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IESUS

Utilização de Mapas no Campo da Epidemiologia no


Brasil: Reflexões sobre Trabalhos Apresentados no
IV Congresso Brasileiro de Epidemiologia*
Luiza Iñiguez Rojas
Universidad de La Habana

Christovam Barcellos
Fundação Oswaldo Cruz

Paulo Peiter
Fundação Oswaldo Cruz

Resumo
A utilização de mapas em epidemiologia tem crescido de forma marcante nos últimos
anos. Esta ferramenta, no entanto, não é nova e pressupõe uma forte base teórica e
tecnológica. Como forma de avaliar o uso atual de mapas no Brasil, foram levantados
os posters apresentados no IV Congresso Brasileiro de Epidemiologia que continham
mapas. Estes mapas foram classificados segundo objetivos de ilustração da área de
trabalho, demonstração de indicadores de saúde ou análise de dados espaciais. Um
total de 131 trabalhos apresentaram mapas, representando 11% do total de trabalhos,
sendo a maior parte destes utilizados como ilustração. Poucos trabalhos utilizaram
mapas como meio de análise de eventos sanitários com expressão espacial, grande
parte destes concentrados em algumas áreas temáticas e instituições. O acesso a bases
de dados gráficos e não-gráficos, bem como a existência de equipes multidisciplinares,
podem estar atuando como fatores limitantes ao uso de mapas na epidemiologia. A
vigilância em saúde tem sido a maior beneficiária do uso de mapas, talvez por estes
permitirem avaliar hipóteses de riscos que envolvem questões ambientais,
socioeconômicas e de dinâmica de doenças.
Palavras-Chave
Geografia Médica; Mapeamento em Saúde; Geoprocessamento.
Summary
The use of maps in epidemiology has been increasing in the last years. Nonetheless, this
tool is not new and presupposes solid theoretical and technological basis. The current use
of maps in Brazil was assessed by a survey of all posters presented at the IV Brazilian
Conference of Epidemiology. The presented maps were classified according to their purposes,
either as: illustration of the work area, demonstration of health indicators, or analysis of
spatial data. An amount of 131 posters employed maps, representing 11% of the posters.
Illustration was the major purpose of maps and few posters used maps as an analytic tool
of sanitary events with spatial expression. A large part of these were concentrated in
specific thematic areas and institutions. The access to graphic and non-graphic data bases,
as well as the existence of multidisciplinary groups could be acting as limiting factors to
the use of maps in epidemiology. Health surveillance has been benefited by the use of
maps, due perhaps, to its capability to evaluate risk hypotheses that involve environmental,
socioeconomic and disease dynamics factors.
Key Words
Medical Geography; Mapping in Health; Geoprocessing.

* Trabalho financiado pelo CNPq (Bolsa de Pesquisa)


Endereço para correspondência: Departamento de Informações em Saúde - DIS/CICT/FIOCRUZ - Centro de
Informação em Ciência e Tecnologia, Fundação Oswaldo Cruz, Av. Brasil, 4365, Manguinhos - Rio de
Janeiro/RJ - CEP: 21.045-900
E-mail: xris@fiocruz.br

Informe Epidemiológico do SUS, 8(2):27-35, 1999.


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IESUS Utilização de Mapas no Campo da Epidemiologia no Brasil: Reflexões sobre Trabalhos Apresentados no IV
Congresso Brasileiro de Epidemiologia

Introdução produção ampliada de literatura e de


eventos sobre estes temas.
A observação e a interpretação da
O uso do geoprocessamento na área
distribuição dos fenômenos na face da
de saúde tem história bastante recente,
terra têm sido consideradas as principais
principalmente no Brasil. As primeiras
tarefas dos geógrafos desde a origem
aplicações de geoprocessamento datam da
desta disciplina no final do século XIX e,
década de 50, utilizando-se computadores
para isso, têm sido desenvolvidos métodos
de grande porte para o planejamento
e técnicas de mapeamento e, mais
urbano e, posteriormente, para a análise
recentemente, de interpretação de
ambiental. A mudança na maneira de
imagens. A utilização de mapas por
produzir mapas promoveu uma
geógrafos é tão comum ao ponto de se
transformação dos paradigmas das ditas
considerar como a linguagem de
ciências da terra. A cartografia tem
expressão da Geografia por excelência,
transformado de uma simples técnica de
postulando-se por isso que todo geógrafo
representação de dados em uma disciplina
deva ser também cartógrafo. A geografia,
de análise e simulação de superfícies.2 A
contudo, não pode ser confundida com a digitação sistemática de dados, junto à
cartografia apesar de tradicionalmente oferta de programas de fácil manipulação
utilizá-la como ferramenta e meio de e equipamentos de baixo custo e alta
A observação e a expressão, pois os mapas não são os capacidade de memória, possibilitaram o
interpretação da únicos meios de analisar a espacialidade aparecimento de uma segunda onda,
distribuição dos de um fenômeno. A cartografia, por sua surgida no final da década de 1980 e
fenômenos na face da vez, tem avançado velozmente nas duas abrangendo o início dos anos 1990, do
terra têm sido últimas décadas tornando-se um campo
consideradas as
uso de geoprocessamento, que envolveu
cada vez mais especializado. Os avanços a área de saúde e ampliou o número de
principais tarefas dos da informática na década de 80, com o
geógrafos desde a usuários destes sistemas para o
origem desta
advento dos computadores pessoais, mapeamento digital, organização de dados
disciplina no final do levaram a uma ampla difusão das técnicas espaciais e produção de mapas temáticos3.
século XIX e, para de mapeamento digital e A aplicação de técnicas de mapeamento e
isso, têm sido geoprocessamento. Na geografia, este geoprocessamento para pesquisas e ações
desenvolvidos fenômeno teve grandes efeitos, levando de saúde tem sido incentivada4,5,6 fazendo
métodos e técnicas de alguns autores a afirmar que as novas crer que esta “onda” está ainda em
mapeamento e, mais tecnologias de mapeamento e
recentemente, de
formação e este instrumento será
geoprocessamento têm sido responsáveis crescentemente utilizado, senão na análise
interpretação de
pela reedição da geografia quantitativa na espacial de questões de saúde, ao menos
imagens.
geografia, agora com a nova roupagem como forma de representação de dados.
da “análise espacial”, tendo na estatística Os Sistemas de Informações
espacial seus principais fundamentos.1 Geográficas (SIG) têm se destacado
Por volta da década de 1960, a como ferramentas de geoprocessamento,
utilização dos mapas difundiu-se também principalmente nas análises que envolvem
em outros campos do conhecimento, fatores ambientais e epidemiológicos.7 Os
como nas atividades de pesquisa e SIG têm sido apontados como
planejamento, adquirindo inúmeras instrumentos de integração de dados
utilidades, principalmente na área de ambientais com dados de saúde,
gestão (ambiental e territorial). Muito permitindo uma melhor caracterização e
provavelmente, o crescimento do interesse mesmo quantificação da exposição
pelos mapas associa-se ao desenvolvi- (proximidade a fontes de emissão de
mento das tecnologias automatizadas para poluentes, presença de focos de vetores
sua elaboração, que possibilitam o manejo de doença) e seus possíveis resultados,
de grandes volumes de informação e a os agravos à saúde. 8,9 Muitos destes
associação de dados estatísticos no sistemas carecem de meios para análise
espaço. O resultado tem sido o espacial, definida como a capacidade de
desenvolvimento vertiginoso dos Sistemas manipular dados espaciais de diferentes
de Informações Geográficas (SIG) e a formatos e obter informações adicionais

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a partir destes.10 A acoplagem de SIG a O objetivo deste trabalho é verificar


ferramentas de análise espacial tem sido como vêm sendo utilizados mapas nos
reclamada por pesquisadores da área de estudos epidemiológicos no Brasil, usando
geoprocessamento. Na área de saúde, como exemplo os 1.174 posters
observa-se uma crescente instrumen- apresentados por ocasião do IV
talização de serviços de saúde em sistemas Congresso Brasileiro de Epidemiologia,
de geoprocessamento, não acompanhada realizado no Rio de Janeiro em julho de
pela capacitação dos profissionais, tanto 1998. Este tipo de levantamento não é
para a análise destes mapas como para disponível para congressos anteriores
sua correta redação cartográfica. nacionais de epidemiologia e outros no
A ampliação do uso do geoproces- exterior, impedindo a análise da evolução
samento e a reintrodução dos mapas na histórica e setorial de uso de mapas. Além
área de saúde não têm sido acompanhadas disso, não foi avaliado o conteúdo dos
da incorporação de conceitos e trabalhos apresentados e a adequação de
metodologias geográficas. As análises de metodologias de análise espacial para os
dados espaciais não podem ser limitadas estudos epidemiológicos. O objetivo
ao uso de técnicas estatísticas. Esta principal do levantamento foi análise do
análise depende fundamentalmente de um grau de complexidade destes mapas, sua
arcabouço teórico necessário para o construção e inserção nos estudos
entendimento da estrutura e processos epidemiológicos.
que caracterizam a construção e dinâmica
do espaço e permitem interpretar a Metodologia
distribuição de eventos de saúde. O Durante a seção de posters no IV
processo, de incorporação dos mapas na Congresso Brasileiro de Epidemiologia,
área de saúde não tem tido correspon- foram levantados os trabalhos que
dência no desenvolvimento da ‘geografia apresentavam qualquer tipo de mapa.
médica’ ou ‘geografia da saúde’ nos Estes mapas foram classificados segundo
países latino-americanos.11 Tais conside- três categorias de complexidade:
rações justificam o interesse dos 1)O mapa com o ilustração da área
geógrafos da saúde em acompanhar este de trabalho. Nessa categoria foram
processo, tentando contribuir da forma
incluídas figuras com a localização do
mais efetiva possível para a sua
estado ou município em que se
consolidação e especialmente apoiar a
desenvolveu o trabalho, ou locais de
efetiva utilização dos mapas e da análise
amostragem. O mapa teve como principal
espacial de agravos à saúde.
função a localização de elementos espaciais
É importante que o uso dos mapas
seja acompanhado de um conhecimento de algum significado no trabalho.
cartográfico e estatístico mínimo para 2) O mapa como demonstração de
reduzir ou eliminar os eventuais erros e indicadores desenvolvidos no trabalho.
imprecisões observados na atualidade, Nesta categoria está incluída a maior parte
além da ampliação de suas potencia- dos mapas temáticos encontrados durante
lidades. Atualmente, observa-se o a seção. O mapa, nesse caso, teve como
crescente interesse por mapas. Contudo, função a visualização de resultados
é o manejo dos softwares que recebe a gerados pelo trabalho, não sendo
maior atenção enquanto que as comentado ou não contribuindo para a
implicações teóricas e metodológicas da explicação de eventos de saúde. Neste
espacialidade dos problemas de saúde caso, o mapa mais que ilustração, serve
despertam menor interesse. Desta forma, de apoio na apresentação de resultados.
corre-se o risco de que a produção de 3) O mapa como meio de análise
mapas, mesmo aqueles elaborados para de dados espaciais. Foram considerados
os serviços de saúde, não seja aproveitada nessa categoria os mapas que permitiram
para a realização das análises das a obtenção de novas informações que
problemáticas de saúde, e como já tem contribuíram para o entendimento do
sido colocado: “O processo técnico se problema de saúde estudado. Incluíram-
adiante à criação e à teoria”. se aqueles com análises realizadas por

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associação visual (de superposição) ou estados brasileiros, da origem destes


através de tratamento estatístico de dados trabalhos.
espaciais. O espaço é nestes casos Observa-se, segundo a tabela, a
objetivo central ou um dos objetivos do difusão do uso de mapas em grande parte
trabalho, considerando-se como meio dos estados brasileiros, com uma maior
para o conhecimento e análises de eventos participação de estados que contam com
de saúde. núcleos de pesquisa dotados de núcleos
Os trabalhos foram grupados a de geoprocessamento e que investiram
partir da divisão em temas propostos pela durante esta década na formação de
organização do congresso: avaliação; profissionais e sistemas capazes de
ensino; espaço e tempo; métodos e manipular dados espaciais. Pernambuco,
técnicas em epidemiologia; morbidade; por exemplo, apresentou 26 trabalhos,
mortalidade; nutricional; saúde ambiental; sendo nove de análise espacial. Neste
saúde bucal; saúde da mulher; saúde estado destaca-se a presença do Centro
infantil; saúde mental; saúde ocupacional; de Pesquisas Aggeu Magalhães da
sistemas de informação; terceira idade; Fundação Oswaldo Cruz (CPqAM/
vigilância de doenças não transmissíveis; FIOCRUZ), da Secretaria Estadual de
vigilância de doenças transmissíveis; Saúde e de Secretarias Municipais de
vigilância epidemiológica; e “outros”.12 Saúde, principalmente de Olinda, com
Dentro da categoria “outros” contribuição importante no total dos
encontravam-se trabalhos que foram trabalhos apresentados. No Rio de
enviados com atraso para a organização Janeiro, também a FIOCRUZ foi
do congresso. Estes trabalhos foram responsável pela maior parte dos
reclassificados dentro dos temas trabalhos que utilizaram os mapas como
principais do congresso. ferramenta de análise. Minas Gerais, que
apresentou uma alta freqüência de mapas
Resultados e discussão nos trabalhos apresentados, utilizou-os
Foram contabilizados 131 trabalhos principalmente com caráter ilustrativo.
que utilizaram mapas na seção de poster Em 67 trabalhos (51%), os mapas
do congresso, o que representa 11% do foram utilizados como ilustração
total de trabalhos apresentados. A Tabela (categoria 1), 37 (28%) como
1 mostra a distribuição geográfica, por representação de dados (categoria 2), e

Tabela 1 - Uso de mapas nos posters apresentados durante o V Congresso Brasileiro de Epidemiologia
segundo o Estado de origem do trabalho e grau de complexidade
Estado Ilustração Demonstração Análise Total Percentagem
PE 10 7 9 26 19,8
RJ 13 1 6 20 15,3
MG 12 1 2 15 11,5
SP 8 5 2 15 11,5
BA 3 5 1 9 6,9
CE 3 6 0 9 6,9
SC 5 1 0 6 4,6
RS 1 3 1 5 3,8
AM 1 0 2 3 2,3
MT 1 1 1 3 2,3
RO 0 3 0 3 2,3
PA 1 1 0 2 1,5
PR 1 1 0 2 1,5
AL 1 0 0 1 0,8
MS 1 0 0 1 0,8
TO 0 0 1 1 0,8
BR* 5 2 2 9 6,9
Total** 67 37 27 131 100,0
* Algumas instituições apresentaram trabalhos tendo como área de abrangência o território nacional.
** Foi apresentado um trabalho desenvolvido na Argentina, e o uso de mapas foi classificado como ilustrativo.
Fonte: Livro de Resumos e Informações obtidas diretamente dos posters (Abrasco, 1998)

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Tabela 2 - Uso de mapas nos posters apresentados durante o V Congresso Brasileiro de Epidemiologia segundo
tema do trabalho e grau de complexidade
Total de Trabalhos Percentual de Trabalhos
Tema Ilustração Demonstração Análise Total
Apresentados que apresentaram mapas
Vigilância transmissível 15 11 8 34 230 14,8
Vigilância epidemiológica 14 5 1 20 90 22,2
Mortalidade 6 6 6 18 82 22,0
Sistemas de informação 2 6 3 11 50 22,0
Espaço e tempo 0 1 8 9 15 60,0
Saúde ocupacional 5 1 0 6 76 7,9
Avaliação 6 0 0 6 40 15,0
Nutricional 4 0 0 4 78 5,1
Saúde ambiental 3 1 0 4 20 20,0
Saúde infantil 3 1 0 4 64 6,3
Ensino 2 1 0 3 28 10,7
Outros 3 0 0 3 222 1,4
Saúde bucal 2 1 0 3 38 7,9
Morbidade 0 2 0 2 23 8,7
Mulher 1 0 1 2 55 3,6
Vigilância não transm. 0 1 0 1 41 2,4
Saúde mental 1 0 0 1 22 4,5

Total 67 37 27 131 1.174 11,2


Fonte: Livro de Resumos e informações obtidas diretamente dos posters.
Observação: nenhum mapa foi apresentado nas seções métodos e técnicas, e epidemiologia da terceira idade.

27 (20%) como meios de análise avaliação da existência de casos de


(categoria 3) de eventos sanitários com câncer em torno de usinas
expressão espacial (Tabela 2). eletronucleares, locais de disposição de
A maior parte dos trabalhos (42%) lixo tóxico e linhas de transmissão de
que utilizaram mapas foram classificados energia.15,16
dentro das áreas temáticas de vigilância, A área de estudos de mortalidade
sendo a maioria dos mapas de caráter utilizou com freqüência mapas para
ilustrativo. Na área de vigilância de ilustração, demonstração e análise de
doenças transmissíveis houve um informações. A crescente disponibilidade
considerável uso de mapas para a análise de dados de mortalidade e a relativa
de dados epidemiológicos. Por outro lado, facilidade de georreferenciamento destes
a área de vigilância de doenças não dados na escala municipal pode estar
transmissíveis apresentou um número sendo um fator de incentivo ao uso de
restrito de mapas, mesmo se ponderados mapas temáticos para a análise
os totais de trabalhos apresentados em epidemiológica espacial.
cada área. Grande parte da tradição da Grande parte (60%) dos trabalhos
geografia médica no mundo está apresentados sob o tema espaço e tempo
relacionada à identificação de padrões em epidemiologia utilizou mapas como
espaciais de distribuição de doenças ferramentas de análise espacial. Nessa
transmissíveis.13 A própria investigação do seção se concentram os trabalhos de
surto de cólera em Londres por John Snow discussão metodológica sobre espaço e
utilizou mapas para caracterização de saúde. Destacam-se, nessa área, os
fontes de contaminação e marcou o início trabalhos apresentados por secretarias de
da epidemiologia com bases científicas. saúde em colaboração com instituições
Mais recentemente, no entanto, os epide- de pesquisa. Em outras áreas como a
miologistas, têm se voltado para a busca vigilância epidemiológica, saúde
de fatores de risco e aglomerados ocupacional, ambiental, nutricional e
(“clusters”) de doenças não-transmissíveis avaliação, os mapas foram utilizados
no espaço. 14 Este é o caso do quase exclusivamente para ilustração. É
desenvolvimento de técnicas de análise surpreendente a escassez de mapas nas
estatística espacial voltados para a áreas de saúde ambiental e saúde

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ocupacional e quando existiam tinham fins “demonstrativos” de situações de saúde


meramente ilustrativos. Este fato contraria (categoria 2) dependem da construção de
a tendência mundial de utilização do indicadores a partir de dados epidemioló-
geoprocessamento como ferramenta para gicos, muitas vezes obtidos a partir de
a organização e análise conjunta de dados bases de dados de saúde e seu
ambientais e de saúde. 5 Um número georreferenciamento. É necessário um
considerável de trabalhos apresentados grande esforço para a compatibilização de
em outras áreas temáticas usou mapas dados tabulares com bases cartográficas
para caracterizar áreas de risco e extrair para que estes indicadores sejam
do mapa informações que permitissem um apresentados na forma de mapas.17 Um
melhor entendimento dos problemas de passo inicial neste trabalho é a escolha
saúde nestas áreas. de uma unidade espacial mínima de
É importante observar que a grande agregação de dados e a subseqüente
maioria dos mapas apresentados nos opção por uma escala de trabalho. As
trabalhos do congresso eram digitais, isto dificuldades de georreferenciamento de
é, foram construídos em computador, dados e a disponibilidade de bases
através da importação de figuras que cartográficas depende grandemente da
acompanham alguns softwares gráficos, unidade espacial de referência escolhida7.
da digitalização de figuras existentes em Paradoxalmente, mapas de grande escala
forma analógica ou da reprodução de (para o enfoque de problemas locais)
mapas obtidos de outras fontes. Este fato tendem a ser mais dificilmente obtidos,
aponta para uma crescente apropriação enquanto para a análise de problemas de
das novas tecnologias de representação saúde no nível nacional (menor escala),
cartográfica disponíveis, ainda que em os dados epidemiológicos, demográficos
graus distintos. e cartográficos são de mais fácil acesso.
A disponibilidade de mapas em Esta disponibilidade de dados não elimina
formato digital só garante a utilização do um trabalho árduo de atualização de
mapa como “ilustração” (categoria 1 na unidades administrativas, em permanente
tabela 2). Este tipo de mapa é ‘vazio’ de mudança, nos sistemas de informação.
dados, isto é, não está relacionado com Basta citar a permanente emancipação de
nenhuma informação produzida ou municípios (cerca de 140 por ano nessa
trabalhada na área de saúde. Os mapas década) que necessitam ser incorporados

Mapa Mapa Mapa


Ilustrativo Demonstrativo Analítico
Requisitos
• Aquisição de mapa por • Disponibilidade de • Formulação de
processo de reprodução. mapa em formato hipóteses espaciais.
• Uso de softwares de digital. • Conhecimento do lugar.
edição de figuras. • Disponibilidade de • Conhecimento da
bases de dados. etiologia.
• Georreferenciamento de • Domínio de técnicas
dados. estatísticas e de SIG.
• Construção de • Uso de softwares para
indicadores. análise especial.
• Uso de softwares • Conhecimento de
simples geoproces- cartografia.
samento.
• Conhecimento de
cartografia temática.
Figura 1 - Nível de complexidade de mapas e requisitos teóricos e tecnológicos para
sua implementação na área de saúde

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aos sistemas de informação em saúde e à epidemiologia unicamente como um plano


base cartográfica. A escolha desta escala geométrico para a disposição e análise
também condiciona os possíveis estatística de dados. Em outra linha de
resultados visuais e estatísticos obtidos na trabalho, o espaço tem sido fragmentado
análise de mapas. 18,19 É uma opção, para permitir verificar associações entre
consciente ou não, do pesquisador ou indicadores epidemiológicos e condições
planejador, a unidade espacial de agregação sociais e ambientais, incorporando
de dados, que deverá ser compatível com técnicas do estudo ecológico. Estas
o fenômeno a ser analisado e as ações a diferentes abordagens pressupõem e
serem planejadas.7 advêm de bases teóricas e metodológicas
A análise (3a categoria) desses mapas muitas vezes ocultas nos estudos
pressupõe uma base teórica para a epidemiológicos19. O uso de agregados
elaboração de hipóteses envolvendo a espaciais pressupõe a independência entre
relação entre espaço e saúde, um divisões territoriais, enquanto a utilização
conhecimento do lugar e do problema de de técnicas de estatística espacial
saúde, bem como o domínio de apresenta, ao contrário, como
instrumentos teórico-metodológicos (onde entendimento prévio, o relacionamento
se incluem a estatística e os SIG). O entre elementos espaciais vizinhos. Cada
cumprimento destes requisitos exige, uma destas abordagens apresenta
portanto, a formação de equipes vantagens operacionais e restrições de uso
multidisciplinares e interinstitucionais. A inerentes à concepção de espaço. As
Figura 1 mostra os diversos pressupostos técnicas de interpolação de dados
metodológicos e tecnológicos geralmente espaciais, por exemplo, criam muitas
exigidos para a construção de mapas com vezes ‘manchas’ homogeneizadoras que,
diferentes níveis de complexidade. ao invés de salientar, mascaram os
Considerações finais diferenciais espaciais.
Em termos de capacidade técnica e
O geoprocessamento apresenta um infra-estrutura, o uso de mapas em
enorme potencial nos estudos de saúde epidemiologia exige hoje uma estrutura
mas, esta ferramenta não tem sido utilizada mínima que pode ser inviável para alguns
em sua plenitude pela epidemiologia no setores de serviço e grupos de pesquisa.
Brasil como demonstrou a pesquisa em O desenvolvimento de técnicas de
foco. A maior parte dos trabalhos geoprocessamento e a incorporação de
apresentados não utilizou mapas ou o fez métodos geográficos de análise espacial
como ilustração. Os trabalhos que demanda um suporte de software,
utilizaram mapas como ferramenta de
equipamentos e pessoal especializado,
análise tiveram origem em grupos de
bem como o trabalho em equipes
pesquisa, concentrados em algumas
poucas instituições e estados brasileiros. multidisciplinares. A disponibilidade de
Por outro lado, já é visível a crescente bases de dados epidemiológicos e
incorporação das novas técnicas socioeconômicos atualizados pode ser um
cartográficas e estatísticas computa- fator limitante para o desenvolvimento de
dorizadas na área da saúde, graças ao trabalhos utilizando mapas no nível local.
acesso facilitado às bases de dados Poucos estados e cidades do Brasil
epidemiológicos e geográficos, bem como possuem bases cartográficas digitais
a difusão de s o f t w a r e s simples de disponíveis, exigindo a articulação entre
geoprocessamento. instituições de pesquisa e de governo para
O uso destas ferramentas pressupõe a construção integrada de SIG. Uma
a utilização de modelos de explicação do alternativa à falta de dados espaciais tem
processo saúde/doença, que envolve sido a construção pelo setor de saúde de
questões geográficas, como a organização bases cartográficas próprias como, por
espacial, social e condições ambientais. exemplo, em Olinda (CPqAM), Porto
Contudo, verifica-se que o espaço é Alegre (Secretaria Municipal de Saúde) e
compreendido em inúmeros trabalhos de Rio de Janeiro (FIOCRUZ), exigindo

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nesse caso um esforço ainda maior para understanding human health and
contratação de serviços, aquisição de environmental relationships. Statistics
equipamentos, etc. in Medicine 1996; 15:1961-1977.
Os mapas podem gerar produtos de
6. Castillo-Salgado C. Uso de sistemas de
análise importantes para a gestão de saúde
información geográfica en epide-
como o diagnóstico de problemas de saúde
miologia. Boletin Epidemiológico de
e a locação otimizada de recursos. No
la Organizacion Panamericana de
entanto, a plena utilização dos mapas
Salud 1996; 17(1):1-6.
como meio de análise de processos
espaciais exige hoje uma série de requisitos 7. Barcellos C, Santos SM. Colocando
teóricos e tecnológicos talvez muito dados no mapa: a escolha da unidade
pesados para grande parte das instituições de agregação e integração de bases de
de pesquisa e serviço no Brasil. A dados em saúde e ambiente através do
popularização dos mapas, verificada nesse geoprocessamento. Informe Epide-
trabalho, representa aparentemente uma miológico do SUS 1997; VI(1):21-29.
tendência crescente do uso do espaço e 8. Briggs DJ. Mapping Environmental
de técnicas de geoprocessamento na área
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da saúde, que será provavelmente
and Environmental Epidemiology:
acompanhada pelo incremento na
Methods for Small-area Studies.
demanda de bases de dados cartográficos,
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1992. p.158-176.
ambientais. O uso de mapas, nesse caso,
torna-se além de fascinante, custoso, 9. Peiter P, Tobar C. Poluição do ar e
pressupondo a incorporação de novas condições de vida: uma análise
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