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Material Teórico - Módulo de INTRODUÇÃO À LÓGICA MATEMÁTICA

A Linguagem dos Teoremas - Parte II

Tópicos Adicionais

Autor: Prof. Francisco Bruno Holanda


Revisor: Prof. Antônio Caminha Muniz Neto

12 de maio de 2019
1 Tabelas-verdade 2 Tautologia, contradição e contin-
gência
Quando construı́mos proposições compostas, podemos de-
terminar seus valores lógicos a partir dos valores lógicos Quando lidamos com proposições compostas, estas podem
atribuı́dos às proposições simples que a forma. Por exem- ser separadas em três diferentes classes, de acordo com a
plo, a proposição R = (p → q) ∨ (¬p) assumirá valor V definição a seguir.
quando p e q forem ambos verdadeiras. Note ainda que,
para cada combinação de valores para p e q, haverá um Definição 1. Uma proposição composta é chamada de tau-
valor para a proposição R. Podemos listar todas essas tologia se sempre assume valores lógicos verdadeiros, é
combinações construindo uma tabela-verdade seguindo os chamada de contradição se sempre assume valores lógicos
passos listados abaixo: falsos e é chamada de contingência se pode assumir va-
lores lógicos verdadeiros e falsos, dependendo dos valores
1. Primeiramente, verifica-se quantas proposições sim- lógicos das proposições simples que a compõem.
ples são utilizadas para formular a proposição com-
posta. Se forem utilizadas n proposições simples, a Um exemplo fundamental de tautologia é aquela que re-
tabela deverá ter 2n linhas. Cada linha representará presenta o Princı́pio da Não Contradição, dado por
uma combinação possı́vel para o conjunto dos valores
das proposições simples. Dessa forma, deve-se utilizar p ∨ ¬p.
as n primeiras colunas para descrever cada uma dessas
situações. Em palavras, “Estou vivo ou estou morto”. Construindo
uma tabela-verdade bem simples, temos:

2. Em seguida, deve-se utilizar as regras de cada conec- p ¬p p ∧ ¬p p ∨ ¬p


tivo para determinar os valores das proposições com- V F F V
postas que compõe a proposição final, sempre respei- F V F V
tando a ordem de resolução dada pelos parênteses e
pela ordem pré-determinada de relevância dos dife-
rentes conectivos. Observe também que, se uma pro- Outro exemplo de tautologia é “Se sou feliz e inteligente,
posição composta for formada por n proposições sim- então sou feliz ou inteligente”, o qual pode ser represen-
ples e m conectivos, então ela deverá ter n+m colunas. tado por p ∧ q → p ∨ q. Veja:

Tomemos como exemplo a construção da tabela-verdade p q p∧q p∨q p∧q →p∨q


da proposição composta R = p → q ∧ r (ver Tabela 1). V V V V V
F V V F V
V F V F V
F F F F V
Tabela 1: Tabela-verdade da proposição R = p → q ∧ r.
p q r q∧r p→q∧r
V V V V V
F V V V V Observe que a negação de uma tautologia é uma con-
V F V F V tradição e que a negação de uma contradição é uma tau-
F F V F V tologia.
V V F F F Um exemplo de contingência é dado pela proposição R =
F V F F V p → q ∧ r que, de acordo com a Tabela 1, pode assumir
V F F F F valores falsos e verdadeiros, a depender dos valores lógicos
F F F F V de p, q, r.
Além dos conceitos de tautologia, contradição e con-
tingência, também devemos aprender a noção de proposi-
Veja que as três primeiras colunas da tabela 1 são re- ções equivalentes:
servadas para descrever todas as oito possibilidades de
combinação dos valores-verdade para as proposições p, q, r. Definição 2. Duas proposições P, Q são ditas equivalen-
Como o conectivo (∧) tem prioridade em relação ao co- tes se P ↔ Q for uma tautologia. Simbolizamos essa pro-
nectivo (→), usamos a quarta coluna para descrever os priedade utilizando o sı́mbolo (≡), da seguinte forma
possı́veis valores de q ∧ r. Por fim, utilizamos a última
coluna para descrever os valores de R = p → q ∧ r. P ≡ Q.

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Em outras palavras, P e Q são equivalentes se possuem Definição 3. Dizemos que duas ou mais proposições com-
colunas exatamente idênticas na tabela-verdade. Tomemos postas P1 , P2 , ..., Pn são inconsistentes se não podem ser
como exemplo a seguinte equivalência: simultaneamente verdadeiras.

(p ↔ q) ≡ (p → q) ∧ (q → p). Por exemplo, p ↔ q e ¬p ∧ q são inconsistentes. De fato,


construindo a tabela-verdade, temos:
Verificamos que ela realmente é uma equivalência cons-
truindo a tabela-verdade: p q p↔q ¬p ¬p ∧ q
V V V F F
Tabela 2: Equivalência (p ↔ q) ≡ (p → q) ∧ (q → p). F V F V V
p q p → q q → p (p → q) ∧ (q → p) p ↔ q V F F F F
V V V V V V F F V V F
F V V F F F
V F F V F F Observe que ¬p ∧ q é verdadeiro apenas quando p é falso
F F V V V V e q é verdadeiro. Porém, neste caso, p → q é falso.

Observe que este exemplo justifica o nome dado ao co-


nectivo “bicondicional”. De fato, uma proposição bicondi-
3 Problemas de revisão
cional é a conjunção de uma proposição condicional com Exemplo 4. Marque os itens a seguir como verdadeiros ou
sua recı́proca. falsos:
Além disso, esta equivalência nos diz que qualquer pro-
posição composta em que há a presença do conectivo (↔) (a) A proposição p → (¬p) é uma contradição.
pode ser reescrita utilizando apenas os conectivos (¬), (∧),
(∨) e (→). (b) A proposição p → (q → p) é uma tautologia.
Outros exemplos notáveis de equivalências lógicas são
(c) Se as proposições P e Q são ambas verdadeiras, então
conhecidos como Leis de De Morgan e estão listadas a
a proposição (¬P ) ∨ (¬Q) também é verdadeira.
seguir.
¬(p ∧ q) ≡ (¬p) ∨ (¬q); (d) Se as proposições P e Q são ambas verdadeiras e R é
¬(p ∨ q) ≡ (¬p) ∧ (¬q). falsa, então a proposição (P ∧R) → (¬Q) é verdadeira.
Assim, a primeira equivalência acima assegura que a Solução. (a) Veja a tabela da verdade:
negação da proposição “Ele é feliz e elegante” é “Ele não
é feliz ou não é elegante”. p ¬p p → (¬p)
Veja que as leis de De Morgan funcionam como a V F F
aplicação da propriedade distributiva em expressões F V V
algébricas, tendo-se o cuidado de observar que o conectivo
¬ muda o sentido de ∧ para ∨, e vice-versa.
Logo, a proposição é uma contingência.
No quadro a seguir, destacamos algumas equivalências
notáveis. Nele, t representa uma tautologia e c uma con- (b) Veja a tabela da verdade:
tradição:
p q q→p p → (q → p)
Comutatividades p∨q ≡q∨p V V V V
p∧q ≡q∧p F V F V
Associatividades (p ∨ q) ∨ v ≡ p ∨ (q ∨ v) V F V V
(p ∧ q) ∧ v ≡ p ∧ (q ∧ v) F F V V
Distributividades p ∨ (q ∧ v) ≡ (p ∨ q) ∧ (p ∨ v)
p ∧ (q ∨ v) ≡ (p ∧ q) ∨ (p ∧ v)
Identidades p∧t≡p Logo, a proposição é uma tautologia.
p∨c≡p
Elementos neutros p∨t≡t (c) Se P e Q são verdadeiras, então ¬P e ¬Q são falsas.
p∧c≡c Logo, (¬P ) ∨ (¬Q) é falsa.
Contrapositiva p → q ≡ ¬q → ¬p
(d) Veja que P ∧ R é falsa. Logo, (P ∧ R) → (¬Q) é
verdadeira.
Finalizaremos esta seção com a seguinte definição:

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Exemplo 5. Verifique as leis de De Morgan utilizando P1 : João está feliz apenas quando toca violão.
tabelas-verdade. P2 : João não está tocando violão.
Portanto, João não está feliz.
Solução. Vamos construir separadamente as tabelas-
verdade para as duas leis. No caso anterior, P1 e P2 são as premissas e C : João não
está feliz é a conclusão. A palavra “portanto” é frequente-
p q ¬p ¬q p∧q ¬(p ∧ q) (¬p) ∨ (¬q) mente substituı́da pelo sı́mbolo (∴). Em forma simbólica,
V V F F V F F o argumento acima pode ser escrito da seguinte maneira
F V V F F V V
V F F V F V V P1 ;
F F V V F V V P2 ;
∴ C.

Uma vez que os valores lógicos de ¬(p ∧ q) e (¬p) ∨ (¬q) Por vezes, também denotamos um argumento lógico sob
são sempre os mesmos, temos a equivalência ¬(p ∧ q) ≡ a forma horizontal (P1 , P2 , ..., Pn ` C). O sı́mbolo (`) é
(¬p) ∨ (¬q). chamado traço de asserção e afirma que a proposição
C pode ser deduzida utilizando como premissas as pro-
p q ¬p ¬q p∨q ¬(p ∨ q) (¬p) ∧ (¬q) posições P1 , P2 , ..., Pn que estão à sua esquerda.
V V F F V F F Agora, considere o próximo exemplo.
F V V F V F F
V F F V V F F Q1 : Meu pai se chama João.
F F V V F V V Q2 : Minha mãe se chama Maria.
Portanto, meu nome é João Mário.

Da mesma forma, na tabela acima os valores lógicos de Veja que, apesar de ter uma estrutura muito semelhante à
¬(p∧q) e (¬p)∨(¬q) são sempre os mesmos. Assim, temos do exemplo anterior, este argumento nos é intuitivamente
a equivalência ¬(p ∨ q) ≡ (¬p) ∧ (¬q). estranho. Alguns podem até mesmo afirmar que ele não
faz sentido. Com o objetivo de formalizar essa discussão,
Aristóteles separou os argumentos lógicos em duas classes
Exemplo 6. Mostre que (p → q) ≡ (¬p ∨ q). básicas: argumentos válidos e argumentos inválidos. Para
tanto, baseou-se na seguinte
Solução. Uma vez mais, basta construirmos a tabela-
verdade e comparar as colunas de p → q e ¬p ∨ q: Definição 8. Dizemos que um argumento lógico
(P1 , P2 , ..., Pn ` C) é válido se a proposição composta
p q ¬p (¬p) ∨ q p→q P1 ∧ P2 ∧ ... ∧ Pn → C é uma tautologia.
V V F V V
F V V V V Segundo a definição, um argumento é válido se a ver-
V F F F F dade das premissas implica necessariamente na verdade
F F V V V da conclusão. Dessa forma, para determinarmos se um
argumento é válido, devemos inicialmente construir uma
tabela-verdade que contemple as premissas e a conclusão.
Em seguida, para que o argumento seja válido, devemos
verificar se as linhas nas quais todas as premissas são si-
multaneamente verdadeiras têm conclusão verdadeira. Se
4 Argumentos lógicos ao invés disso, em ao menos uma dessas linhas o valor
Como vimos rapidamente no inı́cio deste capı́tulo, um dos lógico da conclusão C for falso, então o argumento dado é
objetivos centrais da Lógica é o estudo da validade ou in- não válido.
consistência de um argumento lógico. De modo informal, Por exemplo, considere o seguinte argumento, conhecido
podemos dizer que um argumento é um processo no qual como Modus Tollens:
relacionamos um conjunto de hipóteses (ou premissas) com
(p → q, ¬q ` ¬p).
uma conclusão. De maneira formal, temos a seguinte

Definição 7. Um argumento lógico é uma sequência finita Fazendo a tabela-verdade, veja que há apenas uma única
de proposições, tais que as iniciais são as premissas e a situação em que ambas premissas são verdadeiras (caso
última é a conclusão. que corresponde à quarta linha na tabela-verdade a seguir)
e que, nessa situação, a conclusão também é verdadeira.
Um exemplo de argumento lógico é o seguinte: Portanto, este argumento é válido.

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p q p→q ¬q ¬p Solução. Bastar observar a primeira linha da tabela-
V V V F F verdade a seguir para concluir que, realmente, se trata de
F V V F V um argumento válido.
V F F V F
F F V V V p q p→q
V V V
F V V
Tabela 3: Analisando um argumento V F F
p q v ¬v (p ∨ q) (p ∨ q) ∨ v p ∧ q
F F V
V V V F V V V
F V V F V V F
V F V F V V F
F F V F F V F
V V F V V V V Exemplo 10. A gata de Pedrinho sempre espirra antes
F V F V V V F de uma chuva. Ela espirrou hoje. Pedrinho pensou: “Isso
V F F V V V F significa que irá chover”. Ele está certo?
F F F V F F F
Solução. Note que esse exemplo se encaixa no mesmo
tipo de sofisma que mencionamos anteriormente:
Por outro lado, o argumento (p ∨ q) ∨ v, ¬v ` p ∧ q é
inválido. Para verificarmos este fato, façamos a tabela- “Se há carros, então há poluição. Há poluição. Logo, há
verdade como mostrado no quadro 3: carros.”
Perceba que podemos entender a lógica por trás de um
argumento válido da seguinte maneira: se aceitarmos as Portanto, não é um argumento válido. A palavra sem-
premissas como verdadeiras, então devemos aceitar a con- pre, que aparece em destaque, não tem valor lógico nesse
clusão também como uma proposição verdadeira. exemplo e apenas reforça a aparente veracidade do argu-
Uma classe de argumentos inválidos que merece atenção mento.
especial é a formada pelas chamadas falácias ou sofis-
mas. São argumentos inválidos, mas construı́dos de forma Exemplo 11. Mostre que o argumento (p → q, q → r `
a parecerem válidos. Considere o exemplo a seguir: p → r) é válido.

“Se há carros, então há poluição. Há poluição. Logo, há Solução. Fazendo a tabela da verdade, verificamos que,
carros.” quando p → q e q → r são simultaneamente verdadeiros,
p → r também é.
Se p significa “há carros” e q significa “há poluição”, o
argumento acima pode ser escrito em linguagem simbólica p q r p→q q→r p→r
na forma (p → q, q ` p). V V V V V V
Para verificar que este argumento é inválido, faremos F V V V V V
uso da tabela-verdade: V F V F V V
F F V V V V
p q p→q
V V F V F F
V V V
F V F V F V
V F F
V F F F V F
F V V
F F F V V V
F F V

Observe que há uma situação (descrita na terceira linha)


em que as premissas são verdadeiras mas a conclusão é
falsa (note que, nesse caso, as premissas são p → q e q).
Portanto, trata-se de um argumento inválido, o qual foi 5 Sugestões ao Professor
construı́do para parecer verdadeiro.
Separe dois encontros de 50 minutos para desenvolver o
Exemplo 9. Verifique se o argumento lógico a seguir, co- conteúdo deste material. Dedique pelo menos um destes
nhecido como Modus Ponens, é válido ou inválido: encontros para falar sobre argumentos lógicos e sofismas.
Eles servirão de fundamentação teórica para os módulos
(p → q, p ` q) sobre demonstrações de teoremas.

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Referências
[1] Augusto C. Morgado and Benjamin César. Raciocı́nio
Lógico-Quantitativo. Elsevier, 2006.
[2] Paulo. Quilelli. Raciocı́nio Lógico Matemático. Editora
Ferreira, 2009.

[3] Henrique Rocha. Raciocı́nio Lógico: Você Consegue


Aprender. Editora Campus, 2006.

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