissora.
As promessas de atuar como uma emissora plural, diversa e que dá voz a parcelas silenciadas da
população se alinham ao debate ocorrido no país quando foi realizado o I Fórum de TVs Públicas,
em maio de 2007, oferecendo subsídio para a criação da Empresa Brasil de Comunicação. Por isso
mesmo quando pensamos em TV pública inevitavelmente entendemos o que ela precisa comunicar.
A TV Brasil precisa estar a serviço do cidadão, oferecendo o contraponto de informação que, se não
fosse o canal público, teria seu conteúdo atrelado a interesses financeiros das emissoras de TV
comerciais ou ainda político-partidários das TVs subordinadas aos poderes governamentais.
Assim, tão logo foram identificados os momentos de incerteza e de polarização política, quando
desenhou-se a perspectiva de alterar ou mesmo encerrar um projeto erguido a partir da articulação
da sociedade, a mobilização tornou-se necessária, como a própria emissora pública que buscava
defender. O alerta da campanha, mais significativo ainda com a edição da MP 744/16, é da
necessidade de, senão ampliar, pelo menos manter vivo o espaço da diversidade, da pluralidade e,
dessa forma, garantir a inclusão de todo tipo de público.
A campanha encontra no espaço virtual atores capazes de transformar a realidade, de repensar
ou sustentar um modelo de TV que analisa a sociedade, aponta com criticidade os caminhos da
gestão pública, que serve como questionador de governos, que não ignora o papel formador dos
produtos televisivos e que democratiza o acesso à informação, preparando, inclusive, o espectador
para entender o processo midiático – uma TV que já não mais existe em 2017.
Ao colher depoimentos de pessoas dos mais diferentes setores, chamar a atenção para dados e
números que revelam a importância do canal público, reafirmar valores e repactuar promessas de
gênero junto da audiência, transpondo em narrativas audiovisuais todo esse conteúdo para uma
plataforma digital de distribuição, os idealizadores da campanha cumprem seu papel enquanto
cidadãos.
Acreditamos que a livre manifestação e o espaço da representatividade garantido não podem ser
expectativas, mas sim a realidade sustentada dia após dia em grupos que buscam a defesa dos seus
direitos.
É fundamental reconhecer que a campanha em prol da EBC e, assim também da TV Brasil, e as
formas narrativas adotadas buscaram possibilitar ao internauta elementos para entender o discurso
sobre a relevância da comunicação pública, interpretar o conteúdo, elaborar um raciocínio
associado às suas vivências individuais e coletivas, e potencialmente se mobilizar em torno de uma
causa comum, cidadã.
Por se tratar de uma campanha ainda em desenvolvimento e do processo de mobilização ser um
ato contínuo, espera-se que novos elementos sejam inseridos na discussão, e que a informação
sempre esteja presente como caminho seguro na comunicação. Entendida como instrumento e
alicerce na mobilização social, ela deve estar associada à busca por uma comunicação mais
democrática, que permita seu exercício como direito e, dessa forma, o acesso à democracia plena.

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avancar-na-regulacao-1162.html. Acesso em: 02 ago. 2016.

Notas

[1]Lúdico, Real e Fictivo.


Algumas reflexões sobre comunicação, cultura,
democracia e desenvolvimento no Brasil atual

Antonio Albino Canelas Rubim

Introdução

O agendamento de comunicação, cultura, democracia e desenvolvimento caracterizam o mundo e


o Brasil contemporâneo. A democracia domina o cenário atual por meio de um complexo conjunto
de variantes, que se debatem entre complementariedades possíveis e contradições flagrantes. Na
atual circunstância mundial, a democracia tem se afirmado enquanto valor (quase) universal, ainda
que em versões e visões muitas vezes visivelmente contrastantes e conflitantes. Algo similar
acontece com o desenvolvimento e os embates referentes a sua definição, delimitação e mediação.
Na cultura e na comunicação, em menor grau, também ocorrem processos aproximados. Daí as
ferozes disputas que acontecem em seus nomes, envolvendo sua definição e sua delimitação. Na
contemporaneidade, inúmeros conflitos perpassam a onipresença e a onipotência de democracia,
desenvolvimento, cultura e comunicação.
Em resumo, a verdadeira vigência destas noções como valor reivindicado por (quase) todos
funciona fundada em conceitos-ônibus, nos quais tudo parece caber. Todos conclamam e proclamam
a democracia, o desenvolvimento, a cultura e a comunicação. Mas estas manifestações vêm
acompanhadas por intensas lutas por sua definição e delimitação. Assim, tais noções e seus conflitos
adquirem uma centralidade na cena atual internacional e nacional.

Democracia como exemplo

Como parece impossível no âmbito deste texto tratar mais detalhadamente todas as noções
anotadas acima, fazemos um percurso no campo da democracia. Ele aparece como exemplar dos
procedimentos que acometem também o desenvolvimento, a comunicação e a cultura, ainda que
existam singularidades em cada um destes itinerários.
Para além das peculiaridades vivenciadas pela democracia nos variados ambientes societários, o
contexto mundial contemporâneo coloca inúmeros e novos desafios. Impossível fazer uma
enunciação mais consistente e detalhada deles. Torna-se necessário, ainda que de maneira
panorâmica, enumerar alguns dos principais dilemas experimentados hoje pela democracia.
As disputas já nascem nas próprias denominações acionadas para falar das democracias. Um
primeiro exemplo: a distinção entre democracia formal e substantiva, entre conceber a democracia
como conjunto de procedimentos a serem acatados e respeitados por todos ou como processo que
deve assegurar, viabilizar e tornar efetivos os direitos conquistados pela cidadania. Um segundo
exemplo: a diferenciação entre democracia representativa e participativa, uma perpassada pelo
profundo mal-estar vivido hoje, em inúmeros países, pelos dispositivos de representação; a outra
configurada por recentes experimentos de participação, ainda historicamente imaturos.
As intervenções realizadas em nome da democracia têm produzido resultados muito desiguais:
em alguns casos verdadeiros aprofundamentos dos direitos, das liberdades e da participação
cidadã; em outras circunstâncias produz uma anomia societária, bem distante de quaisquer
condições e veleidades democráticas. As chamadas “primaveras árabes” surgem como exemplos
emblemáticos de destinos profundamente desiguais. Todo este conjunto de episódios instalam, de
modo benéfico ou perverso, insistentemente a democracia na agenda atual, fazendo dela um tema
onipresente no cenário contemporâneo.
Amplos são os dilemas colocados à democracia pela redefinição do lugar ocupado pelos países na
atualidade com o florescimento de organismos e governanças supranacionais de diferentes
tipologias, todas elas ainda com estruturas e procedimentos democráticos frágeis, quando não
inexistentes. Nascida em sua versão moderna no âmbito das nações, a democracia se vê interpelada
pela emergência destas novas modalidades de organismos e governanças supranacionais, que hoje
detêm poderes significativos para a conformação do mundo em que vivemos. Organizações
internacionais e grandes blocos regionais retiram poderes dos países e afetam as soberanias
nacionais, lugares tradicionais de desenvolvimento da democracia na modernidade. Além dos
organismos supranacionais, megaempresas multinacionais emergem na cena contemporânea,
produzindo gigantescas concentrações de poder em um visível descompasso com a socialização do
poder, entendida como condição de base para a própria possibilidade de existência da democracia.
A glocalização tensiona a democracia e também a cultura. Ela exige que ambas se adequem às
novas sociedades e institucionalidades.
As mutações da sociabilidade contemporânea, ocasionadas pelas imensas transformações dos
sistemas de transportes e comunicações, com a configuração de uma sociedade em rede,
constituíram um novo modo de sociabilidade, distinto da modernidade. Este admirável novo mundo
conjuga umbilicalmente convivência, vivência em presença e televivência, com suas vivências à
distância, e, por conseguinte, altera os padrões de funcionamento da sociabilidade, da política, da
democracia, do desenvolvimento, da cultura e da comunicação, que passam a depender para sua
realização de espaços não geográficos, de formatos midiatizados, conectados por redes digitais, que
envolvem e ambientam a vida em tempo real e planetariamente. A democracia, a cultura, a
comunicação e o desenvolvimento, forjados em suas versões modernas em uma ambiência na qual a
convivência presencial em espaços geográficos era preponderante, veem-se obrigadas a
significativas mutações. Assim, todos eles são desafiados a se adequar à nova sociabilidade em rede,
que combina de maneira umbilical o global e o local. A expressão glocal surge como feliz síntese da
experiência que caracteriza e singulariza o contemporâneo. Aos antigos espaços geográficos se
entrelaçam espaços virtuais, as convivências passam a ser perpassadas cotidianamente por
televivências, vividas à distância, com graus de realidade similares às vivências em presença.
As nanotecnologias, com a desmaterialização de bens e serviços, possibilitam a irrupção de um
cenário societário em que o conhecimento passa a ser componente vital para a acumulação
capitalista, inaugurando um novo momento do capitalismo, uma espécie de capitalismo cognitivo. A
globalização viabiliza, dentre outras dimensões, a conexão econômica em nível mundial,
fortalecendo o capitalismo financeiro e as configurações neoliberais tecidas por ele, que impõem
como modelo para a sociedade a sua regulação pelo mercado e a redução do Estado, com evidentes
prejuízos para: espaços públicos, democracia, cultura, comunicação e desenvolvimento.
Em suma, trata-se da tensa passagem histórica da modelagem instituída pela modernidade para
outra, distinta, que busca traduzir a vida na contemporaneidade, em inusitadas sociabilidades,
instituições e governanças, com imensos desafios para a democracia, a cultura, a comunicação e o
desenvolvimento, conformados historicamente na modernidade e hoje desafiados a tecer formatos
que se ajustem à contemporaneidade. Não cabe aqui adentrar nas polêmicas que contrapõem e
mobilizam posicionamentos pós-modernos, neomodernos e outros. Apenas se faz necessário afirmar
que todos eles se veem jogados no turbilhão desta avassaladora transição societária, plena de
enormes avanços e retrocessos.
O panorama desenhado, genérico e rápido, serve para contextualizar os desafios e dilemas que
impactam as conjunções entre cultura, democracia, comunicação e desenvolvimento aqui
esboçadas. Apesar das marcas e marcações glocais, sua experimentação se dá em contextos que
combinam de modo desigual condicionantes e fluxos globais, como os assinalados, e locais,
derivados de cada circunstância econômica, política e cultural específica. Em suma, o glocal emerge
em toda sua potência.

Brasil: cultura e democracia

Registrado o agendamento no cenário contemporâneo internacional, cabe focar o olhar e tentar


desvelar tais relações no Brasil de hoje. De imediato, registe-se que a circunstância brasileira atual
é sinônimo de crise política, econômica e cultural. Desde o golpe midiático/jurídico/parlamentar de
2016, os temas do desenvolvimento e, em especial, da democracia ganharam centralidade, bem
como a discussão deste novo tipo de golpe (JINKINGS; DORIA; CLETO, 2016). O campo cultural se
colocou de maneira majoritária em defesa da democracia e contra o golpe. Esse posicionamento
atingiu mesmo alguns setores culturais que discordavam em termos políticos do governo Dilma
Rousseff.
Começa a florescer no país um interessante debate, ocasionado pela ruptura democrática de
novo tipo vivenciada no Brasil, sobre os condicionantes históricos que possibilitam compreender os
traços autoritários que inibem a democracia, viabilizam a configuração recorrente de estados de
exceção e bloqueiam o desenvolvimento do país. Um dos nomes centrais da discussão travada, o
sociólogo Jessé Souza (2015; 2017), tem insistido no abandono analítico do paradigma da
centralidade colocada na colonização portuguesa e na sua substituição pelo passado escravista
singular, vivido intensamente pelo Brasil, mas bem distante da experiência vivenciada por Portugal.
Tal interpretação ocasiona viva polêmica não só pelo estilo do autor, como igualmente pela radical
revisão empreendida com a superação de explicações relativamente consolidadas no Brasil, desde
Gilberto Freyre (1990) a Sérgio Buarque de Holanda (2005), dentre outros.
Tomar a escravidão como eixo analítico fundamental para a conformação do Brasil e sua
profunda desigualdade social, suas dificuldades democráticas e seus autoritarismos persistentes
parece instigante para desvelar a realidade brasileira contemporânea. Essa atitude interpretativa
não só redefine eixos analíticos sedimentados no pensamento e mesmo no cotidiano brasileiro, como
produz uma notável reinserção do tema da escravidão no contexto político nacional. Ela deixa de ser
reivindicada especialmente pela população negra em suas lutas por reparação social, na construção
de sua memória e sua identidade político-cultural e passa a ser uma questão abrangente para todos
os brasileiros, pois define as conformações do Brasil atual e de suas dificuldades de existência
democrática. Este deslocamento torna a escravidão e suas sequelas uma questão central a ser
enfrentada pelo desenvolvimento, democracia, comunicação e cultura, em suas modalidades,
singularidades e temporalidades necessariamente distintas.
Para além desta atual revisão histórica, outros autores, em vertentes teóricas diferentes e até
conflitantes, já haviam assinalado o autoritarismo estrutural que impregna a história brasileira,
mesmo em tempos ditos democráticos e não ditatoriais. Florestan Fernandes (1975) fala do
processo de modernização conservadora que constitui o país. Marilena Chaui (2000) anota
autoritarismos persistentes no mito fundador da nação brasileira. Carlos Nelson Coutinho (2000)
aponta como as transições brasileiras acontecem sempre por acordos entre os dominantes, com a
constante exclusão dos setores subalternos nestes processos de mudança, impondo limitações,
inclusive acerca da amplitude e profundidade das transformações. Em suma, todos eles assinalam
como dado fundamental a ser levado em conta o autoritarismo estrutural que impregna a sociedade
brasileira.
A dificuldade com a amplitude das mudanças societárias pode ser exemplificada por
circunstâncias históricas peculiares, como a independência conduzida pelo herdeiro do trono
português ou a república proclamada por um militar próximo da monarquia. Os raros momentos em
que aconteceram governos dissonantes, em patamares distintos, com as classes dominantes,
terminaram sempre em rupturas da normalidade democrática e retrocessos em nosso
desenvolvimento. Em 1954, a brutal oposição das elites ao segundo governo democrático e
nacionalista de Getúlio Vargas ocasionou o suicídio do presidente eleito. Em 1964, o presidente João
Goulart, que buscava desenvolver reformas de base para incorporar setores populares ao
capitalismo brasileiro foi derrubado através de um golpe civil-militar, com o apoio dos Estados
Unidos. Em 2016, a presidenta Dilma Rousseff, reeleita pelo Partido dos Trabalhadores, foi
destituída do governo por meio de um golpe midiático-jurídico-parlamentar.
Em todos estes acontecimentos históricos, governos diferenciados daqueles das elites brasileiras,
que buscavam incluir setores populares no desenvolvimento nacional, foram derrubados por forças
políticas representativas das classes dominantes, por meio de procedimentos bastante similares,
apesar da diferença das épocas vivenciadas: utilização intensiva de uma imprensa unanimemente
partidarizada e posicionada como verdadeiro ator político; acionamento seletivo de acusações de
corrupção; críticas ao “populismo” na gestão do governo e na relação com os setores subalternos,
que viabilizava atendimento a algumas demandas de setores não dominantes e propostas de
desenvolvimento diferenciadas; e uso de um discurso de defesa de uma “democracia” supostamente
ameaçada. A dificuldade de convivência com a democracia fica evidente nestes períodos históricos,
que fogem aos parâmetros e prescrições estritos dos governos das classes dominantes brasileiras.
No momento em que vivemos, o estado de exceção implantado impõe, com o apoio de um
Congresso corrompido pelo financiamento empresarial das campanhas políticas e por outras
negociatas, um conjunto de “reformas” ultraliberais que retiram direitos, ampliam as desigualdades
sociais, privatizam patrimônios públicos, criam graves problemas para um desenvolvimento mais
justo e redefinem a posição do Brasil no mundo através da negação da política externa
independente e do retorno a uma política externa de subserviência aos interesses e países
dominantes. No âmbito interno, o desrespeito às normas democráticas de convivência social
provocado pelo golpe midiático-jurídico-parlamentar propicia a irrupção de um clima de desmandos
e de atentados às liberdades, que se expressam em intervenções contra exposições artísticas,
universidades e outras instituições e manifestações. A imprensa e o judiciário, não democratizados
pelos governos pós-ditadura civil-militar, participam ativamente da construção deste estado de
exceção contraposto à democracia no país por meio de apoios explícitos ou do silenciamento
proposital acerca das agressões aos direitos e às liberdades democráticas.

Outro exemplo: a cultura no Brasil

Até os inícios do século XX, o Brasil se pretendia, na visão de suas elites, uma nação ocidental de
população branca. Os povos originários, subjugados, e os negros, trazidos à força pela escravidão,
eram esquecidos e silenciados, no possível. O ideal pretendido de branqueamento da população
brasileira aparece como uma das principais fontes de inspiração do estímulo da imigração europeia
que ocorre no final do século XIX e começo do XX. O imaginado “progresso” e processo de
“civilização” do Brasil, branco e ocidental implicam em esquecer a profunda desigualdade social
conjugada com o não reconhecimento dos negros e dos povos originários, discriminados,
invisibilizados e silenciados.
Nos anos 30 do século XX, o governo brasileiro abandona esta narrativa e passa a enfatizar a
tese oficial da miscigenação como singularidade nacional. Em suas vertentes mais extremadas tais
formulações chegam a proclamar uma “democracia racial” no país. Desde então, tal discurso oficial
perpassa a sociedade e inclusive o campo da cultura. Afirma-se a cultura brasileira como
proveniente e síntese de diferentes raízes culturais: branco-ocidentais, dos povos originários e das
nações negras trazidas para o Brasil. Entretanto, este discurso oficial não concretiza
reconhecimento e tratamento equânime das chamadas “raízes” culturais. A supremacia da cultura
branco-ocidental se impõe de modo avassalador e quase sempre em suas versões mais
conservadoras, contrárias a ideais de tipo iluminista, anarquista, socialista, trabalhista, comunista,
vanguardista etc.
As culturas negras e dos povos originários, apesar da boa vigência na realidade nacional, têm
sido discriminadas, exploradas e até perseguidas e reprimidas. O ínfimo apoio por parte do estado
nacional denuncia a situação de “esquecimento” e subalternidade a que elas estão submetidas. As
pungentes culturas afro-brasileiras só obtiveram alguma institucionalidade no estado brasileiro no
ano de 1988 com a criação da Fundação Cultural Palmares, em uma conjuntura marcada pela
atuação do movimento negro organizado na recente luta contra a ditadura e pelos 100 anos da
tardia abolição da escravidão no Brasil, o penúltimo país a acabar juridicamente com a escravidão
negra, apesar de ser um dos maiores destinos do tráfego negreiro no mundo. Estimativas indicam
mais de quatro milhões de negros trazidos à força para o Brasil nos terríveis navios negreiros.
Estudo em andamento tem apontado os raquíticos orçamentos destinados à Fundação Cultural
Palmares em escandaloso contraste com a exuberância das culturas negras brasileiras
(GUIMARÃES, 2017). A cultura dos povos originários até hoje, quase 90 anos depois da
entronização do discurso oficial das “raízes” da cultura brasileira, em situação ainda mais
desfavorável, não conseguiu nenhuma institucionalidade e nem sequer políticas culturais
específicas.
Em resumo, os quase 90 anos de vigência do discurso oficial das três fontes constitutivas da
cultura brasileira não significaram um reconhecimento efetivo e um tratamento mais equânime das
culturas negras e dos povos originários no país. Passados todos esses anos, o estado nacional e a
sociedade continuam a desmerecer e mesmo discriminar tais manifestações culturais, por certo hoje
em patamar menor, e privilegiar a cultura branco-ocidental, entronizada muitas vezes como a
cultura admirada e apoiada pelas políticas culturais vigentes. Continua visível a distinção entre tais
culturas com suas imensas repercussões culturais, políticas, sociais e econômicas.
As dificuldades das culturas brasileiras não se limitam aos descompassos entre discursos oficiais
e políticas culturais efetivas. Elas sofreram concepções e constrangimentos que afetaram
profundamente seu desenvolvimento e suas características no Brasil. Elas foram prejudicadas pela
prevalência de uma visão ornamental da cultura (COUTINHO, 2000). Elas estiveram fora do lugar
como nos momentos de convivência entre escravidão e ideias liberais (SCHWARZ, 2005). Elas se
submeteram a institucionalidades tardias, como as relativas à implantação da instituição
universitária no Brasil somente no século XX. Elas tiveram seus momentos e movimentos mais
brilhantes interditados por regimes autoritários, como ocorreu com o Estado Novo (1937-1945) e a
ditadura civil-militar (1964-1985). Enfim, as relações entre cultura, sociedade, política e democracia
têm se mostrado bastante problemáticas e tensas no Brasil.

Impasses da cultura, educação e comunicação

Aos desafios contemporâneos experimentados por democracia, desenvolvimento, cultura e


comunicação no mundo somam-se os problemas inscritos na história e no presente brasileiros. A
trajetória histórica desenhada, em esboços bem genéricos, permite construir um contexto que pode
dar sentido e iluminar o presente. Para visitar o tempo atual, necessário assinalar que uma
investigação histórica acerca das políticas culturais no país resultou na conclusão de que esta
história tem sido marcada por três tristes tradições: ausências, autoritarismos e instabilidades
(RUBIM, 2011). O livro citado analisa como essas tradições de políticas culturais foram enfrentadas
ou não pelos ministros da cultura Gilberto Gil (2003-2008) e Juca Ferreira (2008-2010).
A gestão da cultura nos dois governos Lula (2003-2010) colocou o Estado como agente promotor,
formulador e executor de políticas culturais, tentando superar a tradição das ausências. Para lidar
com os autoritarismos, buscou desenvolver políticas culturais em tempos e termos democráticos,
com adoção de noção ampliada de cultura e através de políticas públicas baseadas em expressiva
participação das comunidades culturais na discussão e na deliberação sobre as políticas,
assegurada por meio de debates, seminários, conselhos, câmaras/colegiados e conferências
nacionais de cultura. As instabilidades foram combatidas pela construção de políticas de Estado,
tais como o decenal Plano Nacional de Cultura (PNC), aprovado como emenda constitucional em
2005 e como lei substantiva em 2010, e o Sistema Nacional de Cultura (SNC), iniciado nos
primeiros anos da gestão e tornado norma constitucional em 2012.
Alguns dispositivos de políticas culturais possibilitaram o enfrentamento em conjunto das três
tristes tradições. O PNC aparece com bom exemplo. Ele busca superar ausências, autoritarismos e
instabilidades com a constituição de políticas culturais democráticas de longo prazo. Estudo
recentemente realizado demonstrou como o processo de elaboração do PNC viabilizou não somente
a participação ampla de agentes e comunidades culturais, mas possibilitou que propostas originadas
deles fossem incorporadas ao PNC (TURENKO, 2017). Deste modo, o Plano Nacional de Cultura
age, de maneira simultânea, contra: as ausências, porque trata-se de uma política efetiva; os
autoritarismos, porque foi elaborado de modo democrático e participativo; e as instabilidades,
porque prevê uma temporalidade longa e para além de governos específicos.
Por óbvio, o embate com as persistentes tradições das políticas culturais no Brasil não se fez sem
contradições e problemas. O livro sobre o governo Lula trata igualmente das várias limitações das
gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Mesmo considerando tais limites, a gestão da cultura no
Brasil no período 2003-2010 alcançou um admirável patamar político-cultural. Este período
representou um ponto fora da história das três tristes tradições que marcam a história da gestão
cultural no país. A hipótese da reinvenção do Ministério da Cultura nesses anos não parece absurda
e descabida. Ela pode ajudar a explicar alguns acontecimentos recentes vividos pela cultura no
Brasil, como a reação à tentativa de extinção do próprio ministério, acontecida no bojo do golpe.
Estas temáticas serão retomadas adiante no texto.
No Governo Dilma Rousseff este patamar não se manteve. Ele foi rebaixado nas gestões das
ministras Ana de Holanda (2011-2012) e Marta Suplicy (2012-2014). Algumas políticas relevantes
foram continuadas, ainda que em ritmo brando, como o PNC, que teve definidas suas metas em
2011; o SNC, aprovado em 2012 e não regulamentado em lei até hoje; e o Programa Cultura Viva,
com seus conhecidos pontos de cultura, cuja lei nacional foi deliberada em 2014. Mas o patamar de
atuação político-cultural, nacional e internacional, do Ministério da Cultura diminuiu visivelmente
(CALABRE, 2015; RUBIM, 2015). O ministério deixou de formular, agir e mobilizar as comunidades
culturais e a sociedade brasileira no nível dos anos anteriores. O rebaixamento do patamar de
atuação foi visível nacional e internacionalmente.
O retorno de Juca Ferreira ao ministério, em 2015, no segundo governo Dilma, pretendeu
retomar uma atuação mais dinâmica. Esta intenção não foi alcançada. A convulsionada conjuntura
política daqueles anos (2015-2016), engendrada pela crise econômica e pelo golpe em curso, sob o
invólucro de processo de impeachment, paralisou todo governo, inclusive o Ministério da Cultura.
Pouco foi possível fazer nesse turbulento contexto. As energias de todo governo e do próprio
ministério foram dragadas pela crise política e econômica. O curto espaço de tempo da nova gestão
de Juca Ferreira, menos de dois anos, também pesou na dificuldade de realização dos intentos
desejados.
Apesar do rebaixamento do patamar no primeiro governo Dilma e da impossibilidade de
retomada do patamar inicial no seu segundo mandato, o balanço das gestões petistas no período
2003-2016 na esfera da cultura e, em especial, das políticas culturais aponta para avanços
importantes na busca de superação das tristes tradições, como os inscritos no PNC, no SNC, na
participação democrática nas decisões das políticas culturais e em diversos programas, a exemplo
do Cultura Viva, hoje desenvolvido em sua versão Cultura Viva Comunitária, em mais de quinze
países da América Latina (TURINO, 2015; RUBIM, 2017). Outros programas relevantes devem
também ser lembrados como marcos desse momento especial vivido pela gestão cultural nacional.
Dentre muitos, podem ser citados e rememorados: Brasil Plural, Doc-TV, Revelando Brasis, Brasil de
Todas as Telas, Mais Cultura na Escola e Mais Cultura nas Universidades. Sem dúvida, o Ministério
da Cultura viveu um dos seus momentos mais consistentes e criativos, mesmo com certas
limitações.
Apesar de alguns esforços e iniciativas, os governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016) não
foram capazes de confrontar e equacionar algumas questões vitais para consolidar as políticas de
diversidade cultural e os diálogos interculturais desenvolvidas naqueles anos de modo inovador. As
dificuldades derivaram de diferentes fatores, algumas mais estruturais, como o lugar frágil
tradicionalmente ocupado pelo ministério no âmbito geral dos governos, inclusive com relação aos
recursos orçamentários destinados ao órgão; e outros mais conjunturais, como dificuldades
específicas de gestão. Três problemas devem ser destacados no âmbito do texto, dada sua
relevância e impasses persistentes.
Primeiro, o perverso sistema de financiamento e fomento à cultura no Brasil, alicerçado em leis
de incentivo não foi modificado, apesar dos debates e da iniciativa de envio ao Congresso Nacional
do projeto intitulado Pró-Cultura, que institui um novo modelo de apoio à cultura, mas só
encaminhado no último ano do governo Lula e sem obter a devida atenção no governo Dilma. O
sistema vigente até hoje depende quase integralmente de leis de incentivo, com isenções fiscais que
giram em torno de 100% do valor antecipado pelas empresas. O apoio direto do estado nacional, via
Fundo Nacional de Cultura, além de insignificante, apresenta problemas em uma perspectiva de
gestão democrática e republicana (PAIVA NETO, 2017). Em suma: o modelo atual de financiamento
e fomento ainda se baseia no dinheiro público decidido pelas empresas, que privilegiam a cultura
mercantil em detrimento do complexo universo de bens e manifestações inerentes à cultura
(RUBIM, 2016).
A criatividade e a diversidade sofrem enormes prejuízos com esse modelo unilateral de
financiamento e fomento à cultura inadequado para incentivar a rica diversidade cultural brasileira
(RUBIM; VASCONCELOS, 2017). O modelo de financiamento e fomento à cultura hegemônico
vigente, mesmo depois dos 14 anos de governos petistas, não atende às políticas de diversidade
cultural implantadas nesses anos. Ele, aprisionado pela lógica das leis de incentivo fiscal, não tem
capacidade de abranger as demandas complexas e plurais do campo cultural. Ele somente se volta
para as manifestações culturais mais vinculadas ao mercado, que contemplem os interesses de
marketing cultural das empresas, supostamente patrocinadoras, mas sempre com uso intensivo e
quase exclusivo de dinheiro público. A maior parte da complexa trama cultural pura e simplesmente
não obtém apoio e recursos para seu desenvolvimento, comprometendo a promoção e a preservação
da diversidade cultural brasileira.
O segundo aspecto, crucial para as políticas de cultura, deriva de sua desconexão com a
educação. A ausência de enlace destas políticas marca a história brasileira desde sempre, seja na
época do ministério conjunto destinado às duas áreas (1953-1985), seja após a separação
acontecida de 1985 em diante. O governo Lula fez pouco nesta área. Durante a presidenta Dilma,
dois dispositivos conjuntos e inaugurais dos ministérios da Educação e da Cultura buscaram
estabelecer tais conexões: os programas Mais Cultura nas Escolas e Mais Cultura nas
Universidades . Dada a envergadura e a gravidade da desconexão e o pouco tempo experimentado
pelos programas, não se tem ainda medidas consistentes para avaliar de maneira rigorosa seus
impactos. Existem diversos estudos em andamento, que não permitem hoje uma avaliação
substantiva e mais definitiva. Por certo, além desses programas iniciais, a superação da complexa
situação exige medidas mais profundas e de mais longo prazo.
A terceira questão envolve as relações entre cultura e comunicação midiatizada. A opção do
governo brasileiro por um sistema privado de comunicação, desde quase seu início ainda nos anos
30 do século XX, criou um verdadeiro fosso entre as políticas de cultura e de comunicação no país.
O descolamento se tornou mais acentuado com a deliberada política de “segurança nacional” da
ditadura civil-militar de integrar o país em termos simbólicos via telecomunicações e comunicação,
o que resultou nas redes de emissoras de rádio e, principalmente, de televisão até hoje existentes
no país.
Neste horizonte, registre-se que a televisão aberta tem um papel avassalador no Brasil, inclusive
para a formatação de uma cultura efetivamente compartilhada pelos brasileiros. As telenovelas
assumem lugar de destaque nesta configuração cultural (RUBIM; RUBIM, 2004). Elas, para além de
meros teledramas, tornaram-se bens simbólicos que habitam, alimentam e configuram o cotidiano
dos brasileiros, fazendo parte de sua experiência de viver o mundo. Para além desta dimensão de
construção simbólica de experiências de vida, as telenovelas conformam uma potente indústria de
cultura, em âmbitos nacional e internacional. Tais produtos televisivos são hoje exportados para
mais de cem países em todo mundo.
A televisão aberta no Brasil estruturou um modelo televisivo em moldes nitidamente
antidemocráticos, porque altamente concentrado e centralizador. As cadeias televisivas estão nas
mãos de pouquíssimas famílias, que controlam fortemente a televisão aberta. Ela funciona em rede
nacional quase todo tempo, inviabilizando a produção de uma programação regional e local. Mais de
90% da programação da televisão brasileira provém das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Some-se a ínfima produção regional e local, o descolamento radical entre a atuação das emissoras
de televisão, potentes agentes culturais conforme anotado acima e as dinâmicas culturais regionais
e locais. As televisões não estão abertas para vincular a produção cultural regional e local, nem
sequer para divulgar, de modo cotidiano, a existência destes bens culturais. No Brasil, elas se
tornaram veículos distantes das culturas regionais e locais e, na prática, adversárias da diversidade
cultural, oriunda dos territórios que compõem a nação brasileira. A ausência das poderosas culturas
regionais brasileiras das telas da televisão aberta é sintoma emblemático desta postura contra a
diversidade cultural que constrói a rica cultura nacional .
Tal quadro se torna ainda mais grave se recordamos outra característica da televisão aberta
brasileira: ela própria produz praticamente toda sua programação, com exceção dos filmes
enlatados estadunidenses e dos programas religiosos, que inundam a televisão e que, em geral,
compram seus espaços. Essa característica mais uma vez dificulta a produção, circulação,
distribuição e divulgação de bens e serviços, que constituem a diversidade cultural brasileira.
Apesar da Constituição de 1988 prever a conformação de um modelo de televisão composto por
emissoras estatais, privadas e públicas, fundamental para a democratização da comunicação no
Brasil, ele não conseguiu ser efetivado. O mesmo acontece com a regionalização da programação da
televisão, também inscrita na Constituição Federal. Forças conservadoras e a grande imprensa
impedem, até hoje, a regulamentação em lei do que está definido na Carta Magna. Assim, o
dispositivo constitucional não tem sido aplicado desde sua conquista e a televisão aberta brasileira
continua altamente concentrada e centralizada, com todos os prejuízos que isto acarreta para a
sociedade e a cultura nacionais, bem como para a diversidade cultural brasileira.
O Ministério da Cultura, com destaque para a gestão Gilberto Gil, tentou enfrentar tais enlaces
por meio de diferentes iniciativas. Ele propôs a transformação da Agência Nacional de Cinema
(Ancine) em Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav), para ampliar sua área de
atuação no registro da comunicação. A proposta foi intensamente combatida pela grande imprensa,
por criadores culturais ligados a ela e por setores conservadores. O governo Lula recuou e retirou o
projeto de pauta. No restante da gestão Lula e no governo Dilma nenhuma medida substantiva foi
retomada nesta perspectiva. Foram notáveis a ambiguidade e a falta de iniciativas mais
contundentes de ambos governos em tema tão vital para a democracia e a diversidade cultural
(LIMA, 2012).
Diferente de muitos países em todo mundo, inclusive Portugal, não existe no Brasil uma lei geral
das comunicações que ordene democraticamente esta dimensão da sociedade. O código de
telecomunicações vigente data de 1962. Todas as tentativas realizadas no sentido de dotar o Brasil
de uma legislação democrática neste campo têm sido hostilizadas brutalmente pela grande
imprensa e pelas classes dominantes, sempre recorrendo à denúncia de supostos atentados à
liberdade de imprensa e de intentos de implantação do arbítrio e do autoritarismo no trato com a
comunicação. Reiteradamente emerge uma questão cara à democracia: por que este espaço da
sociedade não pode se submeter a um ordenamento democrático como o restante da sociedade em
uma situação de vigência da democracia? No horizonte de parâmetros democráticos tal posição é
insustentável.
A iniciativa de discussão de constituição de uma ampla televisão pública no Brasil também foi
capitaneada, de início, pelo Ministério da Cultura, com forte oposição do Ministério da
Comunicação do governo Lula. Finalmente criada em 2007, a Empresa Brasil de Comunicação, com
sua TV Brasil, se instalou na Secretaria de Comunicação do governo e contou no seu começo com
membros advindos do Ministério da Cultura, que pouco a pouco foram sendo descartados. O projeto
perdeu em consistência e em radicalidade, já bastante atingida desde sua criação pelas negociações
no Congresso Nacional para sua aprovação (ROCHA, 2014).
Consumada a derrubada do governo Dilma e do projeto de transformação democrática no país,
uma das primeiras medidas do estado de exceção dirigido por Michel Temer foi propor a extinção
do Ministério da Cultura. Ela só não foi consumada pela resistência de artistas, intelectuais,
agentes, grupos e comunidades culturais, que, dentre muitas ações e manifestações, ocuparam
sedes do MinC em todos os estados brasileiros, com atividades político-culturais criativas e de
grande visibilidade, o que fez o governo recuar na extinção do ministério. Dado relevante na luta: a
negativa de seis mulheres expressivas do campo cultural convidadas para assumir a então
secretaria, colocada em lugar do ministério. Esta primeira vitória contra o estado de exceção não
assegurou a manutenção das políticas culturais que vinham sendo desenvolvidas. O programa
ultraliberal do governo; as pessoas indicadas para o ministério; a instabilidade instalada no órgão,
com quatro ministros em menos de dois anos; e os drásticos cortes orçamentários inviabilizam a
continuidade das significativas políticas culturais inauguradas na gestão Gilberto Gil.
A situação da cultura e da comunicação tornam-se mais graves com o clima de polarização e ódio
criado no país, em especial, pela grande imprensa, totalmente partidarizada, e pelo vale tudo que
tomou conta do país e da política brasileira, com a ascensão de um governo sem a legitimidade
democrática do voto e marcado por graves acusações de corrupção. Os atentados, inclusive
assassinatos, contra lideranças e grupos sociais subalternos ou minoritários, sejam eles rurais ou
urbanos, se intensificaram. A perseguição aos divergentes avançou. Fortes agressões à liberdade de
expressão e criação emergiram na sociedade em decorrência desse clima. Diversas exposições
artísticas foram ameaçadas, atacadas e suspensas por visões reacionárias e moralistas acerca do
corpo e da sexualidade. Seminários acadêmicos têm sido igualmente ameaçados e até interditados.
Universidades têm sido invadidas e seus dirigentes humilhados com a utilização de diversos
pretextos. Enfim, o ambiente de liberdades públicas e de democracia vivido nos governos Lula e
Dilma dá lugar à violência e à falta de liberdade, inimigas da criação e dos debates culturais.

Desenvolvimento e transformação

Traçada a retrospectiva panorâmica e o quadro atual das tensas relações entre cultura,
comunicação, desenvolvimento e democracia no Brasil, podem ser aventadas algumas
considerações sobre os impasses destas conexões nos tempos recentes no país. A conjuntura atual
parece expressar e espelhar os atritos e embates que caracterizam a história do Brasil. Aqui não
parece haver novidades: a cultura volta a ser assumida pelo governo como privilégio de classe, em
suas vertentes mais conservadoras e elitistas, próprias de uma sociedade profundamente desigual
que não reconhece sua diversidade cultural e que não respeita as diferenças; a comunicação se
mantém controlada por poucas famílias, produzida de modo concentrado e centralizado, sem
nenhuma pluralidade; a democracia mais uma vez é interditada por estados de exceção; e o
desenvolvimento novamente se impõe como desigual, destinado apenas a parcelas muito estritas da
população e excluindo a grande maioria do povo brasileiro.
Por exemplo, os resultados e desdobramentos da atitude inovadora e diferenciada, no
pensamento e na prática, em relação à cultura, inaugurada a partir da gestão Gilberto Gil, correm
imensos riscos neste novo contexto. Mas devido à potência alcançada por aquelas políticas culturais
pode ser que elas resistam de diversos modos ao retrocesso. A hipótese de que a vitória contra o
governo golpista na luta pela manutenção do Ministério da Cultura em 2016 decorreu das
mudanças ocasionadas pelas políticas culturais empreendidas não parece improvável. Ao ampliar o
conceito de cultura, desenvolver políticas culturais mais abrangentes, ampliar a participação dos
agentes e comunidades culturais, o ministério criou novas bases sociais para além dos artistas e
pessoal de patrimônio, seus interlocutores usuais e mesmo público privilegiado dos órgãos, que
antecedem a sua criação, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a
Fundação Nacional das Artes (Funarte). Desde 2003, o MinC passou a interagir com setores
culturais mais amplos e diversos, social e territorialmente, a maioria deles sem nenhum contato
político-cultural anterior com o ministério ou mesmo com o estado nacional. Esta verdadeira
reinvenção do ministério permite uma aposta na luta pela manutenção de determinadas políticas
vitais para a cultura cidadã brasileira. Por óbvio que as condições serão difíceis, mas é possível
imaginar que em sua vitalidade elas possam resistir aos retrocessos político-culturais. Estudos
futuros serão necessários para comprovar ou negar tal hipótese.
Apesar dos avanços do período Gil e Juca, o ministério não conseguiu inscrever a cultura no
modelo de desenvolvimento vigente nos governos Lula e Dilma. As presenças de Gilberto Gil e de
Lula, em tempo simultâneo, engrandeceram as possibilidades de enlace entre cultura e
desenvolvimento, sem conseguir, entretanto, colocá-lo em outro horizonte. Cabe registrar que a
conquista da inserção da cultura no modelo de desenvolvimento não é nada simples, pois quase
sempre os governos e os políticos encaram a cultura como conjunto de eventos, como cereja do
bolo, como falou diversas vezes Gilberto Gil. As temporalidades distintas de realização da política e
da cultura também afetam a desejada conexão entre cultura e desenvolvimento. Enquanto a política
busca resultados muitas vezes em tempos curtos como alimento para a cotidiana luta política, a
cultura, em dinâmica oposta, para produzir resultados requer uma temporalidade mais longa, pois
as mutações culturais são aquelas de mais difícil consecução. A cultura entranhada em corpos e
mentes, sedimentada em instituições e valores precisa de mais tempo para sua transformação. Os
descompassos temporais entre cultura e política, deste modo, pode criar tensões muito difíceis para
o enfrentamento e o equacionamento político do lugar da cultura no modelo de desenvolvimento.
Este talvez seja um dos maiores desafios existentes para as políticas culturais: fazer entender a
cultura como dimensão essencial que perpassa e dá significados às relações humanas em sociedade
e que, por conseguinte, torna-se condição fundante de qualquer desenvolvimento.
Nos governos Lula e Dilma, o modelo de desenvolvimento privilegiou suas dimensões econômico-
sociais, com ênfase em considerar o social como componente imprescindível do desenvolvimento. A
atenção com o social como fator imanente do desenvolvimento pode ser considerada marca destes
governos e das experiências acontecidas na América Latina no século XXI. Esta atitude significa um
avanço notável com relação à postura que reduz o desenvolvimento ao mero crescimento
econômico, como, em geral, ocorre na perspectiva neoliberal, na qual o mercado se transforma no
agente privilegiado do desenvolvimento.
Os avanços alcançados ao conectar umbilicalmente as dimensões econômica e social do
desenvolvimento não se repetiram com outras esferas do desenvolvimento. As atitudes dos governos
Lula e Dilma foram ambíguas em relação à dimensão ambiental, ainda que alguns avanços tenham
sido obtidos. A dimensão política do desenvolvimento foi em medida razoável menosprezada pela
assimilação dos dispositivos e procedimentos do sistema político existente, o que paralisou
mudanças necessárias ao desenvolvimento político, com aprofundamento da democracia, da
cidadania e de direitos. A aceitação implícita do corroído sistema político vigente e seus modos de
funcionamento foi, não resta dúvida, um dos estopins da crise do governo Dilma.
Outra falta tão grave quanto a não inserção da cultura no modelo de desenvolvimento, atitude
que exige maturação e alto grau de inovação em termos presentes e mundiais, igualmente ocorreu.
Trata-se da realização de um processo de mudanças societárias significativas, intentado por via
democrática, sem uma nítida atenção e disposição para a disputa pela hegemonia político-cultural,
intelectual e moral, no dizer de Antonio Gramsci, no cenário da sociedade brasileira. Essa falta de
atitude e de compreensão se mostrou desastrosa no embate político-cultural em tempos neoliberais,
dada a potente vigência deste ideário no mundo e no Brasil, em especial em esferas da sociedade
como a grande imprensa, parcelas dos poderes judiciário e legislativo, classes dominantes e
segmentos das classes médias. A desatenção com essa disputa foi patente na ausência de políticas
de comunicação e de cultura capazes de lidar com a ausência de pluralismo, a partidarização
exacerbada e a influência que a grande imprensa exerce sobre a opinião pública brasileira. Nesta
perspectiva, a não democratização da imprensa e da comunicação midiatizada criou obstáculos
imensos para o processo de democratização da sociedade em curso nos governos Lula e Dilma,
caracterizados por amplas liberdades, pela superação paulatina das desigualdades sociais e pela
conquista de direitos por parcelas importantes da sociedade brasileira.
Os significativos avanços propiciados pelas políticas culturais, em especial no governo Lula, não
podem silenciar a não efetivação da consciente promessa inscrita no discurso de posse do ministro
Gilberto Gil. Ele disse que: “[…] a política cultural do governo Lula a partir deste momento [...]
passa a ser vista como parte de um projeto geral de construção de uma nova hegemonia em nosso
país” (GIL, 2013, p. 231). Esta não realização da disputa pela hegemonia e novos valores interditou,
pelo menos por algum tempo, “[...] a construção de uma nação realmente democrática, plural e
tolerante” (Ibid., p.232).

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2015.
Políticas públicas de Cinema: O impacto do
Fundo Setorial do Audiovisual no cinema brasileiro

Sérgio Ribeiro de Aguiar Santos

Introdução

Este artigo busca apresentar a evolução do setor cinematográfico brasileiro a partir da


operacionalização de um novo modelo de política pública voltado para o cinema e o audiovisual no
Brasil, através das linhas de ações dos programas de desenvolvimento fomentados pelo Fundo
Setorial do Audiovisual (FSA) e executados pela Ancine. Assim, buscamos verificar o impacto desse
novo modelo de investimento voltado para o setor produtivo do cinema nacional.
O Fundo Setorial do Audiovisual é hoje o instrumento destinado ao fomento das atividades do
setor do audiovisual no Brasil. Sua estrutura financeira resulta de diferentes instrumentos, tais
como investimentos, financiamentos, operações de apoio e de equalização de encargos financeiros
para fomentar a cadeia produtiva do cinema e do audiovisual. O FSA é ainda muito recente, porém,
fazer um primeiro esforço nesse sentido pode servir de base para futuras análises.
Como apoio teórico recorremos ao pensamento de Vincent Mosco sobre a Economia Política da
Comunicação em seu artigo “A Economia Política da Comunicação: Uma atualização dez anos
depois”. Mosco (2005) faz um panorama sobre a abordagem e a aproximação da Economia Política
com os estudos da Comunicação, em que a economia política é também caracterizada por um
interesse em examinar o todo social ou a totalidade das relações sociais que levam à vida
econômica, política, social e cultural.
À luz da EPC buscamos fazer uma reflexão para estabelecer um olhar crítico sobre as políticas
públicas que foram criadas para suprir as demandas do cinema brasileiro. As principais críticas ao
Estado brasileiro como principal ator no fomento à produção e na indução de ações comerciais para
o conteúdo brasileiro, o que nos leva à seguinte hipótese: o estímulo à indústria audiovisual, através
de políticas públicas para a cultura e o cinema, valorizando a atividade comercial, através de ações
e programas governamentais, acabam favorecendo alguns grupos e não amplia de forma efetiva os
benefícios para os outros atores da cadeia produtiva e também não viabiliza o acesso da sociedade a
produção financiada com recurso público.
A contribuição da EPC para este artigo está voltada para um entendimento sobre o ambiente que
estamos inseridos quando pensamos na análise de aspectos políticos e econômicos voltado para
comunicação e cultura e que envolvem também nosso tema. Dessa maneira, buscamos ressaltar os
principais aspectos e processos que envolvem e interligam esses setores do cinema brasileiro no
contexto da EPC e a importância de uma reflexão sobre os fatores econômicos e políticos sobre o
campo da comunicação e da cinematografia brasileira no que diz respeito a produção, distribuição,
comercialização e exibição de filmes nacionais em território brasileiro.
Assim, a busca por uma definição e conceito sobre a EPC se faz necessária para iniciar uma
pesquisa em um campo tão específico e generalizado. Segundo Mosco (2006, p. 59), a Economia
Política da Comunicação pode ser entendida como:
En un sentido estricto, economía política es el estudio de las relaciones sociales, particularmente las
relaciones de poder, que mutuamente constituyen la producción, distribución y consumo de recursos,
incluidos los recursos de comunicación. Esta formulación tiene un cierto valor práctico porque llama
la atención sobre cómo opera el negocio de la comunicación, por ejemplo, cómo los productos
comunicacionales transitan a través de una cadena, de productores (como los estudios de Hollywood)
a distribuidores, comerciantes y, finalmente, consumidores, cuyas compras, alquileres y atenciones
alimentan nuevos procesos de producción. Sin embargo, existe suficiente ambiguedad acerca de lo
que constituye un productor, distribuidor o consumidor, como para ser cauteloso con su uso.

O FSA é uma política pública setorial do campo das políticas públicas de cultura, mais
precisamente uma política voltada para o fortalecimento do setor do cinema e do audiovisual
nacional. É neste sentido que vamos recorrer também ao conceito de políticas culturais, com ênfase
no livro Cultura e Políticas Culturais, do pesquisador brasileiro Albino Rubim, tendo em vista que
este autor oferece um instrumento de análise de políticas públicas; mas não só por isso. Para Rubim
(2011), uma política cultural contém necessariamente um conceito de cultura. E o primeiro passo do
pesquisador ao analisar uma política pública é encontrar e discutir o conceito de cultura que ela
traz de forma explícita ou implícita. Embora seu livro seja sobre cultura e políticas culturais, ele não
busca formular nele um conceito próprio de cultura e trabalha com esse conceito em outros autores,
como, por exemplo, em Néstor Canclini (2001, p. 65, apud RUBIM, 2011, p. 66):
Os estudos recentes tendem a incluir sob o conceito de cultura o conjunto de intervenções realizadas
pelo Estado, pelas instituições civis e por grupos comunitários organizados; a fim de orientar o
desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para
um tipo de ordem ou transformação social. Esta maneira de caracterizar o âmbito das políticas
culturais necessita ser ampliada tendo em conta o caráter transnacional dos processos simbólicos e
materiais na atualidade.

Para a análise do Fundo Setorial do Audiovisual como política de cultura e cinema utilizamos as
orientações metodológicas de Rubim (2011), por considerar que a ativação de políticas públicas não
só colabora na redefinição democrática do Estado e de seu papel, mas viabiliza a incorporação de
novos atores. Para pensar nosso objeto de pesquisa, vai-se recorrer ao conceito de políticas públicas
de Saravia e Ferrarezi (2006, p. 28):
Trata-se de um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir
desequilíbrios destinados a modificar essa realidade. Decisões condicionadas pelo próprio fluxo e
pelas reações e modificações que elas provocam no tecido social, bem como pelos valores, ideias e
visões dos que adotam ou influem na decisão. É possível considerá-las como estratégias que apontam
para diversos fins, todos eles, de alguma forma, desejados pelos diversos grupos que participam do
processo decisório.

No texto os autores ressaltam que o processo de política pública não possui uma racionalidade
manifesta. Não é uma ordenação tranquila na qual cada ator social conhece e desempenha o papel
esperado. Trata-se, portanto, de um processo complexo. Assim, este artigo se debruça sobre o
modelo político e econômico que hoje sustenta o fomento ao cinema brasileiro.
Iremos apresentar aqui um breve panorama do FSA e trazemos como fontes de referência
entrevistas feitas durante a pesquisa de campo realizada pelo autor nas cidades de Brasília, São
Paulo e Rio de Janeiro. O depoimentos foram gravados com representantes da cadeia produtiva do
audiovisual e do cinema brasileiro no âmbito da produção, distribuição e exibição de filmes, além de
gestores públicos do Ministério da Cultura, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), da Secretaria
do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/MinC), Empresa Paulista de Cinema (SP-Cine), do
Sindicato Interestadual da Indústria Cinematográfica e Audiovisual (Sindav) e com um pesquisador
da área de políticas públicas de cinema. Utilizamos também para a análise dos resultados
documentos oficiais do Ministério da Cultura e da Agência Nacional do Cinema como: os
Regimentos Internos do Comitê Gestor, o documento de Diretrizes e os Relatórios de Gestão do
FSA, de 2008 até 2013.

O impacto do FSA no fomento para o cinema brasileiro

O Fundo Setorial do Audiovisual foi criado como uma categoria de programação do Fundo
Nacional de Cultura, como uma política pública de cultura que inclui o cinema e o audiovisual
brasileiro. Vinculado ao Ministério da Cultura, o FSA surgiu da Lei n.º 11.437, de 28 de dezembro
de 2006, e foi regulamentado pelo Decreto n.º 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

Figura 1-Organograma: FSA

Fonte:Organograma elaborado pelo autor.

A estrutura orgânica do FSA está organizada pelo regimento interno do seu Comitê Gestor e pelo
regimento interno do Comitê de Investimento do FSA e o regulamento Geral do Programa de Apoio
ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (Prodav). Veja abaixo como é a estrutura de
governança e de operacionalização do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual.
Figura 2-Fluxograma - FSA

Fonte: Organograma elaborado pelo autor.

Segundo Rodrigo Camargo (2015), coordenador de fomento da Secretaria de Financiamento da


Ancine, e coordenador do núcleo do FSA, a origem do Fórum está ligada a um arcabouço jurídico
que já existia:
Foi uma solução jurídica de se criar um fundo para o audiovisual utilizando um arcabouço jurídico que
existia, que é o Fundo Nacional de Cultura, que foi criado com Lei Rouanet, que já previa no FNC o
FSA que ficaria dentro desse arcabouço maior que é a própria lei do mercenato [...] Só que o FSA
funciona de uma forma autônoma, onde a Ancine é sua Secretaria Executiva, tem um Comitê Gestor
que define suas regras, esse comitê é presidido pelo ministro da Cultura, então a participação do
Ministério da Cultura se dá presidindo o Comitê Gestor do FSA e a Ancine, vinculada ao Ministério da
Cultural, é responsável pela Secretaria Executiva do FSA, que faz e cuida de toda essa parte de
operacional do FSA […].1

Inicialmente, o Fundo Setorial do Audiovisual surge para fortalecer e reestruturar a forma de


incentivo e investimentos das atividades industriais do audiovisual brasileiro. Para Camargo (2012),
“ele foi pensado inicialmente para recuperar a capacidade do Estado de investir diretamente na
produção audiovisual”.
Camargo (2012) complementa:

O financiamento direto realizado pelo Estado também foi previsto na Lei Rouanet, por meio da criação
do Fundo Nacional de Cultura – FNC, além de programas desenvolvidos pelo Ministério da Cultura,
ganhando maior envergadura a partir dos anos 2000. Com a criação da ANCINE em 2001, o apoio à
atividade audiovisual ganha novamente uma estrutura própria e as ações de fomento se consolidam e
se diversificam. Neste contexto, a instituição do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA, em 2006, torna-
se um marco de consolidação da política de desenvolvimento do audiovisual na última década.

O Fundo é um novo instrumento para reformular as ações de investimentos, focado em


diferentes demandas da indústria audiovisual no Brasil. Para o ex-secretário do audiovisual Pola
Ribeiro, o cinema é um mercado consolidado e o conteúdo brasileiro ainda cresce com muita luta,
timidamente, em um desafio constante.2
O FSA é um fundo de investimentos que foi criado para atender às demandas da cadeia produtiva
como um todo, um instrumento para formulação de ações e programas que atendem os anseios da
sociedade por um cinema brasileiro e também busca dinamizar e impulsionar os elos da cadeia
produtiva que não recebiam, até sua criação, aporte de investimentos para se desenvolver.
Para Ribeiro, o FSA veio para fomentar um modelo de produção mais competitivo utilizando toda
a capacidade da cadeia produtiva para difundir o conteúdo produzido no país, tendo como objetivo
maior:
[...] fomentar as atividades ligadas ao mercado no sentido e também de reforçar o fomento da
atividade. Ou seja, ele é recuperado de ações comerciais e busca o fomento da atividade muito
direcionado às questões de mercado. Então, ele é um fundo que aumenta a produção do audiovisual
brasileiro, e ele vai incidir em uma pressão direta nas questões relacionadas à distribuição e exibição.

A indústria cinematográfica brasileira tem hoje o Fundo Setorial do Audiovisual como o principal
mecanismo de fomento das atividades de cinema no país. Sua estrutura contempla diversas
atribuições que apoiam diferentes segmentos da cadeia produtiva do audiovisual. O primeiro
relatório do Comitê Gestor do FSA descreve suas principais atividades no que diz respeito à
produção, distribuição e exibição de conteúdos audiovisuais.
[...] destacam-se o incremento da cooperação entre os diversos agentes econômicos, a ampliação e
diversificação da infra – estrutura de serviços e de salas de exibição, o fortalecimento da pesquisa e da
inovação, o crescimento sustentado da participação de mercado do conteúdo nacional e o
desenvolvimento de novos meios de difusão da produção audiovisual brasileira.3

Percebe-se, em uma rápida análise do texto, que os objetivos principais do FSA estão ligados a
fatores econômicos e de estímulo e fortalecimento de setores da cadeia produtiva do cinema
brasileiro que antes não recebiam apoio, como ressaltamos no início. O FSA hoje é um mecanismo
que agrega ações necessárias para o desenvolvimento da indústria audiovisual no Brasil para o ex-
Secretário Executivo do MinC, e atual diretor-presidente da empresa SP-Cine, Alfredo Manevy,
sendo uma conquista que introduziu um sistema de financiamento ao setor mais organizado:

[...] o FSA é uma revolução, primeiro porque ele tem uma fonte de arrecadação própria, e ao ter uma
fonte de arrecadação própria ele permite que o dinheiro do audiovisual não precise ir para uma
disputa, uma carnificina por dinheiro público. Então, ele não vai disputar por saúde, por educação, é o
próprio setor em tese que está alimentando o próprio setor. E isso cria uma blindagem muito
importante para o próprio fundo. E sem falar na quantia de recursos sem precedência. O FSA é uma
grande novidade na política cultural do país, que aponta para um modelo de financiamento para o país
muito mais saudável.4

Para a diretora-presidente do Sindav, Silvia Rabello, o FSA é um fundo diferente:

[...] sem dúvida nenhuma o FSA representa um novo momento para produção audiovisual brasileira, é
a principal fonte de financiamento, sem sombras de dúvida. Ele é um fundo que tem características
diferentes dos fundos que a gente conhece, porque ele é uma figura contável dentro do FNC, ele não
tem uma personalidade própria. Ele não um fundo autônomo, ele não é um fundo que recebe os
recursos e tem uma administração, porque a maioria do recursos do FSA provém de uma contribuição,
a Condecine.5

Os recursos orçamentários do Fundo Setorial do Audiovisual são oriundos da própria atividade


econômica do setor, através das contribuições recolhidas pelos agentes do mercado, como a
Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine ), das
receitas do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), das receitas decorrentes da não
aplicação de incentivos fiscais, das receitas decorrentes de aplicações financeiras e de outras ações
orçamentárias que lhe foram destinadas.

Gráfico 1 - Condecine

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor.

Veremos a seguir os resultados das ações do FSA baseado nos programas lançados no período de
2008 a 2015.

A evolução dos resultados de 2008 a 2015 pelo FSA

Buscaremos agora descrever os resultados alcançados pelos investimentos oriundo das ações do
FSA. Para isso utilizamos como material de análise os Relatórios de Gestão do FSA no período de
2008 a 2015, com o objetivo de evidenciar o impacto causado pelos investimentos feitos através dos
recursos aplicados nos programas de desenvolvimento da indústria do cinema e do audiovisual
brasileiro no âmbito do Fundo Setorial do Audiovisual, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do
Cinema Brasileiro (Prodecine) , o Prodav e o Programa de apoio ao desenvolvimento da
Infraestrutura (Proinfra). Veja o quadro abaixo com os principais programas do FSA.

Quadro 1 - Programa de Linhas de Ações do FSA

Fonte: Quadro elaborado pelo autor.

Vale ressaltar que o aumento dos recursos financeiros investidos através do FSA, no período de
2008 a 2015, impactou na cadeia produtiva do cinema e do audiovisual brasileiro nos segmentos de
produção, distribuição, comercialização e exibição de filmes e conteúdos audiovisuais contemplados
pelas diferentes linhas de ações do Fundo. Veja o quadro a seguir com a evolução dos recursos
disponíveis para as linhas de ações dos programas de desenvolvimento do FSA.

Tabela 1 - Evolução dos recursos do FSA

Fonte: Quadro elaborado pelo autor.

Conforme os dados do Panorama do Mercado Cinematográfico e Audiovisual Brasileiro, aprovado


pela Ancine, na primeira reunião do CGFSA em agosto de 2008, anexo ao Documento de Diretrizes
do FSA, “[...] houve um impacto positivo no número de filmes anuais lançados, de 25 filmes em 2002
para 78 em 20076. Porém, com relação ao aumento de público e a presença do filme nacional em
salas de cinema não houve um crescimento expressivo naquele momento. De certa forma isso
representou no mínimo a necessidade de uma adequação no modelo de políticas públicas para
produção de filmes brasileiros. A partir da implementação do FSA a realidade da produção sofre um
impacto significante, como demonstramos na tabela que segue .

Tabela 3 - Evolução na produção de filmes de longa-metragem no período de 2008 - 2015

Fonte: autoria própria.

Como podemos perceber, houve um aumento de mais de 40% no número de filmes produzidos ao
longo 8 anos.
O FSA tem uma vertente comercial estabelecida em suas diretrizes e o gargalo do escoamento da
produção, ou seja, a difusão desses conteúdos é um dos desafios para os gestores públicos do Fundo
na implementação de ações de incentivo e fomento que fortalecem a distribuição e o consumo de
conteúdos brasileiro. Camargo (2012, p. 40), coordenador de fomento da Ancine, caracteriza o FSA
como um mecanismo de investimentos para toda cadeia produtiva do cinema e do audiovisual
nacional: “ O FSA tornou-se o mecanismo de fomento mais abrangente à indústria audiovisual
nacional, tanto pela conjugação de variadas operações financeiras como principalmente, pela
possibilidade de destinação dos recursos a todos os segmentos da cadeia audiovisual” .
Abaixo podemos constatar o impacto do FSA na evolução gradual do número de público e
também o aumento da bilheteria nos cinemas brasileiros, representando um percentual de 94% e de
222%, respectivamente, no período de 2008 até 2015.
Tabela 4 - Público e bilheteria do cinema

Fonte :Quadro elaborado pelo autor.

Para os exibidores independentes os programas e eixos de ações proporcionam uma oferta de


filmes maior que tínhamos antigamente, pois estimula o aumento nos números de salas, que vai
proporcionar um aumento na venda de bilhetes e, principalmente, vai ampliar o público com acesso
ao cinema, inclusive à produção nacional. Com a criação do FSA e dos programas destinados ao
setor de exibição foram dados os primeiros passos para suprir a demanda por mais salas de cinema
e também por um vínculo maior dos exibidores com o conteúdo nacional produzido. A seguir a
tabela 5 demonstra o aumento do número de salas de cinema ao longo de 2008 e 2015.

Tabela 5 - Evolução do número de salas de cinema no Brasil

Fonte: Elaborado pelo autor.

A tabela indica um aumento de mais de 90% das salas de cinema brasileiras digitalizadas e um
aumento de 30% no número de salas de cinema no país.

Considerações finais

O cinema é uma manifestação cultural de suma importância para nossa população e precisa ter
suas iniciativas garantidas por mecanismos que estimulem uma igualdade de condições dentro de
seu próprio mercado, pois, como meio de comunicação de massa integra diversas manifestações
culturais e movimenta uma economia que transcende suas atividades específicas. Conforme sua
história, em seus aspectos sociais e culturais, o cinema só pode ser unificado como indústria de
filmes e conteúdos audiovisuais a partir de sua maturidade estrutural, econômica, social e política.
Ao longo da história institucional do cinema brasileiro evidenciamos níveis distintos de
desenvolvimento das atividades relativas ao crescimento da cadeia produtiva no país, pois as
instituições que representaram e representam a cinematografia nacional apresentaram diferentes
momentos e suas ações evidenciaram, ao longo do tempo, problemas relativos à produção,
distribuição e exibição de filmes e conteúdos audiovisuais brasileiros no mercado nacional.
A comercialização de filmes no Brasil é um exemplo clássico, pois sempre se apresentou
insuficiente para promover e estimular as atividades industriais de produção e difusão de filmes.
Uma vez que essas atividades, de carácter comercial e industrial, não se auto-sustentam, a partir de
suas próprias receitas, ou mesmo recebendo incentivos do Estado brasileiro para fomentar sua
produção, o mercado nacional de cinema no Brasil sempre foi condicionado e abastecidos,
majoritariamente, pelos produtos da indústria estrangeira. Esse domínio, exercido historicamente
por essa indústria, inviabilizou o surgimento e o crescimento de outros setores do mercado
nacional, como por exemplo a distribuição e a exibição independentes, pois via de regra
impossibilitou a comercialização de obras brasileiras dentro do seu próprio mercado.
Foi a partir desse panorama que a sociedade civil organizada e o Estado brasileiros buscaram
resgatar um modelo político e econômico para o setor com o intuito de abrir o mercado nacional
para alcançar e oferecer condições competitivas para todos os setores que representam a cadeia
produtiva do cinema e do audiovisual no país.
A criação do Fundo Setorial do Audiovisual veio ao encontro dessa necessidade histórica do
cinema brasileiro, que necessitava de uma política pública capaz de resgatar gargalos da indústria
brasileira que seriam vitais para dar estabilidade das atividades comerciais no mercado brasileiro
de filmes e conteúdos audiovisuais. Assim, a indústria do cinema e do audiovisual que se caracteriza
como um setor, que ao longo de sua história, sofreu transformações em razão de mudanças
políticas, tecnológicas e econômicas, e que, atingiram prontamente os setores da produção, da
distribuição e do consumo de conteúdos e obras cinematográficas e audiovisuais, necessitavam de
mecanismos legais e financeiros para a criação de novas políticas públicas de fortalecimento dessas
atividades no Brasil.

Referências Bibliográficas

CAMARGO, Rodrigo Albuquerque. A experiência do Fundo Setorial do Audiovisual. In: SANTOS,


Rafael dos; COUTINHO, Angélica (Orgs.). Políticas Públicas e regulação do audiovisual. Curitiba:
CRV, 2012.

MOSCO, Vincent. La Economía Política de la Comunicación: una actualización diez años después.
Información y Comunicación, v. 11, p. 57-79, 2006.

RUBIM, Albino Canelas. Cultura e políticas culturais. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2011.

SARAVIA, Enrique. Política Pública: dos clássicos às modernas abordagens. In: SARAVIA, Enrique;
FERRAREZI, Elizabeth. Políticas Públicas. Coletânea– Volume 1. Brasília: ENAP, 2006.

Documentos consultados

Relatório anual de Gestão do Fundo Setorial do Audiovisual, relativo ao exercício de 2013,


elaborado pela ANCINE, na qualidade de Secretaria Executiva do FSA, nos termos do art. 12, VI, do
Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

Relatório anual de Gestão do Fundo Setorial do Audiovisual, relativo ao exercício de 2012,


elaborado pela ANCINE, na qualidade de Secretaria Executiva do FSA, nos termos do art. 12, VI, do
Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

Relatório anual de gestão do Fundo Setorial do Audiovisual, relativo ao exercício de 2011, elaborado
pela ANCINE, na qualidade de Secretaria Executiva do FSA, nos termos do art. 12, VI, do Decreto
nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

Relatório anual de gestão do Fundo Setorial do Audiovisual, relativo ao exercício de 2010, elaborado
pela ANCINE, na qualidade de Secretaria Executiva do FSA, nos termos do art. 12, VI, do Decreto
nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

Relatório anual de gestão do Fundo Setorial do Audiovisual, relativo ao exercício de 2009, elaborado
pela ANCINE, na qualidade de Secretaria Executiva do FSA, nos termos do art. 12, VI, do Decreto
nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

Relatório anual de gestão do Fundo Setorial do Audiovisual, relativo ao exercício de 2008, elaborado
pela ANCINE, na qualidade de Secretaria Executiva do FSA, nos termos do art. 12, VI, do Decreto
nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.
Documento de Diretrizes do Fundo Setorial do Audiovisual. Ancine. 2011.

Entrevistas

Entrevista: Pola Ribeiro - Secretário do Audiovisual - Brasília – 19/08/2016.

Entrevista: André Pierro Gatti - Pesquisador – São Paulo – 02/10/15.

Entrevista: Rodrigo Camargo - Coordenador de Planejamento de Fomento da Secretaria de Políticas


de Financiamento – SEF - ANCINE – 09/11/2015.

Notas

[1] Entrevista cedida ao autor na cidade do Rio de Janeiro em 09 de novembro de 2015.

[2] Entrevista cedida ao autor na cidade de Brasília em 26 de agosto de 2015.

[3] Primeiro Relatório do Fundo Setorial do Audiovisual 2008. Ancine. p. 13. 2008.

[4] Entrevista cedida ao autor na cidade de São Paulo em 02 de ou tubro de 2015.

[5] Entrevista cedida ao autor na cidade do Rio de Janeiro em 19 de outubro de 2015.

[6] Documento de diretrizes do Fundo Setorial do Audiovisual. Anexo Panorama do Mercado


Cinematográfico e Audiovisual, p. 9. 2008.
Políticas Públicas Audiovisuais: os apoios às coproduções
cinematográficas no Brasil e na Argentina

Flávia Rocha
Dácia Ibiapina

Este capítulo é resultado de um dos trabalhos dos pesquisadores que compuseram o painel
“Políticas Públicas Audiovisuais” do VI Encontro Nacional da União Latina da Economia Política da
Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc) – Capítulo Brasil, realizado em 10 de novembro
de 2016. A mesa contou com as colaborações de Sérgio Ribeiro, Lizely Borges, Luísa Montenegro,
Natália Teles, além das autoras deste artigo, ambos da Universidade de Brasília (UnB).
Na oportunidade, Sérgio Ribeiro mostrou dados da sua pesquisa sobre o Fundo Setorial do
Audiovisual (FSA) entre os anos de 2008 a 2013. No seu estudo, Ribeiro constatou que após o
surgimento desse Fundo, houve uma mudança no quadro cinematográfico brasileiro, tanto
aumentou a quantidade de lançamentos de obras de longas-metragens quanto foi observado
avanços na qualidade da produção. Lizely Borges analisou as ações de comunicação da Unesco
durante os governos do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro de
Dilma Rousseff. Já Natália Teles falou sobre espaços de pluralidade e diversidade na televisão
brasileira, sobretudo a respeito da representatividade negra. Outro importante debate foi
apresentado por Luísa Montenegro: a presença da pessoa indígena no cinema ficcional, documental
e na televisão pública. Montenegro relatou a mudança do papel do índio imposto pelas produções no
Brasil, que, durante o século XX, passou do estereótipo de preguiçoso para protetor da natureza; a
autora constatou a pouca representatividade do índio nas produções, principalmente na televisão.
Infelizmente, muitos dos autores citados não tiveram tempo de participar desse livro.
Desse modo, este capítulo foca em uma das pesquisas desenvolvidas no âmbito do Programa de
Pós-graduação da Faculdade de Comunicação da UnB, na linha “Políticas de Comunicação e de
Cultura”. Este trabalho visa compreender estratégias de integração cinematográfica latino-
americana no contexto político, econômico e cultural contemporâneo, com ênfase nas relações
estatais de apoio às coproduções cinematográficas entre Brasil e Argentina. Para isso,
sistematizamos o conhecimento sobre as práticas de coprodução envolvendo os dois países, bem
como as suas respectivas políticas culturais de incentivo de âmbito internacional. Refletimos sobre
o desenvolvimento da atividade cinematográfica na Latinoamérica e o papel das políticas culturais
de incentivo aos filmes independentes na região, através de mecanismos bilaterais e multilaterais
de apoio às coproduções internacionais, considerando a conjuntura econômica das relações de
poder na indústria cinematográfica mundial. Observamos como está sendo tratada a oportunidade
de fomentar a diversidade cultural e a pluralidade das identidades através dessas coproduções
brasileiro-argentinas.

Referenciais teóricos – a Economia Política do Cinema

O referencial teórico da nossa pesquisa é a Economia Política da Comunicação e da Cultura


(EPCC), mais especificamente a Economia Política do Cinema, que tem como uma das suas
principais teóricas a norte-americana Janet Wasko, autora de inúmeros artigos e livros sobre o modo
de funcionamento da indústria cinematográfica, sobretudo da indústria dos Estados Unidos. Entre
as principais contribuições de Wasko está em posicionar o cinema como problema da Economia
Política da Comunicação (EPC), na medida que reforça o cinema como um meio de comunicação
social (WASKO, 2004). No caso da nossa pesquisa, consideramos o cinema como arte, cultura e
comunicação, embora seja dado maior destaque aos aspectos econômicos do modo de produção de
filmes, bem como os aspectos da interculturalidade nas obras, em regime de coprodução entre
Brasil e Argentina.
No artigo The Political Economy of Film1, publicado no livro A Companion to Film Theory
(MILLER; STAM, 1999), Wasko introduz o texto rememorando uma pergunta elementar, levantada
por Thomas Guback2, no final dos anos de 1970, quando esse autor escreveu o ensaio Estamos
olhando para as coisas certas no cinema?3(GUBACK, 1978, tradução nossa). Nesse texto, Guback
criticava a abordagem excessiva dos estudos do cinema voltada para a crítica cinematográfica e a
teoria. O raciocínio primordial apontava para a observação de que “os estudos cinematográficos
normalmente negligenciavam a análise do cinema como uma instituição econômica e como um meio
de comunicação” (WASKO, 2004, p. 221, tradução nossa)4.
Segundo Wasko (2004, p. 221), naquela época, o olhar pelo prisma do econômico já era
recorrente nas análises em torno da comunicação, enquanto isso, os estudos sobre o cinema ainda
estavam distantes dessa aproximação teórica. Guback defendia uma "abordagem institucional", que
era muito parecida com os pilares dos estudos em torno da Economia Política da Comunicação na
atualidade.
The Political Economy of Film foi impresso primeiramente em 1999. Dezessete anos depois,
Wasko retoma as discussões daquele texto e publica, em 2016, o artigo Revisiting the political
economy of film, quando ratifica que, mesmo com algumas mudanças nos estudos fílmicos,
“algumas das preocupações de Guback ainda são bastante válidas” (WASKO, 2016, p. 62, tradução
nossa)5.
Nesse sentido, entre as principais inquietações de Guback e discutidas por Wasko (2004, p. 229)
está a dificuldade de acesso a dados confiáveis da indústria cinematográfica, o que intimida análises
críticas sobre a indústria e estimulava pesquisas meramente descritivas, a partir de informações
fornecidas pela própria indústria. Quanto a esse aspecto, podemos observar que no Brasil os
investigadores da área dependem de dados prioritariamente divulgados de acordo com os interesses
das empresas ou fornecidos pelo Observatório do Cinema e do Audiovisual (OCA) da Agência
Nacional do Cinema (Ancine); por conta disso, dispomos de dados mais precisos acerca das obras de
longa-metragem de produção independente e que utilizaram benefícios públicos. Os outros filmes
geralmente ficam de fora: tanto os que não foram lançados em salas comerciais brasileiras, quanto
as obras de baixíssimo orçamento sem ajuda do governo, como também as megaproduções da Globo
Filmes ou as atreladas a outras grandes corporações.
Por outro lado, diferentemente de algumas das preocupações apontadas por Wasko, como por
exemplo: “onde se pode encontrar números de produção precisos além do rumor, como relatado em
Variety ou outras publicações comerciais?” (WASKO, 2004, p. 229); no Brasil, o Observatório do
Cinema e do Audiovisual (OCA) foi criado em dezembro de 2008 e, a partir de então, passamos a
contar com uma maior sistematização e disseminação de dados, cujo “recolhimento é resultado
direto do trabalho de fomento, regulação e fiscalização da Ancine. As informações são fornecidas
pelos próprios agentes de mercado com base nas respectivas obrigações legais” (ANCINE, 2017,
n.p)6.
Enquanto isso, na Argentina, tivemos maior escassez de dados quanto às coproduções
internacionais, porque as informações estatísticas do Instituto Nacional de Cine e Artes
Audiovisuais (Incaa) sobre a indústria cinematográfica argentina giram em torno das obras,
produtoras, distribuidoras, exibidoras, apoios e fomentos, mas não há a produção nem o
fornecimento de dados específicos e sistematizados sobre as coproduções argentinas. Para suprir
tais dificuldades, assim como na metodologia de Thomas Guback (1980), utilizamos como fontes
profissionais da atividade cinematográfica entrevistados no Brasil, Argentina, Portugal e Espanha,
bem como informações de bancos de dados de sites especializados e do site do programa Ibermedia.
Entre as preocupações dos pesquisadores que utilizam a Economia Política do Cinema como
abordagem teórica, estão, por exemplo: investigar como os filmes dos EUA passaram a dominar o
mercado internacional, como essa dominação se sustenta; como os mecanismos de dominação são
utilizados; como é o envolvimento do Estado nesse processo e como a exportação de filmes está
relacionada às estratégias de marketing(WASKO, 2004, p. 227). Do outro lado, os economistas
políticos do cinema têm um papel de analisar o funcionamento das indústrias dos cinemas de menor
produção, a exemplo das populações indígenas e dos cinemas dos países em desenvolvimento,
interessando-se por investigar “quais as implicações políticas e ideológicas que podem advir desses
processos” (WASKO, 2004, p. 227) .
Segundo orienta Wasco (2004, p. 227-8), na metodologia da Economia Política do Cinema, é
importante considerar que “o filme também deve ser colocado dentro de um todo social, econômico
e político”, ao mesmo tempo que os investigadores devem analisar criticamente os modos de
manutenção e reprodução dessas estruturas de poder dentro da indústria cinematográfica. Nesse
caso, são muito bem-vindos os estudos acerca das alternativas e tentativas de desafiar a hegemonia
da indústria cinematográfica dominante no mundo.

Políticas de integração cinematográfica entre Brasil e Argentina

Na cidade de Buenos Aires, em 18 de abril de 1988, é firmado o Acordo de Coprodução


Cinematográfica entre Brasil e Argentina. Antes desse, seis acordos bilaterais com intenções
similares tinham sido firmados no Brasil: primeiro com Espanha, depois com Chile, França, Itália,
Alemanha, Portugal e Colômbia. Também em 1988, é assinado um tratado de coprodução com a
Venezuela. Já a Argentina, anteriormente, já havia fixado acordo de coprodução bilateral apenas
com a Colômbia, em 1964. Além disso, meses depois do acordo brasileiro, a Argentina assina um
tratado também com o Canadá (1988).
Tal Acordo de Coprodução Cinematográfica está inserido em alguns contextos. O documento foi
assinado por um dos maiores intelectuais e economistas brasileiros do século vinte: Celso Furtado
(1920-2004), então ministro da cultura do governo José Sarney, governo esse que marcava o fim do
regime militar e o início da democratização política do País, quando foi promulgada a Constituição
de 1988, que instituiu um Estado Democrático de Direito e uma república presidencialista. No
campo da cultura, esse governo foi marcado tanto pela criação do Ministério da Cultura quanto pela
criação da chamada Lei Sarney de Incentivo à Cultura, que garantia isenção fiscal para empresas
que investissem nas várias áreas artísticas, inclusive na produção de filmes. A criação de tal lei se
deu no período da gestão de Furtado, sendo revogada no governo seguinte, do presidente Fernando
Collor de Melo. Como intelectual, Celso Furtado deixou um vasto legado para o pensamento
brasileiro em torno dos laços entre economia e cultura.
Do lado da Argentina, o tratado foi assinado por Jorge Federico Sabato (1938-1995), intelectual
argentino, irmão do cineasta Mario Sabato (Adrián Quiroga, pseudônimo) e filho do escritor Ernesto
Sábato (1912-2011), quem recebeu em 1984 o Prêmio Cervantes de Literatura. Na época da fixação
do acordo de coprodução, Jorge Federico era o então Ministro de Educação e Justiça da Nação, do
governo do “radical” Raúl Alfonsín (1927-2009), tendo ocupado anteriormente (1983 a 1984) o
cargo de Secretário de Estado de Relações Exteriores para Assuntos Especiais, tendo inclusive
participado de outras negociações com o Brasil. O governo de Alfosín também marcava o início da
democracia na Argentina, após a ditadura civil-militar (1976-1983).
A exemplo do Acordo de Coprodução Cinematográfica entre Brasil e Argentina, para estimular a
prática da coprodução cinematográfica internacional, muitos países também estão investindo na
assinatura de acordos bilaterais. Com isso, os produtores de cinema dispõem de iniciativas tanto
governamentais quanto intergovernamentais.
Nesse contexto, o Brasil mantém acordos bilaterais com outros onze países, além da Argentina, a
saber: Alemanha (2008), Canadá (1999), Chile (1966, 1996), Colômbia (1983), Espanha (1963),
França (1969), Índia (2007), Itália (1974), Portugal (1981), Reino Unido (2017) e Venezuela (1990).
Enquanto isso, a Argentina mantém acordos de coprodução cinematográfica bilateral com mais
doze países, além do Brasil. São eles: Colômbia (1964), Canadá (1988), Espanha (1992), Chile
(1994), Israel (2014), México (1996), Venezuela (1998), Uruguai (1999), Marrocos (2000), Itália
(2006), França (2006) e Alemanha (2010).
Além desses tratados, o Brasil e a Argentina são signatários dos seguintes acordos multilaterais:
1) Convênio de integração cinematográfica ibero-americana; 2) Acordo de criação do mercado
comum cinematográfico latino-americano; e 3) Acordo latino-americano de coprodução
cinematográfica (BRASIL, 1998).
Em 11 de novembro de 1989, em Caracas, capital da Venezuela, o Acordo Latino-Americano de
Coprodução Cinematográfica7foi promulgado e assinado por representantes de onze países latino-
americanos, membros do Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-americana, a saber:
Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República
Dominicana e Venezuela. Posteriormente, mais quatro países aderiram ao acordo: Costa Rica,
Espanha, Uruguai e Paraguai. Representando o Brasil, estava o embaixador brasileiro em Caracas,
Renato Prado Guimarães. Já da Argentina, presenciava a reunião o presidente do então Instituto
Nacional de Cinematografia, Octavio Getino, cineasta, professor e pesquisador do mercado e das
políticas audiovisuais da Ibero-América, autor de muitas referências citadas nessa pesquisa de
doutorado.
Naquela mesma reunião do dia 11 de novembro de 1989 em Caracas, foi assinado também o
Acordo para a Criação do Mercado Comum Cinematográfico, entre aqueles mesmo onze países. O
objetivo foi criar um sistema multilateral de participação dos espaços nacionais de exibição
cinematográfica, a fim de “ampliar as possibilidades de mercado e de preservar os laços de unidade
cultural entre os povos ibero-americanos e do Caribe” (1989). Esse sistema beneficiaria obras
cinematográficas certificadas como nacionais pelos Estados signatários do tal acordo. Conforme o
Artigo IV, cada país membro teria direito a que quatro longas-metragens nacionais concorressem
anualmente nos mercados nacionais dos demais países do Mercado Comum Cinematográfico Latino-
americano, não excluindo as coproduções oficiais realizadas a partir dos acordos bilaterais de
coprodução cinematográfica. No entanto, no período de 2009 a 2015, não havia registros da
aplicabilidade de tal acordo.
Por conta da maior abrangência de países envolvidos no acordo latino-americano com relação
aos acordos bilaterais, muitos produtores preferem utilizar o tratado multilateral ao invés dos
bilaterais. Essa preferência também pode ser explicada pela maior flexibilidade do acordo
multilateral com relação aos termos de muitos acordos bilaterais, no que diz respeito à participação
de cada um dos coprodutores.
A responsável pela execução do Acordo Latino-americano de Coprodução Cinematográfica e de
vários outros acordos referentes à atividade cinematográfica e audiovisual da região é a Secretaria
Executiva da Cinematografia Ibero-americana (SECI), que tem ainda como atribuição examinar
dúvidas referentes à sua aplicação, ser intermediária em casos de controvérsias e receber
solicitações de modificações das cláusulas desses acordos; sendo que estas devem ser consideradas
pela Conferência de Autoridades Cinematográficas de lbero América (CACI). Um ponto a ser
ressaltado é o papel que o Brasil assumiu na CACI a partir de 2011, quando o então diretor-
presidente da Ancine, Manoel Rangel Neto, foi eleito Secretário Executivo da Conferência. O
mandato nesse organismo internacional é de dois anos, no entanto, Manoel Rangel foi reeleito em
dois períodos sucessivos, mantendo-se no cargo durante seis anos. Com essa posição brasileira, é
reforçado o estímulo às coproduções cinematográficas no período. Na ocasião da saída de Rangel
como Autoridade Cinematográfica do Brasil, em maio de 2017, após 12 anos à frente da Ancine, foi
realizada nova eleição para Secretário Executivo da CACI, sendo eleita a Diretora Nacional da
Cinematografia da Colômbia, Adelfa Martínez, para o mandato de dois anos, de 2017 a 2019.
Em 2006, o Acordo Latino-Americano de Coprodução Cinematográfica passa por alterações,
inclusive no seu regulamento interno. Em 2016, no lugar do anterior latino-americano, entra em
vigor o Acordo Ibero-Americano de Coprodução Cinematográfica (Aicoci), com alguns ajustes e
desenvolvimentos das disposições do acordo de 1989.
Entre outras novidades, o novo acordo se posiciona a respeito de um antigo problema referente
ao tema dos direitos de propriedade. De acordo com as novas medidas regulatórias, os contratos
devem adicionar três novas cláusulas quanto: a) às participações dos coprodutores em gastos
excedentes e menores, que como regra geral inicial serão proporcionais às contribuições que
tenham feito; b) às medidas a serem tomadas em caso de descumprimento de compromissos por
parte de coprodutores ou em caso que as autoridades cinematográficas competentes dos países
coprodutores rejeitem a concessão dos benefícios solicitados; e por último, c) a divisão proporcional
dos direitos de propriedade do autor referente às contribuições dos coprodutores (CACI, 20178).
Isso simboliza uma resposta a demandas dos produtores como também a críticas apontadas por
autores como González (2012), que denunciava que nas coproduções entre cineastas da Espanha e
da Latinoamérica:
A participação espanhola nas coproduções latino-americanas é atrativa para os produtores da região
porque representa uma entrada potencial ao mercado europeu. Também é atrativa para os produtores
espanhóis – a metade das coproduções espanholas se realiza com algum país latino-americano (a
grande maioria com a Argentina) –: o sócio espanhol, com uma participação que frequentemente seja
minoritária, frequentemente reserva-lhe os direitos sobre o mercado espanhol e europeu, enquanto
que o/os sócio/os latino-americano(s) frequentemente veem muito pouco proveito dos dividendos de
tal mercado. A mesma relação desigual frequentemente dar-se entre um país com o setor
cinematográfico mais importante – como Argentina, Brasil ou México – e um país de menor
desenvolvimento relativo – Paraguai, Bolívia ou Equador (GONZÁLEZ, 2012, p. 101, tradução nossa).

De uma perspectiva conjuntural, ao analisar o novo esquema regulatório das coproduções na


Ibero-américa, podemos perceber a materialização tanto do avanço das coproduções
cinematográficas na região, quanto da política ibero-americana de apoio às coproduções nessas
primeiras décadas do século XXI. As mudanças na regulação do novo acordo sinalizam o avanço das
discussões e das decisões políticas. São novas regras que sistematizam um conjunto de
reivindicações dos produtores audiovisuais da região, bem como apresentam medidas que protegem
interesses de coprodutores minoritários e majoritários, garantindo assim relações de poder menos
desiguais, mais segurança na fruição do processo de produção, possibilitando menores riscos de
possíveis casos de litígio internacional e de desavenças por falta de clareza contratual.

As autarquias da atividade cinematográfica no Brasil e na Argentina

No Brasil, a autoridade governamental responsável pela atividade cinematográfica é a Agência


Nacional do Cinema, a Ancine, que é um órgão oficial federal que tem como atribuições o fomento,
a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no país. Entre outras funções,
cabe à agência “executar a política nacional de fomento ao cinema”, definida pelo Conselho
Superior de Cinema, órgão colegiado integrante da estrutura da Casa Civil da Presidência da
República.
Todas as competências da Ancine são discriminadas no artigo 7º da Medida Provisória 2228-1.
No que diz respeito às coproduções, a agência tem a competência de aprovar e controlar a
execução de projetos de coprodução a serem realizados com recursos públicos e incentivos fiscais.
Na Argentina, o Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales , o Incaa, é a autoridade
governamental competente para tratar do setor audiovisual e cinematográfico no seu território
nacional. O órgão funciona como ente autárquico público não estatal no âmbito da Secretaria de
Cultura e Meios de Comunicação da Presidência da Nação.
Quanto às suas legislações específicas, a atividade cinematográfica no Brasil é regida pela Lei
8685/1993, a chamada Lei do Audiovisual. Enquanto na Argentina, o setor é regido pela Lei de
Fomento e Regulação da Atividade Cinematográfica 24.377.

O papel do Programa Ibermedia

Outro mecanismo de fundamental importância para a cinematografia na região é o Programa de


Desenvolvimento Audiovisual em Apoio à Construção do Espaço Visual Ibero-americano
(Ibermedia), que faz parte da política audiovisual da Conferência de Autoridades Cinematográficas
Ibero-americanas (CACI). O programa foi aprovado como um fundo financeiro multilateral de
fomento da atividade cinematográfica, na VII Cimeira Ibero-americana de Chefes de Estado e de
Governo, celebrada também na Venezuela, na ilha de Margarita, nos dias 8 e 9 de novembro de
1997.
O Brasil e a Argentina estão entre os 18 financiadores do Fundo Ibero-americano de Apoio
(Ibermedia), um programa de estímulo à promoção e à distribuição de filmes Ibero-americanos.
Cada país deve contribuir com no mínimo US$100 mil anuais. A Espanha, país-sede, é o maior
investidor, com US$3 milhões por ano. O Brasil é o segundo maior financiador, colaborando com
US$600 mil anuais. Já a Argentina está em quinto lugar, aportando US$400 mil por ano
(ZAMBRANO, 2012, em entrevista à pesquisadora). Há ainda outros 17 países membros que
financiam o programa através de cotas anuais, são eles: Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile,
Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana,
Uruguai e Venezuela. Significativo ressaltar que esses dados são de 2012; não conseguimos
informações se o volume de investimento no programa foi alterado.
O comitê intergovernamental do fundo promove quatro programas de apoio, um deles é o de
apoio à coprodução de filmes Ibero-americanos. De 2009 a 2015, o fundo ajudou a financiar 339
projetos de coproduções da região, beneficiando principalmente cineastas iniciantes na dinâmica da
coprodução internacional. Desde 1998, quando o Ibermedia foi criado, até 2015, o programa
realizou 23 convocatórias e ajudou 736 projetos de coprodução ibero-americanos, contribuindo
também com apoio à exibição dos filmes e com a formação de cineastas, oferecendo bolsas de
estudo para profissionais de todos os países da comunidade.
Entre os projetos financiados pelo programa Ibermedia no período de 2009 a 2015, pelo menos
nove são coproduções brasileiro-argentinas. São elas: Histórias que só existem quando lembradas
(20099, 201210), uma coprodução entre Brasil, Argentina e França, dirigido por Julia Murat; A sorte
em suas mãos (2011, 2012), entre Argentina, Brasil e Espanha, dirigida por Daniel Burman; Infância
clandestina (2011, 2012), entre Brasil, Argentina e Espanha, dirigida por Benjamin Ávila; A
memória que me contam (2011, 2013), entre Brasil, Chile e Argentina, dirigida por Lúcia Murat;
Mate-me por favor (2012, 2016), entre Brasil e Argentina, dirigida por Anita Rocha da Silveira;
Habi, a estrangeira (2012, 2013), uma coprodução entre Brasil e Argentina, dirigida por Maria
Florencia Alvarez; O mistério da felicidade (2011, 201411), entre Brasil e Argentina, dirigida por
Daniel Burman; Zama (2014, 201712), filme realizado entre Argentina, Brasil e Espanha, quarto
longa de ficção de Lucrécia Martel, que é uma das cineastas latino-americanas mais reconhecidas
internacionalmente; e Sueño Florianópolis (2015, 2017)13, uma coprodução entre Brasil e
Argentina, dirigida pela argentina Ana Katz.
Analisando por outro prisma, verificamos que do total de coproduções brasileiro-argentinas
lançadas no Brasil no período de 2009 a 2015, 57% receberam financiamento do Ibermedia, a
saber: A festa da menina morta (200614, 2009), filme dirigido por Matheus Nachtergaele e
coproduzido por Brasil, Portugal e Argentina; Olhos azuis (2010), de José Joffily, entre Brasil e
Argentina; Violeta foi para o céu(2010, 2012), do diretor chileno Andrés Wood, realizado entre
Brasil, Chile e Argentina; além dos citados anteriormente: Infância Clandestina (2011, 2012);
Histórias que só existem quando lembradas (2009, 2012); Habi, a estrangeira (2012, 2013); A sorte
em suas mãos (2011, 2013); e A memória que me contam(2011, 2013).
O apoio a esses projetos de coprodução representa a concretização do Acordo de Coprodução
Cinematográfica celebrado entre os dois países em 1988 e ainda do Acordo de Cooperação entre a
Ancine e o Incaa, assinado em dezembro de 2010.

Conclusão

Entre as principais ideias e resultados desta pesquisa, ao investigarmos sobre as coproduções


cinematográficas internacionais no Brasil e na Argentina, e a respectiva relação com os mecanismos
governamentais, intergovernamentais e não governamentais de incentivo às coproduções
envolvendo os dois países, é de primeira ordem destacar: para alguns países latino-americanos, que
antes não realizavam filmes ou não tinham tradição cinematográfica, as coproduções internacionais
ganham cada vez mais força como sinônimas de produções. Coproduzir virou o mesmo que produzir.
Sem acesso a fontes locais, alguns países só passam a produzir filmes de longa-metragem, a existir
cinematograficamente, após a chegada das coproduções internacionais, apoiadas por fundos,
programas e protocolos latino-americanos ou ibero-americanos.
Nesse sentido, as coproduções na Latinoamérica são muito mais importantes para países como
Paraguai, Equador, Peru e Bolívia, do que para os países de maior realização cinematográfica na
região: México, Argentina e Brasil. Por outro lado, enquanto a coproduciografia da Argentina existe,
de certo modo mais independente de acordos bilaterais e fontes de financiamentos regionais, para
as coproduciografias do Brasil e de outros países da Latinoamérica com menor tradição
cinematográfica numa dimensão internacional, as políticas de integração regional e os mecanismos
públicos de incentivo às coproduções têm assumido extrema relevância para o surgimento de novas
cinematografias, embora o Brasil figure como o segundo maior produtor audiovisual da
Latinoamérica. Dessa maneira, as coproduções apresentam-se como um mecanismo de
materialização audiovisual da diversidade cultural e de crucial importância para os produtores
independentes desses países.
Entre o Estado brasileiro e o argentino, a intenção de reforçar os laços cinematográficos latino-
americanos e, mais especificamente, brasileiro-argentinos, materializa-se a partir de 1990, com a
entrada em vigor do Acordo Bilateral de Coprodução Cinematográfica entre as Repúblicas do Brasil
e da Argentina. Vinte anos depois, esse empenho ganha maior relevância, quando a Agência
Nacional do Cinema (Ancine) e o Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (Incaa) assinam
em 2010 o Protocolo de Coprodução Cinematográfica e, no ano seguinte, publicam o primeiro edital
de coprodução cinematográfica brasileiro-argentino, garantindo a partir de então o apoio financeiro
a quatro longas-metragens realizados em parceria entre cineastas dos dois países, a cada ano. Tal
mecanismo resume-se como um recurso essencial para vinte novos projetos de filmes apoiados no
período de 2011 a 2015, contribuindo, a esse modo, para alavancar interesses mútuos entre
produtores da região. Ocorreu que, mesmo em projetos que só se candidataram e não foram
beneficiados com esse mecanismo de apoio, muitos de seus produtores avançaram com as
negociações e buscaram outras fontes de recursos. E, assim, os editais de coprodução Ancine-Incaa
acabam por beneficiar indiretamente outras obras além das quatro contempladas com o concurso
anual.
Nos processos de regulamentar e incentivar as coproduções internacionais através de
normativas, acordos, protocolos bilaterais e multilaterais, editais de fomento direto e do fundo
Ibermedia, as autoridades governamentais do Brasil e da Argentina, embora com muitos
mecanismos convergentes, têm desempenhado diferentes papéis na integração da atividade
cinematográfica entre os dois países. Uma das diferenças mais citadas entre os cineastas foi o
prolongamento do tempo de conclusão de um filme por conta da burocracia, referindo-se às
instituições brasileiras, e a maior fluidez no processo de aprovação e reconhecimento de
nacionalidade da obra, no caso da política audiovisual adotada na Argentina.
Quanto ao Programa Ibermedia, as entrevistas nos ajudaram a perceber alguns detalhes antes
não reconhecidos como também a confirmar alguns pressupostos apontados no início da pesquisa. A
criação do Ibermedia simboliza um marco para o modelo da coprodução cinematográfica entre a
Europa e a América Latina. Como podemos observar, no período analisado (2009 a 2015), o
programa possibilitou a garantia da realização de filmes nos países integrantes do fundo, sobretudo
ganhando salutar importância para os países onde não havia uma tradição de produção
cinematográfica. De modo que, embora possam ser identificadas algumas críticas ao programa, o
Ibermedia constrói uma trajetória fundamental de democracia audiovisual na Ibero-América. Um
possível amortecimento do financiamento e dos objetivos do programa poderia significar um grande
prejuízo para a diversidade cultural e cinematográfica na região.

Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 2761, de 27 de agosto de 1998. Promulga o Acordo Latino-Americano de


Coprodução Cinematográfica, assinado em Caracas, em 11 de novembro de 1989. Poder Executivo.
Brasília, DF, 1998. Disponível em: http://www.ANCINE.gov.br/media/acordo_latino_americano_co-
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______. Lei nº 24.507 . Acordo de coprodução cinematográfica entre a República Argentina e a


República Federativa do Brasil. Brasília, 05 de jul. 1995.

BOLAÑO, César. Indústria Cultural, informação e capitalismo . São Paulo: Hucitec/Polis, 2000.

GONZÁLEZ, Roque. Cine latino-americano. Entre las pantallas de plata y las pantallas digitales.
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GUBACK, Thomas. La industria internacional del cine. Madrid, Editorial Fundamentos, 1980.

WASKO, Janet. How Hollywood works. Londres: Sage, 2003.

_____. The Political Economy of Film. In: MILLER, Toby; STAM Robert (Editores). A Companion to
Film Theory . Malden (EUA): Blackwell Publishing Ltd, 2004.

Referência de entrevista

ZAMBRANO, Luiz. Luiz Zambrano: entrevista [Brasília, set. 2011]. Entrevistadora: Flávia Rocha. In:
ROCHA, F.P. Coprodução cinematográfica internacional e a política audiovisual brasileira (1995-
2010) (Dissertação de Mestrado, Brasília: Universidade de Brasília, 2012). Disponível em:
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11582/1/2012_FlaviaPereiradaRocha.pdf .

Notas

[1] Traduzimos como “A Economia Política do Cinema”.

[2] Thomas Guback é professor emérito de Comunicação da Universidade de Illinois, universidade


pública dos Estados Unidos.

[3] Título original do ensaio de Thomas Guback: Are We Looking at the Right Things in Film?.

[4] “Guback’s main point was that film studies typically neglected the analysis of cinema as an
economic institution and as a medium of communication” (WASKO, 2004, p. 221, texto original)

[5] “At the time, this approach was distinctly identifield in communication scholarship, but was
much less common within film studies. While some things have changed in film/media studies over
the course of the last 40 yers, it might be argued that some of Guback's concerns are still quite
valid” (WASKO, 2016, p. 62, texto original).

[6] Informação a partir de texto no site da ANCINE. Disponível em: http://oca.ancine.gov.br/sobre-o-


oca . Acesso em: 23 nov. 2016.

[7] No Brasil, o referido acordo entrou em vigor em 1998.

[8] Disponível em: http://caci-iberoamerica.org/entra-en-vigor-el-acuerdo-iberoamericano-de-


coproduccion-cinematografica-aicoci-a-partir-del-15-de-septiembre/ . Acesso em: 04 mai. 2017.

[9] Ano de recebimento do financiamento pelo Ibermedia.

[10] Ano de estreia do filme nas salas de exibição no Brasil.


[11] Ano de lançamento da obra nas salas comerciais da Argentina. Esse filme não consta na lista de
coproduções internacionais com nacionalidade brasileira lançadas até 2016, segundo a Ancine
(2016).

[12] 2017 é o ano previsto para o lançamento de Zama nas salas comerciais, porém, até o
fechamento dessa pesquisa, o filme ainda não havia estreado.

[13] Apenas uma referência citava 2017 como o ano previsto para o lançamento de Sueño
Florianópolis nas salas comerciais. No entanto, até o fechamento dessa pesquisa, o filme ainda não
havia sido lançado.

[14] Como na metodologia usada anteriormente, aqui as referências desse e dos filmes a seguir
estão identificadas da seguinte maneira: primeiro o ano da convocatória do Ibermedia pelo qual o
projeto foi contemplado; e, em seguida, o ano do lançamento da obra nas salas brasileiras, cuja data
às vezes não coincide com o ano de estreia na Argentina.
PARTE 2
INDÚSTRIAS MIDIÁTICAS
A presença negra na televisão. Um olhar para TV Brasil.

Natália Oliveira Teles da Silva

Historicamente, a televisão se consolidou como um meio de comunicação importante no país,


com grande adesão e aceitação popular (MACHADO, 2000). Ao longo dos anos, a TV foi capaz de
despertar a atenção do espectador, ao oferecer experiências audiovisuais, ideias, valores e
perspectivas da realidade de forma eficaz e envolvente. Com o advento e o avanço de novas
tecnologias e, consequentemente, de novos meios de comunicação, sobretudo da internet, as opções
de entretenimento, informação e comunicação se diversificaram, fazendo frente à televisão.
Entretanto, apesar do cenário midiático mais complexo do que aquele da segunda metade do século
XX, a televisão ainda se mantém como um importante meio de comunicação no país.
A Pesquisa Brasileira de Mídia 20151, divulgada pela Secretaria de Comunicação da Presidência
da República (Secom), apontou a televisão como o meio de comunicação mais utilizado pelos
entrevistados, apesar da adesão crescente do brasileiro à internet. A pesquisa ainda aponta que
79% das pessoas assistem à televisão, principalmente, para se informar; e 67% assistem como
diversão e entretenimento (SECOM, 2015). Outro dado interessante aponta que, entre os
pesquisados, 11% declararam ter este meio de comunicação como uma companhia.
A TV ocupa um papel marcante no cenário midiático nacional, com reflexos no contexto social,
sobretudo ao considerarmos seu alcance e capacidade de influência. Ao estabelecer um fluxo de
informação ou comunicação com diferentes públicos, a televisão constrói e reproduz diferentes
discursos sem neutralidade. Portanto, é um meio com potencial de persuadir e influenciar o
comportamento dos telespectadores, propagando ou reforçando modelos e perspectivas que
ultrapassam a tela e chegam ao contexto social.
Nesse cenário, a televisão tem desempenhado o papel de cúmplice e propagador da ideologia do
branqueamento e do mito da democracia racial, seja pela pouca representatividade, estereótipo ou
mesmo pela invisibilidade do negro e da cultura afrodescendente, como comenta Araújo (2000).
De acordo com Roberto Da Matta, na obra “O que faz do Brasil, Brasil?” (2001), o mito da
democracia racial baseia-se na noção de que o povo brasileiro é constituído igualmente da
miscigenação entre brancos, negros e indígenas, o que tornaria o país livre do racismo, já que todos
seriam iguais. Da Matta (2001) argumenta que o mito da democracia racial silencia os conflitos
existentes nos processos sócio-históricos aos quais negros e indígenas foram submetidos, encarando
a miscigenação de forma acrítica e descontextualizada e desencorajando o debate sobre questões
raciais no país.
Uma questão que também é crítica, neste contexto, é o fato de que poucas famílias2detêm o
comando da maioria dos meios de comunicação no Brasil, e aqui são incluídas as emissoras de
televisão aberta, o que contrasta com a amplitude territorial, pluralidade e diversidade étnico-racial
no país. Como coloca Silvia Almada (2012, p. 26), ao tratar de mídia e racismo:
Embora sejam concessões públicas, os meios de comunicação no Brasil são administrados como bens
patrimoniais de natureza familiar. São gerenciados por elites descendentes dos grupos sociais que, no
passado histórico do país, sempre gozaram de privilégios (inclusive o de formular e legitimar
enunciados sobre o Outro e de difundi-los nos espaços de afirmação dos discursos sociais, a literatura
científica e ficcional, entre eles) e que perpetuam, agora, através de aparatos tecnológicos cada vez
mais sofisticados, mitos e estereótipos ainda fortemente presentes no imaginário coletivo.

Essa lógica permeia a produção audiovisual que é produzida e veiculada na televisão aberta e é
naturalizada tanto pelas emissoras, quanto pelo público, sem maiores discussões. Daí a importância
de trazer luz às questões relacionadas à presença negra na mídia, para discussão da questão étnico-
racial.
No Brasil, o racismo tem raízes sociais e históricas e se constitui de forma estrutural, presente
na forma como a sociedade se encontra organizada e nos valores e ideias compartilhadas
socialmente. Em tal estrutura, os lugares que cada indivíduo ou grupo ocupam apresentam bases
históricas. Entretanto, como apontam os pesquisadores Paulo Vinícius Baptista da Silva e Fúlvia
Rosenberg (2008), as desigualdades sociais entre brancos e negros não podem ser atribuídas
exclusivamente a ações do passado escravagista:

As diferenças de oportunidades de ascensão social, e o racismo dirigido aos negros, são operantes,
para manter, e, em casos específicos, acentuar as desigualdades, num processo de ciclos de
desvantagens cumulativas dos negros. (SILVA; ROSENBERG, 2008, p.77).

Ao tratarmos de desigualdade, racismo e consequências negativas advindas da estrutura social


discriminatória, há o entendimento de que estas práticas não são fruto do acaso, mas resultam de
um longo processo histórico e social que alimenta a discriminação e o preconceito relacionados ao
negro e à cultura afrodescendente. Os reflexos desta realidade podem ser observados em diferentes
setores da sociedade, e os meios de comunicação não ficam imunes a esta dinâmica.
Nessa perspectiva, entendemos que há uma urgência em problematizar e incluir estas questões
no âmbito midiático, considerando a importância da pluralidade e da diversidade na TV pública.
Falar sobre desigualdade racial no Brasil não é fácil, seja no ambiente acadêmico, numa repartição
pública, em um salão de beleza, numa mesa de bar ou em um programa de auditório. Em maior ou
menor intensidade, este tema tem a capacidade de gerar reações e sentimentos distintos, como
identificação ou indiferença. Porém, normalmente o debate da questão negra gera desconforto, por
revelar facetas, em maior ou menor intensidade, do perverso racismo cotidiano.
O pesquisador e cineasta Joel Zito Araújo (2004) realizou um amplo mapeamento da presença
negra nas telenovelas em seu livro “A negação do Brasil – o negro na telenovela brasileira”. C om
base em uma pesquisa das telenovelas brasileiras no período de 1963 a 1997, Araújo (2004) traz um
panorama da história de atores e atrizes negras na televisão brasileira, e das representações dos
afrodescendentes nas telenovelas, baseado em aspectos históricos, econômicos e culturais, que
influenciam nos processos de formação da identidade negra brasileira.
As relações sociais e históricas do país – marcadas pela diversidade étnica e cultural,
atravessadas pelo mito da democracia racial, branqueamento e mestiçagem –, apresentam-se como
aspectos importantes para contextualização desta pesquisa. Da mesma forma, Araújo (2004) aborda
o impacto destas representações e lugares ocupados pelos negros na telenovela, tanto para
afirmação e autoestima dos afro-brasileiros, quanto para manutenção de estereótipos e folclorização
do negro na mídia.
A partir de um conjunto de informações levantadas pelo autor, dentre elas, que das 98 novelas
produzidas pela Rede Globo, apenas em 29 o número de negros conseguiu ultrapassar dez por cento
do total do elenco, o autor chega a algumas conclusões pouco animadoras. Revela que, apesar da
ascensão do negro na dramaturgia, nos anos 80 e 90, a “televisão ainda persistia com ideal de
branqueamento e como o desejo de euro-norte-americanização” (ARAÚJO, 2004, p. 305).
A diversidade cultural e racial brasileira não encontra correspondência nas televisões
comerciais; é reduzida a um retrato majoritariamente branco, a despeito das lutas por diversidade
de diferentes segmentos da sociedade.

Telenovela, ao não dar visibilidade a composição racial do país, compactua conservadoramente com a
tendência que ainda permanece em uma parcela dos afrodescendentes, produtos do ideal do
branqueamento que buscam uma identificação com a parcela branca da sociedade, e pratica uma
verdadeira negação da diversidade racial do Brasil (ARAUJO, 2004, p. 306).

A pesquisadora Luciene Cecilia Barbosa (2008) ao dissertar sobre as representações e relações


raciais nas telenovelas brasileiras exibidas no Brasil e Angola, aponta que a construção ideológica
do branco europeu, como padrão estético e cultural de humanidade, é de tal forma concebido e
assimilado que mesmo com a evidente homogeneização dos meios de comunicação, sobretudo na
televisão, esta estética acaba sendo assimilada como o padrão. “O fato de os brancos estarem
presentes de forma desigual quantitativamente nas mídias sequer causa questionamento, já que é
este o modelo considerado natural” (BARBOSA, 2008, p. 63).
Ao tratar desta questão, sobretudo a partir do padrão estético considerado normal na televisão, a
autora traz à luz a importância de se discutir e problematizar a questão da branquitude3 na mídia.
Esta abordagem possibilita uma análise crítica da construção da identidade de brancos e negros e
da forma como a mídia acaba por reforçar e replicar a ideia de que a estética branca, bem como o
conjunto de elementos culturais relacionados a este grupo, são melhores ou superiores aos demais,
e tomados como modelo ou padrão em detrimento de outra raça/etnia não-branca.

A difusão e solidificação desse pensamento serviram como garantia de privilégios, poder e dominação.
As pesquisas sob este enfoque “quebram” o pacto do silêncio e problematizam a posição do branco
nas discussões das relações raciais (BARBOSA, 2008, p. 102).

Diante dessa realidade, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento têm se debruçado


sobre esta questão, buscando verificar e analisar como são construídas as representações do negro
e da cultura negra em diferentes meios de comunicação. Estes trabalhos buscam elucidar a
presença negra na mídia, por meio de levantamentos quantitativos, qualitativos, históricos, dentre
outros, com o objetivo de dar visibilidade a esta questão, a partir de uma perspectiva crítica,
respaldada em critérios científicos.
Ao tratarmos de presença negra na mídia, é importante também destacar o papel da publicidade
neste cenário. Inteirado da importância deste tema, o pesquisador Carlos Augusto de Miranda e
Martins (2009) desenvolveu sua dissertação sobre o negro e a publicidade no Brasil, de 1985 a
2005. O pesquisador realiza um levantamento sobre as desigualdades sociais entre brancos e
negros, a partir de estudos realizados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas ( IPEA), os
quais levam o autor à conclusão de que, apesar de não haver no país uma política positivada de
apartheid , o segmento negro da população sofre severas restrições no que tange ao acesso a bens
materiais e serviços públicos. Contudo, para além dos aspectos materiais, o autor entende que as
desigualdades e as formas de discriminação também se estendem aos meios de comunicação, sendo
repetidas por meio de relações de dominação, opressão e violência simbólica.
As dificuldades da população negra não se restringem ao âmbito material, repercutindo também no
“mercado” de bens simbólicos. Ou seja, todos os lugares de representação simbólica, como espaços
públicos, livros didáticos, produções artísticas e, em especial, os meios de comunicação, acabam por
reproduzir a segregação presente nos demais setores da sociedade (MARTINS, 2009, p. 13).

Ao colocar a publicidade no foco de análise, o autor trabalha com a hipótese de que, apesar de
toda luta contra o racismo, por diferentes segmentos da sociedade, inclusive o movimento negro, na
mídia e, especificamente na publicidade, a imagem do negro ainda estaria relacionada a
estereótipos forjados no século XIX. Desta forma, para Martins (2009), a publicidade não é
compreendida apenas no âmbito econômico do consumo, mas também representa “um dos mais
eficientes vetores de discursos e mensagens simbólicas” (MARTINS, 2009, p.13).
Dentre as considerações feitas a partir da pesquisa, o autor assinala que houve mudanças no
decorrer dos anos na forma como o negro é representado na publicidade, com a diminuição do
número de representações vinculadas a estereótipos e aumento do número de anúncios em que o
negro aparece de forma neutra (MARTINS, 2009). Ora, se por um lado estas informações podem ser
interpretadas como algo positivo, para Martins (2009) “não se trata então de pensar somente nos
papéis sociais do negro, mas sim ter em perspectiva os papéis sociais do negro em relação aos
papéis dos brancos” (MARTINS, 2009, p. 103).
A questão aqui levantada diz respeito ao fato de a valorização e naturalização da estética e
cultura branca na mídia ser assimilada como normal ou padrão, e não como uma forma de
afirmação deste grupo em relação aos demais grupos étnico/raciais. Desta forma, a neutralização do
negro na publicidade pode não ser eficiente no combate ao racismo, pois o padrão vigente acaba
por ser valorizado e visibilizado com muito mais frequência.
Uma vez que a estereotipação/invisibilização do negro é constante nos espaços de representação
simbólica, os discursos sociais acabam “disciplinados” de tal forma que ambos os grupos são
incapazes de perceber a si próprios de maneira diferente à comumente apresentada. Torna-se então
natural que os brancos figurem em posições de prestígio e negros apareçam em posições
subalternizadas, e a desigualdade passa a ser vista como algo inato, normal, e não como uma faceta
conflitiva da sociedade que precisa ser pensada. A publicidade e mídia como um todo atuariam,
portanto, negativamente no que concerne à autoestima e à identidade da parcela negra da população,
dificultando a formação de um modelo identitário que permita ao grupo negro pensar sua inserção na
estrutura social brasileira em pé de igualdade com o grupo branco (MARTINS, 2009, p. 109).

Nesse contexto, o trabalho de Martins (2009) traz uma importante reflexão sobre a forma como a
mídia funciona como mediadora de valores compartilhados socialmente. Portanto, não se trata de
pensar na mídia em seus diferentes segmentos apenas como replicadora do racismo, mas
problematizá-la como parte de uma estrutura de manutenção de interesses e privilégios que são
obstáculos à pluralidade e diversidade.
Sobre relações de poder, Muniz Sodré (1998) aponta para o papel das elites, sobretudo as que
detêm ou integram os meios de comunicação, chamadas elites logotécnicas4, na disseminação de
ideias racistas. O autor entende que, por meio do discurso midiático, as elites tradicionais
logotécnicas disseminaram, ao longo de décadas, ideias permeadas de racismo e discriminação, de
forma eficiente e eficaz. Ele aponta as características deste pensamento.
Em primeiro lugar, ele fala da negação, ou seja, a mídia tende a negar a existência do racismo e a
considerar “anacrônica” a questão racial, deixando de perceber suas mudanças ao decorrer do
tempo e contexto, o que contribui para a reprodução de fenômenos em bases mais extensas. Em
seguida, discute a questão do recalcamento, que aqui está relacionado a não dar visibilidade na
mídia, em seus diferentes segmentos, às manifestações simbólicas de origem negra, à importância
das relações inter-raciais na formação de diferentes manifestações culturais, como por exemplo, na
música considerada popular brasileira. O silenciamento com relação aos homens e mulheres negras
importantes da História, das Artes, da Literatura, assim como a história do negro no Brasil ou nas
Américas. Cita a estigmatização, que diz respeito à distinção que é feita entre a realidade social e
àquela que é atribuída ao outro, e como nessa relação que se originam as formas de discriminação,
alimentando estereótipos, ao longo do tempo, por uma tradição de preconceito e rejeição. Por fim,
Sodré (1998) fala da indiferença profissional, e aqui é interessante trazer a literalidade do
pensamento do autor, pois traz características importantes, que diferenciam uma instituição cuja
finalidade é comercial, quando comparada a uma instituição pública:
A mídia organiza-se empresarialmente, com motivações de lucro e poder semelhantes às de outras
iniciativas industriais. Diferentemente da imprensa tradicional, que podia bater-se por causas públicas
ou políticas, a mídia contemporânea pauta-se pelos ditames do comércio e da publicidade, pouco
interessados em questões como a discriminação do negro ou de minorias. Os profissionais midiáticos
acabam dessensibilizando-se com problemas dessa ordem. Por outro lado, é reduzida a presença de
negros nas fileiras profissionais da mídia brasileira. Quando indivíduos de pele escura conseguem
empregar-se em redações de jornais ou em estações de televisão, mesmo que possam eventualmente
ocupar uma função importante, são destinados a tarefas ditas “de cozinha”, isto é, aquelas que se
desempenham nos bastidores do serviço, longe da visibilidade pública. (SODRÉ, 1998, p. 24).

Diante de tal quadro, é inevitável pensar que, de forma geral, a mídia, e mais especificamente a
televisão, potencializa determinados comportamentos ou ideias e encobre ou desconstrói outros, em
função de interesses de um grupo, sobretudo quando consideramos as TVs comerciais. Sodré
(2015), ao tratar do discurso da grande mídia, aponta que a imprensa desenvolveu-se no país como
“um bem patrimonial e os sujeitos econômicos da indústria da informação são predominantemente
famílias” (SODRÉ, 2015, p. 277).
Dessa forma, à medida que meios de comunicação, como a televisão, são gerenciados como bem
particular cuja finalidade central é comercial, a ideia de interesse público se perde ou é distorcida e
o cidadão torna-se apenas um consumidor.

EBC e TV Brasil: a presença negra na emissora

Após a promulgação da Constituição Federal, em 1988, as ações do Estado em termos de


políticas públicas relacionadas ao fortalecimento das mídias públicas e da regulamentação da
radiodifusão pública foram negligenciadas. As TVs públicas enfrentavam problemas de
infraestrutura e defasagem tecnológica, dificuldades de financiamento e ausência de legislações
claras. Em contrapartida, o segmento comercial se beneficiava desse contexto e seguia cada vez
mais fortalecido.
Depois de décadas, o Governo Federal, por meio do Ministério da Cultura, deu início a um amplo
debate com associações e entidades do campo público para levantar informações relacionadas à
situação das televisões públicas no país, fomentando propostas para o fortalecimento do sistema
público de comunicação. Esse movimento do governo em direção a essas discussões ocorreu após a
criação, em âmbito nacional, do novo modelo de transmissão digital, que instituía o Sistema
Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T), normatizado pelo Decreto no. 5.820/2006.
Em 2006, o Ministério da Cultura convocou o “I Fórum Nacional de TVs Públicas”, em Brasília. O
encontro contou com representantes do governo, além de emissoras do campo público e de
entidades da sociedade civil ligadas à radiodifusão pública. O fórum proporcionou o debate em
torno de políticas de comunicação pública novas e vigentes à época, levantando propostas que
visavam ao fortalecimento da infraestrutura, programação, financiamento, gestão e a migração da
TV Pública para o modelo digital.
Como resultado dos debates, foi elaborado um documento intitulado de “Carta Brasília”, no qual
foram registradas as principais propostas referentes às novas diretrizes e estrutura do novo sistema
de comunicação pública.
A carta defendeu uma TV pública editorialmente independente de mercado e governos, que estimule a
formação crítica do cidadão, e valorização da produção independente e regionalizada, expressando a
diversidade de gênero, étnico-racial, de orientação sexual, regional e social do Brasil (VALENTE,
2009, p. 122).

A Carta Brasília e as discussões que vinham acontecendo em torno da criação de uma nova
televisão pública, principalmente após a realização do fórum, subsidiaram as ações do governo
referentes a novas propostas políticas de comunicação. Este debate culminou, pouco tempo depois,
na criação da EBC e da TV Brasil.
Em 10 de outubro 2007, o Governo Federal apresentou a MP n. 398, que estabelecia novos
princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou
outorgados a entidades de sua administração indireta, bem como a instituição da EBC. De acordo
com a MP, a EBC teria a finalidade de prestar serviços e fortalecer a área de radiodifusão pública, e
gerenciaria a nova emissora pública de televisão. A MP foi posteriormente convertida na Lei n.
11.652, de sete de abril de 2008.
A proposta de criação da EBC/TV Brasil representava um grande avanço para o fortalecimento
do campo público de comunicação, sobretudo, no que diz respeito à representatividade e ao
fortalecimento democrático do país. Como elemento central do novo projeto, a TV Brasil foi ao ar
pela primeira vez em sete de Dezembro de 2007, com intuito de diversificar e pluralizar o cenário
televisivo do país em resposta a uma demanda social e cultural não atendida pela TV comercial. De
acordo com o site da emissora sua finalidade5 é “complementar e ampliar a oferta de conteúdos,
oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora da
cidadania”. A emissora dispõe de uma programação voltada para diferentes públicos-alvo e dispõe
de uma grade de programação variada, organizada em cinco categorias: informação, conhecimento,
esporte, arte e infantil.
A grade de programação é composta por produtos licenciados, produzidos por parcerias
institucionais, coproduções e conteúdos produzidos pela própria TV Brasil. São 24h de
programação, voltadas para diferentes temáticas, como educação, cidadania, meio ambiente,
cultura, ciência, entretenimento e telejornalismo.
A programação infantil 6 é apresentada como um dos principais carros chefes da TV Brasil, e
apresenta uma faixa de programação significativa na grade de programação das emissoras – a
maior, se comparada ao conteúdo infantil da TV aberta brasileira. De acordo com o relatório, esse
segmento da programação garantiu em 2015 os melhores e mais constantes índices de audiência
nas praças monitoradas.
A criação da EBC e da TV Brasil representou um importante passo na implementação do sistema
público de comunicação, previsto no Artigo 223 da Constituição Federal de 1988. Valente (2009)
também pontua que a criação da TV Brasil, visando à consolidação da rede pública de comunicação,
representou um enfrentamento à condição de complementaridade marginal que esse segmento
midiático historicamente ocupou.
Entretanto, Valente (2009) destaca que o modelo proposto para a TV pública ainda apresenta
problemas que impedem a consolidação do projeto. Dentre os principais problemas apontados pelo
pesquisador, destaca-se o modelo de financiamento, que cria uma dependência e fragilidade em
relação ao Executivo Federal; e o baixo alcance da emissora, o que dificulta o fortalecimento e
legitimação do projeto.
Sobre a programação da emissora, Valente (2009, p.192) aponta que a programação é uma
esfera fundamental para consolidação da TV pública, “pois é nela que deve se traduzir o projeto da
TV Brasil de modo não apenas a expressar os consensos mais equilibrados, ou até mais
democráticos e populares, produzidos no aparelho.
Isso denota uma importância central da programação para legitimação da emissora enquanto
mídia pública, sobretudo ao trazer maior diversidade na grade de programação, em comparação ao
modelo dominante de programação da TV aberta. Nesse contexto há também o desafio, como
salienta Valente (2009, p.192), de fazer um “ajuste fino entre a dimensão conservadora e aquela
inovadora que reside na equação complexa da grade da TV Brasil”.
A pesquisadora Ivonete da Silva Lopes (2015), ao apresentar um debate sobre programação da
TV pública, entende que esse segmento deve afastar-se de uma ideia de complementaridade que
desempenha um papel marginal ou secundário nos sistemas nacionais de comunicação. Nesse
sentido, é interessante refletir sobre a necessidade de se repensar a programação, observando
princípios como inovação, qualidade e criatividade, frente às demandas da sociedade por
informação e entretenimento, sem deixar a qualidade de lado. Lopes (2015, p. 50) afirma que, para
contribuir com uma programação de referência, a televisão pública “não precisa renunciar os
gêneros mais populares, mas pode fazê-los melhores, esquivando-se da construção de personagens
maniqueístas e mostrá-los na sua complexidade e contradições”.
Essa perspectiva permite a reflexão sobre as formas como grupos minoritários são
negligenciados ou sub-representados na programação de diferentes emissoras, sobretudo nos
comerciais, em virtude de interesses econômicos ou ideológicos. A TV pública, devido à sua própria
natureza, deve buscar diversificar e pluralizar sua programação, sem partir para estereótipos ou
simplificações.
Dentre os programas exibidos pela emissora alguns se destacaram por trazer a temática e o
protagonismo negro, como o programa “Nova África: um continente, um novo olhar”, que mistura a
linguagem documental com o tratamento jornalístico dos conteúdos para apresentar países
africanos, a fim de proporcionar ao telespectador uma visão diferenciada sobre o continente
africano e proximidades culturais entre esses países e o Brasil. Também se destacou o programa
“Mama África”, composto por uma série de documentários sobre o continente africano, onde são
abordados temas do cotidiano e especificidades da região. E também o programa “Nação”, que, no
formato de documentários, apresenta temas relacionados à história, à cultura e à diáspora africana,
com a finalidade de desfazer visões equivocadas, como por exemplo, a ideia de que o Estado do Rio
Grande do Sul não partilha de nenhuma herança cultural de matriz africana.
Em maio de 2011, foi ao ar pela primeira vez uma minissérie de teledramaturgia da TV Brasil,
“Natália”, que conta a história de uma jovem negra, moradora do subúrbio do Rio de Janeiro, e
retrata todo o processo de transformação na vida de protagonista desde o momento em que ela é
descoberta pelo mundo da moda. A série apresenta os contrastes socioeconômicos entre a periferia
e zona sul carioca, por meio de uma abordagem reflexiva, contemplando questões interessantes à
jovem, como sexualidade, religião, drogas, homossexualidade, racismo e dependência de álcool.
No segundo semestre de 2015, a emissora incluiu em sua grade de programação o desenho
animado “Guilhermina e Candelário”. De origem colombiana, o desenho mostra o cotidiano de uma
família negra, cuja protagonista, Guilhermina, vive uma série de aventuras com seus irmãos e
amigos. O desenho também conta com a presença do avô, que compartilha da sua sabedoria com as
crianças.
Além desses exemplos, outros programas de enfoques diferenciados também tratam de forma
esporádica temas relacionados a questões raciais ou à população negra, como, por exemplo, edições
especiais realizadas em comemoração ao Dia da Consciência Negra. Nesta semana, foram exibidos
programas como “Para todos”, “Programa Especial”, “Segue o Som” , dentre outros, que trataram
de questões relacionadas às influências, história e cultura negra no país. É importante destacar que,
em 2014, a emissora transmitiu a novela “Windeck – Todos os Tons de Angola”, produzida em 2012
por uma produtora angolana, e cujo elenco contava com aproximadamente 90% de atores e atrizes
negras, um fato inédito no Brasil, que tem grande tradição no campo das telenovelas.
Dentre as obras relacionadas à inserção do negro e ou da temática negra na TV pública, destaca-
se o livro “O negro na TV pública”, organizado pelo cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo (2007),
ex-integrante do Conselho Curador da EBC, extinto por meio da Medida Provisória nº 744, de 1º de
setembro de 2016.
O trabalho de Araújo (2007) representou um marco importante nos estudos sobre o negro na
televisão, pois trouxe uma reflexão sobre representatividade negra na TV pública, a partir da
perspectiva de pesquisadoras e pesquisadores, cineastas e artistas negros que estudam e militam
em questões como mídia, racismo e representatividade negra. Contudo, o interesse central era
contribuir com uma nova proposta de abordagem e conteúdo da TV pública, como aponta o autor,
“que não repita antigos erros no que diz respeito à negação de multirracialidade e
multiculturalidade, na caracterização do nosso país” (ARAÚJO, 2007, p. 28).
Araújo (2007) buscou analisar e compreender o universo das TVs públicas por meio de reflexões
sobre as bases históricas e sociais do racismo no Brasil. Também foram realizadas análises
quantitativas e qualitativas relacionadas à incorporação, representação e diversidade étnico-racial,
além do papel da televisão pública na promoção da imagem, da cultura e do protagonismo negro.
As TVs analisadas foram a TV Cultura, TVE Brasil e TV Nacional/Sistema Radiobrás. Foram
consideradas as programações ficcionais e não ficcionais, durante o período de uma semana. As
primeiras conclusões de Araújo (2007) apontaram para dados que se aproximam do universo das
TVs privadas, e que demonstram que existe uma presença minoritária de negros ou
afrodescendentes como apresentadores e apresentadoras de diferentes programas e dos telejornais.
Exibir ao longo de uma semana de programação, eurodescendentes ocupando 86% do posto de
apresentadores/as e 93% no posto de jornalistas, nos parece ser uma hiper-representação deste
segmento racial. Este fenômeno é um reflexo da ausência de políticas públicas para assegurar o
direito democrático de todo segmento populacional ter seus semelhantes, com as mesmas
características étnico raciais ocupando postos relevantes e altamente valorizados, fonte fundamental
da autoestima. (ARAÚJO, 2007, p. 36).

Diante dos dados, o autor assinala que é preciso tratar com mais seriedade a mensagem que uma
televisão, marcada profundamente por pouca representação ou representações estereotipadas ou
subalternas, significa para a construção da autoestima da população negra em geral. Também
aponta para importância da TV pública como um espaço de mudança, por isto a seriedade de se
refletir sobre as práticas atuais para propor novos caminhos, e propor sugestões que de fato
contemplem a formação multirracial do país.
O pesquisador Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos Santos (2014), a partir do interesse
pela história do sujeito negro, africano e afrodescendente na mídia brasileira e a diversidade étnico-
racial nas empresas e grupos brasileiros de comunicação, realizou um estudo sobre o programa
“Nova África”, exibido pela TV Brasil, que trata das diferentes relações e influências entre
diferentes países da África e o Brasil.
Santos (2014) traz uma contextualização sócio-histórica do negro no Brasil e os processos que
contribuem para construção de identidade, sobretudo aqueles mediados pela mídia. Também trata
da presença negra na mídia, especialmente na TV pública, estabelecendo, desta forma, um diálogo
com o objeto de estudo desta pesquisa, sem afastar o aspecto crítico com relação à pluralidade e
diversidade na televisão.
[...] é emergente a luta contra o alijamento identitário e cultural que os grupos dominantes
secularmente impõem e pela cobrança do Estado para a promoção da pluralidade, através de seu
canal de televisão. O incentivo à permeabilidade identitária na televisão é parte desta luta (SANTOS,
2014, p. 95).
Ao tratar da ausência de pessoas negras na mídia, da desindentificação do cidadão negro, que
não enxerga nem a si, nem a seu grupo étnico-racial na televisão, Santos (2014) levanta hipóteses
sobre os motivos desta ausência ou invisibilidade. Ele encontra bases na própria estrutura social
que sustenta e reinventa novas formas de racismo. Neste aspecto, o autor compreende que a
criação da TV Brasil representou um passo importante para diversificar o cenário televisivo,
sobretudo ao considerar a hegemonia do modelo comercial vigente (SANTOS, 2014). Também
contribuiu para “efetivação de um aparelho midiático público de proporção nacional” (SANTOS,
2014, p. 95).
Entretanto, o autor faz algumas críticas à estrutura do programa “Nova África”. A mais
contundente diz respeito à constituição do corpo de apresentadores, aspecto que inclusive foi
confrontado com levantamento da composição dos demais programas da TV Brasil, locais de poder
e estética dominante.
O “Nova África”, como um átomo analisado na compreensão da estrutura dialógica da TV Brasil, nos
apresenta sinais do não rompimento dos paradigmas estabelecidos, conforme abordamos
anteriormente. Acreditamos que a constituição de seu corpo de apresentadores e o tratamento
diferenciado percebido, talvez, seja o mais factível de visualização desta manutenção paradigmática.
[…] Ela nos faz perceber que o grupo dominante constrói a norma, todos devem reproduzir a sua
estética e que qualquer coisa diferente não é normal (SANTOS, 2014, p. 97).

Considerações finais
Nesse texto procuramos apresentar uma breve reflexão sobre a presença negra na mídia e
especialmente na TV Brasil, para apontar de forma crítica os problemas a ausências em torno dessa
presença. Ao tratarmos da TV Brasil, entendemos que a emissora tem um importante papel no
processo fortalecimento da democracia e promoção da cidadania, e seu papel no processo de
mediação e construção da percepção do contexto histórico e social. Por esse motivo, olhar para
programação da emissora, e aqui especialmente para presença negra na programação, se configura
como um importante elemento de compreensão e análise crítica dos propósitos da TV pública,
sobretudo, por entender que um de seus principais papéis é diversificar e pluralizar do cenário
midiático, trazendo diferentes grupos e vozes que historicamente foram excluídas e silenciadas, por
meio de uma ação transformadora e inovadora.

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em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

Notas

[1] Ver: http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-


contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf

[2] Ver: http://observatoriodaimprensa.com.br/wp-


content/uploads/2015/02/oforrodocarteldamidia.pdf

[3] Sobre branquitude: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-21052012-


154521/pt-br.php

[4] Sodré (1998) conceitua elites logotécnicas como editorialistas, articulistas, editores, colunistas,
âncoras de tevê, criadores publicitários, artistas, jornalistas especiais – enfim, pessoas que
funcionam como filtro e síntese de variadas formas de ação e cognição presentes nas elites
econômicas, políticas e culturais coexistentes num contexto social.

[5] Ver site: http://memoria.ebc.com.br/tv-publica-ebc/tv-brasil-sua-tv-p%C3%BAblica

[6] Ver relatório de gestão:


http://www.ebc.com.br/institucional/sites/_institucional/files/atoms/files/relatorio_gestao_ebc_2015_-
_completo.pdf
Sobre o acontecimento e sobre o outro: coletivos de comunicação
em busca de poder e legitimidade no campo do Jornalismo

Samária Andrade

Introdução

A reorganização do mundo do trabalho nas últimas décadas, impulsionada por avanços


tecnológicos, econômicos e de comunicação, tem imposto ao Jornalismo desafios que o obrigam a
reorganizar práticas, formatos, a própria atividade laboral e valores profissionais instituídos e
consolidados ao longo do desenvolvimento da atividade. Nesse cenário, dominado pela
concentração dos veículos de mídia de grande audiência, surgem, todavia, novas práticas e atores
que ajudam a tensionar e questionar o campo.
Nesse artigo nos interessam os tensionamentos provocados pelos coletivos de comunicação
Mídia Ninja e Jornalistas Livres, dois dos mais dinâmicos atores na arena atual, que emergem
ávidos por espaço e visibilidade para suas pautas, em formato hardnews e com conteúdo noticioso
de cunho político, surpreendendo os grandes veículos por sua atuação em rede e com a participação
de voluntários. Mídia Ninja ganha destaque em 2013 (ainda que hajam experiências em 2011), junto
às chamadas Jornadas de Junho, e Jornalistas Livres surge em 2015 junto à ocupação das escolas
secundaristas em São Paulo, quando estudantes protestavam contra a reforma no Ensino Médio.
Esses momentos expuseram críticas à grande mídia, que é “expulsa” desses eventos pelos
próprios manifestantes, vendo-se obrigada a uma cobertura a distância ou sem identificação do
veículo. Viu-se permitida uma narrativa descentralizada, em fluxo, sem edição, com uso massivo de
celulares e recorrendo a não profissionais. Esse tipo de narrativa volta a crescer no final de 2015,
com o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Os coletivos atuam estimulados por
acontecimentos que já possuem natureza narrativa, num cenário onde o jornalismo tem sua
condição ameaçada na esfera pública que se constitui como espaço de disputa de sentidos (HENN;
OLIVEIRA, 2015).
Desde então os coletivos de comunicação apresentam uma narrativa alternativa aos meios de
comunicação ditos tradicionais, reconhecidos detentores da prerrogativa de comunicar os fatos.
Nosso argumento é o de que, ao concorrer com atores hegemônicos com larga capacidade de
produção (ainda que com linha editorial semelhante) e grande audiência, os coletivos têm
apresentado não só uma narrativa alternativa para os acontecimentos mas, correspondendo à
postura de não-neutralidade que defendem, também põem em circulação uma narrativa sobre os
meios de comunicação consagrados, claramente em oposição a estes, e assim o fazem como
estratégia de disputa de poder e legitimidade no concorrido campo jornalístico.
Esse estudo se insere na temática da reorganização do mundo do trabalho e suas transformações
e se fundamenta na Economia Política da Comunicação (EPC), em sua discussão sobre relações de
poder e concentração (MOSCO, 1999, 2009; BOLAÑO, 2008, 2000, 2002); em conceitos de Bourdieu
(2004, 2011), destacando-se campo e poder simbólico; e nos estudos de Enriquez (1991, 2001)
sobre organizações, vínculos e relações de poder. Entende-se aqui o trabalho como atividade
humana dialética, buscando-se romper com a visão positivista que compreende o trabalho apenas
como racionalidade técnica, restrito, nas sociedades capitalistas, aos conceitos de emprego ou
carreira (LIMA, 2015).
Para apresentar as discussões propostas, esse artigo traz uma contextualização sobre o atual
momento do jornalismo e suas implicações, destaca a emergência dos coletivos de comunicação e
discute as relações de poder postas no campo jornalístico, ilustrando os argumentos com recortes
da cobertura publicada na mídia social facebook pelos coletivos citados. O recorte empírico se
refere à fase final de votação do impeachment da presidenta eleita, em agosto de 2016, quando
esses coletivos tiveram produção intensa.

Profissão em tensão

O jornalismo é a atividade discursiva autorizada a organizar, selecionar, hierarquizar e revelar os


acontecimentos do mundo. Constitui-se de modo dinâmico, complexo e não linear, transformando-se
potencialmente na interação com outros sistemas de produção de sentido (PEREIRA, 2003; 2009;
2011), influenciada pelo contexto histórico de cada época.
Desde as últimas décadas do século XX, a atividade jornalística é marcada pelo aprofundamento
do caráter empresarial nas companhias de comunicação e o crescimento do jornalismo de mercado,
pondo em xeque a ideia de jornalismo como responsabilidade social. O jornalista dos grandes
veículos – trabalhando duro como operário, exposto a rotinas desgastantes, com exigência de prazos
e metas – vê seu trabalho se afastar do idealismo e criatividade pretendidos. Nessas condições, a
atividade nos grandes veículos passa a ser questionada em seus processos e práticas, apontando-se
ainda a precarização das formas de trabalho.
Muitos estudos adotam a perspectiva de convocar o conceito de crise no Jornalismo para ajudar a
explicar a emergência dos coletivos (MICK; TAVARES, 2017; RAMOS; SPINELLI, 2015). Nesse
estudo consideramos que, ainda que não se negue o contexto de crise e precarização do trabalho do
jornalista nas grandes empresas, focar excessivamente nessa ideia pode nublar aspectos
importantes. Gaiger (2016), refletindo sobre economia solidária, sugere que se possa pensar em
“escolhas” por parte dos participantes das organizações alternativas e não em oportunismo dos
trabalhadores ou saída emergencial a qual se recorre na falta de outras oportunidades. No lugar de
uma reação ao desemprego, ele sugere “uma eleição ousada por um novo tipo de atividade e de
trabalho”.
Sob essa perspectiva também se faz importante ainda recorrer ao pensamento de autores como
Le Cam, Pereira e Ruellan (2015), que sustentam que a ideia de crise seja um tema recorrente e
mais uma retórica a percorrer a profissão, marcada por mudanças e permanências. Para esses
autores, a retórica se preocuparia mais com a figura do jornalista profissional e a corporação
jornalística, enquanto a prática vem incorporando novas rotinas e sendo tensionada por atores
heterogêneos.
Nesse cenário surgem atores interessados na mediação, sem necessariamente constituírem ou
estarem atrelados a grandes veículos. Os coletivos de comunicação são formados por jornalistas e
contam com não-jornalistas, em regime de colaboração. Muitos trabalham sem vínculo formal de
emprego e sem remuneração, o que também levanta questionamentos sobre a precarização e
flexibilização das relações de trabalho que o neoliberalismo tanto estimula.
O contexto em que surgem os coletivos é caracterizado pelo uso disseminado de tecnologias de
comunicação e a posição central que a comunicação adquire, coincidindo com o cenário de uma
ampla crise de representatividade que atravessa estruturas, abala hierarquias e atinge governos,
escolas, partidos políticos e a mídia, fazendo surgirem novas relações, agrupamentos e formas de
produção.
Vê-se florescer uma condição particular: o surgimento de uma quantidade inédita de veículos
digitais, de produção individual ou coletiva, que introduzem alternatividades ao campo hegemônico
e concentrado da mídia, se configurando em deslocamentos de sentidos e novas práticas e alterando
relações de poder das empresas de comunicação (LIMA, 2015).
Essas relações de poder, considerando a alta concentração da mídia, interessam aos estudos de
EPC. É conhecida a acepção de Mosco (2009, p. 49) sobre Economia Política como “o estudo do
controle e da sobrevivência na vida social”. Controle se refere à organização interna – são processos
políticos – e sobrevivência à reprodução e continuidade social – são processos econômicos. Essa
definição é útil para se refletir tanto sobre os processos e práticas dos meios hegemônicos como
sobre os chamados meios alternativos, que emergem na forma de coletivos.
A vertente crítica da EPC preocupa-se com os reflexos que o modelo comercial traz para o
Jornalismo, com forte relação com o Estado, debilidade de um modelo público, dependência de
verba de anunciantes e intersecção de meios de comunicação e outras formas de negócio, atraindo
grupos privados e estimulando um modelo hierarquizado. A EPC defende uma comunicação mais
democrática, questionando os desequilíbrios da concentração da mídia e o jornalismo produzido no
âmbito de empresas privadas e com interesses de classe, tradicionalmente fornecendo o modelo e
as características da atividade jornalística. Esse modelo, convencionalmente aceito e pouco
discutido fora do espaço das pesquisas acadêmicas, é questionado pelos coletivos.

Identidade, campo profissional e capital simbólico

Ao longo do século XX se definiram os parâmetros da profissão e o jornalismo se constituiu como


local de fala reconhecido, instaurando-se o profissionalismo em torno do ser e do fazer jornalístico.
Essa condição não liberta o Jornalismo das tensões próprias à constituição de uma profissão, que
não resulta de um processo universal, com uma definição rigorosa das formas de acesso e
formatação. O jornalismo nunca foi composto por um grupo homogêneo, nem se reduz às
representações dominantes (RUELLAN, 2011; PEREIRA, 2009, 2011). A atividade se forma na
sobreposição de discursos humanistas e tecno-funcionalistas, é construída em espaços de tensão e
disputa de poder, muitas vezes alimentadas pelos próprios profissionais.
Bourdieu (2011) alerta que a própria ideia de profissão deve ser compreendida como uma
construção social, com seus mecanismos de legitimação e exclusão. O autor (2004) trabalha o
conceito de “campo” como universo onde estão inseridos agentes e instituições que produzem e
reproduzem um determinado tipo de conhecimento, obedece a leis sociais mais ou menos
específicas e é relativamente autônomo. Para Bourdieu (2004) todo campo é um campo de forças e
lutas para conservar ou transformar esse campo.
O autor também argumenta que cada campo é lugar de constituição de uma força simbólica, que
não é física ou econômica, mas trata-se de um poder invisível, que repousa sobre o reconhecimento
de uma competência. Esse capital simbólico retira força política da confiança e/ou credibilidade que
consegue estabelecer, sendo vulnerável às suspeitas e calúnias. O capital simbólico está relacionado
a reputação, que é um processo interacional, partilhado pelos membros de um campo social, onde
existe uma relação entre o que é aceitável, o prestígio dos atores envolvidos e a decisão de manter
ou romper com determinado conjunto de convenções. A reputação corresponde a um valor que pode
mudar com o tempo. Ou seja, algo desejável ou permitido em um campo social pode mudar ao longo
da história (BOURDIEU, 2004; 2011).

Coletivos: produtores em excesso?

Os coletivos de comunicação são frutos da proliferação de produtores em excesso permitida


pelas tecnologias, não mais restritas a um corpo de especialistas ou detentores dos maiores
recursos econômicos. Anderson (2008) usou o termo “ProAm” para se referir ao momento em que se
passa a produzir somando profissionais e amadores. Para Bourdieu (2011) a proliferação dos
produtores em excesso favorece o desenvolvimento fora da instituição, e depois contra ela.
Os coletivos que se dedicam ao hardnews de enfoque noticioso político não são os únicos
existentes. O modo como atuam também não significa que todos os conteúdos estejam sendo
produzidos de forma “ProAm”. Esse artigo se dedica a esse formato pelo interesse em avaliar a
grande repercussão que ele tem alcançado, estimulando o surgimento de outros coletivos.
Após a finalização do processo de impeachment, em 08 de setembro de 2016, a Mídia Ninja
divulgou uma pesquisa que revela que o engajamento alcançado pelo coletivo via facebook havia
superado os veículos Veja, Folha, Estadão e O Globo, tendo chegado a 90 milhões de pessoas em
uma semana (engajamento aqui tem uma definição instrumental: refere-se à soma das curtidas,
comentários e compartilhamentos dos usuários).1
Os coletivos compõem um fenômeno heterogêneo, vivo e fragmentado. Além de alternativos em
relação à narrativa sobre os acontecimentos, colocam-se como independentes em relação a busca
de outras formas de financiamento, que fujam das formas do jornalismo convencional. A dificuldade
de obtenção de recursos, somada à proposta cooperativa que põem em campo, leva ao modelo
colaborativo.
Com a proposta de mapear iniciativas de jornalismo independente no Brasil, a Agência Pública
lançou, em abril de 2016, o “Mapa do Jornalismo Independente”2, onde aparecem 79 Coletivos. O
critério de seleção é que sejam propostas nascidas na internet, fruto de projetos coletivos e não
ligadas a grandes grupos de mídia, políticos, organizações ou empresas. Blogs não entram na
classificação por serem entendidos como projetos preferencialmente individuais (embora existam
blogs coletivos), não necessariamente jornalísticos, e sem a pretensão de se tornarem
autossustentáveis.
Criada em 2011, a Agência Pública é uma organização que se apresenta como sem fins lucrativos
com o objetivo de estudar o jornalismo e estimular a produção de reportagens com temas relativos
aos direitos humanos3. Ela é mantida por organizações internacionais como Fundação Ford e
Omidyar Network, recebendo recursos também via crowdfunding. A Pública financia, por meio de
editais, reportagens de coletivos diversos e estimula o jornalismo independente. Outras
organizações como a Pública têm surgido na América Latina e no mundo4, não sem levantar dúvidas
sobre suas formas de financiamentos, propósitos e sobre a ideia de reportagens patrocinadas via
financiamento coletivo, o que pode privilegiar alguns temas e deixar outros de fora.
No Mapa do Jornalismo Independente, dos 79 coletivos, 29 afirmam que “ainda não se mantém”.
Entre as iniciativas que afirmam se manter, as formas indicadas são: assinaturas, doações de
pessoas físicas ou jurídicas, realização de eventos, publicidade, crowdfunding, parcerias com ONGs,
editais e leis de incentivo, contribuição de movimentos sociais e investimentos pessoais.

A narrativa sobre o outro

Os discursos jornalísticos, mais do que processos de comunicação, comportam relações de poder.


Assim apontamos que, para além da narrativa alternativa que buscam promover, dando espaço a
pautas ou abordagens deixadas à margem pela grande mídia, os coletivos põem em circulação a
narrativa de oposição aos veículos tradicionais. Esse é o enfoque que nos interessa nesse estudo.
Na fase final de julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado Federal
(agosto/2016), que culminou no seu afastamento, Mídia Ninja e Jornalistas Livres, sem estrutura
formalmente profissionalizada mas atuando em rede e de modo colaborativo, publicavam cerca de
90 postagens diárias somente no facebook. Estruturas como Folha de São Paulo online produziram
em média 60 postagens diárias no mesmo período.

Figura 1 – Capa da página no Facebook da Folha de S. Paulo

Fonte: Print das páginas no dia 31 de agosto de 2016

Figura 2 – Capa da página do Facebook de Jornalistas Livres

Fonte: Print das páginas no dia 31 de agosto de 2016

As postagens dos coletivos referiam-se ao mesmo tema central: o julgamento de Dilma no


Senado. Na cobertura da Folha, Estadão, O Globo e outros veículos, ainda que esse tema
prevalecesse, não se abandonou a pauta diversa a que se dedicam, passando por editorias como
economia, esporte, cultura e outras. Na cobertura alternativa proposta pelos coletivos, para além do
tema central, abordando Senado Federal e manifestações no Brasil e fora do país, ganha destaque a
narrativa de oposição à mídia tradicional, revelando inclusive bastidores do jornalismo e apontando
práticas em tom de denúncia.
Jornalistas Livres (26 de agosto de 2016, segundo dia de julgamento) mostra jornalistas de
grandes veículos à vontade com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Sob o título
“Simpatia e gargalhadas, tudo a ver”, o texto destaca a proximidade entre fonte e jornalistas de
grandes veículos, com trechos como “apenas repórteres convidados por senadores podem se
acomodar nas cadeiras acolchoadas e mesas redondas. Tudo muito amigável. O cafezinho é habitat
de colunistas e jornalistas famosos da TV e da mídia impressa”. Outro trecho afirma: “Cercado pela
realeza do Jornalismo, Renan Calheiros [...]” – aqui a intenção é revelar a condição diferenciada
desses jornalistas, sugerindo suspeição.
O texto de Jornalistas Livres diz que, entre muitos sorrisos e gargalhadas, os jornalistas de
grandes veículos dão “dica de iluminação para a tez do parlamentar não ficar ‘muito branca’ na foto
e até o aviso sobre não usar uma declaração pois seria ‘muita sacanagem’”. O texto conclui:
“flagramos a cumplicidade e a simpatia da imprensa corporativa com o poder”.
Nessa mesma lógica está o texto publicado em Mídia Ninja (27 de agosto de 2016) “A distância
entre o fato e a notícia”, que propõe uma reflexão sobre a atuação da imprensa. Ilustrado com
imagens de repórteres de grandes veículos, o texto afirma que a imprensa comercial não esconde
suas posições e instiga seus profissionais a seguirem a cartilha editorial escolhida. A reflexão
proposta é que, agindo assim, esses jornalistas “deturpam não somente a História, mas aniquilam
talentos e soterram visões e aspirações de sociedade”.
O mesmo texto denuncia um jogo de vaidades que acomete tanto parlamentares como
repórteres, alimentando e sendo alimentado pela narrativa da qual fazem parte. A constatação a
que o texto chega é: “Não existem ilusões [...] A imprensa comercial é parte fundamental do jogo
político. E em outras ocasiões atentou contra a Democracia, não sendo inédita sua participação em
estratagemas de desestabilização política e social”. O texto aproxima jornalistas de veículos
comerciais a parlamentares e sugere a distância de ambos da mídia alternativa.
Coletivos como Mídia Ninja e Jornalistas Livres defendem a não-neutralidade nos relatos. Para
eles a mídia deve ser apartidária, mas não apolítica. Ao contrário, defendem o jornalismo como
ativismo sociopolítico. As publicações citadas têm para os coletivos a função de revelar a falsa
neutralidade e imparcialidade da mídia tradicional, que se ancoraria em cânones profissionais não
cumpridos, tendo o papel de servir à defesa das ações pretendidas.
Mesmo hoje, quando grande parte da academia concorda que a notícia é construída e sempre
envolve interferência sobre a realidade, persiste a cobrança da transparência como garantia da
busca de uma pureza no trabalho (LEMOS, 2013). A posição dos coletivos se afasta dessa ideia e
fica mais próxima da acepção de Dahlgren (2011, p. 93), estudioso das ações e retóricas políticas,
para quem “o discurso da neutralidade é uma prerrogativa de um estrato social privilegiado que
pode servir para legitimar um poder simbólico”. A narrativa com afirmação de posição defende que
o jornalismo não é incompatível com o ativismo. Essa posição atrai críticas e o coletivo por vezes
também é posto em suspeição (FOLETTO, 2017; GOHN, 2015). Alguns autores apontam que, em
favor do jornalismo, se deve diferenciar jornalismo e ativismo (BRAMBILLA; SANTOS, 2015).
No exemplo a seguir, Mídia Ninja (01 de setembro de 2016) interroga para quem a Folha de São
Paulo está trabalhando.
Figura 3 - Página do Mídia Ninja no Facebook

Fonte: Print da página no dia 01 de setembro de 2016

Outros dois exemplos de oposição à mídia tradicional aparecem em Jornalistas Livres (dia 28 de
agosto de 2016 e dia 02 de setembro de 2016, respectivamente) quando, ao buscar voluntários para
coberturas, sob o título “Seja um Jornalista Livre”, faz-se o apelo: “vamos juntos mostrar o que a
grande mídia esconde”; e quando, ao cobrir manifestações “Fora Temer”, pergunta: “Você tá vendo
isso na Globo?”
A narrativa de oposição produzida pelos coletivos tem um interesse estratégico: levantar
suspeitas sobre a credibilidade da grande mídia, influir sobre seu capital simbólico e, assim,
disputar poder e legitimidade de fala com atores largamente reconhecidos. Para Enriquez (1999)
um grupo só é imaginável e coeso a partir de um projeto comum, uma conspiração contra um outro,
vivenciado como maléfico. Assim, identificar na grande mídia o inimigo comum a ser vencido,
favorece a coesão dentro de cada coletivo e consolida laços de reciprocidade entre os coletivos de
modo geral. Ao se trabalhar com voluntários, como em grande parte da cobertura do impeachment
que avaliamos, a coesão torna-se um valor ainda mais importante para garantir mobilização e
continuidade.
A lógica de produção e circulação de informações posta em prática pelos coletivos estabelece
novas gramáticas enquanto busca o interesse estratégico de atacar a mídia tradicional. Numa
conduta tácita, a grande mídia não costuma se referir à concorrência. Suas práticas e coberturas
dificilmente são questionadas em público pelos pares. Já os coletivos quebram essa regra ao citar
nomes e denunciar condutas, desvelando posturas mais conhecidas no campo profissional do
jornalismo. Para Enriquez (1999, p. 71) “só quando um grupo minoritário quer se afirmar, quer
construir sua identidade, tentará desvendar uma parte do real”.
A mídia tradicional é uma instituição social e as instituições estabelecem poder, valores, normas
e processos de socialização. Mesmo sendo históricas, pois são a encarnação material de
representações predominantes em certo momento, as instituições querem se apresentar como a-
históricas. Isso faz parte da tentativa de conservar poder, pois o poder, mesmo sendo uma relação,
prefere ser visto como propriedade (ENRIQUEZ, 1999; 2001).
Diferentemente da postura hostil que adotam em relação à mídia tradicional, entre eles os
coletivos costumam manter relações amistosas, inclusive compartilhando conteúdos, embora
existam condutas particulares. O Jornalistas Livres, por exemplo, dá crédito a quem produz
conteúdos. Mídia Ninja adota a assinatura “Mídia Ninja”, valorizando a coletividade e não
individualidades. A postura, que pode ser acusada de desvalorizar o ator, segue a lógica de que o
uso do próprio nome ofende a ideia de coletivo e ainda beneficia que jornalistas de grandes
veículos, que não queiram ou não possam se identificar, compartilhem dados com o coletivo.
Seguindo a sugestão de Enriquez (1999), para estudar movimentos coletivos que miram um
inimigo a enfrentar, podemos pensar que nessas arenas é mais útil se pensar em relações de aliança
e solidariedade do que em relações de força. As primeiras não deixam de ser também relações de
poder.
Cabe registro ainda que quando a página Mídia Ninja atingiu 1 milhão de seguidores no
facebook, coincidindo com o último dia de julgamento do impeachment (31 de agosto de 2016), a
postagem “Somos 1 milhão de Ninjas” destacava a conquista do coletivo. Ela foi mantida como capa
de facebook e destaque fixo no site, não sendo substituída mesmo com o desfecho do processo,
quando a informação do afastamento de Dilma aparece como secundária, numa perspectiva
hierárquica comumente adotada pela mídia e percebida pelo público para indicar a importância das
notícias.
Ainda que adote critérios de valoração e hierarquização que possam ser distintos da mídia
tradicional, a decisão de destacar a posição que alcança também pode ser compreendida como
estratégica dentro da necessidade de disputa de visibilidade no campo do Jornalismo, quando o
coletivo desejava afirmar sua posição de poder.

Considerações finais

Ao se opor abertamente aos grandes veículos, os coletivos correspondem ao papel de não-


imparcialidade que defendem. O reconhecimento do inimigo em comum na mídia tradicional
estimula a coesão dos coletivos e se torna uma estratégia possível, em busca de poder e
legitimidade num campo concorrido e com instituições poderosas. Porém, constituir inimigos e
estabelecer coesões são processos tensos e instáveis, exigindo novas estratégias a cada instante e
merecendo estudos que continuem a observar como esses processos devem prosseguir.
Os grandes meios de comunicação estabelecem o modus operandi do campo, repousando sua
força na confiança que conseguem manter, enquanto os coletivos, como novos atores interessados
em disputar capital simbólico, estariam apostando na vulnerabilidade às suspeitas, o que justifica a
narrativa de oposição, denunciando aqueles meios.
Muitas questões precisam ser acompanhadas, como as relativas ao controle e sobrevivência de
todos esses atores no campo social, os processos e práticas postos em circulação – que vão se
alterando em diferentes estratégias ao longo do tempo-, além das questões relativas ao capital e
gratificações simbólicas. Para compreender todas as tensões que emergem precisamos considerar
as características dos formatos coletivos e as limitações impostas pelo campo político-econômico,
social, cultural, reconhecendo também o papel das paixões e afetos, das adesões sob aspectos não
racionais, do ativismo político, ou não estaremos em condições de compreender arenas públicas,
mobilizações e novos atores em busca de poder e legitimidade na vida social. Se os coletivos já não
são uma possibilidade de se exercer a profissão, o são de questioná-la a partir do modo como ela
vem sendo exercida e constituída.

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Ponto de inflexão: impacto, ameaças e sustentabilidade: um estudo dos empreendedores digitais


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Acesso em: 01 out. 2017.

Notas

[1] Disponível em: https://ninja.oximity.com/article/M%C3%ADdia-NINJA-ultrapassa-Veja-Folha-1.


Acesso em: 25 out. 2016.

[2] Disponível em: https://apublica.org/mapa-do-jornalismo/. Acesso em: 18 set. 2017.

[3] Disponível em: https://apublica.org. Acesso em: 18 set. 2017.

[4] O relatório "Ponto de inflexão – impacto, ameaças e sustentabilidade: um estudo dos


empreendedores digitais latino-americanos, lançado em junho de 2017, traz uma pesquisa sobre
100 veículos alternativos digitais na Argentina, Colômbia, México e Brasil. Segundo sua
apresentação, é uma forma de estimular e fortalecer o crescente ecossistema de mídia digital na
América Latina. Como parte do projeto foi desenvolvido o site data.sembramedia.org para
compartilhar os principais resultados de forma mais ampla. As informações estão em três idiomas:
inglês, espanhol e português. O relatório foi produzido por SembraMedia, organização espanhola
que se define sem fins lucrativos e se dedica ao estudo e crescimento de mídias alternativas digitais
em língua espanhola (o Brasil foi incluído pela proximidade da língua e geográfica e pelo
crescimento do modelo no país), e Omidyar Network, organização americana de investimento
filantrópico que defende a mídia independente e o jornalismo investigativo e é uma das
mantenedoras da Agência Pública no Brasil. Mais informações: Disponível em:
http://data.sembramedia.org/ modelos-de-negocios/?lang=pt-br. Acesso em: 01 out. 2017.
Os direitos de transmissão de futebol para jogos eletrônicos:
a cessão do Brasileirão para o PES e para o FIFA

Anderson David Gomes dos Santos


Douglas Alves Medeiros

Introdução

Este artigo pretende desenvolver etapa inicial de pesquisa sobre a venda dos direitos de imagem
do Campeonato Brasileiro de Futebol para os games , buscando semelhanças, diferenças,
oportunidades criadas e desperdiçadas quando comparado a essas negociações ao broadcasting
tradicional.
Esta investigação segue uma trajetória de análise da apropriação midiática do futebol enquanto
produto para diferentes indústrias culturais, que nos últimos anos vem se detendo à TV fechada
(SANTOS, 2016a, 2016b), mas que se iniciou com a TV aberta (SANTOS, 2013).
São muito frequentes algumas dificuldades na aquisição de direitos de imagem de clubes e
jogadores brasileiros para os games ligados ao futebol, a ponto de não ter times brasileiros em
algumas versões destes jogos, considerados como instrumento de difusão das marcas para o
exterior e mesmo para dentro do Brasil , num momento histórico de expansão dos clubes europeus
para o mundo. São dois os games de futebol que se destacam, refletindo uma disputa entre duas
grandes produtoras: FIFA (EA Sports) e PES/Winning Eleven (Konamy).
A partir disso, o texto toma como base teórico-metodológica a Economia Política da Comunicação
(EPC), apropriando-se a partir de pesquisa bibliográfica de estudos anteriores sobre direitos de
transmissão de eventos esportivos e obras que discutem as indústrias culturais (BRITTOS, 2005;
DANTAS, 2011), que dialogam com conceitos ligados às estruturas de mercado. Como procedimento
metodológico, utilizaremo-nos ainda de pesquisa documental a partir de reportagens publicadas nos
últimos anos com informações sobre novos acordos para licenciamento de clubes de futebol
brasileiro em games.
Assim, o artigo está estruturado da seguinte maneira: discussão preliminar sobre a indústria de
jogos eletrônicos de forma geral; histórico dos games de futebol; até chegar aos últimos anos,
realizando apontamentos teóricos que problematizarão este percurso.
Indústria de jogos eletrônicos
A indústria de jogos eletrônicos se desenvolveu muito do primeiro game , criado nos anos 1950,
até os dias atuais. Ainda que esteja mais ligada a os estudos atuais d as indústrias criativas, tem
uma relação direta com as indústrias culturais tradicionais, seja as alimentando com novas histórias
ou se aproveitando das mudanças tecnológicas em curso para a evolução do conteúdo audiovisual
para o entretenimento.
O primeiro jogo eletrônico foi criado em 1958 e reproduzia um esporte, o tênis de mesa, mas era
baseado na utilização de um osciloscópio, instrumento de medida eletrônica. Só três anos depois é
que se cria um jogo propriamente para o âmbito eletrônico, o Spacewar, com duas naves espaciais
que deveriam destruir uma a outra, criado a partir de um computador PDP-1 por Steve Russel no
MIT, nos Estados Unidos (PINHEIRO, 2006).
Os anos 1970 e 1980 deram popularidade aos jogos através dos arcades (conhecidos como
fliperamas) dentro de casas de diversão, cujo ápice chegou tão logo puderam ser vendidos com a
televisão como monitor do jogo. Segundo Pinheiro (2006), isso se tornou possível a partir de 1968,
quando Ralph Bauer criou o primeiro dispositivo, denominado Odyssey. Logo depois, Nolan
Bushnell, fundador da Atari, cria os Arcades, dos mais conhecidos jogos de todos os tempos.
Destaque para o Pong, criado em 1972 como o primeiro baseado em computador a ser um sucesso
de vendas ao chegar às casas das pessoas, devido ao tamanho da máquina e custo. Assim:
Com a chegada do computador pessoal, a indústria de games entra em uma nova fase. Os PCs
trouxeram para o lar uma tecnologia até então exclusiva de laboratórios de pesquisa, grandes
empresas e setores militares. Jogos desenvolvidos para videogames foram adaptados para
computadores pessoais. Além disso, computadores como o Apple II e o Commodore 64 foram
projetados com recursos gráficos e processadores específicos para games (BARBOZA; SILVA, 2014, p.
6).

Uma informação relevante a se destacar deste histórico, numa perspectiva de análise de


estruturas de mercado, é que a Warner1, em 1976, então um grande estúdio cinematográfico,
adquiriu a empresa Atari para seu conglomerado por cerca de 30 milhões de dólares, lançando uma
nova versão do game, o Atari 2600, com sons e gráficos melhores (MEDEIROS, 2010). Esse fato é
importante para observarmos os primeiros passos da formação de conglomerados de comunicação
que adentram para outros setores de mercado: “Em direção aos mercados internos ou externos, as
indústrias culturais expandem-se, procedendo a alianças, realizando sinergias capazes de aumentar
a rentabilidade de seus produtos e encontrando novos espaços” (BRITTOS, 2005, p. 76).
O sucesso de faturamento na metade final dos anos 1970 gerou uma quantidade de empresas
maior que o mercado podia suportar, saturando-o. Além disso, a chegada dos computadores
pessoais também afetou o mercado, já que além dos jogos, como nos consoles, possibilitavam o uso
para o trabalho (HORN, MAZO, 2010). Isso gerou a quebra do mercado de jogos eletrônicos em
1984, com uma reconfiguração da indústria marcada por duas partes. A primeira é a separação
entre empresas de hardware e software, iniciada no final dos anos 1970, mas que diferencia as
etapas de produção para cada coisa, podendo terceirizar a partir de pequenas e médias produtoras,
distribuídos por empresas maiores. O segundo ponto é que isso vai gerar um segmento centrado
num oligopólio que se constitui em torno de três grandes fabricantes: Nintendo, entrada em 1985,
com o NES; Sony, entrada em 1994, com o Playstation; e Microsoft, entrada em 2001, com o Xbox.
Neste cenário constituído no início do novo século para cá, considerando o aprimoramento
tecnológico:
Os três grandes fabricantes de console têm adotado estratégias de mercado diferentes: enquanto
Sony e Microsoft disputam o mercado mais tradicional, a Nintendo adotou uma estratégia
diferenciada. O Playstation 4 é tratado como um produto para aficionados por alta tecnologia, ao
passo que o Xbox One posiciona-se como um Media Center, enquanto o Wii U destina-se a um público
mais casual. Além disso, as apostas técnicas também são diferentes: o controle do Wii U se assemelha
a um tablet, o Playstation 4 utiliza um sensor táctil no painel do controlador, e o Xbox One requer o
uso do dispositivo Kinect (FLEURY, NAKANO, CORDEIRO, 2014, p. 143).

De acordo com Horn e Mazo (2010), a indústria de jogos eletrônicos e videogames, já em meados
dos anos 2000, superava a indústria cinematográfica, em volume financeiro, com uma tendência de
ainda maior crescimento – era um fluxo de US$ 21 bilhões em 2007. A perspectiva apontada por
Fleury, Nakano e Cordeiro (2014) para 2018 é que essa indústria movimente US$ 89 bilhões, numa
taxa de crescimento de 6,3% ao ano.
O crescimento dessa indústria também gerou uma segmentação tanto nas etapas da cadeia
produtiva, quanto no perfil e nas configurações para cada plataforma eletrônica em que os jogos
eletrônicos podem constar. Assim, a produção precisa considerar a plataforma em que o jogo será
lançado, dados os limites de cada suporte (consoles, computadores, arcades e/ou mídias móveis)
tanto no que se refere ao uso quanto na tecnologia possibilitada em cada um, demarcando um
mercado que exige ainda mais a diferenciação em seus conteúdos.
Para se ter uma ideia, considerando apenas o console, verdadeira central de mídia que possibilita
leitura de blue-ray, acesso a aplicativos como a Netflix e plataforma de acesso à internet, como
afirmam Fleury, Nakano e Cordeiro (2014, p. 51-52), a estrutura dessa cadeia está dividida em:
“etapa de produção, constituída pelos fabricantes de console, as publicadoras e os desenvolvedores,
e o canal de distribuição, composto pelos distribuidores e pelos varejistas”.
De forma geral, em termos de produção é necessário considerar que:
Enquanto que para se produzir um jogo no início da Era Atari era necessário um programador de
linguagem Assembly apenas, hoje se precisa de uma equipe que pelo menos contemple as áreas de
roteiro, cinema (cenas de jogo), direção de arte, pesquisa (histórica ou referencial), editores de som e
compositores, e enfim programadores de linguagem também. A equipe de produção de um jogo está
esquematizada da mesma forma que as de cinema (PINHEIRO, 2006, p. 6).

Ainda que não seja do nosso interesse neste artigo tratar da indústria brasileira de jogos
eletrônicos, mas do consumo de determinado produto, é importante destacar que o Brasil é o 13º
maior mercado do mundo, segundo a empresa internacional de pesquisa de games Newzoo (2017),
com estimativas de ter movimentado cerca de US$ 1,3 bilhão em 2016 num mercado de 66,3
milhões de jogadores. De acordo com essa pesquisa, 48% veem conteúdos sobre jogos e 36% jogam
em diferentes mídias. Destaque ainda para informação do ano anterior, 2016, que representaria
crescimento de 50% para os jogos para mídias móveis – US$ 284 milhões (HOLLEMAN, 2016).
Outros dados relevantes a se destacar é que 70% dos brasileiros jogam a partir de consoles, 39%
desses jogadores gastam dinheiro com jogos, com público maior de 21 a 35 anos – 32% de homens e
22% de mulheres que jogam são dessa faixa etária (HOLLEMAN, 2016). Portanto, vemos um público
jovem como usuários, que com entrada no mercado de trabalho torna-se potencial consumidor de
jogos eletrônicos.
Por fim, já fazendo a ligação com a próxima parte do artigo, o FIFA, da EA Sports, é o game para
console mais jogado no Brasil, com 45% de uso dentre os jogadores nacionais, vindo em seguida
com 37% Assassin's Creed e o clássico Super Mario (HOLLEMAN, 2016).

Games de futebol

Como percebido a partir dos dados, a paixão da maioria dos brasileiros pelo futebol acaba por se
refletir também quando se trata da escolha por jogos digitais, outro fenômeno que se constituiu ao
longo do tempo com expressões culturais próprias.
O primeiro game de futebol foi o Atari Soccer, produzido em 1980 pela empresa estadunidense e
que rodava nos consoles Atari 2600, em preto e branco, num gráfico simples, em duas dimensões e
com a imagem do alto. Ao longo dessa década, outros jogos foram sendo lançados por diferentes
empresas e para diferentes suportes, cada qual aprimorando tecnologicamente as possibilidades de
utilização. Destacamos três neste período. Os primeiros deles são pelo mesmo motivo, a utilização
de uma estrela do futebol mundial. Em 1982 surge o Pele's Soccer, para o Atari 2600; e em 1986, o
Peter Shilton's Handball Maradona, produzido para Commodore 64, que se utilizou do famoso gol
de mão do craque argentino nas quartas-de-final da Copa do Mundo FIFA 1986 sobre o goleiro Peter
Shilton. O terceiro é o Italia'90, disponível a partir de 1989 para Master System e Mega Drive e que
foi o primeiro a utilizar a Copa do Mundo FIFA como chamariz, apresentando já aprimoramentos,
caso da possibilidade de mudança de câmera ao se chutar ao gol (OS..., 2013).
A década de 1990 aumentou a disputa entre as fabricantes de console, de maneira a melhorar a
qualidade dos jogos. Em 1993, a EA Sports, braço esportivo da estadunidense Eletronic Arts (EA) –
que também produz jogos da NBA, NHL (hóquei) e Nascar (automobilismo), entre outros –, cria o
FIFA International Soccer, primeiro jogo com chancela, neste caso da FIFA. Assim, pôde apresentar
estrelas internacionais na capa, um ano antes do mundial realizado nos Estados Unidos, um grande
chamariz para o público interno na, até hoje, a Copa com maior média público.
A empresa atuará no mercado apostando nos direitos oficiais de ligas nacionais e importantes
campeonatos mundiais, casos da Copa do Mundo FIFA e da UEFA Champions League, tendo ainda
hoje vantagem para conseguir os direitos dos principais campeonatos do mundo, para além da
parceria com a principal entidade organizadora do futebol mundial praticamente desde o início dos
games ligados ao futebol. Siena (2011) afirma que a liga do Brasil estava presente, com times da
primeira, segunda e terceira divisões do futebol nacional: América-RJ, Bangu, Botafogo, Bragantino,
Corinthians, Ferroviária, Flamengo, Fluminense, Guarani, Internacional, Palmeiras, Ponte Preta,
Portuguesa, Santos, São Paulo e Vasco da Gama.
Até então, os jogos famosos da época eram o Kick-Off e o Sensible Soccer, porém nenhum deles
possuía licenças de torneios ou times e a câmera do jogo se posicionava do alto, como se fosse a visão
de um pássaro, deixando os jogadores caricatos com cabeças maiores que o corpo. Essas
características não atendiam a demanda dos jogadores de simuladores de futebol, pois os games do
estilo não possuíam ambientes mais próximos da realidade, ao contrário de simuladores de tênis e
automobilismo, que na época já contavam com conteúdo totalmente licenciado (SIENA, 2011, p. 27).

Além disso, o FIFA 94 tinha efeitos 3D em qualidade gráfica 2D, mas com as camisas lisas e com
placas publicitárias no entorno do gramado sem marcas, apenas nas cores da FIFA, azul e branco.
Isso vai mudar na versão seguinte do jogo, cujas placas recebem também a marca da Panasonic,
primeiro patrocinador de games de futebol (SIENA, 2011).
Dois anos depois a Konami Sports, repartição da japonesa Konamy, criou o Goal Storm/Winning
Eleven, que terá grande sucesso a partir dos consoles Playstation – criado um ano antes pela Sony –
e então voltado ao mercado japonês. O game tem origem no International Super Star Soccer, criado
para os consoles da Nintendo e que explodiu em vendas na década de 1990, especialmente a versão
de 1995, mesmo sem poder utilizar nomes de jogadores reais (PAROLINI, CARLASSARA, ROCCO
JR, 2016).
Enquanto a franquia FIFA tenta se aproximar do jogo real, também na representação mais
completa possível de times e jogadores, o Winning Eleven faz esse percurso ao longo de seus
primeiros dez anos, ao se voltar também ao mercado internacional, criando um nome paralelo (Pro
Evolution Soccer) – que será incorporado, independente do país, a partir de 2007. Esse processo
ocorreu na seguinte ordem:
Os primeiros jogos apresentavam em suas capas as figuras de atletas sem identificação étnica,
simplesmente demonstrando a relação do jogo ao futebol. No decorrer da propagação no Japão, os
alvos das capas passaram a ser os atletas japoneses que eram representados através da liga japonesa,
da seleção japonesa, de seus craques e outros que atuavam na liga do país, sendo o mercado japonês o
principal alvo dos jogos do Winning Eleven (HORN, MAZO, 2010, p. 285).

Essa mudança vai criar um duopólio dos jogos eletrônicos de futebol, que até 2003 tinha a
liderança sob uma larga vantagem do FIFA, que é considerado o jogo mais vendido da história.
Dentre as mudanças, já na versão de 2002, ano da Copa do Mundo FIFA realizada no Japão e na
Coreia do Sul, além de colocar atletas internacionais na capa, o Winning Eleven criou a
possibilidade da negociação de atletas, como se o jogador atuasse no mercado de futebol, sendo
visto por Horn e Mazo (2010) como um fator fundamental para o início da popularização mundial do
jogo. No ano seguinte, passa contar com cerca de 60 clubes e muitas seleções, ainda que poucos
licenciados, entretanto com a possibilidade de se modificar o jogo, “substituindo times ou seleções
as quais ele considerasse dispensáveis e adicionando seus clubes preferidos” (SIENA, 2011, p. 34).
Os “mods” foram outro fator importante para a internacionalização do jogo por permitir que o game
fosse hackeável, pois ele possibilita “por meio de programas de computador especializados, o
jogador mexer no conteúdo dentro do CD/DVD e criar uma cópia para adicionar mods de licença de
times, seleções, adboards, chuteiras, bolas, estádios” (idem).
Os jogos eletrônicos de futebol passaram a aumentar a concorrência para ter os mais relevantes
torneios, buscando os direitos com exclusividade também de clubes, fazendo ainda publicidade nas
placas publicitárias de torneios e até nas camisas de alguns times. Além disso, disputam a cada ano
as mais importantes estrelas internacionais do momento para a sua capa com fotos posadas.
Depreende-se disso que:
O consumo do espetáculo, no seu ato imediato ou nas suas replicações, é sempre consumo de trabalho
vivo, direto ou mediatizado, consumo do talento, da competência, da empatia, da comunicação do
artista e de seu público. É trabalho vivo gerando atividade viva, como emoções provocadas,
motivações incentivadas, visões de mundo suscitadas, desejos acionados do indivíduo-audiência. […] O
capital, na sua evolução contraditória, superou-se a si mesmo e, reduzindo ao limite de zero os termos
de produção e circulação, sobretudo estes nas suas atuais fronteiras espetaculares de investimento e
acumulação, fez do trabalho vivo, trabalho não redutível a abstrato, o seu próprio objeto de
acumulação (DANTAS, 2011, p. 47-48).

É importante apontar sobre esse caso o que Horn e Mazo (2010) indicam, que apenas os atletas
famosos é que têm a sua representação catalogada e mostrada no jogo nos mínimos detalhes. Os
demais não têm uma definição adequada, apenas os patrocinadores das camisas, o que fortalece a
imagem internacional de estrelas que jogam muito dentro do campo real e também podem ser
melhor identificados no virtual.
Por fim, ainda que não sejam grandes centros de futebol – mesmo que suas ligas atraiam ou já
tenham atraído jogadores importantes devido ao poder financeiro –, Estados Unidos e Japão têm
empresas sediadas em seus países nessa disputa por serem centros socioeconômicos e tecnológicos
do mundo. Ambos tiveram seus jogos se internacionalizando às vésperas do principal megaevento
esportivo do mundo em seus países, o que ajudou tanto no mercado interno quanto no externo.
Fleury, Nakano e Cordeiro (2014, p. 60) explicam historicamente como a indústria de jogos
digitais se concentra nesses dois países, num exemplo que indica a existência de economias de
aglomeração a partir de arranjos locais com concentração de empresas:
Nesses países, algumas regiões concentram as atividades, devido à existência de profissionais, aos
spillovers e ao próprio ambiente criativo. A Atari foi criada na Califórnia, assim como a Activision, a
Eletronic Arts e a Blizzard. A Valve nasceu no estado de Washington, e hoje tem sua sede em Bellevue,
vizinha a Seattle, onde anos mais tarde, a PopCap foi fundada. Já no Japão, a Nintendo nasceu e tem
sede em Kyoto enquanto a Konami foi fundada em Osaka, a cerca de 55 km de Kyoto, e a Sega tem
sede em Tóquio. Quando as empresas japonesas estabeleceram suas unidades em solo americano,
escolheram cidades onde já havia empresas do mesmo setor: a unidade americana da Nintendo está
localizada em Redmond, Washington, vizinha a Seattle; a Sega tem sua unidade americana em São
Francisco; e a Konami, em El Segundo, Califórnia. Por outro lado, as empresas americanas fizeram o
mesmo: a EA tem unidade em Tóquio.

Para facilitar as negociações por direitos de imagem e também as vendas de jogos, as empresas
acabam por manter filiais em outras partes do mundo. A EA chegou a ter na primeira década dos
anos 2000 uma no Brasil, mas se retirou em seguida, mantendo apenas a parceria com algumas
desenvolvedoras. A seguir, trataremos de outro problema comum que as empresas de jogos
eletrônicos vêm sofrendo no país.

A aquisição dos direitos de imagem para games no Brasil

Como indicado anteriormente, os times brasileiros já apareciam no FIFA em 1995, mas a


primeira vez que todas as equipes da primeira divisão estiveram num dos dois jogos eletrônicos de
futebol foi em 2007, também no FIFA. Uma década depois, as dificuldades para que os times
nacionais e seus jogadores estivessem nos jogos eletrônicos só deu sinais de melhora a partir de
2016.
Para os jogos de 2017, a EA Sports manteve contrato com 23 clubes brasileiros, entre os
presentes nas Séries A (18) e B (5) no ano anterior. Os times representados são: América-MG,
Atlético-MG, Atlético-PR, Botafogo, Chapecoense, Coritiba, Cruzeiro, Figueirense, Fluminense,
Grêmio, Internacional, Palmeiras, Ponte Preta, Santa Cruz, Santos, São Paulo, Sport e Vitória (Série
A); e Avaí, Criciúma, Goiás, Joinville e Vasco (Série B), ainda com contrato em vigor com a empresa.
Para o PES 2018, até setembro de 2017, da lista anterior só não haviam assinado contrato: América-
MG, Santa Cruz, Vitória, Avaí, Criciúma, Goiás, Joinville e Vasco ( Campeonato , 2017).
A EA Sports pode perder espaço pelos acertos da rival Konami nos últimos anos . A empresa
japonesa desde 2015 – ano em que a concorrente não teve nenhum time brasileiro licenciado – tem
exclusividade em usar as marcas e jogadores dos dois times com maior torcida no Brasil, Flamengo
e Corinthians.
A Konami assumiu o mercado brasileiro como importante para sua atuação, pois a sua
concorrente tem grande abrangência na Europa, de maneira a restringir a quantidade de clubes em
locais como Espanha (2) e Inglaterra (2) para a empresa japonesa. Assim, além de investir na
exclusividade de Flamengo e Corinthians, já possuía os direitos de seis estádios brasileiros
disponíveis como escolha de seus jogadores: Maracanã, Arena Corinthians, Morumbi, Mineirão,
Beira-Rio e Vila Belmiro. Agregados nos últimos anos ao Allianz Parque e ao São Januário, além de
fechar acordo de exclusividade com o Vasco (PARCEIRA, 2017).
A novidade para 2016 foi o anúncio de acordo de exclusividade com a Confederação Brasileira de
Futebol (CBF). O game torna-se o oficial do “Brasileirão Chevrolet”, podendo usar os nomes do
principal campeonato do país, podendo usar a bola criada pela Nike para o torneio e o troféu oficial.
A partir de 2017, o PES contava com os 20 clubes brasileiros da primeira divisão (LOBO, 2016c).
A expectativa da empresa é facilitar os acordos com clubes e jogadores a partir da mediação da
CBF, já que esta não faz parte da negociação de direitos de imagem dos clubes da primeira divisão
do país desde a criação (1987) do Clube dos 13, associação que representava os 18 clubes de maior
torcida do país. Para se ter uma ideia, o torneio brasileiro só passou a fazer parte do PES a partir de
2013.
A EA Sports não poderá usar o nome “Campeonato Brasileiro” ou “Brasileirão” em seus jogos,
pois os nomes são da CBF (LOBO, 2016a). Assim como não tem os direitos de nenhum estádio
brasileiro. O jogador de times locais terá que usar uma das 17 opções inventadas, os 20 estádios da
Premier League – liga inglesa cujos direitos são da empresa, assim como os da J-League (liga
japonesa) e os da La Liga (liga espanhola) –, e mais outros 22 estádios do mundo, caso da Allianz
Arena (Bayern de Munique-Alemanha) e do Parc de Princes (Paris Saint-Germain) (LOBO, 2016a).
Essa dificuldade que ambas as marcas têm no licenciamento gera uma série de problemas para
os clubes, dentre os quais está a possibilidade de conseguir maior quantia numa negociação
conjunta, especialmente para as equipes de menor torcida. Para as empresas, a negociação coletiva
viabilizaria acordo com todos os interessados de maneira mais prática (SANTOS, 2013) – evitando
que não se assine acordo ou ocorra apenas com alguns dos clubes e jogadores, como ocorreu com o
FIFA 2015 e alguns álbuns da Panini para o Campeonato Brasileiro, além do que ocorrerá com o
Football Manager para 2017.
Em diversos países da Europa e mesmo na Argentina, aqui na América do Sul, a negociação
desses direitos se dá pela federação nacional ou pela liga dos times, enquanto que os sindicatos de
jogadores negocia os direitos de imagem dos atletas de forma coletiva, recebendo parte disso e
distribuindo o dinheiro (LOBO, 2016b).
Isso ainda está bem distante de ocorrer no Brasil. Primeiro que os sindicatos de jogadores ainda
são muito fracos, servindo mais para dar apoio a ex-atletas ou para cobranças pontuais, mas sem
maior peso, quando um time deixa de pagar salários. Não à toa que o Bom Senso F.C, quando surgiu
em 2014, ganhou os holofotes, sendo uma associação de jogadores na ativa, conseguindo coisas
como adiar o início do calendário do futebol brasileiro no ano seguinte para garantir os 30 dias de
férias dos jogadores.
Quanto à associação de clubes, o desfecho de um processo no Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) em 2010 em vez de melhorar o processo, acabou gerando prejuízo.
Reconhecendo a independência dos clubes de negociar seus direitos de imagem, o Grupo Globo
acabou costurando a desintegração do Clube dos 13, com a negociação sendo individual desde
então. Como afirma Santos (2013, p. 166), “a centralização da exploração comercial de torneios
esportivos seria a melhor condição de negociação porque se faz necessária uma cooperação entre
os clubes no campo econômico”, pois trata-se de um evento com diferentes times, em que mesmo
uma partida não pode ser isolada do campeonato como um todo, que é o produto geral a ser
negociado.
Esses problemas se refletiram em outras áreas, casos da venda de placas em torno do campo e
para a venda ao mercado internacional – dois dos elementos que o Grupo Globo cedeu para seguir
com os direitos de transmissão do Brasileirão. Enquanto isso, em agosto de 2016 foi criada a
Associação Brasileira de eSports, que conseguiu no mês seguinte receber pela transmissão do
Esporte Interativo da Brasil Game Cup de Counter Strike (CLUBE, 2016).
Parolini, Carlassara e Rocco Jr. (2016) analisaram o potencial do marketing a partir dos jogos
eletrônicos de futebol e trazem dois exemplos do mercado internacional. Primeiro, ao indicarem que
a liga chinesa foi completamente licenciada pela EA Sports para o FIFA, dado o crescimento das
vendas de games na China. O segundo exemplo é o seguinte:
Entendendo esse crescimento do setor, equipes e franquias de várias modalidades esportivas estão
cada vez mais elaborando estratégias para atingir esse público consumidor de games esportivos, como
no caso do Manchester City que dentro do seu estádio possui uma estação de vídeo game para os
torcedores jogarem FIFA com o clube dos citzens. Na mesma estratégia, a empresa patrocinadora do
clube disponibiliza em alguns de seus voos, a mesma possibilidade para os passageiros (PAROLINI,
CARLASSARA, ROCCO JR, 2016, p. 2).

Há um prejuízo acumulado enorme, levando-se em consideração o público desperdiçado quando


não se tem jogadores, clubes e torneios nacionais nestes jogos. A maior parte de gamers no país
está na faixa etária dos 21 aos 35 anos, para além do entretenimento de crianças e adolescentes,
cuja escolha dos clubes está em andamento. Quer dizer, perde-se um importante nicho de
consumidores no presente e no futuro a ser explorado para as próprias marcas dos clubes, em
concorrência com os de fora especialmente graças à maior transmissão de torneios internacionais a
partir do novo século; e até para os patrocinadores das equipes.

Considerações finais

Ainda que o nosso intuito neste artigo tenha sido pegar como objeto um produto midiático
segmentado, os jogos eletrônicos de futebol, tentamos ao longo do texto tratar de forma ainda
inicial de alguns elementos de mercado que conformam a indústria de jogos digitais, elemento que
permite uma quantidade enorme de perspectivas de estudos dadas as poucas análises ainda
existentes tanto no campo da Comunicação, quanto nos estudos econômicos.
Trata-se de indústria de entretenimento importante em fluxo financeiro. Ainda que no Brasil o
preço dos consoles seja maior em relação a outros países, há especial interesse das empresas
estrangeiras do setor num mercado consumidor de mais de 60 milhões de pessoas; além do
aumento gradativo de empresas nacionais que surgem e tentam sobreviver para produzir jogos
eletrônicos para alguma plataforma.
Dentro desta realidade há o interesse cada vez maior de se conquistar uma faixa de público
consumidor de produtos culturais que se interessa por esses jogos. No caso aqui em análise, o jogo
eletrônico de futebol gera muitas receitas a cada nova versão, captando um público jovem também
para a publicidade que está presente nele.
A segunda via, que ficará para outro artigo, vem com a criação de torneios para os jogos
eletrônicos de forma geral, os eSports, que contêm também games de futebol, a ponto de a FIFA
eleger o melhor jogador do ano também nesta modalidade a partir da franquia que tem o direito de
usar sua marca.
Assim, percebe-se um grande potencial que vem sendo desperdiçado pelos clubes brasileiros até
agora tanto na possibilidade de difusão de sua marca quanto no quesito econômico direto, com uma
negociação que possa gerar maiores valores – como vem ocorrendo em outros setores de vendas de
direitos de transmissão –, quanto pensando no futuro, no caso da difusão da marca para potenciais
torcedores.
Por fim, no que se refere aos estudos da Economia Política da Comunicação, observar a indústria
de jogos digitais nas suas diversas vertentes numa perspectiva crítica heterodoxa, que marca este
eixo teórico-metodológico, também se faz necessário para podermos entender uma indústria de
entretenimento em constante crescimento, que gera produtos paralelos em outras mídias (animes,
filmes, etc.), e que ainda peca em trabalhos sobre ela.

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Notas

[1] Entre idas e vindas do grupo Warner em relação à Atari, houve: divisão da empresa em duas,
com o grupo ficando apenas com a produção de games (software), em 1985; venda desta parte,
aquisição e revenda, em 1993; e compra da propriedade intelectual da produção de jogos
eletrônicos em meados dos anos 2000, quando todas as derivações da Atari entraram em falência.
Em 2016, o grupo Time Warner, gigante do mercado da comunicação, foi comprado pela ATeT, das
telecomunicações.
Redes Sociais e internet: como as pessoas se tornaram
usuárias, produtoras e consumidoras em um piscar de olhos

Marcos Urupá

Introdução

Fazer um chek-in no Foursquare, curtir um post no Facebook, colocar uma foto no Instagram,
fazer um comentário sobre algum local no TripAdvisor, usar o Twitter para mandar um “tuíte”.
Essas ações fazem parte do cotidiano das pessoas há alguns anos e integram a forma de como
participamos atualmente da internet.
Instagram, Facebook, Foursquare, TripAdvisor e Twitter são redes sociais que possuem milhões
de usuários conectados que diariamente as alimentam. Fato é que essas e outras as redes sociais
estão presentes em nosso dia a dia. Mas, afinal, até onde elas podem influenciar a sociedade? É
possível ter noção da sua força? São elas apenas simples aplicativos que permitem a troca de ideias
e fotos, bate-papo, procurar por amigos e colegas de escola e se promover encontros, incentivando
relacionamentos? Será que elas podem se tornar ferramentas de uma nova maneira de participação
da sociedade, com aplicativos que dão suporte e facilitam os relacionamentos, com intensa e
diversificada participação de todos, de olhos nas mudanças no mundo, mas em um mínimo espaço
de tempo, tudo muito rápido, em um clique apenas? E as grandes corporações? Que papel elas
possuem nesse cenário?
Um dado concreto, é que existe uma nova geração que já começa a vida teclando e vivenciando
um mundo rápido, instantâneo, com troca de informações a cada instante, convivendo com um
enorme volume de informações. Essa geração sabe o quanto as redes sociais são importantes no seu
dia-a-dia. Tem de tudo, da troca de informações e opiniões aos encontros de ex-alunos,
disponibilização de fotos, dicas de todo o tipo e até mesmo propostas de namoro e de emprego. Uma
pesquisa1feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br), apontou que 70% dos jovens entre
9 e 16 anos têm perfis em algumas das redes sociais descritas acima e que 68% usam a internet
para navegar nessas redes. Entre as crianças de 9 a 10 anos, este valor abrange 44% do total. Já
entre pré-adolescentes de 11 e 12 anos, o percentual de usuários de redes sociais chega a 71%.
O levantamento aponta ainda que, a maioria das crianças também afirma mentir a idade nas
redes sociais. Um dos motivos para isso pode ser a proibição do Facebook (rede social mais popular
do Brasil) para menores de 13 anos.
Está claro que o público jovem tem afinidade com as redes sociais e a internet, por já nascerem
em um cenário onde elas já integram o seu cotidiano. Porém, é importante frisar que não são só os
jovens que participam ativamente das redes sociais e da internet.
Empresas de comunicação, órgãos públicos, adultos, profissionais liberais, agências de
publicidade, trabalhadores de todas as áreas estão interagindo, curtindo, comentando,
compartilhando, postando e tuitando.
Estamos vivendo a era de uma “Cultura de Convergência”, onde o online torna-se cada vez mais
presente e se misturando com o mundo offline. Ao mesmo tempo, temos visto anônimos no mundo
offline mas que no mundo online são verdadeiros pop stars, com várias "curtidas" em um post no
"face", milhões de visualizações em um vídeo e com centenas de retuítes de um tuíte.
A passividade de produzir e comunicar ficou de lado e agora todos, de vários cantos do mundo
estão sendo produtores de conteúdo e de dados, a partir de dispositivos convergentes. Ou seja,
temos dois processos de convergência: um de múltiplas plataformas, composta em grande parte
pelas redes sociais, onde todas se integram de alguma forma; e outra de equipamento, onde a partir
de um único sistema/aparelho, como um tablet ou smartphone, é possível fazer ao mesmo tempo
comunicação, conteúdos e entretenimento, permitindo mensagens instantâneas, email, visualização
de filmes, filmagem, videoconferência e, claro, também serve para telefonar.
Isso rompe uma lógica de unicidade, onde os vários dispositivos para comunicação,
entretenimento e computação, como o telefone, a televisão, o rádio, o aparelho de som, o
computador e a calculadora eram concebidos e produzidos de forma que cada positivo era
indissociável de sua função. Um dispositivo, como o telefone, possuía apenas uma função, que era
cativa daquele dispositivo e nenhum outro dispositivo possuía. Se você queria executar várias
funções em comunicação, entretenimento e computação, você precisava usar vários dispositivos.
Essa nova era de convergência tem pontos positivos e pontos negativos. Este artigo se propõem a
analisar um pouco desse cenário, mostrando a evolução da internet até o cenário atual da web 2.0,
suas características e seus problemas, assim como seus benefícios. Também será apontado a
relação disso tudo com o indivíduo, especialmente no tocante à produção de informações e dados,
através do conceito de cultura participativa.
Em linhas gerais, o artigo está dividido em história da internet, o começo de tudo; a evolução da
rede até a web 2.0; o cenário da web 2.0, com seus benefícios e problemas. Nossa proposta é
mostrar um pouco desse panorama convergente que a sociedade vive, para entendê-lo da melhor
maneira possível.
Entendemos que este pequeno artigo não esgotará o assunto, pois a cada dia, existe um cenário
novo quando o assunto é internet e redes sociais.

A história da Internet: o começo de tudo

A internet revolucionou o funcionamento tradicional das sociedades modernas como o fizeram, a


seu tempo, a imprensa, a máquina a vapor, a eletricidade ou a telegrafia sem fio (rádio). Hoje
parece normal fazer cursos on-line, preencher formulários administrativos a distância ou expressar
opiniões em fóruns de discussão.
Internet é “rede de computadores dispersos por todo o planeta que trocam dados e mensagens
utilizando um protocolo comum” (fonte). Ela nasceu no final dos anos 1960, em plena Guerra Fria,
graças à iniciativa do Departamento de Defesa americano, que queria dispor de um conjunto de
comunicação militar entre seus diferentes centros. Uma rede que fosse capaz de resistir a uma
destruição parcial, provocada, por exemplo, por um ataque nuclear.
Ela seria uma das formas das forças armadas norte-americanas de manter as comunicações em
caso de ataques inimigos que destruíssem os meios convencionais de telecomunicações. Nas
décadas de 1970 e 1980, além de ser utilizada para fins militares, a Internet também foi um
importante meio de comunicação acadêmico. Estudantes e professores universitários,
principalmente dos EUA, trocavam ideias, mensagens e descobertas pelas linhas da rede mundial.
Para isso, o pesquisador Paul Baran concebeu um conjunto que teria como base um sistema
descentralizado. Esse cientista é considerado um dos principais pioneiros da internet. Ele pensou
em uma rede tecida como uma teia de aranha (web, em inglês), na qual os dados se movessem
buscando a melhor trajetória possível, podendo “esperar” caso as vias estivessem obstruídas. Essa
nova tecnologia, sobre a qual também se debruçaram outros grupos de pesquisadores americanos,
foi batizada de packet switching, “troca de pacotes”.
Em 1969, a rede ARPAnet já estava em operação. Ela foi o fruto de pesquisas realizadas pela
Advanced Research Project Agency (ARPA), um órgão ligado ao Departamento de Defesa americano.
A ARPA foi criada pelo presidente Eisenhower em 1957, depois do lançamento do primeiro satélite
Sputnik pelos soviéticos, para realizar projetos que garantissem aos Estados Unidos a superioridade
científica e técnica sobre seus rivais do leste.
A ARPAnet a princípio conectaria as universidades de Stanford, Los Angeles, Santa Barbara e de
Utah. Paralelamente, em 1971, o engenheiro americano Ray Tomlinson criou o correio eletrônico.
No ano seguinte, Lawrence G. Roberts desenvolveu um aplicativo que permitia a utilização
ordenada dos e-mails. As mensagens eletrônicas se tornaram o instrumento mais utilizado da rede.
A ARPAnet seguiu sua expansão durante os anos 1970 – a parte de comunicação militar da rede foi
isolada e passou a se chamar MILnet.
Foi somente no ano de 1990 que a Internet começou a alcançar a população em geral. Neste ano,
o engenheiro inglês Tim Bernes-Lee desenvolveu a World Wide Web, o "www", possibilitando a
utilização de uma interface gráfica e a criação de sites mais dinâmicos e visualmente interessantes.
A partir deste momento, a Internet cresceu em ritmo acelerado. Muitos dizem, que foi a maior
criação tecnológica, depois da televisão na década de 1950.
A década de 1990 tornou-se a era de expansão da Internet. Para facilitar a navegação pela que
agora era mundial, surgiram vários navegadores (browsers) como, por exemplo, o Internet Explorer
da Microsoft e o Netscape Navigator. O surgimento acelerado de provedores de acesso e portais de
serviços on line contribuíram para este crescimento. A Internet passou a ser utilizada por vários
segmentos sociais. Os estudantes passaram a buscas informações para pesquisas escolares,
enquanto jovens utilizavam para a pura diversão em sites de games. As salas de chat tornaram-se
pontos de encontro para um bate-papo virtual a qualquer momento. Desempregados iniciaram a
busca de empregos através de sites de agências de empregos ou enviando currículos por e-mail. As
empresas descobriram na Internet um excelente caminho para melhorar seus lucros e as vendas on
line dispararam, transformando a Internet em verdadeiros shopping centers virtuais.
Nos dias atuais, é impossível pensar no mundo sem a Internet. Ela tomou parte dos lares de
pessoas do mundo todo. Estar conectado a rede mundial passou a ser uma necessidade de extrema
importância. A Internet também está presente nas escolas, faculdades, empresas e diversos locais,
possibilitando acesso às informações e notícias do mundo em apenas um click.
Dados recentes da pesquisa TIC Domicílios do NIC.br e do IBGE sobre o número de usuários da
internet apontam que hoje, no Brasil, 51% da população acessa a internet. Apenas 39% nunca
acessaram a rede mundial de computadores.

Quadro 1: Número de usuários da internet no Brasil

Fonte: teleco.com.br

Segundo a pesquisa, isso representa, em número absolutos, 85,9 milhões de usuários de Internet
no Brasil em 2013.

A evolução da rede

A fase embrionária da internet era bem diferente da que conhecemos hoje. Quando Tim
Bernners-Lee criou a world wide web, ele permitiu a criação do hipertexto formando a base de um
novo tipo de comunicação em rede. Isso permitiu o surgimento de weblogs, lista de emails,
servidores que ajudaram a formar e potencializar a ação de grupos e pessoas no mundo
offline(DIJCK, 2013). Era o tempo da web 1.0.
A web 1.0 consistia em sua generalidade em sites de conteúdo estático com pouca interatividade
dos internautas e diversos diretórios de links. Ainda com poucos usuários, e esses em sua grande
maioria fazendo um uso bastante técnico da rede, predominavam os sites de empresas e instituições
recheados de páginas “em construção” (VICENTIM, 2013).
Evoluindo de suas raízes de uso militar e universitário, a internet começou a caminhar e tomar
forma diante das necessidades das pessoas. Essa foi a era do e-mail, dos motores de busca
simplistas e uma época onde todo site tinha uma seção de links recomendados.
Mesmo sendo muito diferente do que conhecemos hoje, a internet foi uma revolução para
aqueles que dependeram a vida toda de bibliotecas, correios e telefones para trocar informações,
aprender ou consultar. Os principais serviços dessa época eram o Altavista, Geocities, Cadê,
Hotmail, DMOZ, Yahoo! e, claro, o Google.
Porém, isso muda no começo dos anos 2000.
Até a virada do milênio, a mídia em rede eram sua maioria serviços genéricos ao qual você podia se
juntar ou utilizar para construir grupos, mas o serviço em si não conectava automaticamente com os
outros. Com o advento da Web 2.0, pouco depois da virada do milênio, os serviços on-line mudaram de
oferecer canais de comunicação em rede para se tornarem interativos, veículos bidirecionais para a
sociabilidade em rede[...]. Estes novos serviços, que abrira uma infinidade de possibilidades para
conexões online, foram inicialmente percebidos como uma nova infra-estrutura global, como
tubulações de água ou cabos de electricidade, análogos à própria web. É um truísmo dizer que a mídia
tem historicamente evoluído juntamente com o público que a utiliza, bem como com a maior economia
de inscrição (DIJCK, 2013, p. 31).

A essa nova fase da internet, que muda a partir do início do milênio, foi dado o nome de web 2.0.
A web 2.0 tem como principal característica o aspecto social e participativo do usuário na rede. Ela
foi a revolução dos blogs e chats, das mídias sociais colaborativas, das redes sociais e do conteúdo
produzido pelos próprios internautas.
Este foi o momento em que a internet se popularizou em todo o mundo e começou a abranger
muito mais do que algumas empresas para se tornar obrigatória para qualquer um que queira ter
sucesso no mercado. Por meio do YouTube, Facebook, Flick, Picasa, Wikipédia, Twittere muitas
outras redes sociais, todos passaram a ter voz e essa voz passou a ser escutada e respeitada
fielmente. A passividade deu lugar à participação, interação e sociabilidade.

A principal característica é a participação do usuário como gerador de conteúdos.

Ele deixou de ser apenas um espectador e passou a fazer parte do movimento, podendo assim,
alterar ou acrescentar conteúdo dos sites. Isso tudo, graças ao surgimento de ferramentas intuitivas
e de fácil utilização, como por exemplo, os serviços de wikis, vídeos e blogs, e ainda as redes sociais
como o Orkut, Twitter e Facebook. A internet passou a ser uma via de mão dupla, sendo que as
informações que vão até o usuário, vêm do próprio usuário.
O termo Web 2.0 (e consecutivamente, o Web 1.0) foi criado pelo especialista no setor Tim
O’Reilly, classificando essa nova forma de utilizar a internet como uma “web como plataforma”. Os
sites criados para esse momento da internet já não são estáticos e possuem um layout claramente
focado no consumidor e também na usabilidade dos buscadores. Nesse momento a navegação
mobile e uso de aplicativos já estão presentes no dia-a-dia das pessoas.
Abaixo, um quadro que resume bem a diferença entre os dois momentos da internet:

Quadro 2: Momentos da internet

Fonte: http://digitaldiscovery.eu

A convergência e cultura participativa

É no cenário da web 2.0 que se amplia a concepção de convergência dos meios de comunicação e
a cultura participativa.
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à
cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos
meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento
que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações técnicas,
mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar
falando (JENKINS, 2009, p. 30).

A convergência possibilita o surgimento de famílias como a dos Alvin (DIJCK, 2013). Os


integrantes desta família como uma típica família de classe média dos Estados Unidos, onde o pai,
Pete, é um professor de biologia de 45 anos, que tem uma página no Facebook , onde mantém uma
rede de "Amigos". É possuidor de uma conta no LinkedIn , onde mantém o seu perfil profissional e,
ocasionalmente, conecta-se com outros membros do Sindicato Nacional professores. Além disso, ele
se tornou um colaborador entusiasmado da Wikipedia , em 2004, e ainda contribui para a
enciclopédia online com entradas sobre sua especialidade, lagartos. Pete também costumava ser um
membro de um grupo de parapente no YouTube , que, bem ativa em 2006, com vídeos curtos de
deslizes espetaculares; o grupo mais tarde se dissipou, e ele verifica apenas esporadicamente o site
para deslizes interessantes. A esposa de Pete Sandra é um ex-jornalista que agora ganha dinheiro
como jornalista freelancer especializada em comida. Ela tem mais de 8.000 seguidores no Twitter e
mantém um Blog elaborado que também serve como seu site pessoal de relações públicas. Uma
família ativa de "internautas", os Alvins fazem encomendas via Amazon e download músicas através
do iTunes ; Sandra usa Skype para ter conversas de vídeo com seu irmão em Hong Kong; Nos seus
16 anos de idade, filha Zara é um fanática do Facebook com 456 amigos, e agora ela também usa
Pinterest ; e seu filho Nick de 12 anos é um jogador consagrado, que descobriu recentemente
CityVille , uma rede de jogos sociais desenvolvida pela Zynga.
Este mundo convergente de mídias, onde toda história importante é contada, toda marca é
vendida e todo consumidor é cortejado por múltiplas plataformas (JENKINS, 2009). Ou seja, todo
usuário se torna ao mesmo tempo produtor e consumidor. Este é o princípio que norteia a cultura
participativa.
A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos
espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia
como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de
acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo (JENKINS, 2009.
p. 30).

Vejamos como exemplo de cultura participativa, o YouTube . Se recordarmos, veremos que trata-
se de uma das plataformas que Pete, o pai da família Alvin utiliza. O YouTube foi criado em junho
2005 por três jovens. Ele tinha como principal finalidade permitir que seus usuários fizessem upload
de vídeos pessoais e amadores. Era uma espécie de repositório digital de vídeos.
A inovacão original era de ordem tecnolóógica (mas não exclusiva): o YouTube era um entre os vários
serviços concorrentes que tentavam eliminar as barreiras técnicas para maior compartilhamento de
vídeos na internet. Esse site disponibi- lizava uma interface bastante simples e integrada, dentro da
qual o usuário podia fazer o upload, publicar e assistir vídeos em streaming sem necessidade de altos
níveis de conheci- mento técnico e dentro das restrições tecnológicas dos pro- gramas de navegação
padrão e da relativamente modesta largura de banda. O YouTube não estabeleceu limites para o
número de vídeos que cada usuário poderia colocar on-line via upload , ofereceu funções básicas de
comunidade, tais como a possibilidade de se conectar a outros usuários como amigos, e gerava URLS
e códigos HTML que permitiam que os vídeos pudes- sem ser facilmente incorporados em outros sites,
um diferencial que se aproveitava da recente introdução de tecnologias de blogging acessíveis ao
grande público (GREEN; BURGESS, 2009, p. 18).

Porém, ao longo dos anos, a experiência de uso, cunhada na cultura participativa, foi moldando o
uso da ferramenta, que após a compra pela gigante Google, acabou sendo alvo e objeto de uso tanto
de grandes corporações quanto por usuários "comuns". Isso fez com que o slogan inicial Your Digital
Video Repository (Seu Repositório de Vídeos Digitais), mudasse para a atual, e já consagrada,
Broad-cast yourself (algo como “Transmitir-se”). A plataforma passou a entrar no foco de disputas
judiciais por direitos autorais, geralmente questionados pelas grandes corporações, contra os
usuários comuns, que lá atrás ajudaram a construir o conceito da plataforma de vídeos.
Isso na verdade, é uma característica que as plataformas sociais e de comunicação da web 2.0
adquiriram: foram ocupadas por grandes corporações, que com volumosos recursos financeiros,
acabaram utilizando essas plataformas como pontos de venda, em sentido amplo, tornando os seus
usuários em potenciais consumidores, com um diferencial: com acesso a todas as informações,
produzidas pelos próprios usuários que agora se tornaram consumidores.
Essa ocupação se deu tanto na forma de aquisição das plataformas, como o YouTube pela Google,
quanto pelo pagamento de publicidade, modelo de negócio que essas plataformas, como o
Facebook, enxergaram para se manterem financeiramente, garantindo assim mais investimentos em
infra-estrutura, desenvolvimento e inteligência na web.
Esta talvez seja um dos grandes problemas hoje da web 2.0. A cultura participativa acabou se
tornando seu grande agente financeiro, pois colocou no mesmo espaço grandes corporações e
usuários comuns, que viraram produtores de conteúdos e fornecedores de dados, descaracterizando
essa redes sociais e tornando-as verdadeiros espaços de consumo.

Quem está conectado à Rede?

É preciso contudo, encarar que este cenário não é para todos. Apesar da clareza de que o acesso
à rede mundial de computadores traz inúmero benefícios em vários aspecto da atual sociedade da
informação, mudando inclusive a lógica de produção da informação, o que significa mais pessoas
emitindo opiniões e ideias, o acesso à internet ainda não é uma realidade de todos.
O Measuring Information Society - MIS, publicação2 anual da União Internacional de
Telecomunicações que mede o desenvolvimento em TICs dos países que a integram, aponta que em
2014 cerca de 4,3 bilhões de pessoas ainda não estão online. Desse total, 90% são pessoas que
moram em países em desenvolvimento, como o Brasil. Um dado que o relatório apresenta que
merece atenção é sobre as conexões de banda larga fixa e banda móvel.
Nos países em desenvolvimento, a taxa de crescimento da banda larga fixa se manteve em 6%,
contra 27,5% nos países desenvolvidos. Nestes países, o relatório aponta que as taxas de
crescimento são mais lentas. Um dos fatores colocados são as quantidades de pessoas que moram
nos centros urbanos e na zona rural. Nos países em desenvolvimento, as taxas de moradores da
zona rural são maiores que a urbana. Conectar essas pessoas então é uma tarefa mais difícil. Por
outro lado, nos países desenvolvidos a maioria populacional vive nos grandes centros urbanos, o
que coloca um número maior de pessoas conectadas e com acesso aos serviços proporcionados pela
internet.
Na região das Américas, o relatório aponta que em 2013, Estados Unidos e Canadá ocupam na
classificação regional o primeiro e segundo lugar, respectivamente, e na classificação mundial 14º e
23ª posição, respectivamente. O Brasil, na classificação regional ocupa a décima posição na
classificação mundial a 65º posição. Apesar do crescimento das conexões móveis crescer, elas vivem
um estrangulamento e as taxas de crescimento entre as regiões desenvolvidas e em
desenvolvimento é bem grande, sendo de 84% e 21%.
O relatório aponta ainda que investir em desenvolvido de tecnologias da informação e da
comunicação deveria ser uma prioridade dos países em desenvolvimento. Para isso, torna-se
fundamental a elaboração de políticas públicas no setor. Mas isso fica para outro debate.

Conclusão

Está claro que a sociedade vive um cenário de convergência, produção e interação nunca antes
visto na sua história. A tentativa deste artigo foi enumerar isso de maneira concisa, mostrando os
pontos centrais desse tema, explicando a origem da internet, sua relação com a sociedade e de
como a evolução dessa tecnologia mudou a rotina do atual cidadão, seja em que lugar do mundo ele
esteja.
Foi mostrado a mudança de posição do usuário no cenário de convergência digital. Antes, este
usuário era um receptor de informações, sem ter a chance de interação alguma com o produtor
"tradicional" de conteúdo. Agora, ele também se torna um produtor de informação, tendo a
oportunidade de difundir essa informação para qualquer canto do planeta. Ao mesmo tempo, é
observado que o surgimento dos smartphones e da internet móvel facilitou esta mudança.
Mas nem mesmo a web 2.0 ficou livre a ação do grande capital e grandes redes que têm o
princípio da cultura participativa encontraram um modelo de negócio que inseriu o usuário,
produtor de informação fornecedor de dados, em usuários consumidores, seja com a aquisição das
plataformas, como o YouTube, ou com o investimento em posts patrocinados, direcionando produtos
para os integrantes das redes sociais. Essa postura acabou gerando um conflito entre os usuários
que ajudaram a construir a concepção colaborativa dessa rede e os grandes
investidores/corporações.
Contudo, nem todos têm a oportunidade de usufruir dos benefícios que a internet proporciona.
Existem disparidades que serão corrigidas somente com a adoção de políticas públicas, pois o
mundo virtual deve ser uma janela aberta para todos.

Referências Bibliográficas

BRANCO, Claudia Ferraz Castelo (org); MATSUZAKI, Luciano (org). Olhares da Rede . São Paulo:
Momento Editorial, 2009.

BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a Revolução Digital: como o maior fenômeno da cultura
participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009.

CASTELLS, Manuel. Internet e Sociedade em Rede. In: MORAES, Denis (Org.). Por uma outra
comunicação . 2. ed. Rio de Janeiro, Record, 2004. p. 255-287

DIJCK, Jose Van. A Cultura da Conectividade: Uma história crítica da Mídia Social. Oxford: Oxford
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GERALDES, Elen; HAJE, Lara; LEAL, Sayonara (Orgs.). Políticas de Comunicações. Um Estudo
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VICENTIM, Joyce. Web 1.0, Web 2.0, Web 3.0... Enfim O que é isso?. Disponível em:
http://www.ex2.com.br/blog/web-1-0-web-2-0-e-web-3-0-enfim-o-que-e-isso/. Acesso em: 13 abr.
2015.

Notas

[1] Pesquisa TIC Kids, feita em 2012 disponível em: http://www.cetic.br/publicacoes/2012/tic-kids-


online-2012.pdf

[2] Disponível em: http://www.itu.int Acesso em: 21 de maio de 2015.


Sobre os autores

Adilson Vaz Cabral Filho


Professor do Curso de Comunicação Social e dos Programas de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano
e de Estudos Pós-graduados em Política Social da UFF. E-mail: acabral@comunicacao.pro.br.

Anderson David Gomes dos Santos


Professor da unidade Santana do Ipanema/Campus Sertão da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL), secretário-geral da Ulepicc-Brasil e doutorando no Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Graduado em Comunicação Social/Jornalismo, pela
UFAL, mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS e membro do grupo de pesquisa
Comunicação, Economia Política e Sociedade (OBSCOM-CEPOS). E-mail.com:
andderson.santos@gmail.com.

Antonio Albino Canelas Rubim


Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT) e professor do
Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Ex-Secretário de Cultura do Estado da Bahia – Brasil.

Chalini Torquato G. de Barros


Professora adjunta da Escola de Comunicação da UFRJ. Doutora e mestre pelo Programa de Pós
Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. Diretora Adjunta de Graduação
da ECO/UFRJ. Integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia Política da Informação e da
Comunicação (PEIC). E-mail: chalini.torquato@eco.ufrj.br

Dácia Ibiapina
Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro e Pós-Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí. É professora de
audiovisual da Faculdade de Comunicação e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UnB.

Douglas Alves Medeiros


Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe
(UFS). Especialista em “Comunicação Digital, Webjornalismo e Novas Mídias” no Centro
Universitário Tiradentes (UNIT), graduado em Comunicação Social/Relações Públicas pela
Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia
Política e Sociedade (OBSCOM-CEPOS). E-mail.com: douglasmedeiros86@gmail.com

Eula D. T. Cabral
Tem Pós-Doutorado, Doutorado e Mestrado em Comunicação. Trabalha na Fundação Casa de Rui
Barbosa no setor de Políticas Culturais na área de Economia Política da Comunicação e da Cultura.
É professora do Programa de Pós-Graduação em Memória e Acervos da FCRB. E-mail:
eulacabral@gmail.com.
Flávia Rocha
Doutora e Mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB).

Iluska Coutinho
Jornalista, mestre e doutora em Comunicação, realiza pesquisas sobre Televisão e Pluralismo com
financiamento do CNPq. Professora do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UFJF, coordena o Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais, associado à
Rede Telejor.

Luiz Felipe Novais Falcão


Jornalista e mestrando em Comunicação (UFJF). Integrante do Laboratório de Jornalismo e
Narrativas Audiovisuais e repórter de TV. E-mail: luizfelipefalcao@gmail.com.

Marcos Urupá
Doutorando em Políticas de Comunicação na Universidade de Brasília (UnB); mestre em Políticas de
Comunicação pela UnB; especialista em Gestão e Políticas Públicas pela FESPSP; jornalista formado
pela Universidade Federal do Pará; advogado formado pela Universidade da Amazônia. E-mail:
marcosurupa@gmail.com

Natália Oliveira Teles da Silva


Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação da
Universidade de Brasília. E-mail:nataliatots@gmail

Samária Andrade
Doutoranda em Comunicação pela UnB (Universidade de Brasília), Mestrado em Comunicação pela
UFPI (Universidade Federal do Piauí), Professora e Pesquisadora da UESPI (Universidade Estadual
do Piauí), Coordenadora do Grupo de Pesquisa Observa (Observatório do Jornalismo/Uespi) e
integrante do Grupo de Pesquisa Comum (UFPI). E-mail.com: samaria.andrade@hotmail.com

Sérgio Ribeiro de Aguiar Santos


Professor Universidade de Brasília (UnB). E-mail.com: ras.sergio@gmail.com.

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