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LANA DE SOUZA CAVALCANTI

PENSARPELA
GEOGRAFIA
ensino e ·relevância social
© Autoras e autores - 2019

A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio,


seja total ou parcial, constitui violação da Lei n. 9.6 10/98.

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto n . 1.825,


de 20de dezembro de 1907.

Comissão Técnica do Sistema Integrado de Bibliotecas Regionais (SIBRE),


Catalogação na Fonte

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP)


(Elaboração: Filipe Reis)

Cavalcanti, Lana de Souza.


C 3 76p Pensar pela Geografia : ensino e relevância social /Lana de
Souza. - Goiânia : C&A Alfa Comunicação, 2019.
232p.

ISBN 978-85-5791-026-3

1. Geografia . 2. Ensin� de Geografia. 3. Relevância social. I .


Título .

CDU: 910.1
© Autoras e autores - 2019

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seja total ou parcial, constitui violação da Lei n. 9.610/98.

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de 20de dezembro de 1907.

Comissão Técnica do Sistema Integrado de Bibliotecas Regionais (SIBRE),


Catalogação na Fonte

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP)


(Elaboração: Filipe Reis)

Cavalcanti, Lana de Souza.


C 376p Pensar pela Geografia : ensino e relevância social /Lana de
Souza. - Goiânia : C&A Alfa Comunicação, 2019.
232p.

ISBN 978-85 -5791-026 -3

l. Geografia . 2. Ensin� de Geografia. 3. Relevância social. I .


Título .

CDU: 910.1
© Autoras e autores - 2019

A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio,


seja total ou parcial, constitui violação da Lei n. 9.610 /98.

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto n . 1.825,


de 20 de dezembro de 1907.

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Catalogação na Fonte

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP)


(Elaboração: Filipe Reis)

Cavalcanti, Lana de Souza.


C 376p Pensar pela Geografia : ensino e relevância social /Lana de
Souza. - Goiânia : C&A Alfa Comunicação, 2019.
232p.

ISBN 978-85 -5791-026-3

1. Geografia . 2. Ensin� de Geografia. 3. Relevância social. I .


Título .

CDU: 910.I
SUMÁRIO

Introdução. ..... ............................ . .... .. .... 9

1 Permanências, persistências e desafios de renovações no/do


ensino de Geografia: um balanço do contexto brasileiro nas
últimas décadas...................................... 17

2 Formação do pensamento geográfico para orientar práticas


espaciais cotidianas: a reafirmação de um posicionamento
teórico .. .... ... ... ............. ..... ........ ... .. . . 61

3 Formação de conceitos: significados e sentidos do conteúdo


escolar como meta para o ensino de Geografia .. ... ... ... 101

4 O desenvolvimento do pensamento geográfico: orientação


metodológica para o ensino. .... .. ...... .... ... .... .... 139

5 Sentidos e significados dos sujeitos no processo de ensino:


a relevância da linguagem ............................. 181

Referências bibliográficas .............. .. ............. .. . 217


INTRODUÇÃO

Quando escrevemos livros, desejamos que estes modifiquem inteira­


mente tudo aquilo que pensávamos e que, no final, nos percebamos
inteiramente diferentes do que éramos no ponto de partida. Depois
nos damos conta de que no fundo pouco nos modificamos. Talvez
tenhamos mudado de perspectiva, girado em torno do problema, que
é sempre o mesmo, isto é, as relações entre o sujeito, a verdade e a
constituição da experiência (FOUCAULT, 2010, p. 289).

A
epígrafe supracitada realça meu sentimento ao terminar de
escrever este livro, muito parecido com a opinião do autor.
De fato, quando iniciamos uma empreitada como essa, nem
mesmo sabemos se vamos até o final, ou qual será o seu final.Planejei,
para a escrita do livro, um trabalho de reflexão a partir de meus mais
de 30 anos de experiência como professora, orientadora, pesquisado­
ra e escritora de textos resultantes das investigações realizadas.
Acreditei, de fato, quando me propus a essa tarefa, que a nar­
rativa poderia me levar a lugares desconhecidos, que ela mesma iria
modificar minhas crenças e convicções, acrescentar novos aportes.
No entanto, ao terminá-la, percebo que pouco modifiquei, talvez
tenha apenas mudado um pouco de perspectiva, e girado em torno
do mesmo problema: como atuar no ensino de Geografia de modo

9
que ele seja significativo para os alunos. Efetivamente, o que fiz foi
avivar essa questão em uma linha de pesquisa e de reflexão teórica
que persigo com certa coerência ao longo de minha carreira.
Algo acrescentei, algum aprofundamento acredito que foi
possível realizar, alguns aportes mais explícitos. Busquei fazer sín­
teses, esclarecer e simplificar pontos complicados, sistematizar
muitas contribuições de outros investigadores no tema. Certamen­
te, nem sempre tive sucesso nessa busca. E agora que termino o
texto, faço o convite para a sua leitura, compreendendo a natureza,
os objetivos da narrativa e seus limites.
As questões que orientaram a narrativa e meu esforço de
compreensão, desde o início, foram: A Geografia ajuda a pensar?
Como ela ajuda a pensar? O que ela ajuda a pensar?
Entre as perguntas mais constrangedoras, do ponto de vista
de alunos que estudam Geografia e para muitos professores dessa
disciplina, seguramente, está aquela que indaga "para que serve a
Geografia?". Logo em seguida vem outra igualmente inquietante:
"O que é Geografia?" As respostas a essas questões são frequente­
mente muito genéricas e abstratas, no sentido de atribuir-lhes ele­
mentos muito gerais que pouco ajudam a compreender de fato o
que é esse campo de conhecimento, a ponto de haver respostas do
tipo: "Ah! Geografia é tudo! Ela está em toda parte!".
Em razão das dificuldades de elaboração de respostas mais
precisas a essas questões, tenho me esforçado em ajudar meus alu­
nos, futuros professores de Geografia, a encontrarem formas mais
seguras de respondê-las. "O que é Geografia e para que ela serve?".
Eu costumo dizer que a Geografia serve na escola e na formação das
pessoas para pensar - essa é sua utilidade maior. Não se trata, nesse
caso, de indicar nas respostas utilidades diretas, imediatas, de aplica­
ção do conhecimento geográfico. Não são questões que exigem reso­
luções diretamente práticas. Mas, por outro lado, elas indicam que a
Geografia tem singular e importante utilidade, porque ela serve para

10 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social.


pensar. E pensar não é pouca coisa, porque, ao se estudar Geografia,
os conhecimentos produzidos por essa ciência, desenvolve-se um
modo peculiar de pensamento. Pensar está diretamente ligado aos
modos de ser de quem pensa e, por sua vez, aos modos de atuar do
sujeito que se orienta por seu pensamento. Assim, ressalta-se o pen­
sar, mas em sua necessária inter-relação entre pensar, ser e atuar, o
que atribui relevância social ao estudo da Geografia.
Animada pelo desejo de formular de modo mais claro e explí­
cito o que pode ser entendido hoje como essa peculiaridade da
Geografia, que julgo s_er algo relevante tanto para professores quan­
to para alunos, concluí que valeria a pena investir na empreitada
deste livro e alinhavar de diferentes modos elementos de com­
preensão dessas premissas: a Geografia serve para pensar, ela ajuda
a pensar; no ensino se ensina a pensar pela Geografia. De fato, po­
de-se partir desse princípio, contudo, em seu esteio, outras ques­
tões surgem, como a seguinte indagação: qual a contribuição da
Geografia para o desenvolvimento do pensamento? Considerando
que não é qualquer Geografia que ajuda a pensar, então, ainda se
pode questionar: que Geografia ajuda a pensar?
Diante dessa problematização, infere-se que é muito relevan­
te, tornando-se mesmo uma tarefa básica de um trabalho geográfi­
co, o delineamento seguro de seu enfoque e de seus resultados
como expressão de um pensamento específico. Quando as possibi­
lidades temáticas são muitas e os caminhos metodológicos varia­
dos, como é o caso da Geografia praticada atualmente, a necessida­
de de clareza sobre o que é uma abordagem geográfica é ampliada.
Com efeito, considerando um fenômeno a ser estudado, analisado,
pode-se fazer questões iniciais: trata-se de um fenômeno geográfi­
co? Existe um fenômeno que seja estritamente geográfico? Ou: po­
de-se fazer uma análise geográfica desse fenômeno? Pode-se com­
preender esse fenômeno pela Geografia? Se as respostas são positivas
a essas questões, seguem-se outras igualmente necessárias a saber:
qual é a abordagem geográfica? O que faz uma análise se constituir

INTRODUÇÃO 11
como geográfica? Como saber se essa análise expressa um tipo de
pensamento geográfico?
Sobre o debate disciplinar, Gaffuri (2003) faz uma instigante
interrogação ao iniciar seu texto: Que significa habitar uma discipli­
na? Preocupado com as demandas interdisciplinares na produção
científica mais recente, o autor traz argumentos e questões metateó­
ricas sobre o debate em torno do problema da unidade e da diversi­
dade da Geografia, como ciência ou como um conjunto complexo de
saberes, presente na vida social e no imaginário. Defende a posição
de que é positivo passar de uma concepção normativa do disciplina­
mento para uma concepção autorreferencial. A primeira, segundo
sua visão, atribui objetos e métodos às disciplinas, delineia as frontei­
ras de forma mecânica e com base em normas, enquanto que a se­
gunda não traça limites, pois sua legitimação está relacionada à· sua
capacidade de sobreviver, criando identidade com base na qual reside
uma práxis (GAFFURI, 2003, p. 92). Nessa concepção, importam
menos os objetos e métodos, e mais os problemas apresentados pelos
sujeitos da ciência, individuais ou coletivos, que se dedicam à prática
da Geografia. Mas, sobre essa última concepção, faz um alerta para
os perigos do pragmatismo a ela relacionados, favorecendo investiga­
ções que ficam submetidas a soluções práticas.
Outro geógrafo que também destaca critérios para a distinção
ou delimitação de uma ciência é Uwin (1995). Em sua formulação,
como criações humanas, as disciplinas são objeto de discussões, não
existindo critério único para estabelecer suas fronteiras. Mas, em ge­
ral, há quatro maneiras de se estabelecer sua identificação:
[...] La primera propone sencillamente que una disciplina es la ativi­
dade colectiva de las personas que la practican[...]. La segunda forma
en la que se há intentado distinguir una disciplina de outra consiste
en hacer referencia al objeto de estúdio o temática de cada una[ ...]. En
tercer lugar, las disciplinas también se han descrito en términos de
metodologias o técnicas aplicadas[...]. La cuarta forma de definir una
disciplina trata de evitar esta postura repetitiva, centrando-se en el

12 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


de tipo de preguntas que se plantea cada disciplina y el modo de abordar­
las.1 (UWIN, 1995, p. 25-26, grifos meus)

nte Considero interessante, para a linha de argumentação que bus­


'Jli­ co seguir ao longo dos textos, trazer ainda outro geógrafo: Gomes
;:ão (2013), que argumenta sobre o que é específico na produção geográ­
fica.Nesse livro, e em outras produções, esse autor apresenta um en­
rsi­ tendimento de que a Geografia é um certo olhar sobre as coisas, pois,
de em sua compreensão, o ponto de vista geográfico traz nova aborda­
?º gem - formas de olhar - ao objeto. Seu objetivo, esclarece, não é so­
na- mente "acrescenta� conteúdo a um tema, estamos nos perguntando
ido sobre as possibilidades de descobrir novas questões a partir de um
tei­ 'novo olhar"' (GOMES, 2013, p. 16). Trata-se de "uma forma de pen­
se­
sar, uma maneira, original e potente, de organizar o pensamento",
argumenta o autor, em outra obra (Idem, 2017, p. 13), buscando se
rua
guiar na discussão da identidade e das possibilidades de apreender o
·de
sentido do campo da Geografia.
am
. os Este livro seguiu, assim, a preocupação em desenvolver ideias
ica sobre a Geografia. Inicialmente fui motivada a fazer um balanço des­
ara se campo no contexto brasileiro, com destaque para a Geografia Es­
ga- colar, nas últimas décadas, sobretudo a partir da década de 1990,
para compreender, ainda que esquematicamente, os debates e as pro­
duções representativas a cada época que se propuseram a explicar a
ção Geografia e o seu papel social e político. Nesses debates, tem sido
;ão, cada vez mais recorrente salientar a amplitude e a pluralidade da
a.ão Geografia para a produção e organização de dados e para a análise
ge- dos resultados que são derivados. De fato, esse campo disciplinar tem
atuado na pesquisa e na formação de pessoas com diferentes aportes
:r',i­
r.:na 1 [ ...] A primeira propõe simplesmente que uma disciplina é a atividade coletiva das pes·
iste soas que a praticam[...]. A segunda forma na qual se tem tentado distinguir uma disci·
plina de outra consiste em fazer referência ao objeto de estudo ou temática de cada uma
.En
[ ... ]. Em terceiro lugar, as disciplinas também descrevem-se em termos de metodologias
;. de ou técnicas aplicadas [...] A quarta forma de definir uma disciplina trata de evitar essa
una postura repetitiva, centrando-se no tipo de perguntas que se coloca cada disciplina e o
n el modo de abordá-las (UWIN, 1995, p. 25-26, tradução livre).

ocia1 INTRODUÇÃO 13
referentes tanto à Geografia física como à Geografia humana, para
ficar com as duas "linhas" da pesquisa geográfica mais tradicionais.
Isso ampliou, no campo, sua capacidade de coletar, analisar e visua­
lizar grandes quantidades de dados, com os avanços das tecnologias,
como os referentes ao Sistema de Informações Geográficas - SIG,
reconstruindo virtualmente ambientes, evidenciando interconexões
entre as condições biofísicas da Terra e as práticas sociais, as ativida­
des humanas e seus impactos ambientais. Em outro campo de inves­
tigação, para continuar nas exemplificações, produz-se muito hoje,
na linha da denominada Geografia Cultural, geografias imaginadas
e místicas, interpretativas. Todas essas novas áreas e temas de explo­
ração geográfica trazem desafios para a análise e interpretação, pois
elas são alimentadas por reflexões, teorias, propostas metodológicas.
Todos esses "modos" de fazer Geografia podem ter respostas para o
que é e para que serve esse campo da ciência.
A produção de conhecimentos na Geografia, que toma o pró­
prio pensar e o fazer científico como objetos de estudo, gerou uma
necessidade de deixar mais claras as ideias em torno desse tema,
reafirmando algumas convicções e retomando outras. Assim, o li­
vro foi sendo "costurado", buscando em cada texto abordar com
mais profundidade aspectos sobre esse modo peculiar de olhar a
realidade: o olhar geográfico, o pensamento geográfico, sempre de­
lineando nos textos a particularidade de uma prática da Geografia
- a prática de seu ensino.
No campo desse ensino, Diamantino Pereira, em 1999, já
afirmava a necessidade de se ter clareza sobre o que vem a ser uma
questão geográfica. Refletindo sobre as propostas para o ensino de
Geografia naquele contexto, o autor chama a atenção para o fato de
que os conteúdos são tradicionalmente os definidores do trabalho
na escola, e defende que é preciso ir além dos conteúdos e articular
os ol;>jetivos e conceitos para que os conteúdos tenham maior senti­
do no trabalho (PEREIRA, 1999). Baseado em contribuições de
Paulo Freire, esse autor afirma que a Geografia deve ajudar o aluno

14 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


a fazer leitura do mundo, a partir da espacialidade dos fenômenos,
que são naturais e sociais ao mesmo tempo.
É assim que as ideias estão expostas no livro, numa perspec­
tiva reatualizada de um pensamento inquietante, para que se reti­
rem dele algumas orientações substantivas às questões norteadoras
do pensamento geográfico e do processo de seu desenvolvimento
como principal contribuição da Geografia para o ensino.
Ao final, considero que consegui, apesar de muitas limita­
ções, produzir e/ou reproduzir algumas ideias-chave para contri­
buir com a tarefa que todos nós, geógrafos, educadores, pesquisa­
dores, temos, de defender a Geografia como disciplina de
fundamental relevância na formação das pessoas, na formação dos
cidadãos. Igualmente, faz parte dessa tarefa, ainda que não esteja
explícita nos textos desse livro, a defesa da escola pública e da for­
mação escolar para a prática cidadã.
Nesse sentido, quero continuar a investir esforços para con­
vencer as pessoas de que ser professor é muito significativo, é muito
importante. Ser professor de Geografia é poder evidenciar proces­
sos espaciais que têm implicações no cotidiano das pessoas, em di­
ferentes escalas. Sobrelevo, e ainda, que fazer e conhecer Geografia
é um modo de ser e, também, de se conhecer como pessoa, como
cidadão, como sujeito social. É uma maneira de atuar na vida. Por
conseguinte, a Geografia interfere nos modos de viver a vida, pois
afeta a relação das pessoas com o mundo.

INTRODUÇÃO 15
1 PERMANÊNCIAS, PERSISTÊNCIAS
E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES
NO/DO ENSINO DE GEOGRAFIA
um balanço do contexto brasileiro
nas últimas décadas

proposta de narrativa indicada no título deste capítulo -

A permanências, persistências e renovações - é a de realizar


um olhar para os anos que se passaram e de buscar fios que
ligam os diversos movimentos da trajetória do ensino de Geografia
no Brasil. Com isso, tem-se a intenção de elucidar melhor seus pon­
tos de ligação, esperando iluminar também pontos abertos a serem
desdobrados na continuidade da construção rumo a uma melhor
Geografia, a uma melhor formação, a uma melhor sociedade. Esse
olhar para trás tem, assim, o sentido de seguir adiante, buscando as
persistências e insistências para reafirmá-las e dar-lhes novos ali­
nhamentos e pontuações.
Essa proposta exige uma análise do conjunto de seu objeto: o
ensino de Geografia, considerando seu contexto histórico e geográ­
fico. No entanto, fazer um balanço da ciência geográfica e sua pro­
dução, mesmo que seja de uma de suas inserções, o ensino desta
ciência no contexto brasileiro, em sua atualidade, é uma tarefa mui­
to difícil e nem de longe é possível fazê-la em um texto como esse.
Busca-se, na verdade, com esse levantamento, apontar aspectos
considerados importantes para a compreensão dos modos pelos
quais tem sido realizada a Geografia Escolar, na pesquisa e no ensi-

17
no, segundo uma leitura muito particular: minha própria experiên­
cia nessa área, nesses últimos 30 anos, ainda que apoiada também
na experiência de outros colegas e em estudos feitos por eles.
Gostaria de fazer esse apanhado histórico na forma de depoi­
mento, trazendo para a narrativa, em estilo leve e simples, pontos
que subjetivamente marcaram minha trajetória acadêmica, partici­
pante desse desenrolar dos fatos e minhas interpretações sobre eles.
Porém, minha inserção profissional e meu compromisso acadêmico
me impõem uma sistematização mais formal desses pontos. Tenho
expectativa, de todos os modos, de apresentar uma leitura pessoal
dos fatos e acontecimentos, ciente da parcialidade e limitação da ex­
periência que compartilho com o meio acadêmico e educacional.
Ao tentar fazer esse breve apanhado de um período mais re­
cente de discussões e propostas para a prática da Geografia com o
ensino escolar, considerei que deveria apresentar, de antemão, al­
guns esclarecimentos. Um primeiro a ser feito: a articulação entre
ideias e autores, a se cumprir na análise, não significa que haja uni­
cidade entre eles, nem mesmo dominância de algum deles nos pe­
ríodos em que produziram suas ideias. Afinal, cada contexto é ca­
racterizado por um conjunto de debates e intercâmbios que
permitem o esboço de diferentes caminhos individuais e de grupos,
sem padronizar as ideias que circulam em qualquer um dos contex­
tos. Por exemplo, ao mencionar formulações em Geografia Cultu­
ral, uma linha da Geografia muito significativa nos últimos anos, é
preciso alertar que se trata de uma denominação que agrupa várias
tendências e diferentes articulações, mas, também, representa um
paradigma com denominador comum. Da mesma forma, ao no­
mear contribuições da Geografia Crítica, é preciso se ter a clareza
de que há uma pluralidade de tendências ou de entendimentos que
assim se nomeiam. Porém, em relação aos princípios teóricos e filo­
sóficos gerais, há mais elementos comuns que divergências. Outro
esclarecimento é sobre a seleção de ideias, de autores que as formu­
laram e o seu destaque em cada contexto. Tal seleção procurou ser,

18 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


l­ ao máximo, criteriosa e rigorosa, mas foi orientada prioritariamen­
n te pela repercussão entre os que estiveram e/ou estão envolvidos no
tema, professores da rede básica de ensino e professores universitá­
i­ rios, especialistas nas questões referentes ao ensino, entre os quais
>S me incluo. Esclareça-se ainda que os movimentos que ocorreram
i­ no âmbito da escola e da Acad.emia, que caracterizam a Geografia
s. brasileira, não abordaram necessariamente questões novas e pecu­
liares à realidade brasileira. Muitos debates, fontes e implicações
:o
lO foram repercussões, inclusive do desenvolvimento da ciência, da
al educação e da Geografia, em diferentes partes do mundo, que exer­
ceram efetiva influência no contexto brasileiro. No entanto, aqui,
busca-se ressaltar os modos como esses movimentos foram mode­
lando a Geografia que se tem produzido nesse País, em especial a
e- Geografia Escolar.
o
l- A finalidade, com a análise desse período e o seu desenrolar, é
re reafirmar aspectos já conhecidos pela comunidade acadêmica; acen­
ll­ tuar aqueles que considero particularmente relevantes para se enten­
e­ der o movimento do ensino no contexto brasileiro; e, quem sabe, evi­
a­ denciar alguns outros que não foram ainda tratados suficientemente
.ie nos vários estudos que conhecemos sobre essa temática.
IS, Antes ainda de iniciar essa narrativa sobre o movimento do
x­ ensino de Geografia nos últimos tempos, avalio ser importante co­
u- locar outras ideias gerais. Uma delas é a de que o conhecimento é
> é situado no tempo e no espaço, e é nessa situação que os sujeitos vão
as produzindo e colocando novas demandas para seu avanço. Assim
m ocorre com a ciência, assim também ocorreu com a Geografia e seu
0- ensino. Outra ideia é a de que os balanços possíveis de serem feitos
za sobre essa produção e suas repercussões práticas são seleções. De­
ue pendem, pois, de quem as faz, são operações realizadas por sujeitos
. 0- determinados. Portanto, podem existir diversas interpretações so­
TO bre esses mesmos períodos, e com diferentes seleções de fatos e
lU­ acontecimentos, ainda que tenham o mesmo foco. Uma última
er, ideia: é possível fazer essa empreitada a partir de marcos, de pontos

tdal PERMANÍNCIAS, PERSISTÍNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 19


referenciais mais acentuados, já reconhecidos por parte daqueles
que estudam a temática, com o pressuposto de que compreender o
processo de construção de uma linha de trabalho é importante
para seguir adiante por caminhos mais seguros. Esse é o propósito
deste texto: pontuar alguns marcos, fatos e acontecimentos que fo­
ram significativos na tr_ajetória recente da Geografia brasileira e
seus desdobramentos no campo da reflexão teórico-metodológica
do ensino dessa disciplina. Nesse sentido, busca-se argumentar so­
bre seus rebatimentos na prática escolar a partir das questões: have­
ria correspondência entre essas reflexões, propostas no âmbito da
Geografia Acadêmica e as práticas da Geografia Escolar? Que tipo
de correspondência é possível identificar entre esses dois âmbitos
da produção e da prática com essa disciplina?
Seguindo essas ideias, este capítulo apresenta inicialmente
aspectos do chamado Movimento de Renovação da Geografia bra­
sileira, a partir da década de 1980. Em seguida, são colocados al­
guns elementos desse mesmo movimento que se referem mais dire­
tamente ao ensino. No próximo item, estão elencados indicadores
do que se poderia interpretar como uma nova fase no campo do
ensino de Geografia, na passagem do século, marcada aqui no pe­
ríodo de 1990 e 2010. Para finalizar, definida como uma fase atual,
a partir de 2011, pontuo movimentos de permanência, resistência e
renovações, que são desafios para o ensino dessa disciplina.

A renovação da Geografia brasileira e de seu ensino - marcos


reconhecidos do movimento das décadas de 1970/1980

A discussão da renovação da ciência e de sua prática


No final da década de 1970 e ao longo da década de 1980, ha­
via sinais de mudanças no ambiente acadêmico como parte de um
novo quadro político e social que se vivenciava. Nesse contexto,
ocorriam também na Geografia brasileira propostas de mudança

20 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


em seus rumos teóricos e metodológicos, o que ficou conhecido por
todos nós da área como "Movimento de Renovação da Geografia".
Tratava-se de um movimento que questionava a tradição da Geo­
grafia brasileira, que havia se institucionalizado basicamente a par­
tir da década de 1930, com forte influência da Geografia Clássica
francesa. Esse fato e acontecimentos políticos no contexto brasilei­
ro - o processo de abertura política pós-ditadura, a superação de
normas educativas impostas pelo regime militar e o movimento
pela anistia política, com a lei subsequente (1978) - conferem a esse
período a característica de anúncio de mudanças nas práticas do
ensino básico da Geografia, antes marcadas pelo tradicionalismo e
enciclopedismo, e nas práticas de formação profissional nessa área.
Em relação aos projetos de formação em nível superior, ocor­
ria, nesse período, a transição de uma formação tradicional para a
inserção, pouco a pouco, de elementos de novas orientações, em
disciplinas dos cursos, como as que se referiam à Cartografia, à
Geografia Física, à Geografia Regional. Essa última, a Geografia
Regional, passava a explicar as diferenças regionais no mundo e no
Brasil com os referenciais do marxismo e com a teoria do desenvol­
vimento desigual e combinado, associando o grau de desenvolvi­
mento de uma região à produção de processos históricos e sociais,
no mundo capitalista, e às suas possibilidades de articulação com
outras regiões, conforme a divisão territorial do trabalho. Essa di­
visão resulta na exploração de uma região pela outra e no alcance
de níveis diferenciados de desenvolvimento das forças produtivas.
Na Cartografia, a introdução da Semiologia Gráfica com
orientações para dar relevo à visibilidade do mapa, como instru­
mento de comunicação, já anunciava sua relevância, desde que re­
novada, como linguagem da Geografia. Na Geografia Física, havia
um destaque para a análise sistémica e para o estudo das ações an­
trópicas nos ambientes naturais. Essas transformações na Geogra­
fia Acadêmica eram resultado de movimentos por uma nova Geo­
grafia, que haviam se iniciado em anos anteriores, frente a uma

PERMANÊNCIAS, PERSIST!lNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 21


"velha" Geografia, que já não mais satisfazia os profissionais que
com ela lidavam.
Referência fundamental dessa época foi Milton Santos (1979),
com a publicação de seu livro Por uma Geografia Nova, em que
buscava produzir, para álém da denúncia do comprometimento
ideológico da Geografia oficial, uma teoria de seu objeto: o espaço
geográfico. Esse e outros autores, como Ruy Moreira, Antonio Car­
los Robert Morais, Carlos Walter Porto Gonçalves, Ariovaldo Um­
belino de Oliveira, José William Vesentini, Manuel Correia de An­
drade, Armando C?rrêa da Silva, formulavam argumentações que
questionavam limites teóricos e práticos das perspectivas domi­
nantes na época - a chamada vertente clássica e a analítica (quanti­
tativa). Em comum, esses autores se colocavam como comprometi­
dos com o papel social da Geografia e buscavam produzir
reformulações em seu discurso para atender a esse compromisso.
Além dessas referências, no contexto brasileiro, é importante
também destacar, entre as produções internacionais, a influência
de textos de Yves Lacoste, Henri Lefebvre e Pierre George nas dis­
cussões sobre a teoria e a análise na Geografia, com fins de mostrar
seus limites e propor sua renovação.
O que ensinavam esses autores? Como contribuíram para o
desenrolar da Geografia e da Geografia Escolar? Naquele momen­
to, em espaços de debate, de divulgação de ideias, salientando-se o
papel fundamental que teve a AGB nesse contexto, junto a outras
associações científicas e políticas ligadas à educação, e em artigos e
livros publicados, esses autores afirmavam uma Geografia que esti­
vesse comprometida com o desenvolvimento e a justiça sociais; que
se colocasse a serviço da transformação social; que realçasse seu
papel de "desvendar máscaras sociais" (MOREIRA, 1982); que de­
nunciasse as contradições sociais expressas no espaço, sobretudo
no mundo subdesenvolvido. Com isso, denunciava-se a impossibi­
lidade de uma neutralidade na ciência, como alguns outros pesqui­
sadores defendiam, e advogava-se um conhecimento geográfico

22 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


com conteúdo político e como instrumento de libertação do ho­
mem. Para cumprir esse papel, era necessário que se questionassem
seus fundamentos teóricos, suas epistemologias, que davam origem
a conhecimentos excessivamente empíricos, que tomavam como
dicotômicos o homem e a natureza e que primavam por uma carto­
grafia cartesiana.
Uma importante contribuição teórica desse período, para su­
perar uma produção científica restrita, foi a discussão sobre o obje­
to da Geografia: o espaço geográfico. Moreira (1992), ao fazer um
balanço dos dez anos de renovação, menciona a contribuição de
Milton Santos e reforça que a base teórica da Geografia da renova­
ção era a historicidade do espaço:

Como que num repente, descobre-se a pólvora: a historicidade do es­


paço. Ao longo de suas páginas [referindo-se ao livro de Milton San­
tos], verifica-se que o espaço é produto da história. Com ele, a histori­
cidade do espaço entra em cena na Geografia, e isto tem um impacto
extraordinário. Se o espaço tem natureza histórica, seu modo de en­
tender muda de todo. Mais que isso: se é ele o objeto da Geografia,
então também nela tudo muda de todo, uma vez que tudo é historici­
dade (MOREIRA, 1992, p. 09).

Nesse balanço dos 10 anos de renovação (de 1978-1988), Mo­


reira (1992) aponta limites para avanços maiores do Movimento, en­
tre os quais, são citados: o viés empiricista da linguagem dos gráficos,
fotos e mapas; a ausência do sujeito na relação com o objeto; o traba­
lho com a natureza sem a presença do homem pela Geografia Física;
a falta de um conceito de espaço.Enfim, a julgar por essa análise, esse
período foi marcado por um avanço na denúncia e na discussão do
papel da Geografia na sociedade, resultando no que ficou rotulado
como Geografia Crítica. No entanto, essa ainda necessitava de apro­
fundamento teórico e metodológico para a análise e produção de co­
nhecimentos a serem realizados pelos geógrafos. São questionamen­
tos do autor direcionados a esse aprofundamento:

ri PERMANtNCIAS, PERSISTtNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 23


"Há algo que mereça a designação de questão geográfica envolvendo
a sociedade como· tema de debate a ponto de ela necessitar de uma
ciência e seus especialistas? Se existe, o que é ela mesma e sua cara? E
qual o seu código linguístico?" (MOREIRA, 1987, p. 28).

Já está, portanto, explicitada a preocupação quanto ao que é


Geografia e para que serve.

Na escola: o papel político da Geografia Crítica


Esse Movimento, sobretudo nesses primeiros dez anos, é e
deve ser considerado um marco na Geografia e no ensino. Porém,
no que diz respeito especificamente ao ensino, é importante que se
ressalve o fato de que faz parte da sua história no Brasil a busca por
renovações, desde o início da república. Portanto, essa preocupação
já existia muito antes desse Movimento, e mais explicitamente com
a contribuição de Delgado de Carvalho, considerado por muitos
pesquisadores (cf. VLACH, 2004) o responsável pela implantação
da Geografia Moderna (científica) nas escolas brasileiras, alterando
a Geografia Tradicional, entretanto sem eliminá-la por completo. A
preocupação desse geógrafo, já no início do século XX, estava em
buscar formas de superar uma disciplina de nomenclatura, enciclo­
pédica e mnemônica, sem sentido prático no cotidiano dos estu­
dantes. Entendia ele que, para operar as mudanças, era necessário
voltar a atenção aos métodos de ensinar (VLACH, 2004). Essa in­
quietação quanto à prática do ensino dessa disciplina e a procura
por lhe dar mais sentido, reformulando conteúdos e métodos, se­
guiram como um desafio em todo o século, chegando aos anos 1980
com o Movimento de Renovação, com a consciência da necessidade
de novas práticas.
No contexto dessa primeira etapa do Movimento, a divulga­
ção das ideias de renovação da Geografia fora do âmbito da Acade­
mia ocorria em diferentes espaços e de diversas maneiras, mas po­
de-se destacar como veículo fundamental a Associação de

24 Pensarpela Goograjia: ensino e relevância soda!


Geógrafos Brasileiros (AGB), que realizava encontros com a parti­
cipação de estudantes, futuros professores, e professores já atuantes
e publicava artigos de circulação ampla. Em 1987, essa associação
realizou o I Encontro Nacional de Ensino de Geografia: FALA
PROFESSOR, em Brasília, reunindo 2 mil participantes (CACETE,
2007). Tendo como público-alvo os professores da escola básica, o
evento objetivava a aproximação com esse público para debater as
ideias do Movimento e, principalmente, para ouvir relatos, fazer
discussões e conhecer os desafios sobre suas práticas nas salas de
aula e espaços escolares, tendo em vista a construção de seus posi­
cionamentos políticos. Atualmente, ele está em sua 9ª edição, apre­
sentando-se da seguinte maneira:
O Encontro Nacional de Ensino de Geografia, mais conhecido como
Fala Professor(a)!, realiza-se a cada quatro anos desde 1987, reunindo
geógrafos(as), estudantes de graduação e pós-graduação, professo­
res(as) da escola básica e do ensino superior, pesquisadores(as), técni­
cos e todos aqueles que pensam e agem no mundo a partir da Geogra­
fia de todo o Brasil para debater os rumos do ensino de Geografia, da
Geografia brasileira e da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB),
onde o objetivo é escutar a voz do(a) Professor(a) (AGB, 2019).

Pode-se afirmar, pelos relatos e depoimentos nesse e em ou-


tros espaços, que houve certa adesão ao Movimento por parte dos
professores, no sentido de que as denúncias realizadas sobre os li­
mites da Geografia que ensinavam vinham ao encontro das insatis­
fações que os próprios professores tinham ao ensiná-la, como dito
antes, em função da dificuldade de dar sentido aos seus conteúdos.
Por isso, pelo menos em nível de discurso, os professores negavam
a chamada Geografia Tradicional ou mesmo a Geografia Tecnicista
(que resultava em padronização dos materiais instrucionais e aulas
previsíveis e pouco criativas) e adotavam a Geografia Crítica como
orientadora de sua prática. Porém, as condições em que trabalha­
vam os professores impunham limites a essa adoção em sua intei­
reza, muitas vezes forçando-os a realizarem práticas de uma Geo-

PERMAN!NCIAS, PERSISTtNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 25


grafia em que já não acreditavam, uma disciplina da memória - uma
Geografia Tradicional, como foi denunciado por Lacoste (1977).
Em relação a esse autor, é necessário enfatizar sua relevância
nesse processo de adesão pelos professores a uma Geografia Críti­
ca. Muitos deles, sobretudo os que haviam se formado recentemen­
te na Universidade, junto àqueles que participavam de eventos que
veiculavam o debate político e teórico do momento, tomaram co­
nhecimento das acusações feitas por Lacoste (1977, 1989). Tais acu­
sações denunciavam a vinculação direta da Geografia com a ideia
do nacional patriotismo e a existência de duas geografias: uma que
consistia em um saber estratégico e relevante, praticada por órgãos
oficiais e militares, a geografia dos estados maiores; e outra - a geo­
grafia dos professores - que se apresentava como saber inútil, enfa­
donho, memorístico, justamente para esconder a existência da ou­
tra. A primeira era denunciada como um conjunto de conhecimentos
e de representações cartográficas comprometido com os interesses
do Estado e do grande capital, com eficácia na formulação de estra­
tégias; a segunda, a dos professores, era uma prática de tipo desin­
teressada, um discurso pedagógico enciclopédico, simplório e can­
sativo, porque ensinava um saber aparentemente inútil.
Para análise desse período, é interessante rever os textos de
Vesentini (1992), que são reedições de artigos e palestras proferidas
na década de 1980, em que pontua os aspectos marcantes do Movi­
mento e da crise da Geografia daquele momento.Nessa publicação,
ele acentua as possibilidades de Geografias Críticas, sempre abertas
e em construção, ou "alternativa(s) crítica(s) na pesquisa e no ensi­
no", e de um marxismo plural, o que entendia como demanda da
crise do marxismo: "derivada principalmente do refluxo do movi­
mento operário ao lado do recrudescimento das lutas ecológicas,
feministas, regionais, étnicas etc., além do resultado concreto da
evolução histórica do 'socialismo real"' (VESENTINI, 1992, p. 48-
49). Fazendo uma análise dos impactos da crise da Geografia "Tra­
dicional" no ensino dessa disciplina, o autor faz indicações meto-

26 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


dológicas e pedagógicas a respeito de como encaminhá-lo. Dessas,
cito algumas que me parecem muito seminais para os pressupostos
dos movimentos seguintes, apontados em um texto escrito origi­
nalmente em 1980:

"Não é o conhecimento o ponto de partida da(s) geografia(s) crítica(s)


escolar(es), tal como foi na geografia tradicional escolar; seu ponto de
partida e sua base é uma relação dialética (e dialógica) entre a realida­
de e o saber. Realidade tanto do aluno (sua faixa etária, seu potencial,
seu desenvolvimento psicogenético, sua situação e interesses exis­
tenciais) quanto do .seu meio imediato (cidade, meio rural), da socie­
dade nacional e do espaço mundial" (1992, p. 55).
É evidente que o professor não deve partir do nada. Um ensino crítico
implica atualização constante, leitura rotineira de i mportantes obras
da disciplina [...]. Contudo, não se trata de "aplicar" ou simplificar
suas ideias e conceitos para uso escolar. Trata-se fundamentalmente
de buscar uma relação dialética entre esse conhecimento científico
mais crítico e a realidade do aluno (1992, p. 57-58).
Um ensino crítico da Geografia não consiste pura e simplesmente em
reproduzir num outro nível o conteúdo da(s) geografia(s) crítica(s)
acadêmica(s); pelo contrário, o conhecimento acadêmico (ou científi­
co) deve ser reatualizado, ou reelaborado em fundação da realidade
do aluno e do seu meio (1992, p. 59).
Aparência é a forma de aparecer do ser, a sua expressão fenomênica
[...]. E essência significa aquilo que determina, que dá significado à
existência, que permanece mesmo com as modificações fenomêni­
cas. A essência, portanto, consiste no mais alto grau de a bstração -
ela é "a verdade do ser" [... ]. Partir da essência no ensino de 1º e 2º
graus é brincadeira de mau gosto (referindo-se a textos que, segundo
ele, afirmavam que a geografia crítica escolar deveria deixar de partir
das "aparências" para enfocar a "essência"). Na realidade, o ponto de
partida do ensino é de fato a aparência, que é a existência efetiva, ob­
servável, do ser (1992, p. 59).
Não interessa ao aluno de 1° e 2° graus a discussão acadêmica sobre o
que é a Geografia ou sobre a história do pensamento geográfico [...] o
que pode interessar de fato ao ensino é a questão por que estudar
Geografia, ou ainda: para que serve a Geografia (1992, p. 65).

PERMANJl.NCIAS, PERSISTJl.NCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 27


Outra contribuição relevante para os rumos do ensino de
Geografia nesse período foi a formulação de Moreira (1987) sobre a
estrutura padrão da Geografia que se ensina: o homem, a econo­
mia, e a natureza (a estrutura N-H-E), como elementos separados e
estanques. Em outras palavras, quando se ensina um deles, os ou­
tros estão ausentes, e a totalidade fica costurada como soma das
partes, não como um todo que tem significado orgânico no espaço
geográfico e na relação da sociedade com esse espaço. É, como ele
formula, uma ciência de "cacos", um discurso descritivo e fragmen­
tário, sem conjunto, totalidade e identidade (MOREIRA, 1987).
Essas constatações faziam com que os professores fossem im­
pelidos a lutar para realizarem de forma efetiva uma disciplina al­
ternativa a essa que veiculava um saber que não agradava os alunos,
tido como inútil, descritivo, para o qual não há o que aprender,
somente o que memorizar. Assim, o principal impacto no ensino
nesse período, a meu ver, foi uma assimilação, ainda que parcial,
dos limites que tinha a Geografia estruturada conforme o chamado
padrão N-H-E e baseada na reprodução de fatos e acontecimentos.
No lugar dela, vislumbravam o ensino de conteúdos geográficos
críticos ou de conteúdo que, na formulação de Moreira (1982),
"desvendasse máscaras sociais". Naquele momento, pode-se dizer
que a aposta foi na potência do conteúdo para cumprir o papel po­
lítico da escola. Na prática, de fato, pouca alteração houve nesses
primeiros tempos, a não ser a vontade de professores mais engaja­
dos ao Movimento de veicular um conteúdo geográfico politizado,
que desmascarasse as mazelas da sociedade.
Porém, para o avanço nas propostas de ensino alternativo
para além de um conteúdo crítico, estavam sendo gestadas formu­
lações que associavam as áreas da Educação e da Geografia, incor­
porando ao discurso a reflexão sobre o papel da educação nos ru­
mos da sociedade ao longo da história e no período atual.
Na concepção dialética da educação e do ensino, que permi­
tem compreender seus limites na transformação da sociedade, uma

28 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


.e vez que eles têm o papel dominante justamente de reprodução so­
a
•­
cial, formulava-se o entendimento de que, por contradição, seu pa­
pel de reprodução permitiria gerar a superação - a produção de
e novas formas de vida social e de educação. Nessa perspectiva, en­
1- tende-se que o movimento formativo na escola é definido pelas ten­
lS
sões, conflitos, disputas de ordem teórica e ideológica sobre o que é
:o e o que pode ser a escola, seu papel social, suas tarefas.
e
1-
Era mister, portanto, que se aprofundassem concepções de
ensino de Geografia que articulassem, de modo coerente e interde­
pendente, conteúdos. críticos a um método de ensino igualmente
crítico, para todos os níveis escolares, incluindo os anos iniciais.
tl- Esse é um esforço investigativo desenvolvido com maior corpo,
IS,
como se pode constatar nas décadas seguintes: de 1990 e 2000.
!I,
10
tl, Geografia Escolar na passagem do século
lo (entre as décadas de 1990 e 2000)
tS.
A proposta de uma Geografia crítica, comprometida social­
os
mente, como defendiam os adeptos do movimento de renovação,
l), vinha ao encontro daqueles professores que estavam descontentes
ier
com a prática de ensino dessa disciplina na escola básica, ainda

muito pautada na memorização e reprodução de conteúdos factuais
,es
compartimentados. O trabalho docente guiado nessa Geografia
ja­ deixava os alunos desinteressados nas suas aulas, como já era co­
lo,
mum reclamarem.
Pois bem, com base nos princípios da Geografia Crítica, mui­
vo
tas investigações foram feitas nesse período com o objetivo de bus­

car formas de ensinar criticamente conteúdos críticos. As propos­
)r­
tas para o ensino buscavam articulação com as matrizes da ciência
u-
de referência, que já vivenciava na década de 1990 críticas ao mar­
xismo ortodoxo, principalmente quanto à primazia dada aos fato­
ni­ res econômicos. Assim, ampliou-se o debate teórico-metodológico
ma em torno da Geografia e de seu ensino, com a preocupação de se

PERMANnNCIAS, PERSISTtNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 29


buscarem alternativas para maior fecundidade em suas práticas.
Com isso, legitimavam-se perspectivas mais abertas, dinâmicas e
flexíveis, que contemplassem aspectos da realidade social de ordens
diferenciadas, como aqueles referentes à raça, ao gênero, à religião,
entre outros. As investigações no campo da ciência geográfica fo­
ram relevantes no sentido de se confirmarem percepções dos pro­
fessores de que a Geografia praticada não resultava em aprendiza­
gens significativas dos alunos, pois o conteúdo não tinha relação
com a vida deles. Eram conteúdos circunscritos à apresentação de
características físicas, humanas e econômicas dos diferentes luga­
res do mundo, sem muito acento em análises de processos, de cau­
sas ou de determinações que fizeram com que os lugares tivessem
essas características; era muito comum a apresentação de muitas
informações e dados.
Além disso, as investigações no campo específico do ensino
identificavam, por meio de depoimentos dos professores e de ob­
servações de suas aulas, que, de fato, os alunos tinham muita resis­
tência ao que se ensinava nessa disciplina, ao modo como ela era
ensinada, com aulas informativas, repetitivas, desconectadas de
sua realidade. Tal ensino se tornava enfadonho, desinteressante,
monótono e, por isso mesmo, contava com a passividade dos alu­
nos. Essa situação resultava em crescimento de demanda por apro­
fundamento nos estudos e nos fundamentos das propostas.
No desenrolar dessa nova fase da Geografia, muito se produ­
ziu sobre diversas áreas do Brasil, com os fundamentos de diferen­
tes orientações de Geografias Críticas. Sem pretender produzir e
divulgar uma proposta unitária dessa ciência, teorias foram cons­
truídas, orientadas e alimentadas por discussão epistemológica,
como algumas que estão mais presentes no ensino por ajudarem a
formular suas teorias: Gomes (1997, 2009), Santos {2004), Carlos
(2005), Souza (1995), Harvey (2004), Massey (2008), Moreira (2009),
Suertegaray (2002), Tuan (1980, 1983), Mello {1990) Haesbaert
(2009), Ab'Saber (2003).

30 Pensarpela Geografia; ensino e re/evânciaS(}cial


Esses autores contribuíram com o desenvolvimento da ciên­
cia, demonstrando a necessidade de se ultrapassar uma produção
clássica apegada à racionalidade empirista, objetiva, técnica e ope­
racional. Consolidou-se, para a maioria desses estudos, a clareza
sobre o objeto de estudo - o espaço geográfico. Contudo, não mais
como um ente empírico, objeto independente do sujeito, mas como
uma categoria de análise que permite apreender a espacialidade de
fatos, fenômenos e acontecimentos, como parte da explicação da
realidade, não somente como resultado da dinâmica relação entre o
homem e o meio. É uma categoria de análise bastante rica, comple­
xa, dinâmica; expressão ela mesma da relação entre sujeito e objeto
(atingindo, talvez, a visibilidade do sujeito de que reclamava Morei­
ra (1988) há mais de três décadas).
Essa categoria, envolvendo um conjunto de outras subcatego­
rias com suas diferentes concepções, estruturantes do pensamento
geográfico, fundamentou diversas análises, leituras, em relação ao
Brasil e ao mundo, em diferentes escalas. Assim, ganhou corpo a
compreensão de muitos elementos da Geografia. Dentre estes, po­
dem se destacar, para fins de exemplificação, pois a produção é bas­
tante numerosa e referida aos mais diferentes temas e com os mais
diversos métodos, os seguintes:

Diferentes manifestações do urbano no país - as metrópoles, as cidades


médias e pequenas, as diferentes centralidades, o intraurbano e o coti­
diano nos diversos lugares e por diversos grupos da cidade. Impactos do
modo de vida urbano nas diferentes estruturações socioespaciais.
• A globalização como fenômeno que trouxe grandes alterações na es­
truturação dos espaços mundiais e das vidas cotidianas, resultando
em, de um lado, homogeneização dos espaços e da sociedade, e, de
outro, a ampliação das desigualdades, com o agravamento de proble­
mas, como exclusão social, violência, fragmentação territorial, conta­
minação ambiental.
• A dinâmica da população e de seus movimentos: o envelhecimento, os
diferentes grupos sociais e culturais, os movimentos migratórios, os
movimentos de refugiados.

PERMAN!NCIAS, PERSIST!NCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 31


A dinâmica da natureza e seus elementos fundamentais (clima, rocha,
solo, relevo, água). Em grande medida, os estudos nessa linha da Geo­
grafia física têm a preocupação de integrar dados do meio físico, bió­
tico e antrópico, e são realizados por meio do conceito de geossiste­
ma e da análise geográfica i ntegrada (da paisagem). Nessa linha, o
conceito de solo, por exemplo, é visto como um amálgama de dimen­
sões físicas e sociais; para sua compreensão, estão associados os con­
ceitos de gênese, processos e fatores de formação, processos erosi­
vos, classificação e alterações com a ação antrópica.
O mundo rural e sua problemática: a dinâmica cultural nesses espa­
ços rurais e suas especificidades, sua dinâmica, a concentração fun­
diária e a produção familiar, o campesinato, modernização agrícola e
movimentos sociais no campo, os territórios e lutas, a complementa­
riedade com o mundo urbano.
A discussão ambiental - mudança climática global, as pautas ambien­
tais mais urgentes na escala global, a defesa de ações políticas para
esse tema, a busca de ações alternativas na escala local para educa­
ção e práticas cotidianas.
A geopolítica - a discussão sobre território sobre novas bases: a rela­
ção de poder e de micropoderes, de rede, a questão mundial, a dis­
cussão da América Latina, a integração, as áreas de fronteira, as lutas
i nternas por territórios, os problemas políticos e territoriais decorren­
tes da migração e dos refugiados.
A reflexão sobre a cultura, manifestações culturais, práticas e imagi­
nações. A questão racial, étnica, de gênero e de sexualidade. A cons­
ciência da diversidade cultural e da necessidade de se respeitá-la.
O debate pós e decolonial na Geografia.
A complexidade espacial com a impregnação maciça da cultura das tec­
nologias da comunicação e da i nformação. O avanço que permite simul­
taneidade dos fenômenos, no espaço e tempo, à disposição para o
mundo todo, e a decorrente massificação de práticas e padrões cultu­
rais e de consumo. Esse avanço permite potencializar as análises geo­
gráficas, colocando à disposição dos geógrafos um arsenal sofisticado
de artefatos tecnológicos que ajudam no mapeamento de situações
atuais e na construção de cenários para futuras produções do espaço.

Enfim, são muitas as possibilidades temáticas, permitindo à


Geografia e aos geógrafos o estudo de uma infinidade de temas, nas
escalas macro ou micro, com métodos que exigem muita objetivi­
dade ou com outros caminhos de investigação que, ao contrário,

32 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


pressupõem a prioridade do subjetivo, do imaginário, do micro.
Sempre é bom mencionar o alerta de que essa amplitude temática e
pluralidade metodológica, ao passo que revelam uma abertura e
uma grande possibilidade de atuação da área, podem provocar dis­
persão, indefinição da identidade e superficialidade no tratamento
do objeto.
Junto a análises mais estruturais da espacialidade, em dife­
rentes perspectivas (na linha da dialética ou da análise sistêmica),
ganharam bastante destaque, na produção da Geografia no Brasil
desse período, estudos vinculados a orientações da Geografia Hu­
manista e Cultural, que buscavam interpretar os aspectos humanos
do mundo vivido: a subjetividade, os valores, os sentimentos, a cul­
tura, o simbolismo, a experiência, a identidade.
Há também uma ampliação na produção acadêmica de pers­
pectivas de análise de conjunto, de totalidade, superando cisões,
dualidades, buscando o entendimento de que a realidade é compos­
ta por elementos objetivos e subjetivos, sendo legítimos e impor­
tantes estudos que têm como foco esses diferentes elementos. Com
isso, o discurso geográfico apontava para a superação de dualida­
des e dicotomias (nem sempre efetivada), como as que Suertegaray
(2002) destaca: natureza/sociedade, natureza/cultura, tempo/espa­
ço, cidade/campo, local/global, lugar/mundo, teoria/prática, co­
nhecimento/ação, técnica/poesia, ensino/pesquisa, ensino/aprendi­
zagem, bacharel/professor, Geografia Física/Geografia Humana.
No campo do ensino, esse período caracteriza- se por um
considerável crescimento das pesquisas voltadas para o ensino e a
aprendizagem em Geografia, nutrindo-se das contribuições das ou­
tras áreas da Geografia, da Educação e da Didática. Sobre esse cres­
cimento, observem-se os dados levantados por Pinheiro (2005),
Moutinho (2013) e Cavalcanti (2016a). A preocupação dos estudos
dessa época tinha a tônica da análise dos problemas da prática es­
colar que poderiam ser considerados mais impeditivos de um ensi­
no crítico. O diagnóstico era de que ainda predominava a aula ex-

PERMAN!NCIAS, PERSIST!NCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 33


positiva tradicional, com abordagem superficial de conteúdos, de
forma compartimentada e descontextualizada, com atividades me­
cânicas e repetitivas, muito presas ao livro didático. Para superar
essa prática, encaminhavam-se alternativas para uma abordagem
crítica, numa concepção pedagógica crítica. Pode-se caracterizar,
assim, esse período, pela preocupação com a potência pedagógico­
didática para o ensino de conteúdos de Geografia, enquanto no pe­
ríodo anterior o ponto forte era referente aos conteúdos mais espe­
cificamente. Ou seja, para além de novas abordagens de conteúdos
geográficos, a inovação no ensino de Geografia deveria vir da arti­
culação desses conteúdos com propostas pedagógicas também ino­
vadoras. Como afirma Pereira (1999, p. 38), a pedagogia e a Geogra­
fia precisavam "caminhar de mãos dadas".
As indicações desses estudos foram sendo reafirmadas ao
longo dessas duas décadas (1990-2000), resultando em propostas
sólidas, com lastro na experiência, em estudos sistematizados, com
eficácia comprovada, no sentido de se potencializar a aprendiza­
gem dos estudantes. Ao lado disso, constituíram-se, nas Institui­
ções de Ensino Superior, grupos de pesquisadores dedicados exclu­
sivamente ao ensino de Geografia, como os da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul; Universidade de São Paulo; Universidade
Estadual de Rio Claro e Universidade Federal de Goiás.
Muitos estudos em nível de doutorado poderiam ser aponta­
dos como contribuição para as experiências e investigações nesse
período, dentre eles, podem ser destacados: Pontuschka (1994),
Zanatta (2003), Castellar (1996), Callai (1996), Cavalcanti (1996),
Braga (1996), Tomoko (1998), Carvalho (1998), Almeida (1994),
Passini (1996), Le Sann (1989).Além disso, muitos autores produzi­
ram artigos em revistas e coletâneas, em que formulavam reflexões,
elaboravam propostas que consistiam em referências importantes,
norteadoras e remissivas às práticas de ensino nessa área, como:
Vesentini (1987), Oliveira (1978), Callai (2006), Pereira (1995), San­
tos (1995), Cavalcanti (1998, 2002), Simielli (2007, 1999).

34 Pensarpela Ge.ografia: ensino e relevância social


De modo mais geral, podem-se também apontar outras pu­
blicações que foram particularmente relevantes para fundamentar
os debates, a investigação e a formação dos professores nessas no­
vas orientações. Dentre eles, Terra Livre - AGB (1999), Revista
Orientação - Unesp/Presidente Prudente (1993), A Geografia em
sala de aula (CARLOS, 1999), A Geografia na sala de aula (CAS­
TROGIOVANNI et al., 1998), Geografia e ensino: textos críticos
(VESENTINI, 1993), Geografia em perspectiva (PONTUSCHKA e
OLIVEIRA, 2002), Para uma Geografia crítica (VESENTINI, 1992),
O discurso do avesso (MOREIRA, 1987), entre outros.
Esses estudos foram realizados e divulgados no período em
que ocorreram fatós relevantes no campo da educação, dentre es­
tes, ressaltam-se: 1- a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB - Lei 9.394/96), com novas exigências
para a formação docente, que deveria ser em curso superior pleno,
o que resultou em ampliação de cursos de licenciatura em diferen­
tes regiões do Brasil; 2 - a aprovação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), que explicitaram uma orientação pedagógica, ar­
ticulando os objetivos do ensino em torno da construção de conhe­
cimentos estruturados com base em conceitos geográficos, em um
conjunto de competências e habilidades, sugerindo temas transver­
sais, para além de um elenco de conteúdos. Como desdobramentos
dos PCN, ocorreram muitas críticas e resistências à sua utilização,
inclusive no âmbito da AGB, e à sua implementação, com orienta­
ções curriculares nos Estados e municípios e reestruturação curri­
cular das escolas em ciclos de desenvolvimento; 3 - a aprovação dos
pareceres que reestruturaram os cursos de licenciatura, dando
mais peso à formação pedagógica, à articulação com a prática pro­
fissional, à maior articulação entre a formação inicial dos docentes
e as práticas escolares por meio dos componentes curriculares e dos
estágios supervisionados.
Esses fatos, cada um a seu tempo e contexto, não eram prota­
gonizados por grupos homogêneos em suas filiações teóricas e foram

PERMAN.ÊNCIAS, PERSIST.ÊNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 35


marcantes para gerar ambientes de debate a respeito do ensino, da
licenciatura, das demandas da formação, da relevância da formação
pedagógica, da legitimidade dos estudos no campo das didáticas es­
pecíficas, como a Didática da Geografia. Eles foram marcantes tam­
bém porque geraram uma demanda por um coletivo de profissionais
dedicados aos estudos desse campo, ao trabalho com a formação pe­
dagógica dos professores, e à orientação para a prática docente reque­
rida nesse contexto. Esses fatos foram fundamentais para legitimar a
área, para criar e consolidar espaços de investigação em seu âmbito,
inclusive entre as agências de fomento, como o CNPq, a Capes e as
Fundações estaduais de pesquisa. Para ilustrar esses espaços de diá­
logos e de investigação no ensino e aprendizagem da Geografia, po­
dem-se apontar alguns indicadores: os eventos específicos da área, os
grupos de investigação registrados no CNPq, os livros e periódicos,
como os anteriormente citados, e as investigações realizadas em pro­
gramas de pós-graduação.
Assim, pode-se afirmar, como característica desse período,
um processo inicial de reconhecimento da legitimidade e da rele­
vância social da pesquisa no ensino de Geografia pela comunidade
acadêmica. As propostas pedagógico-didáticas avançaram orien­
tando-se por reflexões sobre o sentido da Geografia no ensino em
torno de um conjunto de questões articuladas, a saber: o que ensi­
nar? Como ensinar? Para quê e para quem ensinar Geografia? Tais
propostas salientavam alguns aspectos: a articulação entre conteú­
dos e métodos/metodologia; a interdisciplinaridade enquanto prin­
cípio; as linguagens como ferramentas didáticas; as orientações
curriculares e reflexões sobre seu significado político e pedagógico;
os livros didáticos como recurso relevante no ensino, com a supe­
ração de seu papel tradicional de definidor do trabalho docente.
Um balanço desse período foi feito por Zanatta (2010, p. 291-
293), que pontuou convergências entre contribuições do que deno­
minou de propostas alternativas da época:

36 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


Seleção dos conceitos geográficos básicos para estruturar os conteú­
dos de ensino.
Valorização das diferentes dimensões dos conceitos geográficos para
a construção de atitudes, ações e valores que norteiam comporta­
mentos socioespaciais.
A "geografia do aluno", ou seja, as representações sociais deste como
referência do conhecimento geográfico construído em sala de aula.
O reconhecimento da relevância da dimensão afetiva no processo de
conhecimento.
A articulação dos componentes do processo de ensino, ou seja, obje­
tivos, conteúdos e métodos.
O construtivismo como atitude básica do trabalho com a Geografia
Escolar.

Esse balanço também foi feito por mim, e está publicado ba­
sicamente em dois artigos (CAVALCANTI, 2010 e 2011). Neles,
destaco algumas indicações que denominei de abordagens sugeri­
das para o ensino de Geografia, resultantes desse período:

O lugar como referência no tratamento dos conteúdos geográficos:


preocupação com a relação local/global, pois, como afirma Callai
(2003), o objetivo do ensino de Geografia é o de estudar o lugar para se
compreender o mundo. Essa abordagem é particularmente relevante
para se estruturar o ensino dessa disciplina nos anos iniciais.
A multiescalaridade no tratamento dos fenômenos geográficos no en­
sino: articulada à abordagem anterior, afirma-se que para se com­
preender o lugar em seu significado mais amplo é necessário articulá
-lo a um contexto, buscando-se trabalhar com as articulações entre
diferentes escalas geográficas.
Formação de conceitos geográficos instrumentalizadores do pensa­
mento geográfico: os conceitos são basilares à estruturação dos con­
teúdos, para dar sentido aos conteúdos trabalhados, na medida em
que são mais amplos e permitem generalizar os temas abordados.
Desenvolvimento da capacidade de leitura e mapeamento da realida­
de pela linguagem gráfica e cartográfica: entendida como alfabetiza­
ção cartográfica, capacidades de representação (mapas temáticos,
desenhos, croquis, mapas mentais) de mundos objetivos e subjetivos
e de leitura de mapas, de imagens (fotografias, filmes, obras de arte).

PERMAN!NCIAS, PERSIST!NCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 37


Desenvolvimento da habilidade de lidar com linguagens não verbais
na análise geográfica: inserção do cinema, da música, da literatura, de
charges, da internet, de jogos virtuais, do computador e do celular nos
trabalhos escolares.
Tratamento crítico das temáticas físico-naturais: o pressu posto é o da
articulação entre sociedade e natureza, em a bordagens integradas da
paisagem. Essa a bordagem oportuniza o trabalho com questões am­
bientais prementes, como deslizamentos de encostas, ocupação de
áreas de risco, alteração dos ciclos de precipitação fluvial, desmata­
mentos, produção constante de ilhas de calor.
Abordagem do conceito de ambiente e discussão da ética ambiental:
trabalhos por meio de ações sociais e políticas no sentido de mudan­
ça de postura da sociedade, de atitudes de cuidado com o ambiente e
com a vida, sensíveis às mudanças climáticas, à problemática am­
biental, a um conceito crítico de ambiente.
Abordagem de temas socialmente relevantes: estudo de temas que
estão em debate e possivelmente trazem opiniões divergentes em
turmas de alunos, como os temas sobre gênero, etnia, raça, migração,
refugiados, conflitos territoriais, entre outros.
Contribuição efetiva à formação da cidadania: consideração da parti­
cipação cidadã, ao abordar na escola temas da gestão coletiva dos
espaços, identificando problemas e propondo caminhos para resolvê
-los. Esse eixo de trabalho no ensino pode ser articulado aos estudos
e reflexões que abordam questões teórico-filosóficas sobre o papel
da Geografia na formação básica.

Essas sínteses podem não deixar transparecer todas as orien­


tações sobre o ensino da disciplina, mas permitem vislumbrar o
fato de que se solidificava a ideia de que a Geografia deveria ser
mais do que uma disciplina oficial do currículo, pois deveria ter
significado eficaz para o desenvolvimento intelectual, social e afeti­
vo do aluno.
Mais do que ensinar os conteúdos disponíveis nos manuais di­
dáticos, advogava-se que se deveria ensinar por meio do conteúdo,
considerando que o aluno é sujeito sociocultural e epistêmico nos
procedimentos escolares. O aluno é ativo no processo de construção
de seus conhecimentos e o professor é o mediador que intervém nes­
se processo que pode se realizar de modo consciente e intencional.

38 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


E na prática, quais foram as ressonâncias das inovações pro­
postas no âmbito das pesquisas? Pode-se dizer que os métodos de
ensino mais inovadores e democráticos hoje estão aplicados nas es­
colas do País? E por que não há essa "aplicação"? Para se compreen­
derem as dificuldades, os limites, os caminhos entre essas propostas
e a prática cotidiana nas escolas, é pertinente a discussão sobre essas
duas dimensões: a Geografia Acadêmica e a Geografia Escolar.
Conforme afirma Braga (2010, p. 406), é inegável que ocorre­
ram avanços na prática, "embora os traços principais da tradição
didática do ensino d� Geografia, alguns dos quais muito limitado­
res, ainda não foram, de forma definitiva, superados". A autora re­
trata os avanços nas iniciativas, na formação inicial, portanto, na
Geografia Acadêmica, voltadas para a educação geográfica, como:
[...] uma revisão contextualizada das temáticas de ensino, presentes em
alguns materiais didáticos; uma ênfase na discussão metodológica da
interpretação geográfica, centrada em seus conceitos estruturantes, na
formação inicial e continuada e um aumento significativo do número
de pesquisas sobre ensino de Geografia. (BRAGA, 2010, p. 406)

Couto (2014) reforça essa convivência de propostas tradicio-


nais e renovadas no ensino, conforme atesta a seguinte síntese:
A partir da década de 1980, se fortalece o movimento de renovação
crítica no pensamento geográfico, resgatando tendências críticas
anarquistas e desenvolvendo a influência do materialismo histórico e
dialético e da fenomenologia. É possível identificar estas influências
nas reformas curriculares e nos conteúdos dos livros didáticos [...].
Entretanto, persistem formatos tradicionais, que se misturam com
tentativas de construção de um discurso e uma prática crítica no en­
sino de geografia. (COUTO, 2014, p. 263)

Em certo sentido, pode-se dizer que há um deslocamento


maior da discussão da Geografia Acadêmica em relação à prática
da Geografia Escolar. Na primeira, essa discussão resulta em maior
maturidade, robustez e autonomia da reflexão de propostas didáti­
cas para o ensino; na segunda, as demandas da prática cotidiana na

PERMANtNCIAS, PERSISTtNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 39


sala de aula se mesclam e, às vezes, são abafadas pelas lutas por
melhores condições de trabalho. Ou seja, acentuam-se os elemen­
tos limitantes de uma prática autônoma e autoral dos professores
em geral e dos de Geografia em particular. Entre os limites que
caracterizam o quadro das condições de trabalho nas redes de en­
sino básico, sobretudo na escola pública, destacam-se: baixo salá­
rio, número excessivo de aulas para completar carga horária, tur­
mas numerosas, poucos recursos didáticos.
Considera-se, em que pesem os limites da prática apontados,
que há uma melhor compreensão das relações e da distinção entre
Geografia Acadêmica e Geografia Escolar, favorecendo uma supe­
ração de ideias simplistas de aplicação prática das propostas de teo­
rias realizadas no âmbito da Academia. Há, também, uma consta­
tação de que as propostas avançam, mas, na prática, elas não são
transformadas em realidade de forma absoluta, porque não é assim
que se dão as relações entre teoria e prática. Essa constatação tem
aclarado a muitos pesquisadores de que os estudos sobre a prática
devem ser feitos com a colaboração dos sujeitos envolvidos e de for­
ma participativa. Os resultados não podem se transformar em teo­
rias para os que vão aplicá-las, mas em possibilidades de caminhos
a serem recontextualizados nos espaços escolares diversos.
Por outro lado, também é válido apontar aspectos limitantes
de práticas de formação inicial dos professores, em que pese sua di­
versidade, pois são realizadas em instituições muitos diferentes, pú­
blicas e privadas, de caráter mais ou menos empresarial. Essa forma­
ção é frequentemente realizada em cursos muito teóricos e distantes
das demandas da prática, muito focados nos conteúdos científicos, a
partir das especialidades apresentadas, sem a devida reflexão de ca­
ráter epistemológico e didático sobre os modos e as utilidades possí­
veis desses conteúdos para a formação na escola básica.
Essa discussão contribuiu para consolidar uma ideia (não
como monolítica) de que as disciplinas escolares (como a Geogra­
fia) têm suas especificidades, que advêm dos conhecimentos acadê-

40 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


micos, mas também do movimento autônomo dos processos e prá­
ticas escolares e das indicações formuladas em instâncias, como os
materiais didáticos e as orientações curriculares. Essa discussão é
bastante veiculada e pode ser feita a partir da contribuição de estu­
diosos da constituição da disciplina escolar, como Goodson (1990),
Bernstein (1998), Chevallard (1997), entre outros. Nessa perspecti­
va, considera-se o espaço escolar um local de convergência de sabe­
res de diferentes dimensões, origens, natureza, que são amalgama­
dos pelo professor e outros agentes desse espaço para serem
referência do trabalho realizado.
Sendo assim, a Geografia Escolar fica entendida como uma
prática por meio da qual os conteúdos veiculados na academia são
reconstruídos. Os temas de estudos são enfatizados, são abordados
conforme a lógica dessa prática. Os professores mobilizam, de algu­
ma maneira, os conhecimentos de suas fontes "acadêmicas", porém o
cotidiano da escola apresenta outras demandas de atuação, de estu­
do, de formação, que dependem de contextos específicos nos quais a
própria escola, os professores, os alunos e suas famílias estão inseri­
dos. Além disso, suas condições de formação e de atuação na escola
(individual e coletiva) impõem limites à articulação reflexiva e autô­
noma de conhecimentos que resultem em propostas consistentes.
A transposição desses limites torna-se um desafio a ser enfren­
tado para a efetivação real de práticas inovadoras no ensino dessa
disciplina. Por exemplo, uma dessas orientações - a referência ao
mundo vivido do aluno - já faz parte dos saberes docentes e de seu
esforço didático nas aulas. Entretanto, essa referência não é realizada
em sua plenitude, pois tal orientação é, na maioria das vezes, segun­
do resultado de investigações, utilizada como estratégia para tentar
garantir o interesse do aluno pelos temas trabalhados, e não como
referência constante no processo de sua cognição, nü" seu processo de
internalização, reelaboração e construção de conhecimentos.
Também são colocadas como um desafio a ser transposto nas
condições atuais as limitações na formação docente para um ensi-

PERMANÊNCIAS, PERSISTÊNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 41


no de Geografia mais significativo. Para essa transposição, apon­
tam-se a acentuação na articulação pedagógico-didática dos con­
teúdos ministrados nos cursos; o incentivo à pesquisa; melhor
articulação entre disciplinas pedagógicas e estágios curriculares
(PONTUSCHKA, 2010). Além dessa indicação, também é pauta
das contribuições de pesquisadores da área o reconhecimento da
necessidade de melhor formação do professor em pesquisa e no uso
de tecnologias da informação e comunicação (MOUTINHO, 2013).
Outra dificuldade em se trabalhar na prática as abordagens
apregoadas pelas investigações é a de pautar o ensino com o objetivo de
formar conceitos como mediadores do pensamento geográfico. Fre­
quentemente o ensino ainda se baseia em informações, fatos, teorias e
definições, considerados em si mesmos, sem a preocupação com a
meta de desenvolver nos alunos modos de pensamento teórico.
O tratamento mais sistemático com as linguagens gráficas e
cartográficas, como ferramenta mediadora do pensamento dos alu­
nos, é outro limite da Geografia Escolar. As pesquisas que investi­
gam as práticas identificam dificuldades dos professores em traba­
lhar com os temas da Cartografia, de forma a desenvolver habilidades
de mapeamento e de leitura dos mapas, destacando-se os temas pro­
jeções, escalas, coordenadas e simbologia (MOUTINHO, 2013).
Outro item considerado insatisfatório pelas pesquisas é o en­
sino das temáticas físico-naturais e ambientais. Os relatos apresen­
tados nas pesquisas indicam o tratamento desses conteúdos predo­
minantemente com perspectivas não críticas e naturalistas,
carregadas de chavões e de pautas midiáticas, que se realizam por
meio de atividades didáticas muito pontuais (ainda há, por exem­
plo, a atribuição de pequenas ações individuais com o "ambiente"
ou a "natureza" como solução para problemas ambientais, como a
emblemática atividade escolar de coleta seletiva de lixo ou de cam­
panhas de jogar "lixo no lixo"), assegurando uma visão romântica
de uma natureza externa aos homens e suas práticas (MORAIS,
2011). Há indicativos, portanto, de que trabalhos com a questão

42 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


ambiental já estão presentes no dia a dia das escolas. No entanto, o
estudo sistemático sobre a articulação dos elementos da natureza
com o ambiente, sobre a análise integrada da paisagem, bem como
sobre a visão holística da natureza, ainda não é realidade efetiva na
abordagem de conteúdos.
O livro didático também é foco de muitos estudos desse pe­
ríodo, como fator limitante do trabalho com uma Geografia volta­
da a aprendizagens significativas. Esses estudos centraram-se basi­
camente na crítica aos conteúdos veiculados, sustentando a não
neutralidade desse instrumento didático, nas possibilidades de seu
uso com autonomia e criticidade e em propostas alternativas para a
abordagem dos conteúdos. Corno forma de contribuir nesse aspec­
to, os livros didáticos têm procurado fazer a articulação entre os
conhecimentos cotidianos dos alunos e os científicos veiculados
pela disciplina escolar, tanto na abordagem dos conteúdos quanto
nas atividades sugeridas.
Essas constatações dão conta dos investimentos e das dificul­
dades com as renovações da prática com essa disciplina. Essa é a
realidade em que nos encontramos na atualidade. Balanços como
esse servem para revisitar o percurso, para compreendê-lo melhor
e para delinear quadros atuais com um pouco mais de segurança
no diagnóstico. Eu escolhi fazê-lo retomando as permanências, as
insistências, as persistências e os desafios, como estão elencados no
próximo item.

A Geografia Escolar contemporânea e os desafios das


renovações no contexto brasileiro
No contexto brasileiro atual, nessa última década - 2011/2019,
acentua-se a orientação neoliberal das políticas para a educação es­
colar como um todo e para o ensino de Geografia. Isso significa
uma vinculação mais intensa a demandas econômicas, nacionais e
internacionais, a agências de financiamento, a pautas de resultados

PERMANÊNCIAS, PERSISTÊNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 43


na ampliação de vagas, a diminuição do analfabetismo, e não a pro­
cessos formativos mais amplos. Esse contexto afeta diretamente a
prática escolar com a disciplina Geografia, dificultando trabalhos
mais voltados ao cumprimento de sua tarefa de contribuir com a
formação humana cidadã ativa, crítica e participativa.
As dificuldades são significativas, os desafios são muitos e,
mesmo assim, as renovações, em muitos casos realizadas de modo
pontual, são vivenciadas em diferentes lugares do País. O cenário
não é animador, na medida em que temos consciência do quadro
conjuntural desfavor�vel para a educação brasileira. No entanto, os
esforços continuam no sentido de se buscarem caminhos para essa
prática formativa.A despeito das adversidades, esse esforço se conso­
lida em investigações e suas publicações, em atividades de parcerias
entre Universidade e escola, em eventos de âmbito local, nacional,
internacional, em debates e lutas políticas para se garantir a presença
justa e necessária da Geografia na escola e na formação das crianças
e jovens do País. Os eventos em que podem ser evidenciados esses
esforços são muitos, mas alguns podem ser destacados:

Encontros Nacionais da Associação de Geógrafos Brasileiros - AGB


Destaca-se o papel dessa associação nos movimentos teóricos, práti­
cos, políticos do campo do ensino de Geografia, principalmente a rea­
lização dos Encontros Nacionais da AGB, a cada dois anos. O Encontro
"Fala Professor", também promovido pela AGB, e a Revista Terra Livre,
como veículo utilizado para a divulgação de pesquisas geográficas,
incluindo as voltadas ao ensino.
Encontros Nacionais de Prática de Ensino de Geografia
Acontecem desde 1985. Contudo, nas duas últimas décadas têm se
constituído em locais importantes de debates, intercâmbio e divulga­
ção sobre temas de pesquisa ligados ao campo da educação geográfi­
ca, razão pela qual a leitura dos livros que resultaram de temáticas
apresentadas em palestras e mesas-redondas dão um bom panorama
da pesquisa, como os de Cavalcanti e outros (2013), Albuquerque e ou­
tros (2015) e Ascenção e outros (2017).
• As pesquisas de Mestrado e Doutorado nos Programas de
Pós-Graduação

44 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


Levantamentos realizados (conferir, por exemplo, CAVALCANTI, 2016;
MOUTINHO, 2013; PINHEIRO, 2005) sobre essas pesquisas identificam
um aumento significativo de trabalhos empreendidos no âmbito des­
ses programas, e uma presença importante dessa temática como li­
nha de pesquisa, instituída explicitamente em 19 dos 65 programas
em funcionamento no País em 2018.
O Encontro da Associação de Pós-graduação em Geografia - ENANPE­
GE encontro
Esses encontros são realizados a cada dois anos e se constituem em
espaços de divulgação e debate de trabalhos basicamente empreen­
didos em nível de mestrado e doutorado nos Programas de Pós-Gra­
duação de Geografia no Brasil. Indicativo da ampliação quantitativa e
qualitativa de trabalhos com a temática do ensino é o crescimento
dos Grupos de Trabalho {espaços reservados para apresentação dos
trabalhos aprovados, de acordo com as demandas temáticas), verifi­
cando-se que no Encontro de 2013 havia apenas um GT de Ensino, e
em 2019 foram a provados trabalhos para serem a presentados em seis
GTs com temáticas do ensino {num total de 55 GTs).
Outros Encontros específicos do ensino de Geografia
Além dos encontros gerais de Geografia, que se constituem em espa­
ços científicos para a área do ensino, e o ENPEG, específico do ensino,
têm ganhado muita evidência os encontros mais específicos de áreas
do ensino, ou os regionais. Podem ser citados, nesse sentido, os se­
guintes: Colóquio de Cartografia para Crianças e Escolares; Colóquio
de Pesquisadores em Geografia Física e Ensino de Geografia; Fórum
Nacional {NEPEG) de Formação de Professores de Geografia; Encontro
Regional de Práticas de Ensino de Geografia (EREPEG); Encontro de
Ensino de Geografia da Amazônia, e muitos outros, alguns promovi­
dos pelas seções locais da AGB, outros por grupos de instituições de
ensino superior, que aglutinam pesquisadores e professores em âmbi­
to regional.

As propostas avançam, tendo como suporte as investigações


empíricas, as experiências com a prática nelas realizadas e as fontes
teóricas da Geografia, da Educação e de outras áreas, produzidas
no Brasil e em outros países. Cabe perguntar, à maneira como se
fez em outros períodos: como está a Geografia na prática das esco­
las básicas? Como estão suas aulas? O que é e para que serve, hoje,
a Geografia no ensino?

PERMAN:llNCIAS. PERSIST:llNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 45


Pela experiência e por meio de estudos teóricos compreende­
se que os professores não modificam seus modos consolidados de
encaminhar o trabalho somente porque tomam conhecimento de
propostas alternativas, ainda que percebam nelas potencialidades
nos resultados de aprendizagem dos alunos. Eles os modificam
quando internalizam as propostas que lhes fazem sentido, aquelas
que eles entendem que funcionam, adaptando-as para que, assim, a
seu juízo, elas possam de fato efetivarem-se. Pelo contato com pro­
fessores, pelos relatos de outros, sabe-se que muitos estão procu­
rando ser inovadores, nos métodos, nos procedimentos, nas lin­
guagens, na utilização de recursos tecnológicos, mas ainda não se
pode dizer que são práticas correntes nas escolas de todo o País. Há
distanciamentos a serem compreendidos entre as propostas e as
práticas. Alguns são previsíveis, devido a discordâncias quanto à
adequação das propostas, ou devido às suas inviabilidades, aos seus
limites, ou por discordarem de seus pressupostos. Outros distan­
ciamentos se dão por conta de limites da própria prática, que difi­
cultam até mesmo a experimentação de "novidades" no dia a dia
das escolas.
As limitações estruturais para o avanço nas práticas já foram
apontadas no texto ao se analisar períodos anteriores. Nos últimos
anos, essas limitações em certo sentido se acentuaram, como as que
se referem ao que os estudiosos chamam de tragédias docentes
(EVANGELISTA et al., 2017): as políticas de controle e prescrição,
a responsabilização dos professores pelo fracasso escolar e a políti­
ca persecutória em relação às práticas de aula - essas são ameaças
crescentes ao trabalho docente autônomo e autoral. De todo modo,
é relevante pontuar, conforme já fiz em outro texto (CAVALCAN­
TI, 2013a), alguns aspectos das práticas que permanecem nos mol­
des tradicionais, em contextos limitadores, além dos limites na
abordagem dos conteúdos, e as práticas que emergem como insur­
gentes, a despeito desses mesmos contextos.

46 Pensarpela Geografi« ensino e relevância social


A constatação dessas práticas permite insistir em apostas já
feitas por mim em outros momentos que, necessariamente, deno­
tam a premência de caminhos investigativos que encontrem modos
de se ensinar Geografia comprometidos com o desenvolvimento
dos alunos e com a prática de cidadania. Por outro lado, na contra­
mão de uma perspectiva renovada, encontram-se práticas inertes e
resistentes a mudanças.

Práticas docentes que permanecem


Professores explicadores: práticas orientadas pelo princípio da prele­
ção, da explicação do conteúdo pelos professores.
Livro didático como fonte única e determinante do trabalho com os
conteúdos, e como fonte de formação dos docentes.
O mapa como ilustração e como instrumento de memorização: há ain­
da dificuldades em se trabalhar as produções cartográficas - mapas,
plantas, desenhos, gráficos - associadas aos conteúdos.
A memória como habilidade predominante a ser explorada e avaliada
no processo de aprendizagem dos alunos.
A estruturação de conteúdos em torno de definições, sem contextualizá
-las e relativizá-las, ensinadas como conhecimentos inquestionáveis.
O improviso como planejamento das a u las, seguindo, em muitos
casos, apenas o que ordena o livro didático, em termos de conteú­
dos e atividades.
O cumprimento do programa a qualquer custo, no tempo disponível
das aulas, ao longo do ano, sem preocupação com evidências de
aprendizagem dos alunos.
A relação formal entre professores e alunos, cada um cumprindo papel
institucional, seguindo o que se espera em seus atos, comportamentos,
sem envolvimento real no processo complexo de desenvolvimento de
conhecimento e de socialização em grupos e contextos determinados.

Nessas práticas, permanecem as atividades que reduzem o


exercício intelectual dos alunos, sendo este basicamente o de repe­
tir informações, explicações esquemáticas, definições/classificações
sobre os temas que lhes são apresentados.

PERMAN:ll.NCIAS, PERSIST:ll.NCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 47


Por que permanecem essas práticas? De quem é a responsabi­
lidade? Os professores têm sua parcela de responsabilidade? Os for­
madores de professores, principalmente os que investem na forma­
ção pedagógica dos futuros docentes, estão deficientes em sua
atuação? E as investigações, por que não trazem resultados efetivos
em termos de alteração dos limites da prática? Estariam elas muito
descoladas das demandas da prática? São questões sempre formula­
das e pertinentes à busca de caminhos alternativos e de possibilida­
des de se enxergar por onde se deve caminhar.

Propostas para práticas renovadas: insistências,


aprofundamentos, resistências
Nesse conjunto de indicações atuais para o ensino de Geogra­
fia, convém destacar, ao revisitar as abordagens emergentes identifi­
cadas no início dessa década, algumas delas que resistem e fazem
parte dos estudos, no sentido de aprofundar seu alcance em direção
a aprendizagens significativas, conforme passo a pontuar a seguir:

Formação de professores de Geografia


Os estudos aprofundam a compreensão de diferentes aspec­
tos: A - os percursos formativos na história e principalmente na
atualidade, com vistas à problematização sobre as práticas como
componentes curriculares, os estágios curriculares, as articulações
entre as disciplinas de conteúdo específico e as pedagógicas; B - Os
saberes docentes e suas múltiplas dimensões, sua composição, suas
fontes; C - O trabalho docente, suas potencialidades e suas limita­
ções nas condições atuais de trabalho; D - Os anos iniciais do ensi­
no fundamental e a formação dos docentes não especializados com
a disciplina de Geografia; E - As políticas públicas, Diretrizes Cur­
riculares Nacionais - DCN, o Plano Nacional do Livro Didático -
PNLD, as diferentes reformas na estrutura do ensino e suas conse­
quências para o ensino de disciplinas específicas.

48 Pensarpela Geografia: ensino e relevância soc:ia1


Sobre os saberes e a profissionalização dos professores, Lopes
(2015) chama a atenção para a importância de se investir na pessoa
do professor, como profissional que tem de lidar com improvisa­
ções e incertezas. Sua formação não pode se orientar por relações
lineares e mecânicas entre o conhecimento técnico-científico e a
prática na sala de aula. Seus saberes são complexos, têm um caráter
situacional, não se pode resumi-los ao praticismo, destituídos de
seus fundamentos teóricos e críticos. Para ele, a tarefa dos forma­
dores de professores é desenvolver formulações teóricas refinadas
que permitam aos estudantes das licenciaturas maior compreensão
da sua atividade profissional, combinando experiência prática e re­
flexão teórica.
Nas palavras do autor,
[ ... ] A negação à possibilidade de a ciência guiar o trabalho docente de
maneira prescritiva - ideário da racionalidade técnica, fortemente
abalada em nosso tempo - e, ao mesmo tempo, o reconhecimento da
presença de saberes tácitos nas ações docentes não desobrigam os for­
madores de professores de fornecer itinerários, mapas que possam
guiar a formação e o desenvolvimento profissional destes. (LOPES,
2015, p. 269)

Enfim, muitos esforços têm sido empreendidos no sentido de


fundamentarem concepções de formação docente, inicial e contínua,
como um desenvolvimento profissional constante, que busca atribuir
ao professor um caráter de intelectual autônomo, detentor de conhe­
cimentos e de capacidades de articulação das contribuições teóricas
da área com as atividades profissionais cotidianas. Com essa concep­
ção, consolida-se a convicção de que saber Geografia é importante e
básico para ensiná-la, contudo, não é suficiente.
A docência é uma atividade complexa que exige conhecimen­
tos de muitas dimensões. Ressalta-se uma dessas dimensões, for­
mulada por Shulman como "conhecimento pedagógico do conteú­
do". Algumas pesquisas dão conta dessa preocupação, como os
trabalhos de Ascenção (2009), Morais (2011) e Lopes (2015). A bus-

PERMAN�NCIAS, PERSIST�NCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 49


ca, com essas contribuições, é pela construção da autonomia e au­
toria do professor: a mudança das práticas e reflexão sobre as pos­
sibilidades de inovações devem ser a tônica para o trabalho docente,
para a escola e para as instituições de ensino superior, em ações
conjuntas e integradas, para responder a esses novos desafios.

O avanço na produção de estudos sobre a Cartografia Escolar,


uma linguagem articulada aos conteúdos geográficos ensinados.
Nesses estudos, são contemplados muitos tipos de produções
cartográficas, cujo entendimento é demandado devido ao seu uso
cada vez mais intenso e disseminado em todos os lugares do nosso
cotidiano. Entre eles, citam-se: mapas (analógicos e digitais), foto­
grafias aéreas, imagens de satélite, desenhos, maquetes, cartas-ima­
gem, gráficos, cartogramas, coremas, aplicativos de navegação.
Nessa linha, defende-se o desenvolvimento da capacidade do pen­
samento espacial, um raciocínio lógico apoiado em habilidades di­
versas, atrelado à construção dos raciocínios geográficos. Mas, ten­
do em conta que se trata de produtos sociais, produzidos
socialmente, e cuja interpretação será feita também socialmente, é
necessário perceber esses produtos como culturais e subjetivos.
Como um modo de representar e comunicar informações sobre os
espaços, o mapa extrapola muito sua produção nos campos cientí­
ficos, constituindo-se em capacidade desenvolvida coletivamente
ao longo da história. No entanto, na Geografia Escolar, ele é uma
importante ferramenta para se produzirem raciocínios diversos so­
bre os temas trabalhados. Uma das ferramentas importantes nesse
objetivo de desenvolver essa capacidade de representação e de ex­
pressão é a confecção dos mapas mentais na escola, juntamente
com o trabalho com mapas tradicionais, técnicos e cartesianos,
com suas regras de representação e semiologia gráficas, contribuin­
do para se construírem representações espaciais com os alunos e
para a compreensão de suas próprias leituras sobre os lugares.

50 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


Sobre mapas mentais, Richter (2013, p. 199) expõe as seguin-
tes considerações:
Entendemos que as representações cartográficas produzidas de pró­
prio punho são provenientes das relações sociais que os indivíduos
realizam cotidianamente, a partir de suas práticas, do campo das ex­
periências, da vivência desses sujeitos, sendo esses/essas sempre atre­
lados aos lugares.
Nesse sentido, na construção de mapas mentais, encontramos tanto
leituras originadas do saber sistematizado/científico e, ao mesmo
tempo, leituras que são provenientes do subjetivo, do particular, de
processos culturais da própria sociedade e que fazem sentido, em al­
guns casos, somente a determinados grupos.

A formação de conceitos geográficos tem se destacado como um


dos aprofundamentos no entendimento das metas do ensino
Há investimentos crescentes na compreensão de . conceitos
formuladores do pensamento geográfico. Tais conceitos referem-se
aos conteúdos, mas são mais amplos. Por essa razão, entende-se
que eles perpassam os conteúdos e fundamentam sua estruturação
em unidades didáticas. A formação de conceitos - produzidos nas
várias especialidades da ciência geográfica para se entender a espa­
cialidade urbana, rural, mundial, local, em seus diferentes compo­
nentes: físicos, sociais, culturais, psicológicos - é essencial para a
compreensão da realidade para além de sua dimensão empírica.
Com a generalização resultante dessa formação, uma atividade
criadora, a realidade é melhor compreendida teoricamente.
Assim, identificam-se trabalhos de pesquisa que elegem con­
ceitos específicos da análise geográfica para nortear atividades de
ensino, como os conceitos de relevo, solo, rede hidrográfica, cidade,
segregação urbana, geopolítica, migração, globalização, rural-ur­
bano e outros mais genéricos, como os de natureza, paisagem, lu­
gar, região e território. E também há autores que discutem, ao lado

PERMANílNCIAS, PERSISTílNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 51


dos conceitos, a fundamentação teórica de sua formação, conforme
faz Couto (2013, p. 51):
O conceito, enquanto forma (de um conteúdo), é plasmado no signifi­
cado das palavras; e enquanto processo é a generalização. Generalizar
é estabelecer significado às coisas do mundo e do viver humanos.
Neste processo, o pensamento e o agir (a práxis) sintetizam impres­
sões desordenadas, estabelecem relações entre o geral e o particular (e
vice-versa), distinguem e agrupam objetos/fenômenos.

Sobre a formação de conceitos, Suertegaray (2018) propõe o


estudo da natureza (e não da Geografia Física) no ensino básico. A
proposta é ensinar a natureza, enquanto uma dimensão constituin­
te do espaço geográfico. Preocupada em como ensinar, a autora
propõe que:
[...] Devemos buscar um caminho que, sem abandonar a descrição e a
classificação, a análise se amplie, de forma que nossos alunos com­
preendam que elementos da natureza, para serem reconhecidos, pre­
cisam ser identificados, localizados, nominados, descritos, agrupa­
dos, e, na continuidade, explicados na sua origem e na sua dinâmica.
(SUERTEGARAY, 2018, p. 16)

A formação cidadã como meta relevante para a educação


básica por meio do ensino de Geografia
Essa linha de reflexão e investigação já se fazia presente em
etapas anteriores, quando se discutia o papel da Geografia na for­
mação básica de crianças e jovens. No momento atual, alcançando
maior objetividade no conceito de cidadania e participação cidadã,
tendo em conta suas múltiplas dimensões (sociais, cívicas, políti­
cas, territoriais), muitas propostas estão sendo realizadas com a ar­
ticulação da escola com a cidade, na escala intraurbana, e focando
os problemas urbanos vivenciados cotidianamente pelos alunos.
Esses estudos têm proposto o desenvolvimento de projetos de inter­
venção pedagógica, levando os alunos a estudarem as causas desses
problemas para se levantarem propostas de seu equacionamento.

52 Pensarpela Geografia; ensine e relevância social


São referências dominantes desses estudos as reflexões lefebvreanas
sobre o direito à cidade, as possibilidades educativas na e da cidade,
as dimensões territoriais do direito à cidade, entre outros.

A exploração de linguagens alternativas à linguagem carto­


gráfica e à linguagem verbal
A literatura, a música, a internet, as fotografias, os filmes, o
teatro, jogos, produção de vídeos e blogs estão cada vez mais pre­
sentes nas investigações sobre o ensino de Geografia, explicitando
o entendimento de que potencializam a aprendizagem dos alunos.
Há um pressuposto que orienta esse tipo de trabalho que traduz
possibilidades de se mobilizarem os processos cognitivos dos alu­
nos. Defende-se, assim, a potencialidade das associações entre ob­
jetividade e subjetividade, racionalidade e imaginação, ciência e
arte. Como um exemplo nessa direção, Pontuschka (2015) traz um
relato interessante atestando as positividades ao trabalhar um livro
de literatura latino-americana para compreender a espacialidade
dos povos andinos. Essa linha de investigação está, digamos, aber­
ta, pois muito se tem produzido e há ainda problemáticas a serem
aprofundadas e potências a serem exploradas na linha do que se
tem denominado cartografia social. Essa pretende compreender a
subjetividade nas representações dos fenômenos, nas articulações
possíveis dessas linguagens entre si, bem como entre elas e a lin­
guagem verbal.

Os estudos sobre o ensino de Geografia em contextos diversos


e para grupos de alunos diferentes
Esses estudos têm se intensificado nos últimos anos e inves­
tem sua atenção nas possibilidades de um ensino voltado especi fi ­
camente para o campo, à educação para indígenas, com as contri­
buições dos postulados sobre essas situações, à educação para
pessoas cegas e pessoas surdas. Eles incluem tanto o ensino em ins-

PERMANllNCIAS, PERSIST!lNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 53


tituições e espaços específicos como em espaços "convencionais",
que incluem alunos com diferentes necessidades, com deficiências,
com problemas pessoais e familiares.

A reflexão teórico-metodológica como fundamento para o


ensino de Geografia
Essa reflexão tem tido destaque cada vez maior e aprofunda­
mento nas pesquisas atuais sobre o ensino de Geografia, realizando­
se tanto à luz de aportes da teoria filosófica e educacional quanto das
teorias geográficas. Alguns indicativos da maturidade teórica na
produção do campo do ensino de Geografia podem ser percebidos na
preocupação de alguns textos com a discussão sobre os referenciais
epistemológicos nas propostas explicitadas. A defesa é a de que os
estudos sobre o ensino não podem se orientar meramente pela tônica
da prática e de modos e procedimentos a serem escolhidos para essa
prática, uma vez que essas escolhas têm relação com os pressupostos
teóricos sobre a sociedade, sobre o mundo, sobre a ciência, a educa­
ção, os sujeitos sociais e os seus processos de aprender e de ensinar.
São esses pressupostos que orientam escolhas sobre como
atuar no campo do ensino, e é a consciência dessa orientação que
possibilita que as propostas se tornem mais consistentes e mais coe­
rentes com o movimento social e político no contexto em que se
está estudando. Merecem destaque, nesse sentido, as reflexões a
respeito dos métodos de conhecimento, em suas diferentes matri­
zes, atestando que a didática, linha à qual se ligam os estudos de
ensino de Geografia, é também e principalmente uma discussão
epistemológica. Assim, as discussões voltam-se aos processos de
conhecimento geográfico e suas filiações teóricas, às teorias geo­
gráficas e aos debates em torno das categorias de análise, e aos pro­
cessos de formação do pensamento, dos conceitos.

54 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


O currículo como orientação para um trabalho docente
autônomo
Essa é uma temática constante nas discussões desse campo, as­
sumindo nesses últimos anos um protagonismo considerável em
função das políticas implementadas que estão em pauta. Estamos no
contexto atual, efetivamente, diante de uma profusão de políticas e
normativas voltadas, direta ou indiretamente, às questões curricula­
res. Dentre elas, podem ser citadas: as Diretrizes Nacionais Gerais
para a Educação Básica - DCNEB (BRASIL, 2010a), Diretrizes Na­
cionais da Educação Infantil - DCNEI (BRASIL, 2010b), Diretrizes
do Ensino Fundamental de nove anos - DCNEF (BRASIL, 2010c) e
Diretrizes Ensino Médio (BRASIL, 2012); a Reforma do Ensino Mé­
dio (BRASIL, 2017a) e a Base Nacional Comum Curricular - BNCC
(BRASIL, 2017b). Todas essas medidas são instrumentos que indu­
zem a uma mudança de currículo e querem alterar as práticas de
ensino das diferentes disciplinas. Assim, vão delineando caminhos a
serem trilhados e lutas a serem travadas. Nesse contexto, em muitos
estudos ganham centralidade os questionamentos sobre os desdo­
bramentos dessas medidas no cenário real das escolas.
Sobre a BNCC, por exemplo, os estudos fazem diferentes
questionamentos, destacando-se os seguintes: a Geografia proposta
nesse documento consegue cumprir o objetivo de formação do
pensamento geográfico dos alunos? A escala nacional é adequada
para a concepção de currículo. Alguns temas teriam sido adequa­
dos e intencionalmente privilegiados, enquanto outros foram ne­
gligenciados? Por que alguns temas não foram contemplados? De
todo modo, mesmo considerando esses questionamentos e críticas,
reconhecem-se avanços no documento, no sentido de que esses dão
uma orientação a partir do trabalho coletivo, com as negociações
possíveis nesse tipo de trabalho.
Outra política que é objeto atual de discussão, cuja crítica é
.:nais contundente, é a Reforma do Ensino Médio. Nesta proposta, a
Geografia passa a integrar a área de Ciências Humanas, com a

'T=.RMANÊNCIAS, PERSISTÊNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 55


ameaça de ser, efetivamente, descaracterizada, secundarizada, di­
minuída em conteúdos fundamentais.
Não é meta nesse texto fazer a análise dos documentos que
estruturam os currículos da educação no Brasil em seus diferentes
níveis. Busca-se apenas registrar essa temática que acompanha os
diversos documentos, pautando frequentemente o debate e a luta
por cenários consonantes com os anseios dos sujeitos envolvidos
diretamente com a educação e com o ensino de Geografia em par­
ticular. Ao invés de. fazer a análise dos documentos, formulo as se­
guintes questões: por que são sempre metas dos governos as altera­
ções de estrutura e de currículo das escolas? Será esse o principal
entrave à qualidade das práticas realizadas nestas instituições?
Esses têm sido eixos das produções no campo do ensino de
Geografia no Brasil, retratando os avanços e recuos, os limites e
desafios, que trazem elementos para dar o passo seguinte.

Práticas de pesquisa e ensino em movimento constante:


persistências, reafirmações
A atribuição a temas, como persistências e/ou reafirmações
de um movimento constante, quer ressaltar que muito do que se
propõe ou se estuda hoje já estava anunciado, explorado, focado em
outros tempos dessa trajetória. Mas, agora, são recolocados, ressig­
nificados, em um contexto novo, com contornos novos. São recolo­
cados, assim, como metas inegociáveis, e ainda que não contempla­
das inteiramente, sempre são temas vistos como referências de
nossos trabalhos, que os abrem e os delimitam ao mesmo tempo.
Percebo, ainda, como primeiro desafio da pesquisa e do ensino
de Geografia no Brasil, a busca de qualidade do ensino em geral e
geográfico em particular. Conscientes das limitações que a estrutura
educacional impõe à efetivação dessa qualidade, persistem na sua
busca, considerando que para isso é necessário articular dimensões
pedagógico-didáticas e teórico-epistemológicas da Geografia. Essa

56 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


reflexão é de fundamental relevância para se compreender o ensino
como processo. Disso decorre a preocupação com os primeiros anos
de aprendizagem, com os conteúdos e linguagens dessa disciplina e
com sua realização ao longo dos anos em direção à contribuição efe­
tiva no desenvolvimento dos alunos. Essa reflexão orienta um traba­
lho docente intelectual, autônomo e autoral, como já foi dito, que tem
claras as finalidades educativas da Geografia e que utiliza as orienta­
ções curriculares e o livro didático como veículos de seus conteúdos,
de forma crítica e também autônoma.
Outro desafio para o ensino de Geografia que perpassa seus
movimentos é a busca por ensiná- la com significado para o aluno. O
reconhecimento do aluno como sujeito do processo tem resultado
em avanços na compreensão das diversidades e diferenças a serem
contempladas nas práticas. Nessa direção, buscam-se conhecer os
alunos, seus processos cognitivos, suas práticas cotidianas, seus valo­
res, seus conhecimentos. Nessa perspectiva, ficam alguns questiona­
mentos: como considerar os alunos, suas identidades e diferenças (os
pobres e os ricos, os negros, cegos, surdos e mudos, os do meio urba­
no e do meio rural), e seu protagonismo como referência no ensino,
em suas múltiplas identidades em prol de uma luta comum?
A luta é sempre por se efetivarem projetos que se proponham
a ensinar de modo a contribuir para o avanço da sociedade. Entre­
tanto, permanece o desafio de se ensinar, de um lado, fundamen­
tando-se em uma explícita compreensão do que é a Geografia, de
suas possibilidades de elucidação de diferentes aspectos da realida­
de, de sua demanda, e, de outro, o de se ensinar pela demanda das
crianças e jovens escolares, reconhecidamente sujeitos que têm pa­
pel central no processo de ensino, com suas expectativas e perspec­
tivas para a vida cotidiana, que requer um tipo inadiável de conhe­
cimento. A aproximação entre essas duas demandas nem sempre
ocorre, e o desafio é exatamente provocar encontros entre elas nas
situações de ensino.

PERMANllNCIAS, PERSISTllNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 57


Muito já se avançou no sentido da não padronização dos alu­
nos, da consideração de sua diversidade, de suas diferenças e neces­
sidades, pois a sociedade contemporânea vive a experiência do
múltiplo, da diferença, da heterogeneidade. Essa pluralidade, sinte­
tizada ou expressa na cultura dos sujeitos - alunos e professores -,
também se expressa na escola, manifestando-se na experiência de
aprendizagem diversificada. Fica o desafio de se encontrarem for­
mas que considerem a diversidade dos alunos, suas diferentes ex­
pectativas e realidades e, ao mesmo tempo, que contemplem o con­
teúdo da Geografia pensado pelo coletivo, por aqueles que se
especializam nos estudos da área,_relevantes e necessários à forma­
ção e efetiva inclusão social dos alunos em suas diferenças. Nesse
sentido, vale também o questionamento: como garantir uma rela­
ção democrática, viva e respeitosa entre professores e alunos e, ao
mesmo tempo, como conseguir orientar o processo com a liderança
que deve ser própria do professor? São dilemas próprios da escola
como um todo e não somente para a Geografia.
Nesses desafios, persisto com a convicção cada vez maior de
que o que a Geografia produz é importante para a vida cotidiana,
devendo compor o conjunto de conhecimentos necessários à edu­
cação básica dos cidadãos. Ela não apenas reúne um conjunto de
conhecimentos, informações e dados da produção espacial em dife­
rentes lugares do mundo, resultantes de diversos aspectos naturais
e não naturais, mas, sobretudo, das relações sociais que se inscre­
vem nesses espaços e dialogam com esses espaços. Além disso, ela
produz um arcabouço teórico-metodológico que orienta uma aná­
lise peculiar das coisas, servindo de orientação para se ampliar
cada vez mais a capacidade de compreensão da realidade. Para
cumprir seu papel na formação, é importante superar o empirismo,
a tradição da escola e das aulas de Geografia que visam tratar so­
mente do mundo empírico e apresentar os temas como se fossem
objetos empíricos, considerando-os como objetos de pensamento.

58 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


Esse desafio instiga a demanda por se realizarem cursos de
formação docente com maior articulação entre as disciplinas ditas
de conteúdo e as pedagógicas; e pela busca da articulação entre a
Geografia Acadêmica e a Geografia Escolar, nas disciplinas minis­
tradas nos cursos, o que poderia ser efetivado com as chamadas
"práticas como componente curricular". Além disso, há o desafio
de se fortalecerem experiências de formação inicial e continuada de
forma colaborativa com parcerias entre universidades e escolas de
ensino básico, cujo desdobramento pode ser o de identificação de
problemas a serem investigados também de modo colaborativo.
Por fim, coloco como desafio de atual relevância o fortaleci­
mento das discussões teórico-metodológicas, para além das pautas
políticas e práticas, sobre o que é a Geografia e para o que serve. Há
um pressuposto inicial de que a Geografia na escola serve para de­
senvolver o pensamento geográfico. Ela serve para pensar. Esse reco­
nhecimento não é novo. Para exemplificação, pode-se trazer a decla­
ração de Souza e Katuta (2001) de que o principal papel do ensino e
da formação básica é o de ensinar o aluno a pensar. No entanto, aler­
tam, não se pode pensar a não ser por meio dos conteúdos.
O papel da Geografia, no ensino fundamental e médio, deve ou deve­
ria ser o de ensinar ao aluno o entendimento da lógica que influencia
na distribuição territorial dos fenômenos. Para isso, faz-se necessário
que o discente tenha se apropriado e/ou se aproprie de uma série de
noções, habilidades, conceitos, valores, atitudes, conhecimentos e in­
formações básicas para que o pensamento ocorra ou para que o en­
tendimento e o pensamento sobre o território ocorram.

Pois bem, esse reconhecimento de que os conteúdos da Geo­


grafia servem para pensar já é um avanço na construção da Geo­
grafia Escolar, pois progride no sentido de ultrapassar a ideia de
que se ensina essa disciplina somente para se transmitir conheci­
mentos: informações, fatos, fenômenos, para serem memorizados.
No entanto, na medida em que se prossegue nessa, digamos, ideia­
força, delineiam-se demandas no sentido de se esclarecer mais pro­
fundamente o que significa esse pensar no contexto do ensino. Nes-

PERMANÊNCIAS, PERSISTÊNCIAS E DESAFIOS DE RENOVAÇÕES NO/DO ENSINO 59


sa direção, alguns estudos têm sido realizados, dos quais destaco os
de Oliveira (2015), Duarte (2016), Copatti (2019) e Aragão (2019).
Nessa direção também me coloco, em busca de esclarecer minha
posição do que é focar o ensino de Geografia no desenvolvimento
do pensamento geográfico do aluno.Mas isso é assunto para o pró­
ximo capítulo.

Pensarpela Geografia: ensino e relevância social

60
2

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO
GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS
ESPACIAIS COTIDIANAS
a reafirmação de um posicionamento teórico

e onforme foi visto no capítulo anterior, a Geografia escolar


brasileira das últimas décadas, sob a influência de muitos
especialistas da ciência geográfica e da Didática dessa dis­
ciplina, tem investido muitos esforços na busca por caminhos que
a tornem mais significativa para o amplo desenvolvimento dos es­
:udantes das várias fases e níveis de ensino em que ela se faz pre­
sente. Conforme foi devidamente destacado, novas abordagens dos
conteúdos têm sido indicadas para essa finalidade, como o trabalho
com a cartografia como linguagem, a efetivação de um tratamento
:!.Iltegrado aos componentes físico-naturais, a estruturação de con­
:eúdos articulados a conceitos geográficos a serem desenvolvidos
�los alunos. Algumas dessas indicações são efetuadas no cotidia-
20 das aulas, outras nem tanto. Porém, são tendências que de algum

::::iodo constituem-se como caminhos potentes para se cumprirem


.-:emandas do trabalho com conhecimentos poderosos (YOUNG,
:016) no âmbito da Geografia Escolar.
A efetivação incompleta de demandas do ensino significativo
.:_e Geografia tem a ver com inúmeros fatores, estruturais e conjun­
:!lfais, que não cabe aqui arrolar. Contudo, tratam-se de fatores re­
:erentes ao sistema escolar como um todo, ao cotidiano das escolas

61
em diferentes lugares, mas também aos sujeitos que se responsabi­
lizam por essa atividade escolar, entre eles estão os professores des­
sa disciplina. Alguns estudos realizados têm apontado nessa dire­
ção. Ou seja, uma das vias de efetivação das propostas para um
ensino de Geografia que coadune com as demandas atuais é o tra­
balho docente consciente e intencionado por essas indicações. É
adequado, portanto, eleger como um dos pilares dessa efetivação o
investimento em aspectos da formação, inicial e continuada, do
professor, tendo como um eixo estruturante dessa formação o de­
senvolvimento de convicções a respeito do que é Geografia e para
que ela serve na escola e, especialmente, na formação dos alunos.
Tenho visto que esse direcionamento desperta interesse por
parte de quem se dedica aos estudos na área do ensino dessa disci­
plina, por constituir caminhos que elucidam eoncepções basilares
à Geografia Escolar e aos seus questionamentos: o que é, a que ela
se propõe, para que ela tem servido historicamente e para que ela
serve em contextos determinados, como o do Brasil de hoje. De
fato, a clareza quanto a essas questões torna possível a atuação nas
aulas com mais segurança e autonomia sobre determinada seleção
e abordagem de conteúdos.
Na pesquisa, conforme foi dito, muito já tem sido feito, em
décadas passadas, com a finalidade de se pensar o sentido da Geo­
grafia na escola, alcançando significativos avanços. No contexto
contemporâneo, alguns esforços representam a continuidade des­
ses avanços e a consolidação da produção acadêmica, como os estu­
dos que serão referidos adiante. Acrescente-se que eles só são pos­
síveis em razão de um acúmulo de estudos já realizados
anteriormente sobre essas discussões.
Neste capítulo, com o objetivo de contribuir com essa produ­
ção, pretendo registrar meu entendimento sobre a seguinte questão:
afinal, qual pode ser a contribuição efetiva e peculiar da Geografia
que justifica sua permanência como disciplina na escola básica?

62 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


Há muito tempo têm sido feitas referências ao objetivo de en­
sinar Geografia como sendo a formação de um tipo de pensamento,
ou de um tipo de raciocínio: o pensamento/raciocínio geográfico.
Mas o que é exatamente isso? Existe, de fato, algum tipo de pensa­
mento que se pode chamar de geográfico? Como identificá-lo? Qual
a sua especificidade?
Na produção geográfica mais recente, circunscrita ao período
e contexto analisados no capítulo anterior, a explicação sobre o que
se entendia por pensamento geográfico não foi uma preocupação
muito forte entre os pesquisadores da área de ensino de Geografia,
sobretudo no Brasil. Pode-se inferir que havia um pressuposto, a
partir dos movimentos de sua renovação, de que ensinar Geografia
não poderia consistir em uma ação de transmissão de conteúdos
<
por si mesmos, mas deveria ser uma ação que ensinasse a se fazer a
análise geográfica de fatos e fenômenos. Tal perspectiva acusava
não apenas uma mudança no olhar sobre o ensino de Geografia,
como também constituía um caminho frutífero para o reconheci­
mento de sua relevância social.
No entanto, as propostas frequentemente incluíam, de modo
articulado, orientações pedagógicas e de abordagem de conteúdos
específicos, mas não se detinham muito na explicação de como se
constituiria a análise a ser feita. Então, denominações, como pen­
samento geográfico, raciocínio geográfico e pensamento espacial,
muitas vezes equivaliam-se como se fossem sinônimas, ou capaci­
dades intelectuais equivalentes. Ou seja, nesse contexto é possível
encontrar textos de um mesmo autor, entre os quais eu me incluo,
utilizando mais de uma dessas denominações para argumentar so­
bre o objetivo de ensinar Geografia. Por outro lado, pode-se atri­
buir esse pouco cuidado em explicitar o significado dado aos ter­
mos em razão das demandas que caracterizavam o contexto
anterior, cuja atenção limitava-se ao tipo de abordagem e aos tipos
de conteúdo que tinham predominância no ensino de Geografia.

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRATICAS ESPACIAIS 63


Atualmente, em razão do desenvolvimento teórico e metodo­
lógico na área, a demanda por esclarecer os ganhos cognitivos e
perceptivos com essa abordagem e esse tipo de conteúdo delineia­
se melhor. Essa discussão tem estado mais presente nos debates,
impulsionando um cuidado maior com a utilização dos termos e
seus significados.
Nesse sentido, considero relevante ratificar como posiciona­
mento sobre essa reflexão, ou seja, sobre o que é característico do
ensino de Geografia Escolar. Meu entendimento é de que ensinamos
Geografia para que o aluno aprenda a pensar geograficamente. Por­
tanto, parto do pressuposto de que o pensamento geográfico é a ca­
pacidade geral de realizar a análise geográfica de fatos ou fenômenos.
Nessa perspectiva, venho firmando a concepção de que o raciocínio
geográfico é um modo de operar com esse pensamento. Sãó" raciocí­
nios específicos articulados pelo pensamento geográfico.
Esse debate tem sido possível na área de pesquisa sobre ensi­
no de Geografia devido ao seu amadurecimento teórico e metodo­
lógico. De fato, esse campo tem se constituído como uma impor­
tante área de investigação, conforme atestam alguns estudos que
analisam sua produção nas últimas décadas. Como foi visto no ca­
pítulo anterior, é possível perceber essa relevância por inúmeros
indicadores, como os muitos espaços para o debate (eventos nacio­
nais, regionais, os periódicos e livros) sobre o que tem sido produ­
zido na área.
Nessa condição de maturidade científica e intelectual, já se
tem considerável reflexão quanto às problemáticas específicas a se­
rem investigadas, às metodologias dos estudos realizados, às cate­
gorias de análise e à fundamentação teórica. Para o desenvolvi­
mento dessa produção, há indicações de que novas demandas
investigativas estão surgindo no contexto contemporâneo, entre
elas está a discussão sobre o discurso utilizado. Assim, para apro­
fundar a compreensão da problemática que envolve o ensino desse
campo, não basta, por exemplo, afirmar que sua meta é a formação

64 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


do pensamento geográfico, é necessário avançar a teoria e formular
explicitamente o que se entende por esse pensamento. Esse é o es­
forço a ser realizado a seguir.
Tomando como base minhas pesquisas e reflexões sobre o en­
sino de Geografia, tenho afirmado que a busca por ensiná-la de
modo que seja significativa para os alunos leva a definir como meta
a formação, por meio dos conteúdos veiculados em salas de aula, de
um modo de se pensar a realidade, um modo de se pensar geogra­
ficamente. Essa convicção advém da formulação de um entendi­
mento da Geografia Escolar, constituída por um conjunto de sabe­
res, internalizados e amalgamados pelo professor, originados em
diferentes campos do conhecimento e em diferentes dimensões da
prática. Sobre esse entendimento, destaca-se o Conhecimento Peda­
gógico do Conteúdo (PCK), na formulação'de Shulman (1986). Em
outras palavras, para que o professor formule esse conhecimento,
suas fontes básicas são diversas, entre elas estão seus conhecimen­
tos do campo da educação e da Geografia, o que implica entender
que uma fonte importante a ser considerada, nesse sentido, é a da
ciência de referência. Isto é, para formular seu entendimento do
que é e para que serve a Geografia (parte do Conhecimento Peda­
gógico do Conteúdo), o professor mobiliza, entre outros saberes,
conhecimentos da ciência de referência: a ciência geográfica.
Assim, ao se estabelecer a ideia, de forma consciente, de que a
Geografia serve para desenvolver o pensamento geográfico, seu en­
tendimento do que é esse pensamento terá, em boa medida, a mar­
ca das teorias geográficas a respeito. Portanto, para sistematizar
um entendimento desse conceito como meta de ensino, é necessá­
rio iniciar tecendo-se considerações sobre o modo como esse pen­
samento está compreendido na ciência. Para tanto, utilizam-se as
exposições de alguns dos teóricos de referência que estudam esse
tema, alertando o leitor de que estas não significam um conjunto
homogêneo de posições teórico-metodológicas, mas uma pequena
seleção na vasta produção da área. O que importa nessa seleção é

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 65


procurar elementos que auxiliem na formulação explícita sobre a
especificidade desse campo disciplinar.

Pensamento geográfico: esclarecimento do conceito


A preocupação com a explicação do que significa pensamento
geográfico está, em princípio, ligada à necessidade de demonstrar
que a Geografia contribui, de uma maneira peculiar, com as produ­
ções científicas a respeito da realidade. Há um entendimento pre­
dominante na área de que ela produz de fato um tipo de conheci­
mento característico, que agrega com algum aporte elementos
importantes para a compreensão dessa realidade, física ou social.
Tim Uwin (1995), conforme destacado na introdução do li-
vro, fala em quatro possibilidades de distinção de uma disciplina
,.
ou campo científico: o objeto; o método; as práticas; e os problemas
abordados/formulados. Se considerarmos que essas quatro possibi­
lidades não são excludentes e que na verdade elas atuam juntas na
estruturação do conhecimento, e de forma articulada vão apresen­
tando elementos para o desenvolvimento da ciência, então, pode-se
dizer que em parte a Geografia é o que os geógrafos têm feito nesses
últimos dois séculos pelo menos. E, particularmente, é o que os
geógrafos, no contexto brasileiro, têm feito nas últimas décadas,
em nome do desenvolvimento desse campo. Com seus textos e suas
investigações, eles têm trazido a sistematização de uma linguagem
comum ou compartilhada. Nessa linguagem estão os conceitos
produzidos, em desenvolvimento e atualização constante, que dão
vida, na forma de categorias de análises, às produções acadêmicas
realizadas. Eles também têm compartilhado modos mais ou menos
semelhantes de fazer pesquisa, com a busca por observações diretas
na realidade estudada, por meio de trabalhos de campo, com coleta
e produção de dados a respeito dessa realidade estudada, recortada
espacial e temporalmente. Com isso, produzem conhecimentos
com pesquisa de natureza qualitativa ou quantitativa, ou seja, mes-

66 Pensarpela Geografia: ensino e relevância socü:ú


:no com várias orientações teóricas, pode-se falar em métodos de
�squisa compartilhados.
Outro modo de se fazer Geografia está relacionado ao tipo de
mdagação que se faz aos objetos de conhecimento, expressando os
?roblemas que lhes são formulados. Seu objeto de estudo, por sua
...-ez, tem sido entendido, predominantemente, como o espaço geo­
gráfico, ainda que este não seja um entendimento consensual. Nes­
sa discussão sobre o objeto, as restrições em defini-lo são, em al­
guns casos, atribuídas ao risco de lhe dar um tratamento estanque,
�ornado separadamente do sujeito.
A discussão sobre espaço geográfico e seus conceitos estrutu­
:-antes será feita no capítulo seguinte, quando forem abordados na
estruturação dos conteúdos escolares dessa disciplina. Por agora,
;,ara discutir sobre o que é pensar geograficamente, ou qual tipo de
�nsamento é possível se desenvolver com a contribuição da Geo­
grafia, é importante se ater a um ponto de distinção de uma ciência,
assinalado por Uwin (1995): as perguntas, a problemática possível
de se fazer a partir de uma ciência específica. Trata-se de uma ques­
�o epistemológica que deve ser entendida na relação entre sujeitos
e objetos de conhecimento. Nesse sentido, um primeiro passo para
entender o que é peculiar à Geografia é ter clareza sobre as questões
que são feitas por um sujeito que quer analisar um fato, um fenô­
:neno ou acontecimento do ponto de vista geográfico.
Algumas perguntas são específicas da Geografia? Ou existe
uma articulação de questões que acionam um tipo de conhecimento
específico? São essas questões articuladas que constituem um dos
?Ontos-chave para se compreender o que é específico desse campo do
conhecimento? Se a resposta a essa última questão for sim, esse é um
ponto importante da discussão. Inicio por ele porque as questões ti­
picamente geográficas são feitas, intencional e conscientemente, por
um sujeito de conhecimento que tem a capacidade de fazê-las, pois
tem um tipo de pensamento que o impulsiona a isso. E as respostas

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 67


que é capaz de formular, com base em raciocínios específicos, resul­
tam na produção de um conhecimento geográfico.
Desde a formulação de Foucher (1989, p. 21), no contexto do
Movimento de Renovação da Geografia, aprendi que são questões
tipicamente geográficas: Onde? Por que aí?, e que essas questões obri­
gam o pensamento a considerar um conjunto de escalas. Desde então
tenho partido do entendimento de que tais perguntas são fundamen­
tais para se elaborar raciocínios que serão acionados a partir de uma
capacidade de pensamento - o pensamento geográfico.
Mas, então, o que é esse pensamento geográfico? Podemos
buscar entendimento desse conceito com a contribuição de alguns
autores de referência, como Ruy Moreira, Paulo Cesar Gomes, Mil­
ton Santos, Roberto Lobato Correa, Antônio Carlos Robert Moraes,
David Harvey, Edward Soja e outros.
Gomes (1997, 2002, 2012, 2013, 2017), em várias de suas pu­
blicações, e em palestras proferidas, afirma que a Geografia é uma
forma de pensar, uma forma original de produzir conhecimento. E
reforça a relevância das perguntas que essa ciência faz ao objeto
como sua peculiaridade: elas indagam a explicação das localiza­
ções; por isso são tão importantes a composição, o sistema de com­
posição das localizações e suas imagens (mapas, quadros), e a or­
dem das coisas. Esse autor argumenta sobre seu entendimento de
que o que existe de similar nas diferentes áreas e produções dentro
da Geografia, e o que diferencia o geógrafo dos demais estudiosos
- o olhar geográfico - é a "busca por princípios de coerência dentro
da ordem espacial", sendo assim "um ato de qualificar o espaço"
(GOMES, 1997, p. 36). Em suas palavras:
[...] a Geografia tem um compromisso fundamental que é o de produ­
zir uma cosmovisão [...] procura uma ordem para o diverso, para o
espetáculo da dispersão espacial original [ ...] a partir dos instrumen­
tos conceituais de cada momento, oferece uma compreensão das ima­
gens mentais que constroem a ideia de ordem ou coerência espacial
em cada época (GOMES, 1997: 34).

68 Pensarpela Geografia: ensino e rekvância social


Essa explicação remete ao que é próprio da Geografia, que é
!}erguntar "por que as coisas estão onde estão?". Isso é "qualificar
o espaço", é dar sentido à ordem das coisas. Essa ordem não é ca­
sual, natural, neutra, ao contrário, ela é subjetiva, social e histori­
camente produzida. E, pela contribuição do autor, pode-se enten­
der que as questões que se fazem sobre a ordem das coisas dirigem
o olhar geográfico para determinada direção - a depender dos
princípios e dos instrumentos conceituais que foram e são construí­
dos por esse campo. Aqui já se poderia inferir sua concepção de
pensamento geográfico.
Seguindo adiante, pode-se tomar outra formulação de Gomes
(2012, p. 21), para construir mais sistematicamente uma concepção
de pensamento geográfico. O autor afirma que o raciocínio geográfi­
co, que eu chamaria aqui de pensamento geográfico, é "Íquele cons­
truído pela interrogação sobre as razões que explicam a disposição
das coisas no espaço e, em seguida, sobre as significações e conse­
quências de tal ordem espacial". Na sua concepção, as interrogações
são importantes na construção de um pensamento geográfico, pois
implicam no anseio pelo entendimento sobre como as coisas estão
distribuídas no espaço geográfico, envolvendo, portanto, suas locali­
zações, significações e, principalmente, as consequências dessa dis­
tribuição espacial. Nessa mesma direção, ele chama a atenção para o
fato de que o raciocínio geográfico (ou pensamento geográfico) está
rnltado para algo mais que a localização de cada objeto em específi­
co, pois aos geógrafos interessa a maneira pela qual as formas se or­
ganizam e a lógica que orienta essa organização.
Nesse trabalho de qualificar a produção geográfica, o autor se
aprofunda mais na busca por compreender como se dá o olhar para
as formas, cores e significados - as imagens. Com o cuidado de
formular uma metodologia desse olhar para as coisas, ele quer en­
tender como a disposição espacial eventualmente colabora com o
fenômeno da visibilidade, ou, segundo suas palavras, como "a orga­
nização do espaço participa das estratégias que oferecem ou am-

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 69


pliam a visibilidade das coisas, fenômenos ou pessoas" (GOMES,
2013, p. 10). Esse raciocínio quer dizer, por exemplo, que o lugar
que alguém ocupa ou mora em uma cidade dá a ele maior ou menor
visibilidade, isto é, a posição de alguém em uma área qualquer in­
terfere em sua visibilidade, e isso tem consequências importantes.
Com a preocupação de compreender esse fenômeno, o autor
avança no sentido de trabalhar com categorias que classificam, em
seu entendimento, a espacialidade e sua contribuição para nossa
percepção visual. Com isso, busca compreender a relação entre vi­
sibilidade e espacialidade. A ideia de espacialidade é empregada no
sentido de "uma trama locacional associada a um plano, uma s u ­
perfície ou volume [...] resultado de um jogo de posições relativas"
(GOMES, 2013, p. 17). Essas posições se expressam pelo ponto de
vista, pela composição e pela exposição.
Mais recentemente, o autor publicou um livro com o título
Quadros geográficos: uma forma de ver, uma forma de pensar...
(GOMES: 2017 ). Esse título já deixa ao leitor a intenção do texto:
demonstrar o que ele chama de hipótese sobre a identidade do cam­
po - o que é Geografia, um debate epistemológico. Chamo a aten­
ção sobre essa hipótese, sem necessariamente apropriar-me total­
mente de suas propostas metodológicas para a análise geográfica.
No entanto, quero corroborar com a ideia de que a Geografia é um
modo de organizar o pensamento (do geógrafo e de todos os cida­
dãos), é uma organização de elementos da realidade que produz o
pensamento geográfico. Essa proposição, como afirma o próprio
autor, decorre das três formas, e uma hipótese, que ele apresenta
como domínios do geográfico (GOMES, 2017, p. 13-21):

Forma de sensibilidade (sensibilidade espacial): uma espécie de im­


pressão causada pela dimensão espacial.
Forma de inteligência (inteligência espacial): produz conhecimentos
fundados na questão - onde?.

70 Pensarpela Ge.ografia: ensino e relevância social


• Campo científico: responde à questão sobre o porquê da lógica das
localizações.
• A hipótese: uma forma de pensamento: uma forma original d e pensar

Para trabalhar com essa formulação, o autor faz um resgate,


na história da Geografia, de algumas contribuições, exemplo disso,
para revelar conceitos e princípios que qualificariam esse pensa­
mento ao longo da sua história. Então, ele começa pelo conceito de
quadro geográfico (pensar por meio de quadros - imagem e imagi­
nação), e vai aos princípios - unidade, conexão, sistema, observa­
ção, harmonia -, demonstrando as mudanças que foram ocorrendo
na história. Como exemplo disso cita princípios como unidade
(todo) que foram mudando de sentido, passandç a figurar como
possibilidade de conexão das coisas, sendo que a localização passou
a ser elemento-chave do pensamento, além da descrição e da situa­
ção. Como conclusão, afirma que uma forma de pensar geográfica
compõe raciocínios que decorrem de sua pergunta fundadora: por
que isso está onde está? (GOMES, 2017, p. 145).
Com esse mesmo propósito de analisar a distinção da Geogra­
fia como campo científico e preocupado em explicar como esta ciên­
cia "serve para desvendar máscaras sociais", Ruy Moreira (2007) traz
suas contribuições. Para ele, a ciência, assim como a arte e a religião,
é uma forma de representação, que resulta da relação intelectual do
sujeito com a realidade sensível. Na representação científica, são im­
portantes os princípios lógicos, os conceitos e as categorias.
Moreira (2007) apresenta seu entendimento sobre os concei­
tos, categorias e princípios da Geografia, transitando pelos antigos
e novos aspectos do pensamento geográfico, convidando o leitor a
enveredar por esse pensamento que está "em busca incessante de
ajudar os homens a clarificar o mundo como mundo-do-homem
por meio da categoria do espaço" (idem, 2007, p. 10). Essa sua apre­
ciação, inscrita na introdução do livro, dá uma ideia de que ele en-

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 71


tende que o pensamento geográfico é um modo específico de clari­
ficar o mundo "por meio da categoria do espaço".
Como aspectos mais antigos desse pensamento (séc. XIX), o
autor resgata no período do Renascimento o papel da Geografia em
oferecer a cartografia que fosse base à tarefa de "vasculhar" o novo
mundo: "É o século que pede uma geografia e um geógrafo que
mapeiem o mundo com o rigor matemático da localização" (MO­
REIRA, 2007, p. 15), revelando o estudo do espaço como suporte
físico das ações humanas. Esse seu papel histórico vai sendo modi­
ficado ao longo do tempo, passando, segundo seu argumento, pelo
que Lacoste (1977 apud MOREIRA, 2007) denunciou como duas
geografias: a dos Estados maiores e a dos professores (cuja i:q.fluên­
cia no desenvolvimento da Geografia já foi mencionada no capítulo
anterior), chegando aos anos de 1950, em que já não bastava à teoria
geográfica localizar, demarcar e mapear o espaço. "É preciso saber
ler e entender de mudanças" (MOREIRA, 2007, p. 16). Nesse perío­
do, já está posto seu papel específico de "verificar o efeito da locali­
zação sobre as arrumações e diferenciações dos entornos" (Idem,
2007, p. 17).
Para se compreender essa realidade com o olhar geográfico,
há de se fazer o que Moreira {2007) chama de representação, arti­
culando para isso suas categorias, conceitos e princípios lógicos.
Para ele, analisar espacialmente o fenômeno implica descrevê-lo na
paisagem, analisá-lo em termos de território, para compreendê-lo
como espaço. E, para efetuar essa análise, Moreira propõe um "ar­
cabouço lógico-metodológico", com o uso dessas categorias e dos
seus princípios lógicos - localização, distribuição, extensão, distân­
cia, posição e escala:
Tudo na geografia começa então com os princípios lógicos. Primeiro
é preciso localizar o fenômeno na paisagem. O conjunto das localiza­
ções dá o quadro da distribuição. Vem, então, a distância entre as lo­
calizações dentro da distribuição. E com a rede e conexão das distân­
cias vem a extensão, que já é o princípio da unidade do espaço (ou do
espaço como princípio da unidade). A seguir vem a delimitação des-

72 Pensarpela Geografia: ensine e relevância social


ses recortes dentro da extensão, surgindo o território. E, por fim, do
entrecruzamento desses recortes surge a escala e temos o espaço
constituído em toda sua complexidade (MOREIRA, 2007, p. 117).

Ao se analisarem essas contribuições, pode-se compreender


esse esforço em se demonstrar e se caracterizar um tipo peculiar de
observações dos fenômenos, com rigor metodológico, que constrói
o pensar geográfico, a partir de princípios que ajudam a responder
àquelas questões: Onde? Por que aí? Em outras palavras, parte-se
do visível, a imagem como paisagem, para buscar compreender o
invisível (que são, para ele, as máscaras sociais).
Corrêa (2018), por sua vez, fala sobre a espacialidade como o
olhar do geógrafo, aquilo que distingue esse profissional ,,dos demais
cientistas sociais, formando sua identidade. Para explicá-la, utiliza as
categorias do método geográfico de Milton Santos (1985 apud COR­
RÊA, 2018) - forma, função, processo e estrutura - e sugere como
seus temas a localização, a escala e o arranjo espacial. A essas catego­
rias e métodos propõe um complemento - os significados; ou seja,
para se compreender a espacialidade por meio das formas, funções,
processos e estruturas é preciso se buscar os significados. Ao fazer
isso, considera que a espacialidade ganha complexidade:
A espacialidade, componente essencial da existência e da reprodução
humana, está impregnada de significados. As formas espaciais não
realizam apenas funções econômicas, políticas e sociais, mas também
comunicam crenças, ideias e valores diferenciadamente incorporados
(CORR�A, 2018, p. 296).

A espacialidade é também destacada por Moraes (2014) como


objeto da Geografia. Em suas argumentações, faz referência ao
campo disciplinar (Bourdieu, 1983 apud MORAES, 2014), como re­
sultado de uma tradição acadêmica - com filiações metodológicas,
produção de teorias e quadro conceituai próprios -, para formular
o entendimento que defende sobre esse conceito. No seu entender, a
tradição acadêmica desse campo mostra que qualquer fenômeno
possível de espacialização permite sua abordagem pela Geografia.

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRATICAS ESPACIAIS 73


Sua compreensão é a de que os campos disciplinares devem
exprimir visões angulares da realidade social, ou nos termos deste
texto, consistem em um ângulo de visão, um ponto de vista, um
olhar. Então, nesse particular aspecto, essa compreensão está em
proximidade com os teóricos referidos anteriormente.
O trecho a seguir é esclarecedor de sua posição e do método
sugerido:
[...] poder-se-ia dizer que a geografia humana deveria estudar a espa­
cialidade da vida social, entendendo-a como uma mediação particu­
larizadora na compreensão da história de uma sociedade concreta.
No processo de concreção, uma das vias de encaminhamento da aná­
lise da universalidade abstrata para a singularidade (o concreto) é a
que investiga a manifestação espacial do fenômeno estudado, a come­
çar de sua delimitação ou abrangência no espaço. Nesse sentido, a
localização vai atuar como mediação, particularizando o objeto ou
processo enfocado num espaço delimitado, limitando-o a lugares e a
porções da superfície terrestre. A espacialidade (como dimensão)
pode ser tomada em diferentes níveis de abrangência, e a espacializa­
ção (como procedimento analítico) pode ser praticada de forma pro­
gressiva, seja em termos de detalhamento escalar e das interações
entre as escalas, seja no que importa à história de lugares cada vez
\.
mais singularizados (MORAES, 2014, p. 22).

Para construir essa "visão angular", o autor sugere como ca­


minhos para "deslindar o movimento da sociedade" os procedi­
mentos analíticos de abstração e concreção; em termos de " deta­
lhamento escalar e das interações entre escalas". Mas, qual é essa
"visão angular" na ótica do autor? Ele afirma, mais adiante no tex­
to, que o foco está nas relações sociais referidas ao espaço, sugerin­
do a relação sociedade e espaço como uma relação social; e o espaço
como matéria que se qualifica pelo uso social. Depreende-se daí
que o autor defende que se devem estudar os processos sociais e não
o espaço em si (articulando, assim, sujeito e objeto, na espacialida­
de), ou seja, estudar os processos sociais que são influenciados pela
mediação das condições espaciais. Poder-se-ia acrescentar que os
próprios processos sociais também influenciam as condições espa-

74 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


ciais, uma vez que a relação entre eles é dialética, de interdependên­
cia mútua.
O autor explica sua compreensão sobre essa questão:
[ ...] as condições espaciais devem ser vistas como obstáculos ou estí­
mulos aos processos sociais e, em situações muito especiais, como
condicionantes locacionais absolutos de certas atividades humanas.
É isso que justifica a realização de um corte ontológico "isolando" a
espacialidade da vida social para que tais mediações possam ser exa­
minadas de modo abstrato e esclarecidas em sua mecânica intrínseca.
Cabe à geografia, de imediato, desvendar essa classe de mediações
(MORAES, 2014, p. 25).

Esse, portanto, é um "modo associativo de pensar o mundo"


(MORAES, 2014, p. 25), pela totalidade, conseguida, afirma, com
os procedimentos de abstração e concreção. E, especificando mais
o campo, o autor destaca uma das suas divisões, o da Geografia
Cultural, fazendo referência ao pensamento geográfico como um
tipo específico de discurso.
Outra contribuição importante para essa discussão é a de
Milton Santos (1996), que busca tratar da natureza do espaço como
objeto da Geografia, como o distintivo desse campo particular, mas
integrado à realidade total. Em sua argumentação, também men­
ciona a problemática do que pode ser a visão desse campo:
O mundo é um só. Ele é visto através de um dado prisma, por uma
dada disciplina, mas, para o conjunto de disciplinas, os materiais
constitutivos são os mesmos. [...]. Uma disciplina é uma parcela autô­
noma, mas não independente, do saber geral. É assim que se trans­
cendem as realidades truncadas, as verdades parciais, mesmo sem a
ambição de filosofar ou de teorizar (SANTOS, 1996, p. 17).

O autor alerta que, para transcender sem transgredir, é preci­


so definir bem o objeto de preocupação do campo: no caso, o espa­
ço geográfico. Para a construção metódica desse campo coerente de
conhecimento, deve-se ter coerência interna e externa. A coerência
interna é trabalhada formando sistema, por meio de seus conceitos

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 75


(constitutivos e operacionais) - como a paisagem, a configuração
territorial, a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou
produtivo, as rugosidades, as formas-conteúdos; e por meio dos re­
cortes espaciais - região, lugar, redes e escalas. A coerência externa
refere-se à "relação com outros saberes, mediante a possibilidade de
o campo respectivo mostrar-se distinto e ser, ao mesmo tempo,
completado e complemento, no processo comum de conhecimento
do real total" (SANTOS, 1996, p. 18).
A discussão, portanto, instala-se nessa escolha do que define a
especificidade de uma ciência, ou de um campo disciplinar: 1 - não
é o objeto entendido como um dado em sua dimensão empírica, pois
este é sempre uma escolha do sujeito e se constitui de uma realidade
a ser investigada, considerando-se, portanto, a necessária relação en­
tre sujeito e objeto; 2 - tampouco o objeto pode ser descartado, uma
vez que é a ele, ainda que entendido em sua parcialidade, que se diri­
gem a investigação e suas demandas. Poder-se-ia, então, pensar que é
da relação dialética entre um sujeito histórico, concreto (determina­
do social e culturalmente) e um objeto sempre em movimento que se
constrói o corpus de conceitos de que fala Milton Santos (1996). Para
esse autor, uma vez construído pelos sujeitos, mas nunca estático,
completo ou verdade absoluta, o corpus evidencia aspectos de uma
dimensão específica dessa realidade - a espacialidade.
Destarte, pode-se retornar às perguntas geográficas, que se
referem às intenções do sujeito ou, como diz Douglas Santos (2008,
p. 33), ao "que se quer saber quando se quer saber geografia".
Em suas palavras:
Qual seria a dúvida do sujeito que poderíamos identificar como geo­
gráfica? Vale comentar que toda e qualquer proposição científica, na
medida em que se propõe a elucidar algo, precisa, sempre, evidenciar
sua própria dúvida, ou seja, seu ponto de partida. Assim, de forma
axiomática, propõe-se que o ponto de partida do conhecimento é a
dúvida e não o objeto (SANTOS, 2008, p. 35).

76 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


A concepção do autor em relação ao modo como se produz
conhecimento é o da associação do discurso geográfico (ou a razão
de ser da Geografia) à necessidade de os sujeitos, em seu processo
de humanização, qualificarem as coisas do mundo articulando-as
às localizações, ao uso dessas coisas e ao seu significado. Nesse pro­
cesso, esse sujeito se pergunta sobre o significado da ordem tópica,
ou, pode-se dizer, reforçando novamente os termos deste texto, o
sujeito indaga: Onde? Por que aí?
Chega-se a esse ponto com argumentos consistentes para se
reafirmar a relevância das "perguntas geográficas", como o caminho
inicial da produção do conhecimento geográfico (que é produzido
pela capacidade de se pensar geograficamente). São essas perguntas
que colocam o sujeito em posição de sujeito de conhecimento; e elas
são formuladas a depender do sujeito e de suas inquietações na rela­
ção cotidiana com o mundo. Porém, podem ser aprendidas também,
tornando-se mais conscientes e intencionais. As respostas, por sua
vez, vão depender das mediações materiais e simbólicas disponíveis
ao sujeito, como a espacialidade sugerida por Moraes (2014).
Nesse conjunto de contribuições, com destaque nas relações
sociais e no sujeito, estão os estudos de Martins (2014, p. 40), que
afirma que o pensamento geográfico
[...] permite ver que o geográfico não se reduz ao espaço, pois este
enquanto reflexão sobre a existência invoca as outras categorias do
existir, como o tempo, o movimento e, sobretudo, a relação (...) E o
existir é dos entes em geral, são eles, em seus recíprocos relaciona­
mentos, na sua condição de objeto e, por conseguinte, na sua condi­
ção posta pelo sujeito, que serão a fonte do discurso geográfico.

E, seguindo em sua argumentação, o autor reforça os argu­


mentos anteriormente colocados no texto sobre a condição de obje­
to necessariamente a partir do sujeito. Nesse sentido, objetividade e
subjetividade, para o autor, se afirmam mutuamente, "o ente em
sua materialidade assumirá a condição de objeto somente se houver
um sujeito" (MARTINS, 2014, p. 41). Em outro tex'to, esse autor

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 77


afirma: "Pecando pelo óbvio (ou não), pensamento geográfico é geo­
grafia em pensamento, ou pensar geografia é ter para si a existência
e a importância do geográfico presente na realidade" (grifo meu)
(MARTINS, 2016, p. 62).
Seguindo nessa busca por um melhor discernimento sobre o
processo de produção de mediações para a compreensão dos fatos,
fenômenos e acontecimentos em sua espacialidade, faço referência
aos estudos de Edward Soja (1993, 2014) que exploram a espaciali­
dade da realidade, salientando que se trata de uma maneira de se
compreender o mundo pela Geografia.
Soja (1993) compreende tal compreensão por uma trialética
- representada na articulação das dimensões temporal, social e es­
pacial, que, como entende, são interativas e devem ser consideradas
de modo equivalente. Sua preocupação está em demonstrar que o
espaço é também, tanto quanto o tempo e a sociedade, dinâmico,
em movimento, em transformação, e determinante da vida social.
Há, segundo sua concepção, urna espacialidade na vida e nas deci­
sões de todos os seres humanos - "uma espacialidade existencial
significativa do ser e da consciência humana" (SOJA, 1993, p. 15), e,
com isso, há a necessidade de se entender como os processos sociais
e espaciais se entrelaçam. Com a defesa de que o espaço importa,
ele defende que os geógrafos avancem em direção a uma perspecti­
va espacial crítica, possibilitada por um "giro espacial" (2014, p.
33/53). Refere-se ao espaço concebendo-o, além de sua qualidade
física no mundo material ou de seu atributo filosófico (dimensões
absolutas, relativas ou relacionais), como uma dimensão do coti­
diano, em sua complexidade.
É pertinente trazer ainda para esse momento algumas consi­
derações de David Harvey. Sua contribuição para a análise geográ­
fica, na orientação dialética, é vasta e significativa. No entanto, que­
ro especificar suas reflexões sobre o conceito de espaço. Ao partir
de um ponto de vista que considera geográfico, Harvey (2015, p.
150) afirma que compreender "um pouco o sentido do que é o espa-

78 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social.


ço e como as diferentes espacialidades e espaço-temporalidades
funcionam é crucial para a construção de uma imaginação geográ­
fica diferente". Colabora para essa construção sua matriz formada
pelas dimensões do espaço: absoluta, relativa e relacional articula­
da às concepções de Lefebvre. Sua proposta é "efetuar um salto es­
peculativo e colocar a divisão tripartite entre o espaço-tempo abso­
luto, relativo e relacional em relação com a divisão tripartite entre
espaço experimentado, conceitualizado e vivido, identificados por
Lefebvre" (HARVEY, 2015, p. 138).
O autor alerta para a necessidade de considerar essas três di­
mensões em sua tensão dialética e reconhece que recentemente
muitos geógrafos adotaram conceitos e modos de pensamento rela­
cionais, embora também considere que, por esse motivo, há agora
um risco real de as análises se deterem ao relacional e ao vivido,
como se o material e o absoluto não tivessem mais importância.
Essas observações de Harvey interessam aqui, para a linha de
argumentos que trago no texto, pois reforçam o entendimento de
que há um ponto de vista geográfico, e que este se refere ao espaço,
mas não como um ente objetivo, e sim como uma construção do
sujeito que busca apreender esse real em sua movimentação dialéti­
ca. Ao fazer isso, o geógrafo tem feito indagações específicas (as
perguntas geográficas) buscando enfatizar aspectos determinados
desse real, na articulação de dimensões objetivas, sua localização
(espaço absoluto e relativo) e a compreensão dos seus significados e
sentidos (o relacional). Essas dimensões são abstraídas do real de
diversas maneiras, a partir de conceitos construídos, genéricos e
específicos, pelo campo geográfico (categorias de análise) e pelo
método de se fazer a análise (os fundamentos epistemológicos e os
princípios arrolados anteriormente) e por teorias explicativas, por
meio de exercícios de raciocínio, que operam com um tipo de pen­
samento - o pensamento geográfico. Portanto, esse conjunto de
operações que dão corpo ao conhecimento produzido constitui um
modo de pensar do geógrafo, um pensamento geográfico.

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 79


Jackson (2006), por sua vez, denota outros importantes con­
ceitos-chave para enfatizar a "gramática" da disciplina Geografia:
espaço e lugar; escala e conexão; proximidade e distância; pensa­
mento relacional. O autor apresenta esses conceitos para argumen­
tar pelo poder de se pensar geograficamente, superando a percep­
ção pública dessa disciplina como uma matéria que se baseia apenas
em fatos. Ele argumenta que a Geografia "[...] enables a unique way
of seeing the world, of understanding complex problems and thin­
king about inter-connections at a variety of scales (JACKSON,
2006, p. 199. No original) 1 .
Pode-se afirmar, com a contribuição dos vários autores aqui
abordados, que o espaço geográfico e seus conceitos correlatos, bem
como seus raciocínios e linguagens, são ferramentas para a análise
da realidade, em sua dimensão material e simbólica. Como um
conceito construído na relação do sujeito com o objeto, o espaço
geográfico funciona como mediação, ajudando o sujeito a se rela­
cionar com o objeto-mundo. Portanto, a ciência constrói um con­
junto particular de conceitos, princípios, linguagens e teorias, para
explicar a realidade e sua dinâmica, formando um corpo sistemáti­
co e minimamente coerente de conhecimentos.
Considerando o que propõem os autores abordados anterior­
mente, que a Geografia é uma visão totalizante de um ponto de
vista da realidade (o ponto de vista espacial), e que este se relaciona
a uma visão particular de espaço - o espaço geográfico, que desen­
volve uma capacidade de pensar sobre a realidade na articulação
dialética das dimensões absoluta, relativa e relacional, entende-se
que o pensamento geográfico é a meta principal desse campo disci­
plinar: sua condição e seu resultado. Nessa concepção, argumenta­
se que o pensamento espacial (entendido como o referente à sua

1 [...] permite um modo único de ver o mundo, de entender problemas complexos e de


pensar a respeito de interconexões em uma variedade de escalas" (JACKSON, 2006, p.
199. Tradução livre)

80 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


dimensão absoluta e relativa) compõe o pensamento geográfico,
mas não é equivalente a ele, nem é seu elemento central, embora
seja uma dimensão importante na sua composição.
Nesses termos, ao se considerar o pensamento geográfico como
a centralidade e a especificidade da produção de conhecimento na
Geografia, argumenta-se que se trata de uma capacidade desenvolvi­
da por um tipo de profissional, sendo ao mesmo tempo a condição
dessa produção e também seu resultado. No entanto, o conhecimen­
to produzido por profissionais da Geografia interessa não só ao seu
campo específico, mas à sociedade como um todo, por isso essa dis­
ciplina está presente na tradição do ensino básico no Brasil e em mui­
tos outros países, ainda que nem sempre de forma autônoma.
A presença da Geografia na educação básica escolar se deve
ao fato de considerar-se que seus conhecimentos são relevantes
para todas as pessoas, para se viver no mundo e para compreendê
-lo melhor. Sendo assim, o pensamento geográfico, como resultado
e como condição de produção de novos conhecimentos, também é,
em alguma medida, relevante para todas as pessoas, para a forma­
ção básica de todos os cidadãos. Por isso, defende-se que a meta
para o ensino de Geografia é o desenvolvimento desse pensamento,
conforme se discutirá a seguir.

O pensamento geográfico no ensino escolar


Para que ensinamos Geografia na escola? A maneira peculiar
de se pensar pela Geografia pode ser ensinada na escola? As formu­
lações que foram reunidas na parte anterior do texto ampliam a
compreensão do pensamento geográfico na perspectiva de se
apreender um aspecto específico da complexidade do real. Entre­
tanto, convém perguntar: como essas formulações podem ajudar a
formar capacidades intelectuais nos alunos (formando o pensa­
mento geográfico), de modo que eles compreendam melhor o mun­
do, tal como se encontra espacializado na atÚalidade?

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 81


As perguntas elaboradoras anteriormente orientam essa par­
te do texto. Porém, não se trata de produzir respostas únicas e cor­
retas a elas, o que seria, segundo a fundamentação teórica que em­
basa essa discussão, impertinente. O objetivo é explicitar um ponto
de vista possível a respeito, utilizando para isso as formulações an­
teriores e outras que estão presentes nas visões de teóricos da área
do ensino de Geografia, por se entender que estes são representati­
vos na construção de consensos e dissensos sobre o que é e para que
serve essa disciplina na escola.
Quero iniciar reafirmando meu próprio ponto de vista sobre
essas questões, sobre o qual reitero a atenção em outros textos (CA­
VALCANTI, 2012, 2013b, 2015, 2017 ): ao ratificar que ensinar não
é transferir o conteúdo geográfico produzido na ciência para a si­
tuação de ensino. Então, para que servem os conhecimentos veicu­
lados na escola por essa disciplina? Qual sua relevância social?
O objetivo é ensinar, por meio dos conteúdos, um modo de
pensar a realidade, um pensamento teórico-conceitual sobre essa
realidade. O objetivo geral do ensino é, nessa linha de entendimen­
to, a produção do conhecimento pelos alunos, por meio de análises,
raciocínios, reflexões, compreensões. Para isso, é necessário que
eles se valham de todo o legado produzido historicamente pela so­
ciedade em matéria de mediadores da relação dos homens com o
mundo, que se constitui em significativo patrimônio cultural para
a vida social e cidadã. No entanto, esse processo resulta, nas aulas.
de uma relação ativa com o meio, com a mediação do professor, que
contribui, por sua vez, para o desenvolvimento de capacidades in­
telectuais, capacidades de pensamento.
O entendimento que fundamenta os argumentos anteriores é
o de que as disciplinas escolares, dentre as quais se destacam a
Geografia e seus conteúdos, são instrumentos simbólicos a seren:
acionados na relação/mediação do sujeito com o mundo. Essa dis­
ciplina, como as outras que integram o currículo básico, em tese.
está formada por conhecimentos que se transformám em ferra-

82 Pensarpela Geografia: ensino e relevânciasodd


::::n.entas do pensamento dos alunos para a compreensão de sua pró­
?ria realidade (social e natural) e a de outros contextos e escalas.
A compreensão da Geografia, nas formulações aqui considera­
cas, é a de que há uma espacialidade complexa a ser conhecida e
analisada. Ela está sempre em movimento e em tensão dialética entre
�rias de suas dimensões. Assim, para que se alcance sua compreen­
são, é necessário que se desenvolva a capacidade propiciada por um
jpo de pensamento - teórico-conceitual, que vai além dos fatos e
5:nômenos em sua descrição e caracterização empírica. Enfim, esse
�nsamento é capaz de produzir análises que articulam elementos
�uhjetivos, imponderáveis, não passíveis de medição (os sentidos e
�ificados das localizações em sua dimensão relacional).
Esse é um postulado já compartilhado por muitos colegas
�ue se dedicam à área do ensino de Geografia. Muitos estudiosos,
especialmente após o movimento de renovação desta área no Bra­
ill, constataram que o empirismo é um enfoque dominante na his­
:ória do ensino de Geografia, que justifica o ensino de objetos, coi­
sas, fatos, acontecimentos, mas não os processos, não as relações
50ciais que determinam o desenrolar dos processos, ou, de acordo
rnm as formulações de M. Santos (1996), não as formas-conteúdo e
2S estruturas-processo. Nesse tipo de ensino, os exercícios intelec­
:uais dos alunos se reduzem a repetições de informações, explica­
:ões esquemáticas e definições, explicações sobre as coisas que lhes
são apresentadas. Em contraposição a essa proposta, advoga-se um
c1sino cuja aprendizagem seja significativa para o desenvolvimen­
to crítico, intelectual e social dos alunos.
Nesse contexto, a preocupação com o papel da Geografia na
rScola e com os modos pelos quais se deve trabalhar com seus con­
:eúdos, com a abordagem geográfica, é recorrente entre os pesqui­
sadores da Didática dessa disciplina. Para exemplifi car, recorre-se a
�echer (2012), e sua constatação de que para determinados profes-
50res trabalhar com um tema qualquer nas aulas, principalmente
quando se apresenta um mapa aos alunos, já o torna um tema geo-

:ORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRAFICO PARA ORIENTAR PRATICAS ESPACIAIS 83


gráfico. Essa equivocada suposição decorre mais da falta de refle­
xão e clareza do que seja de fato a proposta da Geografia do que
uma convicção pedagógico-didática. Em suas palavras:
O fato de a Geografia ter um "objeto" muito "concreto" (o espaço em
que vivemos), muito "visível" (os espaços em que vivemos), muito
perceptível (todos nós vivemos num espaço), qual seja, a Terra toda e
tudo mais que nela está (povos, países, paisagens), dá-nos a ideia
como que deitados em "berço esplêndido", acomodados. Então, falar
de tudo (todos os lugares) nos enche de assuntos, conteúdos, mas à
custa de uma reflexão mais fundamentada. A saída mais comum é a
prática de sobrecarregar nos conteúdos sempre tão infindos, o que
nos parece uma saída, uma "fuga para frente". Sempre "falta tempo"
para trabalharmos os conteúdos e, assim nos parece, nunca paramos
para pensar "por que isso é Geografia" (KAERCHER, 2012, p. 68).

De fato, a experiência e as investigações na área evidenciam


essa ausência de clareza, por parte de diversos professores, futuros
professores e mesmo de pesquisadores da Didática da Geografia,
sobre o que é uma abordagem geográfica de conteúdos escolares, o
que denuncia a dificuldade em pensar sobre essa questão. Há evi­
dências de que o ensino de Geografia não tem alcançado a meta do
desenvolvimento do pensamento geográfico dos alunos e de suas
habilidades e capacidades de pensamento superior que lhes possi­
bilitem compreender mais amplamente o mundo em que vivem.
Todavia, é justamente essa uma das questões que podem au­
xiliar os rumos da Geografia Escolar, pois, quando se tem claro e
que representa iniciar a análise geográfica com as perguntas típic�
da Geografia sobre um fato ou fenômeno, o foco do conteúdo fie
mais preciso. Com essa reflexão, percebe-se que não é necessár::
explorar todos os aspectos dos objetos estudados, mas aqueles qu
ajudam a esclarecer sobre a espacialidade do fato ou fenômeno, ajc­
dam a compreendê-la em sua dimensão de espacialidade: absoluL
relativa e relacional. A veiculação de informações e explicaçõ
geográficas é condição mínima para que a aprendizagem aconteç
além disso, ela permite o desenvolvimento do pensamento. Ao 5.

84 Pensarpela Geografia: ensino e relevância=--


ensinar um conteúdo, portanto, o que se ensina, sobretudo, é um
modo de pensar, uma perspectiva de análise das informações/ex­
plicações veiculadas. Minha formulação sobre esse modo de ver o
ensino está sintetizada a seguir (CAVALCANTI, 2013):

O processo de conhecimento e seus resultados são aproximações do


sujeito à realidade, a partir de uma perspectiva e de mediadores.
• A Geografia é uma das a proximações do sujeito à realidade, na medida
em que seus conhecimentos (as análises geográficas) acercam-se da
constituição dessa realidade.
• A Geografia é um conjunto de conhecimentos (mediadores simbólicos
entre o sujeito e a realidade) construídos a partir de uma determinada
perspectiva.
• A Geografia é uma leitura da realidade e uma prática social.
A Geografia é um ponto de vista da realidade: é o ponto de vista da
espacialidade. O seu papel é o de desvendar a espacialidade das prá­
ticas sociais.
• Toda prática social é uma prática socioespacial, na medida em que ela
se materializa em um espaço, sendo assim constitutiva na produção/
reprodução de um espaço; o espaço é, assim, produto, meio e condi­
ção de produção social (CARLOS, 2005).
Por meio dos estudos e dos conceitos geográficos, é possível se com­
preender a espacialidade das práticas sociais.

Percebe-se, assim, que o papel da Geografia no ensino está


estreitamente vinculado ao sentido atribuído à ciência geográfica,
embora essa vinculação não autorize a se colocar as duas como
equivalentes, nem a entender a Geografia na escola como aplicação
ou versão simplificada da sua ciência de referência. Tenho formula­
do uma compreensão sobre isso relacionando a Geografia Acadê­
mica e a Geografia Escolar como duas modalidades distintas e in­
terdependentes que medeiam os conhecimentos produzidos pela
ciência geográfica.
Meu entendimento é o de que a Geografia Acadêmica mobiliza
os conteúdos que compõem as diferentes disciplinas dos cursos de

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 85


formação em nível superior, ou seja, é o conjunto de conhecimentos
formulados por geógrafos investigadores, com referências na história
da ciência em suas diversas matrizes teórico-epistemológicas. É re­
sultado da produção de teorias, categorias e conceitos, postulados,
sistemas e classificações que são disponibilizados aos estudantes, fu­
turos professores, para ajudá-los a formarem compreensões e análi­
ses do mundo na perspectiva espacial. Diferentemente, a Geografia
Escolar é o conjunto de conhecimentos estruturados e veiculados na
prática docente, com o objetivo de compor o objeto da formação es­
colar dos alunos da escola básica, para que eles, por sua vez, como
cidadãos, possam também compreender e analisar o mundo em sua
dimensão espacial (CAVALCANTI, 2017, p. 28)2 •
Sobre essa questão, Brooks (2019) argumenta que a Geogra­
fia, como disciplina escolar, permite uma série de abordagem, e que
sua seleção apropriada é parte da responsabilidade profissional de
um professor da área. Aproximando-se da ideia de que há uma re­
lação entre a ciência de referência e a disciplina escolar, busca des­
tacar a complexidade dessa construção social, afirma que as disci­
plinas escolares não são entidades monolíticas e que cada construção
refletirá uma abordagem ética ou ideológica diferente.
Nessa complicada construção social, há um elemento impor­
tante que une as duas modalidades: o pensamento geográfico como
referência. Para a Geografia Acadêmica, o foco é a produção, por
especialistas, de conhecimentos sistemáticos, metódicos, conscien­
temente vinculados a um ramo particular do saber. Para a Geogra­
fia Escolar, a meta é a produção, por pessoas comuns, sobretudo
crianças e jovens, de conhecimentos significativos para a vida coti­
diana, para a participação na vida social com qualidade, consciên-

2 É importante que fique claro que a referência ao adjetivo espacial está dentro do espec­
tro específico da Geografia, não no sentido mais genérico. Portanto, ainda que nesse
momento não parecia ser importante precisar os termos, na verdade, o que está sendo
denominado de pensamento espacial é o que se entende por espacial-geográfico, ou
somente pensamento geográfico.

86 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


da e responsabilidade cidadãs. Em ambas as modalidades, reco­
nhece-se que um modo de pensar peculiar está na base dessa
produção de conhecimentos.
Pois bem, o que mais interessa aqui é esclarecer o entendi­
mento sobre pensamento geográfico em situação de ensino e para o
ensino. Então, não se trata de transferir diretamente a lógica da
análise geográfica feita pela ciência para o ensino. Embora no ensi­
no essa análise se realize e tenha como base essa lógica, a configu­
ração é outra.
Por essa razão, é importante se entender como esse pensa­
mento é visto por especialistas na área do ensino de Geografia, para
se tentar elaborar um caminho para a lógica do desenvolvimento
do pensamento geográfico nessa prática. Em diversos países, como
'.lo Brasil, o interesse em orientar o ensino de Geografia para o de­
senvolvimento de capacidades e habilidades intelectuais, cujo con­
;unto tem sido chamado predominantemente de pensamento geo­
gráfico, tem se intensificado e evidenciado em diversos trabalhos,
como nos de Brooks (2012), Lambert (2014), Arenas Martija e ou­
tros (2018), Palacios e Cavalcanti (2017), Palacios e Barahona (2019),
Callai (2013), Castellar (2019), Quincas e outros (2018).
Callai (2013) apresenta sua preocupação com o significado do
ensino de Geografia para os estudantes, alertando que a busca por
se saber trabalhar um conhecimento tão amplo leva os professores
a ensinar "tudo de todo o mundo e de todos os lugares", o que con­
sidera não razoável nem possível. Para orientar a estruturação da
Geografia Escolar, que tem como uma das referências a ciência geo­
gráfica, propõe conteúdos significativos para a compreensão da es­
?acialidade, o que pode acontecer por meio da análise geográfica.
Assim, a autora explica:
As informações sobre os lugares são fundamentais para fazer análise
geográfica. E esta nos permite observar, analisar e compreender esse
espaço construído, como base física da sociedade, mas ao mesmo
tempo como elemento (sujeito) ativo no estabelecimento de limites e

:ORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 87


possibilidades para a realização da vida social. Para fazer a análise i=
necessário desenvolver raciocínios espaciais, por meio dos quais o es
tudante pode aprender a pensar com o pensamento geográfico, e cri.:
assim as condições para construir o seu conhecimento (CALLA.
2013, p. 47).

Ascenção e Valadão (2017, p. 22) trazem uma discussão sobre


o que tem sido o esforço de seu grupo de pesquisa para trabalhar o
conceito de espacialidade do fenômeno, o que entendem ser um ice­
berg de longa raiz "no esforço de identificação e compreensão do
modus operandi do que, compreendemos, é para interpretação da
espacialidade citada: o pensamento espacial geográfico". Em outro
texto, os autores argumentam que o conhecimento geográfico no
ensino não é um fim, mas um meio para o favorecimento aos alu­
nos de instrumentos teóricos, conceituais, metodológicos, por meio
dos quais esses poderão interpretar as espacialidades vividas, per­
cebidas e concebidas. Ou seja, que esses instrumentos contribuam
para que "os educandos compreendam as espacialidades produzi­
das a partir de interações entre o cotidiano dos educandos e a mul­
tiescalaridade" (ASCENÇÃO E VALADÃO, 2014, p. 3). E trazem
uma sistematização do que entendem por interpretação geográfica,
ou espacialidade dos fenômenos, que consiste na articulação entre
seus conceitos fundantes (espaço, tempo e escala), seu tripé meto­
dológico (localização, descrição e interpretação) e o conjunto de
processos referentes ao fenômeno.
A contribuição de De Miguel (2016) também é importante
para esclarecer sobre o que se entende por pensamento geográfico.
Segundo o autor, esse pensamento se diferencia do pensamento es­
pacial (que lhe é complementar), que está mais vinculado aos pro­
cessos cognitivos relacionados à inteligência espacial. O pensamen­
to geográfico considera a dimensão humana, social, econômica.
política e cultural, e não somente os aspectos topológicos. Para ele:
"[ ... ] a aquisição do pensamento geográfico reside no próprio campc
geográfico e se caracteriza pelo processo de aprendizagem de umê.
série de atributos próprios do espaço geográfico, como a escala, ê.

88 Pensarpela Geografia: ensino e relevância wcici


compreensão de processos territoriais, mudanças globais, o desenvol­
vimento sustentável, a interdependência e diversidade" (DE MIGUEL,
2016:15).

Straforini (2018) dialoga com vários estudiosos da Geografia e


do ensino de Geografia (entre eles estão alguns que aqui foram con­
siderados), concordando com suas indicações de que a meta para
esse ensino é o desenvolvimento do pensamento geográfico, que per­
mitirá ao aluno a análise das práticas espaciais. E finaliza seu texto
acrescentando, como contribuição ao debate, o entendimento de que
o próprio ensino de Geografia é uma prática espacial, na linha dos
estudos curriculares pós-críticos. Nas palavras do autor:
Estamos defendendo que ensinar Geografia é uma prática espacial, e
assim o sendo, também é uma variável importante para a compreen­
são da espacialidade do fenômeno. A pergunta que fazemos é: qual o
papel da Geografia Escolar nesse processo? [...] não é encontrar ou
anunciar uma emancipação do sujeito exclusivamente por dentro da
própria disciplina, mas utilizá-la como uma prática espacial de atua­
ção nesse espaço de disputas de sentidos discursivos, acreditando que
a hegemonia é sempre provisória e precária e que práticas espaciais
insurgentes podem apresentar outra condição para existência huma­
na (STRAFORINI, 2018:192).

Ainda tentando sistematizar ideias a partir de produções re­


centes sobre esse tema, vale destacar cinco teses de doutoramento
que tiveram como propósito, embora abordando aspectos diferen­
tes em suas pesquisas, justamente compreender o pensamento geo­
gráfico para o ensino. Destaquem-se, assim, as pesquisas de Olivei­
ra (2015), Duarte (2016), Miranda (2016), Aragão (2019) e Copatti
(2019), que contribuíram com novos aportes para essa discussão.
Oliveira (2015) realizou uma pesquisa junto a professores com
a intenção de compreender o pensamento teórico-conceituai que eles
desenvolvem, destacando suas características fundamentadas em
Vygotsky, com a tese de que sua forma de pensar (incluindo a forma
de pensar pela Geografia) tem relação com sua forma de ensinar.
Embora não trabalhe explicitamente com a problemática do pensa-

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 89


mento geográfico, sua pesquisa lhe permitiu concluir com indicações
que vão ao encontro dessa problemática. Com efeito, ela afirma:
O pensamento teórico-conceitual docente sobre a Geografia Escolar
advém de diferentes fontes, como os motivos relacionados à escolha
da profissão, o exercício da profissão e a formação acadêmica. No en­
tanto, o peso maior recai sobre a formação teórica advinda da forma­
ção inicial e da formação continuada em cursos de pós-graduação.
Por conseguinte, ressalta-se a necessidade de ampliar os âmbitos da
formação teórica (OLIVEIRA, 2015:235).

A tese de Duarte (2016) está voltada para a análise de mate­


riais didáticos da Geografia Escolar, com o foco na cartografia e nas
representações cartográficas. Porém, para fazer isso, fundamenta­
se em autores que sistematizam o pensamento espacial como parte
da educação geográfica. Em texto posterior à tese (DUARTE, 2017),
o autor sintetiza suas ideias reafirmando a centralidade do pensa­
mento espacial em seus estudos. Considero, de fato, uma contribui­
ção consistente para essa problemática, e destaco como oportunas
para o avanço do debate suas afirmações em dois trechos. No pri­
meiro afirma: ''Advogamos a centralidade do pensamento ou racio­
cínio espacial se quisermos desenvolver em nossos alunos um
modo de pensamento eminentemente geográfico" (DUARTE,
2017:34). No segundo, corrobora seu entendimento anterior, com
uma afirmação apresentada: "Pensamento geoespacial é um sub­
conjunto do pensamento espacial" (COLLEDGE, MARSH e BAT­
TERSBY, 2002 apud DUARTE, 2017, p. 49). O autor entende que o
pensamento geoespacial é o tipicamente geográfico, mas defende,
como outros autores já citados, que não há uma delimitação rígida
entre os conceitos. Isso está de acordo com os argumentos que aqui
estou reforçando, porém, coloco em questão as ideias de que há
uma centralidade do pensamento espacial para o desenvolvimento
do pensamento geográfico e de que este é um subconjunto do pen­
samento espacial.
Pode-se dizer, sim, que o pensamento espacial é mais amplo,
uma vez que ele está disseminado ou faz parte das capacidades a

90 Pensarpela Gecgrafac ensino e relevância social


serem desenvolvidas por vários tipos de profissionais ou áreas cien­
tíficas, e que é uma habilidade genérica dos seres, por exemplo.
Mas, meu ponto de vista é o de que, para a Geografia, para o ensino
de Geografia, o pensamento espacial, euclidiano e não euclidiano,
compõe a especificidade da Geografia, portanto é um subconjunto
dessa capacidade central que é o pensamento geográfico. Acrescen­
te-se, com isso, que não se trata de estabelecer prioridades e hierar­
quias entre os tipos de pensamento, nem mesmo de delimitar fron­
teiras entre disciplinas. O importante é perceber o foco central de
nossas atividades como geógrafos, nas investigações, nas atividades
técnicas e no ensino.
Nesse sentido, cabe estabelecer os objetivos do ensino de
Geografia, conforme Duarte abordou em sua tese (DUARTE, 2016).
Segundo o autor (Idem, p. 73): ''A tarefa central da Educação Geo­
gráfica é ensinar a pensar geograficamente (...). Pensar espacial­
mente e aprender a dominar a linguagem cartográfica são, para o
nosso campo de interesse, meios essenciais para aquele fim e não
fins em si mesmos."
Reconhece-se que a proposta de pensamento espacial apresen­
tada pelo Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos (Natio­
nal Researc Council - NRC), tratada sistematicamente por Duarte
(2016), trouxe grandes avanços para o campo de investigação do en­
sino de Geografia, sobretudo para a Cartografia escolar, no que diz
respeito aos fundamentos teóricos e metodológicos do pensamento
espacial. Considere-se que o caminho para que se consolidem esses
avanços está nas investigações realizadas em recentes estudos, como
a busca em se dar visibilidade ao que é especificamente geográfico,
para além do espacial, ou um modo peculiar de espacialidade.
Assim, é válido apresentar excertos da contribuição de Co­
patti (2019), bastante pertinentes para os temas aqui tratados, per­
mitindo a compreensão e a distinção/relação com outros conceitos
também trabalhados com intensidade por alguns pesquisadores,
como: Geografia Acadêmica e Geografia Escolar; conhecimento

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 91


pedagógico e conhecimento curricular; pensamento espacial e ra­
ciocínio geográfico.
Sobre esse último, a autora expõe seu entendimento de que ra­
ciocínio geográfico embasa aportes para caracterizar, identificar, es­
tabelecer conexões, comparações, aproximações, que são habilidades
essenciais para o pensamento geográfico. O objetivo geral de pesqui­
sa está assim formulado: refletir sobre como o professor constrói e
compreende o pensamento geográfico e como esse pensamento, aliado
ao pensamento pedagógico- concebido no texto como pensamento
pedagógico geográfico -, contribui para a autonomia docente na re­
lação com o livro didático, visando à educação geográfica. Sua con­
cepção de pensamento geográfico resume-se nos seguintes termos:
A Geografia, por meio do seu arcabouço teórico-metodológico, traz à
tona o pensamento espacial não apenas pela dimensão locacional, mas
também pelas relações construídas em diferentes escalas de análise es­
pacial, levando em conta a relação tempo-espaço, a dimensão cultural
e outros elementos que contribuem à compreensão do espaço pelo viés
geográfico. Assim, constitui-se como especificidade da Geografia o de­
senvolvimento de um pensamento que não é somente espacial; foi ali­
cerçado inicialmente sobre um recorte do espaço, alargado para escalas
mais amplas e mais complexas, dinâmicas e relacionais, tendo por base
ideias, reflexões e teorizações sobre a relação dos homens com o espaço
em que habitam, com outros grupos e com as formas de agir e transfor­
mar o espaço habitado (COPATTI, 2019, p. 39).

Com base nisso, a autora sistematiza sua concepção de pensa­


mento geográfico no tripé percepção espacial- raciocínio/desenvol­
vimento teórico -, análise de contexto/realidade, o que compõe o
alicerce para se chegar à Educação Geográfica, dependendo do de­
senvolvimento do raciocínio geográfico e da capacidade de se reali­
zar análises geográficas (de professores e alunos).
Outro estudo interessante para a linha desse texto é a tese de
doutorado de Paloma Miranda (2016). Em seu trabalho, a autora se
dirige à problemática dos estudantes imigrantes no Chile e da edu­
cação intercultural na Geografia. Com isso, objetiva investigar o

92 Pensarpela Geografia: ensino e relevância socid


desenvolvimento, nesse contexto, do conjunto de habilidades por
ela denominado de "pensamento geográfico", que, segundo o seu
entendimento, permite às pessoas resolverem problemas geoespa­
ciais ao compreenderem o funcionamento de um território e torna­
rem-se conscientes de suas ações espaciais.
Partindo da distinção entre pensamento espacial e pensa­
mento geográfico, a autora afirma que este se caracteriza por traba­
lhar a espacialidade em contexto geográfico e que seu desenvolvi­
mento no ensino é uma oportunidade para a justiça social no
mundo intercultural de hoje.
Para sua argumentação, traz a advertência de Soja (1999, p.
191 apud MIRANDA, 2016, p. 34) de que pensar geograficamente é
"uma maneira radicalmente diferente de ver, interpretar e atuar
para mudar a espacialidade da vida humana através de um método
crítico de formação"3 • No entendimento de Miranda (2016:34), Soja
afirma que o pensamento geográfico "no es un pensamiento sobre
el espacio, sino un pensamiento sobre la producción del espacio,
con todo su potencial explicativo"4• Mais adiante, sintetiza sua
compreensão de pensamento geográfico:
[...] consiste en formar una serie de juicios relacionados de tal modo
que se sostienen mutuamente conduciendo a un juicio final. Los jui­
cios realizados no tienen lugar aisladamente, son juicios geográficos,
conectados a la solución de un problema territorial, de modo tal, que
los juicios trazados deben ser correctos (en un sentido lógico), plausi­
bles y pertinentes, lo cual solo será verificable en el uso de la evidencia
como prueba, y en su uso cotidiano (MIRANDA, 2016:35)5•

3 "una maneira radicalmente diferente de ver, interpretar y actuar para cambiar la espa­
cialidad de la vida humana a través de un método crítico de formación� (tradução livre)
4 não é um pensamento sobre o espaço, mas um pensamento sobre a produção do espaço,
com todo seu potencial explicativo. (tradução livre)
5 Consiste em formar uma série de juízos relacionados de tal modo que se sustentem mu­
tuamente conduzindo a um juízo final. Os juízos realizados não têm lugar isoladamente,
são juízos geográficos, conectados para a solução de um problema territorial, de modo
tal que os juízos traçados devem ser corretos (em um sentido lógico), plausíveis e perti-

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 93


Com o propósito de sistematizar esse complexo conceito, a
autora o representa em gráfico e explora cada componente, destaca­
do como habilidades na formulação seguinte:
[...] la orientación espacial y la localización geográfica, la compren­
sión del espacio geográfico, el análisis territorial y la valoración y ac­
tuación responsable con el espacio geográfico. Por su parte, la meta
-habilidad de Expresión del Pensamiento Geográfico, englobaria
habilidades como la representación cartográfica, la lectura y escritura
de textos geográficos y la producción de otros dispositivos gráficos
6
(Idem, p. 38-39).

Aragão (2019), por sua vez, estuda a escala geográfica, asso­


ciada à escala cartográfica, como um importante componente para
o desenvolvimento do pensamento geográfico no ensino, mobili­
zando especificamente o conceito de indústria. Sua tese é a de que a
escala quando trabalhada em sala de aula, "em associação com os
conteúdos relacionados à indústria e suas atividades, contribui para
o desenvolvimento de um pensamento geográfico" (ARAGÃO,
2019, p. 23). Em seu texto, traz seu posicionamento a respeito do
pensamento geográfico:
Por entender que raciocínio e pensamento estão/são amalgamados, e
se complementam, interagem sobre a construção de algum entendi­
mento, considerei o termo pensamento geográfico mais apropriado
para o contexto da pesquisa que já vinha desenvolvendo, entendendo
que o raciocínio geográfico é um modo de operar com aquele pensa­
mento, portanto, quando se referir ao modo de operar os diferentes
níveis de escala, a referência será a de raciocínio geográfico, enquanto
que o pensamento é a mais geral e ampla perspectiva da leitura e com­
preensão geográfica (idem, 2019, p. 21).

nentes, que só serão verificáveis no uso da evidência como prova, e no seu uso cotidiano.
(tradução livre)
6 [ ... ] a orientação espacial e a localização geográfica, a compreensão do espaço geográ­
fico, a análise territorial e a valorização e atuação responsável pelo espaço geográfico.
Por sua parte, a meta-habilidade de Expressão do Pensamento Geográfico englobaria
habilidades como, a representação cartográfica, a leitura e escrita de textos geográficos e
a produção de textos geográficos e a produção de outros dispositivos gráficos (Idem, p.
38-39. Tradução livre)

94 Pensarpela Grografia; enshw e relevância socinl


Aragão, mais adiante, formula a seguinte compreensão:
[...] entende-se que pensamento e raciocínio estão intrinsecamente
ligados, assim, parto da compreensão de que ao utilizar o termo pen­
samento, o raciocínio de alguma maneira já está contemplado, já que
o ato de pensar é inicial, mais amplo e conduz o sujeito a "raciocinar"
sobre algo, e emitir juízo, parecer, criar argumentos ou propor tese ou
deliberação a partir de observações sobre determinado fenômeno. O
raciocínio está contido no pensamento, constituindo-se como uma
de suas etapas (ARAGÃO, 2019, p. 53/54).

O autor inicia a discussão sobre o conceito de escala com duas


interrogações: "O que é e para que serve a escala? No caso da Geogra­
fia Escolar, qual sua relação e contribuição na formação e no desen­
volvimento de um pensamento geográfico?" Essas questões estão na
direção da discussão de muitos autores que foram abordados ante­
riormente e indicam um importante princípio do pensamento geo­
gráfico, sobretudo quando se trata de sua utilização no ensino esco­
lar. Esse tema, de modo mais pormenorizado, será tratado nos
próximos capítulos ou, mais especificamente, no capítulo 3.

O pensamento geográfico para o ensino de Geografia


A essa altura, considero que as contribuições trazidas até aqui
possibilitam que se faça uma síntese da sistematização do conceito
de pensamento geográfico, sem a pretensão de abarcar todas as
possibilidades, todos os componentes e seus significados. Com­
preenda-se que tal síntese é um esforço de racionalização da refle­
xão sobre algo que é complexo, interconectado, aberto, dinâmico,
passível de reformulações constantes e tarefa de difícil concretiza­
ção na linguagem gráfica, dada a sua complexidade, dinamicidade
e fluidez.
Com a articulação entre conceitos, raciocínios e linguagem,
os geógrafos foram elaborando conhecimentos, construíram teo­
rias, classificaram os fenômenos, e divulgaram os conhecimentos
produzidos. Essa é a ciência geográfica que está validada e está dis-

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 95


ponível para as pessoas como legado de um conhecimento científi­
co sistemático e rigoroso. E é essa ciência que precisa estar disponi­
bilizada na escola, para todas as pessoas. Contudo, para que ela seja
potente, poderosa, que seja internalizada, que seja parte do conjun­
to de conhecimentos dos alunos, é necessário abordá-la não como
uma coisa pronta, um produto, mas como uma maneira de pensar,
porque essa perspectiva é que amplia a possibilidade de olhar a rea­
lidade. Essa perspectiva da Geografia precisa estar na escola, é a
que nós defendemos hoje, não advogamos apenas sobre os conheci­
mentos que a engendram, mas a maneira de se ver tal perspectiva.
Com todas essas contribuições, conclui- se que o pensamento
geográfico é parte de um processo de desenvolvimento de funções
psicológicas superiores (VYGOTSKY, 1993, 2009a) que ocorre conti­
nuamente nos sujeitos (estudantes), em processos de formação de
conceitos geográficos (cotidianos e científicos: lugar, paisagem...) e
no exercício articulado de raciocínios cognitivos genéricos (memori­
zação, análise, síntese) e mais específicos para a Geografia (observa­
ção, comparação, conexão, descrição), que são representados/apre­
sentados de diferentes maneiras, articulados em diversas partes ...

96 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


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Ru,gosid.a.des Cont:ctiviclade im..i;ens aére-.s
Síntese e/ou virtuaís, desenhos e
Conllguras,ào e,padal
pinhlr.u,filwes,

mapum!nta.is,
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Essa sistematização não pode ser tomada como um esquema
rígido que deve ser rigorosamente seguido ao abordarem conteúdos
geográficos no ensino. Ao contrário, essa é uma habilidade intelec­
tual geral, que capacita os professores e alunos a lidarem com o
mundo, acionando um ou outro dispositivo desse esquema, relacio­
nando-os, para resolver problemas de sua vida cotidiana. O conhe­
cimento cotidiano ajuda a entender onde estão as coisas, a tomar
decisões a respeito disso, a realizar práticas espaciais cidadãs, desde
as mais corriqueiras e individuais até as mais estruturantes da so­
ciedade, como a adesão a certos movimentos em defesa de uma po­
lítica ambiental global, por exemplo. Para o professor, é importante
se ter em mente que o conhecimento geográfico é produto do pen­
samento geográfico (historicamente objetivado em conceituações,
informações, teorizações), mas é também a capacidade de produzir
novos conhecimentos.
Entre a identificação dos fenômenos e das relações dos compo­
nentes espaciais e as práticas está a atitude do sujeito, mas esse sujeito
é ativo, histórico, social, e pode agir a partir das indagações: Onde?
Por que aí? Qual o significado disso para a humanidade, para o gru­
po diretamente afetado, para si mesmo? Essa é a meta do ensino.
E será que essa maneira de ver é realidade na escola? Os con­
ceitos, os princípios, a linguagem estão presentes de modo efetivo
no trabalho docente realizado nas escolas de ensino básico no Bra­
sil? Até que ponto essa maneira de ver está presente na escola? Na
sala de aula? No pensamento do professor? No livro didático? Na
forma como o professor encaminha a aula? É na articulação entre
essa forma de ver e as formas de aprender do aluno que se alicerça
o encaminhamento das aulas do professor de Geografia? Como são
feitas ou como podem ser feitas essas articulações?
A Geografia é um modo de ser... porque ela leva o sujeito a
estar ligado ao mundo. As contribuições para a definição sobre o
que é peculiar na Geografia e no pensamento geográfico para o en­
sino são variadas e têm fundamentos teóricos distintos. No entan-

98 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


to, há uma concordância de que não se desenvolve esse pensamento
com práticas meramente transmissivas e reprodutivas de conteú­
dos. Tais práticas, comumente presentes na tradição do ensino des­
sa disciplina, não apenas comprometem a relevância epistemológi­
ca da Geografia como também inibem sua relevância social. Por
conseguinte, é importante a adoção de aprendizagens ativas por
meio das quais os alunos possam se situar como sujeitos de seu
processo de aprendizagem, a partir de propostas críticas que vão ao
encontro das abordagens emergentes para o ensino de Geografia,
destacadas no capítulo anterior.
A partir desse ponto de aglutinação dos estudos que têm a
preocupação com o estabelecimento da meta de formação do pen­
samento geográfico no ensino, as propostas se diversificam nova­
mente porque dependem de orientações teóricas e metodológicas,
pedagógico-didáticas e de métodos adotados na produção da pró­
pria ciência geográfica. Toda essa sequência resulta em concepções
sobre o ensino, a aprendizagem, os alunos, os conteúdos escolares,
as práticas das aulas e outros elementos do processo.
Tenho já delineado, em vários outros textos, meu entendi­
mento sobre esse conjunto teórico-metodológico para o ensino de
Geografia. Entretanto, entendo que será importante trazer nesse
material alguns apontamentos de uma proposta, reafirmando e/ou
ressignificando seus elementos, evidenciando a meta da formação
do pensamento geográfico. Essa será a abordagem dos próximos
capítulos, seguindo em certo sentido essa lógica dos componentes
do pensamento geográfico: os conceitos, os raciocínios, o método,
as linguagens, os sujeitos.

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PARA ORIENTAR PRÁTICAS ESPACIAIS 99


3

FORMAÇÃO DE CONCEITOS
Significados e sentidos do conteúdo escolar como
meta para o ensino de Geografia

o capítulo anterior, foi trabalhada a ideia de que a Geo­

N grafia produz instrumentos simbólicos que possibilitam


a formação de um tipo de pensamento - o pensamento
geográfico. Este, por sua vez, atua sobre a realidade, com base nos
conceitos e princípios próprios que foram produzidos. Disso resul­
ta salientar determinados elementos da realidade basilares para a
produção de um tipo de conhecimento, para a análise geográfica
dos fenômenos.
O foco dessas formulações, no entanto, não é fundamentar
uma análise científica nesse campo disciplinar, mas prover elemen­
tos para se esclarecer a especificidade dessa análise, via constitui­
ção de um pensamento geográfico, instrumento intelectual acessí­
vel a todas as pessoas. Em outras palavras, considera-se necessário
formular com clareza qual é especificamente a contribuição da
Geografia na análise dos fenômenos vivenciados pela sociedade,
para que essa disciplina se realize em seus propósitos de explorar o
espaço, em sua inextrincável relação com os sujeitos, e de se tornar
acessível às pessoas que estão em formação.
Se o pensamento geográfico é um instrumento intelectual útil
para os geógrafos porque lhes permite compreender melhor a reali-

101
dade, acrescentando algo ao conhecimento sobre essa realidade, en­
tão, é democrático e justo que as pessoas possam ter acesso não so­
mente aos resultados do que os geógrafos produzem com esse
pensamento, mas também aos caminhos cognitivos que os levaram a
essa produção. Propiciar modos de acessar e de internalizar esse ca­
minho do pensamento é uma importante contribuição da Geografia
para o desenvolvimento mental dos alunos e para sua autonomia.
Como já foi colocado, para se cumprir essa tarefa é válido que
o professor desenvolva, em princípio, essa capacidade de pensar geo­
graficamente, e, ainda mais, que tenha consciência da relevância des­
sa capacidade para a vida cotidiana de todos os alunos. Essa cons­
ciência o ajudará a orientar seu trabalho com finalidades formativas
mais consistentes, superando o mero "repasse" de conhecimentos.
Este e os demais capítulos do livro estão escritos com esse
propósito: trazer à tona para o conhecimento e para o debate uma
das possibilidades de se argumentar sobre a Geografia Escolar e sua
relevância social.
Nesse sentido, para apresentar elementos mais específicos
para a compreensão do que é o pensamento geográfico, e de como
ele se constituiu ao longo da história, é imprescindível que se expo­
nham compreensões sobre esses conceitos e princípios. Particular­
mente, tenho me esforçado ao longo de minha trajetória acadêmica
(que envolve produção de livros, artigos, palestras, aulas, orienta­
ções acadêmicas) para estabelecer entendimentos sobre os concei­
tos que são apontados por muitos autores como estruturantes do
pensamento geográfico.
Neste capítulo, pretendo reapresentar esses entendimentos,
elegendo alguns deles, como Espaço, Lugar, Paisagem e Território
que, segundo meu parecer, devem ser privilegiados na análise do
urbano e no ensino de cidade (CAVALCANTI, 2012, 2013b). Esse
entendimento, vislumbra a possibilidade e o desejo de trazer novos
aportes, pois os conceitos estão sempre em construção, em reelabo-

102 Pensarpela Geografia: ensino e relevânàa social


ração. Antes dessa incursão nos conceitos, no intuito de sistemati­
zar o que entendo corno constituinte do pensamento geográfico,
formulo brevemente reflexões sobre os princípios que têm orienta­
do esse pensamento, destacando entre eles o da escala, que por ve­
zes é elencada também corno conceito geográfico.
Antes de falar em princípios e em conceitos da análise geo­
gráfica, é necessário explicitar meu entendimento sobre a distinção
entre conceito e categoria. Os conceitos são concepções amplas e
genéricas sobre os fenômenos da realidade, possuem alguma esta­
bilidade, mas são dinâmicos e estão em constante desenvolvimen­
to. A categoria, na produção científica, é a dimensão estável do con­
ceito e constitui o arcabouço da área científica de referência, urna
terminologia e seus atributos mais elementares, e é utilizada na
produção do conhecimento.
Para Moreira (2007), as categorias são os conceitos vistos na
ação prática de transformar os dados da experiência em teoria. Elas
são a chave do método de pesquisa. O autor afirma que a ciência é
urna forma de representação, uma visão que organiza o mundo por
meio do conceito, e expõe:
[...] princípios lógicos, conceitos e categorias são, assim, os elementos
da construção da representação científica. Os conceitos, as categorias
e os princípios lógicos agem num plano combinado. E as categorias
são os conceitos vistos na ação prática de transformar os dados da
experiência sensível em teoria. [...] A chave do método é a categoria. E
vimos que a categoria é o conceito em ação (MOREIRA, 2007, p. 108).

Com esse entendimento, pode-se reforçar a ideia de que as ca-


tegorias são os conceitos utilizados na análise geográfica, e, nesse
sentido, são utilizados para identificar e interpretar dimensões mais
ou menos distintas da realidade. Portanto, além das categorias filosó­
ficas, que dão os fundamentos primeiros na produção das represen­
tações científicas, como a verdade, a totalidade, a contradição, entre
outros, consideram-se como categorias científicas mais recorrentes
na análise geográfica aquelas que estão presentes na estruturação da

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 103


ciência. Em razão de se buscar uma compreensão sobre os elementos
que possibilitam as concepções dessas categorias, utilizam-se aqui os
conceitos elementares do pensamento geográfico.

Os princípios geográficos: a localização, a distribuição,


a conectividade, a escala
Pensar pela Geografia, ou com a Geografia, requer atitudes,
requer uma orientação consciente do pensamento, que parte de al­
guns pressupostos - são os princípios norteadores. Moreira (2007)
trabalha com amplitude esses princípios, sobretudo quando discri­
mina aqueles que considera como princípios das práticas espaciais:
a localização, a distribuição e a extensão. A localização é o princí­
pio para responder à primeira pergunta geográfica: Onde? Mas jun­
to com esse princípio o autor elenca a seletividade e a diversidade,
esta com seu par, a unidade; ou seja, as coisas são diversas, mas es­
tão em unidade. Destaca também a escala como princípio, afir­
mando que ela é "um complexo entrecortado de domínios de terri­
tório" (MOREIRA, 2007, p. 92).
Pela sua relevância teórica e conceitua!, e, por isso mesmo,
por sua relevância didática, quero destacar, entre os princípios, o de
escala. Ao se dizer local/regional/global, utiliza-se um discurso
bastante comum nos textos geográficos. Essas dimensões, de fato,
existem na realidade, mas a preocupação com seu destaque, ou seja,
com o raciocínio escalar inerente a esse discurso, é próprio do geó­
grafo. A discussão sobre as dimensões local/regional/global é o que
se entende como raciocínio escalar: trata-se de operar o pensamen­
to por escala. Esse é um princípio de bastante destaque na história
da ciência geográfica. Hoje, correntemente, está presente essa ne­
cessidade de se analisarem os fenômenos em suas diferentes escalas
de manifestação e/ou de repercussão.
No mundo atual, a escala global tem mais peso, está mais for­
te e é acentuada frequentemente nas análises, mas é preciso obser-

104 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


var que o global é uma noção abstrata, é mais um conceito que uma
evidência empírica. Ou seja, não há o global na experiência imedia­
ta, mas o que faz algo ser considerado global são as suas conexões
em diferentes escalas. A escala está, assim, articulada a outro prin­
cípio geográfico: o da conexão, em diferentes redes de atuação e
repercussão dos fenômenos. Essas redes se complexificaram enor­
memente nas últimas décadas, quando os avanços referentes aos
âmbitos da informação e comunicação passaram a ser uma forte
realidade. Essas redes referem-se às redes físicas, por exemplo,
como as de infraestrutura, estradas em geral, e a outros tipos, orga­
nizadas e geridas por uma articulação a distância, viabilizadas
enormemente pelas virtualidades. Todas elas são fundamentais
para se entenderem os fenômenos e suas inter-relações: os fenôme­
nos em suas diferentes escalas.
Dentre os vários pesquisadores que se propuseram a discutir
conceitualmente a escala na Geografia, destacam-se Lacoste (1989),
Corrêa (2003; 2011), Castro (2010, 2014), Souza (2013).
Um primeiro aspecto a ser levantado sobre o entendimento
de escala na Geografia é a distinção que se faz entre a Escala Carto­
gráfica e a Escala Geográfica. No entendimento apresentado por
Souza (2013, p. 181), Escala Geográfica "tem a ver não com a fração
da divisão de uma superfície representada em um documento car­
tográfico, mas, sim, com a própria extensão ou magnitude do espa­
ço que se está levando em conta". Segundo Souza (idem), a Escala
Cartográfica consiste na relação matemática que existe entre as di­
mensões de um objeto qualquer no mundo real e as dimensões do
desenho que representa esse mesmo objeto, como se visto do alto,
em um mapa (carta, ou planta). Isto posto, a Escala Geográfica, em
seu entendimento, não tem relação com essa fração de superfície
representada cartograficamente, mas, sim, com a própria extensão
ou magnitude do espaço que se está levando em conta.
Castro (2010), por sua vez, além de chamar a atenção para
essa questão da distinção desses dois conceitos, destaca a questã�

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 105


metodológica da escala geográfica, uma vez que ela é essencial para
a compreensão do sentido e da visibilidade dos fenômenos numa
perspectiva espacial. A escala cartográfica está relacionada à mate­
mática e não é satisfatória para a análise geográfica. Assim, como
um modo de aproximação à realidade, a escala é definida pelo fenô­
meno, e não ao contrário. Infere-se, portanto, que ela não é mais
importante do que ele: "O recurso de pensar a escala permite a n a ­
lisar o fenômeno a partir da medida da sua significância, isto é, da
extensão que lhe dá sentido" (CASTRO, 2010, p. 88).
Conforme Souza (2013), a Escala Geográfica pode ser subdivi­
dida em três tipos: a) A Escala do Fenômeno, b) A Escala de Análise
e c) A Escala de Ação. É importante que essas escalas sejam entendi­
das em suas inter-relações, depreende-se, com isso, que a relação en­
tré a escala de análise e a escala do fenômeno deve ser de correspon­
dência. Por esse motivo, a escolha de uma escala é uma etapa
importante na análise geográfica, pois é a escala "correta" ou "ade­
quada" que dará visibilidade a determinados aspectos do fenômeno.
Outro autor que contribui para a reflexão sobre o conceito de
Escala Geográfica é Corrêa (2011), ao discutir sobre temas relacio­
nados à espacialidade urbana. Para ele, não é possível realizar pes­
quisas utilizando apenas uma escala, pois a complexidade urbana
hoje sugere observações e análises mais profundas, mais comple­
xas, logo, atribuir uma única escala nessa análise limitará a análise
do fenômeno estudado. Segundo esse autor, uma das características
da Escala Espacial, aqui entendida como Escala Geográfica, é a área
de abrangência de um processo ou fenômeno, que pode ser local,
regional, nacional ou global. "A Escala Espacial constitui traço fun­
damental da ação humana, relacionada a práticas que se realizam
em âmbitos espaciais mais limitados ou mais amplos, mas não dis­
sociados entre si" (CORRÊA, 2011, p. 41/42).
Percebe-se, então, que a Escala Geográfica, em interação com
a Escala Cartográfica, é um importante princípio metodológico
para o desenvolvimento do pensamento geográfico, permitindo a

106 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


realização de recortes espaciais para se analisarem os fenômenos,
sem perder de vista sua totalidade. Esse pensamento está sendo en­
tendido aqui como a capacidade cognitiva de o sujeito interpretar
de modo multiescalar um determinado fenômeno, levando em
consideração os conceitos básicos da Geografia, tanto na pesquisa
geográfica como no ensino.
Em relação ao ensino, muitos estudiosos nessa área, no con­
texto brasileiro e de outros países, como Aragão, 2019; Arenas
Martija e outros, 2013; Cavalcanti, 2011, 2013a; Castellar, 2009;
Callai, 2006; Gurevich, 2005; Straforini, 2004; Garcia Perez, 2003;
entre outros, têm buscado demonstrar a importância de se conside­
rar, no tratamento didático dos conteúdos geográficos, os conheci­
mentos cotidianos dos alunos, aqueles que são adquiridos em sua
prática cotidiana, tendo assim seu lugar como escala de análise dos
fenômenos e processos estudados. Essa recomendação tem sido fei­
ta com o objetivo de se levarem a cabo experiências de ensino e
aprendizagem que sejam mais significativas para os alunos. Indica­
se com esse propósito que, ao se estudarem os temas, devem-se ir
do local ao global e deste ao local, mas sem linearidade.
Por um lado, há nessas indicações a preocupação de se atri­
buir significado aos conteúdos geográficos para o próprio aluno,
permitindo que ele faça relações mais diretas dos conhecimentos
trabalhados nas aulas com o seu cotidiano, com sua vida imediata.
Por outro lado, nelas, também está a ideia de que nos fenômenos
vistos em escala local é possível encontrar elementos da realidade
mais ampla, na compreensão de que nessa realidade encontra-se a
manifestação do global. Esse raciocínio é uma "aplicação" do prin­
cípio geográfico entendido como escalaridade. Em outros termos,
aprender a se analisar no fenômeno, fato ou acontecimento estuda­
do em diferentes escalas é um caminho para se desenvolver o pen­
samento geográfico. Essa recomendação está orientada pela com­
preensão dialética, que pressupõe a multiescalaridade e a totalidade
dos fenômenos.

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 107


Tanto para o ensino como para a análise científica importa
considerar pelo menos os aspectos mais definidores do conceito de
escala geográfica: a distinção entre Escala Cartográfica e a Geográ­
fica, e a complementariedade entre ambas; sua referência principal
ligada à abrangência do fenômeno (sua repercussão, suas relações,
suas redes); a complexidade dos fenômenos e seus movimentos, que
requerem a articulação entre diferentes níveis de escala para sua
compreensão mais abrangente; e a dimensão metodológica na aná­
lise geográfica, por se considerar que sua escolha é um ato metodo­
lógico importante.
A atenção consciente e intencional do professor dada ao prin­
cípio do raciocínio escalar e da multiescalaridade dos fenômenos
pode ajudá-lo a encaminhar os estudos no sentido da produção do
conhecimento pelos alunos e de seu desenvolvimento intelectual,
seu desenvolvimento abstrato-conceitua!. Essa postura supera o
tratamento empírico dos conteúdos. Para que os professores pos­
sam trabalhar sistematicamente com a dialética local-global em
suas aulas, é preciso que ele tenha domínio teórico, conceitua! e
didático sobre os conteúdos abordados e sobre o papel da análise
escalar na sua compreensão. No entanto, por meio de experiências
de investigação, de testemunhos de professores e futuros professo­
res de Geografia, percebe-se que ter esse domínio ainda é um desa­
fio, assim como é desafio também o trabalho com esse princípio,
pois os professores têm dificuldades em articular as escalas de
apreensão da realidade.
Nesse contexto, é comum, como foi assinalado no primeiro c a ­
pítulo, o ensino voltado para o local, para o que é vivido pelo aluno,
sem dar oportunidade a ele de desenvolver suas capacidades intelec­
tivas, sem alterar a lógica de seu pensamento. Nesse ensino, predo­
minantemente, lidam-se com os resultados do conhecimento, as coi­
sas, os fatos, os objetos, e não os processos que lhe dão forma.
Diferentemente do tratamento empírico dos conteúdos, o tra­
balho com diversos níveis de escala, de modo articulado e simultâ-

108 Pensarpela Grografia: ensino e relevância social


neo, requer o desenvolvimento intelectual, que vai além da expe­
riência imediata e direta dos sujeitos, para permitir compreender
suas interações e limites. Assim, é possível perceber que as escalas
escolhidas para a análise dos fenômenos podem alterar seus resul­
tados, pois algo que se vê em uma escala local, por exemplo, não é
visível em outras. E, também, há processos dos componentes espa­
ciais estudados que não se percebem se for considerada somente a
escala local. Portanto, o conhecimento mais amplo de um objeto
depende das perguntas feitas pelo sujeito ao objeto. A partir dessas
perguntas, definem-se as escalas de análise necessárias para a com­
preensão do objeto.
A análise que permite esse jogo de escalas, a interescalarida­
de e multiescalaridade, requer o desenvolvimento do pensamento
teórico-conceituai. É por meio desse pensamento que se observam
as articulações possíveis entre a objetividade das teorias referentes
à ciência geográfica e as experiências espaciais cotidianas dos alu­
nos, bem como entre os significados atribuídos pela ciência geográ­
fica aos conteúdos estudados, apreendendo a objetividade do fenô­
meno, e os sentidos que lhes são dados pelos alunos.
Essa análise pode ser feita no estudo de qualquer conteúdo
geográfico, comumente veiculado no ensino básico, como as carac­
terísticas climáticas e suas manifestações em tempos determinados
localmente e sua articulação com as mudanças climáticas globais;
os fenômenos de movimentação sísmica e suas escalas de abran­
gência; os acontecimentos de alagamentos, rompimento de barra­
gens e seus desdobramentos diretos e indiretos em escalas mais
abrangentes; a produção de um equipamento ou uma peça de ves­
tuário e suas redes e circuitos de produção. Tal verificação pode ser
realizada pelos alunos também em sua vida cotidiana, fora da esco­
la, ao compreenderem, por exemplo, as imposições de ordem global
em suas vidas locais, em seu próprio corpo, referentes aos gostos,
hábitos de consumo, comportamentos, preferências musicais, esti-

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 109


los de vida, o que qualificaria sua capacidade de análise de sua rela­
ção com o mundo e de seu lugar nele.
Percebe-se, assim, a relevância desse princípio, que articula
outros, como a conectividade, a distribuição, a totalidade, na análi­
se geográfica, tanto a ser feita no âmbito da ciência geográfica
quanto no âmbito do ensino de Geografia. Para seguir com essa
análise, é necessário se ter clareza sobre alguns conceitos que lhe
são estruturantes, os conceitos geográficos, tendo como central o
espaço geográfico.

Espaço Geográfico: conceito-chave do pensamento


geográfico
Como foi visto no capítulo anterior, a análise geográfica, rea­
lizada por uma capacidade entendida como pensamento geográfi­
co, é a construção de um sistema intelectual que aborda uma reali­
dade a partir de um ponto de vista. Esse ponto de vista é construído
com base em questionamentos que sujeitos do conhecimento fazem
ao objeto a ser analisado. Foi apresentada também a visão que
orienta as formulações desse livro de que o objeto de investigação
não é um dado a priori, mas uma construção na relação entre sujei­
to e objeto. Ou seja, não há um objeto geográfico em si. Assim, a
realidade e a dimensão espacial podem ser abordadas, sob perspec­
tivas diversas, por disciplinas como a história, a sociologia, a antro­
pologia, a economia, entre outras.
O que distingue a perspectiva da Geografia é o seu ponto de
vista, que articula determinados princípios lógicos e conceitos es­
pecíficos construídos ao longo de sua história. Essa construção foi
feita a partir da perspectiva do espaço geográfico, ou de um modo
propriamente geográfico de se abordar a dimensão espacial dos fe­
nômenos, tornando, assim, o espaço um conceito-chave do pensa­
mento geográfico.

llO Pensarpela Goograjia: ensino e relevância social


Para iniciar esse breve apanhado de contribuições de referên­
cia para a elaboração do conceito de Espaço Geográfico, aponto al­
guns autores principais: Milton Santos; Ruy Moreira; Elvio Mar­
tins; David Harvey; Paulo Cesar da Costa Gomes; Edward Soja;
Doreen Massey; Ana F. A. Carlos; Antonio Carlos R. Moraes. Na
leitura dos textos desses estudiosos, é possível identificar a reafir­
mação da centralidade da categoria espaço em análises geográficas
contemporâneas. Para essa análise, têm sido demandados conheci­
mentos integrados, interdisciplinares, abertos, na perspectiva da
complexidade. O espaço como objeto da análise geográfica é conce­
bido, assim, não como aquele da experiência empírica, não como
um objeto em si mesmo, a ser descrito pormenorizadamente, mas
como uma abstração, uma construção teórica, uma categoria de
análise que permite apreender a dimensão da espacialidade das/nas
coisas do mundo.
O Espaço Geográfico é, desse modo, construído intelectual­
mente como um produto social e histórico, que se constitui em ferra­
menta, um dispositivo de análise por meio do qual se possibilita uma
análise da realidade. Partindo dessa ferramenta intelectual, há, atual­
mente, uma diversidade de perspectivas da análise geográfica, como
as de fundamentação fenomenológica, dialética e sistêmica, ou algu­
ma inter-relação entre elas. Percebe-se, assim, a transversalidade do
espaço como centralizador do foco das análises da Geografia, ainda
que se percebam ao longo de sua história, e na atualidade, muita am­
plitude temática e diferentes norteamentos metodológicos, criação e
difusão de conceitos diversos (ARAÚJ0:2013).
Uma primeira formulação a ser feita na busca de elementos
para a conceituação de Espaço Geográfico, pela sua difusão e uso
na comunidade geográfica, é a de Milton Santos (1996). Segundo
ele (idem, p. 51): "O espaço é um conjunto indissociável, solidário
e também contraditório, de um sistema de objetos e um sistema de
ações, não considerados isoladamente." O autor, em sua explicação
do conceito, esboça a trajetória construída por ele para essa for-

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 111


mulação última, passando por entender o espaço como os flu xos e
os fixos; como a configuração territorial e as relações sociais; as
formas conteúdo; o meio-técnico-científico-informacional. Desta­
ca-se, em sua última elaboração, a indissociabilidade entre os ob­
jetos e as ações, ou seja, não se pode tomar o objeto de estudo ape­
nas por um dos componentes, os objetos ou as ações, mas a
solidariedade (interdependência) entre eles e a contradição (um
negando o outro), num movimento dialético. Para esse autor, em
meu entendimento, compreende-se o espaço como um sistema de
objetos, articulados e combinados entre si, e não como uma cole­
ção de coisas aleatórias, não como objetos em si, mas articulados
aos sujeitos que os apreendem, a partir da formulação de um siste­
ma de conceitos, associado a um sistema de ações mobilizadas pe­
los propósitos dos agentes.
Outro autor da Geografia brasileira que é referência recorren­
te na busca por uma compreensão do conceito de espaço geográfico
é Corrêa (1995). Para ele, os conceitos-chave nos estudos geográfi­
cos são paisagem, região, espaço, lugar e território. O Espaço, na
configuração mais recente dessa ciência, passa a ser, segundo o au­
tor, um conceito-chave, sendo abordado em diferentes concepções
que estão vinculadas às diversas correntes do pensamento geográ­
fico. Para contribuir, busca explicar como cada uma dessas corren­
tes aborda o espaço e acrescenta o conceito de práticas espaciais,
para operacionalizar o estudo do espaço geográfico.
Num esforço de síntese, o autor apresenta a seguinte
formulação:
Eis o espaço geográfico, a morada do Homem. Absoluto, relativo, con­
cebido como planície isotrópica, representado através de matrizes e
grafos, descrito através de diversas metáforas, reflexo e condição social,
experienciado de diversos modos, rico em simbolismos e campo de lu­
tas, o espaço geográfico é multidimensional (CORRÊA, 1995, p. 44)

Gomes (2013), outro autor que é referência na concepção de


Espaço, afirma que espacialidade é um "conjunto formado pela dis-

112 Pensarpela Goografia: ensino e relevância social


posição física sobre esse plano de tudo que ele contém. Correspon­
de, assim, ao resultado de um jogo de posições relativas de coisas e/
ou fenômenos que se situam, ao mesmo tempo, sobre esse mesmo
espaço". (GOMES, 2013:17). Nessa concepção, há um destaque para
o arranjo da disposição das coisas e/ou fenômenos. Em texto ante­
rior, afirma que a Geografia é um ato de qualificar o espaço, como
já foi mencionado:
Efetivamente, o objeto da Geografia é o espaço, "que simultaneamen­
te é disposição física das coisas e práticas sociais que ali ocorrem" [...]
A análise geográfica deve examinar o espaço como um texto, onde
formas são portadoras de significados e sentidos. Há, por assim dizer,
uma "escrita" nesta distribuição das coisas no espaço. "Em outros ter­
mos, o arranjo espacial das coisas é uma linguagem. Comunica, reve­
la e organiza sentidos, estrutura ações, muda segundo os contextos,
utiliza metáforas, metonímias, anacolutos, elipses e hipérboles" (Go­
mes, 1997, p. 38).

Nessa concepção, ele aponta seu acordo com o entendimento


de Milton Santos (1996) de que o Espaço Geográfico é uma forma­
conteúdo, pois a disposição física dos objetos interage com as práti­
cas sociais. Para Gomes (2012, p. 21), o espaço, do ponto de vista
geográfico, é "simultaneamente o substrato no qual são exercidas as
práticas sociais, a condição necessária para que essas práticas exis­
tam e o quadro que as delimita e lhes dá sentido". No entanto, ain­
da segundo esse autor, já nas décadas de 1950-1960, há uma mobi­
lidade territorial intensificada, e as paisagens parecem fragmentar-se
diante dos olhos dos geógrafos, chamando sua atenção para a flui­
dez do espaço em escala generalizada. Ao geógrafo, continua a ser
um desafio explicar e representar a paisagem, portadora do visível/
invisível, enquanto concretude do mundo (Moreira, 2007, p. 20).
Moraes (2014, p. 20), ao fazer referência ao espaço e ao seu
conceito como objeto da Geografia, afirma:
Com o processo de renovação do campo disciplinar, no último quar­
tel do século passado, em muitas formulações tal objeto se desmate­
rializa, tornando-se um ser heurístico, um recorte construído com o

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 1 13
concurso da abstração, logo, não possuindo uma correspondência
empírica imediata. Nessa visão renovada, pode-se considerar que o
espaço emerge como objeto central em variadas propostas, substi­
tuindo a concepção empirista antes prevalecente.

Em sua argumentação, esse autor coloca a necessidade de to­


mar o espaço não como esfera reativa a processos externos, o que
limitaria muito o poder explicativo da Geografia, tampouco como
tendo um dinamismo intrínseco. O autor chama a atenção para o
risco de se tomar o espaço como o dominante dos processos, por­
tanto, nem coisa, nem sujeito. O espaço, ou a espacialidade, pode
ser tomado como objeto de conhecimento da Geografia, desde que
sem ser fetichizado, como se ele em si tivesse vida, consciência,
vontade e determinação sobre seus movimentos, desconsiderando
os homens que estão por trás desse espaço. Assim, fazendo a crítica
a essa fetichização do espaço, possível de ser identificada mesmo
em teorias de fundamento dialético, como a de Milton Santos
(1996), ele considera que a Geografia deve ter como objeto a espa­
cialidade da vida social, que não pode ser confundida com uma
ontologia do espaço:
Poder-se-ia dizer que a geografia humana deveria estudar a espaciali­
dade da vida social, entendendo-a como uma mediação particulari­
zadora na compreensão da história de uma sociedade concreta. [...] A
espacialidade (como dimensão) pode ser tomada em diferentes níveis
de abrangência, e a espacialização (como procedimento analítico)
pode ser praticada de forma progressiva, seja em termos de detalha­
mento escalar e das interações entre as escalas, seja no que importa à
história de lugares cada vez mais singularizados (MORAES, 2014:23).

Santos (1996), no investimento de explicação do espaço como


objeto da Geografia, afirma sua ontologia, mas entendendo que
essa ontologia está refletida nas categorias de análise, formando um
sistema e articulada ao seu conteúdo existencial. As categorias,
como a técnica (ou fenômeno técnico), o tempo, a intencionalidade,
materializadas nos objetos e ações, refletem a ontologia do espaço.
O autor (SANTOS, 1996, p. 2 1) considera, assim, o espaço como

1 14 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


forma-conteúdo, em sua própria existência, uma forma que não
tem existência empírica e filosófica, se se concebe essa forma sepa­
radamente do conteúdo, "e um conteúdo que não poderia existir
sem a forma que o abrigou [...] A produção e reprodução desse hí­
brido, que é o espaço, com a sucessão interminável de formas-con­
teúdo, são o traço dinâmico central da sua ontologia".
Novamente, o autor ressalta que o espaço não pode ser enten­
dido como sistema de objetos ou sistema de ações, separadamente.
Em sua compreensão, é fundamental entender que o conjunto for­
mado por esses sistemas é indissociável e cabe à Geografia encon­
trar as categorias que permitem representá-lo no âmbito da teoria.
Entenda-se, também, segundo o autor, que os sistemas são compos­
tos de elementos, mas são combinados, e é essa combinação que o
enfoque geográfico está buscando: o sistema de objetos e ações com
uso combinado pelos grupos humanos (simbólico e funcional).
Acrescente-se que o sistema de ações considera que ação é próprio
do homem, desde a escala do corpo até as escalas mais abrangentes,
articulando três ordens no cotidiano: da forma técnica, da forma
jurídica e do simbólico.
Soja (2014) é outro autor relevante nessa conceitualização. Ele
declara seu entendimento sobre a centralidade do espaço, ou me­
lhor, sobre a espacialidade, na análise geográfica:
Para mí el espacio y la espacialidade son uma categoria essencial que
debe ser considerada em conjunción con esse compromisso a gran
escala del que estaba hablando: el pensamento espacial. Dentro de
esta categoria existe um buen número de componentes básicos que
interactúan entre sí: el território y la territorialidade son uno de ellos.
El lugar y la formación de lugares es outro. No veo muy claro la con­
frontación entre lugar y espacio. El lugar forma parte de lo espacial.
La escala y lo escalar forma parte de lo espacial [... ] Para mí, todos
estos elementos están incluídos em lo espacial al igual que la regiona­
lidade, la modalidad, las redes espaciales (SOJA, 2014:77/78). 1

1 Para mim, o espaço e a espacialidade são uma categoria essencial que deve ser conside­
rada em conjunção com esse compromisso em grande escala do que estava falando: o

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 115


Para se compreender a amplitude de sua concepção de espa­
ço, articulada ao que ele toma como defesa em seu trabalho, que é
o giro espacial (a defesa de que o espaço, tanto quanto o tempo e o
social, são dimensões determinadoras da realidade), é oportuno
considerar sua explicação do que ele chama de Terceiro Espaço, na
imaginação geográfica (SOJA, 1999). Segundo sua compreensão, há
uma trialética do ser, composta pela espacialidade, socialidade e
historicidade, que são suas aproximações. Essa figuração é perti­
nente para a linha de argumentação aqui delineada, não obstante
existam críticas possíveis, como a de Schmid (2012), de que Soja
propõe abordagens diferentes para a pesquisa urbana tendo como
base cada um dos três espaços. Debatendo com o autor, Schmid
afirma que, na dialética de Lefebvre, basilar para a formulação de
Soja, os três espaços são interdependentes e interconectados.
Ao concordar com a interpretação de Schmid (2012) de que
para Lefebvre os três espaços devem ser tomados em igual valor na
análise, uma vez que são dialeticamente articulados, considero, no
entanto, oportuno destacar a visão de Soja (2014) sobre essa trialé­
tica e, especialmente, sobre as possibilidades de superação do insti­
tuído atribuídas ao Terceiro Espaço. Especificando um pouco mais
a imaginação geográfica, esse autor, ao fazer referência direta a Le­
febvre, propõe a trialética da espacialidade: vivido (terceiro espa­
ço), concebido (segundo espaço) e percebido (primeiro espaço). O
primeiro espaço refere-se ao mundo experimentado diretamente
dos fenômenos; o segundo é mais subjetivo e imaginado, mais
preocupado com as imagens e as representações da espacialidade,
que supostamente "modelam tanto as geografias humanas mate-

pensamento espacial. Nesta categoria existe um bom número de componentes básicos


que interatuam entre si: o território e a territorialidade são um deles. O lugar e a forma­
ção de lugares é outro. Não está muito claro o confronto entre lugar e espaço. O lugar
forma parte do espacial. A escala e o escalar fazem parte do espacial [...} Para mim,
todos esses elementos estão incluídos no espacial, assim como a regionalidade, a moda­
lidade, as redes espaciais (SOJA, 2014, p. 77-78, tradução da autora).

116 Pensarpela Geografo:c ensino e relevância social


riais como o desenvolvimento2 (SOJA, 1999:189); e o terceiro espa­
ço, definido como espaço vivido, um modo alternativo da investi­
gação espacial que expande o alcance da imaginação geográfica.
"Más allá del dualismo restrictivo de lo que describo como episte­
mologias de Primer Espacio y de Segundo Espacio"3 (idem, 1999, p.
187). Para essa concepção do Terceiro Espaço, o autor atribui in­
fluência dos trabalhos de Michel Foucault e de Henri Lefebvre.
Considera, com a contribuição principal de Lefebvre, em A produ­
ção do Espaço (2006), que o Terceiro Espaço é um outro "diferente",
uma abertura que permite ver além do que já se sabe. Para ele, o
Terceiro Espaço consiste em 'uma manera particular e mirar, inter­
pretar y actuar para cambiar la espacialidad de la vida humana", un
lugar de encuentro estratégico para fomentar la acción política co­
lectiva contra todas las formas humanas de opresión". 4 (1999:94/95).
Utilizando essa mesma referência da trialética espacial de Le­
febvre (1991), pode-se citar David Harvey (2015), destacando-se o
texto em que se propõe justamente a conceituar o espaço como pa­
lavra-chave da Geografia. Retomando sua concepção de espaço,
formulada em outros textos, como sendo uma articulação, tensio­
nada dialeticamente, de três concepções: espaço absoluto, espaço
relativo e espaço relacional, Harvey (idem) explica e exemplifica
cada uma dessas concepções. Ele as articula à trialética de Lefebvre
(1991) -de espaços percebido, concebido e vivido. Conforme ele dis­
crimina, seriam:
[...] o espaço material (o espaço da experiência e da percepção, aberto
ao toque físico e à sensação); a representação do espaço (o espaço como
concebido e representado); e os espaços de representação (o espaço vi-

2 "[ ... ] Que se supone que modelan tanto las geografias humanas de uma imaginação ge­
ográfica materiales como el desarrollo de uma imaginación geográficà' (1999, p. 189).
3 "[ ... ] para além do dualismo restritivo do que descrevo como epistemologias de Primei­
ro Espaço e de Segundo Espaço" (1999, p. 187)
4 "[ ...]uma maneira particular de olhar, interpretar e atuar para mudar a espacialidade da
vida humana� "um lugar de encontro estratégico para fomentar a ação política coletiva
contra todas as formas humanas de opressão" (1999, p. 94-95).

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 117


vido das sensações, da imaginação, das emoções e significados incor­
porados no modo como vivemos o dia a dia) (HARVEY, 2015, p. 136).

Para explicar seu entendimento de espaço, ele realiza o que


chama de "salto especulativo" em um quadro denominado- Uma
matriz dos possíveis significados do espaço como palavra-chave,
"cruzando as duas propostas de concepção tripartide de espaço
(HARVEY, 2015, p. 140). E finaliza sua contribuição com observa­
ções relevantes, no sentido de alertar sobre o perigo de os geógrafos
se deterem demasiadamente em análises orientadas pela concepção
relacional do espaço, como se o material e absoluto não tivessem
importância. Assim, sentencia que: "A única estratégia que real­
mente funciona é manter a tensão em movimento dialético através
de todas as posições da matriz" (ibidem, 2015, p. 150).
Uma referência comum para esses autores é Henri Lefebvre,
em sua obra A produção do Espaço (2006), em que expõe os princi­
pais elementos de sua concepção de espaço. No centro dessa con­
cepção, identificam-se a relação necessária entre espaço e tempo e a
compreensão de que o espaço está ligado à realidade social. O espa­
ço é um produto social, produz e é produzido socialmente. Nessa
concepção, produzir é produzir espaço, portanto, o modo de pro­
dução social está no núcleo da produção espacial. Para se com­
preender a produção do espaço, Lefebvre (2006) propõe a tríade
dialética (que tem relação de interdependência) entre o espaço per­
cebido, espaço concebido e espaço vivido.
O espaço percebido é o espaço da experiência material, da
interação com a matéria, emerge do modo como os sujeitos perce­
bem e representam suas experiências cotidianas, pois esses, em
suas práticas espaciais banais, vão construindo suas percepções.
O espaço concebido ou representações do espaço são concepções
produzidas intelectualmente pela racionalidade dos cientistas, pla­
nejadores, tecnocratas, entre outros. Equivale ao modo como é pro­
jetado, conceituado e planejado o mundo. O espaço vivido ou espa­
ço de representação, por sua vez, define-se pela vivência cotidiana,

118 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


é composto por imaginações, emoções, medos, desejos, sonhos.
Essa dimensão imaterial do espaço, sua dimensão simbólica, cons­
titui-se "através das imagens e símbolos que o acompanham, por­
tanto, espaço dos 'habitantes', dos 'usuários', mas também de certos
artistas e talvez dos que descrevem e acreditam somente descrever:
os escritores, os filósofos" (LEFEBVRE, 2006, p. 66).
Após articular diferentes concepções de espaço geográfico, im­
porta salientar, em outra perspectiva, que a palavra espaço é usada
muito corriqueiramente e para muitas situações e contextos, é tam­
bém um conceito sistematicamente trabalhado, como foi demonstra­
do aqui, ao longo da história, em várias ciências e na filosofia. Isso
potencializa a necessidade de se explicitar o entendimento que está
sendo atribuído em situação determinada. No contexto dessas argu­
mentações, quando se aborda o conceito de espaço não se tem a in­
tenção de abordá-lo do ponto de vista de outras ciências ou da filoso­
fia, a finalidade é, de fato, abordá- l o do ponto de vista da Geografia.
É do Espaço Geográfico que se trata. Portanto, ao se mencionar o
espaço nesses textos, está implícita a intenção de trabalhar com essa
categoria a partir de um ponto de vista, o ponto de vista da Geogra­
fia. E, mais ainda, a menção ao espaço geográfico está dirigida à si­
tuação de ensino e aprendizagem, não da produção científica.
Parte-se aqui da consciência da relevância e pertinência da
discussão sobre a centralidade do espaço na análise geográfica, jus­
tamente devido à sua complexidade e à dificuldade de se estabele­
cer uma relação clara e minimamente consensual sobre o que é o
espaço, em sua ontologia, e como ele se manifesta em sua materia­
lidade existencial.
Da mesma forma, admite-se que os autores e suas formulações
apresentadas no texto sobre essa questão não esgotam a compreen­
são dessa problemática, mas encaminham elementos conceituais que
podem, uma vez pontuados e articulados, orientar práticas específi­
cas com a Geografia. O principal entendimento a ser retido aqui é a
visão de que o espaço não é inocente, nem é receptáculo, o espaço

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 119


conta, do mesmo modo, a visão de que é preciso abordar criticamen­
te a sociedade contemporânea em sua espacialidade, tendo como pa­
râmetro a ideia de justiça espacial (SOJA, 2014).
Neste caso, o entendimento sobre o conceito científico que
define o foco das análises nesse campo disciplinar deve ter uma
preocupação a mais, a de torná-lo ferramenta de análise dos alunos.
Jovens e crianças em formação, embora não tenham que fazer essa
abstração a respeito da formulação de um conceito na ciência, po­
dem direcionar seu olhar, sua observação, seus questionamentos
sobre a realidade que vivenciam direta ou indiretamente, tendo
como base elementos desse conceito. Por exemplo, as perguntas tí­
picas da Geografia - onde? e por que aí? - podem ser internalizadas
pelos alunos como uma capacidade de se questionar a realidade,
entendendo que os fenômenos não estão localizados por acaso, em
um "receptáculo" chamado de espaço; diferentemente, há uma ló­
gica que justifica essa localização.
Portanto, a configuração de um fenômeno é composta tam­
bém por sua espacialidade - em articulação com os processos his­
tóricos e sociais que o definiram. Os alunos podem ter como enten­
dimento que os diferentes setores de uma cidade (para citar um
exemplo) não são somente locais absolutos, seu significado tem a
ver com sua posição relativa na cidade, e, mais ainda, seu sentido
mais profundo só pode ser apreendido com a compreensão das re­
lações e práticas espaciais - individuais, coletivas, simbólicas e ma­
teriais - ali vivenciadas. Essas atitudes indagadoras e esse entendi­
mento sobre a espacialidade da realidade se materializam e ganham
sentido mais concreto quando orientam práticas cotidianas cidadãs
desses jovens e crianças.

120 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


Conceitos estruturantes do pensamento geográfico:
Paisagem, Lugar, Território

Paisagem
Diante dessas formulações que estão sendo desenvolvidas ao
longo dos textos, é interessante considerar, nesse momento, a paisa­
gem como um dos conceitos estruturantes do pensamento geográ­
fico a ser desenvolvido pelos alunos na escola básica. Para sua com­
preensão a partir da produção científica, é possível tomar como
referência minha leitura de alguns autores e seus principais desta­
ques ao abordarem o conceito. Para direcionar as formulações se­
guintes, questiona-se: por que e em que a paisagem geográfica aju­
da a pensar o mundo? Por que é importante ver o mundo com a
"lente" dessa paisagem? O que é paisagem para a Geografia?
Conforme já se disse, há um pressuposto de que todos, e não
somente os geógrafos, têm ou podem ter conhecimentos da Geogra­
fia que ajudam na compreensão do mundo. Isso é importante porque
ela provê instrumentos que compõem o pensamento com uma "[...]
maneira poderosa de olhar o mundo [...] ajudando a ver as conexões
entre lugares e escalas..." (BAILLY e outros, 2009, p. 17). Sendo assim,
questiona-se: que elementos do conceito de paisagem interessam, de
modo particular, ao ensino de Geografia, com o propósito de munir
os alunos dessa maneira poderosa de olhar o mundo?
A paisagem, em sua dimensão estética, com suas cores, sabo­
res, odores, permite apreender um conjunto diverso, em sua unidade.
Saber contemplá-la, vê-la, senti-la e refletir sobre ela coloca o sujeito
em confronto com essa unidade, levando-o a resgatar diferentes sen­
tidos nessa experiência: subjetivos e sociais. Observar, contemplar,
descrever a paisagem aguçam o sensível, o racional, o imaginário, o
corporal, podendo levar a uma reconciliação de faculdades (razão e
sensibilidade) separadas pela ciência (Besse, 2010).

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 121


Na Geografia, a paisagem tem sido tratada, na concepção
clássica, como parte de uma extensão territorial (a ideia de arranjo
e configuração espacial), em sua expressão de combinação de ele­
mentos físico-naturais, e em suas transformações sociais e cultu­
rais. Numa compreensão dialética, a paisagem é parte do método
de conhecimento do espaço, pois o sujeito que se relaciona com o
mundo por meio da paisagem, ao observar a localização e a distri­
buição dos objetos espaciais, percebe o arranjo espacial, que ex­
pressa distintos conteúdos. Portanto, sua abordagem remete ao par
indissociável forma/conteúdo. Como ponto de partida, tem-se, as­
sim, que a paisagem é uma imagem, é uma categoria da forma. Mas
não pode ser analisada somente como forma, e sim como forma­
conteúdo (SANTOS: 1996).
Essa primeira inserção no conceito é significativa por levar
aos raciocínios que compõem o pensamento. Os questionamentos
"geográficos", ao se dirigirem às formas-conteúdos dos objetos, su­
gerem que, para se explicar a realidade, é necessário que se bus­
quem o que não está evidente, o que não é localizável e o que não
está na ordem racional dos conjuntos. A paisagem, pois, no discur­
so geográfico procura compreender o entrecruzamento das carac­
terísticas físicas e sociais que, juntas, formam singularidades ima­
géticas. Em diálogo com essa perspectiva, estão os argumentos que
embasam a busca permanente de sentidos e significados dos ele­
mentos do espaço nas dimensões do concebido, vivido e percebido
(LEFEBVRE, 2006).
Conforme indica Moreira (2007, p. 115), faz parte da análise
geográfica o caminho do visível (pela paisagem) ao invisível e deste
ao visível novamente, "num movimento dialético da intelecção no
curso do qual a paisagem - aquilo que no fundo se quer compreen­
dido - se torna o concreto-pensado".
Pela paisagem, grava- se a produção dos espaços ao longo do
tempo, dando sentido ao sistema de objetos, pelas ações sociais. Ao
ser assim significado, valorado, o conjunto de formas adquire fun-

122 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social


ção social, constituindo-se em espaço geográfico. Santos (1996:83)
esclarece que paisagem e espaço não são sinônimos, pois enquanto
a paisagem é o conjunto de formas que exprimem as heranças, o
espaço são essas formas "mais a vida que as anima". Entendida
como dimensão da forma-conteúdo, que é o espaço geográfico, a
paisagem tem um caráter de palimpsesto, pois é memória viva de
um passado já morto, mas que está impregnado de significado, por­
tanto participando de uma história viva. Segundo esse autor expli­
ca: são as formas da paisagem que realizam, no espaço, as funções
sociais, mas não há paisagem com formas desprovidas de sentido.
A contribuição de Santos (1988; 1999) para as formulações do
conceito caminha no sentido de entendê-lo como uma dimensão da
percepção do sujeito em relação ao espaço, dos valores que ele (ou a
sociedade) atribui às formas. Para ele, a dimensão da paisagem é a
dimensão da percepção, pois ela é o que chega aos sentidos. Na pai­
sagem percebem-se os dados da realidade, os componentes espa­
ciais, as características, a dinâmica de um conjunto da superfície. A
paisagem expressa algo da espacialidade, o geógrafo busca conhecê
-la, num esforço de interpretação e conhecimento. Para isso, é pre­
ciso aprender a ver, observar, descrever e imaginar a paisagem.
Acentua-se, portanto, o caráter simbólico da paisagem, e tam­
bém a subjetividade dos modos de sua representação. Conhecer a
paisagem, os sentidos e significados sociais a ela atribuídos não são
resultado de toda e qualquer experiência, não são um dado da empi­
ria pura e simplesmente. Conhecer a paisagem, perceber sua dimen­
são reveladora da sociedade, depende do sujeito que a conhece.
Por outro lado, a paisagem tem uma materialidade, são as
formas que modelam a superfície terrestre. Porém, ela não é exata­
mente ou simplesmente isso, pois seu verdadeiro sentido na análise
geográfica, ou seja, como conceito geográfico, é seu caráter de pa­
limpsesto, que se configura como forma-conteúdo, carregando, re­
vestindo-se, assim, de significados e funções sociais.

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 123


Como aproximações desse modo de se compreender esse
conceito, Souza (2013) entende que, no âmbito da pesquisa so­
cioespacial, ele tem um escopo ligado ao espaço abarcado pela vi­
são de um observador. Num esforço de estabelecer um denomina­
dor comum, aponta o conteúdo visual e representacional da
paisagem. Segundo afirma, a paisagem é forma, aparência, que
oculta ou pode ocultar, que revela, mas também pode encobrir,
por isso mesmo é conveniente desconfiar: "O conteúdo 'por trás'
da paisagem pode estar em consonância ou em contradição com
essa forma e com o que ela, por hábito ou ideologia, nos sugere"'
(SOUZA, 2013, p. 46).
Para esse autor, outra potencialidade do conceito de paisa­
gem é o exame de como a paisagem condiciona a nossa sensibilida­
de e o modo como somos socializados. Assim, no sentido de reafir­
mar sua potencialidade no ensino, destaco uma interessante
indagação, feita por ele:

De que formas e com qual intensidade, ao se nascer e crescer em tais


ambientes [de segregação residencial], podemos ser condicionados
por determinados signos inscritos na paisagem, ou pela homogenei­
dade da paisagem mais imediata do próprio espaço residencial segre­
gado ou autossegregado, a aceitar tais realidades como "naturais"?
(SOUZA, 2013, p. 58).

Para articular dimensões objetivas e subjetivas do espaço, al­


gumas produções da Geografia contemporânea têm acentuado o ca­
ráter de experiência sensorial do sujeito com a paisagem, podendo
resultar numa sensação de significados das relações homem/mundo.
Como afirma Nogué (2011), a memória e a imaginação individual e
coletiva são espaciais e deveriam ser consideradas na escola:

La geografia como disciplina no debería intentar despojarse de su di­


mensión emocional por la sencilla razón de que las topografias de la
vida cotidiana están demasiado impregnadas de emoción y senti-

124 Pensarpela Geografia: ensino e relevância soda]


miento y nuestros tratados de geografia no dejan de ser, en el fondo,
una especie de psicogeografías personales y sociales (2011, p. 04).5

Dessa maneira, para a Geografia Escolar fica a tarefa de se am-


pliarem os modos de ver a paisagem, para se aprender a ter uma ex­
periência mais completa com ela e perceber aspectos pouco visíveis,
pouco destacados, desvalorizados. Como defende o autor, é necessá­
rio muitas vezes ir além do que está nas aparências, aprendendo a
formular hipóteses, usar a imaginação e servir-se da emoção.
Nesse momento, pode-se falar em formação do sujeito para
ampliar as experiências com a paisagem, para entendê-la como for­
ma-conteúdo. Pode-se falar no ensino e em sua tarefa de contribuir
para o desenvolvimento das possibilidades intelectuais e afetivas de
compreensão das paisagens. Essas possibilidades estão relacionadas
ao desenvolvimento das habilidades de descrever, imaginar e obser­
var a paisagem. Essas habilidades, por sua vez, exigem um método:
partir da paisagem, questionando-a, identificando, catalogando seus
elementos, e buscando articulação entre eles, em pontos invisíveis.

Lugar
Considerando as perguntas geográficas: onde e por que aí?,
recorrentemente trazidas para as argumentações, tenho trabalhado
com o entendimento de que o conceito de lugar é fundamental para
que se produzam respostas a essas perguntas. Em primeiro lugar,
responder sobre o onde remete ao princípio da localização, ou seja,
remete o pensamento geográfico à necessidade de localizar o objeto
que está sendo observado, estudado. E isso tem a ver com a defini­
ção do local, de lugar. Para responder a essas perguntas, é necessá­
rio trazer elementos dos significados e sentidos dessa localização.

5 A geografia como disciplina não deveria tentar despojar-se de sua dimensão emocional
pela simples razão de que as topografias da vida cotidiana estão demasiado impregnadas
de emoção e sentimento e nossos trasladas de geografia não deixam de ser, no fundo,
uma espécie de psicogeografias pessoais e sociais (2011, p. 4, tradução livre).

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 125


E ao se fazer essa relação entre a localização e seus significados e
sentidos, está se levando em conta um conceito de lugar.
Como afirma Santos (2002, p. 28), "onde" é a pergunta "cen­
tral do discurso geográfico". Porém, ele esclarece que localizar ul­
trapassa qualquer identificação de cunho geométrico, embora não
o elimine. Em suas palavras:
[...] Construir o jogo simbólico que representa esse processo pressu­
põe um diálogo direto não só com um cruzamento de linhas e pontos,
mas, igualmente, com a subjetividade de quem se localiza, mas não
apenas no plano de sua individualidade, mas, sim, também como su­
jeito historicamente identificável (SANTOS, loc. cit).

Alguns autores que têm preocupação com o conceito de lu­


gar, em uma concepção dialética, estão voltados para as questões
referentes ao pensamento geográfico, remetendo-o a uma categoria
de análise importante para esse pensamento, articulado com a
identificação da localização. Da mesma forma, os autores têm coin­
cidido no entendimento de que essa localização é um primeiro pas­
so para a análise, mas não é suficiente se se quiser ultrapassar os
elementos mais descritivos e superficiais da estruturação dos espa­
ços geográficos. A localização em si não basta, conforme se enten­
de, para expressar a potencialidade da categoria como ferramenta
de análise, como mediação do pensamento.
Ultrapassar o foco na localização significa ir além da pergun­
ta: Onde? Trata-se de encaminhar o pensamento para se indagar
sobre as razões que contribuíram para a produção dessa espaciali­
dade: ou seja, por que aí? É a questão que segue no pensamento. O
objetivo é entender as razões históricas, sociais, subjetivas que leva­
ram os processos, os fenômenos a se estruturarem de determinada
maneira onde se estruturaram, construindo e configurando os lu­
gares. Portanto, defende-se que entender os fenômenos, fatos e
acontecimentos do ponto de vista geográfico é mais do que locali­
zar, no sentido da medição, das coordenadas cartesianas, é também

126 Pensarpela Geografia; ensino e relevância social


compreender as determinações dessa localização e suas implica­
ções, na própria espacialidade, para o conjunto de objetos e ações.
Na sistematização do conceito, é válido acrescentar outra
questão: como é esse lugar? Destacam-se, com essa questão, a rele­
vância de se ir além das explicações das determinações geográficas
de um dado tema de estudo, bem como a necessária compreensão
dos elementos que dão identidade a esse lugar. Trata-se de buscar
na Geografia compreender as especificidades dos espaços na di­
mensão de sua vivência. Remete-se à dimensão do espaço vivido e
relacional (LEFEBVRE, 2006 , HARVEY, 2015), em sua cotidiani­
dade, em sua complexidade, em seus diferentes componentes (his­
tóricos, psicológicos, culturais, econômicos, afetivos - espaços vi­
vidos, representados, imaginados). Os estudos, nesse sentido, têm
buscado compreender como os homens dão significados aos luga­
res por eles vividos cotidianamente, como eles os representam e
como eles os constroem para sua vivência.
Na perspectiva da Geografia Humanística, Lugar é o espaço
que se torna familiar ao indivíduo, é o espaço do vivido, do expe­
rienciado. Como afirma Tuan (1983, p. 143): "A Geografia Hu­
manística procura um entendimento do mundo humano através do
estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu comporta­
mento geográfico, bem como dos seus sentimentos e ideias a respei­
to do espaço e do Lugar." Para o autor, a tarefa do geógrafo é exata­
mente saber como um espaço se transforma em Lugar. Em seus
estudos, distingue esses dois conceitos:

Na experiência, o significado de espaço frequentemente se funde com


o de Lugar. "Espaço" é mais abstrato do que "Lugar". O que começa
como espaço indiferenciado transforma-se em Lugar à medida que o
conhecemos melhor e o dotamos de valor [ ...] se pensamos no espaço
como algo que permite movimento, então Lugar é pausa; cada pausa
no movimento torna possível que localização se transforme em Lugar
(TUAN, 1982, p. 6).

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 127


O Lugar, na perspectiva pós-moderna, para além da subjetivi­
dade, é visto como um fragmento, o microespaço, cuja análise re­
nuncia à ambição de totalidade, própria da perspectiva moderna de
ciência. Há, nessa perspectiva, o investimento na desconstrução da
totalidade como fundamento de explicação da realidade. Valorizam­
se o individual, os agendamentos, os imprevisíveis e inexplicáveis
acontecimentos, e renunciam-se às explicações mais abrangentes.
Na perspectiva dialética defendida nesse texto, Lugar é consi­
derado no contexto da globalização, é caracterizado no quadro con­
traditório da homogeneização da vida e por sua fragmentação e pela
padronização e diferenciação das coisas da vida. Nessa perspectiva,
estudiosos da Geografia, como Santos (1994, 1999, 2014, 1996); Har­
vey (1989, 2004); Soja (2014) e Carlos (1996) chamam a atenção para
a necessidade de se considerar a particularidade dos lugares como
contraponto da tendência à globalização. Por um lado, há o acirra­
mento das contradições, a abertura de fronteiras, o encurtamento
das distâncias, as redes materiais e imateriais; por outro, há um des­
taque para as particularidades, para a reafirmação de identidades lo­
cais, para o aumento das desigualdades sociais. Nessa contradição, a
especificidade das realidades particulares deve ser encarada como
mediações da mundialidade, ou melhor, o problema local deve ser
analisado como problema global, pois as relações sociais, a produção
de espacialidades, não estão restritas a um local específico, há sempre
repercussões e deslocamento de seus desdobramentos.
No lugar está a possibilidade de manifestação dos fenômenos
globais, mas também pode ser o meio de sua resistência, de resis­
tência à hegemonia do global - o que pode ser entendido como a
força do lugar, no dizer de Santos (2004), do capital global, dos pa­
drões globais de funcionamento da sociedade em suas diferentes
áreas. Assim, o lugar sofre os i mpactos das transformações de ori­
gem da ordem global, conforme suas particularidades e em função
de suas possibilidades. A eficácia das ações em nível global está,
assim, na dependência da possibilidade de sua materialidade nos

128 Pensarpela Geografia: ensino e reievânda social


lugares. Em outra escala, no local ocorrem as resistências ao fenô­
meno da globalização e às suas consequências, pois é onde se mani­
festam a identidade, o coletivo, o subjetivo.
Santos (2004) argumenta, na perspectiva da dialética local­
global, que cada lugar é, à sua maneira, o mundo: "Cada Lugar,
irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se
exponencialmente diferente dos demais. A uma maior globalidade
corresponde uma maior individualidade" (SANTOS, 2004:252).
Nessa perspectiva, sustento que não se deve tratar os fenômenos
de modo localista, nem simplificar a análise do local considerando
os fenômenos gerais dominados pelas forças sociais globais. É ne­
cessário encontrar os novos significados do Lugar nesse contexto
de globalização.
Conforme argumenta Carlos (1993, p. 303):
O Lugar se produz na articulação contraditória entre o mundial que
se anuncia e a especificidade histórica do particular. Deste modo, o
Lugar se apresentaria como o ponto de articulação entre a mundiali­
dade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, en­
quanto momento. Só é possível o entendimento do mundo moderno
a partir do Lugar na medida em que este for analisado num processo
mais amplo.

Santos (2004), procurando explicar a dinâmica do mundo con­


temporâneo na dialética das verticalidades e horizontalidades, apon­
ta nessas horizontalidades, compreendidas enquanto espaço banal,
as possibilidades de se contrapor à racionalidade hegemônica.

Esse espaço banal, essa extensão continuada, em que os atores são


considerados na sua contiguidade, são espaços que sustentam e expli­
cam um conjunto de produções localizadas, interdependentes, dentro
de uma área cujas características constituem, também, um fator de
produção. Todos os agentes são, de uma forma ou de outra, implica­
dos, e os respectivos tempos, mais rápidos ou mais vagarosos, são im­
bricados (2004, p. 19).

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 129


Conforme o autor expõe, essas produções localizadas tradu­
zem a perspectiva relacional que se inscreve em suas palavras. Com
isso, é válido que se acrescente a essa discussão a noção de identi­
dade como um fenômeno relacional e, de certo modo, basilar à
compreensão do conceito de Lugar. Seu surgimento advém de uma
interação de elementos, como, por exemplo, a interação entre indi­
víduos com seus lugares, cujo sentimento de pertencimento vai
construindo familiaridade, afetividade, em qualquer escala, desde
o corpo até a escala global. O conceito de Lugar possui uma relação
intrínseca com o sentimento de pertencimento, efeito de uma liga­
ção identitária e subjetiva do indivíduo com o meio que o circunda.
Por esta alusão a um caráter emocional, o conceito de Lugar por
vezes foi negligenciado nas correntes geográficas mais duras em
seus discursos e métodos, que primavam pelo teor lógico, sistemá­
tico e experimental, como foi o caso dos quantitativistas e natura­
listas clássicos (TUAN, 1982).
Assim, pensar o lugar é antes de tudo admitir a validade de
que há um elo emotivo entre o homem e o ambiente em que ele
vive. Aqui pode ser referido o conceito de emoção em Toassa (2011),
fundamentado na linha da teoria histórico-cultural, na tradição de
Vygotsky, como proposta de futuras investigações.
Atualmente, observa-se uma revalorização da experiência lo­
cal, das micro experiências práticas, como um elemento a ser con­
tabilizado no global. Por essa razão, na Geografia, o conceito de
Lugar é bastante focado como referencial a fenômenos que devem
ser estudados enquanto resultados de um processo histórico, situa­
do em um determinado local, mas também considerado na pers­
pectiva global.
No ensino, não é diferente, pois esse conceito é salientado
como referência constante na abordagem dos conteúdos, na pers­
pectiva de que o estudante construa seu conhecimento geográfico a
partir da sua interação com a realidade mediada por instrumentos
simbólicos. Mas isso não significa trabalhar o espaço vivido restri-

130 Pensarpela Geografia: ensino erelevância social


to aos seus limites empíricos, pois o Lugar sintetiza de uma manei­
ra específica o mundo, expressa relações mais gerais, mais globais,
em sua complexidade e em suas contradições. Portanto, o estudo
do lugar deve estar ligado a outras realidades, a outras dimensões
da realidade, pois no local já estão materializados elementos de ou­
tras escalas.

Território
Tenho considerado, junto a outros estudiosos no campo, que
Território é um dos conceitos genéricos que estrutura o pensamen­
to geográfico, na forma como está sendo aqui formulado. Se se par­
te dessa ideia é porque há um entendimento de que, ao se fazer uma
leitura geográfica da realidade, ele é importante ferramenta teórica,
uma vez que um dos modos de explicar "o porquê das localizações"
está na identificação de sua dimensão territorial, na identificação
de seus territórios. Porém, a compreensão dos significados das lo­
calizações não se reduz ao entendimento das delimitações físicas e/
ou institucionais dessa realidade, como por vezes é referido no sen­
so comum (por exemplo: o território de uma empresa são suas pro­
priedades, um país é delineado em sua configuração territorial).
Busca-se, com esse conceito, identificar as relações sociais que defi­
nem as apropriações que se fazem nas realidades estudadas.
A explanação de entendimentos desse conceito, e dos de Pai­
sagem e Lugar, tem sido apresentada em diversos textos já escritos,
cujas ideias principais são retomadas aqui (CAVALCANTI, 2012,
2013b). Por limitações, principalmente de temáticas focadas em
meu trabalho, privilegio, sempre que me refiro a Território, os que
se configuram em áreas urbanas.
O estudo desse conceito tem encaminhado, na linha de traba­
lho que realizo, abordagens de conteúdo geográfico de modo a au­
xiliar no desenvolvimento do pensamento dos alunos. Essa finali­
dade mobiliza algumas questões norteadoras, a saber: como esse

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 131


conceito está sendo tratado na ciência geográfica? Como ele pode
ser tratado no ensino? Em que medida seu tratamento poderia estar
em acordo com as propostas metodológicas para seu ensino? Que
elementos do conceito de território devem ser explorados, focados,
enfatizados no ensino de Geografia? Como explorá-los em temas
urbanos, ressaltando os territórios individuais e restritos à vida co­
tidiana que podem ir ao encontro dos elementos teórico-científicos
desse conceito e de suas configurações em diferentes escalas?
Essas questões partem do pressuposto de que Território é um
conceito elementar do pensamento, uma mediação cognitiva que
instrumentaliza o sujeito no processo de conhecimento, e não ne­
cessariamente um tema a ser explicitado e diretamente trabalhado
como um tópico de conteúdo.
Na ciência geográfica, Território aparece como um dos con­
ceitos centrais da análise geográfica, sendo, por isso mesmo, objeto
de reflexão e de debates teóricos (cf., por exemplo, SOUZA, 1995,
2013; HAESBAERT, 2006, 2009; SAQUET, 2009). Na produção
geográfica mais referenciada, uma primeira aproximação desse
conceito é a de relacioná-lo com um espaço definido e delimitado
por relações de poder. Essa associação do conceito origina-se em
estudos clássicos de Ratzel, que destaca o Estado como núcleo de
poder e definidor de territórios. Tal relação é criticada por Raffestin
(1993), geógrafo que se tornou referência importante para formula­
ções mais recentes do conceito, pois contribuiu para ampliar as
possibilidades analíticas da Geografia, ao destacar que existem
múltiplos poderes que se manifestam nas estratégias de diferentes
escalas, não somente a do Estado. Esse autor entende Território
como produção dos homens nas relações de poder tecidas em sua
existência. Seu entendimento de poder faz remissão à força dirigi­
da, orientada, canalizada por um saber enraizado no trabalho e de­
finido por duas dimensões: a informação e a energia.
Com a contribuição de Souza (2013), avança-se ao entendi­
mento de outras referências para esse conceito, que destacam o po-

132 Pensarpela �afia; ensino e relevanda sociaJ


der não como coisa, ou propriedade de um indivíduo, mas como
resultado de relações. Esse autor busca ressaltar a ambivalência e a
ubiquidade nas relações de poder, baseando-se em Hannah Arendt,
Michel Foucault e Cornelius Castoriadis. Além disso, realça o fato
de que o poder pode ser autônomo, ou radicalmente democrático, e
não necessariamente heterônomo. Com essas fundamentações,
apresenta o espaço territorializado como um instrumento de exer­
cício de poder, sendo que "também o poder só se exerce com a refe­
rência a um território e, muito frequentemente, por meio de um ter­
ritório" (2013, p. 86, grifos do autor).
Há, portanto, claramente um elemento que compõe o concei­
to de Território: o poder, no sentido de posse, de apropriação de
uma determinada área, superfície. Por esse ângulo, quando se refe­
re a Território, geograficamente, alude-se a uma área que está de
posse de alguém ou de algum grupo, que o faz por ter (ou por bus­
car) legitimidade por meio de um estado de relações de poder, esta­
belecidas naquele contexto. Essa apropriação e posse podem ser
permanentes, ou por tempo prolongado; ou temporárias, por vezes,
cíclicas ou mesmo instantâneas.
Inúmeros exemplos podem ser mencionados para destacar
territórios mais permanentes ou flexíveis: uma escritura de uma
propriedade confere um território "permanente" a quem de direito;
o território brasileiro pertence "permanentemente" aos brasileiros;
um camelô apropria-se de uma esquina fazendo dele seu território
temporário de trabalho; um grupo social apropria-se de uma rua
por poucas horas para expor suas reivindicações. Essa apropriação
pode não ser direta e material, sendo possível identificar, na dinâ­
mica social atual, vários territórios que são apropriados ao mesmo
tempo por um mesmo grupo ou sujeito, o que leva à articulação
desse conceito com o de rede.
Essas considerações levam a outros elementos, que podem
ser associados para compor esse conceito: a ocupação e o uso. A
explicação é a de que Território é uma área sob o poder de alguém

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 133


ou de algum grupo que a ocupa ou dela faz uso. Podem-se analisar
territórios em diferentes escalas e de diferentes naturezas, tanto os
mais amplos, configurados em processos de ocupação e domina­
ção de grupos sociais e políticos maiores, quanto os menores, defi­
nidos e vivenciados cotidianamente, como os territórios dos alu­
nos (individual e/ou coletivo): os de sua casa, da rua ou do bairro
onde moram.
Outras noções podem ser acrescentadas para aprofundar a
compreensão desse conceito. Uma delas é a noção de identidade. A
apropriação de um território via de regra pressupõe seu uso subse­
quente, o que resulta no desenvolvimento de relações mais diretas
dos sujeitos com o território, imprimindo suas marcas ali, estabele­
cendo relações de identificação com ele. Essa dinâmica aproxima
esse conceito com o de Lugar. Porém, essa aproximação é, por ve­
zes, i mprecisa, gerando dificuldades em sua utilização para se com­
preenderem determinados fenômenos ou eventos de uma realida­
de. Pode-se afirmar, com Souza (2013), que embora haja uma
aproximação entre esses conceitos, pois muito frequentemente eles
se superpõem, não se pode afirmar que haja uma correlação perfei­
ta entre ambos. Ou seja, é possível analisar uma realidade, uma
área qualquer, como Lugar e também como Território, mas os ele­
mentos a serem ressaltados quando se quer evidenciar a dimensão
de um e de outro não são os mesmos.
No entendimento aqui defendido, Lugar costuma sublinhar
mais os aspectos de pertencimento, de identidade e de vivência em
um determi nado segmento de uma área, podendo ser pensado nas
relações sociais, históricas, culturais, afetivas e subjetivas, estabele­
cidas entre os grupos e os objetos daquela área ou porção que resul­
tam em uma familiaridade. Essas relações são constituídas, em di­
ferentes escalas, em processos de apropriação de Territórios,
podendo-se falar em relação de interdependência local-global em
sua constituição e entre as dimensões do espaço: vivido, concebido
e percebido (LEFEBVRE, 2006) no lugar.

134 Pensarpela Geografia: ensino e relevância social,


Sendo assim, Lugar é a referência de sentido que se dá a uma
porção do espaço, geralmente em função de uma vivência nele es­
tabelecida, ainda que seja necessária a referência a um feixe de rela­
ções que estão nele sintetizadas, requerendo uma análise multies­
calar. No entanto, para que essa referência se fortaleça e se efetive,
resultando de fato em processos identitários individuais ou de gru­
pos, é necessário que algum poder se exerça sobre tal área, dando
possibilidade a que essa identidade seja vivenciada. Há, dessa for­
ma, uma aproximação com o conceito de Território, pois este tem
referência direta, como já foi dito, com relações de poder estabele­
cidas em uma área.
Território tem, dessa maneira, referência mais direta com as
relações políticas (não se restringindo à política institucional) que
são estabelecidas em uma área, que tem como suporte um substrato
material. Essas relações fazem com que um grupo (ou uma pessoa)
possa delimitar, marcar, ocupar, estabelecer fronteiras, nessa área,
por força ou por reconhecimento de sua legitimidade. Nessa dinâ­
mica, são produzidos os espaços segundo sua identidade, seu senti­
do, seu interesse. De acordo com Souza (2013, p. 89), o "verdadeiro
Leitmotiv do conceito de território é político, e não econômico ou,
como ocorre com o conceito de lugar, cultural-simbólico" (grifos
do autor).
Esses elementos- poder, posse, apropriação, redes, identida­
de, limites, fronteiras- que apontam para o caráter multidimensio­
nal dos territórios, indicam sua potência para a explicação das di­
nâmicas inerentes à produção dos espaços. Além deles, Gomes
(2002, p. 136), apoiando-se em Robert Sack (1986), cita como fato­
res da territorialidade humana: a classificação das coisas e das rela­
ções por área; o controle de uma determinada porção do espaço e a
comunicação da efetividade de poder sobre ela. Todos esses ele­
mentos expressam dinâmicas socioespaciais, o que remete à perti­
nência de sua abordagem dos territórios dos jovens nas aulas de

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 135


Geografia, pois sua produção é parte constitutiva de sua identida­
de, de sua vida cotidiana.
A noção de Território nessa perspectiva da Geografia está asso­
ciada a uma reflexão sobre o poder em referência ao controle, à ges­
tão do espaço e às marcas desse espaço. Entretanto, não se trata de
referência a fatores presentes somente na dinâmica de gestão instituí­
da para a administração de uma cidade ou de um Estado federativo,
mas também a processos de territorialização, desterritorialização,
em territorialidades não oficiais, flexíveis, invisibilizadas.
Souza (2013), reafirmando a principal vinculação do concei-
to, explica sua posição:
[ ... ] o essencial, conceitualmente, é que uma territorialização ou des­
territorialização é, sempre e em primeiro lugar, um processo que en­
volve o exercício de relações de poder e a projeção dessas relações no
espaço (espaço que, vou repetir, também é, simultaneamente, en­
quanto substrato material e lugar, uma referência e um condicionador
das próprias práticas de poder). [ ... ]. Qualquer temor de que alguma
dimensão das relações sociais (e, portanto, das práticas espaciais) ve­
nha a ser, por conta dessa compreensão mais flexível e sofisticada da
ideia de território, excluída ou negligenciada é infundado. Como se­
ria possível, por exemplo, analisar situações de desterritorialização
de moradores pobres, na esteira de processos de "gentrificação" ou
"revitalização" de partes da cidade (mormente áreas centrais), sem
levar em conta as suas causas imediatas e mediatas? (SOUZA, ibid, p.
102/103, grifos do autor)

Como pode ser deduzido dessas argumentações, essa noção


está presente em diferentes tipos de áreas e escalas, vivenciadas no
dia a dia dos jovens, pois essas são também controladas, gestadas e
classificadas com base em relações de poder. Esse fato reforça a ne­
cessidade de se estudar esse conceito no ensino.
Ao abordarem esses temas no ensino, é importante que o pro­
fessor e os alunos tenham em mente que os territórios de sua expe­
riência empírica não são os mesmos estudados pela Geografia. Afi­
nal, na perspectiva da ciência e da disciplina escolar, o território

136 Pensarpela Geograjiti: ensino e relevância social


deve ser perscrutado como objeto de pensamento, como formula­
ção teórico-conceituai que não encontra correspondência direta
com suas manifestações empíricas, ao invés disso, é ferramenta que
ajuda a compreender essas manifestações (CAVALCANTI, 2013b).

Para finalizar e continuar.....


Isso posto, reforça-se a ideia de que o pensamento geográfico
é formado por um ponto de vista, o da espacialidade, e essa espa­
cialidade é encarada em sua objetividade/subjetividade. Tal com­
preensão foi possível a partir da contribuição, nos últimos anos, da
produção geográfica do Brasil e de outros países. São produções
que entendem o espaço como foco da análise geográfica da realida­
de, e que percebem que, independentemente da ciência geográfica
estritamente sistematizada, a realidade tem uma determinação
geográfica (MARTINS, 2016).
Essa capacidade, conforme versada nesse capítulo, é desen­
volvida a partir de conceitos específicos, o de espaço como central,
não tomado como objeto exclusivo da ciência, com base em uma
divisão corporativa, mas de fato como determinação do real, bem
como os conceitos de paisagem, lugar e território, e outros subcon­
ceitos, ou noções, bastante utilizados em análises específicas; sem­
pre formados a partir de um caminho do pensamento, o caminho
metódico. Por essa razão, o próximo capítulo dedica-se aos méto­
dos da ciência e do ensino que podem ser considerados na perspec­
tiva que está sendo delineada.

FORMAÇÃO DE CONCEITOS 137


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