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Kiera Cass
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Epílogo
Agradecimentos
Kiera Cass
A Coroa
The Selection
Marcador
Capítulo 1
— Eu?
— Você.
— Tem a certeza?
Agarrei a Neena pelos ombros.
— Você diz-me sempre a verdade, mesmo quando não a quero ouvir.
Tolera o meu pior e é demasiado inteligente para passar os dias a dobrar as
minhas roupas.
Ela fez um sorriso rasgado, pestanejando para reprimir as lágrimas.
— Dama de companhia... O que é que isso quer dizer?
— Bem, é uma mistura de acompanhante, o que já é, com alguém que
ajuda com o lado menos glamoroso do meu trabalho, como agendar
compromissos e garantir que eu me lembro de comer.
— Acho que consigo lidar com isso — disse ela, sorrindo.
— Oh, oh, oh, e — ergui as mãos, preparando-a para, provavelmente, a
parte mais emocionante do trabalho — isso significa que já não tem de usar
esse uniforme. Portanto, vá mudar de roupa.
A Neena soltou uma risadinha.
— Não sei se tenho alguma coisa adequada. Mas garanto que vou
arranjar algo para amanhã.
— Disparate. Basta ir ao meu armário.
Ela encarou-me boquiaberta.
— Não posso.
— Hum, pode e deve. — Apontei para as portas amplas. — Vista-se,
vá ter comigo ao escritório e resolveremos o que for surgindo, um dia de
cada vez.
Ela assentiu com a cabeça e, como se o tivéssemos feito um milhar de
vezes, abraçou-me.
— Obrigada.
— Obrigada eu — insisti.
— Não a vou desiludir.
Afastei-me, observando-a.
— Eu sei. A propósito, a sua primeira tarefa é escolher-me uma nova
aia.
— Não há problema.
— Excelente. Até breve.
Saí do quarto, sentindo-me melhor por saber que tinha pessoas ao meu
lado. O general Leger seria a minha ligação com a minha mãe e o meu pai,
a Lady Brice seria a minha conselheira principal e a Neena ia ajudar-me a
lidar com a carga de trabalho.
Tinha passado menos de um dia e já percebia por que razão a minha
mãe achara que eu ia precisar de um companheiro. Ainda tinha a intenção
de encontrar um. Só precisava de algum tempo para descobrir como.
***
Nessa tarde, esperei pelo Kile do lado de fora do Salão dos Homens,
enquanto caminhava preocupada de um lado para o outro. De todas as
minhas relações com os Selecionados, a nossa era a mais complicada e,
ainda assim, o lugar mais fácil por onde começar.
— Olá — disse ele, aproximando-se para me dar um abraço. Não pude
deixar de sorrir ao pensar que, se ele tivesse tentado fazer o mesmo há um
mês, eu teria chamado os guardas para o levarem. — Como estás?
Fiz uma pausa.
— É engraçado, foste o único que perguntou. — Separámo-nos. —
Estou bem, acho. Pelo menos, enquanto estou ocupada. Mas assim que as
coisas acalmam fico uma pilha de nervos. O meu pai está destroçado. E
sinto-me arrasada por o Ahren não ter voltado. Pensei que voltaria pela
minha mãe, mas nem sequer telefonou. Não devia, pelo menos, ter feito
isso?
Engoli em seco, sabendo que estava a ficar demasiado enervada.
O Kile agarrou-me na mão.
— Pronto, vamos pensar nisso. Ele foi para França e casou-se, tudo
num só dia. Deve haver uma tonelada de papelada oficial e outras coisas
para pôr em ordem. E há a hipótese de ele nem sequer ter sabido ainda o
que aconteceu.
Acenei com a cabeça.
— Tens razão. E eu sei que ele se importa. Deixou-me uma carta
demasiado honesta para eu duvidar disso.
— Vês, aí está. E ontem à noite o teu pai parecia prestes a precisar de
ser levado para o hospital também. Estar com a tua mãe e acompanhá-la dá-
lhe, provavelmente, uma sensação de controlo quando não há
absolutamente nenhum. Ela já ultrapassou o pior e sempre foi uma lutadora.
Lembras-te da visita daquele embaixador?
Fiz uma careta.
— Estás a falar daquele da União Paraguai-Argentina?
— Sim! — exclamou ele. — Ainda me lembro perfeitamente da
situação. Ele era tão rude com toda a gente, a cair de bêbado ao meio-dia
dois dias seguidos. Até que a tua mãe o agarrou finalmente pelas orelhas e o
atirou pela porta da frente.
Abanei a cabeça.
— Eu sei. Também me lembro dos intermináveis telefonemas que se
seguiram, para tentar acalmar as coisas com o presidente deles.
O Kile ignorou esse detalhe.
— Esquece isso. Lembra-te só que a tua mãe não deixa que as coisas
lhe aconteçam. Quando algo lhe tenta arruinar a vida, ela atira-o para a rua.
Sorri.
— É verdade.
Ficámos ali em silêncio por um momento e foi agradável e calmo.
Nunca me tinha sentido tão grata.
— Hoje estou ocupada no resto do dia, mas talvez pudéssemos passar
algum tempo juntos amanhã à noite?
Ele assentiu.
— Claro.
— Há muita coisa para conversar.
Ele franziu as sobrancelhas.
— Como o quê?
Virámo-nos ao mesmo tempo, notando a figura perto de nós.
— Desculpe-me, Vossa Alteza — disse o guarda com uma reverência
mas tem uma visita.
— Uma visita?
Ele acenou com a cabeça, não me dando qualquer informação sobre
quem poderia ser.
Suspirei.
— Muito bem. Falo contigo depois, está bem?
O Kile apertou-me rapidamente a mão.
— Claro. Avisa-me se precisares de alguma coisa.
Sorri enquanto me afastava, sabendo que ele falava a sério.
Subconscientemente, tinha a certeza de que, se eu precisasse deles, todos os
jovens daquela sala correriam para o meu lado, e isso era uma pequena
réstia de luz num dia bastante sombrio.
Contornei as escadas, tentando adivinhar quem estaria ali. Se fosse
alguém da família teria sido levado para uma sala e se fosse um governador,
ou algum outro visitante oficial, teria entregado um cartão. Quem era essa
pessoa tão importante que nem sequer podia ser anunciada?
Desci para o primeiro andar e a resposta à minha pergunta encontrava-
se ali, com um sorriso luminoso que fez com que me faltasse a respiração.
O Marid Illéa não colocava os pés no palácio há anos. A última vez
que o vira era um pré-adolescente desengonçado, que ainda não conseguia
manter uma conversa normal. Mas as suas bochechas redondas tinham-se
transformado num queixo bem definido e os seus braços e pernas de virar
tripas tinham ganho músculo, preenchendo o seu fato na perfeição. Ele
sustentou o meu olhar enquanto eu me aproximava e, embora as suas mãos
estivessem ocupadas a segurar um cesto atulhado de coisas, curvou-se e
sorriu como se estivesse completamente desimpedido.
— Vossa Alteza — disse ele. — Lamento ter vindo sem avisar, mas
assim que soubemos da sua mãe achámos que tínhamos de fazer alguma
coisa. Portanto...
Ele estendeu-me o cesto. Estava cheio de presentes. Flores, livros
finos, potes de sopa com fitas em volta das tampas e até alguns produtos de
padaria com tão bom aspeto que tive dificuldade em não agarrar num.
— Marid — disse eu em forma de saudação, pergunta e aviso, tudo ao
mesmo tempo. — Isto é muito mais do que o necessário, considerando as
circunstâncias.
Ele encolheu os ombros.
— Os desacordos não significam uma perda de compaixão. A nossa
rainha está doente e isto era o mínimo que podíamos fazer.
Sorri, comovida pela sua súbita aparição. Gesticulei para um guarda.
— Leve isto para a ala hospitalar, por favor.
Ele agarrou no cesto de presentes e eu voltei-me novamente para o
Marid.
— Os seus pais não quiseram vir?
Ele enfiou as mãos nos bolsos e fez uma careta.
— Recearam que a visita parecesse mais política do que pessoal.
Acenei com a cabeça.
— É compreensível. Mas, por favor, diga-lhes para não se preo‐
cuparem com isso no futuro. Ainda são bem-vindos aqui.
O Marid suspirou.
— Eles não achavam que fossem, não depois da sua... saída.
Apertei os lábios, lembrando-me de tudo claramente.
O August Illéa e o meu pai tinham trabalhado juntos depois de os meus
avós morrerem, tentando dissolver as castas o mais depressa possível.
Quando o August se queixou de que a mudança não estava a acontecer
suficientemente depressa, o meu pai puxou dos galões e disse-lhe para
respeitar o seu plano. Quando o meu pai não conseguiu eliminar o estigma
da pertença a uma casta inferior, o August disse-lhe que ele tinha de tirar o
seu «rabo mimado» do palácio e ir para a rua. O meu pai foi sempre um
homem paciente e, do que me lembrava do August, este estava sempre
agitado. No final, houve uma grande discussão e o August e a Georgia
arrumaram as suas coisas, incluindo o seu filho tímido, e partiram no meio
de um furacão de mágoa e raiva.
Desde então, eu tinha ouvido a voz do Marid uma ou duas vezes na
rádio, fazendo comentários políticos ou dando conselhos empresariais, mas
era estranho ouvir agora aquela voz sincronizada com os movimentos dos
lábios e vê-lo sorrir com tanta facilidade, quando a minha principal
memória dele era a de um rapaz encolhido.
— Sinceramente, não entendo por que razão os nossos pais não se têm
falado recentemente. Já viu, sem dúvida, os problemas com a discriminação
pós-castas que temos tentado acalmar. Achei que um deles poderia ceder e
procurar o outro. Por esta altura, já deixou de ser uma questão de orgulho.
O Marid estendeu um braço.
— Talvez pudéssemos caminhar e conversar?
Entrelacei o meu braço no dele e começámos a andar pelo corredor.
— Bom, Vossa Alteza...
— Por favor, Marid. É Eadlyn. Conhecemo-nos desde antes de eu
nascer.
Ele sorriu.
— É verdade. Ainda assim, você é a regente agora e parece mal não a
tratar adequadamente.
— E como o devo chamar?
— Nada exceto um súbdito leal. Gostaria de lhe oferecer toda a ajuda
possível neste momento de tensão. E sei que a dissolução das castas não foi
tão perfeita como todos esperavam, nem sequer no início. Passei anos a
ouvir o público. Acho que os ouvi com bastante clareza e se o meu
comentário for útil diga-me, por favor.
Arqueei as sobrancelhas enquanto considerava as suas palavras. Sabia
atualmente muito mais sobre as vidas das pessoas comuns graças à Seleção,
mas um especialista em opinião pública poderia ser uma ferramenta perfeita
para ter no meu arsenal. Especialmente considerando o que o Ahren tinha
dito na sua carta.
Cada vez que me lembrava das palavras dele era como se levasse um
soco, mas sabia que ele não me teria dito que as pessoas me desprezavam se
não tivesse pensado que isso me poderia ser útil. Apesar da sua partida, eu
confiava nisso.
— Obrigada, Marid. Se eu puder fazer alguma coisa para aliviar o
stresse que esta situação trouxe para o meu pai, isso seria uma grande
bênção. Gostaria que o país estivesse o mais calmo possível quando ele
estiver pronto para regressar ao trabalho. Entrarei em contacto consigo.
Ele tirou um cartão do bolso e entregou-mo.
— É o meu número pessoal. Ligue quando quiser.
Sorri.
— Será que os seus pais não vão ficar aborrecidos por me estar a
ajudar? Isso não é confraternizar com o inimigo?
— Não, não — disse ele, num tom ligeiro. — Os nossos pais tinham o
mesmo objetivo. Apenas tinham métodos diferentes de o alcançar. E agora,
com a sua mãe doente, não devia ter de se preocupar tanto com coisas que
são solucionáveis e a moral do país é, certamente, uma delas. Agora, mais
do que nunca, acho que os nossos pais aprovarão o facto de trabalharmos
juntos.
— Esperemos que sim — disse eu. — Há muitas coisas a quebrarem-
se ultimamente. Alguns remendos far-me-iam bem.
Capítulo 4
Entrei no banho, notando que não havia alfazema, nem bolhas, nem
nada para perfumar a água. A Eloise era silenciosa e rápida, mas não era a
Neena. Suspirei. Não importava. Afinal, isto era pouco mais do que um
pequeno espaço onde eu podia, por fim, parar de fingir que sabia o que
estava a fazer. Puxei os joelhos para o peito, finalmente livre para chorar.
O que é que ia fazer? O Ahren já não estava aqui para me guiar e eu
temia poder fazer erros atrás de erros sem ele. E porque é que ainda não
tinha ligado? Porque é que não vinha no primeiro voo a caminho de casa?
O que é que eu faria se tirassem os tubos da garganta da minha mãe e
ela não conseguisse respirar sozinha? De repente, percebi que, embora
nunca tivesse pensado em casar e ter filhos, de um modo específico e
pessoal, sempre a imaginara a dançar no meu casamento e ternamente
debruçada sobre o meu primogénito. E se ela não estivesse lá para fazer
isso?
Como podia eu tomar o lugar do meu pai? O dia de hoje desgastara-me
até aos ossos. Não me conseguia imaginar a fazer isto todos os dias durante
as próximas semanas, quanto mais durante os anos em que teria de reinar
quando herdasse verdadeiramente o trono.
E como é que ia escolher um marido? Quem era a melhor escolha?
Quem teria a maior aprovação do público? E seria essa sequer uma pergunta
justa? A pergunta certa para se fazer?
Esfreguei os olhos com a palma da mão, como uma criança, e desejei
poder voltar a não ter qualquer noção da quantidade de coisas más que se
podiam acumular num único dia.
Tinha poder e não fazia ideia de como o usar. Era uma governante que
não sabia como liderar. Uma gémea que estava sozinha. Uma filha com pais
ausentes. Tinha meia dúzia de pretendentes e não sabia como era estar
apaixonada.
A tensão que me constringia o coração era suficiente para esmagar
qualquer um. Esfreguei a dor no meu peito, perguntando-me se teria sido
assim que tudo começara para a minha mãe. Sentei-me, espalhando a água e
expulsando o pensamento da minha cabeça.
Tu estás bem. Ela está bem. Só tens de continuar.
Vesti-me e estava quase pronta para me ir deitar quando ouvi uma
pancada tímida na porta.
— Eady? — chamou alguém.
— Osten?
Ele enfiou a cabeça pela porta, com o Kaden logo atrás, e eu corri para
eles.
— Vocês estão bem?
— Estamos bem — assegurou-me o Kaden. — E não estamos com
medo nem nada.
— Nada mesmo — acrescentou o Osten.
— Mas não tivemos notícias da mãe e pensámos que talvez soubesses
de alguma coisa.
Dei uma palmada na cabeça.
— Desculpem. Devia ter-vos dito o que se passava. — Praguejei
contra mim mesma, lembrando-me de que tinha acabado de passar vinte
minutos num banho em vez de usar esse tempo para ir procurar os meus
irmãos. — Ela está a recuperar. — Tentei escolher as palavras com cuidado.
— Estão a mantê-la a dormir para se poder curar. Vocês sabem como é a
mãe. Se estivesse acordada, ia andar a correr atrás de nós para garantir que
estávamos a fazer tudo o que devíamos. Desta forma, ela descansa o
suficiente para estar saudável quando acordar.
— Oh. — Os ombros do Osten endireitaram-se e pude ver que, por
mais difícil que fosse para mim, era ainda mais difícil para eles.
— E o Ahren? — O Kaden esgravatava as unhas, uma coisa que nunca
o vira fazer.
— Ainda não disse nada, mas tenho a certeza de que é só porque se
está a acomodar. Afinal, é um homem casado.
A expressão do Kaden mostrou que não estava satisfeito com a
resposta.
— Achas que ele vai voltar?
Respirei fundo.
— Não vamos pensar nisso esta noite. Tenho a certeza de que ele vai
ligar em breve e então vai-nos contar tudo. Por agora, tudo o que vocês
precisam de saber é que o nosso irmão está feliz, a nossa mãe vai ficar bem
e eu tenho tudo sob controlo. Está bem?
Eles sorriram.
— Está bem.
A expressão do Osten passou de perfeitamente bem para absolu‐
tamente destroçada em segundos e os seus lábios começaram a tremer.
— A culpa é minha, não é?
— O que é culpa tua? — Ajoelhei-me à frente dele.
— A mãe. É culpa minha. Ela dizia-me sempre para me acalmar um
bocadinho e depois passava a mão pelo cabelo como se estivesse esgotada.
É culpa minha. Cansei-a demais.
— Pelo menos não a incomodavas tanto com a escola — disse o
Kaden baixinho. — Eu estava sempre a aborrecê-la, a pedir livros e
professores melhores e fazia-a responder a perguntas quando ela tinha
outras coisas para fazer. Ocupava-lhe o tempo todo.
Estávamos todos a culpar-nos, portanto. Perfeito.
— Osten, não penses assim. Nunca — insisti, puxando-o para o
abraçar. — A mãe é uma rainha. Se virmos bem, tu eras a parte menos
enervante da vida dela. Sim, é difícil ser mãe, mas ela tinha-nos sempre a
nós quando precisava de uma gargalhada. E quem é, de longe, o mais
engraçado de nós os quatro?
— Eu. — A voz dele era fraca, mas sorriu um pouco enquanto limpava
o nariz.
— Exatamente. E, Kaden, achas que a mãe preferia que lhe fizesses
uma dúzia de perguntas ou que andasses pela vida com as respostas
erradas?
Ele mexericou um pouco mais nos dedos enquanto pensava no assunto.
— Queria que eu fosse ter com ela.
— Lá está. Vamos ser sinceros, somos um grupo bastante intenso,
certo? — O Osten riu-se e a expressão do Kaden iluminou-se. — Mas tudo
pelo qual a fizemos passar foi bem-vindo. Ela preferia forçar-me a aprender
caligrafia do que nunca ter tido uma filha. Preferia ter sido a tua
enciclopédia viva do que não falar connosco. Preferia ter de implorar para
te sentares quieto do que ter apenas três filhos. Nada disto é por nossa causa
— prometi.
Esperei que se virassem e fugissem, de modo a esconderem esta
pequena brecha na sua armadura. Mas eles não se moveram. Suspirei para
mim mesma, sabendo do que estavam à espera e percebendo que estava
preparada para perder um pouco do meu muito necessário sono por eles.
— Querem ficar aqui hoje à noite?
O Osten correu para a minha cama.
— Sim!
Abanei a cabeça. O que é que eu ia fazer com estes rapazes? Subi para
a cama e o Kaden colou-se às minhas costas, enquanto o Osten pousava a
cabeça na almofada à minha frente. Percebi que a luz da casa de banho
ainda estava acesa, mas ignorei-a. Precisávamos de um pouco de luz neste
momento.
— Não é o mesmo sem o Ahren — disse o Kaden baixinho.
O Osten abraçou-se a si mesmo, enrolando-se.
— Sim. Não parece o mesmo.
— Eu sei. Mas não se preocupem. Vamos encontrar um novo normal.
Vão ver.
De alguma forma, por eles, eu faria com que isso acontecesse.
Capítulo 5
O vestido era vermelho. A minha mãe não o usava há anos, uma das
razões pelas quais eu o escolhera. O Hale tinha encurtado as mangas
compridas de renda pelos cotovelos e retirado algumas das camadas da
parte de baixo do vestido, para este não parecer tão tufado. Ele tinha razão
sobre algumas das mudanças serem irreversíveis, mas fez tudo com tão bom
gosto que mesmo que a minha mãe o quisesse de volta ela ficaria
provavelmente feliz com as alterações.
A Eloise ajudou-me a pentear o cabelo e o arranjo estava muito bom,
com tranças que se uniam num coque modesto. Escolhi uma tiara com rubis
e parecia estar em chamas.
Estava tudo lindo, mesmo. Eu sabia disso e estava grata a todos os que
tinham contribuído para que eu tivesse o ar de alguém a quem poderiam ser
confiadas as decisões que tinham de ser tomadas em nome do país. Apenas
parecia mais velha, mais do que me sentia, embora talvez mais perto da
idade de acordo com a qual tinha de me comportar. Suspirando, resignei-me
ao vestido. Esta era quem eu tinha de ser, por agora.
Estava a puxar pelas costuras do vestido, no estúdio, quando a Josie
veio falar comigo.
— Esse vestido é incrível — elogiou ela, incapaz de manter os dedos
longe das camadas de cetim.
Eu continuei a endireitá-lo.
— É da minha mãe.
— A propósito, lamento imenso tudo o que aconteceu — disse ela
suavemente. — Acho que ainda não te tinha dito.
Engoli em seco.
— Obrigada, Josie. Isso significa muito.
— Sabes, já que tem sido tudo tão sério, era capaz de ser uma boa
ideia termos uma festa.
Quase deixei escapar uma gargalhada.
— Estou um pouco ocupada demais para isso. Talvez quando as coisas
se acalmarem.
— Eu podia planeá-la! Deixa-me falar com algumas aias e somos
capazes de organizar qualquer coisa numa semana.
Voltei as costas ao espelho.
— Como eu disse, talvez um dia, mas não agora. — Afastei-me,
tentando concentrar-me.
Ela veio atrás de mim, insistente.
— Mas porquê? Não devias estar a comemorar? Quero dizer, és
praticamente a rainha, portanto...
Encarei-a, furiosa.
— Mas não sou a rainha. Esse título pertence à minha mãe, que quase
morreu. O facto de ignorares isso de forma tão descontraída faz com que as
palavras de simpatia que acabaste de me dizer percam todo o significado. O
que é que não compreendes, Josie? Achas que este trabalho é só vestidos e
galas?
Ela ficou ali, atordoada. Vi os seus olhos varrerem o estúdio, para ver
se alguém estava a observar a nossa conversa. Eu não a queria humilhar. De
certa forma, compreendia-a. Tinha havido um tempo em que nada me dava
mais alegria do que uma razão para começar uma lista de convidados, uma
altura em que eu própria pensava que este cargo não era mais do que
vestidos e galas...
Suspirei.
— Não te estou a tentar insultar. Mas não seria apropriado dar uma
festa quando a minha mãe ainda está a recuperar. Por favor, o que preciso
de ti esta noite é de alguma compreensão, coisa que entendo poder ser
demasiado, considerando a nossa história. Ainda assim, pela minha
sanidade mental, peço-te que tentes simplesmente imaginar como é estar no
meu lugar.
Ela amuou.
— Isso é tudo o que eu sempre quis. É claro que só te interessa quando
é conveniente.
Eu queria arrancar-lhe a cabeça. Que parte da minha vida neste
momento é que ela achava que era conveniente? Mas havia uma
transmissão oficial para fazer.
— Desculpe? — chamei uma aia que passava. — Por favor, acom‐
panhe a Miss Josie até ao quarto dela. A sua atitude esta noite é
perturbadora e eu preciso de me concentrar.
— Sim, Vossa Alteza. — A aia voltou-se alegremente para a Josie,
nada preocupada com os nossos problemas pessoais e pronta para fazer o
seu trabalho.
A Josie bufou.
— Odeio-te.
Apontei para a porta.
— Sim e podes fazer isso no teu quarto tão bem como aqui.
Sem esperar para ver se ela obedecia, dirigi-me ao meu lugar. Nunca
tinha visto o cenário montado desta maneira: a Elite de um lado e uma
única cadeira solitária do outro.
Enquanto olhava para o triste e solitário assento, o Kile aproximou-se
de mim.
— O que foi aquilo com a Josie?
Sorri e pestanejei.
— Nada, querido. Ela estava apenas a fazer-me ter sérias dúvidas
sobre se a quero ter como parente.
— Demasiado cedo, ainda.
Ri-me.
— Não, nós tivemos um... desentendimento. E sinto-me um pouco
mal, porque eu percebo-a. Só queria que ela me conseguisse perceber a
mim.
— Isso pode ser difícil para a Josie. Ela só tem consciência de si
própria. Além disso, viste o Gunner?
Semicerrei os olhos.
— Ele foi-se embora esta tarde. Não se despediu?
O Kile abanou a cabeça.
Aproximei-me dos outros rapazes, que se endireitaram todos quando
me aproximei.
— O Gunner disse adeus a algum de vocês?
Os outros abanaram a cabeça confusos, enquanto Fox clareava a
garganta.
— Ele falou comigo. O Gunner é um pouco sentimental e não teve
coragem para passar por longas despedidas. Apenas disse que isto não era a
coisa certa para ele e que tinha a sua aprovação para sair.
— Tinha sim. Despedimo-nos como bons amigos.
O Fox acenou com a cabeça.
— Acho que ele pensou que iria perder a coragem se ficasse. Pediu-me
para dizer a todos que iria sentir a vossa falta. — Sorriu. — É muito boa
pessoa.
— Era sim. Mas pensem bem nas palavras dele — supliquei, olhando
para cada um dos seus rostos.— Trata-se também dos vossos futuros. Não
fiquem por algo com o qual possam não ser capazes de lidar.
O Kile assentiu, parecendo subitamente pensativo. O Hale ofereceu-
me um sorriso brilhante. O Ean ficou impassível como sempre e o Henri
estava a ouvir a tradução do Erik, parecendo confuso.
Eu ia sem dúvida passar o resto da noite a analisar exaustivamente as
suas expressões, mas por agora tínhamos um programa para fazer.
— Hale — sussurrei, apontando para o vestido. — Obrigada.
— Linda — murmurou ele. Eu sabia que ele estava a ser sincero e
tentei ficar ainda mais direita. Queria fazer justiça a este vestido hoje.
***
As câmaras acenderam-se e eu cumprimentei o país o mais
honestamente que pude.
— Deixem-me começar pelas notícias que mais desejam ouvir. A
minha mãe está bem. Neste momento, está a recuperar no seu quarto, com o
meu pai ao seu lado. — Tentei parar de pensar na minha postura ou no que
devia fazer com as mãos. Em vez disso, pensei nos meus pais, sem dúvida a
ver a emissão de pijama com lanches aprovados pelo médico ao lado.
Quando imaginei a cena, sorri. — Já todos sabemos que a história de amor
deles pode ser a mais verdadeira alguma vez contada. Mas não tem sido
tarefa fácil assumir o lugar do meu pai.
»O meu irmão Ahren, agora príncipe consorte de França, é também um
testemunho do poder do amor mais profundo. Pelo que sei, está a
estabelecer-se muito bem na sua nova posição e sente-se muito feliz com a
vida de casado. — Sorri novamente. — Nada disto me surpreende. A sua
devoção para com a princesa Camille tem sido constante e forte ao longo do
tempo e da distância e só posso imaginar a sua felicidade por estar ao lado
dela a cada momento.
»No que diz respeito ao país em geral — olhei para as minhas notas,
embora detestasse fazê-lo —, parte da inquietação que vínhamos sentindo
diminuiu nas últimas semanas. — De certa forma, isso era completamente
verdade, mas, na parte da inquietação que me dizia respeito, o meu nariz
devia crescer enquanto eu falava. — Considerando a quantidade de trabalho
que o meu pai colocou na causa da paz no exterior, o pensamento de que
poderemos estar finalmente a alcançar uma maior paz em casa proporciona-
me uma enorme alegria.
Falei sobre todos os assuntos que tinha de abordar: a proposta de
orçamento, o início próximo do projeto de perfuração e a mudança no
Conselho, o que fez com que algumas pessoas na sala se contorcessem.
Quando terminei, procurei alguns dos rostos importantes na multidão. A
Lady Brice fez-me um grande aceno com a cabeça, assim como o general
Leger. Vi a avó a remexer-se, impaciente com os longos anúncios e
provavelmente só a aguentar aquilo para poder ouvir os rapazes falarem. E,
fora do palco, o Erik sorriu para mim, satisfeito.
— Vossa Alteza. — O Gavril fez-me uma vénia ao começar a falar. —
Posso dizer que, considerando as circunstâncias sob as quais foi impelida
para este cargo, está a fazer um trabalho fantástico.
— Obrigada. — Não sabia quão sincera a afirmação era, mas talvez o
facto de ele o dizer fizesse com que outras pessoas pensassem o mesmo.
— Temos de nos perguntar, considerando que tem trabalhado a um
ritmo tão elevado, se teve algum tempo para este grupo aqui? — perguntou
ele, acenando com a cabeça na direção da Elite.
— Um pouco.
— A sério? Alguma coisa que possa partilhar connosco? — Ele agitou
as sobrancelhas e eu lembrei-me, novamente, dos exemplos de como a sua
personalidade diante das câmaras era diferente da que apresentava longe
delas. O entretenimento era o seu trabalho e ele era excelente no que fazia.
— Sim, mas, só por diversão, não vou usar nomes.
— Não vai usar nomes?
— Por exemplo, um membro da Elite deixou-nos hoje — disse eu,
embora soubesse que se tratava de uma revelação que seria desvendada em
segundos. — Gostaria de dizer que o nosso pretendente recém-saído
deixou-nos de bom humor e como um amigo.
— Ah, estou a ver — disse o Gavril. — Gosto disto! Diga-nos mais.
— Bem, hoje, um dos meus pretendentes deu-me um presente feito a
partir de um metal muito precioso.
— Oh, céus! — O Gavril investigou as minhas mãos, procurando,
obviamente, por anéis.
Levantei-as para toda a gente as ver.
— Não, não foi ouro. Foi aço. Ele deu-me um alfinete de costura. Mas
juro que foi muito especial.
Ouviram-se risadinhas vindas do público e da Elite e eu esperava que
isto estivesse a parecer tão encantador perante as câmaras como o era na
minha cabeça.
— Por favor, diga-me que tem pelo menos mais uma — implorou o
Gavril.
— Mais uma, então — concedi. — No início desta semana, um dos
pretendentes da Elite disse-me que não estava, com toda a certeza,
apaixonado por mim e eu disse-lhe que sentia o mesmo.
O Gavril estava de olhos arregalados.
— E esse jovem é o mesmo que nos deixou?
— Não. E essa é a parte louca. Não estamos apaixonados e, ainda
assim, não temos qualquer desejo de nos separarmos, portanto, aí tem. —
Encolhi os ombros em tom de brincadeira e sorri, ouvindo os suspiros e os
risos em redor da sala.
— Como tenho a certeza de que uma parte significativa do nosso país
vai ficar acordada até tarde esta noite, a tentar adivinhar sobre quem é que a
princesa está a falar, seria bom ter algo um pouco mais sólido.
— Talvez seja melhor falar com os rapazes sobre o assunto.
— Então, acho que vamos fazer exatamente isso. Posso interrogar
estes belos rapazes?
— Com certeza — respondi com um sorriso, feliz por deixar os
holofotes por um maravilhoso instante.
— Muito bem, vamos começar por aqui. Sir Fox, como está?
— Muito bem, obrigado. — Ele sentou-se um pouco mais direito e fez
um grande sorriso.
— As pessoas percebem que a princesa tem estado sob grande stresse
e que os seus dias estão repletos de tarefas, portanto, o tempo a sós tem sido
limitado — disse o Gavril graciosamente.
— Sim, já era impressionante ver o quanto a princesa trabalhava antes,
portanto, vê-la assumir ainda mais coisas nestes últimos dias... é inspirador.
Inclinei a cabeça, sentindo-me um pouco reconfortada interiormente.
Inspirador? Era um pensamento muito generoso.
O Gavril concordou com a cabeça.
— Considerando tudo isso, poderia contar-nos alguma coisa do seu
tempo com a princesa que se tenha destacado em relação a tudo o resto?
Imediatamente, um sorriso surgiu no rosto do Fox.
— Acho que o momento mais significativo da nossa relação foi após a
luta, quando o Burke foi para casa. A princesa veio falar comigo e foi muito
sincera sobre o que esperava. Também me ouviu. Acho que esse é um lado
dela que poucas pessoas têm o privilégio de ver. Não é como se a princesa
possa ir de porta em porta e oferecer a todos uma hora do seu tempo... mas,
quando está connosco, está totalmente ali. Está, de facto, a ouvir-nos.
Eu tinha uma lembrança calorosa daquela noite com o Fox, mas não
tinha percebido o quanto tinha significado para ele. Era um momento que
ele acarinhava.
O Kile levantou a mão.
— Tenho de concordar com o Fox. Todos sabem que a Ead... hum, a
princesa e eu na realidade só começámos a nossa amizade recentemente. E,
nesse período, senti que muitas das minhas preocupações e aspirações
foram ouvidas.
— Como quais? — insistiu o Gavril.
Ele encolheu os ombros.
— Não é nada de emocionante, mas eu tenho uma paixão por
arquitetura e a princesa prestou de facto atenção aos meus esboços. — Ele
ergueu um dedo como se de repente se tivesse recordado de algo. —
Reconheço que tínhamos bebido um pouco de vinho e tenho a certeza de
que ela estava bastante aborrecida, mas ainda assim.
Todos se riram e eu sorri para o Kile. Ele fazia com que estar à frente
das câmaras parecesse tão fácil, inventando sempre coisas maravilhosas
para dizer. Fez-me sentir mais segura de ter feito a escolha certa quando lhe
dissera como me sentia.
Prosseguindo no mesmo tom, o Gavril aproximou-se do Ean.
— Sir Ean, você é, talvez, o mais silencioso do grupo. Tem alguma
coisa a acrescentar?
A expressão dele era tão descontraída como sempre.
— Sou um homem de poucas palavras — concordou —, mas direi que
a princesa é incrivelmente atenciosa. Embora neste momento existam
apenas cinco de nós, nenhuma das eliminações foi feita levianamente. Só
pelo facto de ter ficado a conhecer estes outros cavalheiros, posso ver o
esforço que a princesa colocou em fazer a melhor escolha possível, para si e
para o seu povo.
»O que as câmaras não conseguiram captar foi o clima no Salão dos
Homens quando ela teve de fazer a eliminação mais recente. Não havia uma
gota de hostilidade no ar. A princesa tem sido tão generosa connosco que
era impossível ficarmos aborrecidos. Todos os outros pretendentes saíram
satisfeitos.
O Gavril assentiu.
— Então, e quais acha que são as suas hipóteses? Chegou ao top
cinco!
O Ean, como sempre, foi perfeitamente diplomático.
— Estou à disposição de Sua Alteza. Ela é a melhor mulher que
qualquer um de nós poderia alcançar e como tal tem padrões incríveis. Isto
não tem a ver com a minha avaliação das minhas hipóteses mas sim com a
sua preferência. Por isso, vamos todos ter de esperar e ver.
Nunca tinha ouvido o Ean falar tanto de uma só vez e senti-me
instantaneamente em dívida para com ele. Embora tivéssemos um
entendimento no nosso relacionamento, que era reconhecidamente nada
romântico, ainda assim ele via bastantes coisas boas em mim. Ou isso ou
era um ator incrível.
— Muito interessante. E você, Sir Hale? Pelo que me lembro, o seu
encontro com a princesa foi o primeiro. Como se sente agora?
— Sinto-me com sorte — disse ele calorosamente. — Cresci a vê-la
em desfiles, a observá-la na televisão e a ver o seu rosto nas revistas. — Ele
apontou para mim do outro lado da sala. — A princesa é tão bonita que é
intimidante e tem um olhar que parece poder queimar-nos se quiser.
Parte do que ele disse doeu, mas havia algo de tão terrivelmente
honesto naquilo que não pude deixar de sorrir.
— Mas jantei com ela uma vez e fi-la rir tanto que cuspiu a bebida.
— Hale!
Ele encolheu os ombros.
— Alguém iria descobrir algum dia. Mais vale partilhar!
Tapei o rosto com as mãos, perguntando-me o que os meus pais iriam
pensar de tudo isto.
— O meu ponto é: tudo o que temos dito sobre ela é verdade. É dura, é
uma líder e, sim, acho que se quisesse disparar fogo com os olhos
conseguiria fazê-lo. — A sala riu-se. — Mas também é uma excelente
ouvinte, é interessada e sabe rir. Mas rir mesmo, à gargalhada. Não tenho a
certeza se todos vão conseguir ver isso, portanto sinto-me com sorte por o
ter conseguido.
Todo o segmento foi uma homenagem tão gloriosa às minhas melhores
qualidades que quase me perguntei se os rapazes teriam sido treinados. E, se
tinham, então devia imenso à pessoa que pensara nisso.
Quando as câmaras se desligaram, aproximei-me do Gavril.
— Obrigada. Foi excelente esta noite.
— Sempre estive ao seu lado e sempre estarei. — Ele piscou-me um
olho e seguiu o seu caminho.
Observei o público a sair e fiquei ali um instante, sentindo-me
orgulhosa. Tinha conseguido, e quase inteiramente por conta própria. O
grupo da Elite fora fantástico, mais amáveis do que eu poderia ter
imaginado ou esperado. A minha mãe e o meu pai iam ficar muito
contentes.
— Muito bem. — O Kile colocou um braço à minha volta. — O teu
primeiro Noticiário sozinha está registado!
— Pensei seriamente que esta noite podia ser um desastre, mas olha!
— disse eu, afastando-me e estendendo os braços. — Ainda estou inteira.
O Hale aproximou-se e riu-se.
— Achava que as pessoas iam arrombar as portas e desfazê-la em
pedaços?
— Nunca se sabe!
O Fox riu-se e o Ean ficou para trás, ainda a sorrir. Eu estava muito
grata. Se soubesse que palavras usar, tê-los-ia enchido descaradamente de
elogios pelo modo tão maravilhoso como se tinham portado esta noite.
— Jantar? — perguntou o Fox e os rapazes assentiram todos.
Ouvi o Henri repetir uma palavra várias vezes excitadamente, o que
supus querer dizer que estava muito contente por ir finalmente comer.
Formámos um pequeno grupo e seguimos juntos para o salão de jantar.
Capítulo 11
O primeiro momento livre que tive durante o dia foi o almoço e sabia
que precisava de usar esse tempo para me concentrar no controlo de danos.
Enquanto todos se dirigiam para o salão de jantar, depois da nossa aula de
finlandês, voltei para o meu escritório e tirei o cartão do Marid da gaveta da
minha secretária. Fora claramente feito com papel caro. Perguntei-me o que
a família dele estaria a fazer agora para se poderem dar a esse luxo. Deviam
estar a sair-se bem, onde quer que o seu caminho os tivesse conduzido.
Marquei o número, esperando até certo ponto que ele não atendesse.
— Estou?
— Sim, hum, Marid?
— Eadlyn, é você?
— Sim. — Mexi-me nervosamente, endireitando as roupas, embora ele
não me pudesse ver. — Esta é uma boa altura?
— Completamente. Como posso ajudá-la, Vossa Alteza?
— Só queria dizer que vi algumas especulações na imprensa, no outro
dia, sobre a nossa relação.
— Oh, sim. Desculpe por isso. Você sabe como eles conseguem pôr as
coisas fora do contexto.
— Sei sim — quase exclamei. — E, na verdade, eu é que lhe queria
pedir desculpas. Sei a reviravolta que pode acontecer na vida de alguém
quando a misturam com a minha e lamento que esteja a passar por isso.
— Eh, deixe-os falar — respondeu ele com uma gargalhada. — A
sério, não precisa de se desculpar. Mas, já que estou a falar consigo, queria
falar-lhe de uma ideia que tive.
— Claro.
— Sei que anda preocupada com a violência pós-castas e pensei que
poderia ser bom para si fazer algo semelhante a uma sessão municipal.
— O que quer dizer?
— Podia escolher um punhado de pessoas, de várias origens, para
virem até ao palácio e conversarem pessoalmente consigo. Seria uma
oportunidade única de ouvir o seu povo e, se convidasse a imprensa,
também poderia ser uma oportunidade espetacular para mostrar que o
palácio escuta realmente o seu povo.
Fiquei atordoada.
— Mas isso é uma ideia maravilhosa.
— Se quiser, eu posso tratar da maior parte dos preparativos. Tenho
algumas ligações com famílias que costumavam ser Oitos, bem como com
alguns que sentiram dificuldades em abandonar o seu estatuto de Dois.
Talvez pudéssemos planear convidar uma dúzia de pessoas, mais ou menos,
para não a sobrecarregar?
— Marid, isso parece-me perfeito. Vou pedir à minha dama de
companhia para lhe ligar. Ela chama-se Neena Hallensway e é tão
organizada como você parece ser. Ela conhece a minha agenda e é a pessoa
ideal para combinar a hora e a data.
— Excelente. Vou ficar à espera do telefonema dela.
Houve um longo silêncio e eu não sabia bem como terminar a
conversa.
— Obrigada — tentei. — Agora, mais do que nunca, preciso realmente
de provar o quanto me preocupo com o meu povo. Quero que saibam que,
daqui a poucos anos, serei tão capaz de os conduzir como o meu pai.
— Como alguém pode duvidar disso é um mistério para mim.
Sorri, encantada por ter acrescentado outro aliado ao meu arsenal.
— Desculpe a pressa, mas vou ter de desligar.
— Não tem qualquer problema. Falamos novamente em breve.
— Claro. Adeus.
— Adeus.
Desliguei o telefone e suspirei de alívio. Não fora tão estranho como
receara. As palavras do Marid ecoavam nos meus ouvidos. Deixe-os falar.
Eu sabia que eles iam falar sempre. Só esperava que, em breve, tivessem
algo de positivo para dizer.
Capítulo 13
— Bem, não foi excelente — admiti mas poderia ter sido muito pior.
— Digam à vossa filha para se valorizar mais — insistiu o Marid.
A minha mãe e o meu pai sorriram e fiquei feliz por os ter encontrado
no corredor. A voz do meu pai, acima de todas as outras, iria ajudar-me a
destrinçar exatamente o que tinha acabado de dizer e fazer.
— Nós tentamos, Marid, garanto-lhe. — O meu pai tomou um gole de
vinho antes de pousar o copo e afastá-lo para longe, para se servir de uma
chávena de chá, tal como a minha mãe.
O médico dissera que uma bebida ocasional não fazia mal, mas ela
claramente não estava interessada em arriscar e não me surpreendia que o
meu pai seguisse o seu exemplo.
— Como está a sua mãe? — perguntou a minha mãe. A expressão do
seu rosto indicou-me que estava desejosa de fazer a pergunta.
O Marid sorriu.
— Nunca para. Sente-se triste, claro, por não poder fazer coisas
maiores, mas trabalha diligentemente para cuidar daqueles perto de nós em
Columbia. Mesmo uma pequena boa ação é melhor do que nada.
— Concordo — respondeu a minha mãe. — Poderia, por favor, dizer-
lhe que penso nela com frequência?
Ela desviou rapidamente os olhos para o meu pai, que permaneceu
impassível, mas o Marid pareceu satisfeito.
— Digo sim. E posso assegurar-lhe que ela sente o mesmo.
A conversa interrompeu-se e todos se concentraram nas suas bebidas
por um instante. Finalmente, o meu pai salvou-nos do silêncio.
— Então, parece que havia um casal um pouco agressivo. A esposa,
qual era o nome dela?
— Sharron — disse o Marid e eu fiz coro.
— Ela tinha um objetivo.
— Todos eles tinham — disse eu. — Mas não era essa a intenção?
Toda a gente tem, provavelmente, uma ideia concreta de como melhorar a
sua vida no dia a dia. A parte mais difícil não foi eles terem essas opiniões,
foi o modo como as tentaram exprimir.
A minha mãe concordou.
— Tem de haver uma maneira de fazermos algo deste género sem tanta
gritaria. Torna tudo mais lento.
— Nalguns aspetos, mas noutros contribui para a discussão —
declarou o Marid. — Assim que lhes foi recordado com quem estavam a
falar, a conversa tornou-se muito mais clara.
— Acho sem dúvida que houve mais coisas positivas do que negativas
hoje — acrescentei.
O meu pai estava a olhar para a mesa.
— Pai? Não achas?
Ele olhou para mim, sorrindo.
— Sim, querida. Acho. — Suspirou, endireitando-se. — E devo-lhe
um agradecimento, Marid. Uma ação como esta é certamente um progresso,
não apenas para o palácio, mas para o país, e foi uma excelente ideia.
— Passarei os seus agradecimentos ao meu pai. Foi ele quem pôs a
ideia na minha cabeça há uns anos.
O meu pai fez uma careta.
— Então também lhe devo um pedido de desculpas. — Ele bateu com
o dedo na mesa, organizando os seus pensamentos. — Por favor, diga aos
seus pais que não precisam de se manter à distância. Só porque discordamos
sobre os métodos isso não significa...
O Marid levantou a mão.
— Não diga mais, Vossa Majestade. O meu pai já disse, em mais de
uma ocasião, que passou dos limites. Vou pedir-lhe para lhe ligar. Em breve.
O meu pai sorriu.
— Isso seria bom.
— Também acho — acrescentou a minha mãe.
— E você está convidado para nos visitar sempre que quiser —
acrescentei. — Especialmente se tiver mais ideias sobre como nos
aproximarmos do povo.
O rosto do Marid tornou-se triunfante.
— Oh, eu tenho muitas.
***
Na manhã seguinte, fui praticamente a primeira a chegar ao escritório,
batendo toda a gente, exceto o general Leger, que andava a remexer
vigorosamente nas gavetas da secretária do meu pai.
— General? — perguntei, anunciando-me.
Ele fez uma vénia rápida e regressou à sua busca.
— Desculpa. O teu pai partiu os óculos e disse que havia outro par na
secretária. Não estou a ter sorte nenhuma.
A voz dele estava áspera e ele fechou a gaveta com um empurrão,
antes de se virar para inspecionar a prateleira atrás dele.
— General Leger?
— Ele disse que estavam aqui. Será que estão mesmo debaixo do meu
nariz e não os vejo?
— Senhor?
— Uma coisa, era tudo o que eu tinha de fazer. Nem sequer consigo
encontrar um par de óculos.
— General?
— Sim? — respondeu ele sem olhar para mim.
— O senhor está bem?
— Claro. — Ele procurou e procurou, sem pausas, até eu colocar uma
mão suavemente no seu ombro.
— O senhor não iria mentir ao meu pai. Por favor, não me minta
também.
Ele levantou finalmente os olhos da sua tarefa, com uma expressão
perplexa.
— Quando é que ficaste tão alta? — perguntou. — E tão eloquente?
Parece que foi ontem que a tua mãe entrou a correr no nosso quarto para
nos chamar para vermos os teus primeiros passos. — Ele sorriu um pouco.
— Não sei se sabes, mas o Ahren quase te venceu. Mas, mesmo naquela
altura, não deixaste que ninguém te passasse à frente.
— O senhor ainda não respondeu à minha pergunta. Está bem?
Ele assentiu.
— Vou ficar. Nunca fui bom a aceitar a derrota, mesmo quando era a
melhor coisa. Na realidade, a Lucy está a aceitar isto melhor do que eu,
embora não muito. — Ele semicerrou os olhos. — Suponho que saibas do
que estou a falar.
Suspirei.
— Sei sim. Mas só um pouco. Tenho vergonha de admitir que tenho
estado tão concentrada em mim mesma que não percebi o quanto vocês
lutaram. Gostava de ter sido mais sensível em relação a toda a situação.
— Não te culpes. Nós não vivemos no palácio e não termos filhos não
é um assunto sobre o qual gostemos de conversar. Além disso, não há nada
que se possa fazer sobre o assunto.
— Nada?
— Como disse, estamos a aceitar a derrota. No início, achávamos que
tínhamos imenso tempo e depois, quando tentámos obter ajuda, as coisas
nunca funcionaram. A Lucy não aguenta mais. — Ele fez uma pausa,
engolindo em seco antes de me fazer um sorriso fraco. — Espero ter sido
justo contigo. Como conselheiro, como amigo. És o mais próximo que terei
de uma filha, portanto isso é muito importante para mim.
Dei por mim à beira das lágrimas, pensando em como tinha pensado
nele como um pai de reserva, não há muito tempo.
— Foi sim. Claro que foi. E não apenas para mim, mas para todas as
outras crianças deste palácio que ajudou a criar.
Ele semicerrou os olhos.
— O Sr. Woodwork partiu uma perna quando o Kile estava pronto para
aprender a andar de bicicleta. Lembro-me de si a correr atrás dele, na
gravilha em frente do palácio, até ele finalmente perceber como se
equilibrar.
O general Leger acenou com a cabeça, com um ligeiríssimo sorriso no
rosto.
— É verdade. Eu fiz isso.
— E a minha mãe e o meu pai estavam na Nova Asia quando o Kaden
perdeu o primeiro dente, lembra-se? E foi a Miss Lucy quem o ajudou a
tirá-lo. E ela ensinou a Josie a pôr eyeliner. Não se lembra de como ela se
gabou disso durante semanas?
— O que me lembro é da Marlee a dizer-lhe para o limpar — disse ele,
ficando mais animado.
— E o senhor ensinou o Ahren e o Kaden a manejarem uma espada. O
Kaden sugeriu recentemente um duelo e a primeira coisa em que pensei foi
que ele venceria sem qualquer dúvida, graças a si.
O general Leger observava-me.
— Valorizo essas memórias. Muito. Defender-vos-ia a todos até ao
meu último suspiro. Mesmo que não fosse essencialmente pago para isso.
Soltei uma risadinha.
— Eu sei. E é por isso que não há mais ninguém a quem confiasse a
minha vida. — Estendi-lhe a mão. — Por favor, tire o dia de folga.
Ninguém nos vai invadir hoje e se o fizerem eu chamo-o — acrescentei
rapidamente quando vi que ele ia protestar. — Passe algum tempo com a
Miss Lucy. Lembre-a de todas as coisas boas que vocês têm sido um para o
outro e recorde-a de tudo o que vocês têm sido para nós. Eu sei que isso não
substitui nada, mas faça-o, mesmo assim.
— Ainda não encontrei os óculos.
— Tenho a certeza de que ele os deixou no salão. Eu trato disso. Vá.
Ele apertou mais uma vez a minha mão antes de fazer uma vénia.
— Sim, Vossa Alteza.
Observei-o a sair, encostada à mesa, enquanto pensava no general e na
Miss Lucy e na sua vida juntos. Tinham enfrentado tanta tristeza, tanta
desilusão, e, no entanto, ele aparecia todos os dias, pronto para servir.
Assim como a Miss Lucy. Era estranho compará-los com os meus pais,
cujas vidas pareciam decorrer perfeitamente.
Eu estava rodeada por exemplos de como o amor, o amor verdadeiro,
podia tornar as circunstâncias menos incómodas, quer fosse enfrentando a
maior deceção de uma vida ou arcando com o peso de um país. Revi
mentalmente a minha lista de pretendentes, sentindo-me ao mesmo tempo
curiosa e assustada. A doçura do Kile, o entusiasmo do Fox, a alegria do
Henri... estas eram tudo coisas que me atraíram. Mas, além disso, será que
haveria ali algo de belo e duradouro?
Ainda não sabia.
Afastei o pensamento por enquanto e dirigi-me para o salão. Claro, os
óculos do meu pai estavam ali, desdobrados e de pernas para o ar, sobre
uma pilha de livros. Levei-os até ao quarto dele, ainda a pensar no futuro.
Esforçando-me para não acordar a minha mãe, caso ela estivesse a dormir,
bati na porta do escritório pessoal dele.
— Sim? — disse ele.
Entrei e encontrei o meu pai à secretaria, a franzir os olhos enquanto
olhava para alguns papéis.
— Encontrei isto — disse eu, erguendo os óculos e balançando-os
entre os dedos.
— Ah! És uma salva-vidas. Onde está o Aspen? — perguntou ele,
agarrando alegremente nos óculos e colocando-os na cara.
— Disse-lhe para tirar um dia de folga. Parecia um pouco em baixo.
O meu pai levantou de imediato a cabeça.
— Estava? Não percebi.
— Sim. Ele está a ter um dia mau, e acho que talvez a Miss Lucy
também.
Com a menção do nome dela, ele pareceu entender.
— Bem, agora sinto-me mal por não ter dito nada. — Ele recostou-se
na cadeira e esfregou as têmporas.
— Tens dormido bem, pai? — perguntei, mexericando num peso de
papel.
Ele sorriu.
— Estou a tentar, querida, a sério. Mas basta a tua mãe dar um pio e
acordo logo e depois fico a olhar para ela durante uma hora, antes de voltar
a acalmar o suficiente para adormecer novamente. Este ataque cardíaco
apanhou-nos de surpresa. Eu achava que, a acontecer alguma coisa, seria a
mim.
Acenei com a cabeça. Dera por mim a observá-lo muitas vezes
recentemente, perguntando-me se estaria bem. Mas a minha mãe? Ela
apanhara-nos a todos desprevenidos.
— A tua mãe continua a falar sobre aparecer no Noticiário amanhã,
como se fosse um sinal de que as coisas estão a voltar ao normal. Como se,
caso ela o consiga fazer, eu deva voltar ao trabalho. E sei que, assim que eu
voltar ao trabalho, ela também volta. Não estou a dizer que quero que ela
fique sentada o tempo todo a olhar para as paredes, mas a ideia de ela voltar
a ser a rainha, o dia todo, todos os dias... Não sei como o encarar.
Ele esfregou os olhos e deu-me um sorriso sem humor.
— E a verdade é que tem sido bom para mim fazer uma pausa,
respirar. Acho que não tinha percebido o quanto me estava a esforçar até ter
de parar. — Olhou para mim. — Não me lembro da última vez que estive
dez horas seguidas sem interrupção com a minha esposa. Ela tem umas
belas linhas de expressão perto dos olhos.
Sorri.
— Bem, tu dizes um monte de piadas péssimas, pai.
Ele assentiu.
— O que posso dizer? Sou um homem de muitos talentos. Mas isto
também é difícil de assimilar: quando ela voltar a ser a rainha, eu tenho de
voltar a ser o rei. E não sei quando irei ter outra semana como esta, só ela e
eu.
— E se ela não fizesse isso?
Ele semicerrou os olhos.
— O que queres dizer?
— Bem... — Aquilo andava a girar na minha cabeça desde a reunião
municipal do dia anterior. Provavelmente, nunca seria capaz de ajudar todo
o meu povo, mas poderia chegar a alguns. Esse pensamento entusiasmava-
me mais do que eu imaginara ser possível. E, pelo menos, poderia ajudar os
meus pais, o que recentemente me tinha começado a parecer um feito
monumental. Ainda assim, à medida que dizia as palavras, eu sabia que
aquilo era uma loucura completa.
— E se ela deixasse de ser a rainha? E se eu o fosse?
O meu pai ficou em silêncio, olhando para mim, incrédulo.
— Não o digo como um insulto — gaguejei. — Eu sei que és
totalmente capaz de liderar... mas tens razão. A mãe vai querer voltar a
assumir completamente o papel de rainha. Se eu fosse a rainha, ela teria de
fazer outra coisa.
Os olhos dele arregalaram-se, como se não tivesse considerado essa
opção.
— E se ela não fosse rainha e tu não fosses rei, e este intervalo não
tivesse acontecido quando ela está a recuperar de um ataque cardíaco,
talvez vocês pudessem fazer mais do que ficarem sentados sem fazer nada.
Talvez pudessem viajar ou algo assim.
Ele pestanejou, estupefacto perante a possibilidade.
— Até poderíamos fazer isso esta semana. Eu posso mandar fazer um
vestido de coroação, a Lady Brice e a Neena podem organizar tudo e tu
sabes que o general Leger irá garantir que todo o evento é seguro. Não
terias de te preocupar com nada.
Ele engoliu em seco, desviando o olhar.
— Por favor, pai, nada disto é um insulto. Eu...
Ele levantou a mão e eu calei-me, chocada por ver lágrimas nos seus
olhos quando ele se virou novamente para mim.
— Não me sinto insultado — respondeu ele roucamente, antes de
clarear a garganta. — Estou tão orgulhoso de ti.
Sorri.
— Então... vais deixar-me assumir o trono?
— Vais passar por um momento difícil — disse ele, sério. — As
pessoas estão inquietas.
— Eu sei. Não tenho medo. Bem, não tenho muito medo.
Rimo-nos juntos.
— Vais ser maravilhosa.
Encolhi os ombros.
— Não sou como tu. E, definitivamente, não sou a mãe. Mas posso
fazer isto. Tenho ajuda e ainda vos tenho aos dois. E, entre todos nós, talvez
possa parecer uma rainha decente.
Ele abanou a cabeça.
— És mais do que decente, Eadlyn. Talvez não te tenha dito o
suficiente, mas és uma jovem extraordinária. Inteligente, engraçada e capaz.
Vai ser um privilégio ser teu súbdito. — As palavras dele eram tão genuínas
que dei por mim a pestanejar para conter as lágrimas.
Não tinha percebido, até àquele momento, como a opinião dele sobre
as minhas ações era importante para mim. Mas devia ter percebido,
considerando todos os passos que tinha dado por sugestão dele. O facto de
ele aprovar as decisões que eu estava a tomar por mim mesma tinha um
significado imenso.
Ele respirou fundo.
— Muito bem. — Pondo-se de pé, ele deu a volta à mesa e fez deslizar
o seu anel de sinete do dedo anelar, colocando-o no dedo médio da minha
mão. Os seus olhos, tão límpidos como já não os via há dias, fitaram
profundamente os meus. — Fica-te lindamente.
Inclinei a cabeça.
— Quase tudo fica.
Capítulo 16
Muito bem, malta. Acho que, por esta altura, eu podia fazer-vos um
teste sobre as pessoas que aparecem na minha página de agradecimentos e
vocês acertavam em tudo. Seguem a minha agente no Twitter e marcam a
minha publicitária no Tumblr e acham que a minha editora é minha irmã,
embora não o seja. Também me perguntam pelo meu marido e pelos
miúdos, quando dou sessões de autógrafos, porque eles também começaram
a ser importantes para vocês. Portanto, vou manter as coisas simples.
Obrigada.
Ao exército de pessoas que fazem com que os livros sejam lindos, aos
amigos e familiares que me fazem continuar e a vocês. Esta série foi a
melhor viagem da minha vida e, se nunca mais voltarmos a fazer nada de
tão divertido como isto, fico feliz na mesma.
E obrigada à America e à Eadlyn, por terem decidido viver na minha
cabeça. Mudaram o meu mundo.
Adoro-vos para sempre.
K.