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Segundo a Resolução 430/2011 do Conama, efluente é o termo utilizado para caracterizar os des-

pejos líquidos provenientes de diversas atividades ou processos, sejam domésticas, comerciais ou


industriais, sendo uma composição, um reflexo de seu processo ou destinação.

Na sequência, abordaremos as etapas de tratamen- ponde a uma associação de sólidos orgânicos e


to dos efluentes industriais e sanitários com base inorgânicos, suspensos ou dissolvidos, nos quais
nas normas e legislações pertinentes. Finalmente, são encontrados uma série de organismos e mi-
trataremos de algumas tendências no Brasil e ao crorganismos patogênicos, como vírus, bactérias,
redor do mundo no que se refere ao tratamento protozoários e helmintos. A associação desses
de efluentes, trabalho este que possibilita que até compostos aos dejetos humanos faz com que esse
mesmo efluentes sanitários possam ser tratados tipo de efluente apresente características próprias,
e utilizados para abastecimento de água potável. como odor característico e temperatura levemen-
Podemos começar? te elevada, devido à atividade microbiológica.
Segundo Von Sperling (2005), os efluentes do- O quadro a seguir apresenta as principais ca-
mésticos são compostos de, aproximadamente, racterísticas físico-químicas, comumente obser-
99% de água, enquanto a fração restante corres- vadas nos efluentes domésticos/sanitários:

Quadro 1 - Características físico-químicas dos efluentes domésticos/sanitários


PARÂMETRO DESCRIÇÃO
Temperatura Normalmente, possuem temperatura superior à da água de abastecimento e está
relacionada com a atividade dos microrganismos, solubilidade de gases, velocidade
das reações químicas e viscosidade dos líquidos.
Cor A coloração dos efluentes domésticos, normalmente, é cinza, cinza escuro ou preta,
em função do material dissolvido. A cor desse tipo de efluente é diretamente influen-
ciada pela decomposição da matéria orgânica.
Odor O odor dos esgotos domésticos é desagradável em função dos gases sulfídricos
liberados em função do processo de decomposição da matéria orgânica.
Turbidez Influenciada pelos sólidos em suspensão, areia, argila, material orgânico e inorgânico
e microrganismos, faz referência à dificuldade de difração da luz na água. Portanto,
efluentes mais concentrados possuem maior turbidez.
Sólidos totais Referem-se ao balanço de todos os sólidos presentes nos esgotos domésticos.

Sólidos em Fração dos sólidos orgânicos e inorgânicos suspensos no esgoto, que possuem di-
suspensão mensões específicas superiores, variando de > 0,45 a > 2,0 μm.

Sólidos fixos Representam os componentes minerais, não incineráveis e inertes dos sólidos em
suspensão.
Sólidos voláteis Correspondem aos componentes orgânicos dos sólidos em suspensão.

Sólidos Fração dos sólidos orgânicos e inorgânicos suspensos no esgoto, que possuem di-
Dissolvidos mensões específicas inferiores, variando de < 0,45 a < 2,0 μm.

Sólidos Fração de sólidos orgânicos e inorgânicos que possuem peso molecular suficiente
sedimentáveis para sedimentar em um período de 1 hora. É analisado em cone Imhoff.

UNIDADE 4 93
Matéria Refere-se aos compostos orgânicos, sendo os principais componentes: proteínas,
orgânica carboidratos e lipídios. Para sua determinação, normalmente são analisadas as de-
mandas químicas e bioquímicas de oxigênio ou via carbono orgânico total.
Nitrogênio Inclui as formas de nitrogênio orgânico, amônia, nitrito e nitrato. Componentes orgâni-
total cos da matéria orgânica, sua presença em efluentes está relacionada à decomposição.

Fósforo É um nutriente essencial presente na composição de várias substâncias orgânicas e


inorgânicas. Sua presença em esgoto doméstico está relacionada à decomposição
dessas substâncias e a sua disponibilidade no meio é preocupante, pois esses nu-
trientes são essenciais para o desenvolvimento de microrganismos, algas e plantas.
pH Indica se a característica do esgoto é ácida ou básica. A variação nesse parâmetro
pode influenciar a eficiência dos tratamentos para esse tipo de efluente. Valores
ácidos de pH tornam o efluente corrosivo, ao passo que valores básicos aceleram a
incrustação desses efluentes pela tubulação do sistema de esgotamento sanitário.
Alcalinidade Representa a capacidade de um sistema aquoso de neutralizar ácidos sem que haja
a perturbação de forma extrema das atividades biológicas que nele decorrem. Está
relacionada à presença de carbonatos, bicarbonatos e hidroxilas, sódio e cálcio.
Cloretos Provenientes da água de abastecimento e dos dejetos humanos.

Óleos e Graxas Fração de matéria orgânica solúvel em hexano; no caso dos esgotos domésticos,
estão relacionados aos óleos e gorduras utilizados no preparo ou na composição
de alimentos.
Presença de A presença dos microrganismos neste tipo de efluente é predominantemente em
microrganismos função dos dejetos humanos. São comuns a esse tipo de efluente os coliformes
fecais, sendo estes um grupo de bactérias comuns ao trato intestinal humano e de
animais. Esse grupo compreende os gêneros Escherichia e, em menor grau, espécies
de Klebsiella, Enterobacter e Citrobacter (WHO, 1993).
Fonte: adaptado de Von Sperling (2005) e Who (1993).

A legislação que dispõe especificamente sobre os padrões que devem ser atingidos para o lançamento
de efluentes é a Resolução do CONAMA 430/2011. Essa legislação rege parâmetros, diretrizes e padrões
para o despejo de efluentes domésticos/sanitários e industriais em corpos receptores. O artigo 21º
dessa legislação preconiza que o lançamento direto de efluentes oriundos de sistemas de tratamento
de esgotos sanitários deve atender os padrões expressos no quadro a seguir:
Quadro 2 - Parâmetros físico-químicos e valores máximos permitidos para o lançamento de efluentes sanitários em corpos hídricos
PARÂMETRO VALOR MÁXIMO PERMITIDO (VMP)
ph Entre 5 e 9.

Temperatura Inferior a 40 °C.

Sólidos Até 1 mL/L (Teste em cone Inmhoff). Caso a disposição ocorra em lagos/lagoa, os
sedimentáveis sólidos sedimentáveis deverão ser ausentes.

Óleos e Graxas Até 100 mg/L.

Materiais Ausentes.
flutuantes
Demanda Máximo de 120 mg/L, sendo que esse valor poderá ser ultrapassado no caso de
Bioquímica de efluente de sistema de tratamento, com eficiência de remoção mínima de 60%
Oxigênio (DBO5) de DBO, ou mediante estudo de autodepuração do corpo hídrico que comprove
atendimento às metas do enquadramento do corpo receptor.
Fonte: Brasil (2011).

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Lembrando que existem ressalvas para os efluentes degradação do efluente em questão, estabele-
sanitários, que recebem lixiviados de aterros sani- cendo uma relação sobre a taxa de consumo de
tários; neste caso, o órgão ambiental competente oxigênio em função do tempo.
deverá indicar quais os parâmetros da Tabela I do Em relação à demanda bioquímica de oxigênio,
art. 16, inciso II da Resolução 430/2011 do Co- faz-se relevante apresentar a demanda química
nama que deverão ser atendidos e monitorados. de oxigênio ou DQO. Esse parâmetro indicativo,
Os cuidados específicos com esse tipo de assim como a DBO, avalia o consumo de oxigê-
efluente se dá em função dos possíveis impactos nio, só que, neste caso, a DQO avalia o consumo
causados ao meio ambiente, além do aporte de de oxigênio para a oxidação química da matéria
matéria orgânica, que pode acelerar o processo orgânica, comumente analisada utilizando um
de eutrofização. A presença de microrganismos agente oxidante forte, como o dicromato de po-
patogênicos oriundos do trato digestivo dos se- tássio em uma alíquota da amostra com pH ácido.
res humanos torna-se a principal preocupação. A Esses dois parâmetros, quando comparados
presença desses microrganismos faz com que esse de forma conjunta, proporcionam informações
tipo de efluente, na ausência de tratamento ade- sobre a biodegradabilidade do efluente e, conse-
quado, torne-se agente de transmissão de doenças quentemente, auxilia na escolha do método mais
relacionadas à falta de saneamento básico, como adequado para o seu tratamento. Para estabelecer
a cólera, disenterias, febres tifoides, leptospirose, essa relação, utiliza-se o seguinte cálculo: sendo
amebíase, dentre outras. “r” a relação entre DQO/DBO; o resultado des-
No Quadro 2, fomos apresentados ao pa- sa equação indica qual das frações envolvidas, a
râmetro demanda bioquímica de oxigênio ou inerte ou a biodegradável do efluente, está elevada
DBO; esse parâmetro determina, de forma in- ou não. A Tabela 1 contém informações sobre a
direta, a quantidade (concentração) de matéria relação entre esses parâmetros que, segundo Von
orgânica degradável pela ação microbiológica Sperling (2005), são imprescindíveis para a esco-
presente em um efluente. Ele indica a taxa de lha do tratamento adequado.

DBO trata-se da quantidade de oxigênio consumida pelos microrganismos aeróbios facultativos


e/ou aeróbios presentes no efluente para que ocorra a degradação metabólica de toda a matéria
biodegradável carbonácea presente.
Fonte: adaptado de Brookman (1996)

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Tabela 1 - Relação Demanda química de oxigênio/Demanda bioquímica de oxigênio em efluentes
RELAÇÃO DQO/DBO INDICAÇÃO DE TRATAMENTO
Baixa - < 2,5 A fração biodegradável do efluente é elevada, podendo ser indicado
tratamento biológico.
Intermediária - Entre A fração biodegradável não é elevada, sendo necessário realizar alguns
2,5 e 3,5 estudos de tratabilidade para verificar a viabilidade do tratamento
biológico.
Elevada - > 3,5 A fração inerte (não biodegradável) é elevada, possível indicação para
tratamento físico-químico.
Fonte: adaptada de Von Sperling (2005).

Ainda sobre o Quadro 2, também foram apresentados valores máximos permitidos (VMP) para alguns
parâmetros pautados em legislação, entretanto, como mensurar se o tratamento proposto está sendo
efetivo e se está de acordo com os valores previstos em legislação? Por meio do cálculo de eficiência
de remoção, representado pela fórmula:

Em que:
• E = eficiência de remoção (%).
• Ce = Concentração na entrada.
• Cs = Concentração na saída.

Para tanto, utiliza-se o valor mensurado do parâmetro em questão antes do tratamento e o valor obtido
após o tratamento aplicado. Algumas das técnicas de quantificação de alguns parâmetros físico-quí-
micos que podem ser aplicadas, tanto para água como para efluentes, serão apresentados na leitura
complementar desta unidade. Já os diferentes tipos de tratamento existentes serão explorados mais
adiante nesta unidade.

96 Gerenciamento de Recursos Hídricos – Tratamento de Águas Residuárias


Alguns efluentes industriais podem apresentar características tóxicas, podendo causar efeitos
danosos aos organismos que tiverem contato ou mesmo ao corpo receptor. Alguns ramos industriais
ainda devem controlar as emissões em corpos receptores em função do potencial toxicológico, como
indústrias químicas, petrolíferas, de galvanoplastia, dentre outras (DEZZOTI, 2008).
Para saber se haverá a necessidade de realizar um tratamento prévio dos efluentes industriais e a
fim de caracterizar a carga poluidora, bem como propor o tratamento mais adequado, é necessário ter
um conhecimento de todo o processo para definir as condições de amostragem. Para Giordano (2004),
conhecer as características da produção e todo o fluxograma do processo industrial é fundamental para
lidar com os efluentes gerados. Ainda se destacam como fatores relevantes para as características dos
efluentes os produtos de limpeza utilizados na indústria, a rotina de higienização dos equipamentos
e instalações, horários de manutenção e número de funcionários por turno.
Para a caracterização inicial do efluente (efluente bruto), devem ser considerados parâmetros rela-
cionados à carga poluidora e que sejam relevantes para a compreensão das características do efluente,
devendo ser consideradas a frequência de amostragem, a forma de coleta, o acondicionamento, o
armazenamento, a sazonalidade produtiva e as condições climáticas.
Alguns exemplos de efluentes industriais das mais variadas atividades e suas composições estão
expressos no Quadro 3.
Quadro 3 - Composição de alguns efluentes industriais
ATIVIDADE COMPOSIÇÃO DO EFLUENTE
Agropecuária intensiva Oriundos da bovinocultura e da suinocultura, estão relacionados à quantida-
de de água utilizada nos processos, como limpeza de estabelecimentos ou
equipamentos. Apresentam elevados índices de matéria orgânica, nitrogênio,
fósforo, potássio, cálcio, sódio, magnésio, ferro, zinco e cobre, dentre outros
elementos incluídos na dieta (SILVA, 2007).
Serviços de Saúde Podem ser classificados em duas categorias, uma relacionada aos usos ro-
tineiros, de higiene e sanitários; enquanto a outra classificação refere-se a
pesquisas e utilização de formulações química e de fármacos. Normalmente,
possuem pH diferentes em relação aos esgotos sanitários comuns, devi-
do à presença de excretas contaminadas, líquidos biológicos, resíduos de
medicamentos, solventes, corantes, dentre outros (BOILLOT et al., 2008). O
tratamento dos efluentes dos serviços de saúde estão sujeitos a exigências
especiais previstas por legislação.
Lixiviado (chorume) Em geral, em sua composição, encontram-se matéria orgânica dissolvida e
solubilizada, produtos intermediários da digestão anaeróbia de microrganis-
mos, substâncias químicas persistentes oriundas dos agrotóxicos ou demais
xenobióticos (BASSANI, 2010). A concentração dos metais nos lixiviados está
relacionada à composição dos materiais destinados aos aterros ou aos lixões.
Indústria Têxtil Grandes consumidores de água e de corantes sintéticos, geradores de efluen-
tes volumosos e complexos com elevada carga orgânica, aliada ao elevado
teor de sais inorgânicos (KAMIDA et al., 2005).
Fonte: adaptado de Silva (2007), Boillot et al. (2008), Bassani (2010) e Kamida et al. (2005).

Quanto ao seu descarte, o artigo 16º, da Resolução Conama 430/2011, preconiza que os efluentes de
qualquer fonte poluidora poderão ser lançados em corpos hídricos, desde que atendam os parâmetros
do Quadro 4:

98 Gerenciamento de Recursos Hídricos – Tratamento de Águas Residuárias


Quadro 4 - Parâmetros físico-químicos e valores máximo per-
mitido de efluentes em corpos hídricos, segundo a resolução
Conama

VALOR MÁXIMO PERMITIDO


PARÂMETRO
(VMP)
pH Entre 5 e 9
Temperatura Inferior a 40 °C
Sólidos Até 1 mL/L (Teste em cone
sedimentáveis Inmhoff), caso a disposição
ocorra em lagos/lagoa, os só-
lidos sedimentáveis deverão
ser ausentes.
Regime de Vazão máxima de até 1,5 da
lançamento vazão média do agente polui-
dor, podendo ser superior em
casos permitidos por autorida-
des competentes.
Óleos e graxas Óleos Minerais até 20 mg/L e
Óleos Vegetais e Gordura Ani-
mal até 50 mg/L.
Materiais Ausentes
flutuantes
DBO5 Remoção mínima de 60%, po-
dendo ser alterado somente
mediante a estudo de autode-
puração.
Fonte: Brasil (2011).

Reparem que esses padrões são muito próximos


aos padrões estabelecidos pela mesma resolução
para o despejo de efluentes sanitários em corpos
receptores. Entretanto, cabe destacar que, tanto
para os efluentes industriais como para os do-
mésticos, as legislações estaduais ou municipais
podem apresentar variações em relação aos valo-
res impostos pelo Conama, devendo ser atendida
sempre aquela legislação que se apresentar mais
restritiva.
Ainda sobre a resolução 430/2011 do Conama,
em um segundo momento, ainda no artigo 16,
são apresentados os padrões de lançamento de
efluentes em relação aos parâmetros inorgânicos
e orgânicos, expresso na Tabela 2:

UNIDADE 4 99
Tabela 2 - Padrões de lançamento de efluentes - parâmetros orgânicos e inorgânicos
PARÂMETROS INORGÂNICOS VALOR MÁXIMO PERMITIDO (VMP)
Arsênio total 0,5 mg/L As
Bário total 5,0 mg/L Ba
Boro total (não se aplica a águas salinas) 5,0 mg/L B
Cádmio total 0,2 mg/L Cd
Chumbo total 0,5 mg/L Pb
Cianeto total 1,0 mg/L CN
Cianeto livre 0,2 mg/L CN
Cobre dissolvido 1,0 mg/L Cu
Cromo hexavalente 0,1 mg/L Cr+6
Cromo trivalente 1,0 mg/L Cr+3
Estanho total 4,0 mg/L Sn
Ferro dissolvido 15,0 mg/L Fe
Fluoreto total 10,0 mg/L F
Manganês dissolvido 1,0 mg/L Mn
Mercúrio total 0,01 mg/L Hg
Níquel total 2,0 mg/L Ni
Nitrogênio amoniacal total 20,0 mg/L N
Prata total 0,1 mg/L Ag
Selênio total 0,30 mg/L Se
Sulfeto 1,0 mg/L S
Zinco total 5,0 mg/L Zn
PARÂMETROS ORGÂNICOS VALOR MÁXIMO PERMITIDO (VMP)
Benzeno 1,2 mg/L
Clorofórmio 1,0 mg/L
Dicloroeteno (somatório de 1,1 + 1,2cis + 1,2 trans) 1,0 mg/L
Estireno 0,07 mg/L
Etilbenzeno 0,84 mg/L
Fenóis totais (substâncias que reagem com 4-ami- 0,5 mg/L C6H5OH
noantipirina)
Tetracloreto de carbono 1,0 mg/L
Tricloroeteno 1,0 mg/L
Tolueno 1,2 mg/L
Xileno 1,6 mg/L
Fonte: Brasil (2011).

100 Gerenciamento de Recursos Hídricos – Tratamento de Águas Residuárias


Cada uma dessas etapas é caracterizada por uma série de processos, especificados a seguir. Porém, inicial-
mente, vamos apresentar uma planta modelo de uma estação de tratamento de efluentes. Lembrando que
a estação de tratamento de uma indústria pode variar quando a produção não ficar localizada no mesmo
espaço físico que a indústria, podendo ocorrer o armazenamento e transporte para posterior tratamento ou,
ainda, a terceirização desse serviço para empresas especializadas. A Figura 1 esquematiza uma ETE industrial:

ESTAÇÃO DE TRATAMENTO
DE ESGOTO
Efluente Industrial

Clarificadores Biorreatores de Clarificadores Desinfecção por UV


primários Oxigênio secundários
Caixa de areia e
remoção de lodo
Descarga no
corpo hídrico

Lagoas digestoras Boilers Geradores Energia elétrica


gerada e revertida
Figura 1 – ETE industrial para a indústria

Nesse modelo de planta de estação de tratamento O que se observa, normalmente, são peque-
industrial ocorrem, basicamente, os mesmos pro- nas estações de tratamento compostas por um
cessos descritos na estação de tratamento de água, sistema de gradeamento prévio ao espaço ou
porém com algumas variações. Note que, nesse mo- tanque destinado à equalização e correção de
delo, ainda ocorre a captação dos gases gerados nos pH, seguido de um tanque de coagulação/flo-
digestores e sua conversão em energia elétrica. Infe- culação/sedimentação e uma única lagoa de
lizmente, tal modelo ideal não se aplica com tanta estabilização biológica, onde ocorrerá a degra-
frequência em nosso país, visto que a geração de dação biológica da carga poluidora. A realidade
efluentes de alta carga poluidora ocorre, em geral, ambiental das indústrias, muitas vezes, é bem
em instalações improvisadas de pequeno a médio diferente do que a identidade transmitida por
porte, muitas delas conduzidas por recicladores ela, fique atento(a)!
informais, sem licenciamento para seu funciona- Nesse sentido, vamos dar sequência à descri-
mento e sem qualquer compromisso com a legisla- ção das etapas do tratamento de efluentes.
ção ambiental (BORDONALLI; MENDES, 2009).

102 Gerenciamento de Recursos Hídricos – Tratamento de Águas Residuárias


Tratamento Preliminar Tratamento Primário

O Tratamento Preliminar tem por objetivo a Após o tratamento preliminar, o efluente ainda
remoção de sólidos e materiais que são des- apresenta grande parte de sólidos em suspensão e
cartados nas vias fluviais como, por exemplo, elevada carga de matéria orgânica que podem ser
plástico, madeiras ou qualquer outro tipo de re- separados do efluente pelo processo de separação
síduo sólido estranho à composição do efluente de sólido-líquido, baseado na diferença de densi-
industrial. O princípio do aplicado na remoção dade das substâncias presentes na água que sofrem
desses materiais é física e pode ser realizado via influência da força gravitacional, denominada
gradeamento e/ou peneiramento. Ambas me- sedimentação/decantação. Essa etapa ocorre em
todologias consistem em barreiras físicas com decantadores ou sedimentadores (clarificadores)
grades ou peneiras com espessuras variadas que que são reservatórios circulares ou retangulares.
retém materiais inapropriados e que devem ser O processo mais comum e mais utilizado é o de
retirados manualmente (Figura 2). coagulação/floculação/sedimentação (Figura 3),
Nesta etapa do tratamento, ainda ocorre a se- especialmente pelos países em desenvolvimento;
paração de materiais flutuantes, como espumas nesta etapa do tratamento primário, reagentes quí-
com densidade menor que a da água nas chama- micos coagulantes são adicionados e possibilitam
das caixas de gordura e também a equalização a formação de flocos de carga positiva e com alto
que visa minimizar o fluxo, impossibilitando peso molecular. Desta forma, os flocos formados
o aporte excessivo no sistema de tratamento e, ficam sujeitos à ação gravitacional durante a sedi-
por fim, a correção do pH ou neutralização pela mentação. Esse processo é comumente aplicado no
adição de ácido ou base ao volume armazenado, tratamento de água e os coagulantes mais utilizados
objetivando potencializar as etapas sequenciais. são os sais férricos e o policloreto de alumínio. Ou-
tro tratamento primário que pode ser utilizado é a
flotação, que consiste na injeção de ar comprimido
na parte inferior do tanque, o que faz com que as
impurezas sejam impulsionadas para a parte supe-
rior do tanque após a coagulação, possibilitando a
retirada mecânica por pás ou sistema automatizado.

Figura 2 - Gradeamento para remoção de sólidos grosseiros


numa ETE

Figura 3 - Ensaio de Floculação

UNIDADE 4 103
Para esse processo, dependendo da aplicação, tratamentos preliminares são dispensados, pois os
sólidos são necessários para o acúmulo e a manutenção do sistema biológico. Tratamentos secundários
são constituídos por uma gama de metodologias que apresentam vantagens específicas relacionadas
às aplicações e aos resultados desejados. Para auxiliar na comparação dos diversos tratamentos secun-
dários existentes, o Quadro 5 expressa algumas informações.
Quadro 5 - Tratamentos Secundários
TRATAMENTO VANTAGENS DESVANTAGENS
Lagoas Facultativas Remoção da demanda bioquí- Necessita de grandes extensões territoriais.
e Anaeróbias- mica de oxigênio. Dificuldade em atender os padrões de lan-
Facultativas Fácil construção e Manutenção. çamento.
Proliferação de insetos.
Sujeito à interferência climática.
Lagoa Aerada Fácil construção, operação e Elevado consumo energético.
Facultativa manutenção. Necessidade de equipamento e maquinário.
Não requer tanta extensão de Baixa remoção de coliformes.
território.
Manutenção para remoção de lodo periódica.
Eficiente na remoção da de-
manda bioquímica de oxigênio.
Tanque Séptico Resistência à variação de carga. Baixa eficiência aos nutrientes relacionados
Não requer extensão territorial à eutrofização.
elevada. Gera odores fortes e desagradáveis.
Eficiente remoção da demanda Necessita de pós-tratamento.
bioquímica de oxigênio.
Reator UASB Baixos requisitos de área e Necessita de pós-tratamento.
energia. Baixa eficiência aos nutrientes relacionados
Eficiente para a remoção da de- à eutrofização.
manda bioquímica de oxigênio.
Possibilita reuso do Biogás.
Lodos Ativados Baixos requisitos de área. Elevados consumos de energia para opera-
Eficiente para remoção de fós- ção.
foro, nitrogênio e demanda Problemática com ruídos.
bioquímica de oxigênio. Pouca eficiência para remoção de coliformes.

Fonte: adaptado de Andreoli, Von Sperling e Fernandes (2001).

Em todos os tipos de tratamento secundário citados, é necessário fazer a gestão adequada do lodo
gerado, sendo que o lodo resultante da atividade biológica, eventualmente e conforme a necessi-
dade, deverá ser retirado da lagoa em que estiver sendo aplicado, preferencialmente quando sua
atividade biológica for reduzida devido à intensa utilização. Antes de seu descarte, todo esse lodo
residual deverá ser tratado antes de receber uma destinação final adequada.

UNIDADE 4 105
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Tratamento Terciário

A última etapa do tratamento de A adsorção consiste em um processo físico ou químico que in-
efluentes consiste na última ten- duz aglomeração das substâncias de interesse em uma superfície,
tativa de adequar os parâmetros como exemplo é possível citar o carvão ativado, que apresenta sua
que ainda não se enquadraram superfície modificada para atrair substâncias específicas. A adsor-
nos valores estabelecidos pela ção pode ser realizada utilizando resíduos da produção que sirvam
legislação. Dentre as opções an- como suporte ou superfície para a adesão de moléculas elaboradas/
teriores, o tratamento terciário se específicas, como pesticidas, corantes, hormônios, dentre outras.
torna o mais variável de acordo Já os processos oxidativos avançados (POA) consistem em pro-
com a necessidade, logo, pode- cessos que visam a eliminação de substâncias mediante a quantidade
mos relacionar essa etapa com a de radicais hidroxilos (OH) disponíveis para oxidação da substância
composição inicial do efluente de interesse. Alguns exemplos de POA são a fotocatálise (Figura 4),
e suas necessidades específicas. ozonização e fotólise. Para acelerar esses processos, utilizam-se ra-
Alguns exemplos desse trata- dicais oxidantes e pouco seletivos, que podem ser obtidos por meio
mento são a desinfecção, adsor- de diferentes combinações entre a radiação ultravioleta, peróxido
ção em carvão ativado, processos de oxigênio, ozônio e fotocatalisadores.
oxidativos avançados, dentre Fotocatálise
outros processos que visam a re-
moção de poluentes específicos,
como o nitrogênio e o fósforo
que aceleram o processo de eu-
trofização em corpos hídricos. A
desinfecção é realizada pela ação H20
de agentes saneantes ou energia CO2
na forma de radiação ultraviole- Poluente orgânico
ta, com o intuito de eliminar mi-
crorganismos característicos do
tratamento de esgotos e estranhos TiO2
ao meio ambiente. Esses micror- lente
ganismos, normalmente, estão
atrelados a doenças de veiculação CO2
Poluente orgânico H20
hídrica e serão abordadas em um
encontro específico. Figura 4 - Fotocatálise

106 Gerenciamento de Recursos Hídricos – Tratamento de Águas Residuárias


Outro tratamento terciário relevante é o trata- formação de um gel. Uma problemática relaciona-
mento por meio de membranas filtrantes, que são da ao uso de membranas no tratamento de efluen-
capazes de realizar a separação de partículas só- tes está relacionada ao acúmulo de substâncias na
lidas da água, por meio de pequenas membranas superfície da membrana, ocasionando o fouling
porosas ou semipermeáveis, planas ou tubulares. ou entupimento da membrana. Para solucionar
As membranas são capazes de remover moléculas tal problema, limpezas devem ser incorporadas
e compostos iônicos dissolvidos, atuando como ao sistema de operação como forma de prevenir
barreira seletiva, retendo determinadas substân- o fouling (LAUTENSCHLAGER; DERREIRA
cias. A filtração por meio de membranas, atual- FILHO; PEREIRA, 2009).
mente, tem sido objeto de grande atenção nos Para László et al. (2009), a filtração por mem-
processos de tratamento de água potável. Dentre branas é um método eficiente para redução de
os motivos para tal atenção, destacam-se as legis- DQO, entretanto, amostras com elevado teor de
lações cada vez mais rígidas e a pressão social para matéria orgânica ocasionam o fouling da mem-
melhoria do padrão de saúde. brana e reduzem drasticamente o fluxo de per-
Dentre os diferentes tipos de membranas uti- meado. Tal fato dificulta a utilização de membra-
lizadas no tratamento de água, destacam-se as nas em escala industrial.
membranas de microfiltração, ultrafiltração, na- Porém, países desenvolvidos já vêm aplican-
nofiltração e a de osmose reversa. Tais membranas do com sucesso o tratamento com membranas
podem ser diferenciadas pelo diâmetro dos poros em amostras com menor teor de sólidos e menor
e resistência à pressão que promove a separação carga orgânica; as membranas filtrantes ainda são
dos contaminantes. As membranas de osmose encontradas nas indústrias alimentícias como fer-
reversa são mais seletivas, e as de microfiltração ramenta para recuperação de insumos proteicos,
são as menos seletivas. demonstrando que essa tecnologia emergente
A deposição de material em suspensão sobre a apresenta tendências de adaptabilidade e, em um
superfície da membrana ocasiona a formação da futuro próximo, poderão ser empregadas com
torta, podendo ocorrer o acúmulo da solução na sucesso no tratamento de efluentes (MATEUS et
região, contribuindo com a resistência devido à al., 2017a; MATEUS et al., 2017b).

Ouça o Podcast da CBN – Cidadania e Sustentabilidade e entenda como Cingapura tem combatido a
falta de água cada vez maior. Utilizando tecnologias de ponta, o país é capaz de, até mesmo, reciclar
esgoto doméstico e potabilizá-lo.
Disponível em: http://www.cbnmaringa.com.br/noticia/cingapura-possui-estrategias-hidricas-para-
-combater-falta-de-agua.

UNIDADE 4 107
Vale ressaltar que, dependendo do objetivo a ser alcançado, para
o efluente a ser tratado, nem todas essas etapas precisam ser realiza-
das, por exemplo, caso você busque apenas alcançar os padrões es-
pecificados para o descarte de efluentes, normalmente, a associação
de tratamentos preliminares, primário e secundário proporcionarão
os resultados esperados; agora, caso você almeje a reutilização de
água dentro da indústria, alguns cuidados devem ser tomados.
A reutilização de água dentro da indústria tem recebido grande
atenção nos últimos anos e se tornado foco de inúmeras pesquisas;
entretanto, a maior realização que se faz de água dentro das indús-
trias após o tratamento é a reutilização secundária, destinada a
processos que não requerem elevada qualidade e que não prejudique
a qualidade final do produto, como a irrigação, higiene de áreas de
lazer, pátios e caminhões. Para que seja possível uma reutilização
primária de água pela indústria, ou seja, como parte ou insumo
no processo, a água deve atender elevados padrões de qualidade,
incluindo do ponto de vista microbiológico, sendo os processos
terciários de nanofiltração ou osmose reversa recomendados para
tal ação.
Nesta unidade, observamos inúmeras informações sobre os
efluentes industriais e sanitários, desde limites para a disposição
em corpo hídrico até a sua legislação específica e podemos com-
preender que ambos os efluentes são um reflexo expresso de sua
utilização, assim, aprendemos que um efluente nunca apresentará
composição diferente daquela que está relacionada ao seu processo
produtivo ou de beneficiamento.
Podemos, por fim, conhecer os diferentes tipos de tratamento
utilizados, sendo eles o tratamento preliminar, primário, secundário
e terciário, este que se faz tão relevante para indústria, especialmente
por ser a última etapa para adequar os efluentes aos padrões dese-
jados e esperados para seu despejo, possibilitando, ainda, condições
de reutilização do efluente tratado dentro da própria indústria.
Sendo assim, conhecer todos os processos da indústria nunca foi
tão importante, pois, desta forma, é possível conhecer a composi-
ção do efluente final e buscar, dentre as alternativas de tratamento
disponível/existentes, aquela que melhor se adequa à realidade
financeira e operacional da indústria.

108 Gerenciamento de Recursos Hídricos – Tratamento de Águas Residuárias


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1. E.

2. Dentre os diferentes tipos de membranas utilizadas no tratamento de água, destacam-se as membranas


de microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração e a de osmose reversa. Tais membranas podem ser diferen-
ciadas pelo diâmetro dos poros e resistência à pressão que promove a separação dos contaminantes. As
membranas de osmose reversa são mais seletivas, e as de microfiltração são as menos seletivas. A depo-
sição de material em suspensão sobre a superfície da membrana ocasiona a formação da torta, podendo
ocorrer o acúmulo da solução na região, contribuindo com a resistência devido à formação de um gel. Uma
problemática relacionada ao uso de membranas no tratamento de efluentes está relacionada ao acúmulo
de substâncias na superfície da membrana, ocasionando o fouling ou entupimento da membrana. Para
solucionar tal problema, limpezas devem ser incorporadas ao sistema de operação como forma de prevenir
o fouling. A filtração por membranas é um método eficiente para redução de DQO, entretanto, amostras
com elevado teor de matéria orgânica ocasionam o fouling da membrana e reduzem drasticamente o fluxo
de permeado. Tal fato dificulta a utilização de membranas em escala industrial.

3. Em todos os tipos de tratamento secundário citados, é necessário fazer a gestão adequada do lodo gerado,
sendo que o lodo resultante da atividade biológica, eventualmente e conforme a necessidade, deverá ser
retirado da lagoa em que estiver sendo aplicado, preferencialmente quando sua atividade biológica for
reduzida devido à intensa utilização. Antes de seu descarte, todo esse lodo residual deverá ser tratado
antes de receber uma destinação final adequada.

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