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sincretismo dos sentidos
e-book
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sincretismo dos sentidos
e-book
Lali Krotoszynski | Mário Ramiro | Sérgio Basbaum
10 Apresentação
Lali Krotoszynski
MoSTRA
Elcio Rossini | Objetos para Ação
Roberto Ramos | D.A.M. - Continuum
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Sumário [ F.A.q.2 ]
MoSTRA
Paulo Nenflídio | Shiva
Sonia Guggisberg | Contra Corrente
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Relato | Ananda Carvalho
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Cristiano Perius | “Cheirar com os olhos”: Merleau-Ponty sinestésico
Renata Aschar | Olfato
Entrevista | Vinícius Pereira
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MoSTRA
Laura Lima | Arranjo
Lúcia Koch | Cocoon
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Mesa 4 - Sedução do Olhar/ Olhar da Sedução
Relato | Tetê Tavares
Luis Miguel Girão | Opera Som = Espaço
Glauce Rocha | Olhos de L S V_Er
Alexander Pilis | Paralaxe arquitetural: Crise visual
4 Entrevista | David MacConville
MoSTRA
Dudu Tsuda | Memórias Invisíveis
4 Ficha Técnica
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[ F.A.q.2 ]
Apresentação
Lali Krotoszynski
Beatriz Blandy
O Planetary Collegium
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Sincretismo dos Sentidos [ F.A.q.2 ]
Instituto Sérgio Motta e com o British Council Brasil e a idéia do F.A.Q. tomou forma. Frequent
Asked Questions, um inventário de dúvidas frequentes é um tópico sempre presente em
manuais e sites, por exemplo. Os F.A.Q.s pretendem agilizar o processo de interação do
interessado com o programa ou produto que quer acessar. Foi neste registro que o evento
foi batizado em 2006.
A primeira edição de F.A.q. em 2006 no SESC Paulista não tinha foco específico, F.A.q. ? -
Perguntas sobre arte, consciência e tecnologia abria-se aos questionamentos suscitados
pelos assuntos abordados pelos convidados do Planetary Collegium e os artistas e
pesquisadores brasileiros. O nome de cada mesa era em sí uma pergunta, sugerindo um
ponto de partida. Além das mesas de debates, o programa contou com conferências de
Roy Ascott e dos supervisores do Planetary Collegium, Mike Phillips e Michael Punt, e
sessões de apresentação de trabalhos de arte-tecnologia comentadas por Mike Phillips,
Daniela Bousso, atual diretora do MIS e Solange Farkas, diretora do Vídeobrasil.
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Sincretismo dos Sentidos [ F.A.q.2 ]
/ Sabor do Saber, Sentidos da Arte / Arte dos Sentidos, Texto do Cheiro / Cheiro do Texto,
Sedução do Olhar / Olhar de Sedução e Camadas de Pele / Pele em Camadas.
Mais uma vez o SESCSP e o Instituto Sérgio Motta possibilitaram a realização do evento e
de sua extensão como publicação. F.A.q.2 – Sincretismo dos Sentidos, o e-book , é mais
uma possibilidade de irradiar idéias não institucionalizadas, articulações não convencionais,
olhares, narinas, ouvidos, peles e paladares apurados para quem tiver apetite para tal.
Lali Krotoszynski
Artista | Coordenadora Geral do Faq 2
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[ F.A.q.2 ]
Título
Autor
Falta
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[ F.A.q.2 ]
Após cinco séculos de primazia visual, o olhar chega ao século XXI ao mesmo tempo
multiplicado e exaurido. Em meio a esse dilúvio de imagens da cultura tecnológica, o que
ainda pode surpreender nossos olhos?
Sob o olhar, uma rede até então clandestina, tecida no corpo pelos demais sentidos, vem
capturando a atenção e a imaginação de pensadores e artistas como um caminho para
fazer novas perguntas e experienciar novas possibilidades do mundo.
F.A.q. (frequent asked questions - perguntas muito frequentes) são aquelas que nos inter-
rogam sem cessar, e este segundo F.A.q. vem perguntar sobre as múltiplas formas e senti-
dos da experiência sensorial.
F.A.q.2 - Sincretismo dos Sentidos promove o encontro entre artistas e estudiosos para
um diálogo sobre a experiência sensorial movido por este espírito investigativo. Em cinco
encontros, artistas e intelectuais brasileiros interrogam de modo plural o universo sensível,
junto aos artistas e pesquisadores do Planetary Collegium -- a comunidade internacional
de pesquisa dirigida pelo artista e teórico inglês Roy Ascott, pioneiro no uso da ciberné-
tica, telemática e dos meios interativos no universo da arte.
Além disso, uma mostra com artistas brasileiros convidados estabelece, no SESC Ipiran-
ga, um diálogo com o espaço e com os temas do encontro. A simbiose entre o universo
destes artistas e as atividades do simpósio visa promover uma dinâmica de provocação
e interlocução no âmbito mesmo do evento: uma zona temporária de pensamento e ex-
periência, capaz de chegar, por meio de novas perguntas, a territórios menos mapeados e
ainda abertos à inquietação da prática poética e reflexiva.
O que é a percepção? Percebemos o mundo tal como ele é? Ou o mundo é tal qual o
percebemos? Aquilo que percebemos é resultado dos estímulos externos -- imagens, sons,
aromas, toques, sabores, etc... --, ou há algo de criação, de invenção nossa, naquilo que é
o nosso “mundo”? Ou ainda: percebemos todos da mesma forma, ou cada um percebe a
seu modo?
a acompanharmos com um tubo de cartolina, seu tamanho na verdade não mudou, fomos
nós que o percebemos num contexto diferente (esse belo exemplo é do filósofo francês
Maurice Merleau-Ponty).
Diremos então, que a percepção encena um mundo que seja habitável (tecnicamente,
hoje se diz que a percepção é “enativa”, uma tradução de “enactive”, mas “encenar” me
parece mais satisfatório). Respondemos, assim, boa parte de nossas perguntas: aquilo que
percebemos é uma mistura daquilo que está no mundo, com nossa própria disposição
perante a cena, de tal forma que, situados numa circunstância, dispomos um mundo. E
basta lembrar que temos um ponto cego na retina, sem que tenhamos qualquer buraco
no nosso campo visual, para confirmarmos queexperimentamos essa mistura das coisas
lá fora e das nossas intenções diante delas, de um modo dinâmico e sempre inacabado:
criamos, o tempo todo nosso mundo.
Mas, dessa forma, o que nos garante que possamos partilhar, uns com os outros,
experiências em comum, um mundo com o qual, numa parte suficiente de nosso tempo,
estamos de acordo? Certo, percebemos diferentes perspectivas de um mundo em comum;
mas além disso, a percepção é amplamente normatizada na cultura: aprendemos a perceber
e buscar as mesmas coisas, a configurar os mesmos objetos, de tal forma que podemos
nos comunicar a respeito deles, nomeá-los com palavras em comum -- que nos ajudam a
percebê-los --, interagirmos com os outros e com as coisas de diversas formas: trata-se
de uma constituição intersubjetiva, um subtexto tácito do mundo que nos dá um fundo
comum, uma tese do mundo na qual vivemos.
O mundo Ocidental atribui uma enorme ênfase à visão, mas as coisas não foram sempre
necessariamente assim: a antropóloga Constance Classen, por exemplo, mostrou muito bem
como até o século XVI as rosas eram valorizadas, nos concursos de flores, pelo seu perfume;
a crescente primazia da visão, ao longo da modernidade, fez com que, já no século XIX, não
se julgasse senão a forma da rosa. Diferentes culturas percebem de modo completamente
distinto seu mundo, com ênfase em diferentes sentidos, e nem sempre necessitam falar de
ponto-de-vista ou de visão de mundo. O filósofo alemão Martin Heidegger fará questão,
num certo momento, de subverter essa lógica visual propondo uma escuta do ser.
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Os sentidos e o sentido: O perceber e a pluraiidade do mundo [ F.A.q.2 ]
Sérgio Basbaum
Músico e Doutor em Comunicação e Semiótica | Organizador do Faq 2
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[ F.A.q.2 ]
Estas foram algumas das questões presentes neste projeto, cujo título aponta para a existência
das “perguntas mais freqüentes” – questões que normalmente encontramos nos manuais
de usuários de aparelhos e serviços. Usualmente as FAQ são organizadas no formato de
um guia rápido, uma coletânea das perguntas mais comuns que surgem do nosso primeiro
contato com um determinado assunto. Seu propósito é o de nos libertar da dúvida e das
apreensões que temos quando nos aventuramos por terrenos ainda desconhecidos, e a sua
extensão deve estar de acordo com a nossa ânsia por respostas objetivas e breves. Assim
as FAQ representam, no sentido comum do seu termo, soluções em potencial e respostas
diretas para problemas ou dúvidas imediatas.
Neste sentido pode parecer que “FAQ” seria um título inapropriado para um evento que
reuniu especialistas e estudiosos para debater certas questões ao lado de artistas e suas
obras num debate sobre os sentidos. No entanto, não só o simpósio, como também as
obras de arte, deixaram claro que no lugar das respostas breves às perguntas mais comuns,
neste FAQ o que se apresentou foram questionamentos à certas perguntas, tais como: “do
que se ocupa a arte de hoje?”
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Ciências sem texto a priori | Mostra [ F.A.q.2 ]
Laura Lima, de certa forma responde a isso, dizendo que, “há quem diga que a obra se refere
a seu tempo e lugar”, noção sempre em voga nas tentativas de definição da arte. “Teimo
em discordar”, diz a artista, argumentando que “existem películas no entendimento de uma
obra de arte que talvez se coloquem mais no futuro”. Em outras palavras, muito daquilo que
hoje não identificamos como arte, poderá assim o ser em breve. A artista ainda afirma que
existem “ciências sem texto a priori”; enunciados que vão construíndo seus sentidos pela
lógica não linear de sua mecânica própria, tal como na arte. “Porvires de sentido” que se
anunciam e, mesmo assim, muitas vezes, parecem continuar invisíveis.
É sabido que o território das artes visuais é um dos campos mais abertos ao pensamento
conceitual e ao questionamento dos modelos e valores que parecem esta¬belecidos no
mundo. O questionamento é, na verdade, um dos “assuntos” mais presentes no trabalho
do artista, mesmo quando a sua obra parece ser uma afirmação de algum ponto de vista ou
uma tomada de posição em relação a um contexto.
Por isso mesmo o artista contemporâneo se sente atraído pelas situações limite, onde a
obra, muitas vezes, não se apresenta materialmente e tampouco é notada enquanto obra.
Ela pode se instalar num espaço comum – um espaço não especializado para exposições
de arte – e se confundir com a arquitetura, com os lugares de passagem ou com os objetos
com os quais, normalmente, convivemos no dia-a-dia. Mas ela pode também nos colocar
certas dúvidas quanto ao que vemos e julgamos ser real, ou ainda, pode ampliar a nossa
imaginação e revelar, a potência de um mundo latente de transformações.
Assim foi na “casa invisível” criada por Dudu Tsuda no hall do edifício. Ao caminhar sobre
o desenho de uma casa, colocado no chão, um visitante desatento poderia imaginar estar
caminhando sobre a planta de um empreendimento imobiliário qualquer das redondezas.
Mas ao colocar um fone de ouvido sem fio, oferecido pelo artista, abria-se a possibilidade
de mergulho na dimensão sonora daquela casa imaterial, reconstruída por meio de um
álbum sonoro onde os portões se abrem, cães latem e pessoas conversam num outro
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Ciências sem texto a priori | Mostra [ F.A.q.2 ]
espaço-tempo.
Da mesma forma Lucia Koch transportou para o ambiente da piscina a atmosfera mágica
de um filme dos anos oitenta, que retratava a experiência de um grupo de idosos que
rejuvenescia nas águas de uma piscina turbinada com casulos de seres extraterrestres.
O filtro violeta instalado pela artista sobre a grande clarabóia que ilumina e cobre aquela
piscina, criou uma atmosfera inédita para o lugar. Na fluidez da água a luz encontrou uma
superfície que a modulava por todo o ambiente, criando uma “excitação visual” contagiante,
que certamente concorreu para as aulas de ginástica aquática.
No recorte das escadas, que dão acesso à piscina, Sônia Guggisberg antecipava o mergulho
dos corpos reais na piscina de luz violeta, em uma vídeo projeção que mostrava um grupo
de nadadores num movimento incansável de braçadas, tentando vencer a inusi¬tada
verticali¬dade das águas. Sem conseguir se deslocar, os nadadores pareciam vivenciar
uma espécie de suspensão temporal e espacial de seus gestos repetitivos. Na correnteza
do tempo aqueles corpos pareciam ironicamente presos ao “eterno retorno do sempre
idêntico”, numa cela de imagens animadas por uma trilha sonora real da piscina há poucos
degraus abaixo e por uma atmosfera de cloro sempre presente.
A dimensão sonora dos espaços, dos objetos e dos seres reais, presente nestas três obras,
encontrou uma variante menos concreta nas obras de outros artistas.
Na performance apresentada por Élcio Rossini e seu grupo, a sonoridade que dominava
o ambiente era resultado da ação de dois performers sobre um conjunto de balões de
borracha com água, suspensos no ambiente como um grande instrumento. O seu ruído
rouco e estridente sonorizava o deslocamento de uma outra performer que segurava um
grande objeto de nylon colorido, que inflava como um balão quando ela corria com ele
pelo ambiente. Era o corpo em movimento dessa artista que induzia a criação de volumes
efêmeros, que pareciam respirar, aprisionando e libertando regularmente o ar do seu
interior. Élcio Rossini continua explorando em seu trabalho a resposta surpreendente que
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Ciências sem texto a priori | Mostra [ F.A.q.2 ]
Neste sentido é que a arte da performance parece um grande meio para se alcançar o
sincretismo entre objeto, corpo e espaço-tempo.
Nos domínios do quase silêncio, uma outra performance, a de Roberto Ramos e seu grupo,
também nos mostrou o quanto a interação do corpo com um determinado objeto pode
resultar numa obra de múltiplos sentidos. A ocupação de uma área na quadra esportiva
do edifício se fez pelo uso de aparelhos metálicos de rolagem, muito singulares, que
demarcavam o chão com uma fita adesiva, criando linhas amarelas de notável força gráfica.
Foi essa demarcação que determinou o campo de atuação dos três performes ao explorar
todas as profundidades e dinâmicas do espaço, a partir do movimento aplicado à uma meia
esfera de borracha. Rodopiando no chão em todas as direções espirais no interior daquele
“terreiro”, aquela meia esfera era o agente que regia a mecânica dos corpos e a dinâmica
de linhas invisíveis pelo espaço.
E o único objeto aparentemente “estático” dessa mostra foi o arranjo com peças de cerâmica
e mais um vaso com flores naturais e pétalas falsas de Laura Lima. Durante as semanas da
mostra, rosas frescas eram colocadas regularmente naquele arranjo de peças de cerâmica,
tendo camufladas em seus botões, entre pétalas verdadeiras, espinhos e folhas, as pétalas
falsas. “Pétalas falsas e invisíveis dentro de botões de rosas frescas”, afirma quase que
laconicamente a artista. E apesar disso, continua ela, “os pratos estão empilhados, a
mesinha de reload é arrojada, o espectador se atém a isso e o segredo da obra [continua]
invisível”.
Tanto quanto o aroma das rosas, para ser apreendida a arte necessita apenas de uma
certa proximidade, de um certo gosto pela compreensão não verbal das coisas e de
ouvidos atentos à sua dicção pouco cotidiana. Só assim deixaremos as dúvidas sobre a
compreensão da arte de lado para então poder perguntar: não existe nada mais direto do
que a arte, não?
Mario Ramiro
Artista Multimídia | Organizador do Faq 2
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Para um Sentido Sincrético do “Eu”
Roy Ascott
[ F.A.q.2 ]
mas também por nosso reengajamento com práticas e princípios culturais mais ancestrais
(enteogênicos, somáticos e técnicas meditacionais por exemplo) que possuem a capacidade
de transformar a percepção e ampliar nossa sensibilidade. Os efeitos podem vir a tornar-
nos mais permeáveis e transparentes, não apenas ao nível da superfície do corpo, como
também ao dos limites da mente, assim como não apenas em relação a outros, mas ao
próprio senso de si de cada um.
Estamos passando por uma revolução na consciência que reside em nosso potencial de
ser muitos “eus”, de estar presente em muitos lugares ao mesmo tempo, telematicamente,
mesmo que ainda não teleportadamente, nossa auto-criação digital e pós-biológica
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Para um Sentido Sincrético do “Eu” [ F.A.q.2 ]
levando a muitas personas, muitos aspectos daquilo que podemos ser. O “eu” do século
XXI é emergente, auto-organizado, empreendedor e cooperativo; mais Vareliano que
Darwiniano, mais Margoliano que Marxiano. Aqui se origina o apelo de Second Life e do
Metaverso de forma mais generalizada, como também e o caso nas muitas narrativas e
jogos de identidade gerativa, shape-shifting e personalidade transformativa que a nova
media art criou. Na medida em que cada um de nós cria uma multiplicidade de “eus”
para navegar em uma multiplicidade de mundos, devemos adquirir uma multiplicidade de
sentidos. Por este motivo vemos uma renascimento do interesse que se encontra além da
barreira sensorial do senso-comum da ciência ocidental. Na medida em que o Eu Múltiplo
emerge das profundezas de nossa aporia contemporânea, a Pista da Mão-esquerda do
conhecimento e da experiência irá progressivamente ser explorado. Desta maneira, a Pista
da Mão-Direita reside no profundo materialismo e vacuidade espiritual que marca nossa
ciência ocidental, o qual, enquanto é eficiente em termos da engenharia e ordenação do
mundo físico, está em total defasagem para lidar com os domínios da psique e do espírito.
A Pista da Mão-esquerda é menos trafegado, de fato abandonado e proscrito pelos altos
sacerdotes do Iluminismo Ocidental. Os batedores da Pista de mão-esquerda são cultural,
espiritual e intelectualmente vários: David Bohm, Allan Kardec, J.B. Rhine, e Albert Hoffman
são exemplos. Até mesmo a CIA realizou experimentos de sexto sentido com visualização
remota. O misticismo oriental localiza muitos sentidos sutis em muitos tipos de corpos, por
exemplo o corpo supracelestial Sufi, o corpo de diamante no taoísmo, o corpo de luz no
budismo tibetano, o corpo imortal (soma athanaton) no hermeticismo.
O “eu” e uma mistura complexa e mutável de coisas, algumas das quais podem ser
experimentadas interiormente a qualquer momento e, em outros, não. A organização
bipartida do sistema nervoso faz de “eu” e “realidade” conceitos mais fluidos do que
usualmente supõe-se que sejam., criando uma capacidade inesgotável de conceber tanto
o mundo como a si mesmo de novos modos.
The Brain’s Image: Co-Constructing Reality and Self (A imagem do Cérebro: co-construindo
a realidade e o eu). Paul Grobstein, 2002.
Durante o século XX houve muito alarde a respeito de et pluribus unum: dentre muitos,
um, significando uma cultura unificada, um “eu” unificado, um pesnamento unificado e a
unidade do tempo e do espaço. Também pensamos o sensorium humano como unificado,
abrangente e finito. Agora no início do século XXI, há a emergência de ex uno plures: dentre
um, muitos, ou seja, muitos “eus”, muitas presenças, muitos mundos, muitos níveis de
consciência, nos quais uma diversidade de sensoria são emergentes. Assim como na
mecânica quântica, na qual um objeto tende a viver numa superposição de estados – um
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Para um Sentido Sincrético do “Eu” [ F.A.q.2 ]
elétron pode girar em duas direções de uma só vez u um átomo pode estar em dois lugares
distintos simultaneamente, até a interação com o resto mundo forçar o objeto a escolher um
dos estados, sendo que ao nível humano tendemos a viver numa superposição de estados
– pensando em duas direções ao mesmo tempo ou estando simultaneamente em dois
lugares distintos – até que a interação com o resto do mundo leva o indivíduo a escolher
um estado. Os espiritualmente incapazes devem notar que tanto psiconautas quanto
xamãs “voam”, apenas suas tecnologias os diferenciam: tecnologia digital da informação,
tecnologia química da infarmação, tecnologia das plantas verdes ou tecnologia orgânica
somática. Em cada caso, o sujeito está dentro e fora do corpo ao mesmo tempo. Estamos
simultaneamente presentes em muitas realidades: presença física no ecoespaço, presença
aparicional no espaço espiritual, telepresença no ciberespaço, presença vibracional no
nanoespaço. Second Life é a sala de ensaios para um futuro no qual criamos e distribuímos
infinitamente nossos muitos “eus”. O que construímos hoje no ciberespaço, construiremos
amanhã no nanoespaço.
A nova mídia artística é imaterial e úmida, numenal e fundada. A mente tecnoética tanto
habita o corpo como é distribuída através do tempo e do espaço. A realidade sincrética
emerge da coerência cultural e da interconectividade intensiva, coerência quântica na base
de nossa construção do mundo, coerência espiritual de nossa consciência multi-nivelada.
Estas contradições parencem ser aporiáticas em sua confusão aparente, mas quando são
reconciliadas e suas diferenças embaralhadas, arte e realidade tornam-se sincréticas. Quando
a arte confronta e abraça sua aporia intrínseca, ela celebra a ambiguidade, perplexidade,
incerteza e uma semiose aberta. Levando-nos á beira do desconhecido sincrético, trazendo
coisas contraditórias para o interior da ressonância mútua, enquanto abre nossa realidade
variável para estados indeterminados e instáveis. A aporia do “eu” é resolvida e mesmo
celebrada na nova media art, através de sua própria bifurcação e distribuição serial, adotando
a ontologia de Second Life e fundindo-a sem cesuras com uma realidade cotidiana.
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Para um Sentido Sincrético do “Eu” [ F.A.q.2 ]
A biosemiótica de Jakob Von Uexkull tem mostrado que o organismo pode possuir
umwelten (ambientes) diversos, sentindo diferentes mundos mesmo que compartilhem o
mesmo ambiente. Seus mundos são revelados e delimitados por seus sentidos. Para nós,
não apenas nossos sentidos são estendidos computacionalmente e quimicamente para
acomodar mudanças em nosso umwelt, mas estamos nos equipando simultaneamente
para viver em muitos umwelten distintos, tanto aqueles dados pelo planeta e seu cosmos
(mediados natural ou tecnologicamente) como aqueles que construímos dentro das mídias,
tal como nos espaços de redes sociais ou metaversos paralelos como o Second Life. Não
somente nossas sensoria são assim estendidas, mas reconhecemos ao mesmo tempo que
nosso planeta é telemático, nossas mídias são úmidas, nossas mentes são tecnoéticas,
nossas identidades são múltiplas, nossos corpos são transformáveis, nossas artes são
sincréticas e nossas realidades são variáveis. A preocupação da arte do século XX com
o corpo está dando lugar a explorações tecnoéticas da mente e da consciência. A ciência
não pode explicar a consciência; nem pode apontar sua localização ou tampouco como
surge. Qualidades, no coração do problema do dualismo mente-corpo, constituem seu
problema mais intratável e sólido. De modo diverso, os artistas estão epistemológica e
emocionalmente livres para buscar a transformação e a transcendência de seus sentidos,
para navegar a consciência criativamente, por vezes com recurso às práticas e noéticas e
rituais de culturas ancestrais.
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[ F.A.q.2 ]
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Saber Do Sabor / Sabor do Saber Mesa 1
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Detalhe da performance D.A.M. - Continuum de Roberto Ramos
[ F.A.q.2 ]
A primeira mesa do simpósio foi dedicada ao paladar. Não por acaso, talvez este seja o
sentido que melhor introduza o tema do evento já que, como define o pequeno texto que
apresenta a discussão ao público, “conjuga todos os sentidos e funda a idéia de gosto,
nutrindo corpo e espírito.” A simultaneidade dos sentidos na experiência do paladar foi
abordada pelos debatedores Henrique Carneiro, Paula Pinto e Silva e Carlos Doria, que
posteriormente foram questionados por Norval Baitello Junior e pelo público.
O historiador Henrique Carneiro pesquisa a história da alimentação, das drogas e das bebidas.
Sua apresentação partiu de uma analogia estrutural entre esses três tipos de substâncias para
depois diferenciá-los no âmbito da cultura. Segundo o palestrante, a principal semelhança
entre elas reside no fato de serem as únicas substâncias ingeridas pelo corpo. Em razão de
sua incorporação, compartilham também a qualidade de provocar experiências sensoriais
no que tange a aspectos emotivos, cognitivos, estéticos e sinestésicos. Suas diferenças,
no entanto, emergem na análise sócio-cultural da ingestão. A partir dos conceitos “técnicas
do corpo” (Marcel Mauss) e “tecnologias de si” (Michel Foucault), Henrique mostrou como
o consumo desses três tipos de substâncias baseia-se em um juízo sobre a sensação,
transformando o gosto em valoração cultural. Como conclusão, propôs que tanto o gosto
dos alimentos, como o efeito das drogas, devem ser aprendidos através de uma experiência
de consumo carregada de significados culturais e morais, extinguindo-se, dessa forma, a
distinção ontológica entre alimentos e drogas operada em nossa sociedade.
Henrique também lembrou que o ritual de alimentação pode ser entendido através de uma
metáfora com a linguagem, como propôs Levi-Strauss. Nela, o repertório dos produtos
substitui o léxico; as combinações nos pratos ou nas refeições, a sintaxe; e as formas de
preparar ou servir, a retórica. Por fim, provoca: não poderíamos pensar uma gramática das
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
Paula Pinto e Silva é antropóloga e sua pesquisa enfatiza as relações entre antropologia
e alimentação na culinária brasileira. Em sua fala, apresentou o paladar como construção
cultural através de dois pontos de discussão: a culinária como atividade subjetiva que
incorpora informações dos diversos campos da sensibilidade e a formação do gosto como
identificador das diferentes classes sociais através de regras, etiquetas, protocolos e tabus.
Nesse sentido, a antropóloga defendeu a refeição como um sistema de comunicação capaz
de evidenciar os relacionamentos entre os grupos. Para exemplificar essa questão, Paula
relatou as dificuldades em sua experiência na interpretação de receitas escritas no Brasil
Colônia: como seria o ponto de bala mole descrito na receita? A quantos graus deveria
estar o fogo? Seria melhor utilizar uma panela de aço inox ou um tacho de cobre? No limite,
seria possível recompor o sabor, a textura e o aroma daquele doce?
A última apresentação foi a de Carlos Doria, sociólogo e gastrônomo. Sua fala partiu de uma
definição do gosto como multi-percepção para posteriormente compor os critérios para a
definição do que pode-se chamar de uma linguagem da gastronomia. Carlos, também,
questionou se a gastronomia pode ser considerada uma forma de arte. Neste sentido, citou
o caso do restaurante do chefe de cozinha Ferran Adrià que foi incluído como uma das
locações da Documenta de Kassel 2007.
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
Debate
É exatamente por esta consonância entre os pesquisadores que a questão que Sérgio
Basbaum, um dos curadores do evento, propôs à mesa tornou-se desestabilizante.
Basbaum citou uma publicação sobre a fisiologia do gosto, organizada por Carlos Roberto
Douglas. Segundo este autor, o bebê, ao nascer, já possuiria um gosto que seria exercido
posteriormente ou não, dependendo de sua classe social. Mas se um bebê já tem gosto, como
pode o gosto ser construído socialmente? Carlos explicou que o sabor umami (considerado
por alguns autores o quinto gosto, além do doce, amargo, ácido e salgado) presente no leite
materno seria responsável pela formação do paladar do bebê. No entanto, tal explicação
não ilumina a questão da diferenciação do gosto entre os indivíduos, já que grande parte
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
desses é alimentado pelo leite materno. Em resposta, Paula retomou sua explicação inicial,
na crença de que a formação do gosto seja bem mais complexa que a fisiologia. Segundo
a antropóloga, o bebê aprende a comer de acordo com o que lhe é dado. Paula também
comentou a diferença entre culinária e gastronomia. Na primeira deve ser considerada a
importância das regras e preceitos culturais que a normatizam. Já na segunda, as forças
sociais não importam. Henrique ressaltou que para existir uma gastronomia é necessária
uma secularização - é o que vai permitir que o critério estético do gosto e do prazer ordene
e julgue a criação alimentar. Na história ocidental, isso só acontece a partir da sociedade
burguesa pós-iluminista do século XIX. Carlos Doria acrescentou que a gastronomia é um
discurso sobre comer. Um restaurante tailandês, por exemplo, oferece a cozinha de um país
imaginário.
As relações entre estética e alimentação nos levam ao segundo ponto de discussão proposto
por Norval Baitello. Em sua exposição, o perguntador havia citado Georges Bataille como
um dos primeiros a anunciar a devoração ocular do mundo, que privaria os homens da
devoração efetiva do paladar. Em resposta, Carlos Doria fez referência ao texto “A noção do
Consumo”, no qual Bataille afirma que o sentidos das trocas não baseia-se unicamente na
utilidade das mercadorias - uma explicação pioneira sobre a questão da singularização das
mercadorias, de acordo com o sociólogo. Esse processo de singularização das mercadorias
estaria relacionado diretamente com o processo de escolha dos consumidores. Carlos
exemplificou essa questão com o caso dos vinhos e azeites, produtos que chegam ao
mercado agregados de uma imensa estrutura informacional. Segundo ele, esse modelo
estaria invadindo toda a área da alimentação. Em resposta à exposição de Carlos, Sérgio
Basbaum, perguntou sobre a normatização do gosto no processo industrial. Para Carlos
Doria, o modelo de produção fordista que prezava pela normatização já estaria ultrapassado
e a multiplicação das mercadorias tornaria necessária a mediação da informação e do
marketing. “Nós só comemos sistemas dispersos”, afirmou.
Uma pitada de pimenta foi adicionada à discussão quando um dos participantes do evento
afirmou que não sente que exista uma diversidade cada vez mais ampla de produtos
alimentares e sim uma uniformização da alimentação. “Estamos ampliando ou perdendo
a riqueza gastronômica?” – pergunta. A primeira a responder foi Paula, que defendeu
que nunca a alimentação regional teria sido tão defendida como agora, inclusive pelas
instituições governamentais. Basbaum contrapôs a opinião da antropóloga, afirmando
que a singularização dos alimentos é elitizada. Sônia Guggisberg, artista que participa da
exposição que compõe o evento, afirmou que “a sociedade de consumo engana os sentidos.”
Sobre esse assunto citou o Prof. João Francisco Duarte (Unicamp) que pesquisa “O Saber
Sensível”. E outro participante do evento completou: “Não sabemos o que saboreamos
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
Esta questão apontada por Henrique remeteu a última das provocações de Norval. O
historiador considerou importante notar que o dilema entre a fome e a gula existe desde
os fundamentos da alimentação judaica-cristã e o mito do fruto proibido. Segundo ele, o
fruto não é simplesmente um alimento, já foi interpretado por vários pesquisadores como
uma referência simbólica ou metafórica a outras drogas proibidas. “O fruto é portando, ao
mesmo tempo, um pecado de gula e de soberba, de querer saber ou de querer se apropriar
do domínio que era privilégio da divindade.” Percebe-se, portanto, que a raiz comum das
palavras saber e sabor advém do pecado original: o sabor e a vontade de saber.
Ao final da mesa, o perguntador Norval Baitello ofereceu uma questão a ser degustada em
casa: “já que falamos da qualidade dos alimentos ingeridos pela boca, qual é a qualidade
dos alimentos ingeridos pelos olhos?”
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
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Henrique Carneiro | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
O paralelo estrutural entre drogas e alimentos reside assim, em primeiro lugar, no fato de
que na maior parte das vezes são os mesmos produtos, sua fronteira é fluida e a diferença
muitas vezes é uma peculiaridade cultural. Como já dizia Hipócrates, fazer do alimento um
remédio e do remédio um alimento é um preceito antigo.
Assim, folhas de coca, de cat ou de betel, nozes de cola ou de areca, flores de maconha
ou de camomila, folhas de chá ou de erva mate, leite de papoulas, bebidas fermentadas ou
destiladas de frutas ou cereais, sementes torradas de cacau ou de café são todos produtos
que partilham com o próprio açúcar e as especiarias a condição de alimentos-droga, na
expressão que Sidney Mintz consagrou em seu livro sobre a “doçura e o poder”.
Na longa tradição da medicina humoral, todos os alimentos agem como drogas. Dessa
forma, o médico e o cozinheiro sempre trabalharam com o mesmo repertório de produtos
e a mesma cosmovisão: a doutrina dos humores e sua correspondência universal com os
elementos, as estações, as fases da vida, as cores, os órgãos e os temperamentos.
Como lembra Massimo Montanari em seu livro Comida como cultura, a dieta ao longo
de quase dois milênios foi um preceito médico que visaria a obtenção do equilíbrio dos
humores. Por isso a ordem dos pratos, a combinação dos ingredientes e até mesmo
a estação do seu consumo são centrais para se determinar a correção ou não de uma
combinação de alimentos que, assim como as drogas, podem ser secos ou úmidos e frios
ou quentes em diversos graus (por isso se habituou a comer queijo junto com a fruta ao final
da refeição, e por isso as bebidas fermentadas e destiladas, as especiarias, o açúcar, o café
e o chá tiveram todos a reputação de substâncias quentes e secas e, portanto, benfazejas
e terapêuticas).
A própria origem holandesa da palavra “droga” indicaria sua condição de coisa seca. Os
temperos devem servir para equilibrar adequadamente as temperaturas produzindo o bom
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Henrique Carneiro | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
temperamento.
O gosto assume assim, a acepção não só da experiência sensorial direta, causada por um
alimento, uma bebida ou uma droga, como também do juízo intelectivo sobre essa sensação,
ou seja, julga-se se é um bom ou mau gosto, num sentido empírico, mas, sobretudo cultural.
Assim, podemos dizer que há um gosto do sabor e um gosto do saber.
Como experiências sensoriais, o único critério legítimo de julgamento sobre elas é subjetivo,
ou seja, the proof of the puding is to eat. Essa condição “experimentalista” dos consumos
de alimentos, bebidas e drogas faz da sua escolha um espaço de exercício das margens
de liberdade em relação à produção de si mesmo, ou seja, em relação à livre disposição
do próprio corpo e da própria mente. Por isso, expressões idiomáticas que indicam uma
predileção qualquer costumam usar a metáfora das drogas e do alimento: ao dizermos, por
exemplo, isso é a “minha cachaça”, com o significado de coisa muito querida (o equivalente
em inglês seria “my cup of tea” ou mesmo “spice of life”).
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Henrique Carneiro | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
Os gostos são aprendidos, como lembra Stephen Mennel, em All Manners of Food, da
mesma forma que o efeito das drogas (citando o clássico Becoming a Marijuana User, de
Howard Becker). Nesse sentido, podemos dizer que o “efeito” dos alimentos, assim como
das drogas, não é só um reconforto da carência de nutrientes, a impressão pura de estímulos
gustativos e olfativos ou a alteração específica da disponibilidade de neurotransmissores,
mas uma experiência carregada de sentidos coletivos, de significados culturais, entre os
quais o da intensa simbolização e uso como linguagem classificatória.
Talvez nas sociedades industriais contemporâneas a distinção mais marcante que subsiste
entre uma visão estereotipada do que seja alimento e do que seja droga diga respeito à
“densidade moral” dos atos praticados. O do consumo de alimentos, secularizados os
tabus religiosos e abstraídos os critérios auto-limitadores (como o dos vegetarianos, por
exemplo) é de uma densidade moral baixa no que se refere tanto à qualidade como à
quantidade. Podem-se comer qualidades de coisas pouco consensuais sem por isso perder
o respeito ou a reputação, assim como se pode comer muito, até demasiadamente, sem
maior reprovação do que aquela que a condição da obesidade produz de um ponto de
vista estético. Os critérios do “bom-gosto” e do “mau-gosto” regem um campo que, em
última instância, como reza o provérbio de gostibus non est diputandum, pertence à esfera
da liberdade na escolha do estilo de vida. O consumo de drogas já possui outra densidade
moral, pois as alterações de consciência que se produzem podem ser muito intensas e
ameaçadoras do autocontrole, de tal forma que na sociedade contemporânea seu uso não
foi ainda “secularizado”, remetido à esfera das opções da vida privada, mas permanece
vigiado pela tripla carga que lhe é atribuída de “crime”, de “pecado” e de “doença”.
Os alimentos podem ser analisados a partir da metáfora com a linguagem (como propôs
Lévi-Strauss e Montanari comenta nesse seu livro mais recente), sendo seu repertório de
produtos o léxico, as combinações possíveis nos pratos ou nas refeições a sintaxe e as
formas de preparar e de servir em todo seu ritual a retórica. Da mesma forma, podemos
pensar uma gramática das drogas que como a gastronomia, incorpore não só a noção
médica da dieta, mas também o critério estético do gosto educado. No campo das bebidas,
isso já ocorre tanto na especialização enológica ou de outras variedades de bebidas como
nos usos simbólicos, especialmente identitários, das preferências étnicas, regionais ou
nacionais (vide a idéia das bebidas “nacionais”).
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Henrique Carneiro | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
Por isso os brindes, os banquetes, os festejos são sempre mediados por usos ritualizados
de bebidas alcoólicas, especialmente o champanhe.
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Henrique Carneiro | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
Henrique Carneiro
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
alguma dessas regras ao explicar uma receita? Como é possível definir algo que a
ciência moderna classificou como uma “qualidade secundária” – os sentidos - em
detrimento de uma “realidade objetiva”, que não dependeria dos sentidos nem da
subjetividade?
Categorias como doce, ácido, amargo ou salgado são muitas vezes reivindicadas como
próprias a cada pessoa. Mas as preferências alimentares não são um problema puramente
individual ou uma simples variação de gosto, ocorrida ao acaso; são, antes, formas de
compartilhar de um mesmo grupo social, que selecionou e aprendeu a comer determinados
alimentos e não outros. Todos nós conhecemos alguns hábitos alimentares aparentemente
irracionais, como a predileção dos chineses pela carne de cachorro, o uso do abacate
nas saladas ou sanduíches e pratos salgados pela maior parte dos povos latinos ou o
gosto particular por formigas assadas, disseminado entre alguns povos indígenas no Brasil,
hábito ainda presente no interior de São Paulo. Mas o que explica o fato de que algumas
pessoas gostem e outras detestem o mesmo alimento? Há um valor social conferido aos
alimentos, que também diz respeito ao status de quem come, de quem oferece a comida,
de quem serve. Neste sentido, entende-se que o paladar não é simplesmente uma versão
pessoal de um gosto particular. Trata-se, na verdade, de uma construção cultural, que ajuda
a contar uma história, a escrever um passado, a definir um presente e, porque não, a eleger
um futuro.
Aprendemos a comer o que comemos. Aprendemos a sentir nojo, desejo, prazer, satisfação
com um determinado prato ou cheiro de comida. Há, portanto, uma lógica simbólica maior
que organiza a procura por certos alimentos e que condena outros a virar tabu, ou a serem
desprezados ou pouco utilizados. É o caso das tripas, dos miolos ou dos intestinos da carne
de vaca, jogados fora ou vendidos a preço de banana no Brasil atual. Sem ir muito longe,
é o mito criado para a feijoada, de que foi concebida nas senzalas, com as sobras de tudo
o que os senhores de engenho não gostavam ou não queriam comer: rabo, orelha, pés,
gordura. Mas em algum momento paramos para pensar que os homens ricos desta época
apreciavam tais “partes” que agora consideramos menos nobres? Em algum momento
paramos para pensar que uma vaca não fornece apenas filé, lagarto e maminha, mas
também rins, língua, fígado e testículos? O que fazemos com todos eles? É preciso, então,
entender como o gosto e o apetite de grupos distintos foram se desenvolvendo ao longo
das diferentes fases de sua própria história e como eles se relacionam entre si. Para tanto,
é necessária uma etnografia da cozinha, que deve compreender todos os aspectos da
refeição e suas regras, tais como a escolha dos alimentos de acordo com a fauna e a flora
locais, os modos de cozinhar, os sabores, as texturas, as combinações entre os pratos, o
comportamento dos indivíduos, a etiqueta, o protocolo e o serviço. Se estivermos atentos
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Paula Pinto e Silva | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
a tudo isso, a comida poderá ser enfim pensada como um código que fornece inúmeras
possibilidades de mensagens particulares, nas quais se pode expressar hierarquia, inclusão,
exclusão, transgressão e limites sociais.
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
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Carlos Dória | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
moderna possui uma dinâmica autofágica. Ela transformou no seu maior atrativo não
uma coleção de sabores, ou um conjunto de técnicas, mas a capacidade de inovação,
isto é, de destruição e regeneração dos seus próprios valores. Para realizar esse modelo ela
tem, teoricamente, dois caminhos. De um lado a descoberta e incorporação de matérias-
primas inéditas; de outro, tratamentos inéditos de matérias-primas conhecidas. Ao associar
os dois aspectos, a gastronomia espanhola de vanguarda, tendo à frente Ferran Adrià, vem
ditando por um bom tempo as tendências desse mercado e as declarações de Santamaría são
um convite para se refletir sobre os limites desse modelo de desenvolvimento da gastronomia.
Seria necessário dispor de um estudo mais detalhado sobre a relação entre o processo
de takeoff da gastronomia espanhola e a retomada dos investimentos públicos em várias
esferas da cultura, mas parece óbvio que a linha de desenvolvimento que ela seguiu deve
muito ao reconhecimento da tecnologia como motor de desenvolvimento do mundo atual.
O modelo que Adrià arquitetou para o seu El Bulli tem no centro do processo criativo o taller,
hoje substituído pela Fundación Alicia, e a recente publicação do seu Léxico científico-
gastronômico mostra a pretensão de estabelecer as ações de pesquisa e desenvolvimento
de origem científica como um departamento da gastronomia, isto é, desenvolver aplicações
das ciências no campo da gastronomia, que a gastronomia molecular abandonou ao entrar
na sua segunda fase (restrita à modelização de receitas e ao estudo das precisions).
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Carlos Dória | Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
Carlos Dória
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Saber o Sabor / Sabor do Saber | Mesa 1 [ F.A.q.2 ]
FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO
FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO Não é difícil reconhecer que a gastronomia moderna
possui uma dinâmica autofágica. Ela transformou no seu maior atrativo não uma coleção de
sabores, ou um conjunto de técnicas, mas a capacidade de inovação, isto é, de destruição
e regeneração dos seus próprios valores. Para realizar esse modelo ela tem, teoricamente,
dois caminhos. De um lado a descoberta e incorpo
FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O
TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO
FALTA O TEXTO mo Santamaria, no mesmo desabafo, situou o seu ofício: “nós somos
um bando de farsantes, que trabalhamos por dinheiro para dar de comer aos ricos e aos
esnobes”.
FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O
TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO FALTA O TEXTO mo Santamaria, no
mesmo desabafo, situou o seu ofício: “nós somos um bando de farsantes, que trabalhamos
por dinheiro para dar de comer aos ricos e aos esnobes”.
Norval Baitelo
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MOSTRA Objetos Para Ação | Elcio Rossini | Performance | 26/11/2008 às 16:45
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Mostra [ F.A.q.2 ]
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Elcio Rossini | Objetos Para Ação | Mostra [ F.A.q.2 ]
O objeto não tem ele mesmo a capacidade de capturar o ar que está em todo o espaço.
É o movimento do corpo que conecta ar e objeto. O corpo movimenta-se, desloca-se pelo
espaço, desarruma o ar e agita a serenidade invisível de sua presença. O corpo sente o
ar, mas não o vê, respira, mas não o vê e, assim como a forma manipulada, está sempre
enchendo e esvaziando. O corpo, ligando essas duas naturezas, objeto e ar, desdobra
cores, formas, ritmos e durações.
Tantos olhares olham esses objetos e suas formas mutantes, para neles verem criaturas
marinhas, balões de gás, reis, rainhas, serpente, dragão, farto vestido, capa, anêmona,
bola, coelho, casa, casulo. Formas que o ar e o olho de quem vê distorce. O que os olhos
vêem nesses volumes e que insiste em se desfazer? Formas breves que o corpo conduz
pelo espaço. As formas nunca são as mesmas, por mais que o corpo movimente-se com
precisão repetindo o mesmo gesto escolhido. É o olhar que dilata esses corpos e amplia
suas formas para o espaço particular da imaginação.
Tantos olhares olham esses objetos e suas formas mutantes, para neles verem criaturas
marinhas, balões de gás, reis, rainhas, serpente, dragão, farto vestido, capa, anêmona,
bola, coelho, casa, casulo. Formas que o ar e o olho de quem vê distorce. O que os olhos
vêem nesses volumes e que insiste em se desfazer? Formas breves que o corpo conduz
pelo espaço. As formas nunca são as mesmas, por mais que o corpo movimente-se com
precisão repetindo o mesmo gesto escolhido. É o olhar que dilata esses corpos e amplia
suas formas para o espaço particular da imaginação.
Elcio Rossini
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MOSTRA D.A.M. - Continuum | Roberto Ramos | Performance | 27/11/2008 às 16:45
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Mostra [ F.A.q.2 ]
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Roberto Ramos | D.A.M. Continuum | Mostra [ F.A.q.2 ]
performer. O processo ocorre através da leitura precisa de todo esse conjunto e das situações
de casualidade que se formam, pois embora haja algumas estruturas de organização da
peça, o performer não pode definir com certeza, que tipo de resposta ou seqüência de
movimentos irá realizar, já que o objeto usado na interação desenvolve trajetórias pouco
previsíveis. A todo o momento, a escolha de cada performer determina as possibilidades de
escolha de todo o grupo. As linhas descritas espacialmente pelo objeto ou pelo corpo são
efêmeras, e a todo o momento se diluem no espaço. Cada ação, linha ou forma descrita se
dissolve constantemente, dando espaço às próximas que estão por vir, numa estrutura de
composição transitória. Assim, a casualidade torna-se um fator constantemente presente,
pois ao mesmo tempo em que direciona a construção do trabalho, o qual lida com questões
dimensionais e temporais, ela determina sua própria presença por este mesmo processo.
Roberto Ramos
Ficha Técnica
Duração: 60 minutos
Website: www.dam.art.br
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[ F.A.q.2 ]
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Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2
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Detalhe da performance Objetos Para Ação de Elcio Rossini
[ F.A.q.2 ]
A Mesa “Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos” foi dedicada à reflexão sobre a experiência
sensorial no fazer artístico. Com esse objetivo, os artistas Jennifer Kanary e Mike Phillips,
membros do Planetary Collegium, foram convidados a expor seus trabalhos para,
posteriormente, responder às indagações de Roy Ascott e do público. Como já previa o
título da mesa, esta discussão não poderia acontecer sem que se trouxesse à superfície
questionamentos sobre o próprio sentido da arte, assunto que foi amplamente discutido
durante o debate.
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Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
deixou em aberto a questão: “pode esta proposta ir além de apenas uma ilustração da
psicose?”
Mike Phillips (Reino Unido) é artista, orientador no Planetary Collegium, diretor do i-DAT
[http://www.i-dat.org] e também está à frente do Nascent Art & Technology Research Group
[www.nascent-research.net]. Sua pesquisa explora as relações entre percepção e informação
em projetos transdisciplinares como o Arch-OS, um sistema que pretende dar “vida” a um
edifício ao capacitá-lo a responder aos padrões de comportamento de seus usuários, e o
S-os.org, um “sistema de operação social” (uma brincadeira com sistemas operacionais
como Windows ou MAC OS) que busca medir a qualidade de vida dos habitantes da cidade
de Plymouth através de suas interações sociais.
Em sua fala, analisou esses e outros projetos interativos que lidam com a materialidade dos
dados computacionais, considerados por ele como o lixo da sociedade contemporânea.
Como em uma espécie de reciclagem, nos trabalhos apresentados, a informação torna-se
tangível e ganha um propósito específico. Mais que isso, segundo ele, essas propostas
respondem a uma nova percepção humana que pode ser associada ao que Roy Ascott
chamou de cyberpercepção.
Para expandir a discussão iniciada pelos debatedores, Roy Ascott, artista, teórico e
fundador do Planetary Collegium analisou as intersecções entre os trabalhos apresentados
antes de expor suas próprias questões. A primeira semelhança na poética de ambos
os artistas, segundo ele, está na constante articulação entre a experiência privada e
comportamento público. A segunda, pode ser encontrada nas propostas de interação dos
projetos apresentados onde o artista asssume uma posição de poder e controla, em grande
parte, a experiência dos interatores. Sobre estas afirmações, Roy formulou sua primeira
pergunta: “Qual é a dimensão ética do trabalho dos artistas da mesa?”
Debate
Em resposta, Mike Phillips explicou que, no caso dos projetos por ele apresentados, o
engajamento público alcança uma posição que ultrapassa o poder do artista, não suscitando
assim grandes dilemas éticos. Jennifer Kannary, por outro lado, mostrou como essa
preocupação está fortemente presente em sua pesquisa. Segundo ela, a abordagem da
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Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
psicose no trabalho artístico requer extrema sensibilidade e com frequência torna complexo
o entendimento de seus limites. Um fator agravante nessa questão é a recorrência do
distúrbio em nossa sociedade: 1 em cada 35 pessoas pode ser psicótica.
Essas relações entre produção artística e terapia fizeram eclodir uma discussão sobre a
utilidade da arte. Sérgio Basbaum, para colocar o assunto em pauta, citou Oscar Wilde:
“Toda arte é absolutamente inútil.” Depois, perguntou: a arte, que atualmente sofre a
pressão de ser útil, tem uma função social ou sua função é não ter função? Para Roy
Ascott, a inutilidade é um conceito muito importante, mas subestimado. Mike Phillips citou
uma função testada no projeto Arch-OS, aparentemente inútil, onde um botão em um
elevador levava seus passageiros a um andar randômico em um edifício. Segundo ele, essa
experiência mostrou-se como uma ótima ferramenta de interação social ao possibilitar uma
nova experiência da arquitetura e o contato com outras pessoas. “É a utilidade do inútil”,
comentou Roy. De outra perspectiva, Jennifer partiu da justificativa de seu trabalho, que
nasce de uma necessidade de contribuir com a sociedade, fazer perguntas e encontrar
novos significados, para defender a utilidade da arte. “Quando um artista faz perguntas, às
vezes ultrapassa fronteiras que nem pensava existir”, - explicou. Além disso, afirmou que
uma das questões que impulsiona seu trabalho atualmente é a investigação do significado
de usuário – outro ponto em comum com o trabalho de Lygia Clark, que investigava o
conceito de espectador-participante. Lali Krotoszynski, idealizadora e curadora do evento,
que estava na platéia, concordou com Jennifer: “Uma utilidade na minha arte é a de fazer
perguntas, reinventar o mundo, e é por isso que existe este evento que se chama F.A.q.,
Frequently Asked Questions”. Um participante na platéia resumiu a discussão: a arte pode
não ser funcional mas não é inútil.
Tetê Tavares
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Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
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Jennifer Kanary | Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
Ativo Passivo
Depois de visitar o PwF pude sentir o quanto sons caóticos me infiltravam diretamente e
tinham um efeito físico sobre mim. Mas o restante de minha experiência no PwF pareceu
ser uma mera ilustração de psicose. Meu papel como espectadora era muito passivo. De
acordo com Kusters, na experiência de psicose não se consegue distinguir entre experiência
que é criada pela doença e experiências “normais”. Psicose não é uma força externa, uma
que possa ser distinguida entre a pessoa que possui psicose e a psicose em si. A pessoa
é a psicose.
Medo e êxtase
O segundo aspecto que merece atenção é que o PwF põe seu foco exclusivamente na
experiência do medo, como o titulo sugere, ainda que muitos dos estágios iniciais da psicose
sejam positivos, como descrito por um dos pacientes de Torrey:
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Jennifer Kanary | Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
De repente todo o meu ser foi preenchido com luz e afeição, com uma
explosão de sentimento profundamente comovente que vinha do meu
interior para encontrar e corresponder a influência que fluía para dentro
de mim. Eu me encontrava em um estado de mais vivida consciência e
iluminação (Torrey, 1983 [2006]: 11)
Para melhor compreendera experiência da psicose teríamos de criar uma experiência que
tenha o potencial de conter ambos os espectros de medo e êxtase.
Significado oculto
Assim o objetivo seria construir um ambiente que pudesse sustentar a experiência de que
todo significado está ali especialmente para você, em oposição à experiência distante no
PwF. Neste sentido a arte parece ser um método ideal para criar tal experiência. Ao visitar
uma obra de arte estamos treinados a procurar por significados ocultos, mensagens que
estão ali para ser por nós decifradas.
Criando significado
Isto nos leva a um quarto aspecto da psicose e que é a criação de significado usando
artefatos com os quais a pessoa psicótica tenta comunicar-se. É sabido que a pessoa
criativa e a pessoa com esquizofrenia compartilham muitos traços cognitivos. (Torrey, 1983
[2006]: 389). Kusters descreve a pessoa psicótica como um artista performático que não
toma conhecimento de que a performance chegou a um fim. Ela é o artista “extrema forma”.
No PwF tudo está explicado. Não havia senso de significado oculto e chnace alguma
de participar ativamente na criação de novos significados. Instalações contemporâneas
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Jennifer Kanary | Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
Tempo e espaço
Como podemos criar uma experiência que possa ser considerada análoga a adentrar
outro mundo? Com nossa mente, podemos imaginar a memória de entrar em um sonho,
mas como traduzir isto em uma experiência física? O que estamos procurando é uma
experiência que possa engolfar o espectador em um ambiente completo repleto de sons
caóticos, movimento e imagens que incitem associações conscientes e inconscientes. Uma
experiência que seja análoga a entrar em outro mundo repleto de significados carregados
que sejam amedrontadores e encantadores, ao mesmo tempo manipulando o espectador
para que perca seu senso de tempo e de espaço.
O labirinto
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Jennifer Kanary | Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
Jennifer Kanary
Referências:
Kusters, W. 2004, Pure Waanzin, een zoektocht naar de psychotische ervaring, Uitgeverij
Nieuwezijds, Amsterdam
Torrey, E Fuller, 2006, Surviving Schizophrenia, a manual for families, patients, and providers,
5th ed, HarperCollins Publishers, New York
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Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
Data Senso
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Mike Philips | Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
Mike Philips
Referências:
1. J.G. Ballard, The Overloaded Man, 1967.
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Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
Suponho que seja um truísmo dizer que ela busca e por vezes provê novos modos de ver,
sentir, pensar e ser. Evidentemente, depende de com quem você fala. O ponto de vista
dominante parece ser o de que é um fenômeno de mercado, gerando riqueza em grande
parte para o investidor e, em alguma medida, para o artista. Este é o domínio de museus
e galerias de arte comerciais. Mantendo os negociantes ricos, dando aos curadores um
propósito para suas vidas e mantendo conselhos de arte intrometidos (dos quais há um
excesso) ocupados. Esta visão também provê uma objetivo conveniente para a educação
artística quando é, como atualmente, desprovida de criatividade e burocratizada por
responsabilidades impensadas. Outra visão é a de que seja um agente provedor da mente,
desencadeando idéias e talvez novos comportamentos no espectador.
Não, ou ao menos deveria dizer que não entendo a pergunta. Somente posso dizer, falando
apenas por mim e não pretendendo representar a opinião de qualquer de meus associados,
estímulos sensoriais per se são de pequeno interesse para mim e tê-los amplificados
ou estendidos tecnologicamente por si mesmos, por assim dizer, é pelo menos tão
entediante quanto ter de suportar rasos efeitos especiais no cinema. O impacto espiritual
é necessariamente nulo. Muita arte tecnológica dedicada ao sensorium ocidental comum é
mais demonstrativo que inventivo. (Sim, os sentidos são culturalmente determinados: outras
culturas, outros sentidos.) Tais obras, alardeadas e regurgitadas infinitamente pelas últimas
três décadas, me fazem gritar “Que se dane o Corpo, dê uma chance à Mente!”. Neste
mistério, que é a mente, reside outro tipo de sensorium, há muito ignorado, frequentemente
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Roy Ascott | Sentido da Arte/ Arte dos Sentidos | Mesa 2 [ F.A.q.2 ]
proibido, e que agora pode ser explorado, por todos os meios tecnológicos (antigos e
modernos, farmacêuticos e digitais), através do prisma da arte. A Grande Obra ainda está
por vir.
A arte tem sido progressivamente mais orientada por conceitos. Como você vê
a relação entre conceito e sensação?
Roy Ascott
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MOSTRA Shiva | Paulo Nenflídio
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Mostra [ F.A.q.2 ]
Shiva
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Paulo Nenflídio | Mostra [ F.A.q.2 ]
Paulo Nenflídio
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MOSTRA Contra corrente | Sônia Guggisberg
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Mostra [ F.A.q.2 ]
Contra corrente
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[
[ F.A.q.2 ]
[ [
Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3
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Parte dodamaterial
Detalhe usado
performance na experimentação
D.A.M. - Continuum de olfativa
Roberto oferecida
Ramos pela paletrante Renata Aschar
[ F.A.q.2 ]
A mesa Texto do Cheiro / Cheiro do texto evidenciou a percepção dos aromas por três
perspectivas diferentes: a perfumaria, a filosofia e a comunicação. Foi composta pelos
debatedores Renata Aschar e Cristiano Perius, além do perguntador Vinícius Andrade Pereira.
No debate, foi colocado que a construção e a percepção do olfato é configurada tanto
fisiologicamente como culturalmente, o que resultaria em uma diversidade de concepções
de olfato.
Memória Olfativa
A mesa iniciou com Renata Aschar, perfumista e especialista em aromas. Tem três livros
publicados sobre o assunto e foi responsável pela criação do Espaço Perfume Arte &
História (em Curitiba), museu de perfumes dedicado à história e a arte da perfumaria. A
apresentação de Renata abordou o olfato como um dos sentidos mais primários, ou seja,
em que prepondera aspectos fisiológicos, mas também como possibilidade de despertar a
imaginação a partir dos perfumes. A própria palavra perfume tem sua origem no latim: per
fummum. Per, que significa através, e fumum, fumaça, indicam a busca do homem pela
divindade por meio da fumaça exalada pela queima de incensos.
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Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Cristiano Perius expandiu sua fala sobre o cheiro para uma temática maior, a sinestesia, a
comunicação e a articulação inter-sensorial a partir da filosofia de Merleau-Ponty. Cristiano
Perius é filósofo com pós-doutorado em Filosofia pela USP e professor da Universidade
Estadual de Maringá.
O título da apresentação remete a expressões como Comer com os olhos e cheirar com as
mãos, que exploram a sinestesia, ou seja, o entrecruzamentos de sensações. A partir disso,
Cristiano questionou, baseado no pensamento filosófico, como o sentido é constituído? A
partir de Descartes, definiu a percepção dos sentidos através da significação intelectual.
Em seguida, apresentou o contraponto de Merleau-Ponty, que afirmou que Descartes
transformava a experiência de ver para o pensamento de ver. Por último, citou Kant, que
definiu o conceito de a priori sintético: os fenômenos sinestésicos como condições de
possibilidades dos objetos. Nessa concepção, é necessariamente que a alma se liga ao
corpo, é necessariamente que a aparência se liga a essência. Essa questão, segundo
Cristiano, não é diferente do que Merleau-Ponty entendia por logus do mundo estético.
O olfato e a comunicação
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Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
lado, se o olfato está livre de uma escola, as sensações que são dele derivadas não são
codificadas. Essa constatação nos faz pensar se o olfato nos permite experiências mais
genuínas e originais.
Debate
A codificação cultural das sensações estava implícita em toda a discussão. Cristiano defendeu
a despoluição teórica para a percepção do mundo. Na fenomenologia, qualquer órgão dos
sentidos compõe o todo de um corpo que permite a iniciação ao mundo. Entretanto, para
Vinícius, que segue a teoria das materialidades da Escola de Toronto de Comunicação, a
despoluição comentada por Cristiano não é possível, pois qualquer indivíduo está inserido
na cultura. As forças culturais de uma época são materializadas na percepção do perfume e
do cheiro. Além disso, de acordo com Renata, a produção de perfumes refletem construções
de uma indústria que sintetiza elementos culturais previamente escolhidos para serem
massificados.
Na medida em que o olfato faz parte da composição da subjetividade humana, pode ser
considerado como uma possibilidade de comunicação. Segundo Cristiano, na filosofia,
uma experiência sensível é sempre comunicável. Expandindo a percepção dos sentidos
para a arte, ele comentou que uma obra só é reconhecida a partir do momento em que o
outro a viu. Isso significa dizer que, a percepção dos sentidos reflete configurações sócio-
culturais.
Considerando, ainda, que os meios de comunicação constituem uma das grandes forças
sociais, pode-se dizer que nossas experiências são estimuladas por estes meios. Sobre
isso, Vinícius ressaltou que as novas mídias não emitem cheiros. Sérgio Basbaum, curador
do evento, lembrou que o tema do olfato esta há muito tempo banido da cultura ocidental.
Um bom exemplo para retratar a percepção cultural do olfato é a história dos concursos
de jardinagem que, no séc. XVI, avaliava a rosa pelo perfume, e já no século XIX, somente
avalia sua forma.
Roy Ascott afirmou em sua palestra de abertura que a cultura não mais define o sujeito através
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Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Ananda Carvalho
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Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
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Cristiano Perius | Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Mas o que diz a fenomenologia sobre isto? Se o cheiro faz parte da percepção, é porque
somos dotados de um corpo, havendo por isso uma estrutura típica do mundo que
reclama a sua parte no cheiro, inacabada com este, mas sem a qual aquele não seria o
mesmo. Isto não significa apenas dizer que o mundo, sem a percepção do olfato, seria
outro. Com a tese da sinergia dos sentidos tudo muda: não só as coisas, as idéias, o
imaginário e o próprio mundo inteligível dependem da estrutura sinestésica e pré-objetiva
do meu corpo. As próprias coisas representam uma possibilidade imanente e a priori dos
reflexos do meu corpo, e por isso não podem ser representadas objetivamente pela ação
de seu engajamento nelas. Inesgotáveis, pertencem a uma “estrutura de sentido”, mais do
que o efeito ou o resultado dele. Mas essa transcendência ou impossibilidade de doação
completa não é defeito, pelo contrário, é a virtude do sensível. Sinestesia é a ordenação
orgânica e indivisa que me atira ao sentido sem a possessão intelectual dos conceitos.
“Se um doente vê o diabo, ele vê também seu cheiro, suas chamas e seu vapor, pois
a unidade significativa do diabo está nessa essência ácida, sulfurosa e ardente.” Com
essa analogia do odor e calor ácidos recaindo sobre o diabo, Merleau-Ponty ultrapassa
o domínio das coisas intersensoriais e passa ao mundo do imaginário. Que se evoque
aqui o cheiro da pessoa amada, o perfume da janela da casa da infância, os odores da
cozinha antiga, na hora do café... Como podemos perceber nessas passagens da memória,
o mundo sensível não é apenas real, mas simbólico de toda a vida humana. Porque o diabo
não existiria em nosso imaginário sem os odores quentes e sulfúricos do inferno. Porque a
casa da memória está associada ao cheiro de bolacha ao forno e pão caseiro, cujas receitas
não estão escritas e não podem ser reencontradas. Mitológica, a essência metafórica de
nossos medos e lembranças são do cheiro e vêm do cheiro, sem o qual não seríamos isso
que nós somos. Como conclui Merleau-Ponty: “Nós não somos um conjunto de olhos,
orelhas, órgãos táteis com suas projeções cerebrais... Como as obras literárias são apenas
o caso particular de permutações possíveis dos sons que constituem a linguagem e seus
signos, assim as qualidades ou sensações representam os elementos da grande poesia de
que o nosso mundo é feito.” Comparável a uma obra literária é o nosso corpo. Ele não é
a reunião de olhos, orelhas, nariz, boca, pernas e braços por agrupamento. Uma câmera
de cinema não é apta ao mecanismo da visão, mesmo se trocássemos metaforicamente
as partes eletro-mecânicas por células óticas e neurônios. Outros órgãos dos sentidos,
como os ouvidos e o nariz, jamais encontrarão equivalentes junto a técnica científica e
a cibernética. Como numa obra de arte, o sentido está nela e não alhures, embora seja
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Cristiano Perius | Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Cristiano Perius
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Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Olfato
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Renata Aschar | Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
aciona as emoções, trazendo de volta o aroma do frescor matinal, o cheiro da terra molhada
depois de uma chuva de verão ou a envolvente mescla de odores de uma noite de amor.
São sensações que podem ser revividas com um simples estímulo olfativo. São lembranças
que guardamos para sempre, mesmo inconscientemente: os aromas fazem parte de nossas
vidas.
Como o cheiro pode provocar em nós fortes reações emocionais e nos identificar como
integrantes de um grupo social, podemos concluir: o olfato é realmente poderoso! Uma bela
confirmação vem do escritor francês Marcel Proust , que fornece notáveis considerações
no monumental romance Em Busca do Tempo Perdido, escrito no início do século XX;
nele, o narrador é movido pela lembrança de sabores e cheiros que, quando tudo o mais
se dissipa, sustentam, “na minúscula e quase impalpável gota de sua essência, a vasta
estrutura da recordação” (volume I, “O Caminho de Swann”).
Memória Olfativa
No fim do século XX, Patrick Suskind dedicou todo um volume ao tema: O Perfume defende
o poder do aroma. Um trecho de seu aclamado livro ressalta:
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Renata Aschar | Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Bem dentro delas vai o aroma, diretamente para o coração— que faz a distinção
entre atração e repulsa, horror e prazer, entre amor e ódio.
Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.
A fragrância que emanamos é a nossa mais íntima ligação com os outros. O olfato é realmente
poderoso! Considerado nosso sentido mais primário ele está diretamente ligado ao sistema
límbico, por esta razão temos uma conexão tão forte entre perfume e emoções. Este sentido
tão precioso deve ser estimulado, mesmo no dia a dia, em pequenos momentos, as ervas
na cozinha, os cheiros dos lugares, enfim, as pessoas devem criar uma linguagem olfativa.
Cada pessoa tem sua memória olfativa e isto é uma experiência única. Um verdadeiro
arquivo pessoal de cheiros que as conecta a determinados lugares, momentos e sensações.
O olfato, como já dizia Rousseau, é o sentido da imaginação. Ele desperta sensações
imediatas, sejam elas boas ou ruins. Fechar os olhos e tentar registrar na memória cada
cheiro é o melhor exercício que podemos fazer para estimular o sentido do olfato.
E a magia do perfume? Não há quem não deseje um perfume. Este invisível auto-retrato
deixa um marca que não se apaga: um fino, misterioso rastro que se torna parte de sua
lenda pessoal. O prazer reside no fato de que ele é seu e único em sua pele.
Cleópatra entendeu este conceito – praticamente dopando Marco Antonio com incenso,
ungüentos e óleos essenciais em todos os seus grandes banquetes. Marilyn Monroe contou
ao mundo que não dormia com nada além de algumas gotas de Chanel no. 5 e milhões de
mulheres seguiram o mesmo. Não é para menos....
Ele é considerado um artista no mercado da perfumaria fina. Por dever de ofício, precisa
ter “o melhor nariz do mundo”. É capaz de distinguir mais de três mil cheiros diferentes
e consegue combiná-los em uma quantidade ilimitada de fórmulas, com química e odor
absolutamente singular. O perfumista usa a fantasia e o nariz para criar fragrâncias
inesquecíveis, que podem reunir até 300 matérias-primas. Como um maestro, ele compõe
num órgão as diferentes notas que darão caráter e personalidade a uma fragrância.
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Renata Aschar | Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Categorias como doce, ácido, amargo ou salgado são muitas vezes reivindicadas como
próprias a cada pessoa. Mas as preferências alimentares não são um problema puramente
individual ou uma simples variação de gosto, ocorrida ao acaso; são, antes, formas de
compartilhar de um mesmo grupo social, que selecionou e aprendeu a comer determinados
alimentos e não outros. Todos nós conhecemos alguns hábitos alimentares aparentemente
irracionais, como a predileção dos chineses pela carne de cachorro, o uso do abacate
nas saladas ou sanduíches e pratos salgados pela maior parte dos povos latinos ou o
gosto particular por formigas assadas, disseminado entre alguns povos indígenas no Brasil,
hábito ainda presente no interior de São Paulo. Mas o que explica o fato de que algumas
pessoas gostem e outras detestem o mesmo alimento? Há um valor social conferido aos
alimentos, que também diz respeito ao status de quem come, de quem oferece a comida,
de quem serve. Neste sentido, entende-se que o paladar não é simplesmente uma versão
pessoal de um gosto particular. Trata-se, na verdade, de uma construção cultural, que ajuda
a contar uma história, a escrever um passado, a definir um presente e, porque não, a eleger
um futuro.
Aprendemos a comer o que comemos. Aprendemos a sentir nojo, desejo, prazer, satisfação
com um determinado prato ou cheiro de comida. Há, portanto, uma lógica simbólica
maior que organiza a procura por certos alimentos e que condena outros a virar tabu, ou a
serem desprezados ou pouco utilizados. É o caso das tripas, dos miolos ou dos intestinos
da carne de vaca, jogados fora ou vendidos a preço de banana no Brasil atual. Sem ir
muito longe, é o mito criado para a feijoada, de que foi concebida nas senzalas, com as
sobras de tudo o que os senhores de engenho não gostavam ou não queriam comer: rabo,
orelha, pés, gordura. Mas em algum momento paramos para pensar que os homens ricos
desta época apreciavam tais “partes” que agora consideramos menos nobres? Em algum
momento paramos para pensar que uma vaca não fornece apenas filé, lagarto e maminha,
mas também rins, língua, fígado e testículos? O que fazemos com todos eles? É preciso,
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Renata Aschar | Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Renata Aschar
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Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
escala, a troca de odores. Por outro lado, sabemos que há uma série de estratégias
de comunicação, especialmente aquelas voltadas para o mercado, ou seja, estratégias
fundamentalmente de marketing, que avançam sobre a possibilidade de se explorar o olfato
como um diferencial nos processos de construção, divulgação e fortalecimento de uma
marca. Refiro-me, aqui, a propostas tais como as de marcas multissensoriais (Lindstrom,
2006) que apostam na criação de identidades olfativas para as marcas através de produtos
e de espaços de contato com um público consumidor em potencial(espaços para branding
experience). Assim, parece que, por um lado, as práticas de comunicação negligenciam o
sentido do olfato como uma experiência sensorial relevante, por outro, apostam, exatamente,
neste sentido como um diferencial poderoso para evocar um sentimento relacionado à
marca. Como pensar esta ambigüidade da cultura contemporânea em relação ao sentido
do olfato, exatamente em um momento no qual vivemos o que muitos entendem como o
apogeu de uma sociedade midiática? Ou, ainda, de outro modo, seria a ambigüidade em
questão reflexo da própria cultura contemporânea que, ao mesmo tempo em que demanda
mensagens multissensoriais, ainda vive uma espécie de inconsciência frente ao papel e a
força do olfato na comunicação?
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Vinícius Pereira | Texto do Cheiro / Cheiro do texto | Mesa 3 [ F.A.q.2 ]
Vinícius Pereira
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MOSTRA Arranjo | Laura Lima
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Mostra [ F.A.q.2 ]
Arranjo
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MOSTRA Cocoon | Lúcia Koch
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Mostra [ F.A.q.2 ]
Cocoon
[ [
Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4
faltam as fotos
Entrevista | David MacConville
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Detalhe do público interagindo com o trabalho ““Shiva” de Paulo Nenflídio
[ F.A.q.2 ]
Olhos de L S V_Er
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Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Debate
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Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Abrindo uma nova rodada de discussão, Sérgio Basbaum, um dos curadores do evento,
retomou a questão que havia proposto na segunda mesa do evento: “A obra de arte tem
a obrigação de ser útil?” David foi o primeiro a debruçar-se sobre a pergunta: se a arte é
pragmática ou útil depende de como você a vê, disse. O trabalho de Magritte, por exemplo,
pode ou não ser de extrema utilidade para algumas pessoas. Miguel, de outra perspectiva,
afirmou a utilidade da arte. Segundo sua eplicação, a arte pode não ser funcional mas deverá
ser útil: o artista sempre teve uma função na sociedade que é a de criticar, propor soluções.
Por fim, Sérgio Basbaum, citou Ronaldo Brito para responder sua própria questão: “Se faz
arte ao implodir as ilusões da verdade com “v” maiúsculo e construir ilusões de verdade
com “v” minúsculo.”
Para concluir o debate, David McConville retomou a palavra e o tema da mesa que havia
sido deixado um pouco de lado. Afirmou, então, que sua função como artista é a de fazer
as pessoas mais conscientes sobre o ato de ver. Para ele, as questões relacionadas à visão
são muito importantes, pois exercem um grande papel no modo como percebemos nossa
própria existência.
Tetê Tavares
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Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Magritte com sua idéia de “Ceci n’est pas un pipe” já havia trazido à tona o tema de
aspectos cognitivos da visão. Abordando questões relacionadas à representação, ele
propôs um tipo de agnosia do ato de fruição. O desligamento da função e significação
do objeto representado abre novas formas de interpretação deixando de lado o caráter
representacional da pintura.
A conjunção dos sentidos é algo que tem me fascinado por algum tempo. É muito importante
entender que os processos de visão pelos quais vemos são extremamente relacionados
aos da audição e outros processo sensoriais. Alem do exemplo clássico dos filmes, no
qual o som informa e condiciona o modo como “vemos” uma sequência de imagens em
movimento, um exemplo bastante completo é aquele descrito como Experiências Extra-
Corpóreas (OBE).
Olaf Blank e Gregor Thut, em seu artigo intitulado “Inducing Out-of-Body Experiences”
[Induzindo Experiências Extra-Corpóreas], consideram que OBE ocorrem quando “a agência
(ou a sensação de sermos o agente de nossas ações e pensamentos) está localizada na
posição do ‘eu’ elevado, desencorporado.” Em outras palavras, as pessoas, quando
experimentam estes fenômenos “vêem” seus “eus” do exterior de seus próprios corpos.
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Luis Miguel Girão | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Isto obviamente levanta uma série de questões, incluindo qual é o real papel dos olhos no
processo de ver. Mas, a esta altura, eu gostaria de introduzir meu trabalho artístico anterior,
que foi crucial na formulação das perguntas que me levaram à minha real pesquisa. Antes
de estudá-las, eu já estava interessado em projetar experiências multi-sensoriais.
O primeiro estudo tinha duas etapas. Em uma primeira etapa um algoritmo analisa a
quantidade de movimento percebida pelo corpo. Esta informação é usada para controlar
o volume de ruído gerado. Se o corpo pára, a contagem cumulativa é retornada ao zero.
O processo cumulativo recomeça quando o corpo inicia seu novo movimento. Quando a
quantidade de movimento alcança um certo limiar o programa muda para um modo diferente.
Neste modo a posição do corpo no espaço cartesiano é transferida com o proósito de
controlar um filtro para o gerador de ruído. No eixo X o corpo determina a freqüência central
do filtro e o eixo Y permite controlar a saída de volume.
I segundo estudo era baseado em um algoritmo que determina se o corpo no espaço esta
se movendo ou não. O movimento inicia a gravação do som ambiente e um algoritmo
de desenho. Ambos mantêm a gravação até que o corpo pare. O programa de gravação
sonora acumula até sete camadas e automaticamente as toca em modo cíclico. Para o
desenho, uma linha é desenhada em uma posição na tela determinada pela posição do
corpo no espaço. O tamanho da linha é determinado pelo volume do som produzido naquele
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Luis Miguel Girão | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
momento. A direção da linha é determinada por um algoritmo de rotação que também varia
de acordo com a intensidade da entrada de som.
O terceiro e último estudo foi baseado em uma analisador de trilhas. Uma trilha do corpo é
gravada entre ações de parada e recomeço. O valor máximo e o mínimo dos pontos no eixo
horizontal sã determinados quando o corpo para. Dezoito pontos intermediários também
são determinados e graduados de acordo com sua distancia dos pontos máximo e mínimo.
Cada um desses pontos recebe uma representação visual e audível. Em termos visuais
eles são traduzidos em círculos de tamanhos correspondentes e gradações de verde. Em
termos audíveis eles determinam o volume individual de uma parcial correspondente de um
harmonizador de ondas senóides de 60Hz.
Esta última peça de software também fora usada na Segunda série de estudos audiovisuais
em espaço sensorial, apresentada no Teatro Ellen Terry, em Coventry, Reino Unido, no dia 6
de junho de 2007. Ali, a saída de vídeo foi projetada no chão.
Considero ser o mais sofisticado dos estudos porque estabelece um novo paradigma de
interação. Seu uso implica a compreensão do sistema. Somente após isto acontecer é que
o usuário se torna capaz de interagir “apropriadamente” com o sistema. Funcionando de
tal maneira que o usuário pode predizer o resultado de suas intenções. Isto transforma o
sistema de um instrumento eletrônico de expressão audiovisual em uma ferramenta em
tempo real para composição de música audiovisual.
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Luis Miguel Girão | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
É esta busca por experiências multi-sensoriais significativas que me levou a minha pesquisa
de fato.
TMS pode ser o ponto de partida do desenvolvimento de novas interfaces para expressão
multi-sensorial. É nestes contexto que proponho tecnologias relacionadas ao bio-
eletromagnetismo enquanto um meio para criação de novas experiências estéticas.
A intersecção de todos os sentidos como uma entidade única irá expandir nosso papel
na qualidade de agentes no processo interativo de visão. Tecnologias relacionadas ao
bio-eletrmagnetismo permitirão que vejamos através de roupas, através do corpo até o
“espírito”.
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Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Olhos de L S V_Er
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Glauce Rocha | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Colocada às margens do papel, a fotografia, nesses jornais diários, ainda é tida como
prova incontroversa do fato narrado. Paradoxalmente, também é submetida às regras de
um espaço cartesiano e tempo cronológico para ser produzida ou compreendida (primeiro
e segundo planos e o tempo passado do fato retratado, por exemplo).
Essa postura grafocêntrica em relação à imagem está relacionada ao valor e ao poder que
a escrita tem em sociedades ocidentais, bem como a reflexos do iluminismo, positivismo
e racionalismo cujos valores estruturam o mundo em relações hierárquicas, restringem
nosso cotidiano a ações e reações de um passado, presente e futuro, onde nossos corpos
não podem ocupar vários lugares ao mesmo tempo, e restringem o status de real a uma
realidade mensurável, palpável, física e homogênea.
O turno visual (Mirzoeff, 1999), pelo qual passou nossa sociedade no final do século XX,
quando seu cotidiano não só foi impregnado de imagens, mas também e, sobretudo,
foi construído e organizado por imagens, bem como o surgimento da imagem pixelada,
desestabilizam a ordem cartesiana e o grafocentrismo, além do valor documental da imagem
fotográfica, nos levando a uma re-significação ou re-contextualização desses valores tidos
como base de nossa realidade.
Ver é interpretar
Nesse contexto, ver não é mais crer, mas interpretar conforme nossas crenças e nossos
valores socialmente construídos e compartilhados.
A sensação de clareza frente a uma imagem ou àquilo que vemos está ligada ao conhecimento,
aos valores e aos sistemas simbólicos consensuais entre os espectadores, ou seja, se tudo
isso estiver sobreposto ou compartilhado, tem-se a sensação de transparência ou a ilusão
de não-interpretação – álbuns de família, por exemplo.
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Glauce Rocha | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Nesse sentido, como a veracidade ou transparência da imagem não é inerente a ela, convido
meus leitores a perceber como determinada imagem significa em seu momento de recepção
ou com base em quais valores e sistemas simbólicos foi construída.
Esse caminho explicativo de ver se vendo ou ver com olhos de ver, ou seja, ver que vemos
com base em conhecimentos prévios herdados e transformados culturalmente, desloca a
visão do olho para o olhar da visão – uma tomada de consciência de que vemos com aquilo
que temos em nós, através de nós, entre nós, o que implica um jogo de espelhos onde os
reflexos refletidos refletem não mais um referente externo ao olhar, mas nossas crenças ou
regimes de verdade (Veyne, 1984).
Ver é ser
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Glauce Rocha | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
É justamente nesse espaço aumentado que o fluxo ou a interação entre nossos sentidos
desencadeiam ou nos levam a determinadas significações conforme os regimes de verdades
dos contextos em que nos inserimos, ou seja, num cadinho tão diverso somos levados a
desenvolver uma visão senestésica, propositalmente assim grafada para nos lembrar desse
intercâmbio entre cin-, sin-, cen-estesia (sentido pelo qual se percebem os movimentos
musculares, o peso e a posição dos membros; a sensação em certa parte do corpo produzida
pelo estímulo em outra parte; e sensação que a pessoa experimenta de sua existência,
respectivamente). Nesse sentido, a tradicional oposição entre realidade e virtualidade não
mais se sustenta, pois ambas são construções sócio-históricas que refletem essa dinâmica
entre os distintos lugares e os regimes de verdades em transformação.
Refletir sobre a visão como o ato de ser é perceber como seu processo de construção de
sentido se dá – ver se vendo é a percepção de quem percebe, bem como da posição desse
espectador. Assim sendo, refletir sobre a transparência da visão é também uma maneira
de questionar e refletir sobre uma convenção, uma suposta visão única construída a partir
de uma determinada posição. Ou seja, trata-se de um caminho explicativo conforme as
ontologias constitutivas conforme Maturana propõe colocar a objetividade entre parênteses
(2001).
Na verdade, essa reflexão reflete o jogo entre nossos sentidos e os lugares que ocupamos,
num estado de (im)permanência e aponta para a possibilidade de ampliar o limite de nossa
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Glauce Rocha | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
visão e nosso conceito de realidade, não mais restrita ao modelo cartesiano, numa atitude
sin-, cen-, cin-estésica de movimento contínuo.
Glauce Rocha
Referências
MANOVICH, Lev. The poetics of augmented space, In: JEWITT, C., TRIGGS, T. (ed.), Visual
Communication – special issue: Screens and the social landscape, volume 5, number 2,
june 2006, pp.219-240.
ROCHA DE OLIVEIRA, Glauce. 2008. Sobre o Azul do Mar: Virtualidades Reais e Realidades
Virtuais. Tese. Universidade de São Paulo (FFLCH). Disponível em: http://www.dominiopublico.
gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=107928
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Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Louis Kahn disse uma vez que a luz era a estrutura de seus edifícios e não as paredes nuas
e colunas.
Meu olhar existe apenas através do simulacro de arquitetura que fora descrito por outra
pessoa.
Arquitetura como interface aborda a relação entre visão, cegueira e invisibilidade, que é a
representação do invisível.
Fantasia nada mais é que um desejo de ver com seus olhos fechados.
Minha vida é uma câmara escura, eu sou uma câmara escura. Eu sinto o sol através de seus
efeitos térmicos.
Possuindo uma necessidade para construtos arquitetônicos leva a criar um espelho interior,
em outras palavras, um speculum mundi, que expressa a colisão de nossa atitude em
relação à realidade que se encontra fora de nosso corpo.
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Alexander Pilis | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Mas se estou em uma janela olhando para fora durante o inverno, poderia pensar que o dia
lá fora está quente apenas porque o aquecedor está quente e deslocaria meus sentidos.
Se você pensou que eu fosse cego, o que é que você não consegue ver?
As relações entre arte e arquitetura e cegueira são um paradoxo, uma confrontação entre o
senso de visão e nossa visão do mundo.
Uma experiência de visão é uma ausência do enxergar, uma incapacidade ocular. Não há
linha reta na natureza e assim também na arquitetura. É apenas uma invenção cultural,
conhecimento apreendido culturalmente.
Freud propõe que a cegueira é um substituto simbólico para a castração. Ele também sugere
que a castração é o fator determinante na formação subjetiva e no processo civilizador
como um todo. Se for o caso, a natureza de todas as formações culturais em geral pode ser
avaliada com base na relação que mantêm com a cegueira e o invisível. A questão então
não é o que pode ser dito sobre a cegueira das diversas localidades da cultura, mas antes
o que a cegueira tem a dizer sobre tais localidades.
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Alexander Pilis | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Pessoas de visão
Pessoas que usam seus olhos para receber informação sobre o mundo são chamadas de
pessoas de visão. Elas estão acostumadas a observar o mundo em termos visuais. Em
muitas situações elas não serão capazes de comunicar oralmente e muitas podem recorrer
a apontar ou outro tipo de gesticulação. Expressões faciais sutis também podem ser usada
para expressar sentimentos em situações sociais.
Prepare calmamente a pessoa de visão para seu ambiente falando lentamente em um tom
normal de voz.
Pessoas de visão não conseguem funcionar bem sob condições de pouca luz e ficam de
modo geral completamente indefesas em total escuridão. Seus lares normalmente são
iluminados de maneira exagerada e com grande esforço, como são os negócios dirigidos
ao consumidor de visão.
Espaços Teóricos.
O espaço medido teoricamente é a distância entre o que se espera que você veja e o que
você realmente está vendo.
Produtos e objetos do século dezenove para o uso de cegos, mediam e estendem seus
sentidos no mundo arquitetônico visto h. Produtos e objetos recentes substituem os
sentidos com mediação através de voz e som, transformando o espaço privado em um
espaço público e ocupando o silêncio.
Crise visual
Todos somos cegos, exceto os cegos, que podem novamente nos ensinar a enxergar, a
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Alexander Pilis | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
reter atenção.
Nós vemos demais. Não há fim para a visão. Há muito para se ver. Se não fazemos mais
nada, nós vemos. Vivemos em uma cultura tão repleta de coisas para serem vistas que a
visibilidade é o que determina o existir e o não-existir de objetos, experiências e identidade.
Há tanto para ver, e raramente uma oferta, quase nunca a oferta de um espaço ou um tempo
para enxergar. Menos ainda a oferta de um espaço ou tempo nos quais não precisemos
sequer enxergar, mas antes...
Alice Boa Vista, uma profissional de relações públicas, em uma ocasião perdeu sua visão
temporariamente, ela se tornou cega por sete meses, repentinamente, para então recobrar
sua visão. Tensão elevada provoca a contração do nervo óptico e a elevação da pressão no
fundo dos olhos, causando cegueira física. Uma crise visual.
Na Grécia Clássica Antiga, acreditava-se que a visão formava uma tela. A realidade se
movia por detrás da tela do visível, fluindo por baixo da superfície das aparências.
Referência situada
Profundidade de campo?
Luz?
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Alexander Pilis | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
Como pensar, articular, representar um outro sistema ordenador não baseado na visão, não
dependente desta singularidade visual, não baseado no olhar como a verificação singular
da realidade e não visto a partir de um ponto de vista?
Quando uma pessoa cega diz, “eu imagino”, isto significa que ele ou ela também possui
uma representação interior de realidades exteriores.
Teorema da paralaxe
A profundidade de campo arruinada, sem distância, sem projeção, sem passado, sem
futuro.
Como pensar articular, representar um outro sistema ordenador não baseado numa posição
centralizada de visão, não baseada no ponto de fuga singular?
Ponto A e Ponto B não são os únicos arquitetos concebendo um espaço (um lugar).
Ponto A e Ponto B não são as únicas pessoas que entram, atravessam, habitam ou deixam
este espaço. A Paralaxe como metodologia pede por mais do que um alfabeto finito de
pontos.
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Alexander Pilis | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
A Paralaxe como metodologia vislumbrou um ambiente visto pelo Ponto 1 através do Ponto
N, o que quer dizer por qualquer e toda pessoa qiue possa descrevê-lo.
Coletividade de inteligência.
Sem hierarquia, a compreensão do espaço é mais que monocular, mais que binocular,
mais... em meio a
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Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2 ]
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David MacConville | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2
]
cegos, aprendemos como enxergar”. De modo similar, tenho explorado como uma
crescente consciência reflexiva deste processo de aprendizado do olhar pode ser cultivado
através de experiências imersivas mediadas, como minha obra Optical Nervous System
[Sistema nervoso óptico]. Ela explora como a experiência da visão surge de nossa cognição
corporificada e como aquilo que vemos é o que esperamos ver. Para experimentar a visão
de novos modos, é importante que, primeiramente, questionemos nossas suposições a
priori sobre o mundo.
Em seu artigo para este livro, Alexander Pilis coloca uma questão interessante:
Como pensar, articular, representar um outro sistema ordenador não baseado na
visão, não dependente desta singularidade visual, não baseado na visão como
a verificação singular da realidade e não visto a partir de um ponto de vista? O
que você diria a este respeito?
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David MacConville | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2
]
contínua com ferramentas digitais, especialmente quando elas servem para estender
efetivamente o alcance temporal, especial e espectral de nossos sentidos corporificados.
Embora a experiência desta extensão não seja particular a ferramentas digitais (o telescópio,
o microscópio, o raio-x e a fotografia em lapso de tempo, etc. proveram funcionalidade
semelhante), elas expandiram dramaticamente as possibilidades de “capturar” fenômenos
em várias escalas de realidade. Estas apresentações mediadas estão moldando nossa
percepção tanto das limitações inerentes quanto da “sintonizabilidade” potencial de
nossos sistemas sensoriais. De modo semelhante, praticantes espirituais há muito têm
experimentado com a manipulação perceptual pela utilização de práticas e substâncias
que lhes permitem acessar experiências que se encontram além da realidade cotidiana.
Mas a ubiqüidade e fidelidade constantemente crescentes das ferramentas digitais estão
provendo novas oportunidades para induzir tais modos alterados de percepção através de
meios tecnológicos socialmente aceitáveis.
Qual imagem você diria que poderia ajudar-nos a definir o futuro da visão?
Creio que a figura arquetípica da cúpula do paraíso oferece uma imagem poética para
definir simultaneamente nossa relação com a visão e com o cosmos. Nas palavras dos
hermeticistas, “Como acima, assim abaixo”: creio que a conceptualização macrocósmica
da totalidade da existência é análoga e inseparável da experiência pessoal da visão. Ambas
são projeções moldadas por nossas ferramentas observacionais, suposições e expectativas
e ambas têm profundo impacto sobre os modos pelos quais escolhemos viver no mundo.
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David MacConville | Sedução do Olhar / Olhar da Sedução | Mesa 4 [ F.A.q.2
]
Ademais, em décadas recentes, a elucidação matemática, cognitiva e artística da dita
“perspectiva esférica” ilustrou a extensão pela qual a percepção da “cúpula do céu” é uma
função da configuração de nosso sistema visual. Contrariamente à compreensão ocidental
da perspectiva (altamente influenciada pela apresentação retilinear da câmara escura desde
Leonardo da Vinci), o mapeamento completo de nosso campo visual é consideravelmente
mais esférico que linear. Isto cria, antes de tudo, a ilusão da “tela celestial” hemisférica
– um fenômeno que está sendo replicado atualmente através do desenvolvimento de
fotografia panorâmica omnidirecional e visores “imersivos”. Assim, a cúpula, para mim, é
uma imagem interessante que simboliza esta interrelação entre percepção visual, cognição
e representação.
David Mcconville
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MOSTRA Memórias Invisíveis | Dudu Tsuda
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Mostra [ F.A.q.2 ]
Memórias Invisíveis
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Dudu Tsuda | Memórias Invisíveis | Mostra [ F.A.q.2 ]
sobretudo de muita revisão de valores. Poucas pessoas se dão conta de quão grandiosas
são as pessoas comuns e anônimas. E é sobre este leitmotiv que me mantive o tempo
todo em que dei início às idéias criativas, que mais tarde culminariam na realização da
instalação.
Música Contemporânea
No entanto, nos últimos 5 anos, fui criando uma curiosidade e um interesse enorme em
música eletro-acústica e paisagem sonora. Interesse que me motivou bastante na pesquisa
de compositores e autores da época como o dodecafonismo de Schoenberg e a música
concreta de Pierre Schaeffer.
A obra e os textos de Schaeffer me fizeram ficar ainda mais instigado com a questão acústica
das minhas vivências documentais na casa da minha avó. De conversas gravadas, passei
a gravar ambientes durante horas, e comecei a realizar experimentações com este material
aferido em trabalhos de trilha sonora para dança contemporânea e performance.
Uma coisa puxou a outra, e elas foram se puxando até que, num dado momento, senti uma
extrema necessidade de colocar todas aquelas sensações, emoções e experimentações
para fora.
Tamanha não foi a providência em receber o convite da Lali para realizar uma instalação,
exatamente no período que eu já tinha amadurecido melhor a idéia de como seria transformar
todos aqueles sentimentos e sensações em uma instalação interativa, e que havia também
recém voltado de uma turnê pelo Japão.
Aceito. Fazendo a vez do noivo estarrecido por uma noiva irradiante. Mas tudo tem seu
preço. Tempo.
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Dudu Tsuda | Memórias Invisíveis | Mostra [ F.A.q.2 ]
Levantar a Casa
Foram pouquíssimos e intensos 40 dias para organizar uma equipe, conceber um sistema de
interação que reforçasse a idéia de uma casa audível, e sobretudo, o conteúdo principal do
projeto, realizar a triagem de novas experimentações e gravações dos áudios e depoimentos
da minha avó.
O espaço, por outro lado, nos foi bastante generoso. O tamanho do saguão principal permitiu
que eu criasse uma planta grande o suficiente para dar a sensação de estar dentro de uma
casa. E a função daquele espaço era ainda mais interessante. Simplesmente a passagem
principal do SESC Ipiranga, nada mais nada menos, que a sua entrada.
Ora, estava querendo criar uma casa invisível, cujas paredes eram feitas de
sensações e emoções, apenas perceptíveis com um fone wireless, num
espaço de grande trânsito de pessoas. Trânsito que daria o contraste entre estar dentro da
casa e não estar, mesmo que todos estejam pisando sobre a mesma superfície de linóleo.
Melhor lugar impossível.
Dudu Tsuda
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[
[ F.A.q.2 ]
[ [
Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5
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Usuário da piscina do Sesc Ipiranga com a intervanção da trabalho “Cocoon”, de Lucia Koch (foto)
[ F.A.q.2 ]
Nano-Bio-Info-Cogno SKIN
E o que isso significa para os artistas que trabalham com tecnologia ou bioarte?
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Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
idéia de Realidade Variável proposta por Ascott e terminou sua apresentação questionando:
até que ponto os artistas irão ao manipular matéria viva? Para que futuro essas experiências
estão nos direcionando?
A flor da pele
O perguntador desta mesa foi Lula Vanderlei. Artista plástico, foi colaborador de Lygia Clark e
escreveu o livrou “O dragão pousou no espaço – arte contemporânea, sofrimento psíquico e
o objeto relacional de Lygia Clark”. Lula Vanderlei iniciou sua fala afirmando ser tímido e que
não se sentia confortável em falar em público. Entretanto, rapidamente o artista se soltou e
colocou a mesa em cheque com camadas e mais camadas de idéias questionadoras.
Entre diversas questões, perguntou porque corpo, sentido e afetos são temas tão recorrentes
hoje? “Nos reunirmos para falar do corpo é uma militância cultural? Não é um academicismo?
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Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
Na década de 70, o corpo aparece como símbolo de liberdade. Na atualidade, o corpo some,
é simplesmente um agenciador entre a arte e a tecnologia. Continuamos tão modernistas a
ponto do corpo não aparecer na arte?”
O artista observou o corpo como superfície de inscrição, assim como, a veste é uma dessas
superfícies. Entretanto, segundo Lula, na arte brasileira a roupa feita pelo artista não é para
desfilar. Ninguém desfila com o Parangolé, com o Manto do Bispo do Rosário. Para Lula,
o corpo é muito mais fluido do que imagem. Aqui, é possível estabelecer um paralelo com
a constituição múltipla do self na contemporaneidade proposta por Roy Ascott na palestra
de abertura do evento.
Por fim, Lula Vanderlei observou que as tecnologias avançam muito e podem engrenar outros
saberes. No caso da nanotecnologia, constrói-se um corpo genético. Porém, questionou:
que domínio temos sobre o avanço das tecnologias?
Debate
Lula Vanderlei chamou a atenção para a elasticidade da pele, explicando que a pele
humana não é contínua, é atravessada por objetos. Desse modo, o corpo vazio traz uma
potencialidade criativa que absorve esses objetos, metaboliza-os simbolicamente e os
devolve para o mundo. Segundo o artista, deve-se pensar uma identidade que se perde,
se acha e se constrói. As sobreposições entre múltiplas identidades mostram que a pele
não só é ambígua, mas é elástica. Nesse sentido, sugeriu instituir a idéia da idade da
borracha, assim como tivemos a idade do bronze, do ferro e do ouro. O debate foi aberto à
participação das pessoas que estavam na platéia. Sobre a dimensão elástica proposta por
Lula, Lali Krotoszynski (curadora do evento), comentou que essa dimensão corresponde ao
trânsito dos sentidos expandidos a partir das próteses tecnológicas. Essa elasticidade cria
uma nova pele através de reconfigurações constantes.
A oposição entre mente e corpo foi outro tema do debate. Sérgio Basbaum apontou as
diferenças nas idéias sobre corpo apresentadas por Vinícius e Lula. O primeiro defendeu
um corpo que quer se lançar num mundo virtual, engolido pela realidade midiática. Já o
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Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
segundo, observou um corpo que quer voltar para si mesmo, que quer retornar para a
própria sensação. Roy Ascott, que também estava na platéia, apresentou um outro ponto
de vista: “passamos 20 anos enfatizando o corpo e nada mais que o corpo. Agora, é tempo
de darmos chance à mente.” Natasha comentou que a próxima Era será a da mente, da
química, da neurociência. E em seguida, questionou: quais serão as novas peles? Vinícius
trouxe ao debate um ponto de vista que afasta-se dos dialogismos e perguntou porque
ainda estamos separando corpo e mente?
Ainda sobre esse tema, Roy Ascott apontou para um exemplo prático. Lembrou das crianças
em uma lan house (que apareceram no vídeo apresentado por Vinícius) e perguntou se
elas, por acaso, querem saber do corpo dos outros jogadores espalhados pelo mundo.
As crianças estão considerando a mente, as redes telemáticas são a mente. Ainda sobre
este tema, Lali enfatizou que deve-se pontuar mais objetivamente o conceito de corpo. Se
mente e corpo são ou não coisas diferentes é uma questão de linguagem.
A última mesa do Simpósio encerrou com um desejo de aprofundar essas questões e ainda
levantar outras. Infelizmente, os ponteiros do relógio indicam um fim.
Ananda Carvalho
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Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
Nano-Bio-Info-Cogno SKIN
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Natasha Vita More | Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
Esta idéia de uma pele inteligente e transformativa sugere uma sincretização potencial de
quatro campos principais – nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e as
neurociências e ciências cognitivas. O uso destas tecnologias nascentes é tudo menos
humano, pois sugerem tecnologia fria, mecânica e invasiva. As ciências cognitivas e
neurociências são um pouco mais familiares de uma perspectiva biológica, mas também
sugerem mexer com nossos pensamentos e sondar nossa privacidade. Entretanto, estes
campos estão progredindo com rapidez e oferecem um enorme potencial que é relacionado
diretamente a este paper – o aprimoramento de nossa pele humana.
O humano é uma síntese de mais do que células humanas. Algumas dessas células possuem
seu próprio DNA e são conhecidas como micróbios. Alguns desses micróbios são agressivos
e um perigo para nossas próprias células. Outros micróbios apenas aterrissaram sobre e no
interior de nossos corpos e estabeleceram seu próprio domicílio. E ainda outros micróbios,
como as mitocôndrias de nossos intestinos, sempre viveram dentro de nós e nossos corpos
os sustentam porque tais micróbios são benéficos e relevantes para nosso bem estar.
Poderíamos dizer que, já que somos feitos de tantas células que não contêm DNA humano,
nós já somos, de certa maneira, uma combinação de sistemas singularmente distintos.
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Natasha Vita More | Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
Por exemplo, de acordo com o cientista Jeremy Nicholson, temos “mil espécies e mais de
dez trilhões de células bacterianas dentro de nós em qualquer momento dado.” Grande
parte de nossa evolução enquanto espécie foi resultado de bactérias, vírus e outros DNA
estranhos modificando nosso perfil genético. Sem esta convergência celular diversificada,
não teríamos sobrevivido como uma espécie.
Sendo que a maioria das células em nosso corpo não são nossas próprias, podemos nos
ver como superorganismos ambulantes, conglomerados altamente complexos de células
humanas e micróbios. E nossa pele? Bem, nossa pele é efetivamente um zoológico virtual .
Sendo povoado por um sortimento diverso de bactérias. Usando um poderoso novo método
molecular, pesquisadores encontraram evidência de 182 espécies de bactérias na pele
normal e aproximadamente 71,4% do número total de espécies bacterianas era diferente
de indivíduo para indivíduo . Sob esta luz, talvez injetar nano-robôs em nosso corpo não
pareça tão invasivo e possa ser até mesmo benéfico – quiçá tão benéfico, senão até mais,
quanto os micróbios que vivem dentro de nós.
Poderíamos nos perguntar se nossa integração com outros tipos de elementos – como
bactérias – é natural. Poderíamos questionar se seria natural nos integrarmos com outros
tipos de elementos que são não-biológicos, ou se seria crucial e, portanto, considerado
natural, para nós integrarmo-nos com outros tipos de elementos como nano-robôs, agentes
de informação e outros agentes eletrônica e quimicamente carregados que poderiam ter
desenvolvido uma interação mutuamente benéfica, evoluindo posteriormente em direção a
uma simbiose obrigatória.
O que isto significa para os artistas de mídia? Da perspectiva de minha própria prática artística,
isto significa que é natural que humanos integrem-se com outros tipos de organismos, que
evoluiremos com outros tipos de sistemas e que esta evolução é essencial para nosso futuro.
Como isto afeta nosso trabalho como artistas? Oferecendo desafios no aprendizado sobre
novos campos, novas ferramentas e novas visões de mundo. Também oferecendo novos
modos de comunicar, auxiliar, reparar, aprimorar, estender, atualizar e possivelmente efetuar
uploads de nossas mentes em plataformas não-biológicas. Oferecendo desafios para o
modo como abordamos as descontinuidades na base de conhecimento humano que nos
deixou, enquanto espécie, com a tarefa de construir novo conhecimento – novos campos
de investigação: para compartilhar um entendimento comum da estrutura de informação
entre artistas em um contínuo retorno e reavaliação daquilo que sabemos e o que podemos
saber sobre nosso futuro.
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Natasha Vita More | Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
Aqui devemos atentar para os prós e contras de acelerar a mudança tecnológica e decidir
qual tipo de ser humano podemos nos tornar à medida em que aumentamos, aprimoramos
e transformamos nossa biologia humana com novas tecnologias em desenvolvimento. Os
aprimoramentos são resultado de investigações e descobertas científicas, inovações e
aplicações tecnológicas, intenções e métodos projetuais e apelo visual e sensorial, pelos
quais a fisiologia humana é modificada ou transformada. Sugiro que a presença física
humana transformativa, sua biologia e sua cognição e identidade, deverão ser aprimoradas
e remodeladas através de nano-bio-info tecnologias, assim como através das neurociências
e das ciências cognitivas. Aqui, visões de mundo que abordam apropriadamente tais
mudanças e estão investigando como tais mudanças podem afetar-nos tanto individual
como socialmente, como o trans-humanismo, podem buscar a continuação da vida alem
da limitada temporalidade biológica humana atual e enfocar os meios pelos quais a ciência
e a tecnologia poderiam prover de modo ético valores positivos e práticos.
A pela é o primeiro órgão a ser clonado, projetado e cultivado e tem uma forte possibilidade
de ser o primeiro órgão a ser transformado com inteligência artificial geral e nanotecnologia.
Talvez possa ser que o aprimoramento e a transformação sejam uma matéria de vaidade
humana, ou talvez seja matéria de nossa sobrevivência humana. Em ambos os casos, é um
maravilhoso conceito considerar como o quarteto nano-bio-info-cogno de tecnologias e
ciências pode realmente nos ajudar a manter nossa saúde e felicidade ao proteger a própria
membrana que tem por tantos milhares de anos nos protegido.
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Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
Falta
Hoje somos preparados para lidar com uma nova linguagem midiática que vem demandar
uma relação radicalmente nova no que tange a articulação entre corpos e tecnologias.
Trata-se da linguagem tátil-áudio-visual que, herdeira das linguagens visuais, sonoras e
audiovisuais da Modernidade e da Cultura de Massa, ganha formas muito específicas em
mídias que servem a práticas de comunicação, entretenimento e de sociabilidades, como
os consoles e monitores de games, telas sensíveis ao toque (touch screen), celulares, e
arranjos e ambientes midiáticos diversos.
As reflexões que ora se delineiam querem explorar como o corpo vem sendo cultivado
em novas modalidades sensoriais, táteis por excelência, respondendo a uma espécie de
ajuste neuro-cultural (Kerckhove e de Vos) requisitado para se tornar apto para lidar com as
tecnologias midiáticas emergentes. Quais os efeitos e possíveis conseqüências disso para
a cultura contemporânea e futura, serão alguns dos pontos a serem também explorados.
Vinícius Pereira
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Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
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Lula Vanderlei | Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
tinta sobre um plano feita por um homem com seu próprio olhar, suas emoções, seu
pensamento e sua musculatura movendo-se no espaço.
Quando a arte se torna excessivamante narcísica o corpo do artista torna-se superfície- pele
sem interioridade. Encontramos alguns exemplos na arte contemporânea. Principalmente
quando alguns artistas , ao tentar suplantar a exterioridade da imagem (a noção de superfície/
pela) o faz concretamente, mutilando-se, expondo víceras ou se submetendo a cirurgias
para reconfigurar o corpo.
O tema da pele me sugere, de imediato, uma radicalidade. Nela é que localizamos os afetos
intensos. É a pele o último suporte dos processos que determinam nossa forma/identidade
e até mesmo, ouso dizer, a última resistência da metafísica ocidental. Mas é, no entanto, na
sua ambigüidade que reside toda sua redicalidade.
Não sei exatamente quantos anos, mas talvez próximo de um século nos separe de quando
Machado se Assis escreveu o conto “O Alienista”: o médico de Itaguaí, que influenciado
por novos ares do saber europeu, pensa em inaugurar um hospício em sua terra. Esse
médico num esforço reflexivo infinito de separação/purificação tenta classificar e identificar
os loucos da cidade. E quanto mais separa e purifica mais ambigüidades aparecem que o
levam a novo esforço de ordenação. A tarefa de dar sentido à loucura termina produzindo
um não sentido. Machado antecipa, com clareza, a visão do homem moderno, que toma a
razão e a língua como instrumento para as atividades humanas ordenadoras de mundo. Os
objetos se aquietam e se distanciam desse homem reflexivo que busca, sem conseguir, uma
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Lula Vanderlei | Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
identidade perene, uma persona definitiva, mas sempre tendo ao lado a sombra de uma
dissociação pronta a emergir. O próprio mestre de Itaguaí interna-se no próprio hospício
que criou.
Quase um século depois Lygia Clark escreve uma carta para Mário Pedrosa (belo texto
literário) que descreve um documentário sobre o escorpião. Lygia impressiona-se pela forma
horripilante e bela como que o bicho perde e renova a pele constantemente e identifica-
se em seu próprio processo criativo. Na época Lygia tinha criado o conceito de Nostalgia
do Corpo: nunca na história da arte os objetos ganharam tanta vivacidade e autonomia,
necessitando de novas formas de produção e de circulação para a obra de arte. A obra
atinge diretamente nosso corpo a ponto de não existir nem mais o Objeto nem o Corpo, mas
sim a relação que se estabelece entre eles.É o fim da pele/superfície que suporta a nossa
identidade que se acredita estável e que agora terá que ser refeita incessantemente . Lygia
ao romper com a noção antiga de pele/superfície antecipa o fim das certezas absolutas,
das identidades definitivas.
Talvez, em algum ponto entre o médico de Itaguaí e a carta de Lygia a Mário Pedrosa esteja
o porquê do tema de pele/corpo/ afeto tem surgido tão insistentemente nos últimos anos.
Resta saber se é um novo tema acadêmico na moda ou uma nova militância cultural? Sinto
saudade do artista militante.
Não encontro, com clareza, o corpo na Arte Contemporânea. A Arte atual tem tomado o
corpo, apenas, como interlocutor da relação entre arte e ciência. O corpo molecular, o corpo
digital ou o corpo das técnicas de cirurgia plástica ou dissecação anatômica (laminações)
são apenas interlocutores para que as novas premissas da arte e da ciência se encontrem.
Mas talvez sejam alguns momentos da dança contemporânea, onde o corpo é recolocado
em cena por caminhos novos de poesia e saber.
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Lula Vanderlei | Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
A idéia que tenho da pele, trazida pelo olhar, é a de uma superfície envolvendo um corpo que
se desloca no espaço. Nele inscrevemos os códigos da comunicação do nosso corpo com
o mundo. A roupa é um deles: uma segunda pele que resignifica nosso corpo. Assistindo um
exposição de Jana Steinbek, em uma visita ao Museu da Arte Contemporânea de Marselhe,
na qual algumas obras (roupas) eram vestidas por modelos, assaltou-me a lembrança de
uma observação de um amigo (Marcio Doctor) a respeito da roupa na arte brasileira: ao
contrário da produção artística européia/estadunidense, não desfilamos com nossa arte
sobre o corpo. Não desfilamos com o Parangolé de Hélio Oiticica, com o Manto do Bispo
do Rosário ou com a Roupa- Corpo – Roupa de Lygia Clark . Ela envolve nosso corpo e nos
arrebata para uma experiência orgânica – vivencial/espiritual.
O que nos distingue? É a origem da roupa na arte brasileira? Algum traço cultural em
relação ou corpo/pele: um corpo mais fluido talvez?
A dobra e o corte, tão cara aos concretistas brasileiros, trazem, além de múltiplas
possibilidades para a leitura obra, o envolvimento do corpo através do tato, dando novo
significado à materialidade da arte. Logo, no percurso de Hélio e Lygia ela perderia a rigidez
e envolveria o corpo todo nos arrebatando para uma experiência orgânica – vivencial/
espiritual.
Se apele é um jardim selvagem que se define pela sua porosidade qual o significado
do toque num mundo em que o ser humano se transforma cada vez mais num hibrido
geneticamente modificado?
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Lula Vanderlei | Camadas de Pele / Pele em Camadas | Mesa 5 [ F.A.q.2 ]
O que aprendi tocando o corpo (e por extensão com a pele) a transitar entre espaços, que
é um pouco diferente de ser diverso/plural. É aceitar as ambigüidades e transitar entre.
Costumo dizer que vivemos na Era da Borracha, como antes tivemos a Era do Fogo, da
Pedra Lascada, do Ferro, etc . A borracha é flexível: adapta-se e ao mesmo tempo põe
resistência. Eu posso resistir a essa exagerada velocidade do tempo da vida contemporânea
e, simultaneamente, aceitar as novidades.
Deve-se localizar melhor quando se fala de corpo. Se mente e corpo são ou não
coisas distintas é somente uma questão de linguagem?
Hoje, sobre o clarão das novas descobertas ( principalmente da Neurociência) fica difícil
estabelecer fronteiras nítidas entre a mente e corpo assim como, também, entre o pensamente
e ambiente. A própria Psicanálise começa a reavaliar a questão do afeto; essa instância
intermediária capaz de unir corpo e mente. Antes, como me sugere o conto de Machado
de Assis que citei no início ( O Alienista), o afeto era visto como algo traumático que deveria
ser excluído para o surgimento do homem reflexivo que tinha a razão e a linguagem como
instrumentos para classificar/ordenar o mundo. A língua portuguesa tem uma imagem
lingüística tão bela para descrever a intempestividade dos afetos da qual proponho hoje
não termos medo: A flor da pele.
Lula Vanderlei
| 130
? [ F.A.q.2 ]
Índice de Perguntas ?
O que é a percepção?
Aquilo que percebemos é resultado dos estímulos externos -- imagens, sons, aromas,
toques, sabores, etc... --, ou há algo de criação, de invenção nossa, naquilo que é o nosso
“mundo”?
| 131
Ficha Técnica [ F.A.q.2 ]
e-Book
Coordenação editorial Camila Duprat Martins
Projeto gráfico e fotos Theo Craveiro
Relatos Ananda Carvalho e Tete Tavares
Revisão Dulce Rosell Marques
Tradução Francisco Raul Cornejo
Foto da Capa Público interagindo com o trabalho Shiva, de Paulo Nenflídio
ISNB FALTA
[
São Paulo Brasil, 2009
| 132
Ficha Técnica [ F.A.q.2 ]
[
Serviço Social do Comércio
Administração Regional no Estado de São Paulo
Superintendências
Técnico-Social Joel Naimayer Padula
Comunicação Social Ivan Giannini
Gerências
Ação Cultural Rosana Paulo da Cunha
Gerente Adjunto Paulo Casale
Assistente Marcelo Bressanin
Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone
Gerente Adjunta Andrea de Araújo Nogueira
Assistente Vinícius Demarchi Terra
Artes Gráficas Helcio Magalhães
SESC Ipiranga
Gerente Mariângela Abbatepaulo
Gerente Adjunta Cristiane Lourenço
Assistentes André Luiz Santos, Ines Guilhem, Jose Aparecido
Fernandes, Gilberto Martins, Pedro Carlos dos Santos,
Thais Helena Queiroz
Programação Suzana Garcia, Soraia Iola Galves e Cíntia Nishida
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133
[
[
sincretismo dos sentidos
e-book
e-book
2009
| 134