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Questões econômicas, políticas e religiosas sempre influenciaram os relacionamentos humanos. Hoje, impactados pela
4ª revolução industrial, grande parte da população mundial tem o celular como principal recurso para estar em contato
com outras pessoas – seja no âmbito profissional, familiar ou afetivo. Para muitos, a busca de um parceiro para uma
noite ou para a vida inteira também acontece a partir das telas, com as pessoas se apresentando ao mundo através de
fotos e um texto autodescritivo.
Luc Ferry, renomado filósofo francês contemporâneo, afirma em seu livro "Revolução do Amor: Por Uma Espiritualidade
Laica" que a globalização desencadeou no indivíduo um processo de alienação que valoriza a indiferença ao outro, a
preocupação consigo, o hedonismo e o lúdico. O artigo “Teenage Mutants” do Copenhagen Institute For Future Studies
reforça os pensamentos de Ferry, declarando que os jovens de hoje têm um comportamento cada vez mais
individualizado, muito em função do acesso à tecnologia: "Com as mídias sociais tendo, aparentemente, deslocado a
socialização da vida real, o adolescente hoje quase não sai, nem mesmo nos fins de semana.” O artigo aponta,
inclusive, que isso pode ser um dos fatores que explicam a menor atividade sexual dos jovens, comparativamente com
gerações anteriores.
Fonte: Pesquisa do Copenhagen Institute For Future Studies
Se o ambiente em rede tende a deixar as pessoas menos dispostas ao contato físico, o conteúdo disseminado na rede
pode ainda trazer outras consequências. No livro "Manhood: The Bare Reality”, da fotógrafa Laura Dodsworth, um
homem relata como se tornou viciado em pornografia e, estando refém dessa prática, teve problemas nas suas
relações sexuais em decorrência dos padrões estimulados naquele conteúdo.
“ G o s t a r i a d e c o n s e g u i r t e r o r g a s m o c o m s e xo m a i s g e n t i l . A i n d a t e m d e s e r u m p o u c o m a i s
rápido do que eu gostaria. Ainda tenho problemas em gozar quando sou eu quem estou me
m e xe n d o e n ã o e s t o u d e i t a d o . A c h o q u e é p o r q u e q u a n d o e s t o u v e n d o p o r n ô f i c o e n c o s t a d o
e p a r a d o .”
A N Ô N I M O , 2 0 A N O S , PA R T I C I PA N T E D O L I V R O " M A N H O O D : T H E B A R E R E A L I T Y ”
Esse contexto de isolamento e dificuldade de relacionamento pode desencadear alterações emocionais que, muitas
vezes, são reforçadas nos próprios aplicativos de encontros. William Elder, pesquisador de trauma sexual e psicólogo,
declara no artigo "A Epidemia da Solidão Gay” que os apps de relacionamento, e principalmente aqueles destinados
ao público gay, são desenvolvidos para destacar pensamentos negativos sobre si mesmo. Durante sua pesquisa, Elder
identificou que:
“90% dos participantes disseram buscar um parceiro alto, jovem, branco, musculoso e masculino.
Para a grande maioria de nós – que mal cumprimos um único desses critérios, muito menos todos
os cinco – os aplicativos são apenas uma garantia de nos sentirmos feios.”
“ Te m h o r a s q u e q u e r o m e s e n t i r d e s e j a d o , e n t ã o e n t r o n o G r i n d r. C o l o c o u m a f o t o m i n h a
sem camisa e começo a receber essas mensagens dizendo que sou gostoso. É bom naquele
m o m e n t o , m a s n u n c a d á e m n a d a .”
PA U L , PA R T I C I PA N T E D A P E S Q U I S A D O P S I C Ó L O G O W I L L I A M E L D E R
A tecnologia nos trouxe uma grande oportunidade de ampliarmos o diálogo com outras pessoas, ao mesmo tempo em
que estimula o isolamento. Ainda que existam questões comportamentais nocivas potencializadas nos meios digitais,
não se pode afirmar que exista um efeito único e direto de causa-consequência. Entre relacionamentos virtuais e reais,
o desafio parece ser tão humano quanto tecnológico.
Seguiremos em mutação, reconfigurando relações e, se nós humanos temos o desafio de utilizar os recursos
disponíveis de maneira mais saudável, a tecnologia tem o dever de desenvolver novas ferramentas que potencializem
o que temos de melhor: o poder de relacionar-se.
Arte: Gabriela Costa / Imagens: iStock by Getty Images e Flat Icon / Texto: Fábio Vieira de Oliveira
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