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Extratos do texto:

Prevenção de agravos, promoção da saúde e redução de vulnerabilidade.


(Ayres 2016, p. 436-454).

Introdução: Interação entre saberes e integração entre ações (p.436)


Caso hipotético: A equipe atende uma pessoa com sintomas de tuberculose. Faz testes e
confirma sua hipótese. Sabe o que indicar. [...] mas precisa também localizar, a partir
desse “caso-índice”, outras pessoas com risco aumentado para a mesma doença. Vai ao
domicílio: vê se há outros possíveis doentes, recomenda cuidados até a medicação agir, a
adesão ao tratamento, evitar preconceitos, etc. Seria preciso [...] planejar e executar
ações de caráter coletivo para o controle da tuberculose [?]: tipo educação na
comunidade, estratégias de detecção precoce como ‘busca ativa’, organização de
serviços, padronização de condutas, entre outras.

Desenvolvimento e fundamentos do modelo de História Natural da Doença (HND)


Um século de estudos da então “jovem epidemiologia” influenciaram os professores Clark
e Leavell, da Escola de Saúde Pública de Harvard, [...] que propuseram, em 1953, o modelo
de HND que se tornaria a referência definitiva no assunto. Eles defendiam, em 1º lugar, a
superação dos limites disciplinares entre clínica médica e saúde pública e entre medidas
curativas e preventivas. (p.437)
A prevenção [...] deve estar presente em todos os momentos em que for possível algum
tipo de intervenção que evite adoecimento ou suas consequências, compondo diferentes
níveis de prevenção, desde transformações de condições ambientais e sociais que
predisponham ao surgimento das doenças até a redução de seus piores efeitos [ou dor ou
agravamento] sobre aqueles que já adoeceram (Ayres 2016, p.437-438).
O conceito do HND (Leavell e Clark 1953, citados por Ayres 2016)
chegou ao Brasil na década de 1970 via OPS/OMS. São posições sustentadas na
multicausalidade da doença e pressupõe a intervenção sobre os seus determinantes, em
uma construção interdisciplinar.
No modelo da HND existe diferentes períodos nos processos de adoecimento (p.438-
439):

 Período pré-patogênico – se refere aos determinantes que potencializam o


surgimento da doença. São considerados três grupos de fatores determinantes:
relativos ao agente, ao hospedeiro e ao meio.
 Período patogênico – trata das possíveis evoluções da doença em curso,
consideradas originalmente em quatro fases: as alterações pré-clínicas, a
patologia precoce (após sintomas e sinais), a doença avançada e o desfecho. Mais
tarde sintetiza-se essa evolução nos períodos pré-clínico, clínico e desfecho.
Níveis de prevenção (p.441-443)
Os autores do modelo da HND sistematizaram a organização das diversas oportunidades
de prevenção de agravos por período de evolução do agravo, agrupando as ações em três
fases de prevenção – primária, secundária e terciária –, que admitem outras subdivisões:

Níveis de prevenção Fases de prevenção (HND) Período da HND


Promoção da saúde
Proteção específica Prevenção primária Pré-patogênico
Diagnóstico precoce e
tratamento imediato
Prevenção secundária Patogênico
Limitação de incapacidade
Prevenção terciária Prevenção terciária Desfecho
Fonte:
adaptado de (Leavell e Clark 1953, apud Ayres 2016, p.441).

Promoção da saúde (como prevenção primária – exemplos de ações incorporadas)


Ações para a melhoria das condições de vida de indivíduos, famílias e comunidades,
beneficiando a saúde e a qualidade de vida de modo geral, como o saneamento básico
(água potável e esgoto), disposição e coleta de lixo adequadas, boas condições de
moradia, nutrição, trabalho e transporte, atividade física adequada, acesso a serviços,
informações e insumos em educação, saúde, lazer e cultura, controle da qualidade do
ambiente, regulação dos espaços públicos em relação à segurança quanto a acidentes e
violências, promoção e proteção dos direitos humanos.
Proteção específica (contra riscos de agravos e problemas de saúde)
A diferença aqui é que as ações são dirigidas a grupos específicos de processos saúde-
doença. Também podem ser dirigidas primordialmente ao agente, ao hospedeiro e ao
meio. Alguns exemplos: vacinação, quimioprofilaxia, controle da dengue, sal iodado,
distribuição de preservativos, redução de danos, cinto de segurança e tantas outras.
Diagnóstico precoce e tratamento imediato
A prevenção secundária visa propiciar a melhor evolução clínica do agravo e interromper
ou reduzir a disseminação do problema a outras pessoas. Exemplos de diagnóstico
precoce: os rastreamentos ou screenings, as buscas ativas, o papanicolau, glicemia e
colesterol, localizar pessoas mais suscetíveis.
Limitação de incapacidade
Este nível de prevenção refere-se às medidas aplicadas aos casos que já ultrapassaram o
horizonte clínico, encontrando-se o processo de adoecimento plenamente instalado. Aqui
se trata da busca da cura ou diminuir sequelas ou reduzir e retardar ao máximo as

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complicações nos casos de agravos crônicos (HAS, diabetes, doenças autoimunes, saúde
mental).
Assim, um cuidado integral, de natureza interdisciplinar, de alta qualidade técnica,
sensível às necessidades e às condições físicas, emocionais e sociais dos indivíduos,
famílias e comunidades, torna-se um instrumento da maior relevância, demonstrando a
estreita relação entre assistência à saúde e prevenção.
Prevenção terciária
Trata-se do momento em que o processo saúde-doença alcançou um termo final ou uma
forma estável de longo prazo – a cura com sequelas ou a cronificação –, que também
reclamam cuidados preventivos específicos. Então o objetivo é conseguir que as limitações
impostas pela condição provocada pelo adoecimento ou agravo prejudiquem o mínimo
possível o cotidiano e a qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidades afetadas.
Aqui entram algumas medidas de reabilitação física, casos de restrições funcionais, apoios
de caráter psicoemocional, até apoios de alcance social, suporte jurídico contra ações
discriminatórias etc.

Sobre as práticas de prevenção (p.443)


Considerando o caráter das ações de prevenção, será quase intuitivo compreender que as
unidades básicas de saúde (UBS) devem constituir o espaço privilegiado para seu
desenvolvimento. Esse privilégio se deve a uma série de características da atenção básica:
a) o fato da UBS ser a instância de serviços de saúde mais próxima do contexto em
que vivem os indivíduos em família e comunidade;
b) ser a instância responsável pelo acompanhamento do nascimento e
desenvolvimento das pessoas, desde o pré-natal, os cuidados de higiene infantil, as
ações rotineiras de cuidado à saúde da mulher, do adolescente, do idoso etc;
c) basear-se no contato direto e continuado dos profissionais com as famílias e
comunidades;
d) permitir maior integração cotidiana entre ações de cuidado e prevenção
articuladas – de modo interdisciplinar e intersetorial –, como saúde, educação,
bem-estar social, cultura, justiça, entre outras.
Mas como a integração entre cuidado e prevenção tem sido a tônica das atividades de
assistência nas UBS reconhecidas por sua maior qualidade no SUS brasileiro, [...] é
razoável supor que outros níveis de atenção à saúde também precisem incorporar
atividades preventivas, como os serviços de atenção especializada.

Promoção da saúde
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No movimento histórico dos conceitos e práticas de saúde, especialmente no campo da
prevenção e da Saúde Coletiva, destaca-se uma nova concepção de promoção da saúde
que tem conferido novo sentido às práticas de saúde. Na sequência da 1ª conferência
internacional sobre promoção da saúde realizada em 1986 no Canadá, diversas outras
foram convocadas pela OMS, o que tem aprofundado seus princípios e métodos.
Princípios da promoção da saúde (Ayres 2016, p.445):
1) Concepção ampliada de saúde
2) Intersetorialidade
3) Empoderamento dos indivíduos para transformar a realidade
4) Participação social
5) Equidade
6) Ações multiestratégicas
7) Sustentabilidade
Perspectivas atuais e desafios da nova promoção da saúde
A promoção da saúde não é mais entendida como apenas um dos momentos de
organização técnica das ações de prevenção, mas sim como uma proposta política que
atravessa cada uma das três fases e dos cinco níveis de prevenção definidos no modelo de
HND, e mesmo sem abandoná-los, passa a reconstruir suas bases filosóficas e seus
métodos.
Essa reconstrução da promoção da saúde, que está presente nos sete princípios
apontados, pode ser assim resumida: – “busca de intensificação do diálogo dos diversos
saberes científicos e técnicos com os valores dos indivíduos e comunidades em sua vida
cotidiana, de forma que eles aumentem progressivamente seu controle sobre os
determinantes dos processos saúde-doença-cuidado e, consequentemente, sobre sua
qualidade de vida e saúde.” (Ayres 2016, p.445).
Importante: A implementação da promoção da saúde ocorre com a integração de
políticas de diferentes setores. É o argumento Health in all Policies ou Saúde em todas as
Políticas. (Ayres 2016, p.445).
A promoção da saúde faz parte do capítulo da saúde na Constituição Federal de 1988,
sendo reconhecida como direito de pessoas e comunidades e, portanto, constituindo
bases legais para sua reivindicação e controle social. A partir de então, a promoção da
saúde associa-se a um novo modo de pensar saúde-doença e à produção de saberes
epidemiológicos, dos modelos de organização técnica e política do trabalho em saúde,
entre outros aspectos, que culmina com a criação da Política Nacional de Promoção da
Saúde em 2006 (p.446).
Os fracassos de sua consolidação em termos práticos no Canadá (Polland 2007, apud
Ayres 2016, p.446), e que não se distancia do que observamos no Brasil, diz respeito “ao
foco individualizado dos conhecimentos e práticas ali desenvolvidos, excessivamente
centrados no setor de saúde, nos saberes biomédicos e na educação para mudanças de
comportamentos pessoais”.
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Conceito de Vulnerabilidade
É “um conjunto de aspectos individuais, sociais e programáticos (relativos a ações e
políticas de saúde) relacionados à maior suscetibilidade de indivíduos e comunidades a
um adoecimento ou agravo e, de modo inseparável, menor disponibilidade de recursos
de todas as ordens para sua proteção” (Ayres 2016, p.446).
Origens do conceito de vulnerabilidade
O surgimento da epidemia da aids no início dos anos 1980 desafiou as práticas de
cuidados e prevenção no campo da saúde, especialmente do instrumental
epidemiológico.
Risco - probabilidade de determinadas características estarem causalmente associadas
com o agravo estudado na população (Ayres 2016, p.446).
O uso da noção de risco e de pertencimento a grupos de risco para o enfrentamento da
aids revelou-se inadequado por seu uso mecânico na análise dos dados por
agrupamentos populacionais considerados de maior incidência, que ficaram conhecidos
como os 4 H – homossexuais, hemofílicos, haitianos e usuários de heroína. Tal prática
“acirrou preconceito e discriminação com relação a esses grupos, produziu pouca
sensibilidade para transformar a situação dos afetados e retardou a identificação de
suscetibilidade das pessoas que não se incluíam nesses primeiros grupos mais atingidos e
estudados” (Ayres 2016, p.447).
Por outro lado, foi por meio da mobilização desses grupos, mais especificamente dos
homossexuais, que houve a proposição de outras formas de ações para enfrentamento da
doença, estratégias de redução de risco com base na difusão de informação, controle dos
bancos de sangue, estímulo e uso de preservativo, práticas de sexo seguro, testagem e
estratégias de redução de danos para usuários de drogas injetáveis (Ayres 2016, p.447).
Naquele momento surgia um novo modo de atuar frente à epidemia de aids, que passou
a orientar as práticas preventivas – agir sobre os comportamentos de risco. Ao deslocar a
noção de risco de pertencimento a um grupo populacional para a identificação dos
comportamentos que efetivamente expõe as pessoas ao HIV, essa abordagem teve como
principal vantagem a possibilidade de universalização da preocupação com a aids
(qualquer pessoa pode adotar um comportamento de risco e se expor ao vírus),
diminuindo assim o estigma dos grupos de maior incidência. “Ao universalizar a
preocupação com a epidemia, o conceito de comportamento de risco também buscou
estimular o envolvimento ativo das pessoas com a prevenção, pela transformação de seus
comportamentos” (Ayres 2016, p.447).
Crítica à noção de comportamento de risco – o chamamento às responsabilidades de
cada um pode gerar também uma culpabilização individual; pois, “tende-se a atribuir ao
indivíduo que se infectou a responsabilidade pelo ocorrido, por não ter aderido a um
comportamento seguro, por ter ‘falhado’ no esforço da prevenção” (Ayres 2016, p.447).
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“A mudança de comportamento não é resultante apenas de informação e vontade, mas
condicionada por outras condições, de caráter social” (Ayres 2016, p.447).
Com a mudança no perfil da epidemia, passsando, em diferentes contextos, a afetar
grupos de menor poder social e marginalizados, pesquisadores da Escola de Saúde
Pública de Harvard, vinculados a uma iniciativa denominada Coalização Global de Políticas
contra a aids, embrião do atual Programa das Nações Unidas para a aids (Unaids), propôs
então “o conceito de vulnerabilidade como um novo instrumental para compreender e
intervir na epidemia de aids” (Ayres 2016, p.447).

Os estudos de Vulnerabilidade
O conceito de vulnerabilidade alinha-se ao de promoção da saúde, na medida em que
ambos buscam apreender e transformar os determinantes sociais e políticos dos processos
e das relações multicausais que compõe o modelo de prevenção na HND. Os estudos de
vulnerabilidade promovem um rearranjo dos momentos analíticos da HND nos seguintes
termos (Ayres 2016, p.448):
1º) “Os momentos pré-patogênico e patogênico, pré-clínico e clínico são fundidos posto
que se assume que as mútuas interações entre agente, hospedeiro e meio não se limitam
à gênese do agravo, mas o determinam ao longo de todo o curso do processo”, inclusive
no desfecho.
2º) “As ações preventivas não se colocam de forma externa à análise do processo saúde-
doença. [...] Os processos de intervenção já estão incluídos na realidade dos processos
saúde-doença.”
3º) “Em uma perspectiva sócio-histórica, não existe um agente que seja em si mesmo um
agressor. Qualquer agente [...] só se torna agressor diante de especificidades [...] de seus
hospedeiros, as quais, por sua vez, dependem do contexto socioambiental em que vivem
[...] e, de modo particular, do conjunto de saberes e práticas de saúde de que dispõem
em seus programas [...].”
Dessa forma, o sentido agressor de qualquer agente deve ser apreendido sempre
de forma subordinada a esses três aspectos:
– características dos indivíduos,
– características dos sociais gerais,
– características dos programas de saúde existentes.

Pensar em vulnerabilidade implica assumir radicalmente a historicidade da


HND/promoção. Isto é (Ayres 2016, p.448):
Não apenas o modo como emerge e cursa uma doença, mas também os modos como se
apreende e interpreta esse processo, são dependentes da própria história e das próprias

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interações sociais, então não se pode mais representar o processo saúde-doença-cuidado
de uma forma unidimensional e com pretensões de exaustão da totalidade dos seus
componentes.

Os elementos individuais, sociais e programáticos de um processo saúde-doença-cuidado


serão identificados e relacionados sempre em relação às perspectivas e aos interesses dos
sujeitos que de alguma forma são atingidos por esse processo e buscam compreender o
que ele significa para sua saúde e seu bem-estar.

Deve-se concluir, portanto, que esses três elementos que compõem os estudos de
vulnerabilidade (individual, social e programático) são, na verdade, dimensões que
orientam a identificação e a articulação de elementos explicativos para conhecer e
responder aos agravos à saúde.

A totalidade compreensiva da vulnerabilidade a um agravo pode ser mais ampla ou mais


restrita, pode privilegiar um ângulo ou outro da questão, embora se refira a uma mesma
realidade, na qual esses planos e anglos são indissociáveis.

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Dimensão individual da vulnerabilidade – Compreende “as possibilidades de uma pessoa
experimentar um dado processo de adoecimento ou se proteger dele considerando
aspectos que vão desde sua constituição física até as formas como suas interações na
vida cotidiana constroem suas identidades e práticas concretas”. Como também: “sem
desconhecer a importância dos aspectos estritamente biológicos, privilegia-se apreender
a dimensão individual da vulnerabilidade na intersubjetividade, no modo como, nas suas
relações interpessoais, alguém experimenta situações em que pode se expor a um dado
agravo à saúde e recorrer (ou não) a recursos de diversas ordens para evitá-lo ou reduzir
seus efeitos negativos.” (Ayres 2016, p.448).
Dimensão social – A redução de vulnerabilidade social a qualquer agravo foca nos
aspectos contextuais que estão na base da vulnerabilidade individual, abordando os
aspetos materiais, culturais, políticos e morais da vida em sociedade. “Aspectos como a
estrutura jurídico-política e as diretrizes governamentais dos países, as relações
econômicas, as relações de gênero, as relações raciais, as relações entre gerações, as
atitudes diante da sexualidade, as crenças religiosas, a pobreza, a exclusão social etc., são
aspectos que permitem compreender melhor as práticas dos indivíduos e suas relações
com os processos de adoecimento.” (Ayres 2016, p.449)
Dimensão programática – Busca analisar como as instituições (de saúde, educação,
assistência social, cultura) “atuam como elementos que reduzem, reproduzem ou
aumentam as condições de vulnerabilidade dos indivíduos em interação em seus
contextos. O quanto os serviços [...] propiciam a esses sujeitos transformar seus
contextos – relações, valores, interesses – no sentido de reduzir essa vulnerabilidade?
Diagnósticos de vulnerabilidade e, consequentemente, elaboração de propostas de
intervenção devem sempre considerar a mediação exercida entre os sujeitos e seus
contextos sociais pelos programas e serviços disponíveis.” (Ayres 2016, p.449)

Esse quadro lista aspectos a considerar em cada dimensão da vulnerabilidade. 8


Práticas de redução de vulnerabilidade
É importante [...] reforçar que os estudos de vulnerabilidade não prescindem das análises
epidemiológicoas de risco, ou da exploração das relações de causalidade descritas nos
modelos de HND. (p.449)
A grande preocupação expressa na proposição da vulnerabilidade diz respeito à
necessidade de compreender o significado prático do que está por trás das associações
nos estudos de risco: interpretar a variabilidade e a dinâmica dos aspectos enfocados
nestes estudos à luz de seus significados concretos para os indivíduos e as comunidades
cuidadas. Dessa forma, aquelas análises abstratas podem ser incorporadas, com as
necessárias mediações e reflexões críticas, ao trabalho efetivo de prevenção nos diversos
contextos sociais e biográficos. (p.449)
Por outro lado, é necessário assinalar que as análises de risco e vulnerabilidade caminham
em direções lógicas diversas: enquanto as análises de risco trabalham com a
racionalidade analítica na qual os fenômenos em estudos precisam ser cindidos, isolados e
discriminados, as análises de vulnerabilidade trabalham com a racionalidade sintética, na
qual se privilegia a construção de uma compreensão integrada da situação com a
agregação de elementos diversos que contribuam para que os fenômenos em estudo
componham uma totalidade de interesse prático. (p.449)
Ao localizar no plano das suscetibilidades socialmente configuradas o alvo das
intervenções para a redução de vulnerabilidade (p.450), mesmo quando se pensa em
ações voltadas para o indivíduo, como um aconselhamento em consultório, por exemplo,
a responsabilidade da ação de prevenção estende-se para além da tarefa de apenas
alertar sobre o problema. É preciso que as pessoas [...] possam responder de forma a
superar obstáculos materiais, culturais e políticos que as mantém vulneráveis. Mais que
serem informadas do risco de uma doença, é preciso que as pessoas saibam como se
proteger dela e se mobilizem para que as situações relacionais e estruturais que as
tornam suscetíveis ao adoecimento sejam de fato transformadas. (p.451)
Então, mais que informação, é preciso comunicação; mais que transmissão unilateral, é
preciso compartilhamento. Educadores e educandos precisam fazer dialogar os saberes de
que cada um dispõe para, juntos, poderem encontrar os caminhos mais convenientes e
eficazes para a construção de respostas preventivas efetivas. (p.451)
[...] as ações de redução de vulnerabilidade não podem se tornar efetivas e operacionais
se forem mantidas restritas à esfera institucional da saúde. A ação intersetorial é
fundamental. No mínimo saúde e educação, mas, quando se consegue articular também
as áreas de trabalho, bem-estar social, jurídica, cultural etc., as chances de melhores
resultados se expandem proporcionalmente. (p.451)
[...] o que se espera dos indivíduos ou das comunidades com os quais se trabalha não é a
adesão incondicional ao que lhes é prescrito, mas autonomia para construir as estratégias
preventivas que de fato possam lhes servir. (p.451)
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[...] o que a abordagem da vulnerabilidade pressupõe e demonstra, simultaneamente, é
que as mudanças mais efetivas para a prevenção de um agravo não serão dos
comportamentos dos indivíduos isoladamente, mas das relações familiares, comunitárias
e sociais nas quais os indivíduos estão imersos, e que as direções e caminhos dessas
mudanças só estarão parcialmente sob o poder de previsão e controle dos profissionais e
serviços de saúde. (p.451)

Considerações finais (p.452-453)

O adoecimento foi descrito como um processo dinâmico, envolvendo determinantes


biológicos, comportamentais, sociais, técnicos e políticos que o influenciam já desde as
condições que possibilitam o surgimento até a evolução clínica e o desfecho.

Oportunidades de prevenção, isso é, de impedir a ocorrência da doença ou de reduzir


seus efeitos negativos, não se limitam, portanto, ao momento que antecede ao início da
patogenia, mas se distribuem ao longo de todo o processo de adoecimento, sempre que
identificada a oportunidade de interferir sobre ele, conseguindo melhorar as condições de
saúde do indivíduo afetado e de outros implicados – parceiros, família, comunidade.
Nesse sentido, prevenir, tratar e recuperar são tarefas estreitamente articuladas no
cuidado em saúde: o tratamento ajuda a prevenir, a prevenção melhora os tratamentos, a
recuperação depende e fornece a ambos referências para aperfeiçoarem objetivos e
métodos. (p.452)

O modelo HND/Promoção é o resultado de uma série de esforços conceituais para


sistematizar e articular os conhecimentos científicos sobre as múltiplas dimensões
envolvidas no processo de adoecimento, subsidiando e atualizando a capacidade de
identificar diversas etapas e determinantes e indicar pontos estratégicos para agir
preventivamente. (p.452)

Promover saúde é criar condições para que não apenas a prevenção da doença, mas a
melhora da qualidade de vida, em um sentido mais amplo de bem-estar pessoal e social,
seja tomada como tarefa das práticas de saúde. Para isso, fica claro que é preciso que não
apenas os técnicos da saúde, mas os indivíduos e as comunidades, de modo geral, e os
governantes e gestores em particular, participem ativamente da identificação de metas
prioritárias para a saúde e da construção de propostas efetivas para atingi-las. (p.452)

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O enfoque da vulnerabilidade apropria-se de elementos da HND/promoção e os
interpreta segundo outra perspectiva, com base em três dimensões articuladas: a
individual, a social e a programática. (p.453)

As perguntas básicas a que as análises de vulnerabilidade buscam responder são (p.453):

– Como essa pessoa específica, grupo social ou comunidade pode chegar a experimentar,
nesse específico momento de sua existência, esse processo de adoecimento ou essa
condição de saúde?

– Como essas pessoas podem promover transformações pessoais, sociais e nos programas
e serviços de saúde para evitar essa doença ou reduzir seus danos?

– E como mesmo se reduz vulnerabilidades?

Isso reforça a importância de articular os diversos níveis de assistência dentro do sistema


de saúde; de trabalhar, em cada nível, de forma interdisciplinar e com equipes
multiprofissionais; e de integrar o trabalho em saúde em redes intersetoriais. Mas ainda
que não se tenham as condições necessárias para fazer essas integrações, ao se ouvir
atentamente a quem se atende, compreender o que faz, pensa e sente, à luz de suas
condições concretas de vida e construir junto com a população alternativas viáveis para
cuidar da própria saúde na realidade de seu cotidiano, então já se estará reduzindo
vulnerabilidades, promovendo a saúde e prevenindo agravos. (p.453)

Referência (EM ANEXO)


Ayres JRCM. Prevenção de agravos, promoção da saúde e redução de vulnerabilidade. In:
Martins MA, Carrilho FJ, Alves VAF, Castilho EA e Cerri GG (orgs.). Clínica médica
[Medicina Preventiva]. Vol. 1., cap. 10. Barueri: Manole, 2016. p. 436-454.

Extratos de Ayres (2016),


elaborado por Kehrig e Gugelmin, 22agosto2023.

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