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LITERATURA EM TESES1
RESUMO
O trabalho que se segue apresenta alguns resultados de uma Revisão Sistemática de Literatura
que buscou historicizar e contextualizar o desenvolvimento do debate científico em torno dos
videoclipes musicais. O objetivo foi investigar teses de doutorado que tenham o videoclipe
musical como objeto principal de reflexão. O protocolo da pesquisa foi formulado a partir da
contribuição de diferentes autores, como Akobeng (2005), Galvão e Ricarte (2019), Sampaio e
Mancini (2007). O resgate dos trabalhos foi realizado na base de dados do Catálogo de Teses e
Dissertações da CAPES. A busca ocorreu com a utilização de pesquisa simples ou avançada,
utilizando termos descritores como “videoclipe” e “videoclipes”; filtros de tipo, selecionando
apenas teses de doutorado; e filtros de periodicidade, restringindo aos trabalhos publicados
entre 2009 e 2022. Na sequência, realizamos a leitura dos resumos dos trabalhos resgatados e
aplicamos os critérios de inclusão e exclusão. Após tal exercício, chegamos ao número de
dezessete trabalhos que compuseram o nosso corpus de análise. Procedemos então com a
extração dos dados para a análise, o que permitiu o agrupamento e sumarização dos trabalhos
em três eixos temáticos, sendo eles: história, configurações e abordagens sobre o videoclipe;
videoclipes e autorias; análises do videoclipe e suas implicações. O agrupamento facilitou a
realização da análise crítica, que identificou elementos como: pluralidade de proposições,
protocolos e encaminhamentos metodológicos para estudo e análise de videoclipes; existência
de uma literatura clássica sobre o formato, e predominância de análise de videoclipes de língua
inglesa.
1.INTRODUÇÃO
O primeiro passo que tomamos para realizar uma revisão de literatura foi compreender
os objetivos e finalidades de um trabalho com este foco, bem como os procedimentos para sua
execução. Apresentamos na sequência alguns elementos importantes que descobrimos nesta
busca. Baumeister & Keary (1997) entendem que as revisões de literatura contribuem para o
avanço da ciência na medida em que: a) permitem o desenvolvimento teórico, auxiliando os
cientistas a contextualizar suas áreas de estudos e formular adequadamente suas proposições;
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Audiovisualidades do XII Enpecom, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba-PR, 30 de outubro a 01 de novembro de 2023.
2
Mestre em Ciências Sociais (UEM), doutorando em comunicação PPGCOM-UFPR, tiagormsx@yahoo.com.br.
3
Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC – SP, professora PPGCOM – UFPR, orientadora do trabalho.
regianeribeiro5@gmail.com
b) garantem condições para a realização de validações teóricas, pois permite a avaliação das
contribuições teóricas já elaboradas; c) sumarizam o conhecimento já produzido sobre
determinado tema, reunindo os estudos mais relevantes num índice desta produção; d) facilitam
a identificação e formulação de novos problemas científicos ou de problemas ainda insolúveis
numa área de pesquisa, bem como a identificação de lacunas ou contradições teóricas acerca de
um determinado tópico de interesse; e) fornecem um relato histórico do desenvolvimento de
uma teoria ou tema específico, permitindo o rastreamento do desenvolvimento de uma
determinada área de estudos.
Por isso, as revisões de literatura se constituem como ferramentas fundamentais para
a produção do conhecimento científico e para sua historicização. São vários os protocolos e
possibilidades de elaboração de revisões de literatura. Neste trabalho, desenvolvemos uma
revisão sistemática. Para Galvão e Ricarte (2019, p. 58-59) a revisão sistemática:
O interesse pela pesquisa sobre videoclipe se vincula a uma proposta mais ampla de
construção de uma tese de doutorado que investiga videoclipes musicais das dissidências
sexuais e de gênero. Especialmente a partir de 2010 o mercado fonográfico brasileiro, o
universo da cultura pop e do entretenimento foi sendo ocupado pela produção de artistas ligados
as dissidências sexuais e de gênero. Drag Queens, lésbicas, transexuais, gays, sujeitos não
binários passaram a figurar no pop, funk, rap ou sertanejo como protagonistas de produções que
dão a ver diferentes questões relacionadas a vida e experiência de sujeitos das dissidências
sexuais e de gênero.
No seu conjunto, essas produções estão ocupando diferentes espaços no universo da
comunicação e da cultura, construindo novas configurações de visibilidade simbólica e midiática dos
sujeitos LGBTQIA+. São lives, entrevistas, participação em programas televisivos, produção de
videoclipes, atuação em telenovelas, entre outros; que colocam em cena corpos dissidentes,
fomentando o debate em torno de temas relevantes para grupos social e culturalmente
marginalizados.
Dentre tais produções, os videoclipes musicais têm se destacado como importantes
vetores de visibilidade e mobilização cultural e social. Por isso, o foco de nossa pesquisa se
direcionou para tais materialidades. Para subsidiar o desenvolvimento da pesquisa de
doutorado, realizamos a revisão sistemática que ora apresentamos. O objetivo desta revisão foi
investigar produções stricto sensu que tenham o videoclipe como objeto de reflexão; sumarizar
os trabalhos resgatados; observar seus encaminhamentos metodológicos e avaliar criticamente
suas contribuições. O problema central desta Revisão se expressa no seguinte questionamento:
Quais as principais características e convenções teóricas nos estudos sobre videoclipes musicais
e quais as abordagens metodológicas mais utilizadas para análise de videoclipes?
A fonte de pesquisa utilizada foi o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES4. A
busca ocorreu com a utilização de pesquisa simples ou avançada, aplicando filtros de tipo e
periodicidade. No filtro de tipos, resgatamos apenas teses de doutorado. O período de busca se
concentrou em trabalhos publicados a partir de 2009 até 2022. Na busca, utilizamos
combinações de palavras-chaves ou termos descritores, que foram: videoclipe, videoclipes,
videoclipe musical, music vídeos.
Para filtrar os resultados encontrados a partir dos termos descritores, utilizamos os
seguintes critérios de inclusão:
1. Devem ser trabalhos stricto sensu apresentados no formato de tese e disponíveis
integralmente em bases de dados científicas em versões digitais.
2. Devem ser trabalhos publicados entre 2009 e 2022.
3. Os resumos dos trabalhos devem indicar a existência de reflexões teóricas ou empíricas
sobre videoclipes musicais.
A pesquisa pelos termos, no catálogo de teses e dissertações da CAPES, seguido da
aplicação dos critérios de inclusão a partir da leitura dos resumos permitiu o resgate de
dezessete teses de doutorado. A maioria dos trabalhos resgatados foram defendidos em
programas de pós-graduação em comunicação, onze no total. A área de ciências humanas
também se destaca com seis produções distribuídas em áreas como linguística, artes, história e
música.
A Universidade Federal da Bahia se destacou como a instituição com maior ocorrência
de teses sobre o tema, três no total, sendo duas no Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Contemporânea. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade Federal
Fluminense, Universidade Tuiuti do Paraná Universidade Federal de Pernambuco possuem,
cada uma, duas teses resgatadas. Chama a atenção o fato de não termos resgatado, com os
critérios utilizados, nenhum trabalho vinculado a instituições da região norte do país.
A partir da leitura dos resumos dos trabalhos resgatados, propomos a sumarização da
produção intelectual na área em três eixos que refletem a proximidade dos trabalhos em termos
de abordagens, metodologias e enfoques. Tais eixos são: História, configurações e abordagens
sobre o videoclipe, Videoclipe e autorias, Análises do videoclipe e suas implicações.
4
Disponível em: https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/
O primeiro eixo reúne trabalhos que discutem a história do videoclipe na produção
audiovisual e, principalmente, suas configurações, características e convenções estéticas.
Trabalhos desse eixo apresentam também proposições sobre as ferramentas metodológicas mais
apuradas para análises desse objeto. No segundo eixo, os estudos privilegiam as reflexões em
torno da contribuição de determinados diretores e realizadores para o videoclipe, apresentando
análises sobre a obra e a estética de determinados diretores e dos conflitos de autoria entre
realizadores e cantores. No terceiro eixo estão trabalhos que propõem análises empíricas de
videoclipes para discutir fenômenos que a ele se vinculam. Tais trabalhos utilizam diferentes
proposições metodológicas e mobilizam teorias de diversos campos das ciências humanas.
Na tabela que se segue apresentamos os trabalhos resgatados agrupados em seus eixos.
Na sequência apresentamos uma análise descritiva de cada um desses eixos.
Videoclipe e autorias
Nesse eixo, dois trabalhos chamam a atenção pela envergadura das proposições que
fazem. Soares (2009) e Holzbach (2013) apresentam contribuições acerca das configurações
históricas do videoclipe, de sua linguagem e estética, bem como da sua consolidação como
gênero audiovisual e propõem ferramentas metodológicas para sua análise.
Soares (2009) estabelece a relação entre som e imagem como central na sua reflexão e
desenvolve uma proposta metodológica própria para análise do videoclipe. Para o autor (2009)
os estudos que pretendem analisar as estratégias de produção de sentido no videoclipe devem
ter como ancoragem essa relação. Fundamentado nas proposições de Carol Vernallis e Andrew
Goodwin, Soares (2009) afirma que do mesmo modo que as canções possuem “versos ganchos”
(Vernallis) os videoclipes possuíram “ganchos visuais” (Goodwin). Aqui se sobressai a
percepção da repetição como constituinte do videoclipe, realçando as proximidades entre a
linguagem do videoclipe e a da publicidade. Para o autor (2009) é impossível compreender o
videoclipe fora da lógica da cultura midiática e de seus processos.
Boa parte da tese de Soares (2009) discute a produção do videoclipe no contexto da era
MTV. Apenas nos seus capítulos finais a tese apresenta diálogos sobre as transformações do
videoclipe com o desenvolvimento das redes sociais, como o YouTube. Um ponto de destaque
do trabalho é a sua preocupação em dialogar com as produções brasileiras, várias obras de
grupos, bandas e cantores nacionais são analisadas e debatidas no estudo.
As preocupações teóricas de Holzbach (2013) estão centradas na investigação das
convenções estéticas em torno do videoclipe, a autora se esforça por complexificar o debate
sobre esse objeto, expondo os equívocos que historicamente qualificaram o videoclipe apenas
como um produto comercial ou como uma produção audiovisual de segunda importância. A
tese identifica as diferentes correntes de pensamento que desde os anos de 1980 investigam esse
fenômeno/objeto, aborda o surgimento da MTV, e a produção de conteúdo direcionada para o
público jovem, e discute o desenvolvimento das convenções estruturais do videoclipe. A análise
que a tese propõe explora dois objetos empíricos, videoclipes participantes do VMA (MTV
Video Music Awards) e matérias jornalísticas da revista Variety que tematizaram o videoclipe.
Para Holzbach (2013) a criação do VMA (MTV Video Music Awards), em 1984, uma
das maiores premiações da música norte-americana permitiu a consolidação do videoclipe
como gênero, e a definição de suas convenções estruturais. Segundo a autora (2013), o
videoclipe reconfigurou a relação entre diferentes agentes culturais, tendo sido uma
oportunidade para a solução de diversas crises enfrentadas pela indústria fonográfica, pelas
rádios FM e pela indústria do vídeo doméstico.
A centralidade da MTV para a consolidação do videoclipe na cultura midiática é
apontada ainda pela tese de Trevisan (2011). Esse trabalho explora as produções premiadas
pelo VMA e mobiliza discussões teóricas sobre o videoclipe a partir de autores como Ann
Kaplan e Andrew Goodwin. O que chama a atenção na obra é o período de análise indicado, de
1984 a 2009, o amplo olhar para essas produções permite com que a autora proponha uma
tipologia das principais estéticas do videoclipe na era MTV, as três tipologias propostas
possuem como elemento central o efeito de evidência que o videoclipe produz. Para a autora,
existe uma estética de evidência do artista, uma de evidência da história e uma de evidência do
conceito da obra. Embora mobilize algumas proposições teóricas de autores brasileiros, a maior
parte dos argumentos da tese de Trevisan (2011) está articulada com o pensamento norte-
americano sobre videoclipe e sua amostra de análise empírica é composta, na sua totalidade,
por videoclipes estrangeiros.
A discussão sobre as características estéticas do videoclipe é o que mobiliza as reflexões
de Oliva (2016). O autor se preocupa especialmente com as relações entre a poética visual do
videoclipe e do cinema, articula a noção de cultura da convergência de Henry Jekins com o
contexto da hipermodernidade de Gilles Lipovetsky, propondo a compreensão das relações
entre videoclipe e cinema a partir de duas categorias, a do transcineclipe e a do transclipecine.
Para explorar tais proposições, o autor elege obras cinematográficas de realizadores como
Xavier Dolan e Spike Jonze e obras de diretores de videoclipe como Jonas Arkelund e Samuel
Bayer. Ao observar diferentes cenas das produções desses realizadores, o pesquisador identifica
as marcações da interação entre as poéticas visuais do cinema e do videoclipe. Se repete em
Oliva (2016), um olhar focado nas produções audiovisuais de língua inglesa.
A partir da exploração dos trabalhos sumarizados neste primeiro eixo temático,
observamos algumas características gerais das pesquisas sobre videoclipes. Há consolidado
reflexões sobre as características e convenções estéticas que diferenciam o videoclipe de outros
gêneros/formatos audiovisuais, bem como discussões que abordam a interação e os processos
de hibridação das linguagens e poéticas do videoclipe com outros gêneros/formatos. Há ainda
diferentes proposições de ferramentas metodológicas que permitem a análise focada nas
estratégias de sentido, naquilo que o videoclipe tem a dizer, e outras que exploram os impactos
e articulações culturais do videoclipe.
A centralidade das reflexões sobre o videoclipe no contexto da era MTV, e do seu
principal palco de consagração, o VMA, é outra regularidade dos trabalhos analisados. Tal
enfoque resulta na prevalência de objetos empíricos de língua inglesa. A mobilização de
interpretações teóricas de língua inglesa é outro ponto de atenção.
Neste segundo eixo temático estão agrupados trabalhos que debatem questões
relacionadas à autoria dos videoclipes. As análises dessas teses exploram contribuições
individuais de diretores ao campo do videoclipe, parcerias entre diretores e cantores e conflitos
em torno da posição autor.
A tese de Barreto (2009) explora as parcerias entre diretores e cantores. O trabalho
analisa videoclipes elaborados nas parcerias entre Jean-Baptiste Mondino e Madonna e entre
Michel Gondry e Björk. As reflexões se desenvolvem na direção de propor a existência de
estilos autorais de videoclipe. O trabalho de Barreto (2009) inova ao empregar operadores
teóricos e metodológicos da sociologia da cultura, partindo das elaborações de Pierre Bourdieu
para explicar a existência de um campo social do videoclipe e de um capital que é objeto de
disputa nesse campo. A obra dos diretores estudados é explicada em função do habitus de cada
um desses agentes e das suas estratégias de luta para conquista do capital que se disputa no
campo. As estratégias de luta se materializam naquilo que o autor (2009) denomina de estilos
autorais no videoclipe. A criação de um estilo autoral permitiria aos diretores a conquista do
poder de gestão sobre suas próprias criações. O alcance desse poder, por sua vez, garantiria o
domínio do capital em disputa no campo social do videoclipe e o gozo de uma posição de
distinção no campo da produção audiovisual.
Bryan (2011), por sua vez, adotou uma perspectiva mais histórica do que sociológica
em sua tese. Objetivando compreender a questão da autoria na obra de três diretores brasileiros
de videoclipe; a saber Roberto Berliner, Oscar Rodrigues Alves e Maurício Eça; a tese acaba
por entregar um importante relato da história do desenvolvimento desse formato no Brasil. O
período abarcado é, novamente, a era MTV, mas o material empírico analisado inova ao
explorar unicamente videoclipes de língua portuguesa.
A tese articula referências do campo dos estudos sobre autoria, e dos estudos
cinematográficos e desvela as similaridades estéticas e temáticas entre as produções do Cinema
Novo e os videoclipes nacionais. Marcadores como a presença, no audiovisual, da favela, do
morro, dos grandes centros urbanos e da seca nordestina, são explorados no intento de refletir
sobre essas proximidades. Ao recorrer a entrevistas com os diretores pesquisados, Bryan (2011)
reforça o caráter histórico do seu trabalho, na mesma medida em que apresenta outras
possibilidades de compreensão do videoclipe; que não os estritamente vinculados ao que é
projetado na tela. Destaca-se, ainda, o esforço em contribuir para a sistematização de uma
história nacional do videoclipe.
Araújo (2015), por sua vez, está mais preocupado em entender os conflitos e os valores
mobilizados nos julgamentos em torno da autoria dos videoclipes. O autor (2015), entende que
a autoria do videoclipe é sempre múltipla e, mais do que um dado material, é um efeito de
sentido que sofre alterações em função das transformações na materialidade do videoclipe. Há
na tese uma percepção declarada do videoclipe como um formato cultural. O trabalho se destaca
por trazer para a discussão o surgimento do YouTube, as transformações que a plataforma
operou na configuração do videoclipe, e os efeitos dessas transformações para os julgamentos
valorativos em torno da ideia de autoria do videoclipe.
Na sua análise Araújo (2015), mobiliza proposições metodológicas nacionais,
articulando formulações de Jeder Janotti Junior com apontamentos de Thiago Soares. Embora
apresente algumas obras nacionais, a amostra analisada é majoritariamente constituída por
videoclipes de língua inglesa. Outro ponto a se destacar é que o recorte de obras analisadas
abarca produções que se encontram na era do videoclipe pós MTV.
O trabalho de Andrade (2017) é um dos poucos que se distancia das propostas das obras
apresentadas até aqui. Embora tenha a autoria como um dos temas de reflexão, a autora está
mais interessada em explorar questões semióticas e psicanalíticas a partir dos videoclipes
dirigidos por Chris Cunningham. As questões relacionadas ao corpo e as suas configurações
pós-modernas são o eixo central da reflexão. Apesar desse enfoque, a obra dialoga com as
formulações de Andrew Goodwin, E. Ann Kaplan e Carol Vernallis acerca das características
e história do videoclipe.
Neste eixo temático, reunimos teses que pensam o videoclipe a partir de suas
articulações com fenômenos linguísticos, das artes visuais, da cultura do espetáculo e do
pensamento social. São trabalhos que partem do videoclipe musical para refletir sobre
diferentes fenômenos linguísticos, culturais e sociais, de modo que a exploração que propõem
sobre os videoclipes se dá a partir de seu imbricamento com outros fenômenos da cultura.
Mozdzenski (2012) investiga o discurso de videoclipes femininos, questionando os
sentidos produzidos em torno da identidade e autoimagem das cantoras. O trabalho apresenta
algumas considerações sobre o videoclipe e articula referências teóricas de autores que se
dedicam a investigar esse material, no entanto, as preocupações centrais giram em torno de
questões discursivas, linguísticas e textuais. Aqui chama a atenção algumas afirmações do autor
(2012, p. 21) que coloca em dúvida a competência dos realizadores nacionais em produzir
videoclipes femininos de “qualidade”, justificando como mais “sensato” o recorte por
videoclipes de língua inglesa que foram finalistas na categoria “Melhor clipe feminino” do
VMA de 2011. A exploração analítica desse material levou o autor a propor a existência de um
ethos de engajamento, um ethos de identificação, um ethos de solidariedade, ethos de liderança,
ethos de humanidade e um ethos da não-virtude; funcionando discursivamente nas obras
estudadas.
A tese de Saddi (2016) analisa o videoclipe a partir das artes visuais, discutindo os
modos de circulação dos videoclipes, as práticas de curadorias e suas potências. Neste trabalho,
o videoclipe musical é explorado em função das experimentações audiovisuais que permite, e
tais experimentações são debatidas a partir dos diálogos que elas promovem com a vídeo arte e
com as práticas da museografia. Para tanto, a autora analisa catálogos de mostras e exibições
artísticas que tiveram o videoclipe e a vídeo arte como foco e explora produções audiovisuais
de artistas da cultura pop, investigando as potencialidades estéticas dessa linguagem.
A tese de Paludo (2017) possui uma abordagem mais voltada para o campo da
comunicação. A obra se preocupa em pensar as mitologias no início do século XXI, elegendo
o campo da música como principal universo de reflexão e investigando como os artistas são
alçados a posições de culto e idolatria, figurando como personagens espetaculares na cultura.
Debatendo a importância da imagem para as construções míticas, o autor chega ao videoclipe
musical e o toma como uma síntese de projetos nos quais os artistas buscam elaborar e construir
sua aura mítica.
Ao analisar videoclipes de artistas como Lady Gaga, David Bowie e da banda kiss,
Paludo (2017) propõe a categoria de adversong, buscando explicar os processos pelos quais o
videoclipe se intersecciona com as práticas do hiper espetáculo para qualificar determinados
produtores como artistas totais, que mobilizam diferentes linguagens, em complexas
arquiteturas conceituais, no intuito de delimitar suas posições no espaço mítico-espetacular.
Com foco na lógica da recepção, a tese de Seligman (2016) estuda o consumo de bens
culturais e os processos de autorrepresentação de jovens entre 15 e 24 anos nas redes sociais,
especialmente no Facebook. É a partir da investigação desse universo que a pesquisadora chega
ao videoclipe musical como o bem cultural mais compartilhado pelos jovens estudados em seus
perfis e interações nas redes sociais. A partir disso, a autora (2016) propõe uma análise de
videoclipes, fundada numa abordagem clássica a partir das contribuições de Carol Vernallis,
para explorar as escritas de si que os jovens produzem nas redes sociais e os processos de
construção identitária desses jovens. Dentro de uma amostra de 97 videoclipes compartilhados
pelos sujeitos da pesquisa num determinado período de tempo, a autora seleciona os cinco com
o maior número de visualização na plataforma YouTube e procede com uma análise fílmica
dos mesmos. Todos os cinco videoclipes selecionados são em língua inglesa e gravitam em
torno de temas românticos ou afetivos. A partir da análise a autora propõe que o consumo de
bens culturais nas redes sociais da juventude do início do século XXI é marcado pela dualidade
de reproduzir dinâmicas de gerações passadas; como a apreciação de determinados gêneros
musicais, especialmente rock e pop; mas se opor a tais gerações ao consumir bens sem o apelo
da rebeldia ou inconformismo que caracterizou tais gêneros durante os anos de 1970 e 1980.
Tal dinâmica caracterizaria uma geração mais individualista e ao mesmo tempo, centrada na
busca de correspondências afetivas.
A tese de Trajano (2016) explora o discurso do e sobre o movimento hip hop no
videoclipe “Causa e efeito” de MV Bill. Mobilizando a perspectiva clássica da Análise de
Discurso de linha francesa, fundamentada em Michel Pechêux, o autor estuda o imbricamento
discursivo entre letra, imagem e música e reações e comentários ao videoclipe coletado em
redes sociais. Trajano (2016) posiciona o videoclipe como materialidade discursiva e o explora
a partir das convenções dos estudos linguísticos. Ao evocar relações socais entre política e
cultura, polícia e traficantes, patrões e empregados, ricos e pobres, morro e asfalto; o videoclipe
selecionado pelo autor permite a exploração discursiva de modos de significações dessas
relações na esfera social e sua análise propõe enxergar o videoclipe, e suas formas de circulação
e recepção, como expressões de um combate a naturalização das desigualdades sociais.
Outra pesquisa que trata do videoclipe a partir de uma perspectiva menos centrada no
campo da comunicação é a de Almeida (2010) que investiga processos criativos e de
disseminação de videoclipes amadores no YouTube e mobiliza articulações teóricas e
metodológicas próprias do campo da etnomusicologia. O foco da pesquisa é a profusão de
práticas musicais nos espaços digitais, mas o trabalho se destaca pela proposta metodológica de
etnografia virtual e pelo enfoque em videoclipes brasileiros amadores, que jogam e subvertem
as convenções do videoclipe musical comercial. O autor catalogou mais de 200 videoclipes e
selecionou 10 deles para a análise, que envolveu entrevista com os videomakers e observação
das materialidades audiovisuais, levantando características de seus processos de concepção,
produção e circulação.
O foco em aspectos expressivos e criativos relacionados a produção de videoclipes
também está presente na tese de Caldas (2018), que investiga o impacto das tecnologias digitais
na linguagem audiovisual. Para tanto, o autor explora videoclipes interativos e seus processos
de hibridizações e remediações. O autor catalogou 152 projetos de videoclipe interativo
publicados nas plataformas digitais entre 2006 e 2017, desse total apenas 4 são de língua
portuguesa, um é de língua espanhola e os demais de língua inglesa. Partindo das discussões do
campo da semiótica, a análise empreendida no trabalho demonstra que a interatividade pode ser
lida como um efeito de sentido produzido a partir das hibridações de aspectos da linguagem
visual e sonora, possíveis apenas pelas condições proporcionadas pela convergência digital.
Isso leva o autor a propor que o videoclipe interativo é um formato audiovisual expressivo
próprio da internet, sendo uma das primeiras manifestações do desenvolvimento de uma
linguagem própria dos meios digitais.
Silva (2019) aborda os aspectos da linguagem do videoclipe dentro de um universo
específico, o da música gospel brasileira. A autora investiga as linguagens religiosas no campo
da cultura visual contemporânea e estuda quatro videoclipes da música gospel brasileira. Na
análise a autora mobiliza contribuições da análise do discurso; para estudar a letra da canção;
da análise fílmica; para explorar a linguagem audiovisual dos videoclipes; e das convenções da
cultura e do gênero musical gospel. A partir da análise a autora propõe que o uso de um formato
tipicamente secular; o videoclipe; para a transmissão de valores de uma cultura religiosa; a
gospel; expressa processos de transgressões em relação a um modelo musical religioso pautado
pela experiência religiosa distante do consumo e do entretenimento.
A tese de Passold (2021) propõe pensar a experiência estética em suas articulações com
o pensamento social a partir de uma perspectiva histórica. Articulado em torno de três eixos;
sociedade, tecnologia e liberdade; o trabalho explora videoclipes, músicas e outras obras
audiovisuais de diversos artistas, como Anitta, Beyoncé, Emicida, Helsey, Ludmilla, Coldplay,
Linkin Park, Nego do Borel, Sam Smith, entre outros. Na exploração, o autor mobiliza o
conceito de cena, a partir das contribuições de Jacques Rancière, e se propõe a relacionar
aspectos da experiência estética com questões sobre a organização da sociedade, o exercício
ético da liberdade e as transformações tecnológicas contemporâneas. Sua análise propõe que o
caráter polissêmico da experiência estética demonstra a inadequação de alguns modelos
acadêmicos de interpretação musical e defende a construção de novas perspectivas acadêmicas
e científicas de exploração da produção cultural.
As pesquisas desse eixo temático possuem em comum a pluralidade de perspectivas
teóricas, metodológicas e analíticas de abordagem do videoclipe. Isso demonstra que o
videoclipe tem se configurado como um produtivo objeto para reflexões científicas de
diferentes envergaduras.
CONCLUSÃO
A Revisão que realizamos tem, até o momento, um caráter mais descritivo, que
sumarizou e reconheceu alguns aspectos importantes acerca da pesquisa sobre videoclipes no
Brasil. A partir da nossa observação do corpus, podemos afirmar que existe uma tradição de
pesquisa em torno do videoclipe, com um repertório teórico e metodológico já convencionado
para sua investigação. No entanto, a quantidade de trabalhos resgatados demonstra que o campo
aberto para exploração é muito maior do que o efetivamente já explorado. Embora essas
materialidades audiovisuais sejam peças cada vez mais importantes no universo cultural
contemporâneo, a quantidade de pesquisas sobre o tema ainda é tímida.
É tímido também a quantidade de trabalho que se dedica a pensar especificamente os
videoclipes de produção nacional e que problematizam o videoclipe contemporâneo, cuja
produção e circulação foi profundamente transformada pelo advento das redes sociais. Com o
aparecimento das redes sociais; como o YouTube, e dos aplicativos de compartilhamento de
conteúdo, como Instagram e TikTok; o videoclipe tem se mostrado uma matriz de produção
cultural que tem impactado profundamente modos de interação e consumo social.
O enfoque sobre as estratégias de produção de sentido, sobre as questões de linguagem
e estética que definem esse gênero/formato prevalece na maioria das teses estudadas. Havendo,
assim uma predominância de perspectivas hermenêuticas. Chamo a atenção para isso no intuito
de indicar que o videoclipe importa não só pelo que ele tem a dizer, mas especialmente pelos
efeitos e impactos que ele tem produzido/gerado na cultura contemporânea. Pelos vínculos e
agenciamentos coletivos que se engendram a partir das produções audiovisuais que exploram
as convenções desse formato.
REFERÊNCIAS