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2. Lógica formal
Desidério Murcho
Universidade Federal de Ouro Preto
1. Forma lógica
Mas há injustiças.
Se p, então não-q.
q.
Logo, não-p.
É a esta estrutura que se chama forma lógica e o que ela tem de especial é isto: qualquer
argumento que tenha esta forma lógica é dedutivamente válido. A lógica formal estuda
estas formas argumentativas, que garantem que todos os argumentos com essas
configurações são válidos, distinguindo-as daquelas outras que não oferecem tal garantia.
2. Cinco operadores
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
Aos símbolos usados para cada um dos cinco operadores chamamos constantes lógicas.
Às letras “p”, “q”, “r”, etc., chamamos variáveis proposicionais; representam qualquer
proposição que não contenha qualquer um destes operadores. Assim, “p” tanto representa
a proposição expressa pela frase “Sócrates era grego”, como a expressa pela frase “Paris
é a capital da França”. Contudo, não representa a proposição expressa pela frase “Adriano
não foi um imperador romano particularmente sábio”, que é representada por “¬p”.
p ¬p
V F
F V
Esta tabela diz-nos o seguinte: tome-se uma proposição qualquer, não importa qual, aqui
representada por “p”. Se “p” for verdadeira, “¬p” será falsa; e se “p” for falsa, “¬p” será
verdadeira.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
VV V V V V
VF F V F F
FV F V V F
FF F F V V
falsa;
Uma proposição elementar não contém qualquer um destes cinco operadores; uma
proposição composta, todavia, contém um ou mais operadores. Quando uma proposição
composta tem mais de um operador, só um deles pode ser o principal. Por exemplo, nas
proposições da forma “p ∧ (q ∨ r)”, o operador principal é a conjunção. Em contraste, nas
proposições da forma “(p ∧ q) ∨ r”, é a disjunção o operador principal. Para indicar o
operador principal usamos parêntesis, como na aritmética: “5 + (2 – 1)” é uma soma, mas
“(5 + 2) – 1” é uma subtracção. Quando temos de usar mais de um par de parêntesis
encaixados, usamos parêntesis diferentes porque fica visualmente mais fácil ver qual é o
operador principal. Por exemplo, as proposições da forma “[(p ➝ q) ∧ p] ➝ q” são
condicionais cujas antecedentes são conjunções, que por sua vez têm uma condicional
como uma das suas conjuntas.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
pq p ∧ (q ∨ p)
VV V V
VF V V
FV F V
FF F F
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
∨ p)” também é falsa. Não devemos esquecer, contudo, que esta maneira de falar é uma
estipulação verbal; literalmente, é tão impossível que uma forma proposicional seja
verdadeira como é impossível que uma ideia seja verde.
Exercícios
6) Imagine que é verdadeiro que Deus existe, mas falso que a vida tenha sentido. Sob essa
hipótese, qual é o valor de verdade das seguintes condicionais?
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
8) Imagine que é verdadeiro que Deus existe, mas falso que a vida tenha sentido. Sob essa
hipótese, qual é o valor de verdade das seguintes bicondicionais?
de verdade, determine quais dos operadores binários são comutativos e quais não o são.
11) A conjunção é associativa porque qualquer proposição da forma “(p ∧ q) ∧ r” tem o mesmo
valor de verdade de qualquer proposição da forma “p ∧ (q ∧ r)”. Recorrendo a tabelas de
a) ¬(p ∧ q)
b) ¬p ∧ q
c) ¬p ¬q
d) ¬(p ¬q)
e) p (¬q ∧ p)
f) p ∧ ¬(q ∧ p)
13) Represente a forma lógica das proposições expressas a seguir, discutindo as ambiguidades
de âmbito que encontrar:
b) Não é verdade que Sartre não era parisiense se e só se Paris era uma cidade alemã.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
3. Tabelas de validade
Uma tabela de validade é uma sequência de tabelas de verdade que permite estabelecer a
validade das formas argumentativas. Vejamos um exemplo:
Este argumento tem uma premissa oculta; por isso, acrescentamo-la ao explicitá-lo:
Para representar a forma lógica deste argumento, começamos por estipular o que
representam as nossas variáveis proposicionais:
p ➝ q
∴ q
O penúltimo passo é fazer uma sequência de tabelas de verdade, uma para cada uma das
formas proposicionais das premissas e outra para a da conclusão:
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
pq p➝q p q
VV V V V
VF F V F
FV V F V
FF V F F
Resta-nos examinar com atenção a tabela de validade. E o que vemos é que há uma só
circunstância logicamente possível na qual as duas premissas são verdadeiras; ora, nessa
circunstância também a conclusão é verdadeira. Recordando que um argumento é válido
quando é impossível que tenha premissas verdadeiras e conclusão falsa, o nosso exame
da tabela revela que o argumento é válido — precisamente porque não há qualquer
circunstância na qual as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Como é evidente, nem todos os argumentos têm uma forma lógica válida. Vejamos
um desses casos:
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
p ➝ q
∴ p
pq p➝q q p
VV V V V
VF F F V
FV V V F
FF V F F
Agora vemos que o argumento tem uma forma lógica inválida porque há circunstâncias nas
quais as premissas são ambas verdadeiras e a conclusão é falsa. É irrelevante que haja
também uma circunstância (a primeira) na qual tanto as premissas como a conclusão
sejam verdadeiras; é irrelevante porque para que uma forma argumentativa seja válida não
pode haver qualquer circunstância em que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão
falsa. É um erro dizer que esta forma argumentativa é válida na primeira circunstância e
inválida na terceira, pois a validade não ocorre circunstância a circunstância; a validade é o
que ocorre quando não há qualquer circunstância na qual as premissas sejam todas
verdadeiras e a conclusão falsa.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
houver, é válido.
Exercícios
válidas ou não:
a) p ∧ q, ¬p ∴ q
b) p ∨ q, ¬p ∴ q
c) p➝q∴p q
d) p q∴p➝q
e) p➝q∴q∧p
f) p ➝ q ∴ q ➝ p
g) p ➝ q, q ➝ p ∴ ¬p ∨ q
válidos ou não:
c) Se Sócrates tem razão, a vida por examinar não vale a pena ser vivida. Logo, a vida por
d) Aristóteles era grego. Aristóteles não era grego. Logo, Deus existe.
e) A justiça é possível se, e só se, Platão tiver razão. Platão não tem razão. Logo, a justiça
não é possível.
As tabelas de validade com três variáveis proposicionais têm oito filas em vez de quatro; e
se tiverem quatro variáveis, terão dezasseis; a cada nova variável, duplica o número de
filas. Como se vê, isto torna as tabelas de validade desajeitadas como método para avaliar
formas argumentativas com muitas variáveis. No capítulos seguintes, veremos dois
métodos que não têm esta limitação.
Quando fazemos uma tabela apenas com quatro filas, é fácil não nos enganarmos,
pois é só uma questão de colocar “VV”, “VF”, “FV” e “FF”. Porém, como garantir que não
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
nos enganamos ao fazer tabelas com oito ou dezasseis filas? Eis uma maneira. Olhemos
com atenção para a combinatória que já conhecemos:
V V
V F
F V
F F
V V V
V V F
V F V
V F F
F V V
F V F
F F V
F F F
Se tivéssemos de acrescentar mais uma coluna, seria só repetir o processo: oito “V”
seguidos de oito “F”, na coluna seguinte os valores iriam alternar quatro a quatro, na outra
dois a dois, e na última um a um.
p ∨ q
p ➝ r
q ➝ r
∴ r
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
VVV V V V V
VVF V F F F
VFV V V V V
VFF V F V F
FVV V V V V
FVF V V F F
FFV F V V V
FFF F V V F
Como se vê, só há três circunstâncias nas quais as premissas são verdadeiras: a primeira,
a terceira e a quinta. Uma vez que em todas elas também a conclusão é verdadeira, esta
forma argumentativa é válida.
Por fim, note-se que as tabelas de validade tornam óbvio que a ordem das
premissas de um argumento é irrelevante no que respeita à sua validade.
Exercícios
1) Explique por que razão as tabelas de validade tornam óbvio que a ordem das premissas de
um argumento é irrelevante no que respeita à sua validade.
a) p ➝ q, q ➝ r ∴ p ➝ r
b) p ➝ q, ¬r ∴ r ➝ p
c) p, q r ∴ r ∨ q
d) p q, q r ∴ r ➝ p
e) p, ¬q ∴ r ➝ (p ∧ ¬q)
5. Variáveis de fórmula
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
corajosamente. Uma vez que o amor e a arte realmente integram a vida boa,
conclui-se que devemos resistir corajosamente à frivolidade e à superficialidade.
(p ∧ q) ➝ (r ∧ s)
(r ∧ s) ➝ (t ∧ u)
p ∧ q
∴ t ∧ u
Seria entediante usar uma tabela de validade, pois teria 64 filas. Contudo, se olharmos com
mais atenção, vemos emergir um padrão: “p ∧ q” surge repetido na antecedente da
primeira premissa e na terceira; “r ∧ s” é a consequente da primeira premissa, mas também
a antecedente da segunda; e a forma lógica da conclusão repete a consequente da
segunda premissa. Captamos este padrão usando variáveis de fórmula:
A ➝ B
B ➝ C
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
∴ C
As letras “A”, “B”, “C”, etc., são variáveis de fórmula. Ao passo que as variáveis
proposicionais — “p”, “q”, etc. — representam a forma lógica de proposições que não
incluam qualquer operador proposicional, as variáveis de fórmula representam sequências
de variáveis proposicionais, e não proposições directamente. Uma variável de fórmula
representa qualquer sequência de variáveis proposicionais, contenham ou não operadores.
Neste caso, “A” representa “p ∧ q”, “B” representa “r ∧ s”, e “C” representa “t ∧ u”.
Fazendo uma tabela de validade com estas variáveis de fórmula, obtemos o seguinte:
VVV V V V V
VVF V F V F
VFV F V V V
VFF F V V F
FVV V V F V
FVF V F F F
FFV V V F V
FFF V V F F
Agora vemos que o argumento original era válido, pois não há qualquer circunstância na
qual as suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Modus ponens
A ➝ B
A
∴ B
Modus tollens
A ➝ B
¬B
∴ ¬A
Dilema
A ∨ B
A ➝ C
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
B ➝ C
∴ C
Silogismo disjuntivo
A ∨ B
¬A
∴ B
Silogismo hipotético
A ➝ B
B ➝ C
∴ A ➝ C
p ➝ q
q
∴ p
p ➝ q
¬p
∴ ¬q
Exercícios
1) Usando variáveis de fórmula, represente a forma lógica mais geral das seguintes formas
argumentativas:
a) p ➝ (r s), ¬(r s) ∴ ¬p
b) (p ∧ q) ➝ r, ¬r ∴ ¬(p ∧ q)
c) (p ∨ q) ➝ (r ➝ p), p ∨ q ∴ s ∨ (r ➝ p)
a) Se Sartre tiver razão, temos livre-arbítrio. Mas não temos livre-arbítrio. Logo, Sartre não
tem razão.
b) Se temos livre-arbítrio, Sartre tinha razão. Ora, Sartre tinha razão. Logo, temos livre-
arbítrio.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
animais não-humanos não sentem dor. Logo, não são dignos de protecção moral.
d) Se Deus existe, a vida tem sentido. Ora, Deus existe. Logo, a vida tem sentido.
e) Os cépticos têm razão ou não. Se têm razão, sabe-se algo. Se não têm razão, sabe-se
resultar do cálculo egoísta, é imoral. Logo, se Rawls tiver razão, o igualitarismo é imoral.
g) Ou Nozick tem razão, ou Rawls. Mas Nozick não tem razão. Logo, Rawls tem razão.
6. Negação e equivalência
Se a imitação não fosse a essência da arte, a pintura abstracta não seria uma
aberração.
Mas isto é um erro. A negação correcta de qualquer proposição é outra proposição que
tem o valor de verdade oposto da primeira, em qualquer circunstância logicamente
possível. Ora, ao fazer duas tabelas de verdade, uma para a forma proposicional “p ➝ q” e
outra para “¬p ➝ ¬q”, vemos que isso não acontece:
pq p➝q ¬p ➝ ¬q
VV V F V F
VF F F V V
FV V V F F
FF V V V V
Se as proposições com estas duas formas fossem a negação uma da outra, teriam valores
de verdade opostos em todas as circunstâncias; mas isso não acontece: na primeira
circunstância, assim como na última, têm ambas o mesmo valor de verdade. Logo, as
proposições que tenham estas formas não são a negação uma da outra.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
O erro resulta em parte da ideia falsa de que negar uma condicional é afirmar outra
condicional; na verdade, negar uma condicional, é afirmar uma conjunção. Quando se nega
mal uma proposição confunde-se a sua negação total e com a parcial. Uma negação
parcial de uma condicional, por exemplo, limita-se a negar a antecedente (“¬A ➝ B”), a
consequente (“A ➝ ¬B”) ou ambas (“¬A ➝ ¬B”), mas sem negar a própria condicional. E o
mesmo acontece quando se nega parcialmente uma disjunção: “¬A ∨ ¬B” não é a negação
total de “A ∨ B” porque não nega a própria disjunção, limitando-se a negar cada uma das
suas disjuntas.
¬(A ➝ B) A ∧ ¬B
¬(A ∧ B) ¬A ∨ ¬B
¬(A ∨ B) ¬A ∧ ¬B
Duas ou mais proposições são equivalentes quando têm o mesmo valor de verdade
em todas as circunstâncias logicamente possíveis. Isto significa que quaisquer pares de
proposições com as formas anteriores são equivalentes, ou seja, qualquer proposição da
forma “¬(A ➝ B)”, por exemplo, é equivalente a “A ∧ ¬B”. Dada uma proposição de uma
forma qualquer, como “A ➝ B” ou “A ∨ B”, há sempre um número infinito de proposições
com outras formas que lhe são equivalentes. Algumas equivalências, contudo, são
particularmente importantes, como as seguintes:
Equivalências elementares
A ¬¬A
(A ∧ B) ¬(A ➝ ¬B)
(A ∨ B) (¬A ➝ B)
(A ➝ B) (¬A ∨ B)
(A ➝ B) (¬B ➝ ¬A)
(A B) [(A ➝ B) ∧ (B ➝ A)]
Estas equivalências mostram que sempre que afirmamos uma conjunção, disjunção,
condicional ou bicondicional, há sempre outra maneira logicamente equivalente de falar.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
Por sua vez, isto significa que, dado um argumento, há sempre outro equivalente, no
sentido em que podemos transformar o primeiro no segundo usando premissas e
conclusões equivalentes. Vejamos, por exemplo, o modus ponens:
A ➝ B
∴ B
¬A ∨ B
∴ B
Porém, uma vez que a primeira premissa desta forma argumentativa é equivalente à
primeira premissa do modus ponens, as duas formas argumentativas são equivalentes.
Revisão
b) A ➝ A, A ∨ ¬A
e) Foi Ursula LeGuin ou Gabriel García Márquez quem escreveu O Elogio da Loucura.
7. Contradição e inconsistência
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
circunstâncias logicamente possíveis; neste caso, diz-se que essas proposições são
contraditórias. Por sua vez, duas proposições são equivalentes quando têm os mesmos
valores de verdade em todas as circunstâncias logicamente possíveis. Quando duas
proposições têm os mesmos valores de verdade em todas as circunstâncias logicamente
possíveis, dizemos que têm as mesmas condições de verdade.
pq p∧q ¬p ∧ ¬q
VV V F F F
VF F F F V
FV F V F F
FF F V V V
Quando duas proposições são consistentes, isso significa apenas que não são
inconsistentes; ou seja, há pelo menos uma circunstância logicamente possível na qual são
ambas verdadeiras. Essa circunstância na qual são ambas verdadeiras nem sempre é a
circunstância em que nos encontramos, e é por isso que não basta que um conjunto de
ideias seja consistente para que sejam verdadeiras. Por exemplo, é consistente defender
que Deus existe, que os cépticos só têm parcialmente razão e que a liberdade é um valor
fundamental — mas isto significa apenas que estas proposições podem ser todas
verdadeiras simultaneamente, e não que todas o são efectivamente. Chama-se por vezes
coerência à consistência.
Exercícios
2) Explique por que razão nem todas as proposições inconsistentes são contraditórias.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
pq p p∨q
VV V V
VF V V
FV F V
FF F F
Quando “A” implica “B” isso significa que “A ➝ B” é verdadeira em todas as circunstâncias
logicamente possíveis. É o que ocorre com as proposições da forma “p ➝ (p ∨ q)”, como
se vê:
pq p ➝ (p ∨ q)
VV V V
VF V V
FV V V
FF V F
Implicações elementares
A ➝ (A ∨ B)
A ➝ (B ∨ A)
A ➝ (B ➝ A)
A ➝ (A ∧ A)
(A ∧ B) ➝ A
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
(A ∧ B) ➝ B
(A ∧ B) ➝ (A ∨ B)
(A ∧ B) ➝ (B ∨ A)
(A ∧ B) ➝ (B ∧ A)
(A B) ➝ (A ➝ B)
(A B) ➝ (B ➝ A)
p p ∨ ¬p p ∧ ¬p p
V V F V
F V F F
Como se vê, qualquer proposição da primeira forma é uma verdade lógica porque é
verdadeira em todas as circunstâncias logicamente possíveis (só há duas, neste caso,
porque só há uma variável de fórmula); é o caso da proposição expressa pela frase
“Espinosa era francês ou não”. Já a proposição expressa pela frase “A neve é e não é feita
de plástico” é uma falsidade lógica porque é falsa em todas as circunstâncias logicamente
possíveis, assim como qualquer outra proposição da mesma forma. Finalmente, algumas
proposições da terceira forma2 são verdadeiras em algumas circunstâncias e falsas
noutras, pelo que são contingências lógicas; é o caso da proposição expressa por “Tolstoi
é o autor de Guerra e Paz”.
Literalmente, “p ∨ ¬p” não é uma verdade lógica; apenas representa a forma lógica
de um número infinito de proposições que são verdades lógicas. Contudo, por uma
questão de simplicidade verbal, iremos estipular que “A forma proposicional “p ∨ ¬p” é
uma verdade lógica” é uma maneira abreviada de dizer que qualquer proposição da forma
2 Mas não todas: “Os homens são homens” e “2 + 2 = 4” têm a forma “p” mas são
verdadeiras em todas as circunstâncias logicamente possíveis.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
“p ∨ ¬p” é uma verdade lógica. Não devemos esquecer, contudo, que esta maneira de falar
é uma estipulação verbal; literalmente, é tão impossível que uma forma proposicional seja
uma verdade lógica como é impossível que um triângulo jogue futebol, para usar a imagem
memorável de Russell. E o mesmo acontece com respeito às falsidades lógicas: a forma
proposicional “p ∧ ¬p” não é literalmente uma falsidade lógica; apenas representa a forma
lógica de um número infinito de proposições que são falsidades lógicas. No que respeita às
formas proposicionais que são contingências lógicas, como “p ➝ q”, o que se quer
literalmente dizer é que algumas proposições com essa forma lógica são verdadeiras em
algumas circunstâncias logicamente possíveis e falsas noutras.
Qualquer argumento cuja conclusão seja uma verdade lógica é válido; e qualquer
argumento cujas premissas sejam inconsistentes é também válido. A estas validades
chamamos vácuas. O mesmo acontece com as suas expressões proposicionais: qualquer
condicional cuja consequente seja uma verdade lógica é também uma verdade lógica; e
qualquer condicional cuja antecedente seja inconsistente é uma verdade lógica. É fácil
provar a existência de validades vácuas, e de verdades lógicas vácuas, usando tabelas de
verdade; mas basta alguma reflexão para o ver. Por exemplo, se um argumento for inválido,
há pelo menos uma circunstância na qual as premissas são todas verdadeiras e a
conclusão falsa; ora, se a conclusão for uma verdade lógica, não há qualquer circunstância
dessas, pelo que tal argumento não é inválido; e o mesmo acontece caso as suas
premissas sejam inconsistentes.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
Exercícios
1) Explique por que razão qualquer argumento que tenha premissas inconsistentes é
dedutivamente válido.
a) (p q) ➝ p
b) (p ➝ q) ➝ q
c) (p ∧ ¬p) ➝ q
d) p ➝ (q ∨ ¬q)
e) (p ∧ q) ➝ (q ∨ r)
f) (p ∨ r) ➝ p
clássica é infinito.
4) Basta que uma proposição da forma “p ➝ q” seja verdadeira para que o argumento da
8. Lógica e filosofia
“Temos o dever de tentar promover o bem supremo (que tem portanto de ser
possível). Assim, a existência de uma causa de toda a natureza, distinta da natureza,
que contenha o fundamento desta conexão, a saber, a correspondência exacta da
felicidade com a moralidade, é também postulada. Contudo, esta causa suprema
há-de conter o fundamento da correspondência da natureza não apenas com uma
lei da vontade de seres racionais, mas também com a representação desta lei, na
medida em que fizerem dela o fundamento supremo e determinante da vontade, e
consequentemente não apenas com a forma da sua moral mas também com a sua
moralidade enquanto seu fundamento determinante, isto é, com a sua disposição
moral. Logo, o bem supremo do mundo só é possível na medida em que se
pressuponha uma causa suprema da natureza que tenha uma causalidade em
harmonia com a disposição moral. Ora, um ser capaz de acções de acordo com a
representação de leis é uma inteligência (um ser racional), e a causalidade de tal ser
de acordo com esta representação de leis é a sua vontade. Logo, a causa suprema
da natureza, na medida em que tem de ser pressuposta para o bem supremo, é um
ser que é a causa da natureza pelo entendimento e vontade (logo, o seu autor), isto
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
Não é fácil extrair deste texto um argumento de contornos suficientemente definidos para
que possamos discuti-lo adequadamente. Contudo, se nem sequer o tentarmos, nada
teremos de relevante para discutir. Assim, a primeira atitude a ter perante um texto destes é
tentar encontrar nele um argumento suficientemente definido para permitir a sua discussão
rigorosa. Eis uma interpretação:
Talvez este argumento não corresponda exactamente ao que Kant tinha em mente; mas é
filosoficamente interessante e por isso merece discussão. Ora, ao discutir um argumento
temos sempre dois aspectos principais: a validade do argumento e a verdade das
premissas. Contudo, se o argumento não for válido, é irrelevante discutir a verdade das
premissas (que é muitas vezes bastante mais difícil do que a discussão da validade); isto
porque se o argumento não for válido, a negação da conclusão é compatível com a
aceitação das premissas. Assim, a primeira preocupação da discussão filosófica é a
validade do argumento; sem esta, a discussão da verdade ou plausibilidade das premissas
é disparatada. Acontece que o papel principal da lógica é precisamente esse: dar-nos
instrumentos de rigor que permitam determinar a validade ou invalidade dos argumentos.
r: Deus existe.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
¬q ➝ ¬p
¬r ➝ ¬q
∴ r
A seguinte tabela de validade mostra que estamos perante uma forma argumentativa
válida:
p q r p ¬q ➝ ¬p ¬r ➝ ¬q r
VVV V V V V
VVF V V F F
VFV V F V V
VFF V F V F
FVV F V V V
FVF F V F F
FFV F V V V
FFF F V V F
Quem tem uma formação adequada em lógica nem precisa fazer a tabela de validade para
ver que o argumento é válido: a validade é óbvia. Contudo, considere-se o seguinte
argumento:
Quem não sabe lógica talvez não veja grande diferença entre este argumento e o anterior;
contudo, a diferença é abissal: este último tem uma forma lógica inválida, o que significa
que é irrelevante discutir as premissas, pois a verdade destas é compatível com a falsidade
da conclusão. A forma lógica do argumento é a seguinte:
¬p ➝ ¬q
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
¬q ➝ ¬r
∴ r
p q r p ¬p ➝ ¬q ¬q ➝ ¬r r
VVV V V V V
VVF V V V F
VFV V V F V
VFF V V V F
FVV F F V V
FVF F F V F
FFV F V F V
FFF F V V F
Apesar de a explicitação da forma lógica não ser uma tarefa mecânica, ao contrário
da construção de uma tabela de verdade, há três princípios orientadores que nos ajudam a
fazer um trabalho melhor.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
Segundo, a lógica clássica, seja apenas a proposicional ou não, não tem recursos
para lidar com a indexicalidade. Esta é uma das razões pelas quais é importante distinguir
as frases das proposições. Considere-se a frase proferida por Epicteto em 134 a.C.:
“Apetece-me agora uma salada de tomate”. Esta mesma frase, proferida por David Hume
em 1775, exprime uma proposição muitíssimo diferente. A primeira exprime a proposição
de que apetece a Epicteto uma salada de tomate no ano 134 d.C., a segunda de que
apetece a David Hume uma salada de tomate em 1775. Assim, ao formalizar argumentos e
proposições, temos de eliminar adequadamente os indexicais (termos como “eu”, “ontem”,
etc.), incluindo a indexicalidade oculta, e referências temporais para nós óbvias.
A conjunção exprime-se não apenas com a palavra “e”, mas também com “mas”,
“tanto… como” e “quer… quer”, entre outras. Como é evidente, estes termos não têm
todos exactamente o mesmo significado, apesar de todos serem usados para exprimir a
conjunção. O significado de “mas”, por exemplo, não é exactamente o mesmo do que o
significado de “e”; por exemplo, “Eça era português, mas diligente” sugere que os
portugueses em geral não primam pela diligência. Além disso, em alguns contextos, a
palavra “e” está associada a um aspecto temporal: “Berkeley deu uma palestra e morreu” é
razoável, mas “Berkeley morreu e deu uma palestra” sugere que ele deu a palestra morto
— o que parece ocorrer com alguns palestrantes, mas não literalmente. Na lógica clássica,
contudo, não damos atenção a todos os aspectos do significado da conjunção; só
atendemos ao aspecto da conjunção responsável por mudar ou manter o valor de verdade
de “p ∧ q” com base nos valores de verdade de “p” e de “q”. E o mesmo acontece com os
outros quatro operadores.
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LÓGICA ELEMENTAR — DESIDÉRIO MURCHO
Revisão
a) Eu não sou o meu corpo. Se eu fosse o meu corpo, não poderia duvidar que o meu corpo
existe. Contudo, é óbvio que posso duvidar da existência do meu corpo, apesar de não
b) Se uma proposição for contingente, é verdadeira em alguns casos e falsa noutros. Se não
existissem verdades, não haveria proposições verdadeiras em alguns casos e falsas
c) É incoerente defender que não temos justificação para nenhuma das nossas crenças porque
se não a tivéssemos, não teríamos também justificação para a crença de que não temos
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