Você está na página 1de 8

André Henrique Rosa

Leonardo Fernandes Fraceto


Viviane Moschini-Carlos
Organizadores
M514 Meio ambiente e sustentabilidade [recurso eletrônico] /
Organizadores, André Henrique Rosa, Leonardo Fernandes
Fraceto, Viviane Moschini-Carlos. – Dados eletrônicos. –
Porto Alegre : Bookman, 2012.

Editado também como livro impresso em 2012.


ISBN 978-85-407-0197-7

1. Meio ambiente. 2. Sustentabilidade. I. Rosa, André


Henrique. II. Fraceto, Leonardo Fernandes. III. Moschini-
Carlos, Viviane.

CDU 502-022.316

Catalogação na publicação: Natascha Helena Franz Hoppen CRB10/2150


Meio ambiente e sustentabilidade 163

rem um produto e, ao mesmo tempo, um


insumo do desenvolvimento. Em 1986,
ocorreu no Canadá a Primeira Conferência
Internacional sobre a Promoção da Saúde,
na qual foi promulgada, pela Organização
Mundial da Saúde, a “Carta de Ottawa para
promoção da Saúde” atendendo à demanda
de uma nova concepção de saúde pública.
Nesse contexto, delineou-se um cenário no
qual a importância da qualidade do meio
ambiente era redimensionada para um espa-
ço ecossocial. Definiram-se linhas de ação
MUDANÇA DE PARADIGMA no sentido de se criarem ambientes favorá-
NA ÁREA DE SAÚDE E veis à saúde, os chamados ambientes saudá-
MEIO AMBIENTE veis. Inúmeras conferências internacionais
sobre o tema se sucederam e vêm influen-
As últimas décadas registraram vários even- ciando políticas de saúde coletiva dos mais
tos na área tanto de meio ambiente diversos países.
como da saúde, documentando a O texto da Constituição Federal Brasi-
mudança de uma série de paradigmas leira, promulgada em 1988, já reflete essa
nessas áreas. A mudança de valores se concepção de relação intrínseca entre meio
reflete na atualização do conceito de ambiente e saúde. Em seu Artigo 196, a
saúde que reconhece que, para enfatizar saúde é definida como direito de todos e
o viés profilático, deve ser re-conhecida a dever do Estado, garantido mediante políti-
relevância da interferência di-reta ou cas sociais e econômicas que visem à redu-
indireta dos fatores ambientais na ção do risco de doença e de outros agravos e
prevenção de doenças e agravos à saúde ao acesso universal e igualitário às ações e
hu-mana. serviços para sua promoção, proteção e re-
A Declaração da Conferência sobre cuperação.
cuidados Primários de Saúde da OMS- Já em seu Art. 225, prevê que todos
-UNICEF, que ocorreu em 1978 em Alma- têm direito ao meio ambiente ecologica-
-Ata, no Cazaquistão, enfatiza a saúde como mente equilibrado, bem de uso comum do
um direito humano fundamental. Permitiu povo e essencial à sadia qualidade de vida,
que a saúde, como um bem público, se in- impondo-se ao Poder Público e à coletivi-
corporasse à legislação nacional e interna- dade o dever de defendê-lo, preservá-lo
cional como instrumento de ações que ob- para as presentes e futuras gerações.
jetivassem a redução das desigualdades do Em 1990 a Organização Mundial da
estado de saúde dos povos, principalmente Saúde cria uma Comissão de Saúde e Meio
entre os de países desenvolvidos e em de- Ambiente. Durante essa mesma década, o
senvolvimento. Brasil deu início à elaboração da Política
Portanto, a saúde não mais se explica Nacional de Saúde Ambiental, possibilitan-
exclusivamente pela ausência de doença, do posteriormente a implantação do Siste-
apoiada principalmente em intervenções ma de Vigilância em Saúde Ambiental com
clínico-cirúrgicas ou em medidas preventi- o objetivo de compreender as relações entre
vas tradicionais, mas sim como resultado de os elementos ambientais e de saúde sobre os
ações de caráter intersetorial, que a conside- quais cabe à saúde pública intervir.
164 Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (Orgs.)

De acordo com o documento “Subsí- sistema produzir, integrar, processar e in-


dios para construção da Política Nacional de terpretar informações que sirvam de ins-
Saúde Ambiental”, divulgado em 2007 pelo trumentos para que o Sistema Unificado de
Ministério da Saúde, o campo da Saúde Am- Saúde possa planejar e executar ações relati-
biental compreende a área da saúde pública vas à promoção de saúde e de prevenção e
afeita ao conhecimento científico e à for- controle de doenças relacionadas ao am-
mulação de políticas públicas e as corres- biente.
pondentes intervenções (ação) relacionadas A Vigilância em Saúde Ambiental foi
à interação entre a saúde humana e os fato- estruturada por meio do Subsistema Nacio-
res do meio ambiente natural e antrópico nal de Vigilância em Saúde Ambiental, re-
que a determinam, condicionam e influen- gulamentado pela Instrução Normativa
ciam, com vistas a melhorar a qualidade de MS/SVS Nº 1, de 7 de março de 2005. O
vida do ser humano sob o ponto de vista da Subsistema Nacional de Vigilância em
sustentabilidade. Saúde Ambiental – SINVSA compreende o
Nesse sentido, a articulação e a visão conjunto de ações e serviços prestados por
de indissociabilidade entre as áreas de meio órgãos e entidades públicas e privadas, rela-
ambiente e saúde aponta para a necessidade tivos à vigilância em saúde ambiental, vi-
de ações preventivas, tanto relacionadas à sando ao conhecimento e à detecção ou pre-
proteção do meio ambiente como à promo- venção de qualquer mudança nos fatores
ção de saúde. No caso particular da vigilân- determinantes e condicionantes do meio
cia em saúde, a Fundação Nacional de ambiente que interferem na saúde humana,
Saúde (FUNASA) estruturou o Sistema Na- com a finalidade de recomendar e adotar
cional de Vigilância Ambiental em Saúde medidas de promoção da saúde ambiental,
(SINVAS). Sua regulamentação através da prevenção e controle dos fatores de risco re-
Instrução Normativa No 1 do Ministério da lacionados às doenças e outros agravos à
Saúde, de 25 de setembro de 2001, definiu saúde, em especial:
competências no âmbito federal dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios e, I. água para consumo humano;
para esses fins, apontou também como II. ar;
prioridades para intervenção os fatores bio- III. solo;
lógicos representados pelos vetores, hospe- IV. contaminantes ambientais e substân-
deiros, reservatórios e animais peçonhen- cias químicas;
tos; e os fatores não biológicos, que incluem V. desastres naturais;
a qualidade da água para consumo huma- VI. acidentes com produtos perigosos;
no, ar, solo, contaminantes ambientais, de- VII. fatores físicos; e
sastres naturais e acidentes com produtos VIII. ambiente de trabalho.
perigosos.
A Vigilância Ambiental em Saúde é Parágrafo Único – Os procedimentos de vi-
definida pela Fundação Nacional da Saúde gilância epidemiológica das doenças e agra-
como um conjunto de ações que proporciona vos à saúde humana associados a contami-
o conhecimento e a detecção de qualquer mu- nantes ambientais, especialmente os rela-
dança nos fatores determinantes e condicio- cionados com a exposição a agrotóxicos,
nantes do meio ambiente que interferem na amianto, mercúrio, benzeno e chumbo serão
saúde humana, com a finalidade de identifi- de responsabilidade da Coordenação Geral de
car as medidas de prevenção e controle dos fa- Vigilância Ambiental em Saúde – CGVAM.
tores de risco ambientais relacionados às do- O conceito ampliado de exposição,
enças ou outros agravos à saúde. Compete ao tratado não como um atributo da pessoa,
Meio ambiente e sustentabilidade 165

mas como conjunto de relações complexas ração das ações de vigilância em saúde e a
entre a sociedade e o ambiente, é central formação de equipes multidisciplinares,
para a definição de indicadores e para a com capacidade de diálogo com outros se-
orientação da prática de vigilância ambien- tores, além da construção de sistemas de in-
tal. Entre as dificuldades encontradas para formação capazes de auxiliar a análise de si-
sua efetivação no Sistema Único de Saúde tuações de saúde e a tomada de decisões.
no Brasil, estão a necessidade de reestrutu- Por exemplo, a Figura 7.5 mostra o poten-

Figura 7.5
Mapa da distribuição espacial do Risco Relativo da incidência de tuberculose em Rio Claro,
São Paulo, Brasil.
166 Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (Orgs.)

cial do uso de indicadores de risco para ges- ao final, também se reverte em comprome-
tão e planejamento em vigilância ambiental timento da saúde humana.
que, muitas vezes, não são incorporados aos O combate a vetores de inúmeras do-
métodos de análise. enças como a febre amarela, a dengue e a
Como tentativa de articular as esferas malária pode resultar na intensificação da
governamentais e demais atores envolvidos contaminação ambiental. Isso só reforça a
nesse processo e consolidar a Política Na- necessidade de implementação de ações de
cional de Saúde Ambiental, o Ministério de impacto ecossistêmico positivo, integradas
Meio Ambiente programou para dezembro à dinâmica ambiental e não mais apenas
de 2009, em Brasília, a I Conferência Nacio- pontuais e de emergência como a aplicação
nal de Saúde Ambiental. de inseticidas.
A própria atenção à saúde gera inú-
meros resíduos biológicos, químicos, físi-
INTEGRAÇÃO DAS AÇÕES cos, inclusive radioativos. Além disso, a
ampla gama de medicamentos gera sobras
DE PROMOÇÃO DE SAÚDE que podem ser descartadas no ambiente,
E PROTEÇÃO DO MEIO bem como resíduos desses, contidos nas ex-
AMBIENTE cretas humanas e podem se dispersar cau-
sando contaminação ambiental.
Ações de integração dos vários setores en- Os dados divulgados em 2009, refe-
volvidos são sempre bem-vindas e necessá- rentes ao ano de 2007, pelo Sistema Nacio-
rias. A complexidade das questões socioam- nal de Informações Tóxico-Farmacológicas
bientais exige cada vez mais preparo para (Sinitox) da Fiocruz, registraram mais de
seu enfrentamento, pois muitas vezes a apa- 100 mil casos de intoxicação humana e
rente resolução de um problema pode agra- quase 500 óbitos registrados pelos centros
var outro. O equacionamento dessas situa- de Informação e Assistência Toxicológica
ções é um grande desafio. Geralmente, a em todo o país. Esses dados apontam as
promoção à saúde e a proteção ao meio am- crianças menores de cinco anos como as
biente são vistas como valores que intera- mais atingidas, representando 25% dos
gem sempre em harmonia. No entanto, em- casos. Os principais agentes desses quadros
bora a interface e a interdependência dessas de intoxicação são justamente os medica-
duas questões seja inquestionável, as ações mentos (30,7%), seguidos pelos animais pe-
voltadas para promoção da saúde, se conce- çonhentos (20,1%) e produtos de limpeza
bidas de forma desarticulada da proteção domiciliar (11,4%). Portanto, mais de 42,1%
ao meio ambiente, podem gerar um cenário dos casos são provocados por produtos que
muito negativo. Por exemplo, a produção deveriam ser utilizados na promoção da
de alimento em larga escala, como ação de saúde humana.
combate à fome, normalmente representa a Segundo a Organização Mundial da
ocupação de extensas áreas de vegetação Saúde, a quantidade de antimicrobianos
natural substituídas pelas culturas utiliza- utilizados em animais e o seu padrão de uti-
das como alimentos. Isso tem representado lização não são conhecidos. Embora os nú-
desmatamento, destruição de hábitats natu­ meros variem, e a maioria dos países não
rais e também pode significar a introdução tenha essas estatísticas, dados atuais indi-
local de inúmeros contaminantes no ar, na cam que praticamente metade dos antibió-
água e no solo com a justificativa de manter ticos produzidos são utilizados na medicina
a produtividade e combater as pragas, o que humana e a outra parte na produção ani-
Meio ambiente e sustentabilidade 167

mal, seja como elemento profilático ou te- para o meio ambiente, representará um
rapêutico, seja como fator de crescimento. risco potencial para a outra área se não for
A liberação desses compostos no am- planejada e executada de forma ampla e in-
biente pode causar desequilíbrios nas mi- tegrada.
crobiotas do solo e da água e também disse-
minar fatores de resistência antimicrobiana
em locais que não deveriam apresentar
essas ocorrências, agravando, assim, a disse-
minação de cepas resistentes aos tratamen-
tos. Esse fato é relevante principalmente
quando consideramos a disseminação de pa-
tógenos agentes de DTAs (Doenças Trans­
mitidas por Alimentos), como as bactérias
Campylobacter jejuni, Escherichia coli, Sal-
monella e Enterococcus. Esses microrganis-
mos se encontram associados aos animais e
seus produtos, podendo atingir os seres hu-
manos que consomem estes como alimen-
tos. O combate a um processo infeccioso
humano, causado por um microrganismo
cuja resistência aos antimicrobianos já se
deu no ambiente, é cada vez mais difícil e
oneroso. Além disso, os elementos genéticos
que determinam a resistência aos antimi-
crobianos podem ser disseminados no or-
ganismo do hospedeiro humano e transmi-
tidos às bactérias que já colonizam esses in-
divíduos acelerando e amplificando o
problema da resistência microbiana aos an-
timicrobianos.
Na tentativa de melhorar a aborda-
gem dessas questões, a própria legislação já
esboça a tentativa de articular as normas le-
gais contemplando ambos os setores, com
aspectos enfatizados pelas Resoluções do
Ministério da Saúde articuladas às do Meio
ambiente, como no caso dos Resíduos Sóli-
dos de Serviços de Saúde, mas há necessida-
de ainda de disseminar essa cultura entre os
distintos setores, envolvendo várias outras
esferas.
Esses pontos apenas ilustram e refor-
çam a necessidade de ações integradas, que
não visem à resolução focada apenas em
um setor, pois o resultado de uma ação, seja
voltada exclusivamente para a saúde ou
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

Você também pode gostar