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1998 ANO
ARTIGO ARTICLE
na perspectiva do desenvolvimento
Léo Heller 1
Abstract The present paper discusses the rela- Resumo Discute-se a relação entre saúde e sa-
tion between health and public health engi- neamento, situando-a no contexto do processo
neering in the context of social development. de desenvolvimento social. É defendida inicial-
Initially we defend the insertion of this concept mente a inserção dessa relação no atual enfo-
in the presently used approach, health and en- que saúde e ambiente, reconhecendo que esta
vironment, recognizing that this new area does nova área não elimina a pertinência da abor-
not eliminate the relevancy of the health-envi- dagem saúde-saneamento, na verdade sua pre-
ronment approach, being actually its precursor. cursora. Apresenta-se a conceituação de sanea-
We present the concept of public health engi- mento e sua atual situação no país, além dos
neering, its present-day situation in Brasil, as marcos conceituais da relação saúde-sanea-
well as the paremeters for the relation health – mento. Indicadores de desenvolvimento dos
public health engineering. Development indi- países, enfatizando os brasileiros, são confron-
cators from Brazil and other countries are con- tados com indicadores sanitários, mostrando-se
fronted with sanitary indicators demonstrating que, para o grau de desenvolvimento econômico
that in Brazil, taking into consideration the de- e a cobertura por serviços de saneamento no
gree of economic development and the extent of Brasil, melhor desempenho dos indicadores de
offered sanitary services, a better performance saúde seria esperado. Avaliam-se as assertivas
of health indicators could be expected. We eval- que podem ser extraídas dos estudos epidemio-
uate the conclusions of epidemiological studies lógicos desenvolvidos na área de saneamento e,
on sanitation and, finally, we discuss the per- por fim, discutem-se as perspectivas que se
spectives of the health – public health engineer- apresentam no campo da relação saúde-sanea-
ing approach. mento.
Key words Public Health Engineering; Water Palavras-chave Saneamento; Abastecimento
Supply; Sanitation; Health Indicators; Devel- de Água; Esgotamento Sanitário; Indicadores
opment de Saúde; Desenvolvimento
1 Departamento de
Engenharia Sanitária
e Ambiental da UFMG.
Av. do Contorno, 842,
7o andar, Belo Horizonte,
MG, 30.110-060, Brasil.
heller@oraculo.lcc.ufmg.br
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Heller, L.
cistas até explicações que privilegiam uma vi- Por outro lado, no campo da limpeza pú-
são mais sistêmica, com ênfase para os deter- blica localizam-se algumas referências, que
minantes sociais. Em todos os casos, porém, contribuem para iniciar a formulação de um
aspectos da relação saneamento-saúde procu- modelo causal, ainda a ser construído e vali-
ram ser elucidados. dado. Najm (s.d.) propõe um esquema das vias
Em relação aos modelos que associam o de contato lixo-homem (Figura 3) que, sinte-
abastecimento de água e o esgotamento sani- ticamente, explica as trajetórias através das
tário com a saúde, vários autores procuram quais pode ocorrer transmissão de doenças
dar conta da complexidade dessa relação, ex- oriundas da disposição inadequada dos resí-
plicando a influência sobre indicadores espe- duos sólidos urbanos. Note-se que, dada a di-
cíficos, como a diarréia, ou sobre medidas mais versidade de vias e, especialmente, a ação dos
abrangentes de saúde, como a mortalidade in- vetores – biológicos e mecânicos – o raio de
fantil ou a expectativa de vida. Além disso, a influência e os agravos sobre a saúde mostram-
discussão sobre efeitos da intervenção a cur- se de difícil identificação.
to e a longo prazos são também encontrados. A Figura 4 propõe um modelo esquemáti-
Nesse último aspecto, Briscoe (1985) postula co, relacionando a solução para as diversas eta-
que, se a curto prazo o efeito mensurável do pas do manejo dos resíduos sólidos domésticos
abastecimento de água e do esgotamento sa- com o risco à saúde.
nitário pode parecer reduzido, pela reposta Alguns modelos de caráter geral também
não linear da intervenção, a longo prazo seu são localizados, a exemplo de estudo desen-
efeito sobre a saúde é substancialmente supe- volvido no Sri-Lanka (Waxler et al., 1985), que
rior ao de intervenções médicas. Baseado em trabalhou um modelo causal da mortalidade
uma simulação de dados demográficos de Lyon infantil, composto por uma teia de determi-
(França), entre 1816 e 1905, prevê que as in- nantes, na qual atuam preditores culturais, só-
tervenções ambientais podem prevenir cerca cio-econômicos e médicos (Figura 5). Nota-
de quatro vezes mais mortes e elevar a expec- se que a situação de saneamento, representa-
tativa de vida sete vezes mais, que as interven- da pelo atendimento por fossa, localiza-se em
ções de natureza biomédica. O mesmo autor uma etapa mais terminal do ciclo de relações,
(Briscoe, 1987) afirma que tal comportamen- em um sentido sendo determinada por fato-
to sugere um efeito multiplicador dos progra- res econômicos, culturais e educacionais e em
mas de abastecimento de água e esgotamento outro, determinando a mortalidade infantil. Na
sanitário. conclusão desse estudo, explica-se a mortali-
Em outra formulação, Cvjetanovic (1986) dade infantil em Sri-Lanka da seguinte forma:
caracteriza como estreitos os modelos que re- “O status dos grupos minoritários resulta
lacionam as ações de saneamento com um gru- em pobreza, o que impede a família de pos-
po definido de doenças, como as enfermida- suir instalações sanitárias seguras, causando
des diarréicas. Afirma que tal enfoque ignora morte infantil. A mortalidade infantil em Sri-
o caráter amplo da definição de saúde formu- Lanka não é, portanto, simplesmente um pro-
lada pela Organização Mundial da Saúde, ao blema médico, para ser assumido pelos pro-
avaliar impactos sobre doenças e não sobre a gramas de saúde pública, nem tampouco é um
saúde propriamente. Reconhece, entretanto, problema econômico, que possa ser resolvido
os obstáculos metodológicos para uma abor- pela criação de empregos, mas é melhor que
dagem holística, que privilegie sobretudo os seja encarada como um problema da estrutu-
fatores sócio-econômicos. Esquematicamen- ra de toda a sociedade.”
te, a Figura 2 ilustra o modelo proposto pelo Na mesma linha, estudo epidemiológico
autor, no qual se prevê que ações de abasteci- realizado na sede urbana de Betim-MG (Hel-
mento de água e de esgotamento sanitário pro- ler, 1997a), cidade de porte médio com popu-
porcionam benefícios gerais sobre a saúde da lação de aproximadamente 160.000 habitan-
população segundo duas vias: através de efei- tes, permite inferir o marco causal da diarréia
to direto e através de efeitos indiretos, resul- em crianças de até cinco anos, a partir de de-
tantes primordialmente do desenvolvimento terminantes sócio-econômicos e relacionados
da localidade atendida. Observe-se que, em- ao saneamento. A Figura 6 exibe o modelo.
bora pleiteando uma explicação causal mais
sistêmica, o modelo de Cvjetanovic não inclui
o papel dos determinantes sociais.
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Investimento em
Efeitos abastecimento de água Efeitos
indiretos e esgotos sanitários diretos
v
v
• Desenvolvimento
econômico
• Aumento da produção
v
• Comercialização
Figura 3
Esquemas das vias de contato homem-lixo.
Contato direto
v
Contato indireto
LIXO HOMEM
v
v
Vetores mecânicos
(moscas, baratas, Alimentos
v
v
roedores, suínos)
Vetores biológicos
(mosquitos, roedores,
v
anterior, ou seja, caso o padrão de desenvol- as políticas de saúde do país permanecem pri-
vimento brasileiro tivesse uma natureza pró- vilegiando a ótica curativa, verificando-se po-
xima ao da média mundial, a mortalidade in- derosos óbices para a integração com essa vi-
fantil média da população poderia ser de 33,7 são e o reconhecimento na prática do papel
óbitos por 1.000 crianças nascidas vivas, 10,3 preventivo das ações de saneamento.
aquém dos atuais 44. Estas comparações entre indicadores de
Finalmente, corroborando a análise ante- desenvolvimento e o quadro de saúde brasi-
rior sobre o padrão de desenvolvimento brasi- leiros são úteis no sentido de demonstrar a
leiro, as Figuras 9 e 10 sugerem que, com os possibilidade de, com políticas públicas com
níveis de cobertura por abastecimento de água real compromisso social, se obterem signifi-
e esgotamento sanitário do Brasil, melhores cativos avanços na qualidade de vida da po-
condições de saúde infantil poderiam ser ve- pulação. Fato certamente associado à ausên-
rificadas, reduzindo a taxa de mortalidade in- cia de um maior impacto do crescimento eco-
fantil para cerca de 16 ou 22 óbitos por 1.000 nômico e também das ações de saneamento
crianças nascidas vivas, respectivamente. sobre a saúde da população é o quadro de de-
É evidente que a otimização do impacto sigualdade social, que retém a ampliação dos
das intervenções em saneamento sobre a saú- benefícios. O UNDP (1994) mostra que o Bra-
de da população está também condicionada a sil é o segundo país do mundo em concentra-
transformações estruturais e institucionais. ção de renda, após Botsuana: a renda dos 40%
Há um crônico distanciamento entre as polí- mais pobres corresponde a apenas 7% da ren-
ticas de saneamento e de saúde no Brasil. Por da nacional e os 20% mais ricos têm 32,1 vezes
um lado, a prática e os planejamentos do se- mais renda que os 20% mais pobres. Na pu-
tor de saneamento não valorizam a relação blicação de 1997, o PNUD indica que o coefi-
com a saúde, havendo inclusive deficiências ciente de Gini brasileiro é o maior – 63,4% –
na formação dos profissionais. E, por outro, dentre 64 países.
79
Lixo não
Lixo exposto Acondicionamento
v
v
exposto
v
VETORES
contaminação
v
água, ar e solo v
LOCAL
Não exposto
Exposto Disposição local
v
v
(aterrado)
COLETA Fatores de
CATADORES risco à saúde
v
PÚBLICA
eliminados
v
VETORES v
contaminação Sanitária e am- Sanitária e am-
água, ar e solo bientalmente Disposição final bientalmente
v
v
v
Figura 5
Marco causal da mortalidade infantil no Sri-Lanka.
v
posse de cinco itens alimentação protéica
v v
v v v
Cultura:
Mortalidade infantil
grupos étnicos
v
v v v
Educação: Esgoto:
v
escolaridade de mulheres tipo de fossa
Figura 6
Marco causal da diarréia em Betim, MG.
v v v v
Abastecimento de água Esgotamento sanitário Disposição de lixo
Água pluvial
existência de reservatório esgotos escoando na acondicionamento; dispo-
inundação do lote
domiciliar via pública sição; disposição fraldas
v v v
posse de geladeira
v
Estrutura familiar
Hábitos higiênicos Presença de vetores
número crianças na casa;
v
v
1,000
Brasil
0,800
0,600
0,400
Valor do IDH (1994)
0,200
0,000
20 30 40 50 60 70 80
Expectativa de vida 1994 (anos)
y = 0,0619e0,0354x
R2 = 0,8736
Figura 8
Relação entre produto doméstico bruto per capita (1994) e mortalidade infantil (1995) dos países.
200
180
Mortalidade infantil 1995 (por 1000)
160
140
120
100
80
60
Brasil
40
20
0
0 5000 10000 15000 20000 25000 30000
Produto doméstico bruto per capita (1994)
y = 17,756Ln(x) + 186
R2 = 0,4136
Figura 9
Relação entre cobertura por abastecimento de água (1994-95) e mortalidade infantil (1995) dos países.
120
100
80
60 Brasil
40
20
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110
Abastecimento de água 1994-95 (%)
y = 399,74e-0,0347x
R2 = 0,6284
Figura 10
Relação entre cobertura por esgotamento sanitário (1994-95) e mortalidade infantil (1995) dos países.
Mortalidade infantil 1995 (por 1000)
140
120
100
80
60 Brasil
40
20
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110
Esgotamento sanitário 1994-95 (%)
y = 158,14e-0,0269x
R2 = 0,5787
Em relação à quantificação dos riscos, im- de realidades estudadas. Contudo, ainda as-
portante contribuição é o trabalho de Esrey et sim são valiosas, na medida em que confi-
al. (1991), que verificaram a redução de enfer- guram valores medianos, os quais, mesmo
midades selecionadas e particularmente da imprecisos, contribuem para uma visão ini-
diarréia, a partir da consulta a 144 estudos (Ta- cial.
belas 1 e 2). Em relação às assertivas passíveis de se-
Tais agregações quantitativas esbarram rem extraídas dos estudos realizados, Roberts
por vezes em elevada dispersão dos resulta- (1997) propõe que as seguintes conclusões
dos, o que é presumível, dada a diversidade possam ser estabelecidas:
83
Tabela 2
Redução percentual na morbidade e mortalidade por doenças selecionadas, atribuída a melhorias
no abastecimento de água e no esgotamento sanitário.
1) O acesso a instalações para a disposição das políticas públicas com base nesses prin-
de excretas é geralmente mais protetor contra cípios.
a diarréia que o acesso a maior quantidade de Em primeiro lugar, para a compreensão do
água ou a água mais limpa. maior impacto positivo da disposição de ex-
2) Quantidades adequadas de água parece cretas em relação ao abastecimento de água ou
ser mais benéfico na redução de taxas de diar- da superioridade da melhoria da quantidade
réia que o acesso a água de melhor qualidade. de água sobre a qualidade (conclusões 1 e 2),
3) Melhoria na qualidade da água é relati- devem ser bem situadas as realidades que en-
vamente vulnerável a ter seus benefícios anu- sejaram tais afirmativas. Na verdade, a maior
lados por outros fatores comportamentais ou parte dos estudos envolvendo a disposição de
ambientais. excretas confronta a implantação de sistemas
De fato, as três questões levantadas têm mais simplificados, em geral estáticos como a
sido objeto de discussão nos estudos epide- fossa seca, com a ausência de qualquer solu-
miológicos relacionados ao saneamento e al- ção para essa disposição. Da mesma forma, em
guns deles deixam antever as conclusões ex- geral a solução para o abastecimento de água
traídas por Roberts. É importante, no entan- considerada consiste de chafarizes ou implan-
to, relativizar tais conclusões, evitando algum tação de bombas manuais em poços rasos, im-
risco de generalização e de direcionamento plantado em comunidades que mantinham a
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Heller, L.
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