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Processos de formação
1 [ 203537 ].
Agora que o rover Perseverance está seguro e saudável na superfície de Marte, vários
grupos de trabalho espalhados pelo mundo podem respirar aliviados e pensar nos passos
futuros do programa de exploração marciana -que vai agora focar seus esforços no cobiçado
retorno de amostras de volta à Terra. A missão atual é um primeiro passo crucial. Afinal,
cabe ao Percy, como foi apelidado o jipe, fazer o escrutínio e a escolha das rochas
(comandado por cientistas na Terra, claro) que serão acondicionadas por ele em pequenos
tubos lacrados e ultrarresistentes e depois deixadas, juntas, em algum canto da superfície de
Marte. Ele terá vários anos para fazer isso durante a exploração da cratera Jezero, um dos
locais mais promissores para a busca de evidências de vida pregressa marciana.
Mas e aí, o que vem depois? Nasa e ESA, respectivamente agências espaciais
americana e europeia, já trabalham conjuntamente nos próximos passos, que envolvem pelo
menos mais dois, e possivelmente três, lançamentos diferentes afim de trazer de volta o
cobiçado material. Ainda faltam definições, mas trabalhos 20 preliminares sugerem a
seguinte sequência.
Em 2026, parte um módulo de pouso com um pequeno foguete, de menos de três
metros, instalado a bordo. Projetada e construída pela Nasa, a nave pousaria próximo ao
local onde desceu o Perseverance. E aí, talvez partindo do próprio módulo, talvez enviado
num lançamento à parte, 1um pequeno rover produzido pela ESA encontraria as amostras e
as instalaria no interior do foguete. 2Em paralelo, em 2026 ou 2027, um orbitador com
propulsão elétrica, outra contribuição da ESA, partiria da Terra e se instalaria em órbita ao
redor de Marte. Em meados de 2029, 3o foguete seria disparado (o primeiro lançamento
feito de outro planeta!), colocando a cápsula com as amostras em órbita marciana. Lá ela se
acoplaria ao orbitador europeu, que por sua vez traria o conteúdo de volta à Terra, em 2031.
4
A empreitada toda custaria cerca de US$ 5 bilhões, sem contar os US$ 2,7 bilhões
empenhados na missão do Perseverance. 5A recompensa, contudo, teria valor
incomensurável. 6Cientistas já tiveram a chance de analisar algumas amostras de Marte -
meteoritos provenientes do planeta vermelho -, mas nunca com a chance de escolher quais
rochas, conhecendo o contexto geológico de onde elas partiram. E 7amostras trazidas de
volta continuam a render novos resultados por décadas, conforme equipamentos mais
sofisticados surgem para estudá-las. Não à toa, as amostras trazidas pelo programa Apollo,
que levou humanos à Lua entre 1969 e 1972, continuam sendo estudadas até hoje. Ademais,
é fundamental demonstrar a capacidade de trazer uma pequena carga de Marte antes que
se ambicione trazer uma grande carga - como humanos - em uma futura missão tripulada.
1
É bem raro que um personagem literário tenha tanta projeção cultural que seu
nome acabe por virar substantivo comum de ampla circulação, verbete em todos os
dicionários. Aconteceu com o Jeca Tatu, criado há pouco mais de cem anos pelo escritor
paulista Monteiro Lobato (1882-1948). O Houaiss define assim o brasileirismo jeca-tatu,
substantivo masculino: "habitante do 2interior brasileiro, especialmente da região centro-sul,
de hábitos rudimentares, morador da zona rural". Ou seja, jecatatu é sinônimo de caipira,
matuto, equivalência que o dicionário também registra. Curiosamente, é só no verbete jeca,
forma reduzida de jeca-tatu, que o lexicógrafo aponta o escancarado caráter pejorativo da
palavra. O termo caipira pode ser depreciativo, mas também aparece em contextos neutros
e até de valorização da cultura rural. Jeca não: é ofensivo sempre. Mesmo quando o ator e
cineasta Amácio Mazzaropi (1912-1981) fez dele um herói simpático e de grande sucesso, o
riso que sua comédia buscava era baseado na superioridade do espectador sobre aquele
capiau ridiculamente simplório, que envergonhava os próprios filhos, ainda que fosse
honesto e de bom coração. A negatividade vem de berço. Quando lançou o personagem do
Jeca Tatu em 1914, em artigo para O Estado de S. Paulo 3intitulado "Uma velha praga",
Lobato o apresentava como síntese dos defeitos que, na sua experiência de fazendeiro cheio
de sonhos frustrados de modernização, condenavam o matuto brasileiro – e o país com ele –
ao atraso eterno. Preguiçoso, ignorante, 4abúlico, triste, nessa primeira encarnação o Jeca
(corruptela de Zeca) é uma espécie de aberração responsável por todas as suas próprias
desgraças aos olhos urbanos do escritor elitista. Só que o autor nunca parou de retocar o
personagem. Em pouco tempo tinha transformado o Jeca numa vítima da 5incompetência do
Estado, que lhe negava saneamento, remédios e educação. O personagem começou a
ganhar contornos construtivos. Nessa fase o 6astuto Lobato chegou a lhe arranjar um
emprego de garoto-propaganda do Biotônico Fontoura, elixir vendido como capaz de curar
os jecas de sua jequice. No fim da vida do escritor, uma intervenção mais claramente política
mudou tanto o caipira, agora retratado como explorado pelos donos da terra, que ele
precisou mudar de nome. Assim surgiu o personagem Zé Brasil, camponês dotado de
consciência de classe. De modo significativo, não fez um milésimo do sucesso do Jeca.
Ocorre que a criatura já havia declarado sua 7independência do criador. Morto Lobato, novas
transformações estavam por vir tanto para o Jeca, o personagem, quanto para jeca, a
palavra. 8O já citado Mazzaropi se encarregou da primeira, mas é a outra que 9interessa mais
de perto à coluna. Se a 10incrível 11inserção cultural alcançada pelo caipira de Lobato só pode
ser entendida no contexto de um país que, na primeira metade do século passado, ainda era
maciçamente rural, o Brasil de urbanização velocíssima das décadas seguintes reservou
novos papéis para o termo jeca. Hoje é mais comum vê-lo usado como adjetivo para
qualificar o "que revela mau gosto, falta de refinamento; cafona, ridículo" (Houaiss). Abusar
de palavras em inglês é jeca. Humilhar porteiros e garçons é jeca demais. Usar faixa
presidencial em solenidades que não a exigem, haja jequice! Não há dúvida de que vivemos
o momento mais jeca de nossa história.
Rodrigues, S. "Que coisa mais jeca! Do capiau de Lobato ao cafona urbano de hoje, palavra
mudou com o país". Folha de São Paulo. 24.10.2019. Disponível em: https://bit.ly/2NxyLzK/.
Adaptado.
4 [ 203102 ]. "É bem raro que um personagem literário tenha tanta projeção cultural que
seu nome acabe por virar substantivo comum de ampla circulação, verbete em todos os
dicionários" (ref. 1). A transformação de substantivo próprio em comum é um processo
conhecido como:
a) Derivação regressiva.
b) Conversão.
c) Composição por aglutinação.
d) Mudança fonológica.
e) Recomposição.
ODE TRIUNFAL
1
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, 2fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
3
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria 4fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
5
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
12
Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés – oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
13
Os rumores e os gestos do 14Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do 15Progressivo!
16
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993), p. 144
(texto adaptado).
AMBRÓSIO: No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que
simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem
pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e
pertinácia são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os
meios, não consegue enriquecer-se? Em mim se vê o exemplo. Há oito anos, era eu pobre e
miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não importa; no bom resultado está o
mérito... Mas um dia pode tudo mudar. Oh, que temo eu? Se em algum tempo tiver de
responder pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais
fizeram-se para os pobres...
6 [ 203884 ]. Um vocábulo também pode ser formado quando passa de uma classe
gramatical a outra, sem a modificação de sua forma. É o que se denomina derivação
imprópria. Na fala de Ambrósio, constitui exemplo de derivação imprópria o vocábulo
sublinhado em
a) “O como não importa”.
b) “Mas um dia pode tudo mudar”.
c) “No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la”.
d) “Pintam-na cega”.
e) “Em mim se vê o exemplo”.
8 [ 205785 ]. O prefixo “in-” que compõe a palavra “indefinível” (7º parágrafo) tem o
mesmo sentido do prefixo da palavra:
a) contramão.
b) interconectado.
c) metafísico.
d) anormal.
e) transnacional.
1
estranha: rara, que não é comum, que não é vulgar.
2
outeiros: montes.
9 [ 205794 ]. Um vocábulo também pode ser formado quando passa de uma classe
gramatical a outra, sem qualquer modificação de sua forma. Tal processo de formação de
palavras é denominado derivação imprópria. Observa-se um exemplo de derivação
imprópria no verso:
a) “donde toda a tristeza se desterra;” (1ª estrofe)
b) “o manso caminhar destes ribeiros,” (1ª estrofe)
c) “o rouco som do mar, a estranha terra,” (2ª estrofe)
d) “das nuvens pelo ar a branda guerra;” (2ª estrofe)
e) “sem ti, perpetuamente estou passando,” (4ª estrofe)
10 [ 201258 ].
A palavra “viralizar” é
a) um verbo impessoal de 1ª conjugação.
b) uma analogia para “espalhar “fake news”.
c) um sinônimo de “se dar ao contágio de uma doença”.
d) um neologismo formado por sufixação.
e) um estrangeirismo derivado da língua inglesa.
(Tutameia, 1979.)
11 [ 197338 ]. “Aí, o bom português, ainda meio enfigadado, mas no tom já feliz de
descoberta, e apontando para o outro, peremptório:
– O senhor também é hiputrélico...” (11º e 12º parágrafos)
Considerando o contexto, o termo sublinhado pode ser substituído, sem prejuízo para o
sentido do texto, por:
a) debochado.
b) contrariado.
c) distraído.
d) atrapalhado.
e) admirado.
Sei que estou contando errado, pelos altos. Desemendo. Mas não é por disfarçar, não
pense. De grave, na lei do comum, disse ao senhor quase tudo. Não crio receio. O senhor é
homem de pensar o dos outros como sendo o seu, não é criatura de pôr denúncia. E meus
feitos já revogaram, prescrição dita. Tenho meu respeito firmado. Agora, sou anta
empoçada, ninguém me caça. Da vida pouco me resta – só o deo-gratias; e o troco. Bobeia.
Na feira de São João Branco, um homem andava falando: – “A pátria não pode nada com a
velhice...” Discordo. A pátria é dos velhos, mais. Era um homem maluco, os dedos cheios de
anéis velhos sem valor, as pedras retiradas – ele dizia: aqueles todos anéis davam até
choque elétrico... Não. Eu estou contando assim, porque é o meu jeito de contar. Guerras e
batalhas? Isso é como jogo de baralho, verte, reverte. Os revoltosos depois passaram por
aqui, soldados de Prestes, vinham de Goiás, reclamavam posse de todos os animais de sela.
Sei que deram fogo, na barra do Urucuia, em São Romão, aonde aportou um vapor do
Governo, cheio de tropas da Bahia. Muitos anos adiante, um roceiro vai lavrar um pau,
encontra balas cravadas. O que vale, são outras coisas. A lembrança da vida da gente se
guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho
que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa
importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela
hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu
acho, assim é que eu conto. [...] Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente
do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.
1
Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno
complexo, 2transdisciplinar e 3multidimensional, vivenciado por meninas e mulheres devido
à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena
capacidade de cuidar da sua menstruação. 4É recorrente o total desconhecimento do
assunto ou, quando existe algum conhecimento, há a percepção de que este é um problema
distante da realidade brasileira. Imagina-se que a pobreza menstrual atinja apenas países
que, no senso comum, seriam muito pobres ou mais díspares em termos de desigualdade de
gênero que o Brasil. Já para o cenário brasileiro, com esforço, eventualmente lembramos da
situação de mulheres encarceradas, mas não se observa a situação de meninas brasileiras
que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade mesmo nas grandes metrópoles,
privadas de acesso a serviços de saneamento, recursos para a higiene e até mesmo do
conhecimento sobre o próprio corpo.
O desconhecimento sobre o cuidado da saúde menstrual pode afetar mesmo as
pessoas que não estão em situação de pobreza. Elas podem enfrentar a falta de produtos
para a adequada higiene menstrual por considerarmos o absorvente como um produto
supérfluo ou ainda porque, em geral, meninas de 10 a 19 anos não decidem sobre a
alocação do orçamento da família, sobrando pouca ou nenhuma renda para ser utilizada
para esse fim, i.e., a compra de produtos e insumos que ajudem a garantir a dignidade
menstrual.
5
Além disso, não falar sobre a menstruação já é um jeito de falar sobre ela. 6A
omissão demonstra preconceitos perpetuados no dia a dia. 7Não nomear a menstruação
usando no lugar eufemismos como “estar naqueles dias”, “estar de chico”, “regras”, significa
tornar invisível um fenômeno fisiológico e recorrente, além de alimentar mitos e tabus
8
extremamente danosos às mulheres, meninas e pessoas que menstruam de maneira geral.
São muitas imposições culturais a partir do momento que uma pessoa menstrua pela
primeira vez. Diz-se que ela “agora é mulher”, ordena-se que “feche as pernas” e se
comporte como “mocinha”, não reconhecendo que essas meninas ainda são crianças e não
deveriam ser expostas a crenças tão limitadoras e restritivas, expondo-as a tabus e
sentimentos de vergonha. Esse processo de 9envergonhamento pode restringir a
participação em atividades esportivas, bem como limitar as brincadeiras e a convivência com
seus amigos, atos simples e tão importantes para o desenvolvimento da criatividade,
coordenação motora, percepção espacial, socialização, entre outras competências
importantes.
10
É evidente que entraves para acessar direitos menstruais representam barreiras ao
completo desenvolvimento do potencial das pessoas que menstruam. Por isso, é
fundamental que se investigue mais profundamente o tamanho do impacto econômico na
vida delas, que pode gerar reflexos ao longo da vida adulta. Faz-se urgente entender, ainda,
a importância das perdas econômicas (ou não ganhos) implicadas, não só para elas como
para toda a sociedade. Além das questões econômicas, garantir a dignidade menstrual vai ao
encontro da garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, sendo também uma maneira de
assegurar o direito à autonomia corporal e à autodeterminação para as meninas, meninos
trans e pessoas não binárias que menstruam. A privação desses direitos como caracterizada
pela pobreza menstrual é, portanto, um problema multidimensional que exige uma
abordagem multidisciplinar visando solucionar os problemas decorrentes da não garantia
dos direitos humanos. Não é possível pensar em direitos menstruais sem considerar as
múltiplas realidades no Brasil. É preciso uma abordagem interseccional da questão,
considerando diversidades raciais e territoriais, entre outras, a fim de enfrentar o problema
e elaborar soluções adequadas. Não estamos tratando de categorias homogêneas e a
visibilidade da interação entre distintos marcadores evidencia uma profunda desigualdade
no acesso às condições mínimas para o cuidado menstrual.
Assim, esta publicação é motivada pelo contraste entre o impacto negativo gerado
pela pobreza menstrual, com reflexos tanto para o desenvolvimento e bem-estar das
meninas, mulheres e 11menstruantes de forma geral, principalmente as mais vulneráveis,
como para a sociedade, em comparação à escassez de dados que visam analisar o fenômeno
e de trabalhos científicos que analisam este problema, suas interações e consequências. O
contraste entre a precariedade menstrual e a escassez de dados se mostra ainda mais
preocupante se associado ao alarmante cenário brasileiro, que aponta para o fato de que
cerca de 13,6 milhões de habitantes (cerca de 6,5% da população) vivem em condições de
extrema pobreza, ou seja, sobrevivendo com menos de U$ 1,90 por dia (o equivalente a R$
151,00 por mês segundo cotação vigente em 2019) e cerca de 51,5 milhões de pessoas estão
abaixo da linha de pobreza (1 a cada 4 brasileiros vivendo com menos de R$ 436,00 ao mês).
12
A necessidade de enfrentamento da pobreza e redução das 13desigualdades incorpora
urgência ao tratamento do problema da pobreza menstrual e seu impacto nas futuras
gerações.
Além dos efeitos intergeracionais de não garantir o direito à dignidade menstrual das
meninas, há um impacto econômico imediato gerado pela falta de políticas públicas
adequadas, que respondam à pobreza menstrual agora, enquanto as meninas, meninos
trans e pessoas não binárias vivenciam sua adolescência, um momento decisivo para o seu
desenvolvimento. A negligência de necessidades menstruais resulta em problemas que
poderiam ser evitáveis, desde alergias/irritações até aqueles que podem resultar em óbitos,
como a síndrome do choque tóxico. O investimento adequado na saúde menstrual pode
prevenir tais problemas. Além disso, a falta de acesso aos direitos menstruais pode resultar
ainda em sofrimentos emocionais que dificultam o desenvolvimento do pleno potencial das
pessoas que menstruam.
Fomos ensinadas a agradar e a nos preocupar com a opinião alheia, a nos comportar
de determinada maneira, a nos vestir com roupas específicas, ter um tipo de cabelo e por aí
vai.
Quando não seguimos a cartilha, algumas pessoas se sentem no direito de fazer
1
comentários ou brincadeiras sobre nossas características físicas sem ninguém ter pedido
uma opinião. 2Ao longo dos anos, isso vai se internalizando em nós. Passamos a ver como
problema algo que nem era uma questão, dando poder a palavras destrutivas.
Bom, nós sabemos que mesmo racionalizando tudo isso, muitas vezes nos pegamos
inseguras por não apresentarmos 3um conjunto de traços que satisfaçam essas expectativas.
4
Por muito tempo, fomos ensinadas a agir dessa maneira. 5Quando não somos
magras o suficiente ou temos estrias, nos culpamos e seguimos em busca de melhorar a
todo custo. 6Entender essa dinâmica é o primeiro passo para construir uma mudança real e
significativa em nossas vidas.
7
Se antes os grandes culpados eram os ensaios fotográficos e as campanhas
publicitárias estampados nas revistas femininas, 8hoje somos bombardeadas por centenas
de imagens. Facebook, Instagram e Pinterest estão aí para mostrar padrões de beleza
corporal a todo o momento. Ou seja, o padrão de beleza imposto pela mídia agora também
é encontrado nas redes sociais. Uma das maiores problemáticas desse ambiente é que,
mesmo dando preferência para seguir pessoas conhecidas, ainda há uma tentativa
constante, por parte de todas nós, de mostrarmos uma existência maravilhosa.
São fotos e mais fotos de pessoas malhando loucamente, sem estrias ou sinais de
celulite. E pensamos: por que não eu? 9Esse momento pode ser o mais perigoso porque gera
muitas frustrações.
10
Está tudo bem você querer perder uns quilinhos ou seguir um estilo mais saudável,
desde que seja uma escolha sua e com acompanhamento médico. E esse é o X da questão.
Muitas vezes, queremos alcançar níveis surreais de magreza ou definição que não têm nada
a ver com a gente.
11
Começamos a perseguir uma vida que vemos em nosso feed, mas cujos bastidores
não conhecemos. 12Gastamos nosso salário em procedimentos estéticos, dietas e para quê?
13
Muitas vezes, apenas para chegar a alguma meta difícil de ser alcançada e que não
combina com o nosso estilo de vida e valores pessoais. [...]
Se o seu ritmo é acordar mais cedo, correr, voltar para a casa, comer uma tapioca e
se arrumar para o trabalho, ótimo. Se você não é fã de uma rotina regrada, gosta da sua
alimentação do jeito que ela é, tudo certo também. E se um dia você acordar e quiser mudar
tudo, não tem nenhum problema!
14
Sabemos que estamos falando de um assunto delicado. No entanto, insistimos:
escolha cuidar de você, da sua saúde mental e da sua qualidade de vida em primeiro lugar. E
vamos nos apoiar nesta caminhada, dando um passo por vez, cada uma no seu ritmo. Vamos
juntas, no agora ou no futuro, dizer: 15amo meu corpo do jeitinho que ele é.
Resposta da questão 1:
[A]
Embora a abreviação faça parte do contexto da formação das palavras, trata-se de uma
forma reduzida da palavra até o limite em que não haja prejuízo ao entendimento, como
acontece em moto, pneu ou cine, por exemplo, e não como em SUS. Neste caso trata-se de
uma sigla, já que apresenta três letras iniciais de palavras com significado independente. No
entanto, por descarte das outras opções apresentadas, assinale-se [A] como correta.
Resposta da questão 2:
[E]
É correta a opção [E], pois a palavra “seguinte” (seguir+-nte) deriva do verbo latino sequere e
“sequência” (ação ou efeito de seguir, seguimento), do lat. sequentia/ae, ou seja, ambas
apresentam o mesmo radical: seque.
Resposta da questão 3:
[D]
O prefixo “in-“ encontrado na palavra "incompetência" com sentido negativo, não faz parte
das palavras “interior”, “intitulado”, “inserção” e “interessa”, das opções [A], [B], [C] e [E],
encontrando-se apenas nas palavras “independência" (ref. 7) e "incrível" (ref. 10)
mencionadas na opção [D].
Resposta da questão 4:
[B]
Resposta da questão 6:
[A]
É correta a opção [A], pois, na frase “O como não importa”, o vocábulo “como”, que exerce,
normalmente, função morfológica de advérbio ou conjunção , é usado como substantivo por
estar antecedido pelo artigo definido “o”.
Resposta da questão 7:
[C]
Resposta da questão 8:
[D]
Em [A], o prefixo "contra-" tem sentido de oposição, em [B], "inter-" apresenta noção de
ação recíproca, em [C], "meta-", de algo que transcende, em [E], "trans-", de além de.
Apenas em [D], o prefixo "a-" adquire significado de negação como "in-" que compõe a
palavra “indefinível”.
Resposta da questão 9:
[B]
Trata-se de um neologismo formado por sufixação pelo acréscimo do sufixo -izar ao adjetivo
viral, por sua vez derivado do substantivo vírus o que, por semelhança à sua alta
transmissibilidade, empresta noção semântica de grande republicação nas redes sociais ao
termo “viralizar”. Assim, é correta a opção [D].
É correta a opção [B], pois o termo ”enfigadado” resulta do radical fígado, órgão que, desde
a medicina antiga, está relacionado às emoções e cujas doenças podem desencadear mau
humor, distúrbios de personalidade e comportamento rude ou agressividade.
É correta a opção [B], pois o termo “vivimento” resulta de derivação sufixal do adjetivo vivo,
como “velhice”, do adjetivo velho.
A palavra “transdisciplinar” tem como prefixo “trans”, que traz a ideia de cruzamento.
Assim, algo transdisciplinar seria algo que cruzasse diferentes disciplinas, ou, como visto em
[C], um “diálogo entre diversos campos de saber”. A palavra “multidimensional”, ao
apresentar o prefixo “multi”, indica uma multiplicidade de dimensões, podendo, portanto,
significar “pluralidade”.
Verbo
1 [ 206239 ]. São exemplos de verbos irregulares, exceto:
a) Restrinjo a passagem de alunos por aqui a partir de hoje.
b) Quando tinha três anos, já media um metro.
c) Todos os anos, ela me dava um presente
d) Minha mãe faz bolos deliciosos.
e) Nós pedimos uma pizza.
5 [ 197171 ]. Assinale a frase em que ocorre uma forma verbal inadequada a contextos
formais, especialmente na escrita.
a) Se os empresários da rede hoteleira quiserem, alguns parlamentares estarão dispostos a
interpor recursos contra o projeto de regulação ambiental em áreas costeiras.
b) Ainda que fosse muito tarde para iniciar a obra, se houvesse vontade política em melhorar
a qualidade da água na baía norte, ainda haveria recursos para esse empreendimento.
c) Os servidores da prefeitura municipal de Curitiba só aprovam o acordo se o prefeito
retirar a proposta de reforma administrativa, suspender os vetos à lei de implantação da
carreira e repor as perdas salariais de 2018.
d) Quando ele reteve uma parcela do q ue nos devia, o judiciário interveio imediatamente.
6 [ 203095 ].
No segundo quadrinho, ao se substituir a conjunção "quando" pela conjunção "se", o texto
do balão assumiria a seguinte forma:
a) Se eu tiver vinte e um anos, a vida se abriria para mim! Eu seria um homem! Uma pessoa
real! Eu seria um indivíduo!
b) Se eu tivesse vinte e um anos, a vida se abrirá para mim! Eu vou ser um homem! Uma
pessoa real! Eu vou ser um indivíduo!
c) Se eu vou ter vinte e um anos, a vida se abriria para mim! Eu seria um homem! Uma
pessoa real! Eu seria um indivíduo!
d) Se eu tivesse vinte e um anos, a vida se abriria para mim! Eu seria um homem! Uma
pessoa real! Eu seria um indivíduo!
e) Se eu tivesse vinte e um anos, a vida se abrirá para mim! Eu serei um homem! Uma
pessoa real! Eu serei um indivíduo!
Agora que o rover Perseverance está seguro e saudável na superfície de Marte, vários
grupos de trabalho espalhados pelo mundo podem respirar aliviados e pensar nos passos
futuros do programa de exploração marciana -que vai agora focar seus esforços no cobiçado
retorno de amostras de volta à Terra. A missão atual é um primeiro passo crucial. Afinal,
cabe ao Percy, como foi apelidado o jipe, fazer o escrutínio e a escolha das rochas
(comandado por cientistas na Terra, claro) que serão acondicionadas por ele em pequenos
tubos lacrados e ultrarresistentes e depois deixadas, juntas, em algum canto da superfície de
Marte. Ele terá vários anos para fazer isso durante a exploração da cratera Jezero, um dos
locais mais promissores para a busca de evidências de vida pregressa marciana.
Mas e aí, o que vem depois? Nasa e ESA, respectivamente agências espaciais
americana e europeia, já trabalham conjuntamente nos próximos passos, que envolvem pelo
menos mais dois, e possivelmente três, lançamentos diferentes afim de trazer de volta o
cobiçado material. Ainda faltam definições, mas trabalhos 20 preliminares sugerem a
seguinte sequência.
Em 2026, parte um módulo de pouso com um pequeno foguete, de menos de três
metros, instalado a bordo. Projetada e construída pela Nasa, a nave pousaria próximo ao
local onde desceu o Perseverance. E aí, talvez partindo do próprio módulo, talvez enviado
num lançamento à parte, 1um pequeno rover produzido pela ESA encontraria as amostras e
as instalaria no interior do foguete. 2Em paralelo, em 2026 ou 2027, um orbitador com
propulsão elétrica, outra contribuição da ESA, partiria da Terra e se instalaria em órbita ao
redor de Marte. Em meados de 2029, 3o foguete seria disparado (o primeiro lançamento
feito de outro planeta!), colocando a cápsula com as amostras em órbita marciana. Lá ela se
acoplaria ao orbitador europeu, que por sua vez traria o conteúdo de volta à Terra, em 2031.
4
A empreitada toda custaria cerca de US$ 5 bilhões, sem contar os US$ 2,7 bilhões
empenhados na missão do Perseverance. 5A recompensa, contudo, teria valor
incomensurável. 6Cientistas já tiveram a chance de analisar algumas amostras de Marte -
meteoritos provenientes do planeta vermelho -, mas nunca com a chance de escolher quais
rochas, conhecendo o contexto geológico de onde elas partiram. E 7amostras trazidas de
volta continuam a render novos resultados por décadas, conforme equipamentos mais
sofisticados surgem para estudá-las. Não à toa, as amostras trazidas pelo programa Apollo,
que levou humanos à Lua entre 1969 e 1972, continuam sendo estudadas até hoje. Ademais,
é fundamental demonstrar a capacidade de trazer uma pequena carga de Marte antes que
se ambicione trazer uma grande carga - como humanos - em uma futura missão tripulada.
7 [ 203091 ]. Ao relatar o que se almeja em Marte a partir de 2026, nota-se que o tempo
verbal utilizado (ref. 2) para exprimir valor condicional é o
a) presente do indicativo.
b) futuro do pretérito do indicativo.
c) futuro do presente do indicativo.
d) futuro do subjuntivo.
e) pretérito imperfeito do subjuntivo.
O Dr. França, Juiz de Direito numa cidadezinha sertaneja, andava em meio século,
tinha gravidade imensa, verbo escasso, bigodes, colarinhos, sapatos e ideias de pontas muito
finas. Vestia-se ordinariamente de preto, exigia que todos na justiça procedessem da mesma
forma – e chegou a mandar retirar-se do Tribunal um jurado inconveniente, de roupa clara,
ordenar-lhe que voltasse razoável e fúnebre, para não prejudicar a decência do veredicto.
Não via, não sorria. Quando parava numa esquina, as cavaqueiras dos vadios
gelavam. Ao afastar-se, mexia as pernas matematicamente, os passos mediam setenta
centímetros, exatos, apesar de barrocas1 e degraus. A espinha não se curvava, embora
descesse ladeiras, as mãos e os braços executavam os movimentos indispensáveis, as duas
rugas horizontais da testa não se aprofundavam nem se desfaziam.
Na sua biblioteca digna e sábia, volumes bojudos, tratados majestosos, severos na
encadernação negra semelhante à do proprietário, empertigavam-se – e nenhum ousava
deitar-se, inclinar-se, quebrar o alinhamento rigoroso.
Dr. França levantava-se às sete horas e recolhia-se à meia-noite, fizesse frio ou calor,
almoçava ao meio-dia e jantava às cinco, ouvia missa aos domingos, comungava de seis em
seis meses, pagava o aluguel da casa no dia 30 ou no dia 31, entendia-se com a mulher,
parcimonioso, na linguagem usada nas sentenças, linguagem arrevesada e arcaica das
ordenações. Nunca julgou oportuno modificar esses hábitos salutares.
Não amou nem odiou. Contudo exaltou a virtude, emanação das existências calmas,
e condenou o crime, infeliz consequência da paixão.
Se atentássemos nas palavras emitidas por via oral, poderíamos afirmar que o Dr.
França não pensava. Vistos os autos, etc., perceberíamos entretanto que ele pensava com
alguma frequência. Apenas o pensamento de Dr. França não seguia a marcha dos
pensamentos comuns. Operava, se não nos enganamos, deste modo: “considerando isto,
considerando isso, considerando aquilo, considerando ainda mais isto, considerando porém
aquilo, concluo.” Tudo se formulava em obediência às regras – e era impossível qualquer
desvio.
Dr. França possuía um espírito, sem dúvida, espírito redigido com circunlóquios,
dividido em capítulos, títulos, artigos e parágrafos. E o que se distanciava desses parágrafos,
artigos, títulos e capítulos não o comovia, porque Dr. França está livre dos tormentos da
imaginação.
1
barroca: monte de terra ou de barro.
10 [ 204778 ]. Ao se transpor o trecho “Foi até ele e propôs: ‘Sou o homem mais poderoso
do mundo, peça-me o que desejar e lhe atenderei.’” para o discurso indireto, os termos
sublinhados assumem as formas:
a) pedisse e atenderia.
b) pedia e atendia.
c) pediria e atenderia.
d) pedisse e atendesse.
e) pediria e atendesse.
1
Há vários anos, a sociedade moderna tem sido rotulada como a sociedade do
consumo. A grande questão, na verdade, é que 2temos assistido à consolidação de uma
sociedade consumista. E esse é o grande problema.
3
Em uma sociedade de consumo, 4as pessoas adquirem produtos e serviços
necessários para sua vida. Consumismo, ao contrário, é o ato de comprar produtos e
serviços sem necessidade e consciência. É compulsivo e descontrolado. 5Não basta se vestir,
é preciso acompanhar todas as tendências da moda. Não é suficiente o conforto
proporcionado por alguns produtos tecnológicos, é necessário possuir os últimos
lançamentos. Numa sociedade consumista, o consumidor é permanentemente incentivado a
adquirir novos produtos.
6
E essa onda consumista traz graves consequências para a nossa sociedade. No plano
individual, 7um 8grande número de pessoas se encontra em uma situação de endividamento
extremo estimulado pelo desejo de consumo. (...).
9
Já no plano coletivo, é o nosso planeta que sofre com o consumismo. 10O meio
ambiente é diretamente afetado, pois o consumo desenfreado e o desperdício, muitas vezes
causado pela falta de conhecimento, requerem o uso de mais matérias-primas, e,
consequentemente, também geram grande quantidade de resíduos. 11Por causa disso, os
ambientalistas acreditam que 12o nosso planeta está gravemente doente, 13e 14alguns dos
sintomas já são sentidos e estão piorando as condições de vida na Terra, como, por exemplo,
o aquecimento global. (...)
Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura
que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem
sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois
me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a
moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março,
que levam tudo.
Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria
perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no
coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse
uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.
E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais
mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como
um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de
divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no seu duodeno), teria o
mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos
pendurados no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua
orelha malformada; mas a má formação interna é marca de originalidade, que se descreve
aos outros com evidente orgulho.
Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a
notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um
sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.
Parece que o principal impedimento é o estético. Pois se todos gostam de se
distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de
que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma
glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos
pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima
nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitira mesmo que os circunstantes curiosos
lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença
nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela
gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade
de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na
obrigação de desviar a vista e mudar de assunto.
Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já
não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela
tivesse um pé infantil, ou seios senis. será que os declararia com a mesma complacência?
Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob
pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal
reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se
dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem
doidice pegam.
Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto
que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça
feio.
Fonte: O melhor da crônica brasileira,1/ Ferreira Guillar... [et al.]. 5a ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2007.
Vocabulário:
épater: impressionar
Ferreira, I. "Árvores do planeta serão menos longevas: fenômeno impacta estoques naturais
de CO2". Jornal da USP (Ciências ambientais). 15/12/2020. Disponível em:
https://bit.ly/3scu3WY/. Adaptado.
Fragmento. BRUM, Eliane. O menino do alto. In: ______. A vida que ninguém vê. Porto
Alegre: Arquipélago 2006. p. 72 e 73.
1
azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfície dos
objetos de cobre ou latão, resultante da corrosão destes quando expostos ao ar úmido).
1
A camada de gelo que cobre a Terra diminuiu, em média, 87 mil quilômetros quadrados
(km2) por ano, de 1979 a 2016, possivelmente em decorrência das mudanças climáticas. A
redução anual foi equivalente à da área do lago Superior, na fronteira entre o Canadá e os
Estados Unidos. 2A estimativa resulta de análises da equipe do físico e geógrafo Xiaoqing
Peng, da Universidade de Lanzhou, na China. O encolhimento ocorreu principalmente no
Hemisfério Norte. A cobertura de gelo na região registrou uma perda anual média de 102 mil
km2. 3Essa diminuição foi ligeiramente compensada pelo aumento de 14 mil km2 por ano na
camada de gelo do Hemisfério Sul no mesmo período (Earth’s Future, 16 de maio). Essa
expansão se deu principalmente no gelo marinho no mar de Ross, ao redor da Antártica,
devido a alterações no padrão de vento e correntes oceânicas. 4A cobertura de gelo da Terra
é importante porque reflete a luz do Sol, ajudando a resfriar o planeta.
REVISTA PESQUISA FAPESP - AGOSTO DE 2021 | ANO 22, N. 306. Captado de
https://revistapesquisa.fapesp.br/a-cobertura-de-gelo-da-terra-esta-encolhendo. Acesso em
16 de agosto de 2021. (Texto adaptado.)
17 [ 205594 ]. Atente para a relação dos termos em destaque, nos trechos a seguir, com a
classificação apresentada:
I. “A camada de gelo que cobre a Terra diminuiu, em média, 87 mil quilômetros quadrados
(km2) por ano de 1979 a 2016” (ref. 1) – VERBO TRANSITIVO INDIRETO
II. “A estimativa resulta de análises da equipe do físico e geógrafo Xiaoqing Peng” (ref. 2) –
VERBO INTRANSITIVO
III. “Essa diminuição foi ligeiramente compensada pelo aumento de 14 mil km2 por ano na
camada de gelo do Hemisfério Sul no mesmo período” (ref. 3) – VERBO DE LIGAÇÃO
IV. “A cobertura de gelo da Terra é importante porque reflete a luz do Sol” (ref. 4) – VERBO
DE LIGAÇÃO
(Bagagem, 2011.)
Sabendo que o verbo “cuidar”, no sentido em que aparece no texto, é transitivo indireto, é
CORRETO afirmar que, na oração 2, o verbo utilizado
a) também é transitivo indireto, levando em conta que uma parte da Oração 2 está oculta.
b) é intransitivo, ou seja, não necessita de complemento verbal.
c) é transitivo direto, já que não exige preposição.
d) é, ao mesmo tempo, transitivo direto e indireto, pois aceita qualquer tipo de
complemento verbal.
e) pode variar a transitividade dependendo da oração apresentada no 3º quadrinho.
1
lapidar: apedrejar.
2
raconto: relato, narrativa.
3
irrisão: zombaria.
Resposta da questão 1:
[A]
[A] Correta: apesar de existir uma alternância entre “g” e “j” no verbo “restringir”, é uma
alternância fonética e, portanto, não representa irregularidade.
[B] Incorreta: o verbo “medir” apresenta irregularidades, entre elas, a forma da primeira
pessoa do singular do presente do indicativo “meço”.
[C] Incorreta: o verbo “dar” apresenta irregularidades, entre elas, toda a conjugação no
pretérito mais-que-perfeito do indicativo.
[D] Incorreta: o verbo “fazer” apresenta irregularidades, entre elas, toda a conjugação no
pretérito perfeito do indicativo.
[E] Incorreta: o verbo “pedir” apresenta algumas irregularidades, entre elas, a forma da
primeira pessoa do singular no presente do indicativo “peço”.
Resposta da questão 2:
[B]
Resposta da questão 3:
[A]
Em [B], vemos o uso inadequado do pronome pessoal do caso reto “eles”, devendo ser
substituído pelo oblíquo correspondente “os” para ficar de acordo com as normas da língua
escrita padrão. Assim, teríamos a forma “prendê-los”.
Em [C], vemos o uso de gírias, típicas da linguagem coloquial, como “tipo”.
Em [D], a conjugação dos verbos cujo sujeito é “tu” não está obedecendo às regras de
concordância. Assim, teríamos que substituí-los por “sabes” e “gostas”.
Resposta da questão 4:
[C]
[A] Incorreta: o correto seria “O sertanejo previu a seca e proveu a casa de mantimentos”.
[B] Incorreta: o correto seria “Todos os citados requereram os pedidos e ativeram-se aos
detalhes”.
[D] Incorreta: o correto seria “Crede em Deus e apiedai-vos dos irmãos”.
[E] Incorreta: o verbo “precaver” não apresenta conjugação no presente do indicativo para a
primeira pessoa. Assim, a forma “precavenho” está incorreta.
Resposta da questão 5:
[C]
Em [C], vemos uma série de verbos no futuro do subjuntivo (retirar, suspender e repor), mas,
o verbo “repor” representa uma forma inadequada ao contexto formal, já que o futuro do
subjuntivo desse verbo é irregular: “repuser”.
Resposta da questão 6:
[D]
Ao usar a conjunção condicional “se” para iniciar uma oração subordinada adverbial em
que se expressa uma hipótese ou condição necessária para que se realize ou não a ação
principal, o verbo deve estar no pretérito imperfeito do subjuntivo e os das orações do
período, no futuro do pretérito do indicativo. Assim, é correta a opção [D]: “Se eu tivesse
vinte e um anos, a vida se abriria para mim! Eu seria um homem! Uma pessoa real! Eu seria
um indivíduo!”.
Resposta da questão 7:
[B]
No segmento “Em paralelo, em 2026 ou 2027, um orbitador com propulsão elétrica, outra
contribuição da ESA, partiria da Terra e se instalaria em órbita ao redor de Marte...” o tempo
verbal utilizado (ref. 2) para exprimir valor condicional é o futuro do pretérito do indicativo,
como transcrito em [B].
Resposta da questão 8:
[C]
Nas alternativas [A], [B], [D] e [E], vemos os verbos flexionados nos pretéritos (imperfeito em
[A], [B] e [D] e perfeito em [E]), indicando acontecimentos passados. Em [C], com o uso do
futuro do pretérito, vemos um sentido hipotético: algo que poderia vir a acontecer no
futuro, caso uma condição se realizasse no passado.
Resposta da questão 9:
[C]
[A] Incorreta: o pretérito imperfeito da forma “ensaiava”, na verdade, denota uma ação que
se prolonga no passado e não algo concluído e pontual, como o pretérito perfeito.
[B] Incorreta: “frisa” está no presente do modo indicativo e, assim, é empregado para
reforçar a certeza sobre algo que foi afirmado.
[D] Incorreta: “ignora” está no presente do modo indicativo e, assim, reforça o aspecto
presente e atual da ação verbal.
[E] Incorreta: “ilustrará” está no futuro do presente, marcando, portanto, o futuro.
Na transposição do trecho “Sou o homem mais poderoso do mundo, peça-me o que desejar
e lhe atenderei.’” para o discurso indireto, a frase teria a seguinte configuração: ele disse
que era o homem mais poderoso do mundo, mandou que lhe pedisse o que desejasse que ele
o atenderia. Assim, os verbos sublinhados, no imperativo afirmativo e futuro do presente do
indicativo do discurso direto seriam substituídos pelo imperfeito do subjuntivo e futuro do
pretérito do indicativo, respectivamente, conforme transcrito em [A].
Na alternativa [D], os dois verbos se referem aos sintomas: os sintomas são sentidos e os
sintomas estão piorando. Assim, a transposição precisa respeitar isso, o que não ocorre: em
“já se sente alguns dos sintomas e estão piorando as condições de vida na Terra”, os verbos
passam a se referir a termos distintos. Além disso, existe um problema de concordância, já
que o verbo “sente” deveria estar no plural, por se referir a “sintomas”.
Apenas em [D], a palavra “se”, que consta em todas as demais alternativas, não é pronome
apassivador, presente nas orações em voz passiva sintética. No segmento “como se ter
coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática”, o termo “se” é partícula expletiva ou
de realce, já que não exerce função sintática e pode ser retirado da frase sem prejuízo
semântico.
A voz passiva sintética é composta apenas pelo verbo, pronome apassivador “se” e sujeito
paciente com o verbo concordando com ele. Assim, a oração “um fisioterapeuta movimente
os pés, as mãos, dia após dia” teria a seguinte configuração: “Se movimentem os pés, as
mãos, dia após dia”, como transcrito em [B].
O vocábulo “ma” expressa tanto o objeto direto quanto indireto, já que é resultado da fusão
do pronome “a” (que assume a função de objeto direto, referindo-se a “mala”) com o
pronome “me” (que assume a função de objeto indireto, referindo-se ao próprio falante). O
verbo “trazer”, portanto, pede objeto direto e indireto (quem traz, traz algo a alguém).
[I] Incorreta: um verbo transitivo indireto é aquele que necessita de objeto indireto, isto é,
complemento introduzido por preposição. O verbo “diminuir” não necessita de nenhum
objeto indireto, ele apresenta somente objeto direto: “87 mil quilômetros quadrados”.
Dessa forma, ele atua como transitivo direto no enunciado apresentado.
[II] Incorreta: um verso intransitivo é aquele que não apresenta complemento, o que não é o
caso do verbo “resulta”, já que algo resulta DE ALGO. Dessa forma, o verbo deveria ser
classificado como transitivo indireto, com o objeto indireto “de análises da equipe do físico e
geógrafo Xiaoqing Peng”.
Apenas em [E], a frase apresenta verbo transitivo direto. Em [A], [B], [C] e [D], o verbo é
intransitivo, intransitivo, de ligação e de ligação, respectivamente.
1 [ 202903 ]. No trecho “Nos Estados Unidos e no Reino Unido, para citar dois exemplos,
entre 65% e 70% da população apresentam um peso maior do que o recomendado para o
bem da saúde.”, o verbo em destaque concorda com
a) o percentual 65% e 70%.
b) o sujeito composto Estados Unidos e Reino Unido.
c) o adjunto adnominal da população.
d) o substantivo próprio plural Estados Unidos.
e) o aposto constituído pela expressão plural dois exemplos.
SCHEFFER, M.C.; CASSENOTE, A.J.F. Revista Bioética, v. 21, n. 2, 2013. Disponível em:
<https://revistabioetica.cfm.org.br>. Acesso em: 13 ago. 2021. Adaptado.
Muita gente que ouve a expressão “políticas linguísticas” pela primeira vez pensa em
1
algo solene, formal, oficial, em leis e portarias, em autoridades oficiais, e pode ficar se
perguntando o que seriam leis sobre línguas. De fato, há leis sobre línguas, mas as 2políticas
linguísticas também podem ser menos 3formais – e nem passar por leis propriamente ditas.
Em quase todos os casos, figuram no cotidiano, 4pois envolvem não só a gestão da
linguagem, mas também as práticas de linguagem, e as crenças e valores que circulam a
respeito 5delas. Tome, por exemplo, a situação do 6cidadão das classes confortáveis
brasileiras, que quer que a escola ensine a norma culta da língua portuguesa. 7Ele folga em
saber que se vai exigir isso dos candidatos às vagas para o ensino superior, mas nem sempre
observa ou exige o mesmo padrão culto, por exemplo, na ata de condomínio, que ele aprova
como está, 8desapegada da ortografia e das regras de concordância verbais e nominais
9
preconizadas pela gramática normativa. Ele acha ótimo que a escola dos filhos faça
10
baterias de exercícios para fixar as normas ortográficas, mas pouco se incomoda com os
problemas de redação nos enunciados das tarefas dirigidas às crianças ou nos textos de
comunicação da escola dirigidos à comunidade escolar. Essas são políticas linguísticas.
11
Afinal, onde há gente, há grupos de pessoas que falam línguas. Em cada um desses grupos,
há decisões, 12tácitas ou explícitas, sobre como proceder, sobre o que é aceitável ou não, e
por aí afora. Vamos chamar essas escolhas – 13assim como 14as discussões que levam até
15
elas e as ações que delas resultam – de políticas. Esses grupos, pequenos ou grandes, de
pessoas tratam com outros grupos, que por sua vez usam línguas e têm as suas políticas
internas. Vivendo imersos em linguagem e tendo constantemente que lidar com outros
indivíduos e outros grupos mediante o uso da linguagem, não surpreende que os recursos de
linguagem lá pelas tantas se tornem, eles próprios, tema de política e objetos de políticas
explícitas. Como 16esses recursos podem ou devem se apresentar? Que funções eles podem
ou devem ter? Quem pode ou deve ter acesso a 17eles? Muito do que fazemos, 18portanto,
diz respeito às políticas linguísticas.
7 [ 171483 ]. Se a palavra desafio (referência 15) fosse flexionada no plural, quantas mais
alterações seriam necessárias na frase para manter a correção sintática?
a) Uma.
b) Duas.
c) Três.
d) Quatro.
1. O empresário desistiu da compra depois de ter sido informado de que naquele terreno já
__________ várias invasões.
2. Com o forte vento da noite passada, __________ algumas frutas maduras.
3. Não __________ projetos prontos, apenas esboços mal acabados de desejos sem
planejamento.
4. Em geral, __________ muitos problemas com um simples sorriso.
5. Na passeata dos trabalhadores, __________ protestos contra a corrupção.
6. É necessário um esforço de todos para que sempre se __________ continuamente as
melhorias, acima de tudo pensando no desenvolvimento sustentável.
9 [ 204378 ]. Assinale a frase que está escrita em conformidade com as normas da língua
portuguesa padrão.
a) “Independentemente do rótulo a mim atribuído, permaneço à disposição do meu país e
da medicina, entendendo que não há nada mais libertador do que a ética, a justiça e a
verdade.”
b) “Como pode o cara tem menos de 1% do capital que tem no exterior e esse valor que está
em paraíso fiscal é inferior ao valor que ele importa na semana e ainda tem gente que
considera isso crime.”
c) “Aí lá vem de novo o senhor do Tempo, aquele que é senhor da razão, sempre com a
filhinha, a dona Verdade, dar na boca dos animais que não enxergaram isso a dois anos,
isto é, o que os médicos brasileiros vêm fazendo.”
d) “Aqui no Brasil, essa raça de cachorro não pode voar, pois eles tem problemas
respiratórios que em altitude pode gerar complicações.”
Caros cidadãos:
Amanhã um grupo __________ (passar) nas ruas deste bairro arrecadando roupas para as
vítimas da última tempestade. A maioria das peças __________ (dever) ser para adultos;
apenas 10% das roupas __________ (ir) para crianças de 2 a 7 anos. _________ (Haver)
muitos pedidos de cobertores, por isso podem doar esse item também.
A Associação de Bairro agradece a todos!
a) passará - deverá - irão - Houve
b) passará - deverão - irá - Houve
c) passarão - deverão - irá - Houveram
d) passarão - deverá - irão - Houveram
11 [ 206235 ]. Observe:
“O bom escritor sabe que elementos como a coerência e a coesão são indispensáveis para a
inteligibilidade dos textos escritos, bem como o respeito às normas gramaticais.”
Se o termo escritor fosse colocado no plural, quantas outras alterações seriam necessárias
para manter a correção da frase?
a) Duas.
b) Três.
c) Quatro.
d) Uma.
e) Cinco.
Renato Rozental
Lamentar a morte de mais de meio milhão de brasileiros por covid-19 é pouco. Esta é uma
discussão de resposta muito clara, quase óbvia. 1Se tivéssemos capacidade interna,
poderíamos ter suprido parte das necessidades do mercado e reduzido o impacto da
pandemia no sistema de saúde em tempo hábil. O quadro de calamidade é resultado de
décadas de políticas de incentivo 2___ mera reprodução em vez de estímulo 3___
capacitação profissional e ao domínio do processo produtivo.
Começar reproduzindo (‘copiando’) não é um problema. 4Basta lembrar 5da história
do nylon, fibra têxtil sintética patenteada pela empresa norte-americana DuPont em 1935 e
6
usada para provocar a indústria japonesa e fazê-la exportar menos seda. A resposta
japonesa foi 7contundente e imediata: ‘copiar’ o processo de manufatura e produzir nylon 6
meses após a desfeita. Atualmente, a China domina o mercado mundial de nylon, seguida
por 8Estados Unidos, Japão e Tigres Asiáticos. 9Os chineses perceberam que, na era
tecnológica, “o caminho mais curto para crescer é apostar em três frentes: inovação,
inovação e inovação”.
10
Nesse contexto, 11pergunto: qual é o perfil da nossa indústria farmacêutica?
12
Produzimos genéricos… até hoje. 13Mas a política 14de ‘genéricos’ tem como fragilidade o
fato de incluir apenas medicamentos cujas patentes já tenham expirado. 15O problema do
conhecimento tecnológico insuficiente e a dificuldade do nosso país em evoluir de ‘copiar’
para ‘inovar’ precisa ser tratado com prioridade e sem demagogia para romper o ciclo
vicioso da dependência tecnológica e trazer um diferencial competitivo.
O projeto de cranioplastia, reparo craniano extenso, pode ilustrar tanto a inovação
estimulada pela demanda como os entraves burocráticos ao desenvolvimento do produto.
Pelo lado clínico, 16___ cirurgias de reconstrução do crânio após remoção da calota craniana
envolvem um alto custo, incluindo a malha de titânio e porcelanato usada atualmente,
totalizando um gasto entre R$ 120 mil e R$ 200 mil por paciente, o que torna sua realização
no Sistema Único de Saúde (SUS) economicamente inviável. 17A cranioplastia faz-se
necessária não somente por razões estéticas – o que, por si só, já justificaria o procedimento
–, mas também para assegurar que o cérebro do paciente fique mais protegido e com
melhor irrigação sanguínea, resultando em melhoras cognitivas e comportamentais e
facilitando 18___ reintrodução do indivíduo na sociedade. 19No momento, infelizmente, a
implantação de próteses cranianas é realizada pelo SUS somente mediante doação ou após
sentença judicial, considerando que o paciente corre risco de vida.
Nossa equipe desenvolveu uma solução utilizando uma prótese de
polimetilmetacrilato (PMMA) confeccionada durante o período da cirurgia, com resultados
semelhantes 20e até superiores aos das próteses de titânio e porcelanato disponíveis, mas
com custo cerca de 20 vezes menor que o praticado no mercado, tornando o tratamento,
em teoria, viável e acessível à rede SUS. Estamos confiantes nos resultados das próteses
feitas de PMMA, na análise dos custos e na adequabilidade do produto para o mercado.
A ciência translacional não é algo que possa se embutir no sistema por decreto.
21
Grandes organizações, públicas e privadas, estão amarradas nas suas próprias burocracias,
o que dificulta o processo criativo e de inovação. No contexto da inovação em saúde,
precisamos inserir formas de gestão flexíveis, ágeis, que envolvam tomadas de decisão
descentralizadas, permitindo a responsabilização de todos os atores envolvidos, de modo a
ampliar os espaços de criatividade e de ousadia na busca e na implementação de soluções.
22
O que não dá para aceitar é continuar 23___ andar com o ‘freio de mão puxado’ e na
contramão do desenvolvimento sustentável.
24
Por fim, a dicotomia entre público e privado já deveria ter sido ultrapassada. A
saúde é direito de todos e dever do Estado. 25Quem trabalha com inovação quer ver o
produto funcionando no mercado global. 26Certa vez, em 1995, tive a oportunidade de ouvir
de Eric Kandel (Universidade Columbia), Rodolfo Llinás (Universidade de Nova York) e
Torsten Wiesel (Universidade Rockfeller) uma previsão sobre o cenário de concessões nos
Institutos Nacionais da Saúde (NIH) em 2015-2020: “quem não desenvolvesse uma ‘pílula’
para a sociedade como resultado do seu projeto de pesquisa estaria fora do pool”. Tal visão
está se tornando uma realidade global. 27Pessoalmente, acredito que um dos compromissos
mais preciosos que temos com a nossa população é o de proporcionar hoje, e não amanhã,
uma solução para que todos possam ser atendidos a tempo e desfrutem de boa qualidade
de vida.
Fomos alfabetizados para poder ler tudo o que quisermos. Descobrir o que os outros
pensam ou pensaram, saber o que já aconteceu e o que pode vir a acontecer. Entender
melhor o mundo em que vivemos e imaginar como poderia ser melhor do que é. Um
universo sem fim espera por nós nos livros. Basta abri-los e deixar-nos levar pelas palavras,
que se encadeiam nas folhas finas. [...]
Os miseráveis, do romancista francês Victor Hugo, foi publicado, pela primeira vez, na
França, em 1862. Transformou-se logo em grande sucesso. Foi traduzido para diversas
línguas. Percorreu o mundo. É uma história com forte cunho social, mas o enredo, em que
um ex-prisioneiro é perseguido sem tréguas por um inspetor fanático, tem fortes elementos
de trama policial.
Jean Valjean, o herói, foi condenado a trabalho forçado por roubar um pão para a
família faminta. Cumpriu pena. Mesmo assim, para fugir de seu perseguidor e se reabilitar,
precisou trocar de identidade. Sob disfarce, tornou-se um grande empresário. Promoveu o
desenvolvimento da cidade, ajudou a todos que precisavam dele.
Mas Javert, o policial, não desistia de lhe seguir os rastros. Vivia no encalço de Jean
Valjean. Criava espertas armadilhas para que a verdadeira identidade do ex-condenado fosse
revelada. [...] A sucessão dos acontecimentos e as difíceis circunstâncias vividas pelas
personagens levantam questões sobre lei, justiça e solidariedade.
Acima de tudo, Os miseráveis mostra como uma pessoa pode se transformar graças à
ação de outra. No caso, a mudança ocorre quando um homem injustiçado recebe de alguém
compreensão e generosidade. História de fugas, trapaças e armadilhas, esta também é uma
história de amor entre jovens. Aqui são relatados interesses e atitudes muito mesquinhos,
mas também grandes gestos de desprendimento e bondade.
1
A pandemia, o isolamento e o medo põem questões que vão mais além das relativas
a como levar uma vida “normal”, por produzirem indagações sobre o próprio sentido da
vida.
2
Em situações normais, as pessoas estão preocupadas com as atividades profissionais
e domésticas, tal 3como acontecem no dia a dia. 4Preocupações básicas são as que regem
este tipo de condição: 5a renda, a escola das crianças, a sociabilidade profissional e a
familiar, o amor, a amizade, o ir às compras. 6Já em situações como esta que estamos
vivendo, as preocupações são de outra ordem: 7a doença, o medo da morte, a possível falta
de mantimentos, a manutenção do emprego, a redução da renda, o isolamento, a pergunta
pelo amanhã.
Uma analogia possível é com a condição de 8guerra. 9Nesta, a saída abrupta da
normalidade é imediatamente sentida: a existência humana é mostrada em sua fragilidade,
a emergência toma conta do dia a dia. A morte abrupta surge para cada um como uma
realidade, seja ela militar, seja civil. 10No entanto, os sentimentos e emoções daí resultantes
não são necessariamente os mesmos, pois as pessoas não se isolam, mas vêm a cumprir uma
função social junto ao Estado, sob a forma da defesa da pátria. 11A morte ganha, nesse
aspecto, sentido.
A 12morte é uma questão existencial primeira da condição humana, 13essa que coloca
o homem diante do nada, do limite da condição humana. Ela é o horizonte de cada um, por
mais que pensemos nela ou não. A significação da morte no fim da vida faz com que as
pessoas se preparem para isso, tanto individual quanto familiarmente. Retiram-se
progressivamente, planejam pelo testamento a sucessão dos bens, acostumam-se à ideia.
Alguns recorrem à religião, acreditando em outra vida. No caso de a morte acontecer numa
guerra, ela adquire a significação de que o indivíduo é membro de uma comunidade, sendo
assim compreendida pelo Estado e pelos seus próximos. No momento, porém, em que a
redução do ciclo natural se dá sob a forma de uma doença coletiva, é como se o sem sentido
ganhasse a forma do absurdo.
Uma significação que surge no contexto de pandemia é a de a pessoa sentir-se
abandonada pela vida, abandonada por aqueles que com ela conviviam, salvo os que
terminam compartilhando a mesma reclusão. 14Uma expressão do abandono é a solitude e a
introspecção. 15O mundo torna-se uma ameaça. Há formas de mitigação, como o telefone e
as redes sociais, que tornam viável um modo de substituição da presença física. Mas há algo
aqui que faz enorme diferença: a presença física do outro, o olhar, o toque, a expressão
física do sentimento. O beijo e o abraço desaparecem.
16
As pessoas reclusas sentem necessidade dos seus. Algumas ficam mais vulneráveis
por viverem sozinhas, outras se agrupam em seus núcleos familiares mais próximos, em
todo caso o seu número deve ser necessariamente reduzido. Outras que vivem na miséria
têm esses sentimentos ainda mais potencializados. 17O contato presencial das pessoas, para
além desses núcleos, é rompido. Em seu lugar surgem outros instrumentos de comunicação,
as redes sociais obtendo aí protagonismo maior. 18Acontece, 19contudo, que 20a comunicação
virtual entre as pessoas passa a ser mediada por outro tipo de comunicação, a social/digital,
que se faz por notícias e informações.
Do ponto de vista da informação, tudo vale nas redes sociais, notícias verídicas como
falsas. As redes podem, 22assim, tornar-se instrumentos poderosos de desinformação,
21
divulgando o que se denomina fakenews, tendo como objetivo aumentar a insegurança das
pessoas, tornando-as ainda mais vulneráveis. O descontrole pode adquirir uma conotação
política, alheia à saúde pública.
23
A faceta política do medo da morte e do abandono consiste numa presença maior
do Estado como provedor da segurança perdida, enquanto possível solução de uma morte
prematura e do abandono. 24Numa situação de epidemia, as pessoas tendem a pedir a
intervenção do Estado, fornecendo-lhes condições de existência. Na guerra, o Estado toma a
decisão de atacar outro país ou de se defender; na epidemia, a sociedade é atacada por um
inimigo invisível, sem que o Estado nada tenha podido fazer.
O 25coronavírus, nova versão, é um inimigo que se expande, se infiltra e ameaça a
vida de cada um. 26Desconhece fronteiras e não aceita nenhum controle estatal. Não tem
medo de nada, 27embora faça medo a todos. 28Tem a forma do invisível, que só é sentido
quando toma conta do corpo das pessoas. 29Palavras não têm sobre ele nenhum efeito,
apenas medidas concretas.
30
Eis por que discursos demagógicos não têm sobre ele nenhum efeito, tampouco
sobre os cidadãos, que sentem a sua ameaça próxima. Leem e escutam sobre o número
crescente de mortos, de infectados, e se perguntam se não serão eles os próximos. 31Não
podem, evidentemente, compreender que se possa tratar de uma “histeria”, de uma
“fantasia”, pois a presença do inimigo invisível é real. Discursos técnicos, sensatos, de
combate à doença tomam o lugar da demagogia, por serem eficazes nesta luta, os cidadãos
podendo neles se reconhecer.
17 DE MAIO Levantei nervosa. Com vontade de morrer. 1Já que os pobres estão mal
colocados, para que viver? 2Será que os pobres de outro país sofrem igual aos pobres do
Brasil? 3Eu estava 4discontente que até cheguei a brigar com o meu filho José Carlos sem
motivo...
... 5Chegou um caminhão aqui na favela. O motorista e o seu ajudante jogam umas
latas. É linguiça enlatada. Penso: é assim que fazem esses comerciantes insaciaveis. Ficam
esperando os preços subir na ganancia de ganhar mais. E quando apodrece jogam para os
corvos e os infelizes favelados.
6
Não houve briga. 7Eu até estou achando 8isso aqui monotono. Vejo as crianças abrir
as latas de linguiça e exclamar satisfeitas:
_ Hum! Tá gostosa!
A Dona Alice deu-me uma para experimentar. 9Mas a lata está estufada. Já está
podre.
Trecho disponível em: JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo – diário de uma favelada.
São Paulo: Ática, 2001.
Adaptado de: VERISSIMO. Erico. Caminhos Cruzados. 26. ed. Porto Alegre/Rio de Janeiro:
Editora Globo, 1982. p. 57-58.
17 [ 192312 ]. Se a expressão duma criança (ref. 11) fosse substituída por de crianças,
quantas outras palavras, no segmento que vai da referência 10 ao final do parágrafo,
deveriam sofrer alterações para fins de concordância?
a) Uma.
b) Duas.
c) Três.
d) Quatro.
e) Cinco.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Por trás da “boa aparência”: o racismo em números no mercado.
“Precisa-se de moça de boa aparência para auxiliar de dentista. Rua Boa Vista, 11,
primeiro andar.” 1O 2anúncio publicado no Estado de São Paulo, em junho de 1914, 3contém
uma expressão de uso bastante comum até 2006, quando foi proibida por 4viés
discriminatório. Para 70% dos brasileiros, 5“boa aparência” não é apenas um código para
cabelos lisos e pele clara, é um sintoma da discriminação racial ainda presente no 6país em
que mais da metade da população se autodeclara negra.
“Precisamos refletir sobre o significado da compreensão de que vivemos em um país
racialmente harmônico, que ainda está presente em nosso imaginário. Pela noção de
democracia racial, dizemos que o racismo não existe e, se a população negra vive em
desvantagem social, é porque não se esforçou o suficiente”, explica Giselle dos Anjos Santos,
doutoranda em História Social pela USP e consultora do Centro de Estudos das Relações de
Trabalho e Desigualdades (CEERT), organização pioneira na promoção da equidade racial e
de gênero no mercado de trabalho no Brasil.
Na 7área de recrutamento e seleção por quase uma década, a ex-recrutadora Marion
Caruso vivenciou de perto as 8inconsistências entre discurso e prática relacionadas __1__
aceitação racial dentro do mercado de trabalho. “Me pediam que não enviasse pessoas
negras para as vagas porque tinham ‘cara de empregadinha’”. Com demandas como __2__
que Marion recebia, não é difícil imaginar por que a expectativa de que o Brasil alcance
__3__ igualdade racial no mercado de trabalho é de 150 anos, 9segundo uma pesquisa
realizada pelo Instituto Ethos em 2016.
Os números não param de alarmar. 10Ainda de acordo com o Ethos, embora 54% da
população brasileira seja negra, eles ocupam apenas 5% dos cargos de liderança nas maiores
empresas do país. Quando se fala em mulheres pretas e pardas em altos cargos de chefia,
esse índice chega a menos de 1%. O espaço para homens e mulheres negros vai se
11
afunilando conforme os cargos vão ficando cada vez mais altos: na base da pirâmide
12
corporativa, os aprendizes negros chegam a ultrapassar os brancos.
Giselle explica que, ao longo da história, a sociedade brasileira se construiu nas bases
do racismo. Daí a desigualdade e falta de oportunidades. “Todos os indicadores sociais
refletem __4__ desigualdades colocadas”, explica a estudiosa. A mulher negra tem 50% mais
chances de estar desempregada do que qualquer outro grupo da nossa sociedade. 13É
fundamental que pensemos em ações afirmativas que venham no sentido de superar as
desigualdades históricas.”
Mesmo que o número de estudantes negros nas universidades federais tenha
triplicado na última década, garantindo a qualificação necessária para as vagas, a consultora
e pesquisadora alerta que as barreiras começam muito antes do 14recrutamento. “Existe
uma lógica de rede de informação e contato. Quando perguntados nos censos desenvolvidos
pelo CEERT em diferentes instituições como ficaram sabendo de determinada vaga, os
profissionais brancos respondem que souberam por parentes e amigos. 15A realidade é
diferente para pessoas negras, cujos familiares geralmente trabalharam a vida toda no setor
informal.” [...]
Publicado em 23/08/19, por Nayara Fernandes, no portal de notícias R7. Disponível em:
<https://noticias.r7.com/economia/por-tras-da-boa-aparencia-o-racismo-em-numeros-no-
mercado-23082019>. Acesso em: 25 ago. 2019 (Texto adaptado para fins didáticos).
I. Para que se tenha boas safras, deve-se plantar boas sementes e torcer para que hajam
chuvas suficientes.
II. Fomos nós quem fez o trabalho de coleta dos dados que se incluíram no relatório.
III. Sobre essas diferentes interpretações, verificou-se duas tendências de ordem ideológica:
existe pessoas que acredita nas vacinas e existe pessoas que as defende.
IV. Erros de cálculo pode haver quanto ao percentual de habitantes imunizados e, por isso,
serão refeitas as planilhas.
V. Deviam ser duas horas da manhã quando chegaram em casa os adolescentes.
VI. Durante a assembleia da ONU, realizou-se, no final da tarde, algumas eleições para
diversos órgãos que compõe o organograma da instituição.
1
Quem já visitou 2algum 3parque brasileiro certamente se surpreendeu com 4tamanha
exuberância cênica 5desses locais. 6Não por acaso, 7nossos parques conservam uma rica
biodiversidade − uma das maiores do mundo − cuja excepcionalidade projetou algumas
8
dessas áreas ao patamar de patrimônio natural da humanidade. 9Enquanto a natureza nos
dá motivos de sobra para enaltecer nossos parques, 10a realidade de escassez e limitação de
recursos para a gestão e manutenção dessas áreas tem comprometido grande parte do seu
potencial gerador de desenvolvimento, saúde e bem-estar − para não mencionar a
vulnerabilidade a que sua fauna e flora ficam expostas.
11
Esse retrato de limitações foi capturado na edição recém-lançada da pesquisa
Diagnóstico de Uso Público em Parques Brasileiros: A Perspectiva da Gestão, produzida pelo
Instituto Semeia junto a equipes gestoras de 370 parques de todas as regiões, biomas e
níveis governamentais do país. 12O sinal de alerta dessa escassez foi declarado por 67% dos
respondentes, que afirmaram não contar com subsídios − humanos e financeiros −
necessários para a realização de suas atividades no parque.
13
Ainda de acordo com a pesquisa, grande parte (49%) das equipes que administram
essas áreas conta somente com até 10 funcionários, ao passo que 9% possuem apenas um
colaborador. Na prática, isso quer dizer que, no caso dos parques nacionais, há um único
responsável, em média, por quase 11 mil hectares − o que equivale a cerca de 11 mil campos
de futebol. 14Já na esfera estadual, seria um funcionário para, aproximadamente, 2 mil
hectares e, na municipal, um funcionário para 58 hectares.
15
Quando o assunto é a gestão financeira desses espaços, além da escassez de
recursos, o cenário é também de falta de informação: 40% dos respondentes declaram não
ter acesso aos dados orçamentários das unidades em que atuam. Entre os que têm acesso a
esses números, seja de forma parcial ou total, o valor médio do orçamento em 2019 para os
parques federais foi de R$ 790 mil, para os municipais, de R$ 800 mil, e os estaduais, R$ 9,6
milhões.
16
Para se ter uma ideia, o National Park Service (órgão norte-americano responsável
por 421 unidades distribuídas em 34 milhões de hectares) teve em 2019 um orçamento de
USD 2,4 bilhões. No mesmo ano, o orçamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) foi de USD 142,6 milhões (em reais, 791 milhões), para administrar
uma área cinco vezes maior (se considerarmos unidades de conservação terrestres e
marinhas).
17
Tudo isso se reflete nas condições de visitação e no uso público dos parques
brasileiros. 18Mais da metade declara não contar com infraestrutura básica para receber
visitantes − como banheiros e estacionamento, por exemplo. E, entre as unidades que
receberam visitantes em 2019 (79%), apenas 7% afirmam contar com uma estrutura que
garante plenamente as necessidades básicas de visitação, enquanto somente 11%
consideram que a manutenção das estruturas está em excelente estado.
19
Esses dados evidenciam uma triste contradição: 20se, por um lado, nossos parques
possuem belezas naturais únicas, equipes altamente qualificadas e experientes, além de um
potencial turístico promissor, por outro, tudo isso se arrefece com a precariedade observada
na implementação e manutenção das atividades de uso público na maioria deles. Basta
pensar que, em 2019, o Brasil foi listado pelo Fórum Econômico Mundial como 2º lugar em
recursos naturais, mas figura somente na 32ª colocação do ranking global de
competitividade turística.
21
Alcançar um patamar condizente à altura do nosso capital natural é mais do que
possível. 22Para isso, faz-se necessário fortalecer os órgãos gestores dessas áreas e avançar
numa agenda mais moderna, empreendedora e sustentável voltada à gestão desses espaços.
E, nesse sentido, as parcerias e concessões podem ser uma alternativa possível − já
experimentadas em alguns parques brasileiros internacionalmente reconhecidos como
Igraçu e Chapada dos Veadeiros, por exemplo − para apoiar as equipes gestoras a
potencializar a visitação, o turismo e a conservação. 23Afinal de contas, quanto mais os
brasileiros conhecerem o seu patrimônio natural, maior será a conscientização sobre o valor
e a necessidade de cuidar dessas áreas.
(HADDAD, Mariana (Coordenadora de Conhecimento do Instituto Semeia e responsável pela
pesquisa); REZENDE, Aline (Coordenadora de Comunicação do Instituto Semeia). No país da
biodiversidade, faltam recursos para gerir os nossos parques. Publicado em Exame de 27 de
abril de 2021. Disponível em: https://exame.com/blog/opiniao/no-pais-da-biodiversidade-
faltam-recursos-para-gerir-os-nossos-parques/. Acesso em 02 de maio de 2021). Texto
adaptado para esta prova.
I. No próximo mês, vão fazer 10 anos que eu participei da minha primeira cavalgada depois
dos 40 anos de idade.
lI. Provavelmente, vão existir muitas outras experiências marcantes, tais como: me tatuar,
andar num balão, viajar de navio etc.
III. Com certeza, não foram as minhas duas filhas quem trouxe um pequeno bichano de três
meses para a nossa casa.
IV. Admite-se, na nossa família, pessoas muito aventureiras e abertas a novas e empolgantes
experiências de vida.
Minha mãe tem 74 anos e, como milhões de pessoas no mundo, faz uso frequente do
celular. É com ele que, conversando por voz ou por vídeo, diariamente, vence a distância e a
saudade dos netos e netas.
Mas, para ela, assim como para milhares e milhares de pessoas, o celular pode ser
também uma fonte de engano. De vez em quando, por acreditar no que chega por meio de
amigos no seu WhatsApp, me envia uma ou outra mensagem contendo uma fake news. A
última foi sobre um suposto problema com a vacina da gripe que, por um momento,
diferente de anos anteriores, a fez desistir de se vacinar.
Eu e minha mãe, como boa parte dos brasileiros, não nascemos na era digital. Nesta
sociedade somos os chamados migrantes e, como tais, a tecnologia nos gera um certo
estranhamento (e até constrangimento), embora nos fascine e facilite a vida.
Sejamos sinceros. Nada nem ninguém nos preparou para essas mudanças que
revolucionaram a comunicação. Pior: é difícil destrinchar o que é verdade em tempo de fake
news.
Um dos maiores estudos sobre a disseminação de notícias falsas na internet,
publicado ano passado na revista "Science", foi realizado pelo Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, e concluiu que as notícias falsas
se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam muito mais gente.
Isso porque as fake news se valem de textos alarmistas, polêmicos, sensacionalistas,
com destaque para notícias atreladas a temas de saúde, seguidas de informações mentirosas
sobre tudo. Até pouco tempo atrás, a imprensa era a detentora do que chamamos de
produção de notícias. E os fatos obedeciam, a critérios de apuração e checagem.
O problema é que hoje mantemos essa mesma crença, quase que religiosa, junto a
mensagens das quais não Identificamos sequer a origem, boa parte delas disseminada em
redes sociais. Confia-se a ponto de compartilhar, sem questionar.
O impacto disso é preocupante. Partindo de pesquisas que mostram que notícias e
seus enquadramentos influenciam opiniões e constroem leituras da realidade, a
disseminação das notícias falsas tem criado versões alternativas do mundo, da História, das
Ciências "ao gosto do cliente", como dizem por aí.
Os problemas gerados estão em todos os campos. No âmbito familiar, por exemplo,
vai de pais que deixam de vacinar seus filhos a ponto de criar um grave problema de saúde
pública de impacto mundial. E passa por jovens vítimas de violência virtual e física.
No mundo corporativo, estabelecimentos comerciais fecham portas, profissionais
perdem suas reputações e produtos são desacreditados como resultado de uma foto
descontextualizada, uma Imagem alterada ou uma legenda falsa.
A democracia também se fragiliza. O processo democrático corre o risco de ter sua
força e credibilidade afetadas por boatos. Não há um estudo capaz de mensurar os danos
causados, mas iniciativas fragmentadas já sinalizam que ela está em risco.
Estamos em um novo momento cultural e social, que deve ser entendido para
encontrarmos um caminho seguro de convivência com as novas formas e ferramentas de
comunicação.
No Congresso Nacional, tramitam várias iniciativas nesse sentido, que precisam ser
amplamente debatidas, com a participação de especialistas e representantes da sociedade
civil.
O problema das fake news certamente passa pelo domínio das novas tecnologias,
com instrumentos de combate ao crime, mas, também, pela pedagogia do esclarecimento.
O que posso afirmar, é que, embora não saibamos ainda o antídoto que usaremos
contra a disseminação de notícias falsas em escala industrial, não passa pela cabeça de
ninguém aceitar a utilização de qualquer tipo de controle que não seja democrático.
1
Talvez não seja coisa de genoma, 2mas podemos garantir que contar e ouvir histórias
são coisas que fazem parte da natureza humana. Histórias, em primeiro lugar, representam
um 3antídoto contra a ansiedade em nós despertada pelas interrogações que todas as
culturas se fazem sobre o universo e sobre a existência. Para 4os povos ditos primitivos,
fenômenos naturais 5como a 6aurora, o crepúsculo, as chuvas 7envolvem um elemento de
mistério para o qual o mito é a resposta. Mito: na linguagem comum, o termo tem uma
8
conotação que às vezes envolve fama e mistério (o mito Greta Garbo é um exemplo
ilustrativo), mas, mais frequentemente, significa mentira, lorota; aliás, mitômano é um
mentiroso contumaz. Já os estudiosos do 9mito 10veem-no de forma diferente e muito mais
significativa. O mito é uma narrativa ficcional, sim, frequentemente envolvendo personagens
sobrenaturais, mas que, sendo estória, é vista como História, como algo que realmente
aconteceu num passado distante e que proporciona uma explicação para os fenômenos do
universo em que vivemos. Nesse sentido, o mito é diferente da história folclórica, 11_______
a fábula é um exemplo. 12Mito também não é lenda, que tende a preservar uma figura do
passado (um santo, um herói, um rei), um lugar, um acontecimento. Mas mitos, histórias
folclóricas, lendas – a ficção em geral – dão testemunho dessa paixão humana pela narrativa.
Falamos antes na ansiedade em relação ao universo, mas essa é 13apenas uma das
formas de nossa ansiedade. Existem outras, como a ansiedade da separação, que tem seu
início por volta dos seis meses e que se manifesta por uma reação de angústia quando a
criança tem de se separar dos pais, 14sobretudo da mãe. O quadro desaparece em torno dos
três anos, mas pode retornar à época de entrar na escola e acompanhar o adulto pela vida
toda. A ansiedade de separação manifesta-se sob forma de uma cena típica. É de noite; a
família já jantou, já viu um pouco de tevê. É então que o pai ou a mãe 15_______ para a
criança com o anúncio fatídico: está na hora de ir para cama. 16Está para nascer a criança que
receba com alegria essa notícia, que diga algo como: “Oba, finalmente chegou a hora de
dormir”. Mas todo pai e toda mãe sabem que existe um antídoto para a recusa da criança:
“17Se você for deitar agora, eu lhe conto uma história”. É uma proposta irrecusável. Detalhe:
18
se em vez de contar a história a mãe ou o pai ler a história, podemos ter certeza de que
naquele momento estará nascendo um futuro leitor ou leitora.
18
Há 19duas razões para que a criança se sinta confortada nessa situação. A primeira é
a presença “reasseguradora”, e a voz, do pai ou da mãe. A segunda é a própria história.
Histórias nos dão, se não a certeza, pelo menos a sensação de que as coisas no mundo fazem
sentido, que elas têm um começo, um meio e um final – geralmente um final feliz. 20Aliás,
para a criança, é mais importante o começo da narrativa, o clássico e excitante “era uma
vez” do que o “e aí viveram felizes para sempre”. O final tradicional é mais ou menos
previsível – e isso explica 21_______, no cinema, muitas pessoas levantam antes de o filme
acabar. Pela mesma razão a criança, não raro, adormece antes do final da narrativa.
E isso tudo nos 22leva à obra “Mil e uma noites”, essa coletânea maravilhosa que
atravessou os séculos e chegou até nós por meio de numerosas traduções para línguas
europeias. O início e o elo condutor da obra são bem conhecidos. Enfurecido pela
infidelidade de sua esposa, o rei Shahriyar manda matá-la e, convencido de que todas as
mulheres são pérfidas, ordena a seu vizir que lhe traga uma esposa nova a cada noite.
Casamentos relâmpagos, 23porque as coitadas são executadas ao amanhecer. 24Entra em
cena 25a própria filha do vizir, 26a astuta Scheherazade, que se voluntaria para o matrimônio.
É que ela tem um plano: manter o soberano em suspense com suas histórias, com o que vai
adiando sua execução. No final, e depois de dar à luz três filhos, ela convence o rei de sua
inocência. As histórias das “Mil e uma noites” começaram a ser coletadas por volta do ano
1000. O que explica seu sucesso 27ainda hoje, um milênio depois? Em primeiro lugar, as
próprias histórias, sempre interessantes. Mas há um elemento adicional e muito importante:
Scheherazade é a 28precursora de algo que, sob várias formas, representaria um sucesso
crescente: a narrativa seriada.
O primeiro impulso para isso foi a invenção da imprensa, que permitiu a existência do
livro, do jornal, da revista – do periódico, enfim. E o periódico, por sua vez, permitiu a
serialização da ficção, 29que chegou a seu auge no século 19, durante o qual muitos
escritores populares ganhavam a vida, e, às vezes, faziam fortuna, escrevendo para jornais,
revistas ou fascículos. Muitas das novelas de Charles Dickens foram publicadas dessa
maneira. Os fascículos, impressos em Londres, eram enviados através do oceano para os
Estados Unidos. 30Quando chegava o navio trazendo tais fascículos, multidões acorriam ao
porto: gente ansiosa por saber o que tinha acontecido com a Pequena Nell. No Brasil, o
gênero recebeu a denominação de folhetim e atraiu escritores do porte de um José de
Alencar. “O Guarani” estreou assim, coisa que é fácil de perceber na leitura do livro: os
capítulos são relativamente curtos, têm aproximadamente a mesma extensão e sempre
terminam com um suspense cujo evidente objetivo era fazer o leitor correr à banca no dia
seguinte para acompanhar as aventuras de Peri.
O cinema aproveitou a mesma fórmula nos chamados seriados, filmes de aventuras,
em geral de reduzido orçamento e que contavam sempre com três personagens: o mocinho,
a mocinha e o bandido. O malvado bandido colocava o mocinho ou a mocinha ou ambos em
situações de perigo – a mais clássica sendo aquela que mostra a heroína amarrada aos
trilhos da ferrovia, retorcendo-se desesperada, enquanto o trem se aproxima 31_______ toda
velocidade (no derradeiro segundo, o mocinho a salva). O seriado, em geral, tinha quinze
capítulos; cada capítulo era exibido na matinê de domingo, junto com os dois filmes
principais e desenhos. Exemplos famosos são “Os perigos de Nyoka” e “As aventuras de
Flash Gordon”.
Mas foi com a tevê que a serialização chegou a seu auge. E a forma mais popular são
as novelas. 32Essa forma televisiva atingiu o apogeu em 1978, quando a CBS levou ao ar
“Dallas”, que projetou Larry Hagman e que adicionou à trama o elemento de mistério:
“quem matou J.R.?” era a pergunta que todos os americanos se faziam. Seguiu-se uma
contrapartida brasileira: a morte de Odete Roitman era o grande mistério da novela “Vale
tudo”, de Gilberto Braga, exibida entre 1988 e 1989, com enorme sucesso.
Conclusão: as “Mil e uma noites” fizeram escola. Tivesse nascido no Brasil de agora,
Scheherazade arranjaria facilmente um emprego como escritora de novelas, ganhando um
bom salário. Dúvida: poderia ela 33prescindir da ameaça do ciumento sultão? Talvez sim, mas
nesse caso a pergunta se impõe: de onde tiraria inspiração para suas histórias? Disse Samuel
Johnson, intelectual inglês do século 18, que nada concentra mais a mente do que a certeza
de que se vai ser executado na manhã seguinte. A bela Scheherazade é uma prova disso.
RIBEIRO, Paulo Silvino. Movimentos sociais: breve definição. Brasil Escola. Disponível em:
<https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/movimentos-sociais-breve-definicao.htm>.
Acesso em: 22 set. 2018 (adaptado).
26 [ 186002 ]. Analise alguns fragmentos do texto e marque a alternativa que contém uma
afirmação verdadeira sobre o fenômeno da concordância verbo-nominal presente em cada
um deles.
a) No trecho “Cada sociedade ou estrutura social teriam como cenário um contexto
histórico” (ref. 3 – segundo parágrafo), o verbo sublinhado poderia ser flexionado no
singular, já que a conjunção “ou” implica na ideia de exclusão de um dos núcleos nominais
do sujeito.
b) No trecho “afirma que os movimentos sociais constituem tentativas” (ref. 2 – primeiro
parágrafo), o verbo sublinhado concorda com um sujeito elíptico.
c) No trecho “o que demanda a mobilização de recursos e pessoas muito engajadas” (ref. 6 –
quarto parágrafo), o adjetivo sublinhado vai para o feminino plural, concordando com os
núcleos nominais “mobilização” e “pessoas”.
d) No trecho “a existência dos movimentos sociais é de fundamental importância para a
sociedade civil” (ref. 5 – terceiro parágrafo), o verbo admite o plural, concordando com o
adjunto adnominal “dos movimentos sociais”.
e) No trecho “dentro de uma determinada sociedade e de um contexto específicos,
permeados por tensões sociais” (ref. 1 – primeiro parágrafo), o adjetivo sublinhado vai
para o masculino plural, concordando com os núcleos nominais “sociedade” e “contexto”.
Apesar da multiplicidade de facetas a que se aplica a palavra “política” ___ uma delas
goza de indiscutível unanimidade___ a referência ao poder político___ à esfera da política
institucional. Um deputado ou um órgão de administração pública são políticos para a
totalidade das pessoas. Todas as atividades 1associadas de algum modo à esfera institucional
política, e o espaço onde se realizam, também são políticos. Um comício é uma reunião
política e um partido é uma associação política, um indivíduo que questiona a ordem
institucional pode ser um preso político; as ações do governo, o discurso de um vereador, o
voto de um eleitor são políticos.
Mas há um outro conjunto em que a mesma palavra manifesta-se claramente de um
modo diverso. 2Quando se fala da política da Igreja, isto não se refere apenas às relações
entre a Igreja e as instituições políticas, mas à existência de uma política que se expressa na
Igreja em relação a certas questões como a miséria, a violência, etc. Do mesmo modo, a
política dos sindicatos não se refere unicamente à política sindical, desenvolvida pelo
governo para os sindicatos, mas às questões que dizem respeito à própria atividade do
sindicato em relação aos seus filiados e ao restante da sociedade. A política feminista não se
refere apenas ao Estado, mas aos homens e às mulheres em geral. As empresas 3têm
políticas para realizarem determinadas metas no relacionamento com outras empresas, ou
com os seus empregados. As pessoas, no seu relacionamento cotidiano, desenvolvem
políticas para alcançar seus objetivos nas relações de trabalho, de amor, ou de lazer; dizer
“Você precisa ser mais político” é completamente distinto de dizer “Você precisa se politizar
mais”, isto é, 4“precisa ocupar-se mais da esfera política institucional”.
[...] Não resta dúvida, porém, de que este segundo significado é muito mais vago e
impreciso do que o primeiro. A evolução histórica em relação ao gigantismo das Instituições
Políticas – o Estado onipresente – é acompanhada de uma politização geral da sociedade em
seus mínimos detalhes, por exigir um posicionamento diário frente ao Poder. 5Mas ao
mesmo tempo traz consigo a imposição de normas com que balizar a própria aplicação da
palavra política, procurando determinar o que é e o que não é “política”.
6
Desta forma, oculta-se ao eleitor o seu ser político, atribuindo-se esta qualidade
apenas ao eleito. 7Ou então atribui-se à pessoa um espaço e um tempo determinado para
que exerça uma atividade política, na hora das eleições, quando está na tribuna da Câmara
dos Deputados depois de ter sido eleita, quando senta no palácio para despachar com seus
secretários mesmo sem ter sido eleita. A própria delimitação rígida da política constitui,
portanto, um produto da história; e este é, sem dúvida, o principal motivo pelo qual não
basta ater-se a um significado geral da política, que apagaria todas as figuras com que se
apresentou em sua gênese.
Esta delimitação operada pelo nível institucional traz consigo alterações profundas na
esfera de valores associados à política. Uma conjuntura institucional insatisfatória, pela
corrupção ou pela violência, jamais dissociadas, reflete-se numa desmoralização da atividade
política – politicagem – que pode reverter em apatia e na procura de alternativas 8extra-
institucionais como a luta armada. Ao mesmo tempo, processa-se uma inversão na
valorização da atividade política na própria esfera institucional, em que ela deixa de ser um
direito, passando a ser apenas um dever e uma responsabilidade. Em outras palavras, à
Instituição passa despercebido que a sua é também uma política, assentada na sociedade
com uma proposta de participação, representação e direção. Por esta carência de visão de
relatividade, instaura-se um normativismo absoluto, ocultando-se assim sua natureza.
Interessa perceber que, apesar de haver um significado predominante, que se impõe
em determinadas situações, e que aparece como sendo a política, o que existe na verdade
são políticas.
MAAR, Leo Wolfgang. A política e as políticas. In: ____. O que é política. São Paulo: Abril
Cultural/Brasiliense, 1985. (fragmento)
[...]
Porque as línguas foram surgindo nas várias regiões do mundo de forma independente.
Algumas têm a mesma origem, como o hindu, o sueco, o inglês e o português. Elas vieram de
uma grande língua comum, chamada proto-indo-europeu, que há milhares de anos era
falada na Ásia.
Esse idioma deu origem a quase todas as línguas ocidentais e algumas orientais. “Supõe-se
que o indo-europeu tenha sido uma língua só, que foi se diferenciando com o tempo”,
explica o professor de linguística Paulo Chagas de Souza, da Universidade de São Paulo.
É que as línguas são vivas – elas se transformam com o uso. Mesmo as que vieram de uma
raiz comum foram sendo modificadas pouco a pouco pela prática de cada grupo falante, que
seleciona os termos adequados ao seu ambiente e à sua cultura. Os esquimós, por exemplo,
criaram palavras capazes de descrever 40 tons de branco. Esses termos não fazem o menor
sentido para um povo que mora no deserto, concorda?
O Império Romano teve uma forte função na difusão e na construção de muitas das línguas
que são faladas hoje. Naquela época, na região de Roma, falava-se o latim, uma língua
derivada do proto-indo-europeu que floresceu na região do Lácio.
À medida que o império avançava, conquistando novos territórios, esse idioma foi sendo
imposto aos povos dominados, mas não sem sofrer influência das línguas locais, com
mudanças de pronúncia e enxertos de palavras.
Com o enfraquecimento do domínio dos césares, essas diferenças foram se intensificando e
construindo dialetos, que se transformaram em idiomas próprios. Foi assim que surgiu o
português, o italiano e o francês, por exemplo.
Hoje, são faladas 7.099 línguas ao redor do mundo, segundo o compêndio Ethnologue, um
livro que cataloga os idiomas do nosso planeta desde 1950. Mas a gente não ouve a maioria
delas: mais de 90% dessas línguas estão na boca de apenas 6% dos habitantes da Terra. O
restante da população mundial usa menos de 400 idiomas.
OLIVEIRA, Fábio. Por que todo mundo não fala a mesma língua? Disponível
em:http://super.abril.com.br/sociedade/por-que-todo-mundo-não-fala-a-mesma-lingua/
amp/>. Acesso em: 04 maio 2019.
Resposta da questão 1:
[A]
Resposta da questão 2:
[C]
Resposta da questão 3:
[B]
O período ficaria: “Mas, com o tempo, alguma coisa acabou se invertendo”. Portanto, mais
duas palavras sofreriam alteração.
Resposta da questão 4:
[B]
[A] Incorreta: o correto seria “Frederico recebeu uma carta com as fotos anexas”.
[C] Incorreta: o correto seria “Os alunos mesmos disseram à professora que queriam ler mais
um livro.
[D] Incorreta: o correto seria “Todos os formandos estavam quites com a mensalidade da
formatura”.
[E] Incorreta: o correto seria “O motorista ficou com o braço e a perna quebrados”.
Resposta da questão 5:
[B]
Resposta da questão 6:
[C]
No período em que a expressão aparece (“De fato, há leis sobre línguas, mas as políticas
linguísticas também podem ser menos formais – e nem passar por leis propriamente ditas”),
caso ela fosse para o singular, haveria 3 outras alterações, a saber: De fato, há leis sobre
línguas, mas a política linguística também pode ser menos formal – e nem passar por leis
propriamente ditas.
O artigo anterior ao substantivo seria afetado, assim como o verbo e o adjetivo.
Resposta da questão 7:
[C]
Caso passássemos a palavra “desafio”, da frase “No Ensino Superior, o desafio não é menor”,
para o plural, seria necessário fazer três alterações: “No Ensino Superior, os desafios não são
menores”.
Resposta da questão 8:
ANULADA
A alternativa correta seria a [C]. Contudo, a questão foi anulada certamente porque as
demais alternativas não possuem seis opções para as seis lacunas no texto. Exceto a
alternativa [C], que apresenta todas as seis opções, as outras apresentam cinco.
Resposta da questão 9:
[A]
O sujeito do verbo “passar” é simples e o seu núcleo é singular: “um grupo”. Assim, o verbo
deve se manter no singular (passará).
O sujeito do verbo “dever” é simples e o seu núcleo (“maioria”) é singular. Assim, o verbo
deve se manter no singular (deverá).
O sujeito do verbo “ir” é formado por expressão que contém porcentagem e, pela regra, o
verbo deve concordar com o substantivo que acompanha a porcentagem (“roupas”). Assim,
o verbo deve permanecer no plural (irão).
O verbo “haver” no sentido de “existir” é impessoal e, assim, deve permanecer no singular:
“houve”.
Para resolver essa questão, é preciso observar quais palavras relacionam-se ao substantivo
“escritor”. Assim, é necessário olhar para os adjuntos adnominais, que se relacionam ao
substantivo e concordam com ele, e o verbo, já que “escritor” constitui núcleo do sujeito e,
portanto, o verbo deve concordar com ele. Dessa forma, temos as seguintes palavras: “O”,
“bom” e “sabe”. No plural, teríamos: “Os bons escritores sabem...”.
Em [B], não há identificação correta do elemento ausente, o que pode ser percebido pela
falta de concordância de gênero entre “A obra” (feminino) e “publicado” (masculino). Caso o
termo ausente fosse de fato “A obra”, o termo “publicado” teria que estar em concordância,
no feminino (“publicada”). Uma alternativa possível seria utilizar o termo “O livro”.
[A] Incorreta: Como o núcleo do sujeito dos verbos “abrir” e “exclamar” está no plural
(“crianças”), é necessário flexionar os verbos também no plural: abrirem e exclamarem.
Se a expressão “duma criança” (ref. 11) fosse substituída por de crianças, duas outras
alterações deveriam ocorrer a fim de respeitar as normas-padrão de concordância: Seus
olhos contemplam a paisagem com a alegria meio inibida de crianças que, vendo-se de
repente soltas num bazar de brinquedos maravilhosos, não querem no primeiro momento
acreditar no testemunho de seus próprios olhos. Assim, é correta a opção [B].
Para passar o período para o plural, é necessário pluralizar o sujeito e, assim, alterar os
outros termos do período que se relacionam a ele. Assim, temos “O anúncio” transformado
em “Os anúncios” e, consequentemente: publicado publicados; contém contêm;
expressão expressões; foi proibida foram proibidas. A expressão “de uso” não deve
ser pluralizada para “de uso”, pois ela atua como uma locução adjetiva. A palavra “bastante”
atua como advérbio de intensidade e, assim, também não deve ser pluralizada.
[I] Incorreta: o verbo "haver" na acepção de “existir” é impessoal e, portanto, não deve ser
flexionado, permanecendo no singular “haja”.
[III] Incorreta: há vários problemas de concordância na alternativa. Como exemplo, pode-se
citar o verbo “existir”, que deveria ficar no plural, já que seu sujeito, “pessoas”, está no
plural: existem pessoas.
[VI] Incorreta: o verbo “realizar” deveria concordar com seu sujeito plural “algumas eleições”
e, assim, deveria estar na forma “realizaram”. Além disso, o verbo “compor” também
deveria estar no plural para concordar com “diversos órgãos”, assumindo a forma
“compõem”.
Resposta da questão 20:
[A]
Para responder a essa questão, é necessário avaliar se a partícula “se” constitui índice de
indeterminação do sujeito ou partícula apassivadora. Caso se trate de um verbo sem objeto
direto, temos índice de indeterminação do sujeito. Caso se trate de um verbo com objeto
direto, temos partícula apassivadora. No primeiro caso, as regras gramaticais colocam que
não há concordância, assim, o verbo deve permanecer no singular. No segundo caso, há
concordância com o sujeito e, assim, o verbo deve obedecer à mesma flexão do sujeito.
Assim, vemos que em [B], “se” é índica de indeterminação do sujeito e, portanto, o verbo
deve permanecer no singular: precisa-se.
Nas outras alternativas, “se” é partícula apassivadora e é preciso estabelecer a concordância.
Em [A], alternativa correta, o verbo deve permanecer no plural para concordar com o sujeito
“excelentes profissionais femininas”. Em [C], o verbo deveria estar no plural para concordar
com o sujeito “situações de conflito”. Em [D], o verbo deveria estar no singular para
concordar com o núcleo do sujeito “oportunidade”. Por fim, em [E], o verbo deveria estar no
plural para concordar com o núcleo do sujeito “estudantes”.
[I] Incorreta: o verbo “fazer” no sentido de tempo decorrido é impessoal. Dessa forma, a
locução verbal “vai fazer” deve permanecer no singular.
[IV] Incorreta: o verbo “admite-se” tem como sujeito “pessoas” e, assim, devem permanecer
no plural: “admitem-se”.
Assim, é correta apenas [D], pois em “[...] seres humanos têm maior probabilidade de adotar
determinados comportamentos porque seus amigos, colegas de trabalho e vizinhos já o
adotam”, há um erro de concordância nominal pelo uso do pronome oblíquo no singular. O
correto seria: seres humanos têm maior probabilidade de adotar determinados
comportamentos porque seus amigos, colegas de trabalho e vizinhos já os adotam.
[II] Incorreta: o verbo “mensura” deve estar no plural “mensuram”, já que temos um sujeito
composto.
[A] Incorreta: a conjunção “ou” não implica exclusão dos núcleos do sujeito e, portanto, o
verbo deve permanecer no plural.
[B] Incorreta: o sujeito do verbo “afirma” não é elíptico, mas simples: “Gianfranco
Pasquino”.
[C] Incorreta: o adjetivo concorda apenas com o substantivo “pessoas”, caracterizando-o.
[D] Incorreta: o núcleo do sujeito é “existência”, que está no singular, dessa forma, o verbo
deve manter-se no singular.
O verbo concorda com o sujeito e como somente na alternativa [D] a expressão sublinhada
constitui o sujeito da oração, o verbo deve ser flexionado no plural caso a expressão
destacada seja pluralizada.
[B] Incorreta: no primeiro caso, a vírgula é usada para separar uma enumeração, já no
segundo, separa o aposto.
[C] Incorreta: como “As Crônicas de Nárnia” é o nome de um livro, deve-se manter o verbo
no singular “é”. Além disso, a palavra “abrangem” está concordando com “histórias”, por
isso, mantém-se no plural.
[D] Incorreta: o sujeito dos verbos “descobrem” e “amam” é “pequenos heróis”, já o sujeito
do verbo “depende” é “terra”.
[E] Incorreta: no quinto parágrafo o autor cita outros personagens e reforça que eles
possuem personalidades bastante distintas.
[A] Incorreta: caso o sujeito fosse “nós”, o verbo deveria ser flexionado na primeira pessoa
do plural.
[B] Incorreta: o sujeito do verbo “falar” é “o latim”, já que a partícula “se” é apassivadora.
[C] Incorreta: a locução verbal deve concordar com a expressão “esse idioma”, que está no
singular.
[D] Incorreta: no caso, é possível manter o verbo no singular, estabelecendo a concordância
entre o primeiro termo da enumeração – que está no singular - e o verbo.
[A] Incorreta: além dessa alteração, seria necessário alterar o verbo “possa” para “possam”.
[B] Incorreta: o verbo “podem” deveria estar no singular “pode”.
[C] Incorreta: vemos desvio de concordância verbal, pois o verbo “era” deveria estar no
plural “eram” para concordar com “os ingredientes”.
4 Regências verbal e nominal
1 [ 204212 ]. Assinale a alternativa que não está de acordo com a norma culta quanto à
regência dos nomes em destaque.
a) São poucas as funções a que esta jovem trabalhadora está apta.
b) O pai recriminava os hábitos culturais que a filha tinha admiração.
c) As críticas a que o chefe era sensível agora não o incomodam mais.
d) Os profissionais a quem ele tem desprezo fizeram com que ele perdesse o emprego.
Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que
determinei logo de começar por ela esta crônica. Agora, porém, no momento de pegar na
pena, receio achar no leitor menor gosto que eu para um espetáculo, que lhe parecerá
vulgar, e porventura torpe. Releve a importância; os gostos não são iguais.
Entre a grade do jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo
passadiço, ao pé dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar não era próprio
para remanso de burros, donde concluí que não estaria deitado, mas caído. Instantes depois,
vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro levantar a cabeça e meio corpo. Os ossos
furavam-lhe a pele, os olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz
cabeceava, mais tão frouxamente, que parecia estar próximo do fim.
Diante do animal havia algum capim espalhado e uma lata com água. Logo, não foi
abandonado inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem quer que seja que o
deixou na praça, com essa última refeição à vista. Não foi pequena ação. Se o autor dela é
homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui um aperto de mão. O burro não
comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em
campos mais largos e eternos. Meia dúzia de curiosos tinha parado ao pé do animal. Um
deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, e se não sentia o desejo de dar com ela na
anca do burro para espertá-lo, então eu não sei conhecer meninos, porque ele não estava do
lado do pescoço, mas justamente do lado da anca. Diga-se a verdade; não o fez – ao menos
enquanto ali estive, que foram poucos minutos. Esses poucos minutos, porém, valeram por
uma hora ou duas. Se há justiça na Terra valerão por um século, tal foi a descoberta que me
pareceu fazer, e aqui deixo recomendada aos estudiosos.
O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos
curiosos, como ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos. Era um
trabalho interior e profundo. Este remoque popular: por pensar morreu um burro mostra
que o fenômeno foi mal entendido dos que a princípio o viram; o pensamento não é a causa
da morte, a morte é que o torna necessário. Quanto à matéria do pensamento, não há
dúvidas que é o exame da consciência. Agora, qual foi o exame da consciência daquele
burro, é o que presumo ter lido no escasso tempo que ali gastei. Sou outro Champollion,
porventura maior; não decifrei palavras escritas, mas ideias íntimas de criatura que não
podia exprimi-las verbalmente.
E diria o burro consigo:
“Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso. Não
furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha
vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade e
de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar. Quando ao zurro, usei dele
como linguagem. Ultimamente é que percebi que me não entendiam, e continuei a zurrar
por ser costume velho, não com ideia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no chão.
Quando passei do tílburi ao bonde, houve algumas vezes homem morto ou pisado na rua,
mas a prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui o cocheiro na fuga; deixava-
me estar aguardando autoridade.”
“Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de
haver pensado sequer na perturbação da paz pública. Além de ser a minha índole contrária a
arruaças, a própria reflexão me diz que, não havendo nenhuma revolução declarado os
direitos do burro, tais direitos não existem. Nenhum golpe de estado foi dado em favor dele;
nenhuma coroa os obrigou. Monarquia, democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo,
teve em conta os interesses da minha espécie. Qualquer que seja o regime, ronca o pau. O
pau é a minha instituição um pouco temperada pela teima que é, em resumo, o meu único
defeito. Quando não teimava, mordia o freio dando assim um bonito exemplo de submissão
e conformidade. Nunca perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês no tílburi ou
o apito do bonde, para sair logo. Até aqui os males que não fiz; vejamos os bens que
pratiquei.”
“A mais de uma aventura amorosa terei servido, levando depressa o tílburi e o
namorado à casa da namorada – ou simplesmente empacando em lugar onde o moço que ia
ao bonde podia mirar a moça que estava na janela. Não poucos devedores terei conduzido
para longe de um credor importuno. Ensinei filosofia a muita gente, esta filosofia que
consiste na gravidade do porte e na quietação dos sentidos. Quando algum homem, desses
que chamam patuscos, queria fazer rir os amigos, fui sempre em auxílio deles, deixando que
me dessem tapas e punhadas na cara. Em fim…”
Não percebi o resto, e fui andando, não menos alvoroçado que pesaroso. Contente
da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia
morrer. A consideração, porém, de que todos os burros devem ter os mesmos dotes
principais, fez-me ver que os que ficavam não seriam menos exemplares do que esse. Por
que se não investigará mais profundamente o moral do burro? Da abelha já se escreveu que
é superior ao homem, e da formiga também, coletivamente falando, isto é, que as suas
instituições políticas são superiores às nossas, mais racionais. Por que não sucederá o
mesmo ao burro, que é maior?
Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de Novembro, achei o animal já morto.
Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante; mas a
infância, como a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia cadáver nem nada. Assim
passam os trabalhos deste mundo. Sem exagerar o mérito do finado, força é dizer que, se ele
não inventou a pólvora, também não inventou a dinamite. Já é alguma coisa neste final de
século. Requiescat in pace.
3 [ 196640 ]. Assinale a opção em que o acento grave indicativo de crase NÃO é colocado
por uma situação de regência.
a) “Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que
determinei logo de começar por ela esta crônica.”
b) “Indiferente aos curiosos, co,o ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos
meditativos.”
c) “[...] levando depressa o tílburi e o namorado à casa da namorada.”
d) “[...] não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia morrer.”
e) “Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de
haver pensado sequer na perturbação da paz pública.”
Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde
estamos. 1Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar
de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial.
2
Mesmo em sociedades que deixaram registros de sua passagem, a leitura precede a
3
escrita ; o futuro escritor deve ser capaz de reconhecer e decifrar o sistema de signos antes
de colocá-los no papel. 4Para a maioria das sociedades letradas – para o islã, para as
sociedades judaicas e cristãs como a minha, para os antigos maias, para as vastas culturas
budistas –, ler está no princípio do contrato social; aprender a ler foi meu rito de passagem.
5
Depois que aprendi a ler minhas letras, li de tudo: livros, 6mas também notícias,
anúncios, os títulos pequenos no verso da passagem do bonde, letras jogadas no lixo, jornais
velhos apanhados sob o banco do parque, grafites, a contracapa das revistas de outros
passageiros no ônibus. Quando fiquei sabendo que Cervantes, em seu apogeu à leitura, lia
“até os pedaços de papel rasgado na rua”, entendi exatamente que impulso o levava a isso.
Essa adoração ao livro 7(em pergaminho, em papel ou na tela) é um dos alicerces de uma
sociedade letrada.
A experiência veio a mim primeiramente por meio dos livros. Mais tarde, quando me
deparava com algum acontecimento, circunstância ou algo semelhante 8__________ 9sobre
o qual havia lido, isso me causava o 10sentimento um tanto surpreendente, 11mas
desapontador de déjà vu, 12porque imaginava que aquilo que estava acontecendo agora já
havia me acontecido em palavras, já havia sido nomeado.
Meus livros eram para mim transcrições ou glosas 13__________ outro Livro colossal.
Miguel de Unamuno, em um soneto, 14fala do tempo, 15cuja fonte está no futuro; minha vida
de leitor deu-me a mesma impressão de nadar contra a corrente, vivendo o que já tinha lido.
Tal como Platão, passei do conhecimento para seu objeto. Via mais realidade na ideia do que
na coisa. 16Era nos livros que eu encontrava o universo17: digerido, classificado, rotulado,
meditado, ainda assim formidável.
18
A leitura deu-me uma desculpa para a privacidade, ou talvez tenha dado um sentido
à privacidade que me foi imposta, 19uma vez que, durante a infância, depois que voltamos
para a Argentina, em 1955, vivi separado do resto da família, cuidado por uma babá em uma
seção separada da casa. 20Então, meu lugar favorito de leitura era o chão do meu quarto,
deitado de barriga para baixo, pés enganchados 21sob uma cadeira. Depois, tarde da noite,
minha cama tornou-se o lugar mais seguro e resguardado para ler 22__________ região
nebulosa entre a vigília e o sono.
O psicólogo James 23Hillman afirma que a 24pessoa que leu histórias ou 25para quem
leram 26histórias na infância “está em melhores condições e tem um 27prognóstico melhor do
que aquela 28à qual é preciso apresentar as histórias. [...] Chegar cedo na vida já é uma
perspectiva de vida”. Para Hillman, essas primeiras leituras tornam-se “algo vivido e por
meio 29do qual se vive, um modo que a alma tem de se encontrar na vida”. A essas leituras, e
por esse motivo, voltei repetidamente, 30e ainda volto.
Cada livro era um mundo em si mesmo e nele eu me refugiava. 31Embora eu
soubesse que era incapaz de inventar histórias como as que meus autores favoritos
escreviam, achava que minhas opiniões frequentemente coincidiam com as deles e 32(para
usar a frase de Montaigne) “Passei a seguir-lhes o rastro, murmurando: ‘Ouçam, ouçam’”.
Fonte: MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p. 20-24. (Parcial e adaptado.)
4 [ 200721 ]. Assinale a alternativa que completa correta e respectivamente as lacunas nas
referências 8, 13 e 22.
a) àquele, daquele, aquela
b) aquele, aquele, àquela
c) àquele, daquele, naquela
d) àquilo, aquele, aquela
e) aquele, daquele, daquela
Fonte: MACEDO JR, Jurandir Sell. A redescoberta do eu. Forbes, 12 nov. 2020. Disponível em:
<https://forbes.com.br/forbes-money/2020/11/jurandir-sell-macedo-jr-a-redescoberta-do-
eu/>. Acesso em: 12 jan. 2021. (Adaptado.)
6 [ 182027 ]. É verdade que na Alemanha (da mesma forma que em outros países
europeus) sempre existiram ressentimentos xenófobos e antissemitas, como também
grupos e partidos de extrema direita. Não são fenômenos novos. A novidade desses últimos
anos é o exibicionismo desavergonhado __________ são manifestadas em público essas
posturas desumanas, o desenfreio __________ se assedia e se fustiga nas ruas os que têm
aspecto, crenças e uma forma de amar diferentes dos da maioria. A novidade é o consenso
social __________ é tolerável dizer e o que deve continuar sendo intolerável.
(<https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/21/opinion/1537548764_065506.html?
id_externo_rsoc=FB_BR_CM>.)
7 [ 178842 ]. Nas frases a seguir, preencha as lacunas com uma das preposições sugeridas
entre parênteses e depois assinale a alternativa com a sequência correta.
I. Nesse caso, é estranho que o Ministro do Meio Ambiente ignore as informações técnicas
__________ que detém a posse. (sobre, com, de)
II. De acordo com as fontes __________ as quais mantive contato ontem, a mudança na
legislação eleitoral não valerá para 2018. (com, perante, a)
III. Quando um homem __________ quem eu confiava me disse que havia uma solução para
isso, eu acreditei. (a, em, de)
IV. Logo cedo chegaram dois gaúchos pilchados e um vizinho meu recente, __________ cuja
procedência não me lembro. (em, de, sobre)
V. Ontem resolvi mandar uma carta à empresa __________ a qual o jornal fez uma longa
reportagem, publicada na semana passada. (com, perante, sobre)
a) sobre - a - de - de - com
b) de - com - em - de - sobre
c) sobre - perante - a - em - perante
d) com - perante - em - sobre - com
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o
mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado
por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando.".
1
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de
sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão
sempre tão atentos _____i_____ espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e
estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para
viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, 2o bobo é um Dostoievski.
_____ii_____ desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra
de um desconhecido para _____iii_____ compra de um ar refrigerado de segunda mão: 3ele
disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde
é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona.
Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o
conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de
ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo, enquanto o esperto não
dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O
bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada
de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo
a célebre frase: "Até tu, Brutus?".
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse
sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser
bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não
conseguem passar por bobos. 4Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos
ganham a vida. 5Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie.
Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais _____iv_____ pessoas serem bobas (não confundir
bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah,
quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase
impossível evitar o excesso de amor que o bobo provoca. É que só 6o bobo é capaz de
excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
1
Assisto a conferências e a moda não engana: metade da sala (no mínimo) está com a
cabeça enfiada em smartphones. Como seriam as conferências antigamente? O que fazia a
audiência enquanto alguém falava no palanque?
Provavelmente, escutava. Ou dormia. Ou dormia e escutava, em intervalos
saudáveis.
Hoje, ninguém dorme. Duvido que alguém escute. O smartphone é o inimigo do
tédio, ou da reflexão, proporcionando uma festa permanente.
Este seria o momento ideal para eu vestir a 2toga do moralista vulgar, lançando raios
homéricos sobre a 3nefasta tecnologia. A data, aliás, seria a mais apropriada: o iPhone
nasceu dez anos atrás e o dilúvio começou.
4
Infelizmente, não posso pregar. Eu também faço parte do clube que prefere o
smartphone ao velho e bom cochilo.
Especialistas diversos gostam de explicar a compulsão. 5É como uma droga, dizem
eles: quando 6espreitamos as mensagens, o e-mail, as redes sociais, procuramos uma
espécie de recompensa neurobiológica muito semelhante a um viciado.
7
O problema se agrava quando somos privados da nossa dose – e eu sei, o leitor
sabe, todos sabemos dessa miserável privação.
Tempos atrás, esqueci-me do celular em casa e parti em viagem. Quando dei conta
do estrago, uma inquietude foi crescendo com o passar das horas.
Ainda pensei em pedir ao companheiro do lado para me emprestar o smartphone
dele. Só para eu ler as minhas mensagens. Ou até, sei lá, as mensagens dele. Qualquer coisa
servia. 8Eu era como alguns alcoólatras que, na ausência de bebidas legais, começam a
despejar perfume pela goela.
Controlei-me. Telefonei para casa – de um telefone fixo, entenda – e pedi, com um
último fôlego, que me lessem as novidades. Nenhuma delas era urgente, sequer
interessante. Mas o corpo sossegou e mergulhou naquele estranho 9torpor que Thomas de
Quincey relatou nas suas "Confissões de um Comedor de 10Ópio". Como se chegou até aqui?
Verdade: o tédio sempre foi o grande terror dos homens modernos. 11Ter no bolso
um aparelho que garante distração permanente é a melhor forma de afastar o fantasma.
Acontece que o tédio tem as suas vantagens. O filósofo Mark Kingwell tem escrito
sobre a matéria (...) Só o tédio, escreve ele, é capaz de sinalizar a existência de um problema
entre nós e o mundo. O tédio é a "suspensão da suspensão" em que vivemos – uma forma
terapêutica, e até brutal, de olharmos para a realidade sem fugas. E de agirmos em
conformidade.
Quando abolimos o tédio, e o "dom da escuta" que só ele oferece, desaparece uma
parte da nossa humanidade – aquela parte que reflete, imagina ou cria. E que problematiza,
critica, propõe.
No futuro, não será apenas a audiência que estará mergulhada nas telas dos
smartphones. Também suspeito que os próprios conferencistas, privados de pensar e sem
nada para dizer, terão o mesmo comportamento.
12
Imagino um encontro de silêncios, onde todos os presentes estarão ausentes – e só
o homem entediado terá chance de salvação.
Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2017/06/1897093-so-o-
homem-entediado-tera-chance-de-salvacao-num-futuro-de-smartphones.shtml>. Último
acesso em 06 de julho de 2017. (Adaptado).
VOCABULÁRIO:
2. Toga – traje preto e comprido, usado por advogados e por professores catedráticos e
doutorados em ocasiões especiais.
3. Nefasto – nocivo, prejudicial, perverso, trágico, mau.
6. Espreitar – espiar, olhar demorada e fixamente.
9. Torpor – indiferença ou apatia moral; indolência, prostração.
10. Ópio – narcótico, droga que provoca adormecimento.
9 [ 181576 ]. O autor do texto escreve sua crônica praticamente toda de acordo com a
norma padrão da Língua Portuguesa. Um exemplo claro é a regência do verbo assistir,
adequadamente aplicada na frase transcrita abaixo:
Marque a única opção que obedece à norma padrão quanto à regência verbal ou nominal
nas frases que seguem.
a) Consumidores preferem mais smartphones do que celulares convencionais.
b) Hoje todas as músicas que as pessoas gostam podem ser acessadas no celular, por
exemplo, pelo Spotify.
c) Os smartphones também são usados para assistir vídeos no Youtube.
d) O medo ao tédio leva muitas pessoas a se manterem conectadas todo o tempo em que
estão acordadas.
e) Hoje professores pedem constantemente a seus alunos que deixem o celular e participem
das aulas.
12 [ 204517 ]. “Aqui está a curiosa propriedade a que nos referimos” (2º parágrafo)
Texto
(Adaptado de https://www.mundovestibular.com.br/vestibular/noticias/brasileira-ganha-
bolsa-para-estudar-em-han/ard/. Acessado em: 02/09/2020)
13 [ 197107 ]. Em "Por outro lado, inicialmente eu achei difícil me adaptar à cultura
estadunidense", apesar de não ser um profissional da língua portuguesa, o autor do texto
utilizou a regência correta do verbo destacado.
Das alternativas a seguir, apenas uma delas segue a norma-padrão da língua. Assinale-a.
a) Já faz mais de dois meses que não paga a secretária.
b) Desde muito jovem, Solano namorava com várias meninas ao mesmo tempo.
c) A torcida não cansava de assistir os gols da seleção brasileira.
d) A traição implica sérios prejuízos para a relação.
e) Prefiro os sinceros ignorantes do que os falsos educados.
14 [ 203255 ]. Assinale a opção na qual a regência do verbo NÃO foi utilizada de acordo
com a modalidade padrão.
a) Eu, com certeza, queria ter errado mais e ter assistido mais ao sol nascer.
b) Eu preferia ter me arriscado mais do que ter essa dor profunda no coração.
c) Eu deveria ter desobedecido mais às regras e ter descomplicado mais a minha vida.
d) O acaso vai me perdoar e eu vou me esquecer de todas as minhas tristezas.
e) O acaso ensinará as crianças a se importarem menos com os pequenos problemas.
15 [ 192380 ]. Assinale a frase que está de acordo com as normas da língua escrita padrão.
a) Toda comunidade indígena, cujas aspirações e necessidades devem vincular-se as políticas
públicas, possui cultura própria, de que precisa ser respeitada.
b) Toda comunidade indígena, de cujas aspirações e necessidades devem vincular-se às
políticas públicas, possui cultura própria, a que precisa ser respeitada.
c) Toda comunidade indígena, a cujas aspirações e necessidades devem vincular-se às
políticas públicas, possui cultura própria, à qual precisa ser respeitada.
d) Toda comunidade indígena, a cujas aspirações e necessidades devem vincular-se as
políticas públicas, possui cultura própria, que precisa ser respeitada.
(Jacques Le Goff)
fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, 4mas sim pedaços dele,
miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir.
Fotos, que enfeixam o mundo, parecem solicitar que as enfeixemos também. São
afixadas em álbuns, emolduradas e expostas em mesas, pregadas em paredes, projetadas
como diapositivos. Por meio de fotos, 5cada família constrói uma crônica visual de si mesma
— um conjunto portátil de imagens que dá 6testemunho de sua coesão. Um álbum de fotos
de família é, em geral, um álbum sobre a família ampliada — e, muitas vezes, o que dela
resta.
7
Assim como 8as fotos dão às pessoas a posse imaginária de um passado irreal,
9
também as ajudam a tomar posse de um espaço 10em que se acham inseguras.
(SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 14-5 e 19.
Texto adaptado.)
Vocabulário
17 [ 191184 ]. Na oração “as fotos dão às pessoas a posse imaginária de um passado irreal”
(referência 8), o verbo apresenta uma regência equivalente à que ocorre em
a) “a câmera é o branco ideal da consciência.” (referência 1)
b) “Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo.” (referência 3)
c) “cada família constrói uma crônica visual de si mesma.” (referência 5)
d) “também as ajudam a tomar posse de um espaço.” (referência 9)
e) “em que se acham inseguras” (referência 10)
Sou do tipo que chora. Batizado, casamento*, mas principalmente formatura. Como
é bonita a chance e o cumprimento do estudo. Pra todo mundo, universal mesmo. 1Imagina
a oportunidade a quem só poderia se formar em escola pública. De arrepiar. Por isso
comemoro aqui o diploma de mais 423 alunos da URCA, a Universidade Regional do Cariri,
conforme leio no site “Miséria”, o jornal da minha aldeia universalíssima. A festa foi nesta
quinta (08/08) e haja 2orgulho na gente de pequenas cidades e da roça nos arredores da
Chapada do Araripe. São 12,5 mil alunos nesta escola mantida pelo governo cearense.
Sou do tipo que chora com o ensino público e gratuito e a chance para quem vem lá
do mato. Na formatura da 3URCA, haja primos, 4pense num povo metido, né, 5ave palavra,
que orgulho enquadrado na parede. Pense numa “balbúrdia”, 6esse povo “lá de nós”, como
na bendita 7linguagem caririense, 8formada em Artes Visuais, Biologia, Ciências Econômicas,
Ciências Sociais, Direito, Enfermagem, Educação Física, Engenharia de Produção, Física,
Geografia, História, Letras, Matemática, Pedagogia, Teatro e Tecnologia da Construção Civil.
Pense!
E mais orgulhosamente ainda 9vos digo: a URCA, segundo o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 10viva o gênio Anísio Teixeira, tem a
menor taxa de evasão universitária do Brasil, apenas 4,47%. Como a turma dá valor ao
candeeiro iluminista sertões adentro. Choro um Orós inteiro e ainda derramo minhas
lágrimas no Jaguaribe, rio 11que constava nos meus livros didáticos como o “rio mais seco do
mundo”. 12Desculpa aí, hoje só 13venho 14com as grandezas.
Hoje, se eu pudesse, faria você também refletir com um discurso na linha do David
Foster Wallace (1962-2008). Aquela sua fala como paraninfo de uma turma de formandos
americanos do Kenyon College, em 2005, Gambier, Ohio. Ele escreveu uma singularíssima
fábula sobre — 15repare só! — dois peixinhos e a água. Recomendo a leitura. O texto está no
livro Ficando longe do fato de já estar meio que longe de 16tudo (Companhia das Letras).
De Ohio ao Cariri. Além da URCA, em 2013 conquistamos (nada é de graça) a UFCA, a
brava Universidade Federal do Cariri. 17Era um facho, uma fogueira, era um candeeiro, era
uma lamparina, era uma luminária a gás butano, fez-se a luz, pardon matriz iluminista,
perdão Paris, mas o mundo e o futuro 18será de um certo Cariri que peleja, aprende a
preservar e estuda, somos a própria ideia viva de Patrimônio Universal da Humanidade, só
falta o referendo da Unesco — escuto os mestres do Reizado ao fundo, que batuque afro-
indígena-futurista.
[...]
Só deixo o meu Cariri, no último pau-de-arara. Qual o quê, corri léguas rodoviárias,
rumo ao Recife, a bordo da viação Princesa do Agreste, ainda no comecinho dos anos 1980.
Espírito beatnik, por desejo e necessidade, deixei Juazeiro — onde morava —, o Crato de
nascença, a Santana (Sítio das Cobras) afetiva de infância e a Nova Olinda das primeiras
letras. Seria o primeiro representante do clã (risos rurais amarcodianos) dos Sá-Menezes-
Freire-Novais, família meio pernambucana meio cearense, a chegar ao ensino superior. Um
Xicobrás, diria, 100% escolha pública, do primário ao campus da UFPE. Hoje tenho uma
penca de primos a cada nova formatura, sem precisar sequer sair dos arredores de casa.
E pensar que não havia a 19ideia de universidade no meu terreiro. Nada disso do que
hoje comemoro com os formandos da URCA e UFCA. [...].
Só nos resta defender [...]. Sem sequer o direito ao 20VAR (olho no lance) da história.
21
jmmmmmmmmmmmkk kkll l çnçççlllçlxsp. Eita, desculpa, caro leitor, pela incompreensão
da escrita, é que minha filha Irene invadiu esta crônica — tentando ver a Pepa Pig — e
dedilhou involuntariamente estas mal-traçadas linhas. [...]
19 [ 182526 ]. Leia:
Resposta da questão 1:
[B]
O substantivo “admiração” exige o uso da preposição “por”: quem tem admiração, tem
admiração por algo. Assim, a alternativa [B] deveria ser reescrita como “O pai recriminava os
hábitos culturais pelos quais a filha tinha admiração”.
Resposta da questão 2:
[B]
[A] Incorreta: há problemas em relação ao uso da crase. O correto seria: “devido a essa
questão” e “relativamente à expansão”.
[C] Incorreta: o verbo “deixar” é transitivo direto e, assim, seu complemento deveria
corresponder a um objeto direto e não indireto, como marcado pelo pronome “lhes”. O
correto seria: “para não os deixar”.
[D] Incorreta: é preciso inserir a preposição “em” antes do pronome relativo “que”, já que
ele retoma um lugar. O correto seria: “As universidades são organizações em que você...”
Resposta da questão 3:
[A]
Em [A], o acento grave indicativo de crase é utilizado para marcar uma locução adverbial de
tempo (“à tarde”).
Nas outras alternativas, o acento marca a regência: em [B], temos a regência do substantivo
“indiferente” (indiferente a algo); em [C], temos a regência do verbo levar (levar algo a
alguém); em [D], temos a regência do verbo furtar (furtar-se a algo); em [E], temos a
regência do verbo “passar” (passar a algo).
Resposta da questão 4:
[C]
Na primeira ocorrência, a crase da preposição “a”, exigida pelo adjetivo “semelhante”, e o
pronome demonstrativo aquele justifica o uso de acento grave: àquele. Na segunda, a
contração da preposição de com o pronome aquele dá origem a “daquele”. Na última, a
contração da preposição em com o pronome justifica o uso do termo “naquele”, remetendo
ao lugar mais seguro para a leitura. Assim, é correta a opção [C].
Resposta da questão 5:
[C]
Resposta da questão 6:
[D]
A primeira lacuna deve ser preenchida com os pronomes relativos “que” ou “o qual”
acompanhados da preposição “com” exigida para formação do adjunto adverbial de modo
da oração: o exibicionismo desavergonhado (com que) com o qual são manifestadas em
público essas posturas desumanas. Na segunda, acontece o mesmo processo com os
pronomes relativos “que” ou “o qual” e a preposição “com”: o desenfreio (com que) com o
qual se assedia. Como o substantivo “consenso” exige regência da preposição “sobre”, o
consenso social sobre o que é tolerável dizer, é correta apenas a opção [D].
Resposta da questão 7:
[B]
Resposta da questão 8:
[C]
É correta a opção [C], pois os espaços em branco devem ser preenchidos, respectivamente,
com os termos “às”, “Há”, “a” e “as”. Na primeira ocorrência, o acento grave indica a crase
da preposição “a”, exigida pela regência do adjetivo “atentos”, com o artigo definido “as”
que precede o substantivo “espertezas”. Na segunda, o contexto exige que se aplique o
verbo haver com o sentido de existir, ou seja, “Há”. Na sequência, apenas o artigo “a” que
antecede o substantivo “compra” deve ser usado, pois a presença da preposição “para” já
eliminaria a possibilidade de ocorrência de qualquer outra. Finalmente, na última frase, o
termo “pessoas” constitui o sujeito da oração reduzida de infinitivo, “as pessoas serem
bobas”, não admitindo, portanto, preposição.
Resposta da questão 9:
[E]
A alternativa [D] está incorreta, pois “atado” é regido pela preposição “a” e não pela
preposição “por”. Assim, o certo seria “Lucas deixou o cachorro atado a um poste”.
O verbo “preferir” é regido pela preposição “a” e não “de”. Assim, em [B], é preciso fazer
essa alteração: “Eu preferia ter me arriscado mais a ter essa dor profunda no coração”.
Resposta da questão 15:
[D]
Em [A], [B] e [C], as frases apresentam desvios à norma culta da linguagem, pois
[A] é necessário o acento grave no vocábulo “as” para indicar a crase da preposição “a”
exigida pela regência do verbo vincular e o artigo definido “as”, ligado ao substantivo
“políticas”. Também a preposição “de” é inadequada porque antecede o sujeito da
oração, pronome relativo “que”, cujo referente é “cultura própria”.
[B] a preposição “de” que precede o pronome relativo “cujas” é inadequada, na medida em
que o objeto indireto do verbo vincular exige apenas a preposição “a”, corretamente
associada ao artigo “as” no sintagma “às”: “devem vincular-se às políticas públicas”.
Incorreto também o uso da preposição “a” por anteceder o sujeito da oração, pronome
relativo “que”, cujo referente é “cultura própria”.
[C] a preposição “a” é inadequada porque antecede o sujeito da oração, pronome relativo
“que”, cujo referente é “cultura própria”. O sintagma “à” está indevidamente assinalado
com acento grave, por pressupor crase de preposição com artigo na expressão que exerce
função de sujeito.
O verbo destacado é transitivo indireto, já que exige complemento indireto iniciado pela
preposição “a” (sobreviver a algo). O mesmo ocorre com o verbo da alternativa [D], “ceder”
(ceder a algo).
5 Crase
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Leia o texto abaixo para responder à(s) questão(ões) a seguir.
“[...] Alguns leitores ao lerem estas frases (poesia citada) não compreenderam logo. Creio
mesmo que é impossível compreender inteiramente à primeira leitura pensamentos assim
esquematizados sem uma certa prática.”
Mário de Andrade – Artista
1 [ 173310 ]. Assinale a opção em que o termo destacado deve ser acentuado, conforme
ocorre na expressão “à primeira leitura”.
a) Veio, finalmente, a primeira vitória de sua carreira.
b) Conheceram-se numa biblioteca: foi amor a primeira vista.
c) Não será a primeira e nem a segunda leitura que o convencerá.
d) Foi a primeira vez que viajei a Portugal, e já quero retornar.
e) Não peça informações a qualquer primeira pessoa que encontrar.
populoso da Europa: por volta de 1700, já contava com mais de 20 milhões de habitantes,
enquanto o Reino Unido tinha pouco mais de 8 milhões de pessoas. A 8população francesa
se expandiu em ritmo crescente ao longo do século XVIII, aproximando-se dos 30 milhões.
Tudo leva a crer que esse 9dinamismo demográfico, desconhecido nos séculos anteriores,
contribuiu para a 10estagnação dos salários no campo e para o aumento dos rendimentos
associados à 11propriedade da terra, sendo, portanto, um dos fatores que levaram
Revolução Francesa. 12Para evitar que torvelinho 13similar vitimasse o Reino Unido, Malthus
argumentou que 14toda assistência aos 15pobres deveria ser suspensa de imediato e a taxa de
natalidade deveria ser severamente controlada.
Já David Ricardo, que publicou em 1817 os seus Princípios de economia política e
tributação, preocupava-se com a 16evolução do preço da terra. Se o crescimento da
população e, 17consequentemente, da produção agrícola se prolongasse, a terra tenderia a
se 18tornar escassa. De acordo com a lei da oferta e da procura, o preço do bem escasso – a
terra – deveria subir de modo contínuo. No limite, 19os donos da terra receberiam uma parte
cada vez mais significativa da renda nacional, e o 20restante da população, uma parte cada
vez mais reduzida, 21destruindo o equilíbrio social. De fato, 22o valor da terra permaneceu
alto por algum tempo, mas, ao longo de século XIX, caiu em relação outras formas
de riqueza, à medida que diminuía o peso da agricultura na renda das nações. 23Escrevendo
nos anos de 1810, Ricardo não poderia antever a importância que o progresso tecnológico e
o crescimento industrial teriam ao longo das décadas seguintes para a evolução da
distribuição da renda.
Adaptado de: PIKETTY, T. O Capital no Século XXI. Trad. de M. B. de Bolle. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2014. p.11-13.
“Minha mãe, pessoa mais intransigente da casa, um dia acordou aberta _____ novas
experiências. Deixou de lado seu ponto de vista contrário _____ aquisição de animais
domésticos e achou que valeria _____ pena adotar um cão. Porém, quanto _____
passarinhos, jamais; queria-os livres para voarem rumo ______ liberdade.”
a) a - a - à - a - a
b) à - a - à - à - à
c) à - à - a - à - a
d) a - à - a - a - à
Renato Rozental
Lamentar a morte de mais de meio milhão de brasileiros por covid-19 é pouco. Esta é uma
discussão de resposta muito clara, quase óbvia. 1Se tivéssemos capacidade interna,
poderíamos ter suprido parte das necessidades do mercado e reduzido o impacto da
pandemia no sistema de saúde em tempo hábil. O quadro de calamidade é resultado de
décadas de políticas de incentivo 2___ mera reprodução em vez de estímulo 3___
capacitação profissional e ao domínio do processo produtivo.
Começar reproduzindo (‘copiando’) não é um problema. 4Basta lembrar 5da história
do nylon, fibra têxtil sintética patenteada pela empresa norte-americana DuPont em 1935 e
6
usada para provocar a indústria japonesa e fazê-la exportar menos seda. A resposta
japonesa foi 7contundente e imediata: ‘copiar’ o processo de manufatura e produzir nylon 6
meses após a desfeita. Atualmente, a China domina o mercado mundial de nylon, seguida
por 8Estados Unidos, Japão e Tigres Asiáticos. 9Os chineses perceberam que, na era
tecnológica, “o caminho mais curto para crescer é apostar em três frentes: inovação,
inovação e inovação”.
10
Nesse contexto, 11pergunto: qual é o perfil da nossa indústria farmacêutica?
12
Produzimos genéricos… até hoje. 13Mas a política 14de ‘genéricos’ tem como fragilidade o
fato de incluir apenas medicamentos cujas patentes já tenham expirado. 15O problema do
conhecimento tecnológico insuficiente e a dificuldade do nosso país em evoluir de ‘copiar’
para ‘inovar’ precisa ser tratado com prioridade e sem demagogia para romper o ciclo
vicioso da dependência tecnológica e trazer um diferencial competitivo.
O projeto de cranioplastia, reparo craniano extenso, pode ilustrar tanto a inovação
estimulada pela demanda como os entraves burocráticos ao desenvolvimento do produto.
Pelo lado clínico, 16___ cirurgias de reconstrução do crânio após remoção da calota craniana
envolvem um alto custo, incluindo a malha de titânio e porcelanato usada atualmente,
totalizando um gasto entre R$ 120 mil e R$ 200 mil por paciente, o que torna sua realização
no Sistema Único de Saúde (SUS) economicamente inviável. 17A cranioplastia faz-se
necessária não somente por razões estéticas – o que, por si só, já justificaria o procedimento
–, mas também para assegurar que o cérebro do paciente fique mais protegido e com
melhor irrigação sanguínea, resultando em melhoras cognitivas e comportamentais e
facilitando 18___ reintrodução do indivíduo na sociedade. 19No momento, infelizmente, a
implantação de próteses cranianas é realizada pelo SUS somente mediante doação ou após
sentença judicial, considerando que o paciente corre risco de vida.
Nossa equipe desenvolveu uma solução utilizando uma prótese de
polimetilmetacrilato (PMMA) confeccionada durante o período da cirurgia, com resultados
semelhantes 20e até superiores aos das próteses de titânio e porcelanato disponíveis, mas
com custo cerca de 20 vezes menor que o praticado no mercado, tornando o tratamento,
em teoria, viável e acessível à rede SUS. Estamos confiantes nos resultados das próteses
feitas de PMMA, na análise dos custos e na adequabilidade do produto para o mercado.
A ciência translacional não é algo que possa se embutir no sistema por decreto.
21
Grandes organizações, públicas e privadas, estão amarradas nas suas próprias burocracias,
o que dificulta o processo criativo e de inovação. No contexto da inovação em saúde,
precisamos inserir formas de gestão flexíveis, ágeis, que envolvam tomadas de decisão
descentralizadas, permitindo a responsabilização de todos os atores envolvidos, de modo a
ampliar os espaços de criatividade e de ousadia na busca e na implementação de soluções.
22
O que não dá para aceitar é continuar 23___ andar com o ‘freio de mão puxado’ e na
contramão do desenvolvimento sustentável.
24
Por fim, a dicotomia entre público e privado já deveria ter sido ultrapassada. A
saúde é direito de todos e dever do Estado. 25Quem trabalha com inovação quer ver o
produto funcionando no mercado global. 26Certa vez, em 1995, tive a oportunidade de ouvir
de Eric Kandel (Universidade Columbia), Rodolfo Llinás (Universidade de Nova York) e
Torsten Wiesel (Universidade Rockfeller) uma previsão sobre o cenário de concessões nos
Institutos Nacionais da Saúde (NIH) em 2015-2020: “quem não desenvolvesse uma ‘pílula’
para a sociedade como resultado do seu projeto de pesquisa estaria fora do pool”. Tal visão
está se tornando uma realidade global. 27Pessoalmente, acredito que um dos compromissos
mais preciosos que temos com a nossa população é o de proporcionar hoje, e não amanhã,
uma solução para que todos possam ser atendidos a tempo e desfrutem de boa qualidade
de vida.
Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que
determinei logo de começar por ela esta crônica. Agora, porém, no momento de pegar na
pena, receio achar no leitor menor gosto que eu para um espetáculo, que lhe parecerá
vulgar, e porventura torpe. Releve a importância; os gostos não são iguais.
Entre a grade do jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo
passadiço, ao pé dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar não era próprio
para remanso de burros, donde concluí que não estaria deitado, mas caído. Instantes depois,
vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro levantar a cabeça e meio corpo. Os ossos
furavam-lhe a pele, os olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz
cabeceava, mais tão frouxamente, que parecia estar próximo do fim.
Diante do animal havia algum capim espalhado e uma lata com água. Logo, não foi
abandonado inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem quer que seja que o
deixou na praça, com essa última refeição à vista. Não foi pequena ação. Se o autor dela é
homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui um aperto de mão. O burro não
comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em
campos mais largos e eternos. Meia dúzia de curiosos tinha parado ao pé do animal. Um
deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, e se não sentia o desejo de dar com ela na
anca do burro para espertá-lo, então eu não sei conhecer meninos, porque ele não estava do
lado do pescoço, mas justamente do lado da anca. Diga-se a verdade; não o fez – ao menos
enquanto ali estive, que foram poucos minutos. Esses poucos minutos, porém, valeram por
uma hora ou duas. Se há justiça na Terra valerão por um século, tal foi a descoberta que me
pareceu fazer, e aqui deixo recomendada aos estudiosos.
O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos
curiosos, como ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos. Era um
trabalho interior e profundo. Este remoque popular: por pensar morreu um burro mostra
que o fenômeno foi mal entendido dos que a princípio o viram; o pensamento não é a causa
da morte, a morte é que o torna necessário. Quanto à matéria do pensamento, não há
dúvidas que é o exame da consciência. Agora, qual foi o exame da consciência daquele
burro, é o que presumo ter lido no escasso tempo que ali gastei. Sou outro Champollion,
porventura maior; não decifrei palavras escritas, mas ideias íntimas de criatura que não
podia exprimi-las verbalmente.
E diria o burro consigo:
“Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso. Não
furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha
vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade e
de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar. Quando ao zurro, usei dele
como linguagem. Ultimamente é que percebi que me não entendiam, e continuei a zurrar
por ser costume velho, não com ideia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no chão.
Quando passei do tílburi ao bonde, houve algumas vezes homem morto ou pisado na rua,
mas a prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui o cocheiro na fuga; deixava-
me estar aguardando autoridade.”
“Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de
haver pensado sequer na perturbação da paz pública. Além de ser a minha índole contrária a
arruaças, a própria reflexão me diz que, não havendo nenhuma revolução declarado os
direitos do burro, tais direitos não existem. Nenhum golpe de estado foi dado em favor dele;
nenhuma coroa os obrigou. Monarquia, democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo,
teve em conta os interesses da minha espécie. Qualquer que seja o regime, ronca o pau. O
pau é a minha instituição um pouco temperada pela teima que é, em resumo, o meu único
defeito. Quando não teimava, mordia o freio dando assim um bonito exemplo de submissão
e conformidade. Nunca perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês no tílburi ou
o apito do bonde, para sair logo. Até aqui os males que não fiz; vejamos os bens que
pratiquei.”
“A mais de uma aventura amorosa terei servido, levando depressa o tílburi e o
namorado à casa da namorada – ou simplesmente empacando em lugar onde o moço que ia
ao bonde podia mirar a moça que estava na janela. Não poucos devedores terei conduzido
para longe de um credor importuno. Ensinei filosofia a muita gente, esta filosofia que
consiste na gravidade do porte e na quietação dos sentidos. Quando algum homem, desses
que chamam patuscos, queria fazer rir os amigos, fui sempre em auxílio deles, deixando que
me dessem tapas e punhadas na cara. Em fim…”
Não percebi o resto, e fui andando, não menos alvoroçado que pesaroso. Contente
da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia
morrer. A consideração, porém, de que todos os burros devem ter os mesmos dotes
principais, fez-me ver que os que ficavam não seriam menos exemplares do que esse. Por
que se não investigará mais profundamente o moral do burro? Da abelha já se escreveu que
é superior ao homem, e da formiga também, coletivamente falando, isto é, que as suas
instituições políticas são superiores às nossas, mais racionais. Por que não sucederá o
mesmo ao burro, que é maior?
Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de Novembro, achei o animal já morto.
Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante; mas a
infância, como a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia cadáver nem nada. Assim
passam os trabalhos deste mundo. Sem exagerar o mérito do finado, força é dizer que, se ele
não inventou a pólvora, também não inventou a dinamite. Já é alguma coisa neste final de
século. Requiescat in pace.
5 [ 196640 ]. Assinale a opção em que o acento grave indicativo de crase NÃO é colocado
por uma situação de regência.
a) “Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que
determinei logo de começar por ela esta crônica.”
b) “Indiferente aos curiosos, co,o ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos
meditativos.”
c) “[...] levando depressa o tílburi e o namorado à casa da namorada.”
d) “[...] não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia morrer.”
e) “Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de
haver pensado sequer na perturbação da paz pública.”
6 [ 197037 ]. O acento grave indicador de crase deve ser utilizado, de acordo com a norma-
padrão da Língua Portuguesa, na palavra destacada em:
a) As pesquisas médicas são essenciais devido a urgência de implantar medidas efetivas de
combate às pandemias.
b) O bom uso dos recursos digitais conduz as pessoas a novas formas de aprendizado
científico.
c) Os países vêm utilizando diversas tecnologias que aumentam a capacidade de ação do ser
humano.
d) A tecnologia tem contribuído com progressos significativos para a humanidade desde a
revolução industrial.
e) O primeiro passo para buscar a cura de uma nova doença é conhecer os seus agentes
causadores.
I. _____ dois anos não _____ visitava, mas sua mãe sempre esteve _____ espera.
II. _____ beira do precipício, _____ poucos arbustos _____ decorar a paisagem.
III. _____ quem quisesse ver, demonstrei que não _____ possibilidade de resolver _____
questão.
IV. _____ alguma chance, _____ custa de muito esforço, de obter _____ vaga pretendida.
V. _____ ao menos três maneiras de encaminhar isso _____ quem está _____ disposição
para ajudar.
As frases corretas, de acordo com a ordem proposta, são:
a) II - III - IV
b) I - V
c) I - III - IV
d) III - V
1
A filha do cacique da tribo deu à luz uma linda indiazinha. A tribo espantou-se:
– Como é branquinha esta criança!
E era mesmo. Perto dos outros curumins da taba, parecia um raiozinho de lua. Chamaram-na
Mani. Mani era linda, silenciosa e quieta. Comia pouco e pouco bebia. Os pais preocupavam-
se.
– Vá brincar, Mani, dizia o pai.
– Coma um pouco mais, dizia a mãe.
Mas a menina continuava quieta, cheia de sonhos na cabecinha. Mani parecia esconder um
mistério.
Uma bela manhã, não se levantou da rede. O pajé foi chamado. Deu ervas e bebidas à
menina. Mas não atinava com o que tinha Mani. Toda a tribo andava triste. Mas, deitada em
sua rede, Mani sorria, sem doença e sem dor.
E, sorrindo, Mani morreu. Os pais a enterraram dentro da própria oca. E regavam sua cova
todos os dias, como era costume entre os índios Tupis. Regavam com lágrimas de saudade.
Um dia, perceberam que do túmulo de Mani rompia uma plantinha verde e viçosa.
– Que planta será esta? Perguntaram, admirados. Ninguém a conhecia.
– É melhor deixá-la crescer, resolveram os índios.
E continuaram a regar o brotinho mimoso. A planta desconhecida crescia depressa. Poucas
luas se passaram e ela estava altinha, com um caule forte, que até fazia a terra se rachar em
torno.
– A terra parece fendida, comentou a mãe de Mani.
– Vamos cavar?
E foi o que fizeram. Cavaram pouco e, à flor da terra, viram umas raízes grossas e morenas,
quase da cor dos curumins, nome que dão aos meninos índios. Mas, sob a casquinha
marrom, lá estava a polpa branquinha, quase da cor de Mani. Da oca de terra de Mani surgia
uma nova planta!
– Vamos chamá-la Mani-oca, resolveram os índios.
2
– E, para não deixar que se perca, vamos transformar a planta em alimento!
Assim fizeram!
Depois, fincando outros ramos no chão, fizeram a primeira plantação de mandioca. E até
hoje entre os índios do Norte e Centro do Brasil é este um alimento muito importante. E, em
todo o Brasil, quem não gosta da plantinha misteriosa que surgiu na casa de Mani?
9 [ 193960 ]. No primeiro parágrafo, lê-se: “A filha do cacique da tribo deu à luz uma linda
indiazinha.” (ref. 1)
Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura
que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem
sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois
me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a
moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março,
que levam tudo.
Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria
perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no
coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse
uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.
E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais
mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como
um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de
divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no seu duodeno), teria o
mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos
pendurados no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua
orelha malformada; mas a má formação interna é marca de originalidade, que se descreve
aos outros com evidente orgulho.
Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a
notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um
sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.
Parece que o principal impedimento é o estético. Pois se todos gostam de se
distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de
que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma
glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos
pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima
nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitira mesmo que os circunstantes curiosos
lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença
nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela
gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade
de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na
obrigação de desviar a vista e mudar de assunto.
Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já
não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela
tivesse um pé infantil, ou seios senis. será que os declararia com a mesma complacência?
Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob
pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal
reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se
dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem
doidice pegam.
Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto
que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça
feio.
Fonte: O melhor da crônica brasileira,1/ Ferreira Guillar... [et al.]. 5a ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2007.
Vocabulário:
épater: impressionar
Tendo em vista outros empregos da expressão sublinhada, deve ocorrer o uso do acento
grave somente em:
a) Era maravilhosa a vista da janela daquele quarto.
b) Usar computador constantemente pode prejudicar a vista.
c) Quando será realizada a vista de prova?
d) Dói-me a vista esquerda.
e) A gasolina está no fim e não há um posto de combustível a vista.
Texto
(Adaptado de https://www.mundovestibular.com.br/vestibular/noticias/brasileira-ganha-
bolsa-para-estudar-em-han/ard/. Acessado em: 02/09/2020)
A mesma afirmação só pode ser feita em relação a uma das alternativas a seguir. Assinale-a.
a) Irei à Santa Catarina aproveitar o sol.
b) Fui à Londres e visitei vários castelos.
c) Fui cedo à Madri e vi um belo jogo.
d) Não há como ir à Roma e não visitar o Papa.
e) Vou à Búzios das belas praias passar o feriado.
12 [ 192380 ]. Assinale a frase que está de acordo com as normas da língua escrita padrão.
a) Toda comunidade indígena, cujas aspirações e necessidades devem vincular-se as políticas
públicas, possui cultura própria, de que precisa ser respeitada.
b) Toda comunidade indígena, de cujas aspirações e necessidades devem vincular-se às
políticas públicas, possui cultura própria, a que precisa ser respeitada.
c) Toda comunidade indígena, a cujas aspirações e necessidades devem vincular-se às
políticas públicas, possui cultura própria, à qual precisa ser respeitada.
d) Toda comunidade indígena, a cujas aspirações e necessidades devem vincular-se as
políticas públicas, possui cultura própria, que precisa ser respeitada.
(COUTINHO, Eduardo Granja, ARAÚJO, Marianna. Rap: uma linguagem dos guetos. In: PAIVA,
Raquel, TUZZO, Simone Antoniaci (Orgs.). Comunidade, mídia e cidade: possibilidades
comunitárias na cidade hoje. Goiânia: FIC/UFG, 2014.)
14 [ 184164 ]. Assinale a alternativa em que a reescrita proposta NÃO está de acordo com a
norma padrão da Língua Portuguesa.
a) “O rap é hoje uma forma de expressão comunitária, por meio da qual se comunicam...”
(ref. 1) O rap é hoje uma forma de expressão comunitária, com à qual se comunicam.
b) “O descontentamento popular com a guerra do Vietnã somava-se à pressão das
comunidades negras...” (ref. 2 Ao descontentamento popular com a guerra do Vietnã
somava-se a pressão das comunidades negras.
c) “...submetidas a leis similares às do apartheid...” (ref. 3) ...submetidas a leis similares
àquelas do apartheid.
d) “...denunciavam as condições às quais eram submetidas as populações dos guetos.” (ref.
4) denunciavam as condições a que eram submetidas as populações dos guetos.
Uma imagem vale mais que mil palavras. Da mesma forma, parece que há mais por
trás das selfies do que pode parecer à primeira vista. A obsessão online que vivemos hoje
tem sido vinculada à vaidade e até à opressão de gênero. Mas poderia ser também um
comportamento guiado pela economia?
Asma Elbadawi é uma artista visual de origem inglesa e sudanesa. Ela acha que o
capitalismo moderno impulsiona as mulheres a se fotografarem como objetos de desejo.
Recentemente, ela postou uma selfie no Instagram com desenhos no rosto, lembrando as
marcas feitas em pacientes antes de uma cirurgia plástica. Elbadawi, ativista reconhecida
pelo empoderamento de jovens muçulmanas, afirma que sua intenção era usar a linguagem
de cartazes publicitários, criando uma mensagem irônica.
O trabalho de Elbadawi levanta uma questão interessante. Conquistas femininas
possibilitaram às mulheres denunciarem tudo que as objetifica, desde a cantada na rua até a
cultura machista do teste de fidelidade de programas de auditório. Apesar disso, a
disseminação das redes sociais faz com que sejamos bombardeados com imagens
sexualizadas de mulheres. Por quê?
Khandis Blake, psicóloga na Universidade de New South Wales, em Sydney, pesquisa
o que a sexualização das mulheres pode nos dizer sobre as sociedades. Segundo ela, as
selfies são geralmente tiradas como um sinal de discriminação de gênero. Ou seja, as
mulheres tiram selfies porque elas sentem que precisam parecer atraentes para os homens.
Mas, além disso, a última pesquisa de Blake encontrou um aspecto econômico. O
resultado é que o fenômeno da selfie sexy é mais prevalente em países educados e
desenvolvidos, afirma Blake. "São as mesmas sociedades que passaram décadas lutando
contra a objetificação sexual de mulheres e garotas - e que estão fazendo com que homens
poderosos expliquem seu comportamento em relação a mulheres".
Para entender essa aparente contradição, a equipe da psicóloga avaliou indicadores
econômicos e de gênero nesses países e descobriu que as mulheres são mais propensas a
investir tempo e esforço em tirar e postar selfies sexy em países onde a desigualdade
econômica está subindo.
Isso explicaria, segundo ela, por que os Estados Unidos, Reino Unido e Cingapura -
onde a desigualdade de renda está aumentando - estão entre os países mais viciados em
selfies, juntamente com um conjunto de países menos desenvolvidos mas muito desiguais -
como Brasil, México e Colômbia.
I. A expressão “à primeira vista” (1º parágrafo), recebe o acento grave por causa da regência
do verbo “parecer”, que exige complemento com a preposição “a”.
II. Em “A obsessão online que vivemos hoje tem sido vinculada à vaidade” (1º parágrafo), o
uso do acento grave indica a contração da preposição “a” exigida pela locução “tem sido
vinculada” e o artigo “a”, determinante do substantivo “vaidade”.
III. Na expressão “até à opressão de gênero” (1º parágrafo), o uso do acento grave é
facultativo, pois “até” já cumpre a função de preposição.
IV. No trecho “Conquistas femininas possibilitaram às mulheres denunciarem tudo que as
objetifica” (3º parágrafo), o uso do acento grave é obrigatório para indicar a junção da
preposição exigida pelo verbo “possibilitar” com o artigo “as”, que antecede o
substantivo “mulheres”.
V. Em “descobriu que as mulheres são mais propensas a investir” (6º parágrafo), o uso do
acento grave diante do substantivo “mulheres” é facultativo, pois a conjunção “que” já
cumpre a função de preposição.
Resposta da questão 1:
[B]
O “a” é acentuado em “à primeira leitura”, pois ele marca a união do artigo feminino “a”,
que antecede “primeira” e a preposição “a”. A mesma junção deve ocorrer em [B]: temos a
preposição “a”, introduzindo o adjunto que indica a forma como foi o amor, unida ao artigo
feminino “a”, que antecede “primeira”.
Nas alternativas [A], [C] e [D], não há preposição antecedendo “primeira”, somente o artigo.
Na alternativa [E], há preposição antecedendo “qualquer”, mas não há artigo definido
feminino, uma vez que “qualquer” é uma palavra invariável.
Resposta da questão 2:
[A]
A alternativa [B] está incorreta, pois na lacuna 1 ocorre crase na locução com o substantivo
feminino “vésperas”.
Já na alternativa [C] está incorretamente indicada a ocorrência de crase na lacuna 3, pois
nesse caso não há artigo.
Está errada a alternativa [D], porque na lacuna 2 o verbo “levar” demanda o uso da
preposição “a”, que, por vir antes de um substantivo feminino (“Revolução”) e
acompanhando o artigo feminino “a”, deve carregar o acento grave para indicar a ocorrência
de crase.
E a alternativa [E] está incorreta por trazer os mesmo equívocos presentes nas alternativas
[B] e [D].
Resposta da questão 3:
[D]
A crase ocorre quando há a junção do artigo feminino “a” com a preposição “a”. Dessa
forma, nesse exercício que só apresenta alternativas no singular (“a” ou “à”), a crase só pode
ocorrer quando anteceder palavras femininas no singular e precedidas pela preposição “a”.
Na primeira lacuna, ainda que tenhamos a preposição “a” (abertas a), temos uma palavra no
plural e, dessa forma, fica evidente que não há artigo feminino antecedendo-a. Portanto,
não há crase.
Na segunda lacuna, temos tanto a preposição “a” (contrário a) quanto o artigo feminino “a”
que precede a palavra feminina singular “aquisição”. Portanto, há crase.
Na terceira lacuna, temos o artigo feminino “a”, que antecede o substantivo feminino
“pena”, mas não temos a preposição “a”, já que o verbo “valer” não exige preposição.
Portanto, não há crase.
Na quarta lacuna, o substantivo é masculino e plural (passarinhos) e, dessa forma, não pode
haver crase, já que não há artigo feminino.
Por fim, na última lacuna, temos a junção da preposição “a” (rumo a) e do artigo feminino
“a” que determina a palavra feminina singular “liberdade”. Portanto, há crase.
Resposta da questão 4:
[A]
Na primeira lacuna, vemos a preposição “a”, por conta da regência nominal de “incentivo”
(incentivo a algo), e o artigo definido feminino “a”, que antecede a expressão “mera
reprodução”. Assim, há crase.
Na segunda lacuna, vemos novamente a preposição “a”, por conta da regência nominal de
“estímulo” (estímulo a algo), e o artigo definido feminino “a”, que antecede o substantivo
feminino “capacitação”.
Na terceira lacuna, há apenas o artigo feminino no plural (“as”), que determina o substantivo
“cirurgias”.
Na quarta lacuna, há apenas o artigo feminino no singular (“a”), que determina o substantivo
“reintrodução”.
Por fim, na última lacuna, vemos apenas a preposição “a” (quem continua, continua a fazer
algo).
Resposta da questão 5:
[A]
Em [A], o acento grave indicativo de crase é utilizado para marcar uma locução adverbial de
tempo (“à tarde”).
Nas outras alternativas, o acento marca a regência: em [B], temos a regência do substantivo
“indiferente” (indiferente a algo); em [C], temos a regência do verbo levar (levar algo a
alguém); em [D], temos a regência do verbo furtar (furtar-se a algo); em [E], temos a
regência do verbo “passar” (passar a algo).
Resposta da questão 6:
[A]
Em [A], vemos a palavra feminina “urgência”, que deve ser antecedida pelo artigo feminino
“a” e também pela preposição “a”, já que a palavra da qual ela completa o sentido é regida
por essa preposição (devido a algo). Assim, temos a junção do artigo feminino e da
preposição, o que resulta na crase.
Em [B], temos apenas a preposição “a”. Em [C], [D] e [E], temos apenas o artigo feminino
“a”. Por isso, não deve haver crase nessas alternativas.
Resposta da questão 7:
[A]
A alternativa [A] está correta e para que as outras se tornem corretas, devem ser reescritas:
[B] Meus leitores fizeram referência a esta viagem ao Chile, mas também elogiaram minha
ida a Paris e a Londres.
[C] Eu estava disposta a fazer coisas que nunca havia feito: andar a cavalo, ir à praia e, sem
dúvidas visitar a casa de Pablo Neruda.
[D] À medida que o tempo passava, mais mudanças eu realizava, a fim de não deixar de
vivenciar novas experiências.
[E] Minhas filhas não viam o gato delas desde a semana passada, quando viajamos; e,
mesmo à distância, sentiam muito a falta dele.
Resposta da questão 8:
[B]
É correta a opção [B], pois apenas as frases transcritas em [I] e [V] admitem a sequência Há,
a, à, respectivamente. Em [I], o verbo haver expressa noção de tempo na primeira lacuna, o
pronome oblíquo ”a” exerce função de objeto direto do verbo visitar na segunda e “à”,
aglutinação da preposição “a” e artigo definido “a”, faz parte da locução adverbial “à
espera”, na última. Em [V], de novo o verbo haver expressa noção de tempo na primeira
lacuna, a preposição “a” precede o objeto indireto do verbo encaminhar na segunda e “à”,
aglutinação da preposição “a” e artigo definido “a”, faz parte da locução adverbial “à
disposição”, na última.
Resposta da questão 9:
[D]
Como vemos no trecho destacado, o objeto direto do verbo “dar” é “uma linda indiazinha”
e, assim, o objeto indireto é “luz”. Dessa forma, “luz” é regido pela preposição “a” e, por ser
substantivo feminino, é antecedido pelo artigo definido feminino “a”. Tem-se, assim, o uso
da crase.
O uso do acento grave, indicador da crase da preposição “a” como o artigo “a”, ocorre
apenas na frase da opção [E], pois trata-se de uma locução adverbial feminina equivalente a
ao alcance da vista. Nas demais opções a palavra “vista” é substantivo feminino precedido
de artigo “a”: em [A] com o significado de panorama, em [B], de visão, em [C], de verificação
de autos de um processo e em [D], de globo ocular.
Não se usa crase antes de nomes de cidades, já que estes não costumam ser antecedidos
pelo artigo feminino “a”. No entanto, quando o nome da cidade está ligado a alguma
característica, podemos ter o uso da crase, já que o artigo feminino pode precedê-lo,
especificando-o. É o que vemos em [E]: a Búzio das belas praias, e não uma Búzio qualquer.
Assim, temos a junção da preposição “a” com o artigo feminino “a”.
Resposta da questão 12:
[D]
Em [A], [B] e [C], as frases apresentam desvios à norma culta da linguagem, pois
[A] é necessário o acento grave no vocábulo “as” para indicar a crase da preposição “a”
exigida pela regência do verbo vincular e o artigo definido “as”, ligado ao substantivo
“políticas”. Também a preposição “de” é inadequada porque antecede o sujeito da
oração, pronome relativo “que”, cujo referente é “cultura própria”.
[B] a preposição “de” que precede o pronome relativo “cujas” é inadequada, na medida em
que o objeto indireto do verbo vincular exige apenas a preposição “a”, corretamente
associada ao artigo “as” no sintagma “às”: “devem vincular-se às políticas públicas”.
Incorreto também o uso da preposição “a” por anteceder o sujeito da oração, pronome
relativo “que”, cujo referente é “cultura própria”.
[C] a preposição “a” é inadequada porque antecede o sujeito da oração, pronome relativo
“que”, cujo referente é “cultura própria”. O sintagma “à” está indevidamente assinalado
com acento grave, por pressupor crase de preposição com artigo na expressão que exerce
função de sujeito.
Em [A], o trecho pode ser reescrito com a expressão “com a qual”, no entanto, o “a” não
deve apresentar crase, já que isso indicaria que o verbo “comunicar” seria regido pelas
preposições “a” e “com”, o que não é verdadeiro: o verbo “comunicar”, nesse caso, é regido
somente pela preposição “com”.
[I] Incorreta: a preposição “a” faz parte da expressão e não se relaciona à regência do verbo
“parecer”.
[V] Incorreta: não deve haver preposição antecedendo o termo “mulheres”, assim, não é
possível usar a crase nesse caso.
2 [ 203078 ]. No verso "O meu dia foi bom, pode a noite descer." (v. 6), as duas orações
poderiam estar unidas, sem prejuízo de sentido, por uma conjunção:
a) conclusiva.
b) adversativa.
c) concessiva.
d) temporal.
e) condicional.
1
O temido tsunami das doenças mentais não parece ter vindo. 2Há muitos relatos de
aumento de procura por atendimento. Há estudos mostrando mais pessoas com sintomas
depressivos e ansiosos. Levantamentos apontando maior risco de transtornos mentais após
infecção pelo novo coronavírus. Tudo isso é verdade, mas nada que configure -pelo menos
até agora - uma epidemia, uma catástrofe dos moldes da própria covid-19.
Mas a pandemia de covid-19 afetou as pessoas de forma muito diferente.
Dependendo das condições socioeconômicas prévias, da possibilidade de manutenção do
emprego, da presença ou não de filhos presos em casa, do risco de adoecimento, o estresse
aumentou mais ou menos.
No Reino Unido, por exemplo, uma pesquisa que acompanhou pouco mais de duas
mil pessoas ao longo do ano passado mostrou que, apesar de um aumento de sintomas
depressivos e ansiosos na primeira semana da quarentena, os números foram piores entre
pessoas pobres, jovens e com crianças pequenas para cuidar. Ainda assim, deforma geral, a
tendência se reverteu ao longo do tempo: mais da metade das pessoas se recuperou com o
passar dos dias; perto de trinta por cento manteve sintomas moderados ou graves; e quase
uma em cada dez pessoas sentiu que estava melhor do que antes. A maioria das pessoas
apresenta um bom grau de resiliência.
Esse conceito pode ser traduzido como a capacidade de se adaptar diante de
traumas importantes, absorvendo o estresse e recuperando a possibilidade de funcionar
bem no dia a dia, sem sequelas relevantes. Há vários fatores associados à resiliência que não
podemos mudar, como traços de personalidade com baixa tendência a emoções negativas
ou carga genética sem riscos para depressão. Mas felizmente uma das variáveis mais
importantes pode ser modificada: a presença de suporte social. Sentir-se inserido numa rede
de amparo, saber que se tem com quem contar na adversidade, não ter a sensação de
isolamento, faz toda diferença diante de situações estressantes, ajudando-nos a absorver os
impactos e a retomar a vida.
3
Não são todas as pessoas que têm essa possibilidade, no entanto: a solidão é um
problema crescente no mundo todo, o que, aliado à necessidade de distanciamento físico,
tornou mais difícil para algumas pessoas contar com tal suporte. Ter consciência da
importância de tal fator, contudo, é essencial para criarmos uma comunidade mais
resiliente. Primeiro porque podemos todos nos preocupar mais com isso, não
negligenciando nossas próprias redes. Mas também porque as iniciativas de governos e
terceiro setor, por meio de ONGs, igrejas, associações, podem centrar esforços na
construção de novas redes e facilitar o ingresso nelas daqueles com necessidade. Com isso,
mais gente conseguirá fazer o caminho do estresse em direção à recuperação e à saúde, e
não o inverso.
3 [ 203088 ]. No fragmento "Não são todas as pessoas que têm essa possibilidade, no
entanto: a solidão é um problema crescente no mundo todo..." (ref. 3), a locução "no
entanto" estabelece uma relação de
a) contrariedade em relação ao fato de que muitas pessoas não se inserem em redes de
amparo.
b) condição em relação ao fato de que muitas pessoas sofrem com a sensação de
isolamento.
c) conclusão em relação ao fato de que muitas pessoas se estressam ao perderem o
emprego.
d) consequência em relação ao fato de que muitas pessoas têm filhos para cuidar.
e) explicação em relação ao fato de que muitas pessoas dependem da ajuda do governo, de
igrejas, associações e ONGs.
Renato Rozental
Lamentar a morte de mais de meio milhão de brasileiros por covid-19 é pouco. Esta é uma
discussão de resposta muito clara, quase óbvia. 1Se tivéssemos capacidade interna,
poderíamos ter suprido parte das necessidades do mercado e reduzido o impacto da
pandemia no sistema de saúde em tempo hábil. O quadro de calamidade é resultado de
décadas de políticas de incentivo 2___ mera reprodução em vez de estímulo 3___
capacitação profissional e ao domínio do processo produtivo.
Começar reproduzindo (‘copiando’) não é um problema. 4Basta lembrar 5da história
do nylon, fibra têxtil sintética patenteada pela empresa norte-americana DuPont em 1935 e
6
usada para provocar a indústria japonesa e fazê-la exportar menos seda. A resposta
japonesa foi 7contundente e imediata: ‘copiar’ o processo de manufatura e produzir nylon 6
meses após a desfeita. Atualmente, a China domina o mercado mundial de nylon, seguida
por 8Estados Unidos, Japão e Tigres Asiáticos. 9Os chineses perceberam que, na era
tecnológica, “o caminho mais curto para crescer é apostar em três frentes: inovação,
inovação e inovação”.
10
Nesse contexto, 11pergunto: qual é o perfil da nossa indústria farmacêutica?
12
Produzimos genéricos… até hoje. 13Mas a política 14de ‘genéricos’ tem como fragilidade o
fato de incluir apenas medicamentos cujas patentes já tenham expirado. 15O problema do
conhecimento tecnológico insuficiente e a dificuldade do nosso país em evoluir de ‘copiar’
para ‘inovar’ precisa ser tratado com prioridade e sem demagogia para romper o ciclo
vicioso da dependência tecnológica e trazer um diferencial competitivo.
O projeto de cranioplastia, reparo craniano extenso, pode ilustrar tanto a inovação
estimulada pela demanda como os entraves burocráticos ao desenvolvimento do produto.
Pelo lado clínico, 16___ cirurgias de reconstrução do crânio após remoção da calota craniana
envolvem um alto custo, incluindo a malha de titânio e porcelanato usada atualmente,
totalizando um gasto entre R$ 120 mil e R$ 200 mil por paciente, o que torna sua realização
no Sistema Único de Saúde (SUS) economicamente inviável. 17A cranioplastia faz-se
necessária não somente por razões estéticas – o que, por si só, já justificaria o procedimento
–, mas também para assegurar que o cérebro do paciente fique mais protegido e com
melhor irrigação sanguínea, resultando em melhoras cognitivas e comportamentais e
facilitando 18___ reintrodução do indivíduo na sociedade. 19No momento, infelizmente, a
implantação de próteses cranianas é realizada pelo SUS somente mediante doação ou após
sentença judicial, considerando que o paciente corre risco de vida.
Nossa equipe desenvolveu uma solução utilizando uma prótese de
polimetilmetacrilato (PMMA) confeccionada durante o período da cirurgia, com resultados
semelhantes 20e até superiores aos das próteses de titânio e porcelanato disponíveis, mas
com custo cerca de 20 vezes menor que o praticado no mercado, tornando o tratamento,
em teoria, viável e acessível à rede SUS. Estamos confiantes nos resultados das próteses
feitas de PMMA, na análise dos custos e na adequabilidade do produto para o mercado.
A ciência translacional não é algo que possa se embutir no sistema por decreto.
21
Grandes organizações, públicas e privadas, estão amarradas nas suas próprias burocracias,
o que dificulta o processo criativo e de inovação. No contexto da inovação em saúde,
precisamos inserir formas de gestão flexíveis, ágeis, que envolvam tomadas de decisão
descentralizadas, permitindo a responsabilização de todos os atores envolvidos, de modo a
ampliar os espaços de criatividade e de ousadia na busca e na implementação de soluções.
22
O que não dá para aceitar é continuar 23___ andar com o ‘freio de mão puxado’ e na
contramão do desenvolvimento sustentável.
24
Por fim, a dicotomia entre público e privado já deveria ter sido ultrapassada. A
saúde é direito de todos e dever do Estado. 25Quem trabalha com inovação quer ver o
produto funcionando no mercado global. 26Certa vez, em 1995, tive a oportunidade de ouvir
de Eric Kandel (Universidade Columbia), Rodolfo Llinás (Universidade de Nova York) e
Torsten Wiesel (Universidade Rockfeller) uma previsão sobre o cenário de concessões nos
Institutos Nacionais da Saúde (NIH) em 2015-2020: “quem não desenvolvesse uma ‘pílula’
para a sociedade como resultado do seu projeto de pesquisa estaria fora do pool”. Tal visão
está se tornando uma realidade global. 27Pessoalmente, acredito que um dos compromissos
mais preciosos que temos com a nossa população é o de proporcionar hoje, e não amanhã,
uma solução para que todos possam ser atendidos a tempo e desfrutem de boa qualidade
de vida.
9 [ 204877 ]. Releia o seguinte trecho do texto: “Durante sua história, o teatro foi usado
para outros fins, não somente para apresentações teatrais.”. Assinale a alternativa na qual o
sentido desse trecho foi alterado.
a) O teatro foi, durante sua história, usado tanto para apresentações teatrais quanto para
outros fins.
b) O teatro foi usado para outros fins durante sua história, excetuando-se as apresentações
teatrais.
c) Ao longo de sua história, o teatro não foi usado somente para apresentações teatrais, mas
também para outros fins.
d) No curso de sua história, para outros fins que não apenas as apresentações teatrais, o
teatro foi usado.
e) O teatro foi usado não somente para apresentações teatrais, mas igualmente para outros
fins, durante sua história.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Padre Júlio Lancellotti: “Não se humaniza a vida numa sociedade como a nossa sem
conflito”
Líder religioso, conhecido por seu trabalho com a população em situação de rua em São
Paulo, fala ao EL PAÍS sobre seus 35 anos de sacerdócio. Alvo de críticas da extrema direita,
ele voltou a sofrer ameaças durante a pandemia.
São oito horas da manhã de quinta-feira, 17 de setembro, e o padre Júlio Lancellotti (São
Paulo, 1948) veste jaleco branco, avental laranja, sandálias pretas, luvas de látex e uma
máscara respiratória rosa com filtro embutido. Há uma fila de centenas de pessoas para
tomar café da manhã no Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, da prefeitura da
capital paulista, e é o religioso quem aponta um termômetro para a testa de cada uma delas.
Aos 71 anos, pertence ao grupo mais propenso a desenvolver complicações da covid-19, mas
nem uma pandemia tão longa e mortífera freou sua convivência diária com a população que
vive nas ruas de São Paulo.
Quando Cassiano, de 40 anos, se juntou à fila com o corpo sujo, as roupas rasgadas,
machucado na testa e olhar triste, Lancellotti não hesitou em se aproximar e tocar a cabeça
do homem com as duas mãos. “Nós vamos cuidar de você”, disse, com a voz suave. Quando
ele já estava sentado e comendo, o padre se aproximou de novo para saber o que havia
acontecido. Um abraço demorado cobriu, então, a cabeça do rapaz. Um carinho incomum
que fez com que ele chorasse. “Não são anjos ou demônios. Eu procuro ver os olhos deles...
Tem os que estão com raiva, tristes, solitários, alegres... Desses 40 anos, há quanto tempo
Cassiano não recebia um afeto?”, pergunta Lancellotti.
Sua quinta-feira começou como todos os dias, com uma missa na Igreja São Miguel Arcanjo,
da qual é pároco. Ali, no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo, mantém há 35 anos um
compromisso constante com a população em situação de vulnerabilidade. Costumava servir
um café da manhã na própria igreja para cerca de 200 pessoas. Veio a pandemia e o número
praticamente triplicou. As atividades tiveram de ser transferidas, com o aval da Prefeitura,
para o centro comunitário a algumas quadras dali. “Eu não trabalho com morador de rua. Eu
convivo com eles. Porque dizer “trabalhar” parece que eles são objetos. É preciso olhar para
a vida de forma humana. Isso não é tarefa só para os religiosos. Mas eu não conseguiria viver
a dimensão religiosa sem humanizar a vida", explica. [...] Até hoje Lancellotti segue vivendo
na pequena casa, no bairro do Belém, que era de sua mãe, Wilma, que morreu em 2010, aos
88 anos.
Felipe Betim. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-20/padre-julio-
lancellotti-nao-se-humaniza-a-vida-numa-sociedade-como-a-nossa-sem-conflito.html Acesso
em: 02 ago. 2021. Excerto adaptado.
“‘Eu não trabalho com morador de rua. Eu convivo com eles. Porque dizer 'trabalhar' parece
que eles são objetos. É preciso olhar para a vida de forma humana. Isso não é tarefa só para
os religiosos. Mas eu não conseguiria viver a dimensão religiosa sem humanizar a vida’,
explica.” (3º parágrafo)
NÓBREGA, Manuel da. Em defesa das almas indígenas. In: OLIVIERI, Antonio Carlos; VILLA,
Marco Antonio (Orgs.). Cronistas do Descobrimento. Série Bom Livro. São Paulo: Editora
Ática, 2000. p. 48. Excertos.
No texto, lemos: “Se ouvem tanger a missa, já acodem [...]”. Nesse trecho, identificamos
uma relação semântica de
a) causa.
b) oposição.
c) comparação.
d) conclusão.
e) tempo.
Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura
que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem
sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois
me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a
moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março,
que levam tudo.
Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria
perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no
coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse
uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.
E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais
mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como
um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de
divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no seu duodeno), teria o
mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos
pendurados no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua
orelha malformada; mas a má formação interna é marca de originalidade, que se descreve
aos outros com evidente orgulho.
Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a
notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um
sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.
Parece que o principal impedimento é o estético. Pois se todos gostam de se
distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de
que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma
glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos
pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima
nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitira mesmo que os circunstantes curiosos
lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença
nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela
gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade
de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na
obrigação de desviar a vista e mudar de assunto.
Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já
não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela
tivesse um pé infantil, ou seios senis. será que os declararia com a mesma complacência?
Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob
pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal
reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se
dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem
doidice pegam.
Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto
que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça
feio.
Fonte: O melhor da crônica brasileira,1/ Ferreira Guillar... [et al.]. 5a ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2007.
Vocabulário:
épater: impressionar
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está
doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que
chegasse a chorar e dissesse – "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a
contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e
todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão
alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente,
vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada
ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria – "mas essa história é mesmo
muito engraçada!".
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido
com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse
atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação
da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da
história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para cara do
outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo
de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse
– e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu
coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história,
mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres
mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse – "por favor, se comportem, que diabo! Eu não
gosto de prender ninguém!" E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus
dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e
fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês em
Chicago – mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu
encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre,
muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa
em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode
ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou
aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser
uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso
conhecimento; é divina."
E quando todos me perguntassem – "mas de onde é que você tirou essa história?" –
eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido
que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi
um sujeito contar uma história..."
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha
história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que
sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu
bairro.
Fonte: As cem melhores crônicas brasileiras/ Joaquim Ferreira dos Santos, organização e
introdução. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
14 [ 202304 ]. Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que
está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto
que chegasse a chorar [...].
Ferreira, I. "Árvores do planeta serão menos longevas: fenômeno impacta estoques naturais
de CO2". Jornal da USP (Ciências ambientais). 15/12/2020. Disponível em:
https://bit.ly/3scu3WY/. Adaptado.
Depois de nos privar de Plutão, que teve sua planetariedade cassada em 2006,
cientistas agora ameaçam bagunçar o tempo.
Pretendem eliminar os segundos bissextos ocasionalmente introduzidos no
calendário para fazer com que o tempo dos relógios atômicos (oficialmente, 1 segundo
equivale a 9.192.631.770 ciclos de radiação emitidos pelo césio-133) não se divorcie de vez
do tempo astronômico, em que o segundo vale 1/86.400 do dia.
Até os anos 60, a astronomia era a guardiã absoluta do tempo, mas aí descobrimos
que o planeta é pouco pontual: a velocidade da rotação terrestre atrasa um número variável
de milissegundos a cada ano.
Se os segundos corretivos forem de fato eliminados [...], o tempo se tornará mais
abstrato. Não dirá mais respeito à noite, ao dia, às estações e aos anos.
Os cientistas, é claro, têm suas razões. O problema é que nossos corações são
insensíveis a elas. O tempo encerra uma dimensão psicológica à qual não podemos escapar.
Nas “Confissões”, santo Agostinho vislumbrou o tamanho da encrenca: “Se nada
sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo
presente. De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro –, se o passado
já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e
não passasse
para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade.”
Não é por acaso que, além de Agostinho, vários filósofos se apressaram a concluir
que o tempo não passa de uma ilusão. Mesmo que ele seja uma realidade ontológica, como
querem os físicos, continua despertando perplexidades e até paixões.
Nem toda ciência, filosofia e poesia do mundo nos fazem deixar de lamentar o
passado e temer o futuro. Quem traduziu bem esse sentimento foi Virgílio: “Sed fugit
interea, fugit irreparabile tempus” (mas ele foge: foge irreparavelmente o tempo).
(Folha de S.Paulo, 20.01.2012.)
18 [ 203476 ]. “Mesmo que ele seja uma realidade ontológica, como querem os físicos,
continua despertando perplexidades e até paixões.” (7º parágrafo)
Considerada no contexto, a oração “Mesmo que ele seja uma realidade ontológica” expressa
ideia de
a) condição.
b) causa.
c) consequência.
d) comparação.
e) concessão.
1
azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfície dos
objetos de cobre ou latão, resultante da corrosão destes quando expostos ao ar úmido).
19 [ 203968 ]. “Enquanto era a moeda de ouro que corria só pela mão do rico, ia muito
bem.”
Resposta da questão 1:
[E]
Resposta da questão 2:
[A]
No verso "O meu dia foi bom, pode a noite descer." (v. 6), as duas orações poderiam estar
unidas, sem prejuízo de sentido, por uma conjunção conclusiva: o meu dia foi bom, portanto
(logo) pode a noite descer.
Resposta da questão 3:
[A]
Resposta da questão 4:
[E]
No trecho “não com um interesse apenas moderado, mas da maneira mais competente
possível e com estilo que permitirá às pessoas de fora propor ideias novas na busca da
vitória”, vemos que primeiro é apresentada uma qualidade dos dirigentes, que seria possuir
interesse na direção, e, em seguida, são apresentadas outras qualidades, destacando que
não é apenas uma direção executada com um interesse moderado, mas também de forma
competente (o máximo possível) e com estilo determinado. Assim, o “mas” serve para
marcar esse acréscimo de qualidades dos dirigentes, especificando, portanto, essas outras
qualidades.
Resposta da questão 5:
[C]
É correta a opção [C], pois a conjunção coordenativa que inicia o período, “contudo”,
apresenta noção de adversidade, como mas, porém ou todavia.
Resposta da questão 6:
[E]
[A] Incorreta: a última oração é introduzida pela conjunção “e”, indicando uma adição de
informação.
[B] Incorreta: a expressão “mas também”, na verdade, acrescenta uma ideia, funcionando
junto à expressão “não só”. Assim, é aditiva e não adversativa.
[C] Incorreta: na verdade, “ou” traz uma ideia de alternativa, indicando duas possibilidades
que podem motivar a realização da implantação de prótese.
[D] Incorreta: “por fim” introduz a última informação para elaborar a conclusão final do
texto.
Resposta da questão 7:
[C]
A expressão “não apenas (...) mas”, que estabelece relação entre “países em
desenvolvimento”, e “nações tidas como superpotências”, apresenta noção de adição, como
mencionado em [C].
Resposta da questão 8:
[C]
Nas opções [A], [D] e [E] as expressões sublinhadas apresentam valor adversativo, enquanto
que em [B] exprime noção aditiva. Assim, apenas em [C], a expressão “por conseguinte”
apresenta valor conclusivo, equivalente a “portanto” da frase do enunciado.
Resposta da questão 9:
[B]
O texto original apresenta a ideia de adição: de que o teatro foi utilizado para apresentações
teatrais E para outros fins. Assim, as alternativas devem preservar esse sentido de adição,
como ocorre em [A], por meio da expressão “tanto...quanto”, em [C], por meio da expressão
“não somente..., mas também”, em [D], por meio da expressão “que não apenas”, e em [E],
por meio da expressão “não somente..., mas igualmente”.
Em [B], por outro lado, por meio da expressão “excetuando-se”, há uma ideia de exclusão.
[A] Incorreta: justamente por substituir o termo “morador de rua”, o pronome mantém o
trecho coeso.
[B] Incorreta: o emprego do ponto final não é obrigatório, já que elementos com mesma
função sintática devem ser separados por vírgula. No caso, são duas orações que
poderiam ser separadas por vírgula.
[C] Incorreta: o sentido é alterado pelo uso da conjunção “porque”, afinal, as duas orações
não estabelecem relação de explicação e sim de oposição.
[E] Incorreta: as conjunções “mas” (adversativa) e “portanto” (conclusiva) não são
equivalentes e, dessa forma, ao trocar uma por outra muda-se o sentido.
No trecho, há uma relação de tempo, já que primeira oração indica o momento em que a
ação expressa na segunda oração (“acodem”) ocorre: o momento em que ouvem tanger a
missa. Assim, o trecho equivale a “Quando ouvem tanger a missa, já acodem”.
A conjunção “ainda que” marca uma oração subordinada adverbial concessiva, a conjunção
“se” marca uma oração condicional e a conjunção “como” marca uma oração comparativa.
Dessa forma, está ausente a oração subordinada adverbial causal.
Apenas em [A] a oração sublinhada não apresenta uma circunstância de condição, pois a
palavra “se” é partícula expletiva (não exerce função sintática e pode ser retirada da frase
sem prejuízo semântico). Em todas as demais opções, as frases sublinhadas apresentam
circunstância de condição: “se” como conjunção subordinativa condicional em [B] e [D] e
“caso” em [E], assim como o uso do pretérito imperfeito do subjuntivo em “tivesse” [C].
A frase do enunciado é iniciada por duas orações que transmitem noção de consequência
entre si: “Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça...”. A
mesma circunstância acontece nas frases das opções [A], [B], [C] e [E] pelas expressões “de
maneira que aquela moça”, “de sorte que aquela moça”, “de forma que aquela moça” e “de
modo que aquela moça”, respectivamente. Apenas em [D], ocorre uma substituição
incorreta, pois a expressão “enquanto que” sugere contraste ou oposição.
A oração subordinada reduzida de infinitivo, “Para chegar a esses resultados (...)”, apresenta
relação de finalidade relativamente à principal, enquanto que a subordinada reduzida de
gerúndio, “(...) tornando o ciclo de carbono mais dinâmico”, estabelece relação de
consequência com a principal.
É correta a opção [C], pois a locução conjuntiva “posto que” apresenta relação causal
relativamente à oração principal, pelo que poderia ser substituída por visto que, já que,
dado que, uma vez que.
O conectivo “que”, nesse caso, é uma conjunção subordinativa. Isso porque exerce o papel
de conectar uma oração subordinada substantiva objetiva direta à principal: QUEM
argumenta, argumenta ALGO. A função sintática do objeto direto, portanto, é preenchida
com a oração “que Jobs não era o inventor de uma máquina ou de uma ideia”, introduzida
pela conjunção subordinativa “que”.
A conjunção “mesmo que” marca uma ideia de concessão em relação à oração principal
“continua despertando perplexidades e até paixões”. Ou seja, existe um contraste marcado
pela conjunção “mesmo que”, que equivale às conjunções “embora” ou “apesar de”.
No trecho sublinhado, vemos a noção de tempo, demarcada pela conjunção “enquanto”: ela
marca o momento em que tudo ia bem.
A conjunção “embora” é concessiva e pode ser substituída pela sua equivalente semântica
“mesmo que”.
Colocação pronominal
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Nunca imaginei um dia
Até alguns anos atrás, eu costumava dizer frases como “eu jamais vou fazer isso” ou
“nem morta eu faço aquilo”, limitando minhas possibilidades de descoberta e emoção. Não
é fácil libertar-se do manual de instruções que nos autoimpomos. Às vezes, leva-se uma vida
inteira, e nem assim conseguimos viabilizar esse projeto. Por sorte, minha ficha caiu há
tempo.
Começou quando iniciei um relacionamento com alguém completamente diferente
de mim, diferente a um ponto radical mesmo: ele, por si só, foi meu primeiro "nunca
imaginei um dia". Feitos para ficarem a dois planetas de distância um do outro. Mas o amor
não respeita a lógica, e eu, que sempre me senti tão confortável num mundo planejado
inaugurei a instabilidade emocional na minha vida. Prendi a respiração e dei um belo
mergulho.
A partir daí, comecei a fazer coisas que nunca havia feito. Mergulhar, aliás, foi uma
delas. Sempre respeitosa com o mar e chata para molhar os cabelos afundei em busca de
tartarugas gigantes e peixes coloridos no mar de Fernando de Noronha. Traumatizada com
cavalos (por causa de um equino que quase me levou ao chão quando eu tinha oito anos),
participei da minha primeira cavalgada depois dos 40, em São Francisco de Paula. Roqueira
convicta e avessa a pagode, assisti a um show do Zeca Pagodinho na Lapa. Para ver o
Ronaldo Fenômeno jogar ao vivo, me infiltrei na torcida do Olímpico num jogo entre Grêmio
e Corinthians, mesmo sendo colorada.
Meu paladar deixou de ser monótono: comecei a provar alimentos que nunca havia
provado antes. E muitas outras coisas vetadas por causa do "medo do ridículo" receberam
alvará de soltura. O ridículo deixou de existir na minha vida.
Não deixei de ser eu. Apenas abri o leque, me permitindo ser um “eu” mais amplo. E
sinto que é um caminho sem volta.
Um mês atrás participei de outro capítulo da série “Nunca imaginei um dia”. Viajei
numa excursão, eu que sempre rejeitei essa modalidade turística. Sigo preferindo viajar a
dois ou sozinha, mas foi uma experiência fascinante, ainda mais que a viagem não tinha
como destino um país do circuito Elizabeth Arden (Paris-Londres-Nova York), mas um país
africano, muçulmano e desértico. Aliás, o deserto de Atacama, no Chile, será meu provável
“nunca imaginei um dia” do próximo ano.
E agora cometi a loucura jamais pensada, a insanidade que nunca me permiti, o ato
que me faria merecer uma camisa-de-força: eu, que nunca me comovi com bichos de
estimação, adotei um gato de rua.
Pode colocar a culpa no espírito natalino: trouxe um bichano de três meses pra casa,
surpreendendo minhas filhas, que já haviam se acostumado com a ideia de ter uma mãe
sem coração. E o que mais me estarrece: estou apaixonada por ele.
Ainda há muitas experiências a conferir: fazer compras pela internet, andar num
balão, cozinhar dignamente, me tatuar, ler livros pelo kindle, viajar de navio e mais umas 400
coisas que nunca imaginei fazer um dia, mas que já não duvido. Pois tem essa também:
deixei de ser tão cética.
Já que é improvável que o próximo ano seja diferente de qualquer outro, que a
novidade sejamos nós.
1 [ 203251 ]. Em "[...] me permitindo ser um ‘eu’ mais amplo.” (5º parágrafo), há um desvio
da modalidade padrão da língua na colocação do pronome destacado. Em que opção isso
também ocorre?
a) Desde criança, eu sempre me senti bastante confortável com a minha vida.
b) Quero contar-lhes as principais e mais importantes mudanças de minha existência.
c) Assim resolvem-se as mudanças de vida: com muito sofrimento e com muita coragem!
d) Convidar-me-ão para falar sobre liberdade e mudança de vida no próximo Simpósio.
e) Em se tratando de mudanças, mergulhei de forma profunda nos meus sonhos e desejos.
Minha mãe tem 74 anos e, como milhões de pessoas no mundo, faz uso frequente do
celular. É com ele que, conversando por voz ou por vídeo, diariamente, vence a distância e a
saudade dos netos e netas.
Mas, para ela, assim como para milhares e milhares de pessoas, o celular pode ser
também uma fonte de engano. De vez em quando, por acreditar no que chega por meio de
amigos no seu WhatsApp, me envia uma ou outra mensagem contendo uma fake news. A
última foi sobre um suposto problema com a vacina da gripe que, por um momento,
diferente de anos anteriores, a fez desistir de se vacinar.
Eu e minha mãe, como boa parte dos brasileiros, não nascemos na era digital. Nesta
sociedade somos os chamados migrantes e, como tais, a tecnologia nos gera um certo
estranhamento (e até constrangimento), embora nos fascine e facilite a vida.
Sejamos sinceros. Nada nem ninguém nos preparou para essas mudanças que
revolucionaram a comunicação. Pior: é difícil destrinchar o que é verdade em tempo de fake
news.
Um dos maiores estudos sobre a disseminação de notícias falsas na internet,
publicado ano passado na revista "Science", foi realizado pelo Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, e concluiu que as notícias falsas
se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam muito mais gente.
Isso porque as fake news se valem de textos alarmistas, polêmicos, sensacionalistas,
com destaque para notícias atreladas a temas de saúde, seguidas de informações mentirosas
sobre tudo. Até pouco tempo atrás, a imprensa era a detentora do que chamamos de
produção de notícias. E os fatos obedeciam, a critérios de apuração e checagem.
O problema é que hoje mantemos essa mesma crença, quase que religiosa, junto a
mensagens das quais não Identificamos sequer a origem, boa parte delas disseminada em
redes sociais. Confia-se a ponto de compartilhar, sem questionar.
O impacto disso é preocupante. Partindo de pesquisas que mostram que notícias e
seus enquadramentos influenciam opiniões e constroem leituras da realidade, a
disseminação das notícias falsas tem criado versões alternativas do mundo, da História, das
Ciências "ao gosto do cliente", como dizem por aí.
Os problemas gerados estão em todos os campos. No âmbito familiar, por exemplo,
vai de pais que deixam de vacinar seus filhos a ponto de criar um grave problema de saúde
pública de impacto mundial. E passa por jovens vítimas de violência virtual e física.
No mundo corporativo, estabelecimentos comerciais fecham portas, profissionais
perdem suas reputações e produtos são desacreditados como resultado de uma foto
descontextualizada, uma Imagem alterada ou uma legenda falsa.
A democracia também se fragiliza. O processo democrático corre o risco de ter sua
força e credibilidade afetadas por boatos. Não há um estudo capaz de mensurar os danos
causados, mas iniciativas fragmentadas já sinalizam que ela está em risco.
Estamos em um novo momento cultural e social, que deve ser entendido para
encontrarmos um caminho seguro de convivência com as novas formas e ferramentas de
comunicação.
No Congresso Nacional, tramitam várias iniciativas nesse sentido, que precisam ser
amplamente debatidas, com a participação de especialistas e representantes da sociedade
civil.
O problema das fake news certamente passa pelo domínio das novas tecnologias,
com instrumentos de combate ao crime, mas, também, pela pedagogia do esclarecimento.
O que posso afirmar, é que, embora não saibamos ainda o antídoto que usaremos
contra a disseminação de notícias falsas em escala industrial, não passa pela cabeça de
ninguém aceitar a utilização de qualquer tipo de controle que não seja democrático.
3 [ 195710 ]. Em qual opção a colocação do pronome oblíquo NÃO está de acordo com a
modalidade padrão da língua?
a) Já me enviaram uma ou outra mensagem contendo notícias falsas ou mentirosas.
b) Se o mundo corporativo despreocupar-se com as fake news, fechará as portas para o
mercado.
c) Confia-se nas mensagens a ponto de compartilhá-las, sem questionar suas origens.
d) Atualmente, convivemos com uma tecnologia que nos fascina e facilita muito a vida.
e) Nada nem ninguém nos preparou para as mudanças tecnológicas que vivemos hoje.
4 [ 186105 ]. Observe os trechos abaixo e escolha aquele que mais se aproximar do padrão
formal da norma culta, considerando os aspectos gramaticais, semânticos e lexicais:
a) ao contrário dos meninos ricos que na maioria das vezes se perdem dentro de suas
próprias mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem nas ruas a míngua e ignorados
muitas vezes por aqueles que tem o dever de acolhê-lo, com ele se envolver, se importar e
cuidar deles.
b) ao contrário dos meninos ricos que, na maioria das vezes se perdem dentro de suas
próprias mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem nas ruas a míngua e ignorados
muitas vezes por aqueles que têm o dever de acolhê-lo, com ele se envolver, se importar e
cuidar.
c) ao contrário dos meninos ricos, que, na maioria das vezes, perdem-se dentro de suas
próprias mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem nas ruas à míngua e são
ignorados, muitas vezes, por aqueles que têm o dever de acolhê-los, com eles se envolver
e cuidar deles.
d) ao contrário dos meninos ricos que, na maioria das vezes, se perdem dentro de suas
próprias mansões, os meninos pobres do Brasil se perdem nas ruas a míngua e são
ignorados, muitas vezes, por aqueles que tem o dever de acolhê-lo, com ele se envolver,
se importar e cuidar deles.
Assinale a alternativa cuja descrição gramatical dos termos sublinhados está correta.
a) Em I, “nos” é pronome pessoal oblíquo da 1ª pessoa do plural. Em II, “nos” é pronome
pessoal oblíquo da 3ª pessoa do plural.
b) Ambos são pronomes pessoais oblíquos referentes à 1ª pessoa do plural.
c) Em I, “nos” é pronome reto da 3ª pessoa do plural. Em II, “nos” é pronome reto da 1ª
pessoa do plural.
d) Em I, “nos” é pronome pessoal oblíquo da 3ª pessoa do plural. Em II, “nos” é pronome
pessoal oblíquo da 1ª pessoa do plural.
e) Ambos são pronomes pessoais retos referentes à 1ª pessoa do plural.
1
Eu vi um beija-flor.
2
De manhã reuni a família ao redor da mesa do café e disse: Gente, vou contar uma
coisa importante e vocês precisam acreditar em mim. Hoje, enquanto vocês dormiam, vi um
beija-flor no terraço.
Foi assim. 3Era de madrugada e acordei chamada pela sede. 4Mas o dia me pareceu
tão novo que parei de olhar. 5E de repente, lá estava ele tecendo entre as flores a rede de
seus voos. 6Um beija-flor de verdade em 1972, um beija-flor vivo numa cidade de 6 milhões
de habitantes.
Ficaram pasmos. 7Mas me amavam e acreditaram em mim. 8Minha filha pediu que o
descrevesse, pediu que o desenhasse e que o pintasse com todas as cores dos seus lápis.
Meu marido comoveu-se, eu era uma mulher que 9tinha visto um beija-flor, e era dele.
10
Beijou-me na testa. As domésticas foram convocadas para participar da alegria, mas,
pessoas de pouca fé, se entreolharam descrentes. As amigas às quais telefonamos me deram
parabéns; afinal, eram amigas. A novidade habitou minha casa.
A notícia correu. Verdade, Marina, que você viu um beija-flor? E eu modesta mas
banhada de graça, verdade. Ligaram do jornal. Alô, Marina, a que horas? Que cor? De que
tamanho? E você tem certeza? Alguém mais viu? Olha gente, não quero fazer declarações.
Sei que parece estranho, mas eu vi. A hora não sei bem, nem o tamanho, não medi. 11Sei que
era um beija-flor feito os de antigamente, com asas, bico, tudo. Um beija-flor de penas.
Fotos? Não tenho, não falei com ele.
12
Vieram ver o terraço, mediram tudo, controlaram os ventos, 13aspiraram as flores. E
chegaram à conclusão de que não, não era possível, nenhum beija-flor 14havia estado ali.
COLASANTI, Marina. Crônicas para jovens, 1ª ed. São Paulo: Global, 2012, pp. 23 e 24.
( ) Da leitura do período “Mas me amavam e acreditaram em mim” (ref. 7), infere-se que
os familiares, mesmo surpresos e duvidosos com a notícia, deixaram que o amor fosse
mais forte que a dúvida.
( ) Em “Mas me amavam” (ref. 7) e “Beijou-me na testa” (ref. 10), quanto à colocação
pronominal, têm-se próclise e ênclise, sequencialmente, porém, na segunda oração, o
pronome pode estar também proclítico e, mesmo assim, mantém-se a língua culta e a
correção gramatical.
( ) No período “Minha filha pediu que o descrevesse, pediu que o desenhasse e que o
pintasse com todas as cores” (ref. 8) as palavras destacadas são, sequencialmente, na
morfossintaxe, pronome pessoal/ objeto direto; pronome pessoal/ objeto direto;
pronome pessoal/ objeto direto e artigo definido/ adjunto adnominal.
( ) A estrutura “Sei que era um beija-flor feito os de antigamente” (ref. 11) revela que o
beija-flor, devido ao avanço da civilização, sofreu mutações e portanto diferente do
beija-flor conhecido em outra época.
( ) O verbo aspirar em “aspiraram as flores” (ref. 13), quanto à regência, classifica-se como
transitivo direto e o vocabulário flores, sintaticamente, é objeto direto. Substituindo-se
o objeto direto pelo pronome pessoal oblíquo tem-se: aspiraram-nas.
Assinale a alternativa correta, de cima para baixo.
a) F – F – F – V – V
b) V – V – F – V – F
c) F – F – V – V – V
d) V – F – F – F – V
e) V – F – V – F – V
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.
ANDRADE, Carlos Drummond de. O ElefanteO. 9ª ed. - São Paulo: Editora Record, 1983.
7 [ 183649 ]. Observe os vocábulos destacados em negrito nos versos 39 a 44 do poema,
transcritos abaixo:
I. o primeiro “o” é um artigo definido e o segundo é uma forma pronominal oblíqua, assim
como a forma “lo” em “deixá-lo”.
II. a colocação do segundo “o” junto ao advérbio de negação aproxima-se do registro mais
utilizado no português falado no Brasil.
III. “o” e “lo” nos versos “mas não o querem ver” e “deixá-lo ir sozinho” são formas
pronominais que garantem a coesão referencial anafórica.
Publicado em 1948, o livro 1984, de George Orwell, saltou para o topo da lista dos
mais vendidos (...) 1A distopia de Orwel, mesmo situada no futuro, tinha um endereço certo
em seu tempo: o stalinismo. (...) 2O mundo da “pós-verdade”, dos “fatos alternativos” e da
anestesia intelectual nas redes sociais mais parece outra distopia, publicada em 1932:
Admirável mundo novo, de Aldous Huxley.
3
Não se trata de uma tese nova. Ela foi levantada pela primeira vez em 1985, num
livreto do teórico da comunicação americano Neil Postman: Amusing ourselves to death
(4Nos divertindo até morrer), relembrado por seu filho Andrew em artigo recente no The
Guardian. “Na visão de Huxley, não é necessário nenhum Grande Irmão para despojar a
população de autonomia, maturidade ou história”, escreveu Postman. “Ela acabaria amando
sua opressão, adorando as tecnologias que destroem sua capacidade de pensar. Orwell
temia aqueles que proibiriam os livros. Huxley temia que não haveria motivo para proibir um
livro, pois não haveria ninguém que quisesse lê-los. Orwell temia aqueles que nos privariam
de informação. Huxley, aqueles que nos dariam tanta que seríamos reduzidos à passividade
e ao egoísmo. 5Orwell temia que a verdade fosse escondida de nós. Huxley, que fosse
afogada num mar de irrelevância.”
6
No futuro pintado por Huxley, (...) não há mães, pais ou casamentos. O sexo é livre.
A diversão está disponível na forma de jogos esportivos, cinema multissensorial e de uma
droga que garante o bem-estar sem efeito colateral: o soma. Restaram na Terra dez áreas
civilizadas e uns poucos territórios selvagens, onde 7grupos nativos ainda preservam
costumes e tradições primitivos, como família ou religião. “O mundo agora é estável”, diz um
líder civilizado. “As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não
podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; 8não têm medo da morte;
vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e
mães; 9não têm esposas, nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer emoções
violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar
como devem. E se, por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma.”
10
Para chegar à estabilidade absoluta, foi necessário abrir mão da arte e da ciência.
“A felicidade universal mantém as engrenagens em funcionamento regular; a verdade e a
beleza são incapazes de fazê-lo”, diz o líder. “Cada vez que as massas tomavam o poder
público, era a felicidade, mais que a verdade e a beleza, o que importava.” A verdade é
considerada uma ameaça; a ciência e a arte, perigos públicos. Mas não é necessário esforço
totalitário para controlá-las. Todos aceitam de bom grado, fazem “qualquer sacrifício em
troca de uma vida sossegada” e de sua dose diária de soma. “Não foi muito bom para a
verdade, sem dúvida. Mas foi excelente para a felicidade.”
No universo de Orwell, a população é controlada pela dor. No de Huxley, pelo prazer.
“Orwell temia que nossa ruína seria causada pelo que odiamos. Huxley, pelo que amamos”,
escreve Postman. Só precisa haver censura, diz ele, se os tiranos acreditam que o público
sabe a diferença entre discurso sério e entretenimento. (...) O alvo de Postman, em seu
tempo, era a televisão, que ele julgava ter imposto uma cultura fragmentada e superficial,
incapaz de manter com a verdade a relação reflexiva e racional da palavra impressa. 11O
computador só engatinhava, e Postman mal poderia prever como celulares, tablets e redes
sociais se tornariam – bem mais que a TV – o soma contemporâneo. Mas suas palavras
foram prescientes: “O que afligia a população em Admirável mundo novo não é que
estivessem rindo em vez de pensar, mas que não sabiam do que estavam rindo, nem tinham
parado de pensar”.
9 [ 172895 ]. Tendo como base o que prescreve a norma culta padrão da Língua
Portuguesa, assinale a alternativa cuja análise está correta.
a) “Nos divertindo até morrer” (ref. 4) apresenta uma colocação pronominal adequada, pois,
além de ser a tradução de um nome próprio, o gerúndio não admite ênclise.
b) Em “...grupos nativos ainda preservam costumes e tradições primitivos...” (ref. 7), o
adjetivo poderia estar no feminino para concordar com o último elemento, já que está
posposto a ele.
c) O termo sublinhado em “... não têm esposas, nem filhos, nem amantes por quem possam
sofrer...” (ref. 9) poderá ser substituído por os quais e não acarretará alteração sintática
nem semântica na sentença.
d) Em “... não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice...” (ref.
8) os termos sublinhados exercem a mesma função sintática: adjuntos adnominais dos
substantivos a que se referem.
10 [ 166793 ]. dia 16 de outubro de 1983 - questão não pode ser adicionada no quizzes,
pelas múltiplas respostas.
Com base na leitura e interpretação do texto e de acordo com a variedade padrão escrita da
língua portuguesa e com os componentes constitutivos do texto, é correto afirmar que:
01) o sinal de dois pontos em “grande confusão: seria quem?” (referência 1) e em “abri a
lata de lixo: quero outro testemunho” (referência 6) é usado, nos dois casos, para
introduzir uma retificação acerca do termo precedente.
02) em “me faça” (referência 3) e em “me sinto” (referência 4), a colocação pronominal
poderia ser alterada para “faça-me” e “sinto-me”, pois a ordem do pronome em relação
ao verbo é opcional nos dois casos.
04) as formas verbais “reesquentando” (referência 2) e “esquenta” (referência 7) são usadas
com sentido denotativo, em referência direta ao calor do sol.
08) as cinco perguntas presentes no texto (referências 1 e 5) produzem uma impressão de
colóquio, isto é, de conversa, ainda que seja uma fala de si para si em um texto escrito.
16) o excerto “Da cama do hospital. A lesma quando passa deixa um rastro prateado. Leiam
se forem capazes” (referência 8) constitui uma provocação de Ana Cristina Cesar para
que o leitor decifre a natureza do testemunho registrado.
32) a organização do texto obedece à natureza tradicional dos diários íntimos ao exigir um
interlocutor externo, alguém diferente da própria pessoa que os escreve.
64) marcas textuais presentes no texto e que o caracterizam como pertencente ao gênero
diário são: discurso em primeira pessoa, entrada de data, tom intimista e confessional.
Gabarito:
Resposta da questão 1:
[C]
Em [C], por conta da conjunção “assim”, o pronome “me” deveria vir anteposto ao verbo: se
resolvem.
Resposta da questão 2:
[E]
Resposta da questão 3:
[B]
Em [B], deveria ter sido usada a próclise, já que temos a conjunção subordinativa “se”.
Resposta da questão 4:
[C]
Resposta da questão 6:
[E]
2ª Falsa: Não se utiliza a próclise para iniciar períodos e, portanto, na segunda situação não é
possível o seu uso.
4ª Falsa: A estrutura apenas revela que hoje em dia é difícil encontrar beija-flores e que
antigamente isso era comum.
Resposta da questão 7:
[D]
Apenas o item II é incorreto, pois a situação de próclise do pronome no verso “mas não o
querem ver” decorre da atração por palavra negativa e não por característica do português
falado no Brasil. Assim, é correta a opção [D].
Resposta da questão 8:
[C]
[C] Incorreta: na ênclise, o pronome aparece depois do verbo e não antes (próclise).
Resposta da questão 9:
[B]
Tommaso Koch. “O Coringa completa 80 anos e na Espanha ganha duas HQs, que inspiram
debates filosóficos sobre a liberdade”, EI País. Junho/2020.
Dona Benta costumava receber livros novos, de ciências, de arte, de literatura. Era o
tipo da velhinha novidadeira. Bem dizia o compadre Teodorico: "Dona Benta parece velha,
mas não é, tem o espírito mais moço que o de jovens de vinte anos".
Assim foi que naquele bolorento mês de fevereiro, em que era impossível botar o
nariz fora de casa, de tanto que chovia, resolveu contar aos meninos um dos últimos livros
chegados.
– Tenho aqui um livro de Hendrik Van Loon – disse ela –, um sábio americano, autor
de coisas muito interessantes. Ele sai dos caminhos por onde todo mundo anda e fala das
ciências dum modo que tudo vira romance, de tão atrativo. Já li para vocês a geografia que
ele escreveu e agora 1vou ler este último livro – História das invenções do homem, o fazedor
de milagres.
Era um livro grosso, de capa preta, cheio de desenhos feitos pelo próprio autor.
2
Desenhos não muito bons, mas que serviam para acentuar suas ideias.
– E quando começa? – quis saber Narizinho.
– Hoje mesmo, no serão. Podemos começar logo depois do rádio.
– Comece, vovó! – disse Pedrinho. E Dona Benta começou.
3
– Este livro não é para crianças – disse ela; – mas se eu ler do meu modo, vocês
entenderão tudo. Não tenham receio de me interromperem com perguntas, sempre que
houver qualquer coisa obscura. Aqui está o prefácio...
– Que é prefácio? – perguntou Emília.
– São palavras explicativas que certos autores põem no começo do livro para
esclarecer os leitores sobre as suas intenções. O prefácio pode ser escrito pelo próprio autor
ou por outra pessoa qualquer. Neste prefácio o Senhor Van Loon diz que antigamente tudo
era muito simples...
– Tudo o quê? – interrompeu Pedrinho. – A explicação das coisas do mundo. A Terra
formava o centro do universo. O céu era uma abóbada de cristal azul onde à noite os anjos
abriam buraquinhos para espiar. Esses buraquinhos formavam as estrelas. Tudo muito
simples.
4
Mas depois as coisas se complicaram. Um sábio da Polônia, de nome Nicolau
Copérnico, publicou um livro no qual provava que a Terra não era fixa, pois girava em redor
do Sol, 5e as estrelas não eram brinquedinhos dos anjos, sim sóis imensos, em redor dos
quais giravam milhões de terras como a nossa.
Isso veio causar uma grande trapalhada nas ideias assentes, isto é, nas ideias que
estavam na cabeça de todo mundo – e por um triz não queimaram vivo a esse homem.
Afinal a sua ideia venceu e hoje ninguém pensa de outra maneira.
A astronomia, que é a ciência que estuda os astros, tomou um grande
desenvolvimento. Os astrônomos foram descobrindo coisas e mais coisas, chegando à
perfeição de medir a distância dum astro a outro, e pesar a massa desses astros. As
distâncias entre os astros eram tão grandes que as nossas medidas comuns se tornaram
insuficientes. Foi preciso criar medidas novas – medidas astronômicas.
– Por quê? – perguntou Narizinho. – Com o quilômetro a gente pode medir qualquer
distância. É só ir botando zeros e mais zeros.
6
– Parece, minha filha. As distâncias entre os astros são tamanhas que para medi-las
com quilômetros seria necessário usar carroçadas de zeros, de maneira que não haveria
papel que chegasse. E então os astrônomos inventaram o "metro astronômico", ou a
"unidade astronômica", que é como eles dizem. Essa unidade, esse metro tinha 92.900.000
milhas.
– Que colosso, vovó! Eu acho que fizeram um metro grande demais...
– Pois está muito enganada, minha filha. As distâncias entre a Terra e as novas
estrelas que com os modernos telescópios foram sendo descobertas, acabaram deixando
essa medida pequena. E então o astrônomo Michelson propôs outra medida: o ano-luz.
– Cáspite!
– Pois bem, isto que os astrônomos fizeram para os astros, outros homens de ciência
fizeram para o contrário dos astros, isto é, para as moléculas e átomos, que são coisinhas
infinitamente pequenas. Chegaram a medir átomos que têm o tamanhinho de uma
trilionésima parte de milímetro.
7
– Será possível? Um milímetro já é uma isca que a gente mal percebe...
– Ora, neste livro o Senhor Van Loon trata de mostrar como esse bichinho homem,
que já foi peludo e andava de quatro, chegou a desenvolver seu cérebro a ponto de medir a
distância entre os astros e a calcular o tamanho dos átomos.
– Como foi isso?
– Inventando coisas. O homem é um grande inventor de coisas, e a história do
homem na Terra não passa da história das suas invenções com todas as consequências que
elas trouxeram para a vida humana. É mais ou menos isto o que Van Loon diz neste prefácio.
Vamos agora ver o capítulo número 1.
– Depois da pipoca, vovó! – gritou Narizinho farejando o ar.
8
De fato: da cozinha vinha para a sala o cheiro das pipocas que Tia Nastácia estava
rebentando. Pipocas à noite foi coisa que nunca faltou no sítio de Dona Benta.
2 [ 197086 ]. Analise atentamente: “e as estrelas não eram brinquedinhos dos anjos, sim
sóis
imensos” (ref. 5).
O uso da vírgula, no fragmento acima, vincula-se a determinado valor semântico. Tal valor
pode ser construído por meio de outro(s) sinal(is) de pontuação, a exemplo do que ocorre
em:
a) “– Parece, minha filha.” (ref. 6)
b) “De fato: da cozinha vinha para a sala o cheiro [...]” (ref. 8)
c) ”– Este livro não é para crianças – disse ela; – mas se eu ler [...]” (ref. 3)
d) “– Será possível? Um milímetro já é uma isca que a gente mal percebe...” (ref. 7)
e) “vou ler este último livro – História das invenções do homem, o fazedor de milagres.” (ref.
1)
1
Quem já visitou 2algum 3parque brasileiro certamente se surpreendeu com 4tamanha
exuberância cênica 5desses locais. 6Não por acaso, 7nossos parques conservam uma rica
biodiversidade − uma das maiores do mundo − cuja excepcionalidade projetou algumas
8
dessas áreas ao patamar de patrimônio natural da humanidade. 9Enquanto a natureza nos
dá motivos de sobra para enaltecer nossos parques, 10a realidade de escassez e limitação de
recursos para a gestão e manutenção dessas áreas tem comprometido grande parte do seu
potencial gerador de desenvolvimento, saúde e bem-estar − para não mencionar a
vulnerabilidade a que sua fauna e flora ficam expostas.
11
Esse retrato de limitações foi capturado na edição recém-lançada da pesquisa
Diagnóstico de Uso Público em Parques Brasileiros: A Perspectiva da Gestão, produzida pelo
Instituto Semeia junto a equipes gestoras de 370 parques de todas as regiões, biomas e
níveis governamentais do país. 12O sinal de alerta dessa escassez foi declarado por 67% dos
respondentes, que afirmaram não contar com subsídios − humanos e financeiros −
necessários para a realização de suas atividades no parque.
13
Ainda de acordo com a pesquisa, grande parte (49%) das equipes que administram
essas áreas conta somente com até 10 funcionários, ao passo que 9% possuem apenas um
colaborador. Na prática, isso quer dizer que, no caso dos parques nacionais, há um único
responsável, em média, por quase 11 mil hectares − o que equivale a cerca de 11 mil campos
de futebol. 14Já na esfera estadual, seria um funcionário para, aproximadamente, 2 mil
hectares e, na municipal, um funcionário para 58 hectares.
15
Quando o assunto é a gestão financeira desses espaços, além da escassez de
recursos, o cenário é também de falta de informação: 40% dos respondentes declaram não
ter acesso aos dados orçamentários das unidades em que atuam. Entre os que têm acesso a
esses números, seja de forma parcial ou total, o valor médio do orçamento em 2019 para os
parques federais foi de R$ 790 mil, para os municipais, de R$ 800 mil, e os estaduais, R$ 9,6
milhões.
16
Para se ter uma ideia, o National Park Service (órgão norte-americano responsável
por 421 unidades distribuídas em 34 milhões de hectares) teve em 2019 um orçamento de
USD 2,4 bilhões. No mesmo ano, o orçamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) foi de USD 142,6 milhões (em reais, 791 milhões), para administrar
uma área cinco vezes maior (se considerarmos unidades de conservação terrestres e
marinhas).
17
Tudo isso se reflete nas condições de visitação e no uso público dos parques
brasileiros. 18Mais da metade declara não contar com infraestrutura básica para receber
visitantes − como banheiros e estacionamento, por exemplo. E, entre as unidades que
receberam visitantes em 2019 (79%), apenas 7% afirmam contar com uma estrutura que
garante plenamente as necessidades básicas de visitação, enquanto somente 11%
consideram que a manutenção das estruturas está em excelente estado.
19
Esses dados evidenciam uma triste contradição: 20se, por um lado, nossos parques
possuem belezas naturais únicas, equipes altamente qualificadas e experientes, além de um
potencial turístico promissor, por outro, tudo isso se arrefece com a precariedade observada
na implementação e manutenção das atividades de uso público na maioria deles. Basta
pensar que, em 2019, o Brasil foi listado pelo Fórum Econômico Mundial como 2º lugar em
recursos naturais, mas figura somente na 32ª colocação do ranking global de
competitividade turística.
21
Alcançar um patamar condizente à altura do nosso capital natural é mais do que
possível. 22Para isso, faz-se necessário fortalecer os órgãos gestores dessas áreas e avançar
numa agenda mais moderna, empreendedora e sustentável voltada à gestão desses espaços.
E, nesse sentido, as parcerias e concessões podem ser uma alternativa possível − já
experimentadas em alguns parques brasileiros internacionalmente reconhecidos como
Igraçu e Chapada dos Veadeiros, por exemplo − para apoiar as equipes gestoras a
potencializar a visitação, o turismo e a conservação. 23Afinal de contas, quanto mais os
brasileiros conhecerem o seu patrimônio natural, maior será a conscientização sobre o valor
e a necessidade de cuidar dessas áreas.
Até alguns anos atrás, eu costumava dizer frases como “eu jamais vou fazer isso” ou
“nem morta eu faço aquilo”, limitando minhas possibilidades de descoberta e emoção. Não
é fácil libertar-se do manual de instruções que nos auto impomos. Às vezes, leva-se uma vida
inteira, e nem assim conseguimos viabilizar esse projeto. Por sorte, minha ficha caiu há
tempo.
Começou quando iniciei um relacionamento com alguém completamente diferente
de mim, diferente a um ponto radical mesmo: ele, por si só, foi meu primeiro "nunca
imaginei um dia". Feitos para ficarem a dois planetas de distância um do outro. Mas o amor
não respeita a lógica, e eu, que sempre me senti tão confortável num mundo planejado
inaugurei a instabilidade emocional na minha vida. Prendi a respiração e dei um belo
mergulho.
A partir daí, comecei a fazer coisas que nunca havia feito. Mergulhar, aliás, foi uma
delas. Sempre respeitosa com o mar e chata para molhar os cabelos afundei em busca de
tartarugas gigantes e peixes coloridos no mar de Fernando de Noronha. Traumatizada com
cavalos (por causa de um equino que quase me levou ao chão quando eu tinha oito anos),
participei da minha primeira cavalgada depois dos 40, em São Francisco de Paula. Roqueira
convicta e avessa a pagode, assisti a um show do Zeca Pagodinho na Lapa. Para ver o
Ronaldo Fenômeno jogar ao vivo, me infiltrei na torcida do Olímpico num jogo entre Grêmio
e Corinthians, mesmo sendo colorada.
Meu paladar deixou de ser monótono: comecei a provar alimentos que nunca havia
provado antes. E muitas outras coisas vetadas por causa do "medo do ridículo" receberam
alvará de soltura. O ridículo deixou de existir na minha vida.
Não deixei de ser eu. Apenas abri o leque, me permitindo ser um “eu” mais amplo. E
sinto que é um caminho sem volta.
Um mês atrás participei de outro capítulo da série “Nunca imaginei um dia”. Viajei
numa excursão, eu que sempre rejeitei essa modalidade turística. Sigo preferindo viajar a
dois ou sozinha, mas foi uma experiência fascinante, ainda mais que a viagem não tinha
como destino um país do circuito Elizabeth Arden (Paris-Londres-Nova York), mas um país
africano, muçulmano e desértico. Aliás, o deserto de Atacama, no Chile, será meu provável
“nunca imaginei um dia” do próximo ano.
E agora cometi a loucura jamais pensada, a insanidade que nunca me permiti, o ato
que me faria merecer uma camisa-de-força: eu, que nunca me comovi com bichos de
estimação, adotei um gato de rua.
Pode colocar a culpa no espírito natalino: trouxe um bichano de três meses pra casa,
surpreendendo minhas filhas, que já haviam se acostumado com a ideia de ter uma mãe
sem coração. E o que mais me estarrece: estou apaixonada por ele.
Ainda há muitas experiências a conferir: fazer compras pela internet, andar num
balão, cozinhar dignamente, me tatuar, ler livros pelo kindle, viajar de navio e mais umas 400
coisas que nunca imaginei fazer um dia, mas que já não duvido. Pois tem essa também:
deixei de ser tão cética.
Já que é improvável que o próximo ano seja diferente de qualquer outro, que a
novidade sejamos nós.
Havia um homem que odiava Van Gogh. Pintor desconhecido, pobre, atribuía todas
suas frustrações ao artista holandês. Enquanto existirem no mundo aqueles horríveis
girassóis, aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes deformados, dizia, não poderei
jamais dar vazão ao meu instinto criador.
Decidiu mover uma guerra implacável, sem quartel, às telas de Van Gogh, onde quer
que estivessem. Começaria pelas mais próximas, as do Museu de Arte Moderna de São
Paulo.
Seu plano era de uma simplicidade diabólica. Não faria como outros destruidores de
telas que entram num museu armados de facas e atiram-se às obras, tentando destruí-las;
tais insanos não apenas não conseguem seu intento, como acabam na cadeia. Não, usaria
um método científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspeitados: os cupins.
Deu-lhe muito trabalho, aquilo. Em primeiro lugar, era necessário treinar os cupins
para que atacassem as telas de Van Gogh. Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana.
Reproduções das telas do artista, em tamanho natural, eram recobertas com uma solução
açucarada. Dessa forma, os insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.
Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo de cupim que só queria comer
Van Gogh. Para ele era repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o que
importava.
Conseguiu introduzir os cupins no museu e ficou à espera do que aconteceria. Sua
decepção, contudo, foi enorme. Em vez de atacar as obras de arte, os cupins preferiram as
vigas de sustentação do prédio, feitas de madeira absolutamente vulgar. E por isso foram
detectados.
O homem ficou furioso. Nem nos cupins se pode confiar, foi a sua desconsolada
conclusão. É verdade que alguns insetos foram encontrados próximos a telas de Van Gogh.
Mas isso não lhe serviu de consolo. Suspeitava que os sádicos cupins estivessem querendo
apenas debochar dele. Cupins e Van Gogh, era tudo a mesma coisa.
6 [ 191286 ]. Tendo em vista a ordem inversa da frase, verifica-se o emprego de vírgula para
separar um termo que exerce a função de sujeito em:
a) “Deu-lhe muito trabalho, aquilo.” (4º parágrafo)
b) “Em vez de atacar as obras de arte, os cupins preferiram as vigas de sustentação do
prédio, feitas de madeira absolutamente vulgar.” (6º parágrafo)
c) “Para ele era repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o que importava.” (5º
parágrafo)
d) “Não, usaria um método científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspeitados: os
cupins.” (3º parágrafo)
e) “Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana.” (4º parágrafo)
Julho, 1945
9 [ 183845 ]. Assinale a opção em que, conforme a norma culta, NÃO é possível acrescentar
vírgula ao período.
a) Primeiro vamos lá embaixo (...).
b) Agora devem ser três horas da tarde (...).
c) Na minha adolescência você seria uma tortura.
d) Na adolescência me torturaria; mas sou um homem maduro.
e) Inutilmente tento convertê-la em menina de pernas magras (...).
(Essencial, 2011.)
Resposta da questão 1:
[D]
Em “E depois, o silêncio”, a vírgula isola o adjunto adverbial deslocado na oração com verbo
elíptico, o que acontece também em “Para meus amigos, o melhor.” Já no segmento “Mas
seu rosto continua sorrindo, para sempre”, a vírgula enfatiza o adjunto adverbial “para
sempre”, pela mesma razão que em “Organizava tudo, cautelosamente”. Assim, é correta a
opção [D].
Resposta da questão 2:
[C]
Resposta da questão 3:
[E]
Em [E], vemos que a vírgula que segue o pronome “eu” marca a supressão do verbo “era”.
Assim, podemos ler o trecho como “eu era o que vou”.
Resposta da questão 4:
[E]
Resposta da questão 5:
[B]
Em [B], as vírgulas foram empregadas para separar a locução adverbial deslocada no início
da oração: “Até alguns anos atrás” e “A partir daí”.
Resposta da questão 6:
[A]
Tendo em vista a ordem inversa da frase, apenas em [A], o emprego de vírgula separa um
termo que exerce a função de sujeito. Na ordem direta, a frase adquire a seguinte forma:
aquilo deu-lhe muito trabalho (sujeito+verbo+objeto indireto+adjunto adverbial de
intensidade+objeto direto).
Resposta da questão 7:
[B]
Resposta da questão 8:
[E]
É correta a opção [E], pois o segmento “criada em 1985 e conhecida como amplificação de
pulso com varredura em frequência (CPA, por sua sigla em inglês)” constitui aposto
explicativo que deve ser isolado por vírgulas; a vírgula em “CPA, por sua sigla em inglês” é
justificada por se tratar de um esclarecimento da sigla e antes de “utilizados desde então em
milhões de cirurgias do olho”, por iniciar oração subordinada adjetiva reduzida de particípio.
Resposta da questão 9:
[D]
No último segmento da frase, “O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar
com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.”, a vírgula assinala a
elipse do termo verbal “faz”: o roubar com muito faz os Alexandres. Assim, é correta a opção
[C].
LEITURA E INTERPRETAÇÃO
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Leia o texto abaixo e responda à(s) questão(ões) a seguir.
O lema da tropa
O destemido tenente, no seu primeiro dia como comandante de uma fração de tropa,
vendo que alguns de seus combatentes apresentavam medo e angústia diante da barbárie
da guerra, gritou, com firmeza, para inspirar seus homens a enfrentarem o grupamento
inimigo que se aproximava:
– Ou mato ou morro!
Ditas essas palavras, metade de seus homens fugiu para o mato e outra metade
fugiu para o morro.
1 [ 182532 ]. No texto acima, considerando os aspectos morfológicos da Língua Portuguesa,
a construção do humor se efetua, principalmente, pela
a) falta de capacidade linguística dos combatentes que, ao confundirem as palavras do
tenente, no contexto, atribuíram valores de advérbios aos verbos pronunciados pelo
tenente.
b) ausência de interpretação plausível por parte dos combatentes que, ao ouvirem as
palavras, confundem suas classes gramaticais, atribuindo a elas valores inadmissíveis na
Língua Portuguesa.
c) capacidade que os combatentes tiveram de interpretar as palavras pronunciadas,
confundindo verbos com substantivos, justificando, com isso, a vasta flexibilidade de
sentidos de uma língua em sua situação de uso.
d) capacidade de os combatentes trocarem, propositalmente, as classes morfológicas das
palavras pronunciadas pelo tenente, justificando o medo deles e a rigidez de significados e
inflexibilidade de sentidos de tais palavras.
2 [ 183149 ]. O título do texto, “Uma noite real no Museu Nacional”, apresenta uma série
de recursos linguísticos e textuais frequentes em textos literários, como a rima, a
intertextualidade e a ambiguidade.
Considerando os versos do texto, o termo do título que foi empregado com sentido ambíguo
é
a) “noite”.
b) “real”.
c) “Museu”.
d) “Nacional”.
3 [ 180134 ]. Há uma pequena árvore na porta de um bar, todos passam e dão uma
beliscada na desprotegida árvore. Alguns arrancam folhas, alguns só puxam e outros, às
vezes, até arrancam um galho. O homem que vive na periferia é igual a essa pequena árvore,
todos passam por ele e arrancam-lhe algo de valor. A pequena árvore é protegida pelo dono
do bar, que põe em sua volta uma armação de madeira; assim, ela fica segura, mas sua
beleza é escondida. O homem que vive na periferia, quando resolve buscar o que lhe
roubaram, é posto atrás das grades pelo sistema. Tentam proteger a sociedade dele, mas
também escondem sua beleza.
4 [ 180138 ]. Em sua última viagem aos Estados Unidos como primeira-ministra, Margaret
Tatcher revelou a George Bush: “Antes de nomear um ministro, peço-lhe para decifrar um
enigma. A Geoffrey Howe, por exemplo, perguntei: Se é filho de seu pai e não é seu irmão,
quem é então? Geoffrey Howe respondeu: Sou eu. E lhe dei o cargo de chanceler”.
Impressionado, Bush resolveu testar o método com seu vice, Don Quayle. Propôs o mesmo
enigma. Quayle pediu um tempo para pensar. Depois, telefonou ansioso para Henry
Kissinger, que lhe ensinou:
– A resposta é “eu”.
Quayle voltou a Bush com ar de triunfo:
– A resposta é Kissinger.
Bush bradou, contrariado:
– Não, é Geoffrey Howe.
Conectados. Essa palavra nunca fez tanto sentido quanto agora. 1Quando se discutia
no passado sobre como os homens agiriam com o advento da aldeia global (...) não se
imaginava o quanto esse processo seria rápido e devastador.
(...) quando McLuhan apresentou o termo, em 1968, 2ele sequer imaginaria que não
seria a televisão a grande responsável pela interligação mundial absoluta, e sim a internet,
que na época não passava de um projeto militar do governo dos Estados Unidos.
3
A internet mudou definitivamente a maneira como nos comunicamos e percebemos
o mundo. Graças a ela temos acesso a toda informação do mundo à distância de apenas um
toque de botão. 4E quando começaram a se popularizar as redes sociais, 5um admirável
mundo novo abriu-se ante nossos olhos. Uma ferramenta colaborativa extrema, que
possibilitaria o contato imediato com outras pessoas através de suas afinidades, fossem elas
políticas, religiosas ou mesmo geográficas. Projetos colaborativos, revoluções instantâneas...
6
Tudo seria maior e melhor quando as pessoas se alinhassem na órbita de seus ideais. 7O
tempo passou, e essa revolução não se instaurou.
Basta observar as figuras que surgem nos sites de humor e outros assemelhados.
Conhecidos como memes (termo cunhado pelo pesquisador Richard Dawkins, que
representaria para nossa memória o mesmo que os genes representam para o corpo, ou
seja, uma parcela mínima de informação), 8essas figuras surgiram com a intenção de
demonstrar, de maneira icônica, algum sentimento ou sensação. 9Ao fazer isso, a tendência
de ter uma reação diversa daquelas expressas pelas tirinhas é cada vez menor. Tudo fica
branco e preto. 10Ou se aceita a situação, ou revolta-se. Sem chance para o debate ou
questionamento.
(...)
A situação é ainda mais grave quando um dos poucos entes criativos restantes na
internet produz algum comentário curto, espirituoso ou reflexivo, a respeito de alguma
situação atual ou recente... Em minutos pipocam cópias da frase por todo lugar. 11Copia-se
sem o menor bom senso, sem créditos. Pensar e refletir, e depois falar, são coisas do
passado. O importante agora é 12copiar e colar, e depois partilhar. 13As redes sociais
desfraldaram um mundo completamente novo, e o uso que o homem fará dessas
ferramentas é o que dirá o nosso futuro cultural. 14Se enveredarmos pela partilha de ideias,
gestando-as em nossas mentes e depois as passando a outros, será uma estufa mundial a
produzir avanços incríveis em todos os campos de conhecimento. Se, no entanto, as redes
sociais se transformarem em uma rede neural de apoio à preguiça de pensar, a humanidade
estará fadada ao processo antinatural de regressão. O advento das redes sociais trouxe para
perto das pessoas comuns os amigos distantes, os ídolos e as ideias consumistas mais
arraigados, mas aparentemente está levando para longe algo muito mais humano e
essencial na vida em sociedade: o senso crítico. Será uma troca justa?
http://obviousmag.org/archives/2011/09/
redes_sociais_e_colaboracao_extrema_O_fim_do_senso_critico-.htm. Adaptado. Acesso
em: 21 fev 2017.
O Brasil é responsável por uma das mais altas taxas de reincidência criminal em todo
o mundo. No país, a taxa média de reincidência (amplamente admitida, mas nunca
comprovada empiricamente) é de mais ou menos 70%, ou seja, 7 em cada 10 criminosos
voltam a cometer algum tipo de crime após saírem da cadeia.
Alguns perguntariam "Por quê?". E eu pergunto: "Por que não?" O que esperar de
um sistema que propõe reabilitar e reinserir aqueles que cometerem algum tipo de crime,
mas nada oferece, para que essa situação realmente aconteça? Presídios em estado de
depredação total, pouquíssimos programas educacionais e laborais para os detentos,
praticamente nenhum incentivo cultural, e, ainda, uma sinistra cultura (mas que diverte
muitas pessoas) de que bandido bom é bandido morto (a vingança é uma festa, dizia
Nietzsche).
Situação contrária é encontrada na Noruega. Considerada pela ONU, em 2012, o
melhor país para se viver (1º no ranking do IDH) e, de acordo com levantamento feito pelo
Instituto Avante Brasil, o 8º país com a menor taxa de homicídios no mundo, lá o sistema
carcerário chega a reabilitar 80% dos criminosos, ou seja, apenas 2 em cada 10 presos
voltam a cometer crimes; é uma das menores taxas de reincidência do mundo. Em uma
prisão em Bastoy, chamada de ilha paradisíaca, essa reincidência é de cerca de 16% entre os
homicidas, estupradores e traficantes que por ali passaram. Os EUA chegam a registrar 60%
de reincidência e o Reino Unido, 50%. A média europeia é 50%.
A Noruega associa as baixas taxas de reincidência ao fato de ter seu sistema penal
pautado na reabilitação e não na punição por vingança ou retaliação do criminoso. A
reabilitação, nesse caso, não é uma opção, ela é obrigatória. Dessa forma, qualquer
criminoso poderá ser condenado à pena máxima prevista pela legislação do país (21 anos), e,
se o indivíduo não comprovar estar totalmente reabilitado para o convívio social, a pena
será prorrogada, em mais 5 anos, até que sua reintegração seja comprovada.
O presídio é um prédio, em meio a uma floresta, decorado com grafites e quadros
nos corredores, e no qual as celas não possuem grades, mas sim uma boa cama, banheiro
com vaso sanitário, chuveiro, toalhas brancas e porta, televisão de tela plana, mesa, cadeira
e armário, quadro para afixar papéis e fotos, além de geladeiras. Encontra-se lá uma ampla
biblioteca, ginásio de esportes, campo de futebol, chalés para os presos receberem os
familiares, estúdio de gravação de música e oficinas de trabalho. Nessas oficinas são
oferecidos cursos de formação profissional, cursos educacionais, e o trabalhador recebe uma
pequena remuneração. Para controlar o ócio, oferecer muitas atividades, de educação, de
trabalho e de lazer, é a estratégia.
A prisão é construída em blocos de oito celas cada (alguns dos presos, como
estupradores e pedófilos, ficam em blocos separados). Cada bloco tem sua cozinha. A
comida é fornecida pela prisão, mas é preparada pelos próprios detentos, que podem
comprar alimentos no mercado interno para abastecer seus refrigeradores.
Todos os responsáveis pelo cuidado dos detentos devem passar por no mínimo dois
anos de preparação para o cargo, em um curso superior, tendo como obrigação fundamental
mostrar respeito a todos que ali estão. Partem do pressuposto que, ao mostrarem respeito,
os outros também aprenderão a respeitar.
A diferença do sistema de execução penal norueguês em relação ao sistema da
maioria dos países, como o brasileiro, americano, inglês, é que ele é fundamentado na ideia
de que a prisão é a privação da liberdade, e pautado na reabilitação e não no tratamento
cruel e na vingança.
O detento, nesse modelo, é obrigado a mostrar progressos educacionais, laborais e
comportamentais, e, dessa forma, provar que pode ter o direito de exercer sua liberdade
novamente junto à sociedade.
A diferença entre os dois países (Noruega e Brasil) é a seguinte: enquanto lá os
presos saem e praticamente não cometem crimes, respeitando a população, aqui os presos
saem roubando e matando pessoas. Mas essas são consequências aparentemente
colaterais, porque a população manifesta muito mais prazer no massacre contra o preso
produzido dentro dos presídios (a vingança é uma festa, dizia Nietzsche).
Apesar da concorrência (internet, celular), a carta continua firme e forte. Basta uma
folha de papel, selo, caneta e envelope para que uma pessoa do Rio Grande do Norte, por
exemplo, fique por dentro das fofocas registradas por um amigo em São Paulo, dois dias
depois. “Adoro receber cartas, fico super ansiosa para descobrir o que está escrito”, conta
Lívia Maria, de 9 anos. Mas ela admite que faz tempo que não escreve nenhuma cartinha.
“As últimas foram para a Angélica e para um dos programas do Gugu.”
Isabela, de 9 anos, lembra que, quando morava em Curitiba, no Paraná, trocava
correspondência com sua amiga Raquel, que vive em Belo Horizonte, Minas Gerais. “Eu
ficava sabendo das novidades e não gastava dinheiro com telefonemas.”
Já Amanda, de 10 anos, também gosta de receber cartinhas, mas prefere enviar e-
mails. “Atualmente estou conversando com meu primo que está nos Estados Unidos via
computador, já que a mensagem chega mais rápido e não pago interurbano.”
7 [ 176145 ]. O adjunto adverbial vem, normalmente, no final da frase, mas ele pode
aparecer em outra posição, basta que se indique esse deslocamento com a vírgula. A
colocação inadequada do adjunto adverbial, porém, poderá prejudicar a compreensão da
frase. É o que acontece na fala da Amanda, no texto. Das cinco reestruturações
apresentadas nas alternativas a seguir, uma continua com problema. Marque-a.
a) Atualmente, via computador, estou conversando com meu primo que está nos Estados
Unidos.
b) Atualmente estou, via computador, conversando com meu primo que está nos Estados
Unidos.
c) Atualmente estou conversando, via computador, com meu primo que está nos Estados
Unidos.
d) Atualmente estou conversando com meu primo, via computador, que está nos Estados
Unidos.
e) Via computador, atualmente estou conversando com meu primo que está nos Estados
Unidos.
8 [ 168581 ]. Em uma das frases ocorre uma ambiguidade ou duplo sentido. Identifique-a:
a) Ex-presidente recorreu ao Comitê da ONU acusando o juiz de violar seus direitos.
b) Sem placa orientadora, taxistas evitam corredor de ônibus, mesmo após liberação pela
Prefeitura.
c) “Pokémon Go” leva jogadores à caça em cemitérios e igrejas no Brasil.
d) Líderes governamentais com tensões e saias-justas na mala vão à China para o G20.
e) O ministro do STF afirmou que os integrantes do Ministério Público Federal devem “calçar
as sandálias da humildade”.
Apenas da água doce da Terra pode ser encontrada em locais de fácil acesso. Com o
aumento da população mundial, disputas pelo controle de recursos hídricos devem se
intensificar.
Uma das primeiras guerras da história aconteceu há mais de 4,5 mil anos, na
Suméria, região onde hoje se encontra o Iraque. Munidos de espadas, machados de bronze e
lanças, o exército da cidade-estado de Lagash avançou contra o rei de Umma, que desviou as
águas do Rio Tigre para construir um canal de irrigação. “Eannatum, líder de Lagash, foi para
a batalha e deixou 60 soldados mortos na margem do canal”, dizia uma inscrição encontrada
por arqueólogos. 3Assim, como outras civilizações que não tinham acesso a recursos hídricos
abundantes, a luta pela água era, literalmente, uma batalha de sobrevivência para os dois
povos.
Passados alguns milênios, os conflitos já não são resolvidos apenas pela força. 5Mas a
explosão populacional e a 1crescente demanda por infraestrutura e produção de bens
ampliaram ainda mais a necessidade por recursos naturais. A água doce, antes considerada
abundante em boa parte do mundo, se transformou num bem estratégico. Apesar de ocupar
dois terços da superfície terrestre, a água própria para consumo faz parte de uma fatia
mínima. De 1,2 bilhão de quilômetros cúbicos de água existentes no planeta, menos de
é potável – o que representa cerca de 35 milhões de quilômetros cúbicos. O problema é que
deste volume está disponível na forma de geleiras e camadas de neve e está
localizado em aquíferos subterrâneos. Ou seja, de água doce é encontrada em locais
de fácil acesso, como rios e lagos – o equivalente a 1,4 milhão de quilômetros cúbicos.
Como se não bastasse, essa pequenina porção é degradada a cada dia pela poluição
de rios e depósitos subterrâneos gerados pelo despejo de esgoto não tratado e resíduos
industriais. Um relatório divulgado em 2013, pelo Ministério de Recursos Hídricos da China,
indicava que dos lençóis freáticos de 118 cidades do país estavam poluídos. Com esse
cenário, o discurso de que a água poderá se transformar no petróleo do século 21 não é
simples conversa daquele tio alarmista. Como as fronteiras políticas não coincidem com os
limites geográficos das 261 bacias hidrográficas existentes no mundo, litígios pelo controle
da água tendem a aumentar. 2“A disputa pela água não gera necessariamente uma guerra.
Mas em regiões com um histórico beligerante, a redução e degradação dos recursos podem
virar um estopim para um conflito”, diz Vanessa Barbosa, autora do livro A Última Gota, da
Editora Planeta, 4que chega às livrarias em outubro. [...]
O título dado ao texto A gota d’água é formado por uma frase nominal, as ideias são
condensadas em um pequeno número de palavras. Considerando o texto e a canção de
Chico Buarque, pode-se afirmar acerca da expressão gota d’água que
a) o efeito de sentido obtido na canção de Chico Buarque é oposto ao expresso através do
título A gota d’água.
b) em relação aos dois títulos apresentados, apenas o título da canção provoca um efeito
metafórico, já que se trata de um texto poético.
c) no texto, ocorre o emprego da ambiguidade como problema de construção, prejudicando
a clareza do título diante do conteúdo textual, o que não ocorre na canção Gota d’água.
d) no texto, ocorre o emprego da ambiguidade como recurso de construção, em que o
sentido da expressão gota d’água, no título, remete ao sentido empregado por Chico
Buarque e, simultaneamente, apresenta uma questão geopolítica preocupante.
Eram tempos menos duros aqueles vividos na casa de Tia Vicentina, em Madureira,
subúrbio do Rio, onde Paulinho da Viola podia traçar, sem cerimônia, um prato de feijoada -
comilança que deu até samba, "No Pagode do Vavá". Mas como não é dado a saudades
(lembre-se: é o passado que vive nele, não o contrário), Paulinho aceitou de bom grado a
sugestão para que o jantar ocorresse em um dos mais requintados italianos do Rio. A
escolha pela alta gastronomia tem seu preço. Assim que o sambista chega à mesa redonda
ao lado da porta da cozinha, forma-se um círculo de garçons, com o maître à frente. [...]
Paulinho conta que cresceu comendo o trivial. Seu pai viveu 88 anos à base de arroz,
feijão, bife e batata frita. De vez em quando, feijoada. Massa, também. "Mas nada muito
sofisticado."
Com exceção de algumas dores de coluna, aos 70 anos, goza de plena saúde. O
músico credita sua boa forma ao estilo de vida, como se sabe, não dado a exageros e
grandes ansiedades.
13 [ 139037 ]. Tendo em vista o contexto, pode ser lida em duplo sentido a palavra
sublinhada na seguinte frase do texto:
a) “Mas como não é dado a saudades”.
b) “Paulinho aceitou de bom grado a sugestão”.
c) “A escolha pela alta gastronomia tem seu preço”.
d) “forma-se um círculo de garçons, com o maître à frente”.
e) “O músico credita sua boa forma ao estilo de vida”.
Tendo em vista sua finalidade comunicativa, pode-se apontar, nesse texto, o defeito da
a) ambiguidade.
b) redundância.
c) prolixidade.
d) inadequação léxica.
e) mistura de variedades linguísticas.
O marido, ao chegar em casa, no final da noite, diz à mulher, que já estava deitada,
- Querida, eu quero amá-la.
A mulher, que está dormindo, com a voz embolada, responde:
A mala... ah! Não sei onde está, não. Use a mochila que está no maleiro do quarto de visitas.
- Não é isso, querida, hoje vou amar-te.
- Por mim, você pode ir até Júpiter, Saturno e até ao raio que o parta, desde que me deixe
dormir em paz...
a) A ambiguidade mostrada no texto se dá apenas no nível semântico.
b) A piada chama a atenção para o uso incorreto dos oblíquos.
c) O sentido do texto foi prejudicado pela fusão do uso de você e tu na pessoa do discurso.
d) A confusão do sentido se deu em razão do equívoco no uso dos oblíquos, pois o adequado
seria o termo “lhe”.
e) O humor da piada consiste no jogo fonético/semântico causado pelo uso dos pronomes
oblíquos.
Gabarito:
Resposta da questão 1:
[C]
Resposta da questão 2:
[B]
Resposta da questão 3:
[A]
Resposta da questão 4:
[A]
Quayle entende que, quando Henry Kissinger diz que a resposta é “eu”, ele está se referindo
a ele mesmo, e não ao Quayle. Ao responder para Bush, este também revela não ter
entendido a resolução do enigma, pois diz que a verdadeira resposta era “Geoffrey Howe”,
ou seja, ele não compreendeu que o “eu” era uma referência à própria pessoa a que se
apresenta o enigma e não ao Howe obrigatoriamente.
Resposta da questão 5:
[B]
Em [A], “Graças a ela temos acesso a toda informação do mundo (...)”, “toda” é pronome
indefinido, e apresenta sentido de “qualquer”. Já em “Graças a ela temos acesso à
informação toda do mundo (...)”, toda é adjetivo, e indica totalidade, completude.
Em [B], na frase, o adjetivo “novo” não apresenta significação diferente se anteposto ou
posposto ao substantivo “mundo”. No entanto, a construção “admirável mundo novo”
remete ao título da obra de Aldous Huxley, o que se perde com a mudança de ordem.
Em [C], “As redes sociais desfraldaram um mundo completamente novo...”, o advérbio
“completamente” está relacionado ao adjetivo “novo”. Com a mudança para “As redes
sociais desfraldaram um mundo novo completamente...”, o advérbio passa a relacionar-se a
“mundo novo”.
Na Língua Portuguesa, a expressão “amigo distante” é popularmente utilizada para indicar
amigos os quais quase não se vê, com os quais se tem pouco contato. Essa é uma possível
interpretação para “...trouxe para perto das pessoas comuns os amigos distantes...”, em [D].
Pode-se também depreender que se tratam de amigos fisicamente distantes. Com a
mudança para “...trouxe para perto das pessoas comuns os distantes amigos...”, a
interpretação pode ser também de amigos que se encontram a longa distância ou, em
sentido figurado, de amigos de personalidade fria, reservada.
Resposta da questão 6:
[B]
O trecho “produzido dentro dos presídios” possui ambiguidade sintática, já que pode fazer
referência tanto a “massacre contra o preso” quanto a apenas “o preso”.
Resposta da questão 7:
[D]
Em [D], ao deslocar o adjunto "via computador" para antes da explicação "que está nos
Estados Unidos", cria-se uma má interpretação, já que a oração "que está nos Estados
Unidos" deixa de se referir ao "primo" e passa a se referir ao "computador".
Resposta da questão 8:
[A]
Na frase “Ex-presidente recorreu ao Comitê da ONU acusando o juiz de violar seus direitos.”,
a ambiguidade ocorre quanto ao uso do pronome possessivo “seus”, que pode referir-se ao
ex-presidente, ao Comitê da ONU ou ao juiz.
Resposta da questão 9:
[B]
Apenas a alternativa [B] apresenta ambiguidade. O trecho “que desapareceu” pode fazer
referência a dois elementos diferentes: “neto” ou “Chico Anysio”.
[A] Incorreta: Há ambiguidade na oração, pois o adjetivo “sozinhos” pode se referir tanto
aos “pais” quanto aos “filhos”.
[B] Incorreta: Há ambiguidade na oração, pois o adjetivo “atrasadas” pode se referir tanto às
“estudantes” quanto às “verbas”.
[C] Incorreta: Há ambiguidade na oração, pois o pronome possessivo “seu” pode se referir
tanto à “Petrobras” quanto à “Dilma”.
[D] Correta: Não há expressões na oração que possibilitem mais de uma leitura.
[E] Incorreta: Por exclusão, há ambiguidade na oração, uma vez que a locução adjetiva “do
governo” pode ser associada a “erros” e a “deputados”.
A expressão “a gota d’água”, figurativamente, indica elemento que faz com que algo ou
alguém ultrapasse o seu limite. No contexto, a expressão é ambígua, já que, por um lado, a
temática do texto aponta para uma interpretação literal; mas, ao mesmo tempo, a poluição
pode ser considerada “aquilo que vai além do limite” da questão, desse grave problema
geopolítico.
A palavra “preço” pode ser interpretada, no contexto, como “valor em dinheiro a ser pago
por uma mercadoria ou serviço”. Paga-se caro pela alta gastronomia, já que se trata de uma
alimentação mais sofisticada. Também pode ser interpretada como consequência – a
punição ou a recompensa por algo. No caso, a consequência é Paulinho da Viola ver-se
cercado pelos garçons e o maître: “Assim que o sambista chega à mesa redonda ao lado da
porta da cozinha, forma-se um círculo de garçons, com o maître à frente”.
[A] Correta. No trecho: ficar sob árvores, dentro do mar ou piscina (...) apresenta duplo
sentido: o primeiro e desejável é que se deve evitar ficar em determinados lugares de
risco, como sob árvores, piscinas... O segundo sentido e equivocado é que, em caso de
chuva, deve-se ficar sob árvores dentro do mar ou da piscina, logo, produzindo um
sentido inverso ao que se quer comunicar.
[B] A redundância consiste em se repetir o já dito ou em insistir no óbvio. Não há palavras
nem ideias redundantes no texto.
[C] Prolixidade consiste no uso exagerado de palavras para transmitir uma mensagem. Não
se encontra este vício de linguagem no texto em questão.
[D] O texto não apresenta inadequação léxica ou uso inadequado de palavras.
[E] Não há mistura de variedades linguísticas, trata-se de um texto informativo, escrito na
linguagem que lhe é cabível.
O humor da piada se dá pelo não entendimento da esposa ao que diz o marido. “Eu quero
amá-la” é foneticamente semelhante a “Eu quero a mala”, como compreende a esposa. Do
mesmo modo, “hoje eu vou amar-te” é foneticamente idêntico a “hoje eu vou a Marte”.
Assim, a esposa interpreta o marido de modo, semanticamente, diferente do que ele
tentava comunicar.
SIGNIFICAÇÃO
1 [ 206232 ]. Leia a seguir os versos de João Cabral Melo Neto.
Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura
que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem
sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois
me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a
moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março,
que levam tudo.
Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria
perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no
coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse
uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.
E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais
mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como
um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de
divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no seu duodeno), teria o
mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos
pendurados no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua
orelha malformada; mas a má formação interna é marca de originalidade, que se descreve
aos outros com evidente orgulho.
Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a
notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um
sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.
Parece que o principal impedimento é o estético. Pois se todos gostam de se
distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de
que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma
glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos
pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima
nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitira mesmo que os circunstantes curiosos
lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença
nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela
gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade
de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na
obrigação de desviar a vista e mudar de assunto.
Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já
não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela
tivesse um pé infantil, ou seios senis. será que os declararia com a mesma complacência?
Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob
pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal
reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se
dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem
doidice pegam.
Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto
que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça
feio.
Fonte: O melhor da crônica brasileira,1/ Ferreira Guillar... [et al.]. 5a ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2007.
Vocabulário:
épater: impressionar
1
É bem raro que um personagem literário tenha tanta projeção cultural que seu
nome acabe por virar substantivo comum de ampla circulação, verbete em todos os
dicionários. Aconteceu com o Jeca Tatu, criado há pouco mais de cem anos pelo escritor
paulista Monteiro Lobato (1882-1948). O Houaiss define assim o brasileirismo jeca-tatu,
substantivo masculino: "habitante do 2interior brasileiro, especialmente da região centro-sul,
de hábitos rudimentares, morador da zona rural". Ou seja, jecatatu é sinônimo de caipira,
matuto, equivalência que o dicionário também registra. Curiosamente, é só no verbete jeca,
forma reduzida de jeca-tatu, que o lexicógrafo aponta o escancarado caráter pejorativo da
palavra. O termo caipira pode ser depreciativo, mas também aparece em contextos neutros
e até de valorização da cultura rural. Jeca não: é ofensivo sempre. Mesmo quando o ator e
cineasta Amácio Mazzaropi (1912-1981) fez dele um herói simpático e de grande sucesso, o
riso que sua comédia buscava era baseado na superioridade do espectador sobre aquele
capiau ridiculamente simplório, que envergonhava os próprios filhos, ainda que fosse
honesto e de bom coração. A negatividade vem de berço. Quando lançou o personagem do
Jeca Tatu em 1914, em artigo para O Estado de S. Paulo 3intitulado "Uma velha praga",
Lobato o apresentava como síntese dos defeitos que, na sua experiência de fazendeiro cheio
de sonhos frustrados de modernização, condenavam o matuto brasileiro – e o país com ele –
ao atraso eterno. Preguiçoso, ignorante, 4abúlico, triste, nessa primeira encarnação o Jeca
(corruptela de Zeca) é uma espécie de aberração responsável por todas as suas próprias
desgraças aos olhos urbanos do escritor elitista. Só que o autor nunca parou de retocar o
personagem. Em pouco tempo tinha transformado o Jeca numa vítima da 5incompetência do
Estado, que lhe negava saneamento, remédios e educação. O personagem começou a
ganhar contornos construtivos. Nessa fase o 6astuto Lobato chegou a lhe arranjar um
emprego de garoto-propaganda do Biotônico Fontoura, elixir vendido como capaz de curar
os jecas de sua jequice. No fim da vida do escritor, uma intervenção mais claramente política
mudou tanto o caipira, agora retratado como explorado pelos donos da terra, que ele
precisou mudar de nome. Assim surgiu o personagem Zé Brasil, camponês dotado de
consciência de classe. De modo significativo, não fez um milésimo do sucesso do Jeca.
Ocorre que a criatura já havia declarado sua 7independência do criador. Morto Lobato, novas
transformações estavam por vir tanto para o Jeca, o personagem, quanto para jeca, a
palavra. 8O já citado Mazzaropi se encarregou da primeira, mas é a outra que 9interessa mais
de perto à coluna. Se a 10incrível 11inserção cultural alcançada pelo caipira de Lobato só pode
ser entendida no contexto de um país que, na primeira metade do século passado, ainda era
maciçamente rural, o Brasil de urbanização velocíssima das décadas seguintes reservou
novos papéis para o termo jeca. Hoje é mais comum vê-lo usado como adjetivo para
qualificar o "que revela mau gosto, falta de refinamento; cafona, ridículo" (Houaiss). Abusar
de palavras em inglês é jeca. Humilhar porteiros e garçons é jeca demais. Usar faixa
presidencial em solenidades que não a exigem, haja jequice! Não há dúvida de que vivemos
o momento mais jeca de nossa história.
Rodrigues, S. "Que coisa mais jeca! Do capiau de Lobato ao cafona urbano de hoje, palavra
mudou com o país". Folha de São Paulo. 24.10.2019. Disponível em: https://bit.ly/2NxyLzK/.
Adaptado.
ODE TRIUNFAL
1
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, 2fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
3
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria 4fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
5
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
12
Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés – oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
13
Os rumores e os gestos do 14Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do 15Progressivo!
16
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993), p. 144
(texto adaptado).
Outro fantasma?... é verdade: outro fantasma. Já tardava. O Rio de Janeiro não pode
passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir
ao amor do sobrenatural [...]. Agora, já se não adormecem as crianças com histórias de fadas
e de almas do outro mundo. Mas, ainda há menos de cinquenta anos, este era um povo de
beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva
credulidade. Inventar um fantasma é ainda um magnífico recurso para quem quer levar a
bom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vão propagando o terror, e, sob a
capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vão rejubilando.
O novo espectro que nos aparece é o de Catumbi. Começou a surgir vagamente, sem
espalhafato, pelo pacato bairro – como um fantasma de grande e louvável modéstia. E tão
esbatido1 passava o seu vulto na treva, tão sutilmente deslizava ao longo das casas
adormecidas – que as primeiras pessoas que o viram não puderam em consciência dizer se
era duende macho ou duende fêmea. [...] O fantasma não falava – naturalmente por saber
de longa data que pela boca é que morrem os peixes e os fantasmas... Também, ninguém
lhe falava – não por experiência, mas por medo. Porque, enfim, pode um homem ter nascido
num século de luzes e de descrenças, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados
seios da Revolução Francesa, e não acreditar nem em Deus nem no Diabo – e, apesar disso,
sentir a voz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3...
Assim, um profundo mistério cercava a existência do lobisomem de Catumbi –
quando começaram de aparecer vestígios assinalados de sua passagem, não já pelas ruas,
mas pelo interior das casas. Não vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as
hóstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitério de S.
Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de
família, certa manhã, ao despertar, tenha dado pela falta... da própria alma. Nada disso. Os
fenômenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas,
daquela outra as joias... E a polícia, finalmente, adquiriu a convicção de que o lobisomem,
para perpétua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados
sobre os pecados antigos, e dando-se à prática de excessos menos merecedores de
exorcismos que de cadeia.
Dizem as folhas4 que a polícia, competentemente munida de bentinhos5 e de
revólveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal,
dando conta da diligência, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra – um velho
pardieiro6 que fica no topo de uma ladeira íngreme – alguns objetos singulares que pareciam
instrumentos “pertencentes a gatunos”. E acrescentou: “alguns morcegos esvoaçavam
espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7 empunhavam”.
Esta nota de morcegos deve ser um chique romântico do noticiarista. No fundo da
alma de todo o repórter há sempre um poeta... Vamos lá! nestes tempos, que correm, já
nem há morcegos. Esses feios quirópteros, esses medonhos ratos alados, companheiros
clássicos do terror noturno, já não aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais,
que esvoaçavam espavoridos, eram sem dúvida os frangões roubados aos quintais das
casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou.
(Olavo Bilac. Melhores crônicas, 2005.)
1
esbatido: de tom pálido.
2
a desoras: muito tarde.
3
avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro.
4
folha: periódico diário, jornal.
5
bentinho: objeto de devoção contendo orações escritas.
6
pardieiro: prédio velho ou arruinado.
7
sitiante: policial.
9 [ 203879 ]. Em “Vamos lá! nestes tempos, que correm, já nem há morcegos” (5º
parágrafo), o termo sublinhado está empregado na mesma acepção do termo sublinhado em
a) “ela correu um risco desnecessário”.
b) “a notícia corria por toda a cidade”.
c) “a manhã corria especialmente tranquila”.
d) “segundo corria, ela seria facilmente eleita”.
e) “um arrepio correu-lhe pela espinha”.
1
macela: planta herbácea cujas flores costumam ser usadas pela população como estofo de
travesseiros.
Resposta da questão 1:
[A]
A expressão “ou melhor” retifica aquilo que foi dito anteriormente, apresentando, em
seguida, um jeito mais adequado de se dizer. Assim, o eu lírico retifica o uso da palavra
“pavio”, substituindo-a por “lamparina”.
Resposta da questão 2:
[D]
As opções [A], [B] e [C] apresentam conceitos expostos no texto como característicos do
homem cordial: esconde a sua verdadeira índole negativa, revela-se como pessoa hipócrita e
simula que tem algo de valor quando o que oferece é falsificado ou de qualidade duvidosa.
Assim, é correta a opção [D], pois, segundo o autor, as características negativas do homem
cordial prejudicam a sociedade e o exercício da democracia, ou seja, é tudo menos cão que
ladra e não morde.
Resposta da questão 3:
[A]
Resposta da questão 4:
[B]
A opção [B] atribui erradamente um sentido ao termo “pseudônimo”, nome não original e
usado com a intenção de ocultar o verdadeiro, diferente de apelido, também chamado de
cognome ou alcunha.
Resposta da questão 5:
[B]
Resposta da questão 6:
[B]
Os termos "abúlico" (ref. 4) e "astuto" (ref. 6) têm semelhança semântica com “apático”
(com perda da vontade, sem iniciativa ou capacidade de escolher) e “esperto” (que percebe
e compreende as coisas com facilidade), como mencionado em [B].
Resposta da questão 7:
[A]
[II] Incorreta: na verdade, a palavra “flora” faz referência às próprias máquinas, indicando,
assim, que são belas como a flora.
[III] Incorreta: a palavra “estupenda” tem sentido de “admirável”, “incrível”, e não de
“abundante”.
Resposta da questão 8:
[A]
“ciciante” tem a ver com um som baixo, pouco perceptível, sendo similar à “sussurrante”,
“sibilante”, “discordante” e “dissonante”. “tonitruante”, por outro lado, tem sentido de algo
muito ruidoso, que faz muito barulho e, assim, tem sentido inverso da palavra “ciciante”.
Resposta da questão 9:
[C]
O verbo correr da frase do enunciado está empregado no sentido de transcorrer ou decorrer,
como na frase da opção [C]: “a manhã corria especialmente tranquila”.
A locução conjuntiva “de tal modo que” expressa noção de consequência relativamente à
oração principal, “A escrita faz parte de nossa civilização”, e o advérbio “sobretudo” enfatiza
a ideia exposta no último período, “não existe história que não se funde sobre textos”.
Assim, é correta a opção [B].
[A] Incorreta: “arcabouço” tem sentido de teoria, concepção, referindo-se a toda a bagagem
teórica do existencialismo.
[B] Incorreta: “pressuposto” tem sentido de algo que é suposto antecipadamente, ou seja,
de onde se parte, e não com qual objetivo.
[D] Incorreta: algo “avassalador” é algo que chega com muita intensidade e que por vezes
pode ser opressora, mas, no caso do texto, não é esse o sentido mais adequado:
pretende-se dizer que é uma liberdade enorme, que pode abalar.
[E] Incorreta: “ideário”, no texto, refere-se às ideias de humanidade, a um conjunto de
pensamentos sobre a humanidade, e não a um imaginário ou fabulação.
O texto apresenta um relato sobre a forma de vida de Diógenes que fez da pobreza extrema
uma virtude, buscando a autossuficiência através de uma vida natural que não dependesse
do supérfluo da civilização. Assim, o ensaio produz um efeito critico à falta de moderação, à
intemperança, como se afirma em [B].
No excerto alegórico “Não há de ser um náufrago, à espera de uma tábua de salvação, pois
que exiges que também possua”, o termo “náufrago” funciona como metáfora de “pobre”,
indivíduo sem posses que veria no casamento uma possibilidade de ascender socialmente.
Assim, é correta a opção [A].
FIGURAS DE LINGUAGEM
1 [ 203080 ].
Tendo como objetivo aumentar o estoque de sangue do HEMORIO, a campanha publicitária
faz uso dos seguintes recursos linguísticos:
a) intertextualidade e prosopopeia.
b) ambiguidade e paradoxo.
c) neologia e polissíndeto.
d) ambiguidade e paronímia.
e) intertextualidade e polissemia.
2 [ 205786 ]. Examine o meme criado a partir de uma cena famosa do filme O sétimo selo,
do cineasta sueco Ingmar Bergman.
Para obter seu efeito de humor, o meme explora os recursos expressivos:
a) eufemismo e antítese.
b) personificação e ironia.
c) personificação e antítese.
d) hipérbole e ambiguidade.
e) eufemismo e ironia.
Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura
que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem
sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois
me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a
moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março,
que levam tudo.
Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria
perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no
coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse
uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.
E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais
mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como
um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de
divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no seu duodeno), teria o
mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos
pendurados no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua
orelha malformada; mas a má formação interna é marca de originalidade, que se descreve
aos outros com evidente orgulho.
Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a
notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um
sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.
Parece que o principal impedimento é o estético. Pois se todos gostam de se
distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de
que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma
glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos
pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima
nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitira mesmo que os circunstantes curiosos
lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença
nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela
gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade
de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na
obrigação de desviar a vista e mudar de assunto.
Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já
não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela
tivesse um pé infantil, ou seios senis. será que os declararia com a mesma complacência?
Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob
pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal
reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se
dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem
doidice pegam.
Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto
que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça
feio.
Fonte: O melhor da crônica brasileira,1/ Ferreira Guillar... [et al.]. 5a ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2007.
Vocabulário:
épater: impressionar
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está
doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que
chegasse a chorar e dissesse – "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a
contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e
todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão
alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente,
vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada
ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria – "mas essa história é mesmo
muito engraçada!".
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido
com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse
atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação
da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da
história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para cara do
outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo
de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse
– e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu
coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história,
mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres
mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse – "por favor, se comportem, que diabo! Eu não
gosto de prender ninguém!" E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus
dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e
fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês em
Chicago – mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu
encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre,
muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa
em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode
ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou
aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser
uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso
conhecimento; é divina."
E quando todos me perguntassem – "mas de onde é que você tirou essa história?" –
eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido
que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi
um sujeito contar uma história..."
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha
história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que
sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu
bairro.
Fonte: As cem melhores crônicas brasileiras/ Joaquim Ferreira dos Santos, organização e
introdução. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
Com base no texto, responda às questões que se seguem.
ODE TRIUNFAL
1
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, 2fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
3
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria 4fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
5
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
12
Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés – oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
13
Os rumores e os gestos do 14Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do 15Progressivo!
16
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993), p. 144
(texto adaptado).
Sinopse do conto
Raimundo Flamel, um químico, chega à pequena cidade de Tubiacanga, no Rio de Janeiro.
Anos depois, ele encontra uma fórmula secreta capaz de transformar ossos humanos em
ouro, o que transformaria profundamente a cidade, até então, ordeira e tranquila. Depois de
revelar a sua descoberta, Flamel some misteriosamente. A partir daí, o cemitério é
profanado, ocorrendo vários roubos de cadáveres.
A NOVA CALIFÓRNIA
Ninguém sabia donde viera aquele homem. O agente do Correio pudera apenas
informar que acudia ao nome de Raimundo Flamel, pois assim era subscrita a
correspondência que recebia. E era grande. Quase diariamente, o carteiro lá ia a um dos
extremos da cidade, onde morava o desconhecido, sopesando um maço alentado de cartas
vindas do mundo inteiro, grossas revistas em línguas arrevesadas, livros, pacotes...
Quando Fabrício, o pedreiro, voltou de um serviço em casa do novo habitante, todos
na venda perguntaram-lhe que trabalho lhe tinha sido determinado.
– Vou fazer um forno, disse o preto, na sala de jantar.
Imaginem o espanto da pequena cidade de Tubiacanga, ao saber de tão extravagante
construção: um forno na sala de jantar! E, pelos dias seguintes, Fabrício pôde contar que vira
balões de vidros, facas sem corte, copos como os da farmácia – um rol de coisas esquisitas a
se mostrarem pelas mesas e prateleiras como utensílios de uma bateria de cozinha em que o
próprio diabo cozinhasse. O alarme se fez na vila. Para uns, os mais adiantados, era um
fabricante de moeda falsa; para outros, os crentes e simples, um tipo que tinha parte com o
tinhoso.
Chico da Tirana, o carreiro, quando passava em frente da casa do homem misterioso,
ao lado do carro a chiar, e olhava a chaminé da sala de jantar a fumegar, não deixava de
persignar-se e rezar um “credo” em voz baixa; e, não fora a intervenção do farmacêutico, o
subdelegado teria ido dar um cerco à casa daquele indivíduo suspeito, que inquietava a
imaginação de toda uma população.
Tomando em consideração as informações de Fabrício, o boticário Bastos concluíra
que o desconhecido devia ser um sábio, um grande químico, refugiado ali para mais
sossegadamente levar avante os seus trabalhos científicos.
Homem formado e respeitado na cidade, vereador, médico também, porque o
doutor Jerônimo não gostava de receitar e se fizera sócio da farmácia para mais em paz
viver, a opinião de Bastos levou tranquilidade a todas as consciências e fez com que a
população cercasse de uma silenciosa admiração a pessoa do grande químico, que viera
habitar a cidade.
De tarde, se o viam a passear pela margem do Tubiacanga, sentando-se aqui e ali,
olhando perdidamente as águas claras do riacho, cismando diante da penetrante melancolia
do crepúsculo, todos se descobriam e não era raro que às “boas noites” acrescentassem
“doutor”. E tocava muito o coração daquela gente a profunda simpatia com que ele tratava
as crianças, a maneira pela qual as contemplava, parecendo apiedar-se de que elas tivessem
nascido para sofrer e morrer.
Na verdade, era de ver-se, sob a doçura suave da tarde, a bondade de Messias com
que ele afagava aquelas crianças pretas, tão lisas de pele e tão tristes de modos,
mergulhadas no seu cativeiro moral, e também as brancas, de pele baça, gretada e áspera,
vivendo amparadas na necessária caquexia dos trópicos.
Por vezes, vinha-lhe vontade de pensar qual a razão de ter Bernardin de Saint-Pierre
gasto toda a sua ternura com Paulo e Virgínia e esquecer-se dos escravos que os cercavam...
Em poucos dias a admiração pelo sábio era quase geral, e não o era unicamente
porque havia alguém que não tinha em grande conta os méritos do novo habitante. Capitão
Pelino, mestre-escola e redator da Gazeta de Tubiacanga, órgão local e filiado ao partido
situacionista, embirrava com o sábio. “Vocês hão de ver, dizia ele, quem é esse tipo... Um
caloteiro, um aventureiro ou talvez um ladrão fugido do Rio.”
A sua opinião em nada se baseava, ou antes, baseava-se no seu oculto despeito
vendo na terra um rival para a fama de sábio de que gozava. Não que Pelino fosse químico,
longe disso; mas era sábio, era gramático. Ninguém escrevia em Tubiacanga que não levasse
bordoada do capitão Pelino, e mesmo quando se falava em algum homem notável lá no Rio,
ele não deixava de dizer: “Não há dúvida! O homem tem talento, mas escreve: ‘um outro’,
‘de resto’...”. E contraía os lábios como se tivesse engolido alguma coisa amarga.
Toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o solene Pelino, que corrigia e
emendava as maiores glórias nacionais. Um sábio...
1
Ao entardecer, depois de ler um pouco o Sotero, o Cândido de Figueiredo ou o
Castro Lopes, e de ter passado mais uma vez a tintura nos cabelos, o velho mestre-escola
saía vagarosamente de casa, muito abotoado no seu paletó de brim mineiro, e encaminhava-
se para a botica do Bastos a dar dois dedos de prosa. 2Conversar é um modo de dizer,
porque era Pelino avaro de palavras, limitando-se tão somente a ouvir. Quando, porém, dos
lábios de alguém escapava a menor incorreção de linguagem, intervinha e emendava. “Eu
asseguro, dizia o agente do Correio, que...” Por aí, o mestre-escola intervinha com
mansuetude evangélica: “Não diga ‘asseguro’, senhor Bernardes; em português é garanto”.
E a conversa continuava depois da emenda, para ser de novo interrompida por uma
outra. Por essas e outras, houve muitos palestradores que se afastaram, mas Pelino,
indiferente, seguro dos seus deveres, continuava o seu apostolado de vernaculismo. A
chegada do sábio veio distraí-lo um pouco da sua missão. Todo o seu esforço voltava-se
agora para combater aquele rival, que surgia tão inopinadamente.
Foram vãs as suas palavras e a sua eloquência: não só Raimundo Flamel pagava em
dia as suas contas, como era generoso – pai da pobreza – e o farmacêutico vira numa revista
de específicos seu nome citado como químico de valor.
BARRETO, Lima. A nova Califórnia e outros contos. São Paulo: Unesp, 2012, p. 11-23 (texto
adaptado).
a) anáfora
b) metonímia
c) paronomásia
d) metáfora
e) personificação
Depois de nos privar de Plutão, que teve sua planetariedade cassada em 2006,
cientistas agora ameaçam bagunçar o tempo.
Pretendem eliminar os segundos bissextos ocasionalmente introduzidos no
calendário para fazer com que o tempo dos relógios atômicos (oficialmente, 1 segundo
equivale a 9.192.631.770 ciclos de radiação emitidos pelo césio-133) não se divorcie de vez
do tempo astronômico, em que o segundo vale 1/86.400 do dia.
Até os anos 60, a astronomia era a guardiã absoluta do tempo, mas aí descobrimos
que o planeta é pouco pontual: a velocidade da rotação terrestre atrasa um número variável
de milissegundos a cada ano.
Se os segundos corretivos forem de fato eliminados [...], o tempo se tornará mais
abstrato. Não dirá mais respeito à noite, ao dia, às estações e aos anos.
Os cientistas, é claro, têm suas razões. O problema é que nossos corações são
insensíveis a elas. O tempo encerra uma dimensão psicológica à qual não podemos escapar.
Nas “Confissões”, santo Agostinho vislumbrou o tamanho da encrenca: “Se nada
sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo
presente. De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro –, se o passado
já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e
não passasse
para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade.”
Não é por acaso que, além de Agostinho, vários filósofos se apressaram a concluir
que o tempo não passa de uma ilusão. Mesmo que ele seja uma realidade ontológica, como
querem os físicos, continua despertando perplexidades e até paixões.
Nem toda ciência, filosofia e poesia do mundo nos fazem deixar de lamentar o
passado e temer o futuro. Quem traduziu bem esse sentimento foi Virgílio: “Sed fugit
interea, fugit irreparabile tempus” (mas ele foge: foge irreparavelmente o tempo).
Outro fantasma?... é verdade: outro fantasma. Já tardava. O Rio de Janeiro não pode
passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir
ao amor do sobrenatural [...]. Agora, já se não adormecem as crianças com histórias de fadas
e de almas do outro mundo. Mas, ainda há menos de cinquenta anos, este era um povo de
beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva
credulidade. Inventar um fantasma é ainda um magnífico recurso para quem quer levar a
bom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vão propagando o terror, e, sob a
capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vão rejubilando.
O novo espectro que nos aparece é o de Catumbi. Começou a surgir vagamente, sem
espalhafato, pelo pacato bairro – como um fantasma de grande e louvável modéstia. E tão
esbatido1 passava o seu vulto na treva, tão sutilmente deslizava ao longo das casas
adormecidas – que as primeiras pessoas que o viram não puderam em consciência dizer se
era duende macho ou duende fêmea. [...] O fantasma não falava – naturalmente por saber
de longa data que pela boca é que morrem os peixes e os fantasmas... Também, ninguém
lhe falava – não por experiência, mas por medo. Porque, enfim, pode um homem ter nascido
num século de luzes e de descrenças, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados
seios da Revolução Francesa, e não acreditar nem em Deus nem no Diabo – e, apesar disso,
sentir a voz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2, uma avantesma3...
Assim, um profundo mistério cercava a existência do lobisomem de Catumbi –
quando começaram de aparecer vestígios assinalados de sua passagem, não já pelas ruas,
mas pelo interior das casas. Não vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as
hóstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitério de S.
Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de
família, certa manhã, ao despertar, tenha dado pela falta... da própria alma. Nada disso. Os
fenômenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas,
daquela outra as joias... E a polícia, finalmente, adquiriu a convicção de que o lobisomem,
para perpétua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados
sobre os pecados antigos, e dando-se à prática de excessos menos merecedores de
exorcismos que de cadeia.
Dizem as folhas4 que a polícia, competentemente munida de bentinhos5 e de
revólveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal,
dando conta da diligência, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra – um velho
pardieiro6 que fica no topo de uma ladeira íngreme – alguns objetos singulares que pareciam
instrumentos “pertencentes a gatunos”. E acrescentou: “alguns morcegos esvoaçavam
espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7 empunhavam”.
Esta nota de morcegos deve ser um chique romântico do noticiarista. No fundo da
alma de todo o repórter há sempre um poeta... Vamos lá! nestes tempos, que correm, já
nem há morcegos. Esses feios quirópteros, esses medonhos ratos alados, companheiros
clássicos do terror noturno, já não aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais,
que esvoaçavam espavoridos, eram sem dúvida os frangões roubados aos quintais das
casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou.
1
esbatido: de tom pálido.
2
a desoras: muito tarde.
3
avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro.
4
folha: periódico diário, jornal.
5
bentinho: objeto de devoção contendo orações escritas.
6
pardieiro: prédio velho ou arruinado.
7
sitiante: policial.
O Dr. França, Juiz de Direito numa cidadezinha sertaneja, andava em meio século,
tinha gravidade imensa, verbo escasso, bigodes, colarinhos, sapatos e ideias de pontas muito
finas. Vestia-se ordinariamente de preto, exigia que todos na justiça procedessem da mesma
forma – e chegou a mandar retirar-se do Tribunal um jurado inconveniente, de roupa clara,
ordenar-lhe que voltasse razoável e fúnebre, para não prejudicar a decência do veredicto.
Não via, não sorria. Quando parava numa esquina, as cavaqueiras dos vadios
gelavam. Ao afastar-se, mexia as pernas matematicamente, os passos mediam setenta
centímetros, exatos, apesar de barrocas1 e degraus. A espinha não se curvava, embora
descesse ladeiras, as mãos e os braços executavam os movimentos indispensáveis, as duas
rugas horizontais da testa não se aprofundavam nem se desfaziam.
Na sua biblioteca digna e sábia, volumes bojudos, tratados majestosos, severos na
encadernação negra semelhante à do proprietário, empertigavam-se – e nenhum ousava
deitar-se, inclinar-se, quebrar o alinhamento rigoroso.
Dr. França levantava-se às sete horas e recolhia-se à meia-noite, fizesse frio ou calor,
almoçava ao meio-dia e jantava às cinco, ouvia missa aos domingos, comungava de seis em
seis meses, pagava o aluguel da casa no dia 30 ou no dia 31, entendia-se com a mulher,
parcimonioso, na linguagem usada nas sentenças, linguagem arrevesada e arcaica das
ordenações. Nunca julgou oportuno modificar esses hábitos salutares.
Não amou nem odiou. Contudo exaltou a virtude, emanação das existências calmas,
e condenou o crime, infeliz consequência da paixão.
Se atentássemos nas palavras emitidas por via oral, poderíamos afirmar que o Dr.
França não pensava. Vistos os autos, etc., perceberíamos entretanto que ele pensava com
alguma frequência. Apenas o pensamento de Dr. França não seguia a marcha dos
pensamentos comuns. Operava, se não nos enganamos, deste modo: “considerando isto,
considerando isso, considerando aquilo, considerando ainda mais isto, considerando porém
aquilo, concluo.” Tudo se formulava em obediência às regras – e era impossível qualquer
desvio.
Dr. França possuía um espírito, sem dúvida, espírito redigido com circunlóquios,
dividido em capítulos, títulos, artigos e parágrafos. E o que se distanciava desses parágrafos,
artigos, títulos e capítulos não o comovia, porque Dr. França está livre dos tormentos da
imaginação.
Cristais
2
GAROTAS DOURADAS
As atletas brasileiras, em especial, voltam para a casa podendo comemorar o maior
número de pódios em uma única edição dos jogos, desde que a nadadora Maria Lenk entrou
para a história nacional como a 1ª mulher brasileira a participar de uma Olimpíada em 1932.
Uma trajetória que começou com a dança da nossa ‘Fadinha do Skate’? A
maranhense Rayssa Leal, de apenas 13 anos de idade, a mais jovem atleta brasileira a subir
no pódio olímpico até hoje. Garantiu a prata no ‘skate street’, uma das novas modalidades
olímpicas que fizeram sua estreia em Tóquio.
Em seguida, veio Rebeca Andrade, 1ª ginasta brasileira a ganhar uma medalha
olímpica. Na verdade, ela fez história em dose dupla: com 1 medalha de ouro no salto e
outra prata no individual geral. O que lhe garantiu o merecido convite para ser a porta-
bandeira do Brasil no encerramento dos Jogos de Tóquio.
Como ficar indiferente ao ouro olímpico de Ana Marcela Cunha na maratona aquática
ou da dupla Martine Grael e Kahena Kunze, amigas de infância e, agora, bicampeãs olímpicas
na classe 49er FX da vela?
Cabe ainda uma reverência à seleção feminina de vôlei, que conseguiu chegar à final,
a despeito do baque sofrido com a perda de uma de suas principais jogadoras, flagrada em
exame antidoping na reta final da disputa. Aplausos também à garra de Beatriz Ferreira na
busca de um ouro inédito para o boxe feminino.
3
Medalhistas essas que ajudaram o Brasil a ter, em Tóquio, o seu melhor
desempenho em Olimpíadas, superando as 19 conquistadas no Rio de Janeiro em 2016.
Das 21 medalhas trazidas na bagagem de volta para casa, 9 foram conquistadas por
elas, refletindo o equilíbrio entre homens e mulheres na composição da delegação brasileira
que desembarcou este ano no Japão.
1
estranha: rara, que não é comum, que não é vulgar.
2
outeiros: montes.
Resposta da questão 1:
[E]
Resposta da questão 2:
[B]
A representação da morte como ser humano e a resposta debochada que dá ao homem que
lhe perguntava se estava ali por causa dele (trad. - “Não, por causa das plantas que estão no
interior da sua casa”) revela que o meme explora os recursos expressivos da personificação e
da ironia, como transcrito em [B].
Resposta da questão 3:
[D]
A metáfora é caracterizada por uma comparação implícita entre dois elementos. No trecho
em [D], não vemos nenhuma metáfora, vemos apenas a caracterização de Juliano como
funcionário da limpeza pública e a apresentação de seu estado de felicidade com o novo
emprego.
Resposta da questão 4:
[E]
Ao substituir a palavra “tísico” por “fraco do peito” na frase transcrita em [E], o autor vale-se
de um eufemismo, figura de linguagem que usa termos mais agradáveis para suavizar uma
expressão. Assim, é correta a opção [E]..
Resposta da questão 5:
[D]
As expressões “limpassem seu coração com lágrimas”, “fosse atingido”, “guardasse a sua
frescura” e “como um raio de sol” das opções [A], [B], [C] e [E] apresentam valor conotativo,
o que não ocorre em [D].
Resposta da questão 6:
[A]
Resposta da questão 7:
[B]
Resposta da questão 8:
[B]
A palavra “divorcie” está no sentido figurado, já que seu sentido literal seria “separação de
um casal” e, no texto, ela é usada apenas com o sentido de separação: “com que o tempo
dos relógios atômicos [...] não se divorcie de vez do tempo astronômico”. Ou seja, foi feita
uma analogia entre o divórcio de um casal e a separação do tempo dos relógios e o tempo
astronômico, como se a ligação entre esses dois tempos formasse, antes, um casal, uma
dupla indissociável.
Na expressão, vemos uma comparação implícita, já que as garotas não são de fato douradas
e sim comparáveis ao ouro que recebem pelo seu sucesso e performance nos esportes.
Dessa forma, temos uma metáfora.