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O BANQUETE DO

CORDEIRO
A MISSA COMO O CÉU NA TERRA

“Deixa o leitor com toda uma nova apreciação da Missa”.


CMN- TRADE JOURNAL
SCOTT HAHN

O BANQUETE DO CORDEIRO
A Missa como o Céu na Terra

DOUBLEDAY
Nova Yorque Londres Sidney Auckland
Para Kimberly
“Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta,
entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo. . . Depois disso olhei, e
eis que no céu uma porta estava aberta...” — Apocalipse 3:20, 4:1
CONTEÚDOS

Prefácio ........................................................................................................ 7
PARTE UM – O DOM DA MISSA .................................................................10
INTRODUÇÃO - Cristo está à porta, A MISSA REVELADA .......................... 10
UM – NO CÉU AGORA MESMO, O QUE ENCONTREI NA MINHA PRIMEIRA
MISSA.......................................................................................................... 12
IMERSO NAS ESCRITURAS ......................................................................... 12
FUMAÇA SAGRADA!.................................................................................... 13
PASSARAM-ME PARA TRÁS! ....................................................................... 14
PRÓXIMAS ATRAÇÕES ............................................................................... 14
DOIS - Dado por vós...................................................................................16
A HISTÓRIA DO SACRIFÍCIO....................................................................... 16
SOBRE O CORDEIRO.................................................................................. 16
PÃO SALUTAR ............................................................................................. 17
O ALCANCE DO MONTE MORIÁ ................................................................. 17
MAGNETISMO ANIMAL ............................................................................... 18
CONTANDO OVELHAS ................................................................................ 19
ESTADO ALTARADO: JERUSALÉM COMO CAPITAL REAL ......................... 19
DENTRO E FORA ........................................................................................ 20
RITOS DA VÍTIMA........................................................................................ 21
NÃO ESQUEÇA ESTA FESTA ...................................................................... 22
RETORNO DO INVESTIMENTO ................................................................... 22
TRÊS - Desde o início ................................................................................24
A MISSA DOS PRIMEIROS CRISTÃOS......................................................... 24
MISSAL GUIADO ......................................................................................... 25
RAÍZES EM ISRAEL ..................................................................................... 26
RECORDAÇÃO DA TODAH .......................................................................... 26
NÃO ACEITE SUBSTITUTOS ....................................................................... 27
TEXTO E IMAGEM ...................................................................................... 28
AQUELE VELHO REFRÃO FAMILIAR .......................................................... 29
QUATRO - Prove e veja (e ouça e toque) o Evangelho .............................31
ENTENDENDO AS PARTES DA MASSA ....................................................... 31
LITURGIA É FORMADORA DE HÁBITOS..................................................... 31
A DIVISÃO DE UM BOM MOMENTO ........................................................... 32
OS PROPÓSITOS DA CRUZ ......................................................................... 32
RITO PARA OS PECADOS............................................................................ 33
G-L-Ó-R-I-A ................................................................................................. 34
A IGREJA DO EVANGELHO PLENO ............................................................ 35
A NECESSIDADE DE OBSERVAR O CREDO............................................... 36
DÊ-LHE UMA OFERTA QUE ELE NÃO POSSA RECUSAR ........................... 37
MOBILIDADE PARA O ALTO........................................................................ 38
ASSUNTOS DE FAMÍLIA .............................................................................. 39
VOCÊS FORAM ENVIADOS AO CÉU ........................................................... 40
PARTE DOIS - A REVELAÇÃO DO CÉU .....................................................41
UM - “Virei para Ver” - O SENTIDO EM MEIO DO ESTRANHO................41
A MANCHA QUE NÃO SE PARECE COM NADA? ......................................... 41
O “BUG” DO MILÊNIO ................................................................................. 42
UMA EXPLOSÃO DO PASSADO................................................................... 43
EXPLICANDO OS PORQUÊS ....................................................................... 44
CÉU E TERRA EM MINIATURA ................................................................... 44
DA IMITAÇÃO À PARTICIPAÇÃO ................................................................. 45
DAS CINZAS ................................................................................................ 46
DOIS - Quem é quem no céu .....................................................................48
O ELENCO DE MILHARES DO APOCALIPSE .............................................. 48
“Eu, JOÃO”.................................................................................................. 49
“O CORDEIRO” ............................................................................................ 50
“UMA MULHER VESTIDA DE SOL” ............................................................. 50
A PRIMEIRA BESTA..................................................................................... 52
A SEGUNDA BESTA .................................................................................... 53
ANJOS ......................................................................................................... 55
MÁRTIRES, VIRGENS E OUTRAS PESSOAS ............................................... 56
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU .............................................................. 57
TRÊS – O Apocalipse Naquele Tempo! ......................................................58
AS BATALHAS DO APOCALIPSE E A ARMA DECISIVA ............................... 58
SÍMBOLOS ESTREPITOSOS ........................................................................ 58
QUANTO TEMPO É "EM BREVE"? ............................................................... 59
PROSTITUTAS E RUMORES DE GUERRA ................................................... 60
UM CONTO DE QUATRO CIDADES (SODOMA, EGITO, JERICÓ, Babilônia)
.................................................................................................................... 60
TEMPOS DO SELO ...................................................................................... 61
A PRIMEIRA IGREJA DE CRISTO EM JERUSALÉM .................................... 62
SEMITAS ESPIRITUAIS ............................................................................... 62
ANDE UM CÔVADO EM SUAS SANDÁLIAS ................................................. 64
O CORDEIRO MATADOR............................................................................. 64
QUATRO - Dia do Julgamento ...................................................................66
SUA MISERICÓRDIA É ASSUSTADORA ...................................................... 66
POSSO TER UMA TESTEMUNHA? .............................................................. 67
ATINGIDA PELA DÚVIDA ............................................................................ 67
FRUTOS PROIBIDOS: AS VINHAS DA IRA................................................... 68
VICIADO EM UMA FRAQUEZA .................................................................... 69
ORDEM NO TRIBUNAL................................................................................ 70
O APOCALIPSE NA MISSA .........................................................................71
UM - Levantando o Véu, COMO VER OS INVISÍVEIS .................................. 71
OFICIALMENTEPARA .................................................................................. 71
SENHOR JESUS, VENHA EM GLÓRIA ........................................................ 72
TURÍBULOS EXTRASENSORIAIS?............................................................... 74
A AURA DE SIÃO ......................................................................................... 75
PRIMEIRO VEM O AMOR, DEPOIS VEM O CASAMENTO............................ 76
A VELHA ESCOLA ....................................................................................... 77
TOC, TOC .................................................................................................... 77
DOIS - Adoração é Luta .............................................................................79
O QUE VOCÊ VAI ESCOLHER: LUTAR OU FUGIR? .................................... 79
LUTAR OU FUGIR? ...................................................................................... 79
PÁGINAS DA SOCIEDADE ........................................................................... 80
VOCÊ CHAMA ISSO DE IRA? ...................................................................... 81
O CAMINHO NUPCIAL DA HISTÓRIA .......................................................... 82
RESISTINDO A UM DESCANSO .................................................................. 83
NÃO PODEMOS LEVANTAR PORQUE CAÍMOS ........................................... 84
ESTÁ CHEIO AQUI ...................................................................................... 84
FAÇA OS DEMÔNIOS SAÍREMGRITANDO .................................................. 85
O DIA D ....................................................................................................... 86
CHOQUE DE REALIDADE — SUPORTE-O .................................................. 87
TRÊS - A Ideia de Paróquia .......................................................................88
O APOCALIPSE COMO RETRATO DE FAMÍLIA ........................................... 88
HISTÓRIA DA FAMÍLIA ................................................................................ 88
O DEUS QUE É FAMÍLIA ............................................................................. 89
AFINIDADE PELA TRINDADE ...................................................................... 89
SEM SENTIR DOR ....................................................................................... 90
UMA GRANDE MUDANÇA ........................................................................... 90
PROBLEMAS TRIBAIS? ............................................................................... 91
TRAGA-A PARA CASA.................................................................................. 92
QUATRO - O Rito Dá Forças ......................................................................93
A DIFERENÇA QUE A MISSA FAZ ............................................................... 93
FAZENDO ESTARDALHAÇO........................................................................ 93
REFEIÇÃO DE JURAMENTO ....................................................................... 94
VERDADE — OU CONSEQUÊNCIAS ........................................................... 95
O VERDADEIRO AMOR SEMPRE ................................................................ 96
FAZER PRODÍGIOS ..................................................................................... 96
O BANQUETE ESTÁ PRONTO ..................................................................... 97
Fontes e Referências .................................................................................98
7

Prefácio

Pe. Benedict J. Groeschel CFR

ESTE LIVRO MARAVILHOSO reúne várias realidades espirituais


poderosas - todas importantes para o cristão crente, e todas aparentemente
tão diversas que parecem superficialmente não relacionadas: o fim do mundo
e a missa diária; o Apocalipse e a Ceia do Senhor; a monotonia da vida diária
e a Parusia, a vinda do Senhor.
Se você é um católico de berço como eu, o Dr. Hahn provavelmente o
deixará com uma nova apreciação da Missa. Se você entrou na Igreja ou está
pensando em entrar em plena comunhão com ela, então ele lhe mostrará uma
dimensão de Cristianismo católico sobre o qual você provavelmente nunca
pensou – sua escatologia, ou ensinamento sobre o fim dos tempos. De fato,
relativamente poucos católicos percebem a ligação entre a celebração da
Eucaristia e o fim do mundo.
A característica saliente da Ceia do Cordeiro é sua comovente e lúcida
apreciação da realidade da Liturgia da Eucaristia, o ato de adoração que nos
foi dado por nosso Sumo Sacerdote na véspera de Sua morte sacrificial. Dr.
Hahn explora esta realidade misteriosa com todo o zelo e entusiasmo de um
novo convertido.
Só posso comparar isso com minha própria experiência – este ano vou
comemorar (silenciosamente) meu cinquentenário como acólito. No entanto,
quando Scott me ligou e me pediu um pouco cautelosamente para escrever
um prefácio para seu novo livro, baseado na muito antiga interpretação
escatológica da Eucaristia dada pelos Padres Orientais do segundo ao sexto
séculos, eu respondi com “Bem, é claro, foi isso que pensei sobre a Eucaristia
por décadas”.
A Missa, ou, como é mais precisamente chamada nas Igrejas Orientais,
a Divina Liturgia, é uma realidade tão rica que existem tantas abordagens
teológicas válidas para ela quanto para todo o mistério do próprio Cristo. A
Eucaristia faz parte da grande montanha viva que é Cristo, uma imagem
extraída dos antigos santos da Terra Santa. Esta montanha pode ser abordada
de muitos lados. Essa abordagem escatológica é uma das mais intrigantes e
frutíferas.
Sempre sinto uma pontada de aborrecimento quando vejo em uma
faculdade ou em um hotel uma lista de “serviços religiosos” e observo a missa
marcada às 9h. A missa não é um serviço religioso. Quando os católicos fazem
a oração matinal ou a recitação do rosário ou até mesmo a Bênção do
Santíssimo Sacramento, isso é um serviço. É algo que fazemos para Deus,
semelhante à oração pública de qualquer denominação religiosa. Mas o Santo
8

Sacrifício da Eucaristia, a Divina Liturgia, não é precisamente – em sua


essência – feita pelo homem.
Deixe-me dizer-lhe, sou sacerdote há quarenta anos e nunca conduzi
um “serviço” chamado Missa. Eu era um “substituto” do Sumo Sacerdote,
para usar as palavras do ensinamento da Igreja, eu estava lá agindo in persona
Christi — na pessoa de Cristo, o Sumo Sacerdote da Epístola aos Hebreus. As
pessoas não vêm à missa para receber meu corpo e meu sangue, e eu não
poderia dar isso a eles se o fizessem. Eles vêm para a comunhão com Cristo.
Este é o elemento misterioso em todos os sacramentos cristãos –
incluindo o batismo. Por esta razão, em caso de grande necessidade, qualquer
pessoa pode atuar in persona Christi para batizar, porque é Cristo quem
realmente batiza. É Cristo que perdoa os pecados, Cristo que prepara a
extrema unção, Cristo que ordena e abençoa os casamentos.
Como os cristãos católicos e ortodoxos que pensam nisso (assim como
alguns anglicanos e até alguns luteranos), creio que Cristo é o Sacerdote de
todos os sacramentos, assim como Ele nos fala de cada página da Sagrada
Escritura. Ele nos ministra em cada sacramento — e assim experimentamos
a vitalidade de Seu corpo místico.
Quando você lê o relato do Dr. Hahn sobre a Eucaristia como a adoração
celestial mencionada no Apocalipse, como ele indica tão bem, você deve
começar a vibrar com a vitalidade da graça.
A Missa na terra é a apresentação da ceia das bodas do Cordeiro. Como
o Dr. Hahn aponta, a maioria dos cristãos ou evita o Livro do Apocalipse e
seus sinais misteriosos ou eles inventam suas próprias pequenas teorias
peculiares sobre quem é quem e onde tudo vai terminar. Como habitante da
cidade de Nova York (a candidata à Babilônia no século XX), estou
perfeitamente encantado com a perspectiva de tudo terminar em breve,
mesmo na próxima semana. Mas estou cansado de todos esses profetas da
desgraça e suas interpretações. Promessas, promessas! No início deste século,
vivi a carreira de vários caras que estavam na pequena lista de candidatos ao
grande anticristo, e nada aconteceu.
Meu amor pelo Apocalipse não se baseia em toda essa paranoia de Star
Wars, mas na vista maravilhosa da Jerusalém celestial nos capítulos finais do
Apocalipse. Estes chegam o mais perto possível de descrever o que o olho não
viu nem o ouvido ouviu. Agora, com a leitura e releitura da Ceia do Cordeiro,
muitos outros capítulos estão abertos para mim com muito mais clareza -
descrevendo de forma simbólica como pode ser a vida eterna dos santos, para
usar a frase de Santo Agostinho.
Foi Santo Agostinho, você sabe, que insistiu em colocar o Apocalipse,
bem como os Hebreus no Cânon do Novo Testamento, em um concílio de
bispos africanos realizado no final do século IV. Novamente, para citar
Agostinho, podemos em oração por Sua grande misericórdia “tocar por um
instante aquela Fonte da Vida onde Ele alimenta Israel para sempre”. Mas,
9

além desses momentos especiais de contemplação, podemos ver


simbolicamente na celebração diária da Missa as realidades do culto celestial
do Sumo Sacerdote e seu corpo místico.
Sou grato ao Dr. Hahn por encontrar e trazer de volta à vida esta visão
dos primeiros Padres da Igreja. A única coisa que fazemos neste mundo que é
uma participação real na vida que esperamos viver para sempre é adorar com
Cristo na Liturgia. Por mais humildes que sejam as nomeações dos edifícios
da igreja, por mais limitada que seja a percepção espiritual dos participantes,
quando estamos na Liturgia da Missa, Cristo está lá e misteriosamente
estamos naquele momento de pé na Eterna Ceia do Cordeiro. Leia
atentamente este livro, e você aprenderá como e por quê.
10

PARTE UM – O DOM DA MISSA

INTRODUÇÃO - Cristo está à porta, A MISSA REVELADA


DE TODAS AS COISAS CATÓLICAS, não há nada tão familiar quanto a
Missa. Com suas orações, hinos e gestos atemporais, a Missa é como um lar
para nós. No entanto, a maioria dos católicos passará a vida inteira sem
enxergar além da superfície das orações memorizadas. Poucos vão vislumbrar
o poderoso drama sobrenatural em que entram todos os domingos. O Papa
João Paulo II chamou a Missa de “céu na terra”, explicando que “a liturgia que
celebramos na terra é uma participação misteriosa na liturgia celestial”.
A Missa está próxima e é querida. O Livro do Apocalipse, por outro lado,
parece remoto e intrigante. Página após página mostra imagens bizarras e
assustadoras: de guerras e pragas, bestas e anjos, rios de sangue, sapos
demoníacos e dragões de sete cabeças. E o personagem mais simpático é um
cordeiro de sete chifres e sete olhos. “Se isso é apenas a superfície”, dizem
alguns católicos, “acho que não quero ver as profundezas”.
Bem, neste pequeno livro, eu gostaria de propor algo estranho.
Proponho que a chave para entender a Missa é o Livro bíblico do Apocalipse –
e, além disso, que a Missa é a única maneira pela qual um cristão pode
realmente entender o Livro do Apocalipse.
Se você é cético, saiba que não está sozinho. Quando contei a uma
amiga que estava escrevendo sobre a Missa como chave para o Livro do
Apocalipse, ela riu e disse: “Apocalipse? Isso não é apenas uma coisa
estranha?”
Parece estranho para os católicos, porque, há muitos anos, lemos o livro
à parte da tradição cristã. As interpretações que a maioria das pessoas
conhece hoje são as que chegaram às notícias ou às paradas de best-sellers,
e essas têm sido predominantemente protestantes. Eu sei disso por
experiência própria. Eu tenho estudado o Livro do Apocalipse por mais de
vinte anos. Até 1985, estudei isso como ministro protestante e, ao longo desses
anos, vi-me envolvido, por sua vez, pela maioria das teorias interpretativas da
moda e fora de moda. Tentei todas as chaves, mas nenhuma conseguia abrir
a porta. De vez em quando, eu ouvia um clique de tambor, e isso me dava
esperança. No entanto, só quando comecei a contemplar a missa senti que a
porta começava a ceder, um pouco de cada vez. Gradualmente, fui tomando
conta da grande tradição cristã e, em 1986, fui recebido em plena comunhão
com a Igreja Católica.
Depois disso, em meu estudo do livro do Apocalipse, as coisas ficaram
mais claras. “Depois disso olhei, e eis que no céu uma porta estava aberta!”
(Ap 4:1). E a porta se abriu para ... A Missa dominical em sua igreja paroquial.
Agora, você pode responder que na sua experiência semanal a Missa é
tudo menos celestial. Na verdade, é uma hora desconfortável, pontuada por
11

bebês berrando, hinos sem graça cantados desafinados, sinuosos, homilias


sem sentido e vizinhos vestidos como se fossem a um jogo de bola, à praia ou
a um piquenique.
No entanto, insisto que vamos para o céu quando vamos à missa, e isso
é verdade para todas as missas que assistimos, independentemente da
qualidade da música ou do fervor da pregação. Não se trata de aprender a
“olhar para o lado bom” de liturgias descuidadas. Não se trata de desenvolver
uma atitude mais caridosa em relação aos cantores surdos. Trata-se de algo
que é objetivamente verdadeiro, algo tão real quanto o coração que bate dentro
de você. A Missa – e quero dizer cada Missa – é o céu na terra.
Asseguro-lhe que esta não é minha ideia; é da Igreja. Nem é uma ideia
nova; existe desde o dia em que João teve sua visão apocalíptica. No entanto,
é uma ideia que não pegou os católicos nos últimos séculos – e não consigo
descobrir por quê. A maioria de nós admitirá que queremos “tirar mais” da
Missa. Bem, não podemos obter mais do que o próprio céu.
Devo dizer desde o início que este livro não é um “estudo bíblico”. Ele
está focado na aplicação prática de apenas um aspecto do Livro do Apocalipse,
e nosso estudo está longe de ser exaustivo. Estudiosos debatem
interminavelmente sobre quem escreveu o livro do Apocalipse, e quando, e
onde, e por que, e em que tipo de pergaminho. Neste livro, não abordarei essas
questões com muitos detalhes. Tampouco escrevi um manual sobre as
rubricas da liturgia.
O Apocalipse é um livro místico, não um vídeo de treinamento ou um
manual de instruções.
Ao longo deste livro, você provavelmente encontrará a Missa de novas
maneiras - maneiras diferentes daquela que você está acostumado a assistir.
Embora o céu desça sempre que a Igreja celebra a Eucaristia, a Missa parece
diferente de um lugar para outro e de acordo com a época.
Onde moro, a maioria dos católicos está acostumada com a liturgia do
rito latino. (De fato, a palavra “Missa” propriamente se refere apenas à liturgia
eucarística de rito latino.) Mas há muitas liturgias eucarísticas na Igreja
Católica: a ambrosiana, armênia, bizantina, caldéia, copta, malabar,
malankar, maronita, melquita e rutena, entre outras. Cada um tem sua
própria beleza; cada um tem sua própria sabedoria; cada uma nos mostra um
canto diferente do céu na terra.
Pesquisar A Ceia do Cordeiro me deu novos olhos para ver a Missa. Rezo
para que a leitura deste livro dê o mesmo presente a você. Juntos, peçamos
também um coração novo, para que, através do estudo e da oração, cresçamos
cada vez mais no amor dos mistérios cristãos que recebemos do Pai.
O livro do Apocalipse nos mostrará a Missa como o céu na terra. Agora,
vamos em frente, sem demora, porque o céu não pode esperar.
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UM – NO CÉU AGORA MESMO, O QUE ENCONTREI NA MINHA PRIMEIRA


MISSA
LÁ ESTAVA EU, um homem incógnito, um pastor protestante à
paisana, entrando nos fundos de uma capela católica em Milwaukee para
testemunhar minha primeira missa. ainda não tinha certeza de que era uma
curiosidade saudável. Estudando os escritos dos primeiros cristãos, encontrei
inúmeras referências à “liturgia”, “a Eucaristia”, “o sacrifício”. Para aqueles
primeiros cristãos, a Bíblia – o livro que eu amava acima de tudo – era
incompreensível à parte do evento que os católicos de hoje chamam de “a
Missa”.
Eu queria entender os primeiros cristãos; mas eu não tinha experiência
de liturgia. Então me convenci a ir ver, como uma espécie de exercício
acadêmico, mas jurando o tempo todo que não me ajoelharia nem participaria
de idolatria.
Sentei-me nas sombras, em um banco bem no fundo daquela capela no
porão. Diante de mim havia um bom número de adoradores, homens e
mulheres de todas as idades. Suas genuflexões me impressionaram, assim
como sua aparente concentração na oração. Então um sino tocou, e todos se
levantaram quando o padre emergiu de uma porta ao lado do altar.
Inseguro de mim mesmo, permaneci sentado. Durante anos, como um
calvinista evangélico, fui treinado para acreditar que a missa era o maior
sacrilégio que um humano poderia cometer. A missa, me ensinaram, era um
ritual que pretendia “ressacrificar Jesus Cristo”. Então eu permaneceria um
observador. Eu ficaria sentado, com minha Bíblia aberta ao meu lado.

IMERSO NAS ESCRITURAS


À medida que a missa prosseguia, porém, algo me atingiu. Minha Bíblia
não estava apenas ao meu lado. Estava diante de mim – nas palavras da
Missa! Uma linha era de Isaías, outra dos Salmos, outra de Paulo. A
experiência foi avassaladora. Eu queria parar tudo e gritar: “Ei, posso explicar
o que está acontecendo a partir das Escrituras? Isso é ótimo!" Ainda assim,
mantive meu status de observador. Fiquei à margem até ouvir o padre
pronunciar as palavras da consagração: “Isto é o meu corpo ... Este é o cálice
do Meu sangue”.
Então eu senti todas as minhas dúvidas se esvaindo. Ao ver o padre
erguer aquela hóstia branca, senti uma oração brotar do meu coração em um
sussurro: “Meu Senhor e meu Deus. Sois realmente Vós!”
Eu era o que você poderia chamar de um caso perdido a partir daquele
ponto. Eu não podia imaginar uma emoção maior do que aquelas palavras
tinham produzido em mim. No entanto, a experiência foi intensificada apenas
um momento depois, quando ouvi a congregação recitar: “Cordeiro de Deus ...
Cordeiro de Deus... Cordeiro de Deus”, e o sacerdote responde: “Este é o
Cordeiro de Deus...” enquanto ele levantava a hóstia.
13

Em menos de um minuto, a frase “Cordeiro de Deus” soou quatro vezes.


Depois de longos anos estudando a Bíblia, soube imediatamente onde estava.
Eu estava no livro do Apocalipse, onde Jesus é chamado de Cordeiro nada
menos que vinte e oito vezes em vinte e dois capítulos. Eu estava na festa de
casamento que João descreve no final daquele último livro da Bíblia. Eu estava
diante do trono do céu, onde Jesus é saudado para sempre como o Cordeiro.
Eu não estava pronto para isso, porém - eu estava na missa!

FUMAÇA SAGRADA!
Voltaria à missa no dia seguinte, e no dia seguinte, e no dia seguinte.
Cada vez que eu voltava, eu “descobria” mais das Escrituras cumpridas diante
dos meus olhos. No entanto, nenhum livro era tão visível para mim, naquela
capela escura, como o Livro do Apocalipse, o Apocalipse, que descreve a
adoração dos anjos e santos no céu. Como naquele livro, também naquela
capela, vi sacerdotes vestidos com mantos, um altar, uma congregação
cantando “santo, santo, santo”; vi a fumaça do incenso; ouvi a invocação de
anjos e santos; eu mesmo cantei os aleluias, pois fui atraído cada vez mais
para esse culto. Continuei sentado no banco de trás com minha Bíblia, e mal
sabia para que lado me virar — em direção à ação no Apocalipse ou à ação no
altar. Cada vez mais, eles pareciam ser a mesma ação.
Mergulhei com renovado vigor em meu estudo do cristianismo antigo e
descobri que os primeiros bispos, os Padres da Igreja, fizeram a mesma
“descoberta” que eu fazia todas as manhãs. Eles consideravam o livro do
Apocalipse a chave da liturgia, e a liturgia a chave do livro do Apocalipse. Algo
poderoso estava acontecendo comigo como estudioso e crente. O livro da Bíblia
que eu achava mais desconcertante — o livro do Apocalipse — estava agora
iluminando as ideias que eram mais fundamentais para minha fé: a ideia da
aliança como o vínculo sagrado da família de Deus. Além disso, a ação que eu
havia considerado a suprema blasfêmia - a missa - agora se tornou o evento
que selou a aliança de Deus. “Este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova
e eterna aliança”.
Eu estava tonto com a novidade de tudo isso. Por anos eu vinha
tentando entender o Livro do Apocalipse como algum tipo de mensagem
codificada sobre o fim do mundo, sobre adoração no céu distante, sobre algo
que a maioria dos cristãos não poderia experimentar enquanto ainda
estivessem na terra. Agora, depois de duas semanas de frequência diária à
missa, eu me vi querendo me levantar durante a liturgia e dizer: “Ei, pessoal.
Deixe-me mostrar onde vocês estão no Apocalipse! Vá para o capítulo quatro,
versículo oito. Vocês estão no céu agora.”
14

PASSARAM-ME PARA TRÁS!


No céu agora mesmo! Os Padres da Igreja me mostraram que esta
descoberta não era minha. Eles haviam pregado sobre isso há mais de mil
anos atrás. Eu estava, no entanto, convencido de que merecia crédito pela
redescoberta da relação entre a Missa e o Livro do Apocalipse. Então descobri
que o Concílio Vaticano II havia me passado para trás.
Considere as seguintes palavras da Constituição sobre a Sagrada
Liturgia:

Na liturgia terrena partilhamos uma amostra daquela liturgia


celeste que é celebrada na Cidade Santa de Jerusalém para a
qual caminhamos como peregrinos, onde Cristo está sentado à
direita de Deus, Ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo. Com todos os guerreiros do exército celestial
cantamos um hino de glória ao Senhor; venerando a memória
dos santos, esperamos alguma parte e comunhão com eles;
aguardamos ansiosamente o Salvador, nosso Senhor Jesus
Cristo, até que Ele, nossa vida, apareça e nós também
apareçamos com Ele em glória.

Espere um minuto. Isso é o céu. Não, é a Missa. Não, é o Livro do


Apocalipse. Espere um minuto: é tudo descrito acima.
Eu me vi tentando ir devagar, com cautela, com cuidado para evitar os
perigos aos quais os convertidos são suscetíveis; pois eu estava rapidamente
me convertendo à fé católica. No entanto, essa descoberta não foi produto de
uma imaginação exagerada; era o ensinamento solene de um concílio da Igreja
Católica. Com o tempo, eu descobriria que era também a conclusão inevitável
dos estudiosos protestantes mais rigorosos e honestos. Um deles, Leonard
Thompson, escreveu que “Mesmo uma leitura superficial do livro do
Apocalipse mostra a presença da linguagem litúrgica estabelecida no culto...
[A] linguagem de adoração desempenha um papel importante na unificação
do livro.” Só as imagens da liturgia podem dar sentido a esse estranho livro.
Figuras litúrgicas são centrais em sua mensagem, escreve Thompson,
revelando “algo mais do que visões de 'coisas por vir.”

PRÓXIMAS ATRAÇÕES
O Livro do Apocalipse era sobre alguém que estava por vir. Era sobre
Jesus Cristo e Sua “Segunda Vinda”, que é a maneira como os cristãos
costumam traduzir a palavra grega Parousia. Hora após hora naquela capela
em Milwaukee em 1985, eu vim a saber que aquele Alguém era o mesmo Jesus
Cristo que o padre católico levantava na hóstia. Se os primeiros cristãos
estivessem corretos, eu sabia que, naquele exato momento, o céu pousava na
terra. “Meu Senhor e meu Deus. Sois realmente Vós!”
15

Ainda assim, questões sérias permaneciam em minha mente e coração


– sobre a natureza do sacrifício, sobre os fundamentos bíblicos da Missa, sobre
a continuidade da tradição católica, sobre muitos dos pequenos detalhes do
culto litúrgico. Essas perguntas definiriam minhas investigações ao longo dos
meses que antecederam minha recepção na Igreja Católica. De certa forma,
eles continuam a definir meu trabalho hoje. Hoje em dia, porém, peço não
como acusador ou curioso, mas como um filho que se aproxima do pai,
pedindo o impossível, pedindo para segurar uma estrela brilhante e distante
na palma da mão.
Não acredito que nosso Pai recusará a mim, ou a você, a sabedoria que
buscamos em relação à Sua Missa. Afinal, é o evento em que Ele sela Sua
aliança conosco e nos torna Seus filhos. Este livro é mais ou menos um
registro do que encontrei ao investigar as riquezas de nossa tradição católica.
Nossa herança inclui toda a Bíblia, o testemunho ininterrupto da Missa, os
ensinamentos constantes dos santos, a pesquisa das escolas, os métodos de
oração contemplativa e o cuidado pastoral dos papas e bispos. Na Missa, você
e eu temos o céu na terra. A evidência é esmagadora. A experiência é
reveladora.
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DOIS - Dado por vós

A HISTÓRIA DO SACRIFÍCIO
A FRASE na Missa que me nocauteou foi o “Cordeiro de Deus”, porque
eu sabia que esse Cordeiro era o próprio Jesus Cristo.
Ninguém precisa te dizer isso. Talvez você tenha cantado ou recitado as
palavras mil vezes: “Cordeiro de Deus, que tiras o pecado do mundo, tem
piedade de nós”. Assim como muitas vezes você viu o sacerdote erguer a Hóstia
partida e proclamar: “Este é o Cordeiro de Deus...” O Cordeiro é Jesus. Isso
não é novidade; é o tipo de fato que encobrimos. Jesus é muitas coisas, afinal:
Ele é Senhor, Deus, Salvador, Messias, Rei, Sacerdote, Profeta... e Cordeiro.
No entanto, se estivéssemos realmente pensando, não passaríamos por
cima desse último título. Olhe novamente para essa lista: Senhor, Deus,
Salvador, Messias, Rei, Sacerdote, Profeta – e Cordeiro. Uma destas coisas não
é como as outras. Os sete primeiros são títulos com os quais poderíamos
dirigir-nos confortavelmente a um Deus-Homem. São títulos com dignidade,
implicando sabedoria, poder e status social. Mas Cordeiro? Mais uma vez,
peço-lhe que se livre de dois mil anos de significado simbólico acumulado.
Finja por um momento que você nunca cantou o “Cordeiro de Deus”.

SOBRE O CORDEIRO
O título, então, parece quase cômico em sua inadequação. Os cordeiros
geralmente não estão no topo das listas dos animais mais admirados. Eles não
são particularmente fortes, inteligentes, rápidos ou bonitos. Outros animais
parecem mais dignos. Podemos facilmente imaginar Jesus, por exemplo, como
o Leão de Judá (Ap 5:5). Os leões são reais; são fortes e ágeis; ninguém mexe
com o rei dos animais. Mas o Leão de Judá faz apenas uma aparição no Livro
do Apocalipse. Enquanto isso, o Cordeiro domina, aparecendo nada menos
que vinte e oito vezes. O Cordeiro governa, ocupando o trono do céu (Ap 22:3).
É o Cordeiro que lidera um exército de centenas de milhares de homens e
anjos, causando medo no coração dos ímpios (Ap 6:15-16). Esta última
imagem, do Cordeiro feroz e assustador, é quase incongruente demais para
imaginar com uma cara séria.
No entanto, para João, esse assunto do Cordeiro é sério. Os títulos
“Cordeiro” e “Cordeiro de Deus” são aplicados a Jesus quase exclusivamente
nos livros do Novo Testamento que são atribuídos a João: o Quarto Evangelho
e o Livro do Apocalipse. Embora outros livros do Novo Testamento (veja Atos
8:32–35; 1 Pe 1:19) digam que Jesus é como um cordeiro em certos aspectos,
somente João ousa chamar Jesus de “o Cordeiro” (ver João 1:36 e em
Apocalipse).
Sabemos que o Cordeiro é central tanto para a Missa quanto para o
Livro do Apocalipse. E nós sabemos Quem é o Cordeiro. No entanto, se
17

queremos experimentar a Missa como o céu na terra, precisamos saber mais.


Precisamos saber o que é o Cordeiro e por que o chamamos de “Cordeiro”.
Para descobrir, temos que voltar no tempo, quase até o início.

PÃO SALUTAR
Para o antigo Israel, o cordeiro era identificado com sacrifício, e o
sacrifício é uma das formas mais primitivas de adoração. Já na segunda
geração descrita em Gênesis, encontramos, na história de Caim e Abel, o
primeiro exemplo registrado de uma oferta de sacrifício. “Caim trouxe ao
Senhor uma oferta dos frutos da terra, e Abel trouxe das primícias das suas
ovelhas e das suas gorduras” (Gn 4:3-4). No devido tempo, encontramos
holocaustos semelhantes de Noé (Gn 8:20-21), Abraão (Gn 15:8-10; 22:13),
Jacó (Gn 46:1) e outros. Em Gênesis, os patriarcas estavam sempre
construindo altares, e os altares serviam principalmente como locais de
sacrifício. Além dos holocaustos, os antigos às vezes derramavam “libações”,
ou oferendas de vinho.
Dos sacrifícios em Gênesis, dois merecem nossa atenção mais
cuidadosa: o de Melquisedeque (Gn 14:18-20) e o de Abraão e Isaque em
Gênesis 22.
Melquisedeque aparece como o primeiro sacerdote mencionado na
Bíblia, e muitos cristãos (seguindo a Carta aos Hebreus 7:1-17) o viram como
um prenúncio de Jesus Cristo. Melquisedeque era tanto sacerdote quanto rei,
uma combinação estranha no Antigo Testamento, mas que mais tarde seria
aplicada a Jesus. Gênesis descreve Melquisedeque como rei de Salém, uma
terra que mais tarde se tornaria “Jeru-salém”, que significa “Cidade da Paz”
(ver Sl 76:2). Jesus se levantaria um dia como rei da Jerusalém celestial e,
novamente como Melquisedeque, “Príncipe da Paz”. Finalmente, o sacrifício de
Melquisedeque foi extraordinário, pois não envolveu animais. Ele ofereceu pão
e vinho, como Jesus faria na Última Ceia, quando instituiu a Eucaristia. O
sacrifício de Melquisedeque terminou com uma bênção sobre Abraão.

O ALCANCE DO MONTE MORIÁ


O próprio Abraão revisitaria o local de Salém, alguns anos depois,
quando Deus o chamou para fazer um último sacrifício. Em Gênesis 22, Deus
diz a Abraão: “Toma teu filho, teu único filho Isaque, a quem você ama, e vá
para a terra de Moriá, e ofereça-o ali em holocausto sobre um dos montes” (v.
2). A tradição israelita, registrada em 2 Crônicas 3:1, identifica Moriá com o
futuro local do Templo em Jerusalém. Lá Abraão viajou com Isaque, que
carregava nas costas a lenha para o sacrifício (Gn 22:6). Quando Isaque
perguntou onde estava a vítima, Abraão respondeu: “Deus proverá para Si o
cordeiro para holocausto, meu filho” (v. 8). No final, o anjo de Deus impediu a
18

mão de Abraão de sacrificar seu filho e providenciou um carneiro para ser


sacrificado.
Nessa história, Israel discerniria o juramento da aliança de Deus de
tornar os descendentes de Abraão uma nação poderosa: “Por mim mesmo jurei
... porque você ... não reteve seu filho... Multiplicarei seus descendentes como
as estrelas do céu... e por tua descendência se abençoarão todas as nações da
terra” (Gn 22:16-17). Essa foi a nota promissória de Deus para Abraão;
também se tornaria a apólice de seguro de vida de Israel. No deserto do Sinai,
quando o povo escolhido ganhou a morte por adorar o bezerro de ouro, Moisés
invocou o juramento da aliança de Deus a Abraão para salvá-los da ira divina
(ver Êx 32:13-14).
Os cristãos mais tarde considerariam a história de Abraão e Isaque
como uma profunda alegoria para o sacrifício de Jesus na cruz. As
semelhanças eram muitas. Primeiro, Jesus, como Isaque, era o único filho
amado de um pai fiel. Novamente como Isaque, Jesus carregou a lenha colina
acima para Seu próprio sacrifício, que seria consumado em uma colina em
Jerusalém. De fato, o local onde Jesus morreu, o Calvário, era um dos montes
na cordilheira de Moriá. Além disso, a primeira linha do Novo Testamento
identifica Jesus com Isaque como “o filho de Abraão” (Mt 1:1). Para os leitores
cristãos, até as palavras de Abraão provaram ser proféticas. Lembre-se de que
não havia pontuação no original hebraico e considere uma leitura alternativa
do versículo 8:
“Deus proverá a si mesmo, o Cordeiro, para holocausto”. O Cordeiro
prefigurado, é claro, era Jesus Cristo, o próprio Deus – “para que em Cristo
Jesus a bênção de Abraão chegasse aos gentios” (Gl 3:14; ver também Gn
22:16-18).
MAGNETISMO ANIMAL
Na época da escravização de Israel no Egito, está claro que o sacrifício
ocupa uma parte essencial e central da religião de Israel. Os superintendentes
de Faraó zombam de que os sacrifícios frequentes dos israelitas são apenas
uma desculpa para evitar o trabalho (veja Êx 5:17). Mais tarde, quando Moisés
faz seu apelo ao Faraó, a principal de suas exigências é o direito dos israelitas
de oferecer sacrifício a Deus (ver Êx 10,25).
O que todas essas ofertas significavam? O sacrifício de animais
significava muitas coisas para os antigos israelitas.
• Era um reconhecimento da soberania de Deus sobre a criação: “A terra é do
Senhor” (Sl 24:1). O homem reconhecia este fato devolvendo a Deus o que é,
em última análise, Seu. Assim, o sacrifício louvava a Deus de Quem todas as
bênçãos fluem.
• Um sacrifício pode ser um ato de agradecimento. A criação é dada ao homem
como um dom, mas que retorno o homem pode dar a Deus (veja Sl 116,12)?
Só podemos devolver o que nós mesmos recebemos.
19

• Às vezes, o sacrifício servia como forma de selar solenemente um acordo ou


juramento, uma aliança diante de Deus (ver Gn 21:22–32).
• O sacrifício também pode ser um ato de renúncia e tristeza pelos pecados. A
pessoa que oferecia sacrifício reconhecia que seus pecados mereciam a morte;
ela oferecia a vida do animal no lugar da sua.

CONTANDO OVELHAS
Mas o sacrifício crucial na história de Israel foi a Páscoa, que precipitou
a fuga dos israelitas do Egito. Foi na Páscoa que Deus instruiu cada família
israelita a pegar um cordeiro sem defeito e sem ossos quebrados, matá-lo e
espargir seu sangue no batente da porta. Naquela noite, os israelitas deveriam
comer o cordeiro. Se o fizessem, seu primogênito seria poupado. Se não o
fizessem, seus primogênitos morreriam à noite, junto com todos os
primogênitos de seus rebanhos (veja Êx 12:1-23). O cordeiro sacrificial morria
como resgate, no lugar do primogênito da casa. A Páscoa, então, foi um ato de
redenção, um “resgate”.
No entanto, Deus não apenas resgatou os filhos primogênitos de Israel;
Ele também os consagrou como um “reino de sacerdotes, uma nação santa”
(Êx 19:6) — uma nação que Ele chamou de Seu próprio “filho primogênito” (Êx
4:22).
O Senhor disse aos israelitas, então, que comemorassem a Páscoa todos
os anos, e Ele até lhes deu as palavras que deveriam usar para explicar o
ritual às gerações futuras: “Quando seus filhos lhe disserem: “O que você quer
dizer com este serviço? ' dirás: “É o sacrifício da páscoa do Senhor, porque
passou sobre as casas dos filhos de Israel no Egito, quando matou os egípcios”
(Êx 12:26-27).
Entrando na Terra Prometida, os israelitas continuaram seus sacrifícios
diários a Deus, agora guiados pelas muitas prescrições da Lei, que vemos
enumeradas em Levítico, Números e Deuteronômio. (Veja, por exemplo, Lv 7-
9; Nm 28; Dt 16).

ESTADO ALTARADO: JERUSALÉM COMO CAPITAL REAL


Com o estabelecimento do Templo em Jerusalém por volta de 960 a.C.,
Israel ofereceu seus sacrifícios diários ao Deus Todo-Poderoso em um cenário
majestoso. Todos os dias, os sacerdotes sacrificavam dois cordeiros, um de
manhã e outro à noite, para expiar os pecados da nação. Esses foram os
sacrifícios essenciais; mas, ao longo do dia, a fumaça subia de muitas outras
oferendas particulares. Cabras, touros, rolas, pombos e carneiros eram
oferecidos no imenso altar de bronze que ficava ao ar livre na entrada do pátio
interno do Templo. O “Santo Lugar” do Templo estava logo além daquele altar,
e o “Santo dos Santos” – a morada de Deus – estava ainda mais longe.
20

O “altar de incenso” ficava imediatamente diante do Santo dos Santos.


Apenas os sacerdotes tinham permissão para entrar no pátio interno do
Templo; apenas o sumo sacerdote era permitido no Santo dos Santos, e
mesmo ele podia entrar apenas brevemente, e apenas uma vez por ano, no Dia
da Expiação, Yom Kippur. Pois mesmo o sumo sacerdote era pecador e,
portanto, indigno de permanecer na presença de Deus.
O Templo de Jerusalém reunia todos os tipos de sacrifícios anteriores.
Construído no local onde Melquisedeque oferecera pão e vinho, e onde Abraão
oferecera seu filho, e onde Deus havia jurado salvar todas as nações, o Templo
servia como local permanente de oferendas, cuja principal era idêntica à mais
antigo sacrifício de Abel: o cordeiro.
Pois o grande dia do sacrifício permaneceu a festa da Páscoa, quando
cerca de dois milhões e meio de peregrinos se aglomeravam em Jerusalém,
vindos dos cantos mais distantes do mundo conhecido.
O historiador judeu do primeiro século, Josefo, registra que, na Páscoa
do ano 70 d.C. – apenas alguns meses antes de os romanos destruírem o
Templo, e cerca de quarenta anos após a ascensão de Jesus – os sacerdotes
ofereceram mais de um quarto de milhão de cordeiros no altar do templo –
256.500, para ser preciso.

DENTRO E FORA
Todo esse sacrifício era apenas um ritual vazio? Não, embora o
holocausto, por si só, claramente não fosse suficiente. Deus exigiu também
um sacrifício interior. O salmista declarou que “o sacrifício aceitável a Deus é
um espírito quebrantado” (Sl 51:17). O profeta Oséias falou por Deus, dizendo:
“Eu desejo amor constante e não sacrifício, o conhecimento de Deus, em vez
de holocaustos” (Os 6:6).
No entanto, a obrigação de oferecer sacrifício permaneceu. Sabemos que
Jesus observava as leis judaicas em relação ao sacrifício. Ele celebrava a
Páscoa todos os anos em Jerusalém; e presumivelmente Ele comeu o cordeiro
sacrificado, primeiro com Sua família e depois com Seus Apóstolos. Afinal, não
era opcional. Consumir o cordeiro era a única maneira de um judeu fiel
renovar sua aliança com Deus, e Jesus era um judeu fiel.
Mas a Páscoa teve mais do que uma importância comum na vida de
Jesus; foi central para Sua missão, um momento definitivo. Jesus é o
Cordeiro. Quando Jesus estava diante de Pilatos, João observa que “era o dia
da preparação da Páscoa; era quase a hora sexta” (19:14). João sabia que a
hora sexta era quando os sacerdotes começavam a abater os cordeiros da
Páscoa. Este, então, é o momento do sacrifício do Cordeiro de Deus.
Em seguida, João relata que nenhum dos ossos de Jesus foi quebrado
na cruz, “para que se cumprisse a Escritura” (19:36). Que Escritura era essa?
Êxodo 12:46, que estipula que o cordeiro pascal não deve ter ossos quebrados.
21

Vemos, então, que o Cordeiro de Deus, como o cordeiro pascal, é uma oferta
digna, um cumprimento perfeito.
Na mesma passagem, João relata que os espectadores serviram a Jesus
vinho azedo de uma esponja em um ramo de hissopo (ver João 19,29; Êx
12,22). Hissopo era o ramo prescrito pela Lei para a aspersão da Páscoa do
sangue do cordeiro. Assim, esta simples ação marcou o cumprimento da nova
e perfeita redenção. E Jesus exclamou: “Está consumado”.
Finalmente, ao falar das vestes de Jesus no momento da crucificação,
João usa o termo preciso para as vestes que o sumo sacerdote usava quando
oferecia sacrifícios como o cordeiro pascal.

RITOS DA VÍTIMA
O que podemos concluir disso? João deixa claro para nós que, no novo
e definitivo sacrifício pascal, Jesus é ao mesmo tempo sacerdote e vítima. Isso
é confirmado nos relatos da Última Ceia dos outros três Evangelhos, onde
Jesus claramente usa a linguagem sacerdotal de sacrifício e libações, mesmo
quando descreve a Si mesmo como a vítima. “Este é o meu corpo que é dado
por vós... Este cálice que é derramado por vocês é a nova aliança no meu
sangue” (Lc 22,19-20).
O sacrifício de Jesus realizaria o que todo o sangue de milhões de
ovelhas, touros e bodes nunca poderia fazer. “Porque é impossível que o
sangue de touros e bodes tire pecados” (Hb 10:4). Mesmo o sangue de um
quarto de milhão de cordeiros não poderia salvar a nação de Israel, muito
menos o mundo. Para expiar as ofensas contra um Deus que é todo-bom,
infinito e eterno, a humanidade precisava de um sacrifício perfeito: um
sacrifício tão bom, sem mácula e sem limites como o próprio Deus. E esse foi
Jesus, o único que poderia “tirar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb
9:26).
“Eis o Cordeiro de Deus!” (João 1:36). Por que Jesus tinha que ser um
cordeiro, e não um garanhão ou um tigre ou um touro? Por que o Apocalipse
retrata Jesus como um “cordeiro em pé como morto” (Ap 5:6)? Por que a Missa
deve proclamá-lo como o “Cordeiro de Deus”? Porque apenas um cordeiro
sacrificial se encaixa no padrão divino de nossa salvação.
Além disso, Jesus era tanto sacerdote quanto vítima, e como sacerdote
Ele podia fazer o que nenhum outro sumo sacerdote podia fazer. Pois o sumo
sacerdote entrava “no Santo Lugar todos os anos com sangue que não era seu”
(Hb 9:25), e mesmo assim ficava apenas brevemente antes que sua
indignidade o expulsasse. Mas Jesus entrou no mais santo dos santos – o céu
– de uma vez por todas, para se oferecer como nosso sacrifício. Além disso,
pela nova Páscoa de Jesus, nós também fomos feitos um reino de sacerdotes
e a Igreja dos primogênitos (veja Ap 1:6; Hb 12:23, e compare com Êx 4:22
e 19:6); e com Ele entramos no santuário do céu, sempre que vamos à Missa.
22

Retomaremos todas estas imagens mais adiante, quando virmos aquele


santíssimo do Livro do Apocalipse, com o seu altar, e o seu Templo, o seu
incenso e o seu Cordeiro onipresente.

NÃO ESQUEÇA ESTA FESTA


Mas o que isso significa para nós hoje? Como devemos celebrar nossa
Páscoa? São Paulo nos dá uma pista: “Cristo, nosso cordeiro pascal, foi
sacrificado. Vamos, portanto, celebrar a festa... com os pães ázimos da
sinceridade e da verdade” (1Cor 5,7-8). Nosso cordeiro pascal, então, é pão
sem fermento. Nossa festa é a Missa (veja 1Cor 10,15-21; 11,23-32).
À luz clara da Nova Aliança, os sacrifícios da Antiga Aliança fazem
sentido como preparação para o único sacrifício de Jesus Cristo, nosso sumo
sacerdote real no santuário celestial. E é este único sacrifício que oferecemos,
com Jesus, na Missa. Nesta luz, vemos as orações da Missa com nova clareza.

Oferecemos-Te o Seu corpo e sangue, o sacrifício aceitável que


traz a salvação ao mundo inteiro. Senhor, olha para este
sacrifício que tens dado à tua Igreja... (Oração Eucarística IV).

Das muitas dádivas que nos deste, oferecemos a Ti, Deus de


glória e majestade, este sacrifício santo e perfeito...
Olha com favor para estas ofertas e aceita-as como outrora
aceitaste as dádivas do teu servo Abel, o sacrifício de Abraão,
nosso pai na fé, e o pão e o vinho oferecidos pelo teu sacerdote
Melquisedeque. Deus Todo-Poderoso, oramos para que Seu anjo
possa levar este sacrifício ao Seu altar no céu (Oração
Eucarística I).

Não é suficiente que Cristo tenha sangrado e morrido por nós. Agora
temos nosso papel a cumprir. Assim como aconteceu com a Antiga Aliança,
assim também acontece com a Nova. Se você quer marcar sua aliança com
Deus, selar sua aliança com Deus, renovar sua aliança com Deus, você tem
que comer o Cordeiro Pascal que é nosso pão sem fermento. Começa a soar
familiar. “A menos que você coma a carne do Filho do homem e beba o seu
sangue, você não tem vida em você” (João 6:54).

RETORNO DO INVESTIMENTO
A necessidade primordial do homem de adorar a Deus sempre se
expressou em sacrifício: adoração que é simultaneamente um ato de louvor,
expiação, doação de si mesmo, aliança e ação de graças (em grego,
eucharistia). As várias formas de sacrifício têm um significado comum e
positivo: a vida é entregue para ser transformada e compartilhada. Então,
quando Jesus falou de Sua vida como um sacrifício, Ele aproveitou uma
23

corrente que penetrava profundamente nas almas de Seus Apóstolos — que


penetrava profundamente nas almas dos israelitas — que penetrava
profundamente em cada alma humana.
No século XX, Mohandas Gandhi, que era hindu, chamou “adoração
sem sacrifício” um absurdo da era moderna. Mas a adoração não é assim para
os católicos. Nosso supremo ato de adoração é um ato supremo de sacrifício:
a Ceia do Cordeiro, a Missa. O sacrifício é uma necessidade do coração
humano. Mas, até Jesus, nenhum sacrifício seria suficiente. Lembre-se do
Salmo 116:12: “Como retribuirei ao Senhor todo o bem que ele me fez?” Como,
de fato?
Deus sabia o tempo todo qual seria nossa resposta. “Tomarei o cálice da
salvação e invocarei o nome do Senhor” (Sl 116:13).
24

TRÊS - Desde o início

A MISSA DOS PRIMEIROS CRISTÃOS


CANIBALISMO” e “sacrifício humano” eram acusações muitas vezes
sussurradas contra as primeiras gerações de cristãos. Os primeiros
apologistas cristãos os adotaram para descartá-los como fofocas. No entanto,
através das lentes distorcidas da fofoca dos pagãos, podemos ver qual era o
elemento mais identificável da vida e do culto cristão.
Era a Eucaristia: a re-apresentação do sacrifício de Jesus Cristo, a
refeição sacramental onde os cristãos consumiam o corpo e o sangue de Jesus.
Era a distorção desses fatos de fé que levava a calúnias pagãs contra a Igreja
– embora seja fácil ver como os pagãos entenderam mal. Na Igreja primitiva,
apenas os batizados tinham permissão para participar dos sacramentos, e os
cristãos eram desencorajados até mesmo de discutir esses mistérios centrais
com não-cristãos. Assim, a imaginação pagã era deixada à solta, alimentada
por pequenos fragmentos de fatos: “este é o meu corpo ... este é o cálice do
Meu sangue... A menos que você coma a carne do Filho do homem e beba Seu
sangue...” Os pagãos sabiam que ser cristão era participar de alguns ritos
estranhos e secretos.
Ser cristão era ir à missa. Isso era verdade desde o primeiro dia da Nova
Aliança. Poucas horas depois que Jesus ressuscitou dos mortos, Ele
encontrou o caminho para uma mesa com dois discípulos. “Tomou o pão,
abençoou, partiu-o e deu-lho. E seus olhos foram abertos... Foi-lhes
reconhecido ao partir o pão” (Lc 24,30-31,35).
A centralidade da Eucaristia é evidente também na descrição capsular
dos Atos dos Apóstolos da vida da Igreja primitiva: “Eles se dedicavam ao
ensino e à comunhão dos Apóstolos, ao partir do pão e às orações” (Atos 2:42).
A Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (cap. 11) contém um verdadeiro
manual de teoria e prática litúrgica. A carta de Paulo revela sua preocupação
em transmitir a forma precisa da liturgia, nas palavras de instituição retiradas
da Última Ceia de Jesus. “Pois recebi do Senhor o que também vos entreguei:
que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, tendo dado
graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo que é para vocês. Façam isso em
memória de Mim. Da mesma forma também o cálice, depois da ceia, dizendo:
“Este cálice é a nova aliança no meu sangue. Fazei isso, quantas vezes o
beberdes, em memória de mim'” (1 Cor 11:23-25).
Paulo enfatiza a importância da doutrina da Presença Real e vê
consequências terríveis na incredulidade: “Quem come e bebe sem discernir o
corpo come e bebe juízo sobre si mesmo” (1 Coríntios 11:29).
25

MISSAL GUIADO
Notamos os mesmos temas ao passarmos dos livros do Novo Testamento
para outras fontes cristãs da época dos Apóstolos e imediatamente depois. O
conteúdo doutrinário é idêntico, e o vocabulário permanece notavelmente
semelhante, mesmo quando a fé se espalhou para outras terras e outras
línguas. O clero, os mestres e os defensores da Igreja primitiva estavam unidos
na preocupação de preservar as doutrinas eucarísticas: a presença real do
corpo e do sangue de Jesus sob a aparência de pão e vinho; a natureza
sacrificial da liturgia; a necessidade de um clero devidamente ordenado; a
importância da forma ritual. Assim, o testemunho das doutrinas eucarísticas
da Igreja é ininterrupto, desde o tempo dos Evangelhos até hoje.
Além dos livros do Novo Testamento, a escrita cristã mais antiga que
sobreviveu é um manual litúrgico – o que poderíamos chamar de missal –
contido em um documento chamado Didache (grego para “ensino”). O Didaquê
afirma ser o “Ensino dos Apóstolos” coletado e provavelmente foi compilado
em Antioquia, Síria (ver Atos 11:26), em algum momento durante os anos 50–
110 d.C. A Didaquê usa a palavra “sacrifício” quatro vezes para descrever a
Eucaristia, uma vez afirmando claramente que “este é o sacrifício que foi
falado pelo Senhor”. Da Didaquê aprendemos também que o dia habitual da
liturgia era “o dia do Senhor” e que era costume arrepender-se dos pecados
antes de receber a Eucaristia. “No dia do Senhor, congregai-vos, parti o pão e
dai graças, confessando primeiro as vossas transgressões, para que o vosso
sacrifício seja puro”. Quanto à ordem do sacrifício, a Didache oferece uma
Oração Eucarística que impressiona em sua poesia.
Podemos encontrar seus ecos nas liturgias e hinos dos cristãos de hoje,
tanto orientais como ocidentais:

Assim como este pão partido foi espalhado sobre os montes e,


reunido, tornou-se um, assim seja a Tua Igreja reunida desde
os confins da terra em Teu reino; porque tua é a glória e o poder
por meio de Jesus Cristo para todo o sempre. Mas ninguém
coma ou beba desta ação de graças eucarística, exceto aqueles
que foram batizados em nome do Senhor...

Todo-Poderoso Mestre, Tu criaste todas as coisas por amor do


Teu nome, e destes comida e bebida aos homens para deleite,
para que eles te louvassem; mas Tu nos concedeste comida e
bebida espirituais e vida eterna através de Teu Filho...

Lembra-te, Senhor, da Tua Igreja. Livra-a de todo mal e


aperfeiçoa-a no Teu amor; e ajunta-a dos quatro ventos - a Igreja
que foi santificada - no teu reino que preparaste para ela.
26

RAÍZES EM ISRAEL
A liturgia da Igreja antiga inspirou-se profundamente nos ritos e nas
Escrituras do antigo Israel, assim como a nossa própria liturgia hoje. No
capítulo 2, consideramos como Jesus instituiu a Missa durante a festa da
Páscoa. Sua “ação de graças” – Sua Eucaristia – cumpriria, aperfeiçoaria e
superaria o sacrifício da Páscoa. Essa conexão era clara para a primeira
geração de cristãos, muitos dos quais eram judeus devotos. Assim, as orações
da Páscoa logo chegaram à liturgia cristã.
Considere as orações sobre o vinho e os pães ázimos na ceia da Páscoa:
“Bendito és Tu, Senhor nosso Deus, Criador do fruto da videira... Bendito
sejas Tu, Senhor nosso Deus, Rei do universo, que tiras o pão da terra”. A
frase “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos! A terra está cheia da sua
glória” (Is 6,3) foi outro comum do culto judaico, que encontrou seu caminho
imediatamente nos ritos cristãos. Nós a encontraremos no livro do Apocalipse,
mas também aparece em uma carta composta pelo quarto papa, São Clemente
de Roma, por volta do ano 96 d.C.

RECORDAÇÃO DA TODAH
Talvez o “ancestral” litúrgico mais marcante da Missa seja a todah do
antigo Israel.
A palavra hebraica todah, como a Eucaristia grega, significa “oferta de graças”
ou “ação de graças”. A palavra denota uma refeição sacrificial compartilhada
com amigos para celebrar a gratidão de alguém a Deus. A todah começa
lembrando alguma ameaça mortal e então celebra a libertação divina do
homem dessa ameaça. É uma expressão poderosa de confiança na soberania
e misericórdia de Deus.
O Salmo 69 é um bom exemplo. Um pedido urgente de libertação
(“Salva-me, ó Deus!”), é ao mesmo tempo uma celebração dessa libertação
final (“Louvarei o nome de Deus com um cântico... Pois o Senhor ouve os
necessitados”).
Talvez o exemplo clássico da todah seja o Salmo 22, que começa com
“Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” O próprio Jesus citou isso
enquanto estava pendurado morrendo na cruz. Seus ouvintes teriam
reconhecido a referência e saberiam que essa canção, que começa com um
grito de abandono, termina com uma nota triunfante de salvação. Citando
esta todah, Jesus demonstrou Sua própria esperança confiante de libertação.
As semelhanças entre todah e Eucaristia vão além de seu significado
comum de ação de graças. O cardeal Joseph Ratzinger escreveu:
“Estruturalmente falando, toda a cristologia, na verdade toda a cristologia
eucarística, está presente na espiritualidade da todah do Antigo Testamento”.
Tanto a todah quanto a Eucaristia apresentam sua adoração através da
27

palavra e da refeição. Além disso, a todah, como a Missa, inclui uma oferta
sem sangue de pão sem fermento e vinho.
Os antigos rabinos fizeram uma previsão significativa sobre a todah. “Na
próxima era [messiânica], todos os sacrifícios cessarão, exceto o sacrifício da
todah. Ele nunca cessará em toda a eternidade” (Pesiqta, I, p. 159).

NÃO ACEITE SUBSTITUTOS


De Antioquia, na Síria, novamente vem nosso próximo testemunho da
doutrina eucarística da Igreja nascente. Por volta de 107 d.C., Santo Inácio,
bispo de Antioquia, escreveu muitas vezes sobre a Eucaristia enquanto viajava
para o oeste para seu martírio. Ele fala da Igreja como “o lugar do sacrifício”.
E aos Filadelfos ele escreveu: “Cuidado, então, para ter apenas uma
Eucaristia. Pois há uma só carne de nosso Senhor Jesus Cristo e um cálice
para manifestar a unidade do seu sangue; um altar, como há um bispo, junto
com os padres e diáconos, meus conservos”.
Em sua carta à Igreja de Esmirna, Inácio atacou os hereges que, mesmo
naquela época, negavam a verdadeira doutrina: “Afastam-se da Eucaristia e
da oração, porque não confessam que a Eucaristia é a carne de nosso Salvador
Jesus Cristo”. Ele aconselha os leitores sobre as marcas de uma verdadeira
liturgia: “Que seja considerada uma Eucaristia adequada, administrada pelo
bispo ou por alguém a quem ele a confiou”.
Inácio falou do sacramento com um realismo que deve ter sido chocante
para pessoas não familiarizadas com os mistérios da fé cristã. Certamente
foram palavras como as dele, tiradas do contexto, que alimentaram as fofocas
do Império Romano, que por sua vez vomitaram as acusações de canibalismo.
Nas décadas seguintes, a defesa da Igreja coube para um erudito convertido
de Samaria chamado Justino. Foi Justino quem levantou o véu do segredo
sobre a antiga liturgia. Em 155 d.C., ele escreveu ao imperador romano
descrevendo o que podemos, mesmo agora, reconhecer como a Missa. Vale a
pena citar longamente:

No dia que chamamos de dia do sol, todos os que moram na


cidade ou no país se reúnem no mesmo lugar. As memórias dos
apóstolos e os escritos dos profetas são lidos, tanto quanto o
tempo permite. Quando o leitor terminar, aquele que preside os
reunidos os admoesta e os desafia a imitar essas belas coisas.
Então todos nós nos levantamos juntos e oferecemos orações
por nós mesmos... e por todos os outros, onde quer que estejam,
para que sejamos considerados justos por nossa vida e ações, e
fiéis aos mandamentos, a fim de obter a salvação eterna.
Quando as orações são concluídas, trocamos o beijo. Então,
alguém traz pão e um copo de água e vinho misturados ao que
preside aos irmãos.
28

Ele os toma e oferece louvor e glória ao Pai do universo, em nome


do Filho e do Espírito Santo e por um tempo considerável dá
graças (em grego: eucharistia) por termos sido julgados dignos
desses dons.
Quando ele conclui as orações e ações de graças, todos os
presentes dão voz a uma aclamação dizendo: “Amém”. Quando
aquele que preside deu graças e o povo respondeu, aqueles que
chamamos de diáconos dão aos presentes o pão, o vinho e a
água “eucaristia” e os levam aos ausentes.

Justino começa sua descrição colocando-a diretamente no “dia do sol”


– domingo, que foi o dia em que Jesus ressuscitou dos mortos. Esta
identificação do “dia do Senhor” com o domingo é o testemunho universal dos
primeiros cristãos. Como o principal dia de adoração, o domingo havia
cumprido e substituído o sétimo dia, o sábado dos judeus. Foi o dia do Senhor,
por exemplo, quando João, adorando “no Espírito”, teve sua visão do
Apocalipse (Ap 1:10).

TEXTO E IMAGEM
Justino explica o sacrifício e o sacramento da Igreja. No entanto, ele não
minimiza a Presença Real. Ele usa o mesmo realismo gráfico de seu
antecessor, Inácio: “O alimento que foi feito a Eucaristia pela oração de Sua
palavra, e que nutre nossa carne e sangue por assimilação, é tanto a carne
quanto o sangue daquele Jesus que foi feito carne."
Ao falar com os judeus, Justino foi mais longe e explicou que o sacrifício
da Páscoa e os sacrifícios do Templo eram meros prenúncios do único
sacrifício de Jesus Cristo e sua reapresentação na liturgia: “E a oferta de flor
de farinha ... que foi prescrito para ser apresentado em favor dos purificados
da lepra, era um tipo do pão da Eucaristia, cuja celebração nosso Senhor
Jesus Cristo prescreveu”.
Tal era a experiência católica, ou universal, da Eucaristia. No entanto,
enquanto a doutrina permanecia a mesma em todo o mundo, a liturgia era,
na maior parte, um assunto local.
Cada bispo era responsável pela celebração da Eucaristia em seu
território e, gradualmente, diferentes regiões desenvolveram seus próprios
estilos de prática litúrgica: sírio, romano, galicano etc. O que é notável, porém,
é o quanto todas essas liturgias — por mais variadas que fossem —
mantinham em comum. Com poucas exceções, eles compartilhavam os
mesmos elementos básicos: um rito de arrependimento, leituras das
Escrituras, canto ou recitação de salmos, uma homilia, um “hino angélico”,
uma Oração Eucarística e a Sagrada Comunhão. As igrejas seguiram São
Paulo no cuidado especial de transmitir as palavras da instituição, as palavras
29

que transformam o pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo: “Isto é o


meu corpo ... Este é o cálice do Meu sangue”.

AQUELE VELHO REFRÃO FAMILIAR


A partir do início do século III, o rastro do papiro mostra uma maior
preocupação em preservar as palavras precisas das liturgias atribuídas aos
Apóstolos. No início dos anos 300 d.C., no norte da Síria, surge outra
compilação da tradição recebida: o Didascalia Apostolorum (“Ensino dos
Apóstolos”). A Didascalia inclui páginas de textos de orações, bem como
instruções detalhadas para os papéis litúrgicos e etiqueta de bispos, padres,
diáconos, mulheres, crianças, jovens adultos, viúvas, órfãos e viajantes.
Por volta de 215 d.C., Hipólito de Roma compôs sua grande obra, A
Tradição Apostólica, na qual estabeleceu os ensinamentos litúrgicos e
teológicos que a Igreja Romana preservou desde os dias dos Apóstolos. Uma
seção estabelece uma liturgia bem escrita para a ordenação de sacerdotes.
Enquanto na descrição de Justino podemos “ver” nossa Missa, na obra de
Hipólito podemos ouvi-la.

SACERDOTE: O Senhor esteja convosco.


CONGREGAÇÃO: Ele está no meio de nós.
SACERDOTE: Corações ao alto!
CONGREGAÇÃO: O nosso coração está em Deus.
SACERDOTE: Demos graças ao Senhor, nosso Deus.
CONGREGAÇÃO: É nosso dever e nossa salvação.

Do mesmo período, encontramos os textos mais antigos das liturgias


que reivindicavam a linhagem apostólica, as liturgias de São Marcos, São
Tiago e São Pedro – liturgias ainda usadas em muitos lugares do mundo. A
liturgia de São Tiago era o rito preferido da antiga Igreja de Jerusalém, que
reivindicou Tiago como seu primeiro bispo. As liturgias de Tiago, Marcos e
Pedro são teologicamente densas, ricas em poesia, ricas em citações das
Escrituras.
Lembre-se, uma vez que poucas pessoas sabiam ler, e ainda menos
podiam se dar ao luxo de ter livros copiados, a liturgia era o lugar onde os
cristãos absorviam a Bíblia. Assim, desde os primeiros dias da Igreja, a Missa
foi impregnada com as Escrituras.
Embora suas palavras falem eloquentemente do sacrifício de Cristo, as
antigas liturgias são tão retumbantes em seus silêncios:

Que toda carne mortal fique em silêncio,


e permaneça com temor e tremor,
e não medite nada terreno em si mesma.
Pois o Rei dos reis e Senhor dos senhores,
30

Cristo nosso Deus, vem para ser sacrificado


e para ser dado como alimento aos fiéis.
E os bandos de anjos vão adiante dele
com todo poder e domínio,
os querubins de muitos olhos e os serafins de seis asas,
cobrindo seus rostos e clamando em alta voz o hino:
Aleluia, Aleluia, Aleluia.

Tenha tudo isso em mente: os sons e os silêncios das primeiras missas


da Igreja. Você os encontrará novamente no céu, quando examinarmos o livro
do Apocalipse mais de perto.
Você os encontrará novamente no céu, quando for à missa no próximo
domingo.
31

QUATRO - Prove e veja (e ouça e toque) o Evangelho

ENTENDENDO AS PARTES DA MASSA


Algumas pessoas, de coração romântico, gostam de pensar que o culto
cristão primitivo era puramente espontâneo e improvisado. Eles gostam de
imaginar os primeiros crentes tão cheios de entusiasmo que louvor e ação de
graças simplesmente transbordavam em profunda oração enquanto a Igreja
se reunia para partir o pão. Afinal, quem precisa de um missal para gritar “eu
te amo”?
Uma vez eu acreditei nisso. O estudo das Escrituras e da Tradição,
porém, me levaram a ver o bom senso de ordem na adoração. Gradualmente,
eu me encontrei (enquanto ainda protestante) atraído pela liturgia e tentando
construir uma liturgia a partir das palavras das Escrituras. Mal sabia eu que
já tinha sido feito.
Já em São Paulo, vemos a preocupação da Igreja com a precisão ritual
e a etiqueta litúrgica. Eu acredito que há uma boa razão para isso. Peço
paciência aos meus amigos românticos ao dizer que ordem e rotina não são
necessariamente coisas ruins. Na verdade, eles são indispensáveis para uma
vida boa, piedosa e pacífica. Sem horários e rotinas, pouco poderíamos realizar
em nossa jornada de trabalho. Sem frases prontas, quais seriam nossas
relações humanas? Ainda estou para conhecer pais que se cansam de ouvir
seus filhos repetirem aquela antiga frase: “Obrigado”. Ainda estou para
conhecer o cônjuge que está cansado de ouvir “eu te amo”.
A fidelidade às nossas rotinas é uma forma de demonstrar amor. Não
trabalhamos apenas, agradecemos ou oferecemos carinho quando realmente
temos vontade. Amores verdadeiros são amores que vivemos com constância,
e essa constância se mostra na rotina.

LITURGIA É FORMADORA DE HÁBITOS


As rotinas não são apenas uma boa teoria. Elas funcionam na prática.
A ordem torna a vida mais pacífica, mais eficiente e mais eficaz. Na verdade,
quanto mais rotinas desenvolvemos, mais eficazes nos tornamos. As rotinas
nos libertam da necessidade de refletir sobre pequenos detalhes
repetidamente; as rotinas permitem que os bons hábitos assumam o controle,
liberando a mente e o coração para seguir em frente e para cima.
Os ritos da liturgia cristã são as frases estabelecidas que se provaram
ao longo do tempo: o obrigado dos filhos de Deus, o eu-te-amo da esposa de
Cristo, a Igreja. A liturgia é o hábito que nos torna altamente eficazes, não
apenas na “vida espiritual”, mas na vida em geral, pois a vida deve ser vivida
em um mundo feito e redimido por Deus.
A liturgia envolve toda a pessoa: corpo, alma e espírito. Lembro-me da
primeira vez que participei de um evento litúrgico católico, um serviço de
32

vésperas em um seminário bizantino. Minha formação e treinamento


calvinista não me prepararam para a experiência – o incenso e os ícones, as
prostrações e reverências, o canto e os sinos. Todos os meus sentidos foram
tomados.
Depois, um seminarista me perguntou: “O que você acha?” Tudo o que
pude dizer foi: “Agora sei por que Deus me deu um corpo: para adorar o Senhor
com Seu povo na liturgia”. Os católicos não ouvem apenas o Evangelho. Na
liturgia, ouvimos, vemos, cheiramos e provamos.

A DIVISÃO DE UM BOM MOMENTO


Ouvimos o chamado da Missa mais claramente, talvez em uma frase
que ecoa na maioria das liturgias do mundo, em toda a história da Igreja:
corações ao alto! Para onde vão nossos corações? Para o céu, porque a Missa
é o céu na terra. No entanto, antes que possamos ver isso claramente (e aqui
está um segredo: antes que possamos entender o Livro do Apocalipse), temos
que entender as partes da Missa.
Neste capítulo, caminharemos passo a passo pela liturgia para ver como
cada elemento “funciona” – de onde vem e para que serve. Embora tenhamos
espaço para tratar apenas de alguns dos detalhes principais, estes devem ser
suficientes para nos ajudar a começar a contemplar a Missa e começar a
descobrir sua lógica interna. Pois, a menos que entendamos as partes e o todo,
a Missa pode se tornar uma rotina irracional, sem participação sincera; e esse
é o tipo de rotina que dá má fama à rotina.
Em primeiro lugar, devemos entender que a Missa é realmente dividida
em duas: a “Liturgia da Palavra” e a “Liturgia da Eucaristia”. Essas metades
são divididas em rituais específicos. Na Igreja latina, a Liturgia da Palavra
inclui a entrada, os ritos introdutórios, o rito penitencial e as leituras da
Escritura. A Liturgia da Eucaristia pode ser dividida em quatro seções: o
ofertório, a Oração Eucarística, o rito da Comunhão e o rito conclusivo.
Embora as ações sejam muitas, a Missa é uma oferta, que é o sacrifício de
Jesus Cristo, que renova nossa aliança com Deus Pai.

OS PROPÓSITOS DA CRUZ
Entre os primeiros cristãos, o Sinal da Cruz foi provavelmente a
expressão mais universal da fé. Aparece com frequência nos documentos da
época. Na maioria dos lugares, o costume era simplesmente traçar a cruz na
testa. Alguns escritores (como São Jerônimo e Santo Agostinho) descrevem os
cristãos traçando a cruz na testa, depois nos lábios e depois no coração, como
os católicos ocidentais modernos fazem pouco antes da leitura do Evangelho.
Grandes santos também testemunham o tremendo poder do sinal. São
Cipriano de Cartago, no século III, escreveu que “no ... Sinal da Cruz está toda
virtude e poder... Neste Sinal da Cruz está a salvação de todos os que estão
33

marcados na testa” (uma referência, aliás, a Apocalipse 7:3 e 14:1). Um século


depois, Santo Atanásio declarou que “pelo Sinal da Cruz toda a magia é
interrompida e toda feitiçaria reduzida a nada”. Satanás é impotente diante
da cruz de Jesus Cristo.
O Sinal da Cruz é o gesto mais profundo que fazemos. É o mistério do
Evangelho em um momento. É a fé cristã resumida em um único gesto.
Quando nos benzemos, renovamos a aliança que começou com nosso batismo.
Com nossas palavras, proclamamos a fé trinitária na qual fomos batizados
(“Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”). Com nossa mão,
proclamamos nossa redenção pela cruz de Jesus Cristo. O maior pecado da
história humana – a crucificação do Filho de Deus – tornou-se o maior ato de
amor misericordioso e poder divino. A cruz é o meio pelo qual somos salvos,
pelo qual nos tornamos participantes da natureza divina (veja 2 Pe 1:4).
Trindade, encarnação, redenção – todo o credo brilha naquele breve
momento. No Oriente, o gesto é ainda mais rico, pois os cristãos traçam o sinal
que mantém os três primeiros dedos juntos (polegar, indicador, médio)
separados dos outros dois (anular e mindinho): os três dedos juntos
representam a unidade da Trindade; os dois dedos juntos representam a união
das duas naturezas de Cristo, humana e divina.
Este não é apenas um ato de adoração. É também um lembrete de quem
somos. “Pai, Filho e Espírito Santo” reflete uma relação familiar, a vida interior
e a comunhão eterna de Deus.
A nossa é a única religião cujo único Deus é uma família. O próprio
Deus é uma “família eterna”; mas, por causa do nosso batismo, Ele também é
nossa família. O batismo é um sacramento, que vem da palavra latina para
juramento (sacramentum); e por este juramento estamos ligados à família de
Deus. Fazendo o Sinal da Cruz, iniciamos a Missa lembrando que somos filhos
de Deus.
Também renovamos o juramento solene do nosso batismo. Fazer o sinal
da cruz, então, é como jurar sobre a Bíblia em um tribunal. Prometemos que
viemos à Missa para dar testemunho. Portanto, não somos espectadores na
adoração; somos participantes ativos, somos testemunhas e juramos dizer a
verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade. Então, Deus nos ajude.

RITO PARA OS PECADOS


Se estamos no banco das testemunhas, quem está sendo julgado? O
Rito Penitencial deixa claro: Nós estamos. As primeiras diretrizes litúrgicas
que temos, a Didache, dizem que um ato de confissão deve preceder nossa
participação na Eucaristia. O bonito da missa, porém, é que ninguém se
levanta para nos acusar, a não ser nós mesmos. “Confesso a Deus Todo-
Poderoso ... que pequei por minha própria culpa”.
Nós pecamos. Não podemos negar isso. “Se dissermos: 'Estamos sem
pecado', enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1 Jo
34

1,9). Além disso, diz o Bom Livro, até o justo cai sete vezes por dia (veja Pv
24:16). Não somos exceções, e a honestidade exige que reconheçamos nossa
culpa. Mesmo nossos pequenos pecados são coisas sérias porque cada um
deles é uma ofensa contra um Deus cuja grandeza é imensurável. Então, na
Missa, nos declaramos culpados e depois nos jogamos à mercê do tribunal do
céu.
No Kyrie, pedimos misericórdia a cada uma das três pessoas divinas da
Trindade: “Senhor, tem misericórdia. Cristo, tende piedade. Senhor tende
piedade." Não inventamos desculpas nem racionalizamos. Pedimos perdão e
ouvimos a mensagem de misericórdia. Se há uma palavra que capta o
significado da Missa, é “misericórdia”.
A frase “Senhor, tem misericórdia” aparece frequentemente nas
Escrituras, em ambos os testamentos (veja, por exemplo, Sl 6:2, 31:9; Mt
15:22, 17:15, 20:30). O Antigo Testamento ensina repetidamente que a
misericórdia está entre os maiores atributos de Deus (veja Êx 34:6; Jn 4:2).
O “Senhor, tende piedade” perdura desde as primeiras liturgias cristãs.
De fato, mesmo no Ocidente latino, muitas vezes é preservado na forma grega
mais antiga: Kyrie, eleison. Em algumas liturgias do Oriente, a congregação
repete o Kyrie em resposta a uma ladainha mais longa pedindo favores de
Deus. Entre os bizantinos, essas petições pedem a paz de forma esmagadora:
“Em paz, rezemos ao Senhor . . . Pela paz do alto. . . Pela paz no mundo
inteiro...”

G-L-Ó-R-I-A
Oramos pela paz e, em segundos, proclamamos o cumprimento de nossa
oração: “Glória a Deus nas alturas e paz ao seu povo na terra”. Esta oração
existe desde pelo menos o segundo século. Sua aclamação de abertura vem
da canção que os anjos cantaram no nascimento de Jesus (Lc 2:14), e as
seguintes linhas ecoam os louvores dos anjos ao poder de Deus do Livro do
Apocalipse (especialmente Ap 15:3-4).
Louvamos a Deus imediatamente pelas bênçãos pelas quais acabamos
de orar. Esse é o nosso testemunho do poder de Deus. Essa é a Sua glória.
Jesus disse: “Tudo o que vocês pedirem em meu nome, eu o farei, para que o
Pai seja glorificado no Filho; se pedirem alguma coisa em meu nome, eu o
farei” (Jo 14,13-14). O Glória clama com a alegria, a confiança e a esperança
que sempre marcaram os crentes. No Glória, a Missa é uma reminiscência da
Antiga Aliança todah, que discutimos anteriormente. Nosso sacrifício é um
apelo urgente por libertação, mas ao mesmo tempo é uma celebração e ação
de graças por essa libertação. Essa é a fé de quem conhece o cuidado
providencial de Deus. Essa é a Glória.
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A IGREJA DO EVANGELHO PLENO


O momento decisivo da Liturgia da Palavra é, naturalmente, a
proclamação da Palavra de Deus. Aos domingos, isso geralmente inclui uma
leitura do Antigo Testamento, o canto ou recitação de um Salmo e uma leitura
das cartas do Novo Testamento, todas as quais contribuem para a leitura do
Evangelho. (Na Vigília Pascal, recebemos até dez leituras consideráveis da
Bíblia.) Ao todo, essa é uma potência das Escrituras. Os católicos que assistem
à missa diariamente ouvem quase toda a Bíblia lida para eles ao longo de três
anos – e depois há os veios de ouro das Escrituras embutidos em todas as
outras orações da missa. . . Nunca deixe as pessoas lhe dizerem que a Igreja
não chama os católicos para serem “cristãos da Bíblia”.
De fato, o “habitat natural” da Bíblia está na liturgia. “A fé vem pelo
ouvir”, disse São Paulo (Rm 10:17). Observe que ele não disse: “A fé vem pela
leitura”. Nos primeiros séculos da Igreja, não havia prensas de impressão. A
maioria das pessoas não podia se dar ao luxo de ter os Evangelhos copiados
à mão, e muitas pessoas não podiam ler de qualquer maneira. Então, onde os
cristãos recebiam o Evangelho? Na Missa - e então, como agora, eles
receberam o Evangelho completo.
As leituras que você ouve na missa são pré-programadas para um ciclo
de três anos em um livro chamado lecionário. Este livro é um antídoto eficaz
para uma tendência que eu tinha, como pregador protestante, de direcionar
meus textos favoritos e pregar sobre eles repetidamente. Eu poderia passar
anos sem tocar em alguns dos livros do Antigo Testamento. Isso nunca deve
ser um problema para os católicos que frequentam regularmente a Missa.
Não podemos estar atentos o bastante durante as leituras. Elas são uma
preparação normal e essencial para a nossa Santa Comunhão com Jesus. Um
dos grandes estudiosos das Escrituras da Igreja primitiva, Orígenes (século
III), exortou os cristãos a respeitarem a presença de Cristo no Evangelho como
respeitam Sua presença na Hóstia.

Vocês que estão acostumados a participar dos mistérios divinos


sabem, quando recebem o corpo do Senhor, como o protegem
com toda cautela e veneração para que nenhuma pequena parte
dele caia, para que nada do dom consagrado se perca. Pois você
acredita, e corretamente, que você é responsável se alguma
coisa cair de lá por negligência. Mas se você é tão cuidadoso em
preservar Seu corpo, e com razão, como você acha que há menos
culpa por ter negligenciado a palavra de Deus do que ter
negligenciado Seu corpo?

Dezessete séculos depois, o Concílio Vaticano II fez eco deste antigo


ensinamento para o nosso tempo: “A Igreja sempre venerou as divinas
Escrituras como venera o corpo do Senhor, porque, sobretudo na sagrada
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liturgia, recebe e oferece sem cessar aos fiéis o pão da vida da mesa tanto da
palavra de Deus como do corpo de Cristo” (Dei Verbum 21).
“Ninguém”, disse Orígenes, “entende no coração ... a menos que ele seja
de mente aberta e totalmente intencional.” Isso descreve você e eu quando
ouvimos as leituras na missa? Devemos estar particularmente atentos
durante as leituras porque, desde o início da Missa, você e eu estamos sob
juramento. Ao receber a Palavra – que, reconhecemos, vem de Deus – estamos
concordando em estar vinculados à Palavra. Como resultado, estamos sujeitos
a julgamento dependendo de quão bem vivemos de acordo com as leituras da
Missa. Na Antiga Aliança, ouvir a Lei era concordar em viver pela Lei – ou
receber as maldições que vinham com a desobediência. Na Nova Aliança,
também, estamos vinculados ao que ouvimos, como veremos no livro do
Apocalipse.

A NECESSIDADE DE OBSERVAR O CREDO


A Liturgia da Palavra prossegue, aos domingos, com a homilia (ou
sermão) e o credo. Na homilia, o sacerdote ou diácono oferece-nos um
comentário sobre a palavra inspirada de Deus. As homilias devem se basear
nas Escrituras do dia, iluminando as passagens obscuras e apontando
aplicações práticas para a vida cotidiana. As homilias não precisam nos
entreter. Assim como Jesus vem a nós em hóstias humildes e insípidas, o
Espírito Santo às vezes opera por meio de um pregador monótono e sem brilho.
Após a homilia, recitamos o Credo Niceno, que é a fé destilada em
poucas linhas. As palavras do credo são precisas, com claridade e lapidação
como diamante. Comparado a orações como o Glória, o Credo Niceno parece
desapaixonado, mas as aparências podem enganar. Como disse a falecida e
grande Dorothy Sayers, o drama está no dogma. Pois aqui proclamamos
doutrinas pelas quais os cidadãos cristãos do Império Romano sofreram
prisão e morte.
No quarto século, o império quase explodiu em uma guerra civil sobre
as doutrinas da divindade de Jesus e Sua unidade com o Pai. Novas heresias
surgiram e se espalharam como um câncer pela Igreja, ameaçando a vida do
corpo. Foram necessários os grandes concílios de Nicéia (325) e
Constantinopla (381) - envolvendo algumas das maiores mentes e almas da
história da Igreja - para dar à crença católica básica essa formulação
definitiva, embora a maioria das linhas do credo estivesse em uso comum
desde pelo menos o século III. Depois desses concílios, muitas igrejas no
Oriente exigiram que os fiéis cantassem o credo todas as semanas - não
apenas o recitassem - porque isso era realmente uma boa nova, uma boa nova
que salvava vidas.
O Cardeal Joseph Ratzinger declarou sucintamente a conexão entre
Evangelho e credo: “Dogma é, por definição, nada mais do que uma
37

interpretação das Escrituras... que brotou da fé ao longo dos séculos”. O credo


é a “fé de nossos pais” que “ainda vive”.
Da mesma forma, o documento de 1989 da Comissão Teológica
Internacional “Sobre a Interpretação dos Dogmas” afirma: “No dogma da
Igreja, preocupa-se assim com a correta interpretação das Escrituras.... Um
tempo posterior não pode reverter o que foi formulado sob a assistência do
Espírito Santo como chave para a leitura das Escrituras”. Quando recitamos
o credo no domingo, aceitamos publicamente essa fé escriturística como
verdade objetiva. Entramos no drama do dogma, pelo qual nossos ancestrais
estavam dispostos a morrer.
Nós nos juntamos a esses ancestrais, então, enquanto recitamos as
“orações dos fiéis”, nossas petições. O credo nos capacita a entrar no
ministério de intercessão dos santos. Neste ponto, termina a Liturgia da
Palavra e entramos nos mistérios da Eucaristia.

DÊ-LHE UMA OFERTA QUE ELE NÃO POSSA RECUSAR


A Liturgia da Eucaristia começa com o ofertório, e o ofertório evidencia
o nosso compromisso. Trazemos pão, vinho e dinheiro para apoiar o trabalho
da Igreja. Na Igreja primitiva, os fiéis realmente assavam o pão e espremiam o
vinho para a celebração; no ofertório eles o apresentavam. (Em algumas
igrejas orientais, o pão e o vinho ainda são produzidos pelos paroquianos.) A
questão é esta: oferecemos a nós mesmos e tudo o que temos.
Não porque somos tão especiais, mas porque sabemos que o Senhor
pode pegar o que é temporal e torná-lo eterno, pegar o que é humano e torná-
lo divino. O Concílio Vaticano II falou com força da oferta dos leigos: “[O] seu
trabalho, orações e empenhos apostólicos, sua vida conjugal e familiar
ordinária, seu trabalho diário, seu relaxamento mental e físico ... todos estes
se tornam sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por meio de Jesus Cristo.
Durante a celebração da Eucaristia, esses sacrifícios são oferecidos com muito
amor ao Pai junto com o corpo do Senhor. Assim, como adoradores cujos atos
são sagrados, os fiéis leigos consagram o próprio mundo a Deus” (Lumen
Gentium 34).
Tudo o que temos vai para o altar, para ser santificado em Cristo. O
padre torna a conexão explícita ao derramar a água e o vinho nos cálices: “Pelo
mistério desta água e vinho, possamos participar da divindade de Cristo, que
se humilhou para participar de nossa humanidade”. Essa mistura é um
símbolo rico, sugerindo a união da natureza divina e humana de Cristo, o
sangue e a água que derramaram de Seu lado na cruz e a união de nossos
próprios dons com o dom perfeito de Si mesmo do Salvador. Essa é uma oferta
que o Pai não pode recusar.
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MOBILIDADE PARA O ALTO


Agora, como o padre elevou os dons, ele nos convida a “Elevai os vossos
corações”. Esta é uma imagem poderosa, e você a encontrará nas liturgias
cristãs em todo o mundo e desde os primeiros tempos. Elevamos nossos
corações ao céu. Nas palavras do Apocalipse (ver Apocalipse 1:10; 4:1-2),
somos arrebatados no espírito – para o céu. De agora em diante, estamos
dizendo, vamos olhar a realidade pela fé e não pela visão.
Então, o que vemos neste céu? Reconhecemos que ao nosso redor estão
os anjos e os santos. Cantamos o cântico que, segundo muitos relatos, os
anjos e santos cantam diante do trono do céu (ver Ap 4:8; Is 6:2–3). No
Ocidente nós o chamamos de “Sanctus”, ou “Santo, Santo, Santo”; no Oriente,
é o “Trisagion”, ou “Três Vezes Hino Sagrado”.
Depois vem o clímax do sacrifício eucarístico, a grande Oração
Eucarística (ou Anáfora). É aqui que fica claro que a Nova Aliança não é um
livro. É uma ação, e essa ação é a Eucaristia. Existem muitas Orações
Eucarísticas em uso em toda a Igreja, mas todas contêm os mesmos
elementos:
• A Epiclese. É quando o sacerdote coloca as mãos sobre os dons e invoca o
Espírito Santo. Este é um encontro poderoso com o céu, mais ricamente
apreciado no Oriente.
• A Narrativa da Instituição é o momento em que o Espírito e a Palavra
transformam os elementos do pão e do vinho no corpo e sangue, alma e
divindade de Jesus Cristo.
Agora, o sacerdote relata o drama da Última Ceia, quando Jesus fez
provisão para a renovação de Seu sacrifício de aliança através de todos os
tempos. O que Êxodo 12 foi para a liturgia da Páscoa, os Evangelhos são para
a Oração Eucarística – mas com uma grande diferença. As palavras da nova
Páscoa “realizam o que significam”. Quando o padre fala as palavras da
instituição – “Isto é o meu corpo... Este é o cálice do meu sangue, o sangue da
nova e eterna aliança” – ele não está apenas narrando, ele está falando na
pessoa de Cristo, que é o celebrante principal da Missa. Pelo sacramento da
Ordem o homem é mudado em seu próprio ser; como sacerdote, torna-se
“outro Cristo”. Jesus ordenou que os Apóstolos e seus sucessores celebrassem
a Missa quando disse: “Fazei isto ... em memória de mim” (1Cor 11,25).
Observe que Jesus ordenou que eles “façam isso” e não “escrevam isso” ou
“leiam isso”.
• Lembrança. Usamos as palavras inglesas “Remembrance” e “Memory” para
descrever a próxima seção da Oração Eucarística, mas essas palavras
dificilmente fazem justiça aos termos do idioma original. No Antigo
Testamento, por exemplo, muitas vezes lemos que Deus “lembrou-se de Sua
aliança”. Bem, não é como se Ele pudesse esquecer Sua aliança; mas em
certos momentos, para o benefício de Seu povo, Ele o renovou, Ele o
39

reapresentou, Ele o reencenou. É isso que Ele faz, por meio de Seu sacerdote,
na lembrança da Missa. Ele renova Sua Nova Aliança mais uma vez.
• Oferta. A “memória” da Missa não é imaginária. Tem carne; é Jesus em Sua
humanidade glorificada, e Ele é nossa oferta. “Pai, lembrando-me da morte
que teu Filho suportou para nossa salvação ... nós Vos oferecemos em ação
de graças este sacrifício santo e vivo” (Oração Eucarística III).
• Intercessões. Então, com o próprio Jesus, rogamos ao Pai pelos vivos e pelos
mortos, por toda a Igreja e pelo mundo inteiro.
• Doxologia. O final da Oração Eucarística é um momento dramático. Nós a
chamamos de “doxologia”, que é a palavra grega para “palavra de glória”. O
sacerdote levanta o cálice e a hóstia, que ele agora chama de Ele. Este é Jesus,
e “por Ele, com Ele, n’Ele, toda a glória e honra é tua, Pai Todo-Poderoso, para
todo o sempre”. Nosso “amém!” aqui deve ser retumbante; é tradicionalmente
chamado de “O Grande Amém”. No século IV, São Jerônimo relatou que, em
Roma, quando o Grande Amém era proclamado, todos os templos pagãos
tremiam.

ASSUNTOS DE FAMÍLIA
Seguimos a Oração Eucarística com o Pai Nosso, a oração que Jesus
nos ensinou. Nós o encontramos nas antigas liturgias, e deveria ter um
significado mais rico para nós no contexto da Missa – e especialmente no
contexto da Missa como céu na terra. Renovamos nosso batismo como filhos
de Deus, a quem podemos chamar de “Pai Nosso”. Estamos agora no céu com
Ele, tendo elevado nossos corações. Santificamos Seu nome rezando a Missa.
Ao unir nosso sacrifício com o sacrifício eterno de Jesus, vimos a vontade de
Deus ser feita “na terra como no céu”. Temos diante de nós Jesus, nosso “pão
de cada dia”, e este pão nos “perdoará as nossas ofensas”, porque a Sagrada
Comunhão limpa todos os pecados veniais. Conhecemos a misericórdia,
então, e assim mostraremos misericórdia, perdoando “aqueles que nos
ofenderam”. E através da Sagrada Comunhão conheceremos uma nova força
sobre as tentações e o mal.
A Missa cumpre perfeitamente o Pai Nosso, palavra por palavra. Não
podemos enfatizar demais a relação entre “nosso pão de cada dia” e a hóstia
eucarística diante de nós. Em seu ensaio clássico sobre o Pai Nosso, o
estudioso das Escrituras Padre Raymond Brown demonstrou que essa era a
crença predominante dos primeiros cristãos: “Há boas razões, então, para
conectar o maná do Antigo Testamento e o pão eucarístico do Novo Testamento
com a petição ... Assim, ao pedir ao Pai “Dá-nos o nosso pão”, a comunidade
estava empregando palavras diretamente ligadas à Eucaristia. E assim nossa
Liturgia Romana pode não estar muito longe do sentido original da petição em
que o [Pai Nosso] introduza a Comunhão da Missa”.
Assim começa o “Rito de Comunhão”, e não devemos perder o poder
original da palavra comunhão. No tempo de Jesus, a palavra (em grego,
40

koinonia) era usada com mais frequência para descrever um vínculo familiar.
Com a Comunhão, renovamos nosso vínculo com a família eterna, a Família
que é Deus, e com a família de Deus na terra, a Igreja. Expressamos nossa
comunhão com a Igreja no Sinal da Paz. Nesse gesto antigo, cumprimos a
ordem de Jesus de fazer as pazes com o próximo antes de nos aproximarmos
do altar (cf. Mt 5,24).
Nossa próxima oração, o “Cordeiro de Deus”, lembra o sacrifício da
Páscoa e a “misericórdia” e “paz” da nova Páscoa. O sacerdote, então, quebra
a hóstia e a levanta – um Cordeiro “em pé, como que morto” (Ap 5,6) – e
proclama as palavras de João Batista: “Este é o Cordeiro de Deus” (veja Jo.
1:36). E só podemos responder com as palavras do centurião romano:
“Senhor, não sou digno de receber-te, mas dize apenas uma palavra ...” (Mt
8:8).
Então nós O recebemos na Sagrada Comunhão. Recebemos Aquele que
louvamos no Glória e proclamamos no credo! Nós o recebemos, diante de quem
fizemos nosso juramento solene! Nós o recebemos, Ele que é a Nova Aliança
esperada por toda a história humana!
Quando Cristo vier no fim dos tempos, Ele não terá uma gota a mais de
glória do que tem neste momento, quando consumirmos tudo Dele! Na
Eucaristia recebemos o que seremos por toda a eternidade, quando formos
levados ao céu para nos unirmos à multidão celestial na ceia das bodas do
Cordeiro. Na Sagrada Comunhão, já estamos lá. Isso não é uma metáfora.
Esta é a verdade fria, calculada, precisa e metafísica que foi ensinada por
Jesus Cristo.

VOCÊS FORAM ENVIADOS AO CÉU


Depois de tanto trabalho pesado, a Missa parece terminar muito
abruptamente – com uma bênção e “A Missa terminou. Vá em paz." Parece
estranho que a palavra “Missa” venha dessas palavras finais apressadas: Ite,
missa est (literalmente, “Vá, a prece foi enviada”). Mas os antigos entendiam
que a Missa era um envio. Essa última linha não é tanto uma dispensa, mas
uma comissão. Nós nos unimos ao sacrifício de Cristo. Saímos agora da Missa
para viver o mistério, o sacrifício que acabamos de celebrar, através do
esplendor da vida ordinária no lar e no mundo.
41

PARTE DOIS - A REVELAÇÃO DO CÉU

UM - “Virei para Ver” - O SENTIDO EM MEIO DO ESTRANHO


AQUELES PRIMEIROS QUATRO CAPÍTULOS foram a parte mais fácil.
A maioria dos católicos, afinal, tem pelo menos uma noção da missa. Eles
estão familiarizados com as orações e os gestos, mesmo que só os tenham
suportado sonolentos. Com este capítulo, no entanto, nos voltamos para ver
(Ap 1:12) do que muitos católicos se afastaram - às vezes com terror, às vezes
com frustração.
O Livro do Apocalipse, o último livro da Bíblia, parece realmente um
livro estranho: cheio de guerras assustadoras e fogos devoradores, rios de
sangue e ruas pavimentadas com ouro. Em todas as suas partes, o livro parece
desafiar o bom senso e o bom gosto. Tomemos apenas um exemplo famoso, a
praga dos gafanhotos. João relata que “da fumaça saíram gafanhotos ... como
cavalos preparados para a batalha; em suas cabeças havia o que parecia ser
coroas de ouro; seus rostos eram como rostos humanos, seus cabelos como
cabelos de mulheres, e seus dentes como dentes de leões; eles tinham escamas
como couraças de ferro, e o barulho de suas asas era como o barulho de
muitos carros... Eles têm caudas como escorpiões e ferrões, e seu poder de
ferir homens por cinco meses está em suas caudas” (Ap 9:3, 7-10).
Mal sabemos se rimos ou gritamos de susto. Com todo o respeito,
queremos perguntar a São João: “Ok, deixe-me ver se entendi: você viu
gafanhotos de cabelos compridos com dentes de leão e rostos humanos ... e
eles estavam usando coroas e armaduras de ouro?” A grande tentação é
apenas nos desculparmos de ler o Apocalipse, lembrando a Deus que temos
compromissos urgentes aqui na terra.
Não vou negar que os detalhes do Livro do Apocalipse são extremament e
estranhos.
Em vez disso, vou convidá-lo a vir comigo em uma investigação, para
que você possa descobrir, como eu descobri, que há sentido em meio à
estranheza.

A MANCHA QUE NÃO SE PARECE COM NADA?


Quando comecei meu estudo do livro do Apocalipse, eu era protestante,
evangélico em expressão, calvinista em teologia. Como muitos outros
evangélicos, achei o Apocalipse fascinante. É a Escritura, é claro, e eu
considerava “somente a Escritura” a regra de fé.
Além disso, o Apocalipse ocupa uma posição conspícua como o livro
final da Bíblia – a “última palavra” de Deus, por assim dizer. Além disso, o
Apocalipse me parecia o livro mais misterioso e enigmático da Bíblia, e achei
isso tentador demais para deixar passar. Eu vi o Apocalipse como um quebra-
42

cabeça que Deus me desafiou a resolver, um código que implorou para ser
decifrado.
Eu tinha muita companhia. À medida que o segundo milênio chegava
ao fim, a interpretação do Livro do Apocalipse explodiu em uma indústria
caseira entre meus irmãos evangélicos. A cada ida à livraria, descobria novas
e mais promissoras revelações do Apocalipse.
Este nem sempre foi o caso dos intérpretes protestantes. O primeiro
protestante, Martinho Lutero, achou o Apocalipse totalmente bizarro demais.
Por um tempo, ele até rejeitou seu lugar na Bíblia, porque, segundo ele, “uma
revelação deveria ser reveladora”. No entanto, a Revelação é sempre
reveladora, na medida em que desmascara os preconceitos, ansiedades e
tendências ideológicas de cada intérprete em particular.
O Apocalipse continua sendo uma espécie de mancha de Rorschach
para os cristãos. Os pregadores tentam primeiro discernir uma ordem no
texto. Este é geralmente um esforço infrutífero, já que o livro carece dos
princípios de ordenação de uma obra literária: um enredo convencional ou um
argumento. Não conseguindo encontrar a ordem, eles tentam impor a ordem.
Este é, mais ou menos, o padrão que segui durante meus anos como
seminarista e ministro protestante. O que geralmente acontece é que um
determinado detalhe apodera-se da imaginação e torna-se a chave
interpretativa para a leitura de todo o livro.
O “milênio”, por exemplo – um conceito que aparece apenas no capítulo
20 do Apocalipse – começa a colorir tudo o que se vê nos capítulos 1–19 e 21–
22.

O “BUG” DO MILÊNIO
O milênio é, hoje, a chave interpretativa preferida entre evangélicos e
fundamentalistas. O blockbuster de Hal Lindsey de 1970, The Late, Great
Planet Earth, lançou um gênero, pois se tornou o segundo livro mais vendido
dos últimos trinta anos. Suas vendas, na última contagem, ultrapassavam 35
milhões de cópias em cinquenta idiomas. Lindsey sustentou que as profecias
do Apocalipse eram uma previsão precisa de eventos futuros, um futuro que
estava começando na década de 1970. Ele viu as estranhas imagens do
Apocalipse como correspondendo exatamente a pessoas, lugares e eventos que
estavam no noticiário. A Rússia era a fera, por exemplo; e Gog e Magog
aplicavam-se à União Soviética. Lindsey previu que os soviéticos atacariam a
Palestina; mas Jesus voltaria e os mataria e estabeleceria um reino de mil
anos em Jerusalém.
Lindsey não estava sozinho. De fato, por alguns anos, estive firmemente
com ele – embora com nuances – no campo “futurista” dos intérpretes do
Apocalipse. Dentro deste campo, há muito desacordo sobre quando os eventos
ocorrerão, e qual das bestas do Apocalipse corresponderá a quais líderes
mundiais. Os futuristas também discordam entre si sobre se os cristãos
43

passarão pela “tribulação” e quando o mundo finalmente entrará no reinado


de mil anos de Cristo. Alguns desenvolveram novos conceitos como o
“Arrebatamento” para descrever as intervenções milagrosas que preveem para
o fim dos tempos. No Arrebatamento, dizem eles, Deus varrerá Seus escolhidos
nas nuvens para viver com Ele (ver 1 Ts 4:16–17).
Percorri esses pastos durante anos, mas sem encontrar nenhuma
satisfação real. O que acontecia repetidamente era que um pregador se fixava
em um único elemento - o número da besta, por exemplo - e toda a sua leitura
do Apocalipse dependia da identificação desse número com alguém nas
notícias. No entanto, durante as décadas de 1970 e 1980, líderes mundiais
surgiram e caíram, impérios desmoronaram, e com cada líder caído e com
cada império em ruínas, eu assisti a outra grande teoria desmoronar em
ruínas.
Gradualmente, comecei a ver uma razão maior para minha desilusão.
Deus realmente teria inspirado o Apocalipse de João apenas para que ele
pudesse ficar adormecido no final da Bíblia, estranho e inexplicável, por vinte
séculos – até que o tempo se cumprisse e os cataclismos acontecessem? Não,
o Apocalipse pretendia revelar, e suas revelações devem ser para todos os
cristãos de todos os tempos, incluindo seus leitores originais do primeiro
século.

UMA EXPLOSÃO DO PASSADO


Os futuristas, por mais variados que fossem, não esgotavam as
perspectivas interpretativas sobre o livro do Apocalipse. Alguns (chamados de
“idealistas”) pensavam que todo o livro era apenas uma metáfora para as lutas
da vida espiritual. Outros pensavam que o Apocalipse delineava um plano
para a história da Igreja. Outros ainda argumentavam que o livro era
simplesmente uma descrição codificada da situação política dos cristãos do
primeiro século. O impulso do Apocalipse, de acordo com essa visão, era
exortar os crentes a permanecerem firmes na fé e prometer vingança divina
contra os perseguidores da Igreja. Encontrei algum valor nesses argumentos,
especialmente no que se referia a alguns versículos específicos, mas nenhum
foi capaz de satisfazer meu desejo de compreender o desenrolar da narrativa
de João.
Quanto mais eu estudava os comentários sobre Apocalipse, mais eu
entendia detalhes selecionados, mas menos parecia entender o livro inteiro.
Então, enquanto pesquisava outros assuntos, me deparei com um tesouro
escondido – escondido, isto é, de alguém que estuda as Escrituras em uma
tradição que remonta a apenas quatrocentos anos.
Comecei a ler os Padres da Igreja, os escritores e mestres cristãos dos
primeiros oito séculos, e especialmente seus comentários sobre a Bíblia.
Continuei esbarrando na minha ignorância, pois os padres frequentemente se
referiam a algo sobre o qual eu nada sabia: a liturgia.
44

Curiosamente, porém, descobri que essa antiga liturgia parecia


incorporar muitos dos pequenos detalhes do Apocalipse – em um contexto em
que faziam sentido! Então, enquanto eu continuava a ler os estudos exegéticos
do Apocalipse dos Padres, descobri que muitos desses homens tinham feito a
conexão explícita entre a Missa e o Livro do Apocalipse.
De fato, para a maioria dos primeiros cristãos era um dado adquirido: o
livro do Apocalipse era incompreensível à parte da liturgia.
Como descrevi no capítulo 1, foi somente quando comecei a frequentar
a missa que as muitas partes deste livro intrigante de repente começaram a
se encaixar. Em pouco tempo, pude ver o sentido no altar do Apocalipse
(Apocalipse 8:3), seus clérigos vestidos (4:4), velas (1:12), incenso (5:8), maná
(2:17), cálices (cap. 16), o culto dominical (1:10), o destaque que dá à Bem-
Aventurada Virgem Maria (12:1-6), o “Santo, Santo, Santo” (4:8), o Glória (15:3
–4), o Sinal da Cruz (14:1), o Aleluia (19:1, 3, 6), as leituras das Escrituras
(cap. 2–3), e o “Cordeiro de Deus” (muitas, muitas vezes). Não são interrupções
na narrativa ou detalhes incidentais; eles são a própria matéria do Apocalipse.

EXPLICANDO OS PORQUÊS
Apocalipse não era apenas um aviso velado sobre a geopolítica dos anos
1970, ou uma história codificada do Império Romano do primeiro século, ou
um livro de instruções para o fim dos tempos. Era, de alguma forma, sobre o
próprio sacramento que estava começando a atrair esse “cristão bíblico” para
a plenitude da fé católica.
No entanto, novas questões surgiram. Se, nos textos das antigas
liturgias, eu tropecei no “o quê” do Apocalipse, fiquei com alguns “porquês”
colossais. Por que uma apresentação tão estranha? Por que uma visão e não
um texto litúrgico? Por que o Apocalipse foi atribuído a João, dentre todos os
possíveis discípulos? Por que foi escrito quando foi escrito?
As respostas surgiram quando comecei a estudar os tempos do Apocalipse e
a liturgia dos tempos.

CÉU E TERRA EM MINIATURA


Muitos pequenos detalhes da visão de João tornam-se claros quando
tentamos encontrar o livro como seu público original poderia ter. Se fôssemos
cristãos judeus de língua grega do tempo de João, morando nas cidades da
província romana da Ásia, provavelmente conheceríamos a topografia de
Jerusalém em nossas peregrinações regulares. Jerusalém era sumamente
importante para os leitores de João. Foi a capital e centro econômico do antigo
Israel, bem como o centro cultural e acadêmico da nação. Mas, acima de tudo,
Jerusalém era o coração espiritual do povo israelita. Tente imaginar uma
cidade moderna que combinasse Washington, DC, Wall Street, Oxford e o
Vaticano. Isso é Jerusalém para um judeu do primeiro século.
45

Dentro de Jerusalém, sentiríamos nossa mais profunda afeição pelo


Templo, que era o centro da vida religiosa e cultural dos judeus em todo o
mundo. Jerusalém não era tanto uma cidade com um Templo, mas um Templo
com uma cidade construída ao seu redor. Mais do que um local de culto, o
Templo representava, para os judeus piedosos, um modelo em escala de toda
a criação. Assim como o universo foi feito para ser o santuário de Deus, com
Adão servindo como sacerdote, o Templo deveria restaurar essa ordem, com
os sacerdotes de Israel ministrando diante do Santo dos Santos.
Como cristãos judeus, reconheceríamos imediatamente o Templo na
descrição do céu do Apocalipse. No Templo, como no céu de João, a Menorá
(sete candelabros de ouro, Ap 1:12) e o altar de incenso (8:3-5) ficavam diante
do Santo dos Santos. No Templo, quatro querubins esculpidos adornavam as
paredes, enquanto os quatro seres viventes ministravam diante do trono no
céu de João. Os vinte e quatro “anciãos” de Apocalipse 4:4 (em grego,
presbyteroi, de onde vem o “sacerdote” em inglês) replicam as vinte e quatro
turmas sacerdotais que serviam no Templo em qualquer ano. O “mar de vidro
como cristal” (Ap 4:6) era a grande piscina de bronze polido do Templo que
continha 11.500 galões de água. No centro do Templo do Apocalipse, como no
Templo de Salomão, estava a Arca da Aliança (Ap 11:19).
O Apocalipse revelava o Templo – mas, para judeus devotos e judeus
convertidos ao cristianismo, também revelava muito mais. Pois o Templo e
seus adornos apontavam para realidades superiores. Como Moisés (ver Êx
25:9), o rei Davi havia recebido o plano do Templo do próprio Deus. “Tudo isso
ele tornou claro por escrito da mão do Senhor a respeito, toda a obra deve ser
feita de acordo com o plano” (1 Cr 28:19). O Templo deveria ser modelado
conforme a corte do céu: “Você deu ordem para construir um templo em seu
monte santo, e um altar na cidade da tua habitação, uma cópia da tenda santa
que Tu preparaste desde o princípio” (Sb 9,8).

DA IMITAÇÃO À PARTICIPAÇÃO
De acordo com as antigas crenças judaicas, a adoração no Templo de
Jerusalém espelhava a adoração dos anjos no céu. O sacerdócio levítico, a
liturgia da aliança, os sacrifícios serviam como representações sombrias de
modelos celestiais.
Ainda assim, o Livro do Apocalipse estava tramando algo diferente, algo
mais. Enquanto Israel orava imitando os anjos, a Igreja do Apocalipse adorava
junto com os anjos (veja 19:10). Considerando que apenas os sacerdotes eram
permitidos no lugar santo do Templo de Jerusalém, Apocalipse mostrou uma
nação de sacerdotes (veja 5:10; 20:6) habitando sempre na presença de Deus.
Não haveria mais um arquétipo celestial e uma imitação terrena. O
Apocalipse agora revelou uma adoração, compartilhada por homens e anjos!
46

DAS CINZAS
Os estudiosos discordam sobre quando o livro do Apocalipse foi escrito;
as estimativas variam do final dos anos 60 ao final dos anos 90 d.C. Quase
todos concordam, no entanto, que a medição do Templo de João (Ap 11:1)
aponta para uma data anterior a 70, já que depois de 70 não haveria Templo
para medir.
Em todo caso, o culto sacrificial da Antiga Aliança encontrou seu fim
definitivo com a destruição do Templo e o nivelamento de Jerusalém em 70
d.C. Aos judeus em todo o mundo, este foi um evento cataclísmico -
prefigurando o julgamento final do "templo cósmico" no fim dos tempos.
Depois de 70 d.C., a fumaça dos sacrifícios de cordeiros não mais subiria de
Israel. As legiões romanas reduziram a escombros carbonizados a cidade e o
santuário que deram sentido à vida dos judeus na Palestina e no exterior.
O que João descreve em sua visão foi nada menos que a morte do velho
mundo, a velha Jerusalém, a Antiga Aliança, e a criação de um novo mundo,
uma nova Jerusalém, uma Nova Aliança. Com a nova ordem mundial veio
uma nova ordem de adoração.
É difícil não ouvir ecos do Evangelho de João: “Destruí este templo, e
em três dias o levantarei” (João 2,19). “Vem a hora em que nem neste monte
nem em Jerusalém adorareis o Pai... quando os verdadeiros adoradores
adorarem o Pai em espírito e verdade” (João 4:21, 23). No Apocalipse, essas
previsões são cumpridas, pois o novo Templo é revelado como o corpo místico
de Cristo, a Igreja, e a adoração “no Espírito” ocorre na nova e celestial
Jerusalém.
Da mesma forma, é fácil entender por que os primeiros cristãos
consideravam o véu rasgado do Templo tão teológica e liturgicamente
significativo. O véu foi rasgado assim como o corpo de Cristo foi decisivamente
rasgado. Quando Jesus completou a oferta terrena de Seu corpo, Deus se
certificou de que o mundo saberia que o véu havia sido removido do “Templo”.
Agora todos — reunidos na Igreja — podiam entrar em Sua presença no Dia
do Senhor.

Portanto, irmãos, já que temos confiança para entrar no


santuário pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que
ele nos abriu pela cortina [ou véu], isto é, pela sua carne ...
pensemos em como estimular uns aos outros ao amor e às boas
obras, não deixando de nos reunir... mas encorajando uns aos
outros, e tanto mais quanto você vê o Dia se aproximando (Hb
10:19-20, 24-25).

“No Espírito, no dia do Senhor”, João viu algo mais abrangente do que
qualquer narrativa ou argumento poderia transmitir. Ele viu que parte do
mundo já havia sido elevada a um novo céu e uma nova terra.
47

Alguns séculos depois, eu também comecei a me virar e ver.


48

DOIS - Quem é quem no céu


O ELENCO DE MILHARES DO APOCALIPSE
EXCETO POR UMA PRAGA de filmes do anticristo na década de 1970,
Hollywood nem sequer tentou exibir um Apocalipse, como tem os Evangelhos
e o Livro do Êxodo. Talvez algumas coisas sejam muito estranhas, sangrentas,
violentas e extravagantes, mesmo para Hollywood.
Ou talvez os diretores sejam desencorajados pelo elenco que o
Apocalipse exigiria (sem mencionar o custo dos efeitos especiais!). Cecil B.
DeMille poderia se contentar com um elenco de milhares em Os Dez
Mandamentos. O Apocalipse, porém, exigiria literalmente centenas de
milhares. Talvez seja o livro mais populoso da Bíblia.
Quem são esses personagens que preenchem as paisagens e os céus de
João? Neste capítulo, tentaremos conhecê-los um pouco melhor.
Mas antes, uma confissão: temo pisar aqui. Talvez nenhum assunto
fascine ou obceque mais os estudiosos, pregadores e hobistas do Apocalipse
do que a identificação das bestas, criaturas, anjos e pessoas do livro.
A identificação de um leitor desses personagens depende em grande
parte de seu esquema de interpretação. O esquema futurista inspirou
intérpretes a identificar os animais, por sua vez, com Napoleão, Bismarck,
Hitler e Stalin, entre outros. A visão “preterista” – que enfatiza o cumprimento
das profecias do Apocalipse no primeiro século – tende a identificar as bestas,
por exemplo, com um ou outro imperador romano, ou com a própria Roma,
ou com Jerusalém. Uma terceira perspectiva, às vezes chamada de “idealista”,
vê o Apocalipse como uma alegoria da guerra espiritual que todo crente deve
lutar. Ainda outra visão, a do “historicista”, sustenta que o Apocalipse
apresenta o plano mestre de Deus para a história, do começo ao fim.
Qual visão eu sigo? Bem, todos eles. Não há razão para que elas não
possam ser todas verdadeiras simultaneamente. As riquezas das Escrituras
são ilimitadas. Os primeiros cristãos ensinavam que o texto sagrado opera em
quatro níveis, e todos esses níveis, todos de uma vez, ensinam a única verdade
de Deus – como uma sinfonia. Se eu sou a favor de uma perspectiva sobre as
outras, é a preterista. No entanto, novamente, não vou descontar os outros. O
que os une é o que nos une a Cristo: a Nova Aliança, selada e renovada pela
liturgia eucarística.
Pois dentro do Apocalipse emerge um padrão - de aliança, queda,
julgamento e redenção - e esse padrão descreve um período específico da
história, mas também descreve todos os períodos da história e toda a história,
bem como o curso da vida. para cada um de nós.
49

“Eu, JOÃO”
Mencionei anteriormente que há muita controvérsia sobre a autoria de
João no livro do Apocalipse. Esse debate, embora fascinante, é apenas
incidental ao nosso estudo da Missa e do Apocalipse.
Uma coisa, porém, é clara: o texto se associa explicitamente a João (Ap
1:4, 9; 22:8). E “João” no Novo Testamento (e na mente dos primeiros Pais da
Igreja) significa João, o Apóstolo.
De fato, os próprios livros indicam que, se não compartilham de um
autor comum, pelo menos fluem da mesma escola de pensamento. Pois
Apocalipse e o Quarto Evangelho compartilham muitas preocupações
teológicas. Ambos os livros revelam um conhecimento bastante preciso do
Templo de Jerusalém e seus rituais; ambos parecem preocupados em
apresentar Jesus como o “Cordeiro”, o sacrifício da nova Páscoa (veja Jo 1:29,
36; Ap 5:6). Além disso, o Evangelho de João e o Apocalipse compartilham
algumas terminologias que, dentro do Novo Testamento, são peculiares
apenas a eles. Por exemplo, apenas o Quarto Evangelho e o Apocalipse se
referem a Jesus como “a Palavra de Deus” (João 1:1; Ap 19:13); e somente
esses dois livros se referem à adoração da Nova Aliança como “no Espírito”
(João 4:23; Ap 1:10). Além disso, apenas esses dois livros falam de salvação
em termos de “água viva” (João 4:13; Ap 21:6). Há muitos outros paralelos
também.
Ainda assim, essa identificação do autor João com o apóstolo João é
importante apenas por causa do insight que nos dá sobre o poder da visão do
Apocalipse. No Evangelho, por exemplo, João é identificado como o “Discípulo
Amado” de Jesus (veja João 13:23; 21:20, 24).
João era o apóstolo em termos mais íntimos com o Senhor, o discípulo
que estava literalmente mais próximo de Seu coração. João reclinou-se no
peito de Jesus na Última Ceia. No entanto, no Apocalipse, quando viu Jesus
em Seu poder e glória, com domínio universal e soberania divina, João caiu
com o rosto em terra (veja Ap 1:17). Esses são detalhes importantes para nós,
que queremos ser “discípulos amados” hoje. Embora devamos nos esforçar
por um relacionamento cada vez mais íntimo com Jesus, dificilmente podemos
começar a conversa até vermos Jesus por Quem Ele é, em Sua santidade
insuperável.
A identidade de João é importante também em relação às preocupações
terrenas do Apocalipse. A tradição identifica o apóstolo João como bispo de
Éfeso, uma das sete igrejas abordadas no Apocalipse. As igrejas são
identificadas com cidades, todas as sete localizadas em um raio de oitenta
quilômetros na Ásia Menor, provavelmente delimitando a esfera de autoridade
de João.
Podemos ver por que João, como bispo, seria escolhido para entregar
uma mensagem pastoral como encontramos em Apocalipse, especialmente
nas cartas às sete igrejas (Ap 2, 3).
50

“O CORDEIRO”
Este é o título e a imagem preferidos de Apocalipse para Jesus Cristo.
Sim, Ele é governante (1:5); Ele está no meio da Menorá vestido como sumo
sacerdote (1:13); Ele é “o primeiro e o último” (1:17), “o santo” (3:7), “Senhor
dos senhores e Rei dos reis” (17:14) – mas, em sua maioria, Jesus é o Cordeiro.
O Cordeiro, segundo o Catecismo da Igreja Católica, é “Cristo crucificado
e ressuscitado, o único sumo sacerdote do verdadeiro santuário, o mesmo
“que oferece e é oferecido, que dá e é dado” (n. 1137). Quando João vê o
Cordeiro pela primeira vez, ele está realmente procurando por um leão.
Ninguém é capaz de abrir os selos do rolo e revelar seu conteúdo, e João
começa a chorar. Então, um ancião o tranquiliza: “Não chores; eis que o Leão
da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu, para abrir o livro e seus sete selos”
(Ap 5:5).
João procura o Leão de Judá, mas em vez disso vê - um Cordeiro.
Cordeiros não são muito poderosos para começar, e este está de pé “como se
tivesse sido morto” (Ap 5:6). Não precisamos revisitar aqui tudo o que
discutimos no capítulo 2. O que deve ficar claro é que Jesus, aqui, é um
cordeiro sacrificial, como o cordeiro pascal.
Os anciãos (presbyteroi, sacerdotes) então cantam que o sacrifício de
Cristo permitiu que Ele quebrasse os selos do rolo, o Antigo Testamento.
“Digno és de tomar o rolo e de abrir os seus selos, porque foste morto, e pelo
teu sangue resgataste os homens para Deus” (5:9). O céu e a terra então dão
glória a Jesus como a Deus: “Àquele que está assentado no trono e ao Cordeiro
seja a bênção, a honra, a glória e o poder para todo o sempre! ... e os anciãos
prostraram-se e adoraram” (5:13-14).
O Cordeiro é Jesus. O Cordeiro também é um “filho do homem”, vestido
como um sumo sacerdote (1:13); o Cordeiro é vítima sacrificial; o Cordeiro é
Deus.

“UMA MULHER VESTIDA DE SOL”


Apocalipse 12, a visão de João da mulher vestida de sol, capta a essência
do livro de Apocalipse. Com muitas camadas de significado, mostra um evento
passado prefigurando um evento distante no futuro. Ele recapitula o Antigo
Testamento enquanto completa o Novo. Revela o céu, mas em imagens da
terra.
A visão de João começa com a abertura do templo de Deus no céu, “e a
arca da sua aliança foi vista dentro do templo” (Ap 11:19). Talvez não
possamos apreciar totalmente o valor de choque dessa linha. A Arca da
Aliança não era vista há cinco séculos. Na época do cativeiro babilônico, o
profeta Jeremias havia escondido a arca em um lugar que “será desconhecido
até que Deus reúna o Seu povo” (2 Mac 2:7).
51

Essa promessa é cumprida na visão de João. O Templo apareceu, “e


houve relâmpagos, ruídos altos, trovões, terremoto e granizo”. E então: “Um
grande portento apareceu no céu, uma mulher vestida de sol, com a lua
debaixo dos pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas; ela estava grávida”
(Ap 12:1-2).
João não teria introduzido a arca, apenas para deixá-la cair
imediatamente. Eu acredito (com os Padres da Igreja) que quando João
descreve a mulher, ele está descrevendo a arca – da Nova Aliança. E quem é a
mulher? Ela é aquela que dá à luz o filho varão Que governará as nações. A
criança é Jesus; Sua mãe é Maria. O que tornou a arca original tão sagrada?
Não o ouro que revestia o lado de fora, mas os Dez Mandamentos por dentro
— a Lei que havia sido inscrita pelo dedo de Deus em tábuas de pedra. O que
mais havia dentro? Maná, o pão milagroso que alimentou o povo em sua
peregrinação pelo deserto; A vara de Aarão que floresceu como sinal de seu
ofício como sumo sacerdote (ver Nm 17).
O que torna a nova arca sagrada? A velha arca continha a palavra de
Deus escrita em pedra; Maria continha em seu ventre o Verbo de Deus que se
fez homem e habitou entre nós. A arca continha maná; Maria continha o pão
vivo descido do céu. A arca continha a vara do sumo sacerdote Arão; O ventre
de Maria continha o eterno sumo sacerdote, Jesus Cristo. No templo celestial,
a Palavra de Deus é Jesus, e a arca na qual ele reside é Maria, Sua mãe.
Se o menino é Jesus, então a mulher é Maria. Esta interpretação foi
sustentada pelo mais sóbrio dos Padres da Igreja, Santo Atanásio, Santo
Epifânio e muitos outros. No entanto, “a mulher” também significa mais. Ela
é a “filha de Sião”, que deu à luz o Messias de Israel. Ela também é a Igreja,
sitiada por Satanás, mas preservada em segurança. Como eu disse antes, as
riquezas das Escrituras são ilimitadas.
Outros estudiosos argumentam que a mulher não pode ser Maria, pois,
segundo a tradição católica, Maria não sofreu as dores de parto. As dores da
mulher, no entanto, não precisavam ter sido uma dor física. São Paulo, por
exemplo, usou as dores do parto para descrever sua própria agonia até que
Cristo fosse formado em seus discípulos (veja Gl 4,19). Assim, o sofrimento da
mulher pode descrever o sofrimento de uma alma – o sofrimento que Maria
conheceu, ao pé da cruz, quando se tornou a mãe de todos os “discípulos
amados” (cf. Jo 19,25-27).
Outros objetam que a mulher não pode ser Maria porque a mulher do
Apocalipse tem outros filhos, e a Igreja ensina que Maria era perpetuamente
virgem. Mas as Escrituras frequentemente usam o termo “descendência” (em
grego, sperma) para descrever os descendentes espirituais de alguém. Os
filhos de Maria, sua descendência espiritual, são aqueles “que guardam os
mandamentos de Deus e dão testemunho de Jesus” (Ap 12:17). Nós somos a
outra descendência da mulher. Somos filhos de Maria.
52

Assim, o Apocalipse também retrata Maria como a “Nova Eva”, mãe de


todos os viventes. No Jardim do Éden, Deus prometeu “colocar inimizade”
entre Satanás, a antiga serpente, e Eva – e entre a “semente de Satanás e dela”
(Gn 3:15). Agora, no Apocalipse, vemos o clímax dessa inimizade. A semente
da nova mulher, Maria, é o filho varão, Jesus Cristo, que vem para derrotar a
serpente (em hebraico, a mesma palavra, nahash, pode ser aplicada tanto ao
dragão quanto à serpente).
Este é o ensinamento esmagador dos Padres, Doutores, santos e papas
da Igreja, antigos e modernos. É o ensinamento do Catecismo da Igreja
Católica (cf. n. 1138). Devo salientar, no entanto, que não é sustentado por
muitos estudiosos bíblicos hoje. No entanto, aqueles que discordam devem
arcar com o ônus da prova. O Papa São Pio X falou eloquentemente pela
Tradição em sua carta encíclica Ad Diem Illum Laetissimum:

Todos sabem que esta mulher significava a Virgem Maria...


João, portanto, viu a Santíssima Mãe de Deus já em eterna
felicidade, mas em trabalho de parto misterioso. Que
nascimento foi esse? Certamente foi o nascimento de nós que,
ainda no exílio, ainda devemos ser gerados para a perfeita
caridade de Deus e para a felicidade eterna.

A PRIMEIRA BESTA
Sem sucesso em seus ataques à mulher e seu filho, o dragão se volta
para atacar sua descendência, aqueles que guardam os mandamentos de
Deus e dão testemunho de Jesus. O dragão convoca sua própria semente,
duas feras terríveis. Curiosamente, em meio a todas as imagens esperançosas
e inspiradoras do Apocalipse, esses monstros hediondos parecem despertar o
maior interesse. Cineastas e tele evangelistas demoram mais tempo, de longe,
em 666 do que no mar vítreo ou no Leão de Judá.
Sinto uma urgência em impressionar você com a realidade das feras.
Elas são símbolos, mas não são apenas símbolos. Elas são verdadeiros seres
espirituais, membros da “baixa hierarquia” satânica, pessoas demoníacas que
controlaram e corromperam o destino político das nações. João descreve duas
feras feias. Mas acredito que as feras que ele viu eram muito mais horríveis
do que sua descrição.
Em grande parte do Apocalipse – mas especialmente nos capítulos 4 e
5 – João descreve as realidades por trás da Missa. Agora, ele faz o mesmo com
o pecado e o mal. Assim como nossas ações na liturgia estão unidas com
coisas celestiais invisíveis, também nossas ações pecaminosas estão ligadas à
maldade infernal. Na Missa, o que Deus quer nos fazer? Um reino de
sacerdotes que reinam por meio de suas ofertas de sacrifício. Por outro lado,
o que Satanás quer realizar por meio das bestas? Ele quer subverter o plano
de Deus corrompendo tanto o reino quanto o sacerdócio. Assim, João nos
53

mostra, primeiro, o demônio que corrompe a autoridade governamental, o


estado. Em seguida, ele revela o demônio da autoridade religiosa corrupta.
Primeiro as primeiras bestas: do mar surge um monstro hediondo de
sete cabeças e dez chifres, uma combinação aterrorizante de leopardo, leão e
urso. Os chifres simbolizam poder; os diademas (ou coroas), realeza. Tanto
seu poder quanto sua realeza ele recebe do dragão. Erraríamos, no entanto,
se identificássemos essa besta com a monarquia em geral. Não, a besta
representa autoridade política corrupta de qualquer tipo.
É tentador, também, identificar a besta exclusivamente com Roma, ou
com a dinastia herodiana que Roma mantinha na Terra Santa. Certamente a
Roma dos dias de João tipificava o tipo de governo representado pela besta.
Mas a própria besta não permite uma identificação tão simples. Na verdade, é
uma combinação de todas as quatro bestas de uma visão do profeta Daniel do
Antigo Testamento (veja Dan 7). Eu sigo os Padres da Igreja, que viram as
bestas de Daniel apontando para quatro impérios gentios: Babilônia, Medo-
Pérsia, Grécia e Roma – todos os quais perseguiram o povo de Deus antes da
vinda do Messias.
A besta de sete cabeças do Apocalipse, então, representa todo poder
político corrompido. Pois é um impulso humano olhar para o poder do estado
como o maior poder da terra e dizer, como as pessoas no Apocalipse: “Quem
pode lutar contra isso?” Por medo desse poder – ou desejo por uma parte da
ação – as pessoas constantemente se comprometem e adoram o dragão e a
besta. O exemplo mais flagrante da história de uma instituição humana
usurpando as prerrogativas de Deus é Roma e seus Césares. Eles literalmente
exigiam a adoração que pertence somente a Deus. E eles fizeram guerra aos
santos, instigando perseguições sangrentas daqueles que não adoravam o
imperador.
Mais uma vez, porém, devo enfatizar que a besta não é apenas Roma,
ou apenas o fantoche de Roma, os herodianos. A besta também se refere a
qualquer governo corrupto, qualquer estado que se coloque acima da ordem
da aliança de Deus. Mais do que isso, a besta representa a força espiritual
corruptora por trás dessas instituições.

A SEGUNDA BESTA
Esta besta vem da terra e tem chifres como um cordeiro. A imagem do
cordeiro é chocante, já que passamos a associá-la a coisas sagradas. O uso
dele por João, acredito, é intencional, pois acredito que esta besta pretende
sugerir o sacerdócio corrompido na Jerusalém do primeiro século.
A pista inicial é que esta besta sai da “terra”, que no original grego
também poderia significar “a terra” ou “o país”, em oposição a “o mar”, que
produz os animais gentios (veja Dan 7). Além disso, João provavelmente estava
testemunhando o comprometimento final da autoridade sacerdotal, que
ocorrera apenas alguns anos antes. Em um momento histórico dramático, a
54

autoridade religiosa havia dado sua lealdade à autoridade governamental


corrupta em vez de Deus. Jesus, o Cordeiro de Deus, Sumo Rei e Sumo
Sacerdote, estava diante de Pôncio Pilatos e dos principais sacerdotes dos
judeus. Pilatos disse aos judeus: “Aqui está o seu rei!” Eles gritaram: “Fora
com Ele, fora com Ele, crucifica-O!” Pilatos respondeu: “Devo crucificar seu
rei?” Os principais sacerdotes responderam: “Não temos rei senão César” (ver
Jo 19,15). De fato, foi o próprio sumo sacerdote, Caifás, quem primeiro falou
do sacrifício de Jesus como politicamente “conveniente” para o povo (ver João
11,47-52).
Então eles rejeitaram a Cristo e exaltaram César. Eles rejeitaram o
Cordeiro e adoraram a besta. Certamente César era o governante do governo
e, como tal, merecia respeito (ver Lc 20,21-25). Mas César queria mais do que
respeito. Ele exigia adoração sacrificial, que os principais sacerdotes lhe
deram quando entregaram o Cordeiro de Deus.
A besta se assemelha a um cordeiro em algumas características
superficiais. Vemos que tudo o que ele faz é uma mímica e zombaria da obra
salvadora do Cordeiro. O Cordeiro permanece como se tivesse sido morto; a
besta recebe uma ferida mortal, mas se recupera. Deus entroniza o Cordeiro;
o dragão entroniza a besta. Aqueles que adoram o Cordeiro recebem Seu sinal
em suas testas (Ap 7:2-4); aqueles que adoram a besta usam a marca da besta.
O que nos leva à difícil pergunta: Qual é a marca da besta? João nos diz
que é o nome da besta, ou o número de seu nome. O que é isso? João responde
em um enigma: “Isto exige sabedoria: quem tem entendimento calcule o
número da besta, pois é um número humano, seu número é seiscentos e
sessenta e seis” (Ap 13:18).
Em um nível, o número pode representar o imperador romano Nero,
cujo nome transliterado para o hebraico realmente tem o valor 666. No
entanto, existem muitas outras possibilidades, ou adicionais. Considere que
666 era o número de talentos de ouro que o Rei Salomão exigia das nações
anualmente (veja 1 Rs 10). Considere também que Salomão foi o primeiro rei-
sacerdote desde Melquisedeque (ver Sal 110). Além disso, João diz que
discernir a identidade da besta “exige sabedoria”, o que alguns intérpretes têm
visto como outra referência a Salomão, que era famoso por sua sabedoria.
Finalmente, 666 pode ser interpretado como uma degradação do
número sete, que, na tradição de Israel, representava perfeição, santidade e
aliança. O sétimo dia, por exemplo, foi declarado santo por Deus e reservado
para descanso e adoração. O trabalho foi feito em seis dias; foi santificado, no
entanto, no culto sacrificial representado pelo sétimo dia. O número “666”,
então, representa um homem parado no sexto dia, servindo a besta que se
preocupa em comprar e vender (veja Ap 13:17) sem descanso para adoração.
Embora o trabalho seja santo, torna-se mau quando o homem se recusa a
oferecê-lo a Deus.
55

No entanto, devemos ser claros sobre algo. Essa interpretação não deve
levar nenhum cristão a justificar o antissemitismo. O Livro do Apocalipse
demonstra de forma esmagadora a dignidade de Israel – seu Templo, seus
profetas, suas alianças. O Apocalipse deve antes nos levar a uma maior
apreciação por nossa herança em Israel – e a uma consideração sóbria de
nossa própria responsabilidade diante de Deus. Quão bem estamos vivendo
de acordo com nossa aliança com Deus?
Quão fiéis somos ao nosso sacerdócio? O livro é um alerta para todos
nós. A mensagem bestial é esta: estamos lutando contra forças espirituais:
forças imensas, depravadas e malévolas. Se tivéssemos que lutar contra eles
sozinhos, seríamos derrotados. Mas aqui está uma boa notícia: há uma
maneira que podemos esperar para superar. A solução tem que combinar com
o problema, força espiritual para força espiritual, imensa beleza para imensa
feiura, santidade para depravação, amor para malevolência. A solução é a
Missa, quando o céu desce para salvar uma terra sitiada.

ANJOS
Na batalha, não lutamos sozinhos. Em Apocalipse 12, lemos sobre
“Miguel e seus anjos lutando contra o dragão” (12:7).
Quando Deus criou os anjos, Ele os libertou, então eles tiveram que
passar por algum tipo de teste – assim como nossa vida na terra é um teste.
Ninguém sabe o que era esse teste, mas alguns teólogos especulam que os
anjos receberam uma visão da Encarnação, e lhes foi dito que eles teriam que
servir à divindade encarnada, Jesus, e Sua mãe. O orgulho de Satanás se
revoltou contra o escândalo do Espírito assumindo os laços da matéria, e ele
disse: “Não servirei!” De acordo com os Pais da Igreja, ele liderou um terço dos
anjos nesta rebelião (ver Ap 12:4). Miguel e seus anjos os expulsaram do céu
(ver v. 8).
Ao longo do Apocalipse, vemos que os anjos povoam o céu de forma
bastante densa. Eles adoram a Deus sem cessar (Ap 4:8). E eles cuidam de
nós. Os capítulos 2 e 3 deixam claro que cada igreja em particular tem um
anjo da guarda. Isso deve nos tranquilizar, que pertencemos a igrejas
particulares, e que podemos pedir ajuda ao anjo de nossa igreja particular.
Os “quatro seres viventes” mencionados no capítulo 4 são geralmente
entendidos como anjos, embora pareçam aos olhos humanos em forma
animal. Essas criaturas podem corresponder também às criaturas bordadas
na tela diante do Santo dos Santos no Templo de Jerusalém.
Embora os anjos do céu se apresentem aos olhos humanos em forma
física, os anjos na verdade não têm corpos. Seu nome significa “mensageiro”,
e os atributos físicos geralmente simbolizam algum aspecto de sua natureza
ou missão. As asas indicam sua rapidez no movimento entre o céu e a terra.
Múltiplos olhos significam seu conhecimento e vigilância.
56

Anjos com muitos olhos e seis asas podem parecer assustadores no


começo, mas se pensarmos neles em termos de rapidez e vigilância, ficaremos
tranquilos. Esses são seres com os quais podemos contar, quando o dragão
ameaça nossa paz.
No Apocalipse, os anjos também aparecem como cavaleiros (cap. 6) que
visitam o julgamento de Deus sobre os infiéis (ver também Zc 1:7-17). Grande
parte da ação nestes capítulos pode estar ligada aos eventos que cercaram a
queda de Jerusalém em 70 d.C. Mas a passagem tem aplicações além do
primeiro século, enquanto a terra necessitar de julgamento.
Os anjos do Apocalipse controlam os elementos, o vento e o mar, para
fazer a vontade de Deus (cap. 7). Os capítulos 7–9 deixam claro que os anjos
são guerreiros poderosos e que lutam constantemente ao lado de Deus — que,
se formos fiéis, também estarão do nosso lado.

MÁRTIRES, VIRGENS E OUTRAS PESSOAS


Mas há mais no Apocalipse do que bestas perversas e anjos
impressionantes. Na verdade, a maioria dos personagens são apenas pessoas
comuns – centenas de milhares, e até milhões, são homens e mulheres
cristãos comuns. Primeiro, vemos os 144.000 das doze tribos de Israel (12.000
de cada tribo), o remanescente que recebeu a proteção de Deus (Seu “sinal”),
fugindo para as montanhas durante a destruição de Jerusalém. Então, João
descreve miríades de miríades “de todas as nações” (Ap 7:9). Depois de dois
milênios de religião inclusiva, não podemos avaliar hoje o impacto sísmico
dessa visão de israelitas adorando junto com gentios e humanos com anjos.
Para as mentes dos primeiros leitores de João, essas eram categorias
mutuamente exclusivas. Além disso, no céu, todas essas multidões adoram
dentro do Santo dos Santos, onde ninguém, exceto o Sumo Sacerdote, havia
sido admitido anteriormente. O povo da Nova Aliança pode adorar a Deus face
a face.
Quem mais está aí? No capítulo 6, encontramos os mártires, aqueles
que foram mortos pelo testemunho de sua fé. “Vi debaixo do altar as almas
dos que foram mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho que
deram” (Ap 6:9). Por que eles estão debaixo do altar? O que geralmente ficava
sob o altar do Templo terreno? Quando os sacerdotes do Antigo Testamento
ofereciam sacrifícios de animais, o sangue das vítimas se reunia sob o altar.
Como povo sacerdotal, eles (e nós) oferecemos nossas vidas na terra, o
verdadeiro altar, como sacrifício a Deus. O verdadeiro sacrifício então não é
um animal; é todo santo que dá testemunho (em grego, martyria) da fidelidade
de Deus. Nossa oferta — o sangue dos mártires — clama a Deus por justiça.
Que revelador que, desde os primeiros dias, a Igreja tenha colocado as
relíquias dos mártires, seus ossos e cinzas, dentro de seus altares.
Anteriormente, mencionamos os anciãos (presbyteroi) entronizados na corte
de Deus. De fato, no céu do Apocalipse, esses homens aparecem vestidos
57

exatamente como os sacerdotes de Israel vestidos para o serviço no Templo de


Jerusalém.
Em Apocalipse (14:4), encontramos também um grande número de
homens consagrados à virgindade.
Esta é outra anomalia no mundo antigo, raramente encontrada em
Israel ou culturas gentias, pois tem sido incomum no Ocidente cristão desde
a Reforma Protestante. No entanto, João menciona esses celibatários como
um verdadeiro exército, que é mais provavelmente o que Deus pretende (veja
1 Coríntios 6-7).

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU


Não precisamos ir muito longe para identificar o elenco de personagens
do Apocalipse. De fato, o significado que Deus deseja que vejamos é muitas
vezes dito claramente no texto, ou claramente faltando em nossos corações.
Ao relembrar meus próprios anos de estudo do Apocalipse como protestante,
admiro-me que meus irmãos e eu às vezes pudéssemos ver, muito claramente,
helicópteros soviéticos retratados na praga de gafanhotos mutantes - mas
fomos veementes em negar que Maria pudesse ser a mulher vestida de sol,
que deu à luz o menino que salvou o mundo. Lendo o Apocalipse, devemos
sempre lutar contra a tentação de forçar o extravagante enquanto negamos o
óbvio.
Vou dizer novamente: Muitas vezes o significado mais profundo nas
Escrituras está muito próximo do coração de cada um de nós, e a aplicação
mais ampla está muito perto de casa.
Agora, onde podemos encontrar uma Igreja universal que adore de uma
maneira que seja fiel à visão de João? Onde podemos encontrar sacerdotes em
paramentos diante de um altar?
Onde encontramos homens consagrados ao celibato? Onde ouvimos os
anjos invocados? Onde encontramos uma Igreja que guarda as relíquias dos
santos dentro de seus altares?
Onde a arte exalta a mulher coroada de estrelas, com a lua a seus pés,
que esmaga a cabeça da serpente? Onde os fiéis rezam pela proteção de São
Miguel arcanjo?
Onde mais senão na Igreja Católica, e mais particularmente na Missa?
58

TRÊS – O Apocalipse Naquele Tempo!


AS BATALHAS DO APOCALIPSE E A ARMA DECISIVA
A CONFLAGRAÇÃO FINAL. A Batalha do Armagedom. A publicidade
mais sensacional do Apocalipse, nas últimas gerações, veio de suas imagens
de combate. Pois sua guerra não é uma guerra qualquer, mas a guerra final,
e é realmente terrível: “espíritos demoníacos ... ir para os reis de todo o mundo,
a fim de ajuntá-los para a batalha” (Ap 16:14). João descreve uma guerra
mundial que é simultaneamente uma guerra de outro mundo: “Agora surgiu
a guerra no céu, Miguel e seus anjos lutando contra o dragão” (12:7). Anjos
derramam os cálices da ira de Deus e exércitos fortes recuam com medo. A
contagem de baixas é alta, e as tribulações se estendem até mesmo ao povo
de Deus. A escuridão parece ter seu dia.
Futuristas como Hal Lindsey afirmaram que esses detalhes
correspondem literalmente a uma batalha que o mundo está se aproximando
rapidamente na virada do milênio. Na mesma linha, alguns futuristas
católicos discernem uma unidade de testemunho na visão de João, nas
previsões de Fátima e nos acontecimentos nos noticiários de hoje.
Não descarto as interpretações futuristas das batalhas do Apocalipse.
Talvez todos os detalhes apocalípticos se desenrolem, de uma forma ou de
outra, quando Deus encerrar esta era. No entanto, não acredito que a leitura
futurista deva ser nosso foco principal quando lemos o livro do Apocalipse. As
previsões, afinal, podem ser de preocupação urgente para aqueles que estão
vivendo no momento da batalha final. Mas isso nunca podemos saber com
certeza. Gerações de futuristas vieram antes de nós e morreram,
desperdiçando anos preciosos em preocupações obsessivas de que Napoleão,
Hitler ou Stalin eram, finalmente, a besta predita.
Governantes bestiais vêm e vão; cenários futuristas surgem e se
dissipam como anéis de fumaça, à medida que o futuro do ano passado
desaparece na história. Os outros “sentidos” do Apocalipse, porém,
permanecem conosco, com uma urgência constante, um chamado pessoal.

SÍMBOLOS ESTREPITOSOS
O que queremos dizer com os sentidos das Escrituras? Desde os
primeiros tempos, os professores cristãos falam da Bíblia como tendo um
sentido literal e um sentido espiritual. O sentido literal pode descrever uma
pessoa histórica, lugar ou evento. O sentido espiritual fala — por meio dessa
mesma pessoa, lugar ou evento — para revelar uma verdade sobre Jesus
Cristo, ou a vida moral, ou o destino de nossas almas, ou todos os três.
A tradição nos ensina, no entanto, que o sentido literal é fundamental.
No entanto, identificar o sentido literal do Livro do Apocalipse é um
empreendimento muito difícil e certamente controverso. Afinal, os intérpretes
estão nitidamente divididos sobre se o livro está literalmente descrevendo
59

eventos passados ou eventos futuros – ou eventos passados e futuros, pois o


Apocalipse pode se aplicar de maneira bastante concreta a ambos. Santo
Agostinho falou dessas dificuldades em seu livro A Cidade de Deus, e São
Tomás de Aquino ecoou sua perplexidade na Summa Theologica: “Mas não é
fácil saber quais são esses sinais: pois os sinais que lemos ... referem-se não
apenas à vinda de Cristo para o julgamento, mas também ao tempo do saque
de Jerusalém e à vinda de Cristo visitando incessantemente Sua Igreja”.
Interpretar o livro do Apocalipse é ainda mais complicado porque os
sentidos literal e espiritual parecem se fundir na visão de João. Enquanto o
Evangelho de João é uma obra de arte sutil, seu Apocalipse aplica símbolos
com mão pesada. João fala de uma cidade, por exemplo, e diz que seus nomes
(“Egito” e “Sodoma”) são figurativos; então, sem mais delongas, ele lhe diz qual
cidade realmente é (veja Ap 11:8). Mesmo quando ele faz um enigma com o
nome de uma fera, ele diz claramente que está fazendo um enigma.
Agora não é hora de ser excessivamente sutil, João parece dizer. E por
que isto? Porque ele estava vivendo em um tempo de guerra.

QUANTO TEMPO É "EM BREVE"?


No Apocalipse, João alude às severas provações que os cristãos
enfrentaram em seus dias. Como ele raramente cita nomes – e nunca diz a
data, exceto para dizer que era “o dia do Senhor” – os intérpretes oferecem
uma longa lista de candidatos às tribulações do Apocalipse: a queda de
Jerusalém e a destruição do Templo (70 d.C.); a sangrenta perseguição do
imperador Nero (64 d.C.); a perseguição posterior pelo imperador Domiciano
(96 d.C.); a perseguição anterior de cristãos por judeus (50 e 60 d.C.).
Em certo sentido, é claro - um sentido espiritual - todas essas
interpretações são verdadeiras, porque o Apocalipse oferece encorajamento a
todos os cristãos que passam por provações ou perseguição, em qualquer
grau. Mas em um sentido literal, Apocalipse é, acredito, principalmente sobre
a queda de Jerusalém.
Desde o início, o Apocalipse tem um tom iminente: “A revelação de Jesus
Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos o que em breve deve
acontecer” (Ap 1:1).
A mensagem se repete em todo o livro: “Eu venho em breve” (ver 1:1, 3;
3:11; 22:6–7, 10, 12, 20). O próprio Jesus indicou que Ele retornaria em breve,
mesmo antes de uma geração se passar desde Sua ressurreição. “Há alguns
que estão aqui que não provarão a morte antes de verem o Filho do Homem
vindo em seu reino” (Mt 16:28). “Esta geração não passará até que todas estas
coisas aconteçam” (Mt 24:34).
Hoje, a maioria de nós associa o “em breve” com a Segunda Vinda de
Jesus no fim do mundo. E isso é certamente verdade; tanto João quanto Jesus
estavam falando sobre o fim da história. Acho, no entanto, que eles também
estavam – e principalmente – falando sobre o fim de um mundo: a destruição
60

do Templo de Jerusalém, e com ela o fim do mundo da Antiga Aliança, com


seus sacrifícios e rituais, suas barreiras para gentios, e suas barreiras entre o
céu e a terra. No entanto, a Parousia (ou “vinda”) de Jesus deveria ser mais do
que um final; era um começo, uma nova Jerusalém, uma Nova Aliança, um
novo céu e nova terra.
Tanto João quanto Jesus referem-se não apenas a uma Parousia
distante, ou retorno, mas à Parousia contínua de Jesus, que ocorreu na
primeira geração cristã, como ainda ocorre hoje. Não devemos esquecer que o
significado original do grego Parousia é “presença”, e a presença de Jesus é
real e permanente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Então, quando
João e Jesus disseram “em breve”, acredito que eles queriam dizer isso
literalmente. Pois a Igreja é o reino já iniciado na terra, e é o lugar da Parousia
em cada Missa.

PROSTITUTAS E RUMORES DE GUERRA


João indica claramente que a “grande cidade” de Apocalipse 11 é
Jerusalém. Ele escreveu: “Seus cadáveres jazerão na rua da grande cidade que
é alegoricamente chamada Sodoma e Egito, onde seu Senhor foi crucificado”.
Em Apocalipse 17:6, a prostituta, “embriagada com o sangue dos santos e com
o sangue dos mártires de Jesus”, ressoa com as invectivas do Antigo
Testamento contra as infidelidades de Jerusalém. Ezequiel (ver 16:2–63; 23:2–
49), Jeremias (2:20; 3:3), Isaías (1:21) e outros condenam a cidade como uma
prostituta. Então, em Apocalipse 20–21, vemos a nova Jerusalém descer do
céu como uma noiva virgem após a destruição da cidade prostituta. Observe
o contraste: duas cidades, uma prostituta, a outra uma noiva virgem. Uma
Jerusalém substitui a outra.
Foram as autoridades de Jerusalém que crucificaram Jesus Cristo. E
Jerusalém foi o principal local de perseguição para os cristãos da primeira
geração (ver Atos 6:8–14; 7:57–60; 8:1–3). Os principais perseguidores eram
os sacerdotes e fariseus, como Saulo de Tarso. Os Atos dos Apóstolos
descrevem a perseguição constante, em muitas cidades fora de Jerusalém;
mas em quase todos os casos, as perseguições decorrem da oposição judaica
(veja Atos 13:45; 14:2, 5, 19; 17:5–9, 13; 18:12–17; 21:27–32).

UM CONTO DE QUATRO CIDADES (SODOMA, EGITO, JERICÓ, Babilônia)


Os detalhes da destruição descritos em Apocalipse correspondem de
perto à história da destruição de Jerusalém. Em Apocalipse 17–19, João
mostra uma cidade destruída pelo fogo; Jerusalém foi totalmente destruída
pelo fogo. Nos capítulos 8 e 9, João descreve “o abismo”, que, segundo a
tradição judaica, estava sob a Pedra Fundamental do Templo de Jerusalém.
Há ainda mais evidências de que Jerusalém é a cidade retratada no
Apocalipse.
61

O Apocalipse acompanha de perto o Livro de Ezequiel do Antigo


Testamento, e a única mensagem notável de Ezequiel é que a maldição da
aliança cairá sobre Jerusalém. Vemos esta maldição cumprida no Livro do
Apocalipse. Jerusalém é “chamada alegoricamente de Sodoma e Egito”, diz
João. O que é que esses lugares tinham em comum? Eles eram centros de
oposição ao plano de Deus. Sodoma ficou no caminho do plano da aliança de
Deus com Abraão; O Egito ficou no caminho de Seu plano de aliança para
Moisés e Israel. Agora, é a vez de Jerusalém se opor a Deus, enquanto seus
líderes perseguem os Apóstolos e a Igreja. Assim, Jerusalém, como Sodoma e
Egito, teve que cair, e Apocalipse retrata essa queda em termos de sete pragas,
que ecoam as pragas que Deus visitou no Egito (veja Ap 17).
Quando a cidade cai, ouvimos ainda mais ecos do Antigo Testamento.
Pois a grande cidade cai dos toques de sete trombetas tocadas por sete anjos
(Ap 8-9). Esta passagem do Apocalipse segue de perto a história da queda de
Jericó (ver Jos 6:3–7). Ambas as passagens começam com silêncio,
prosseguem para os sete toques de trombeta e terminam com um grito. Jericó
também se interpôs no caminho do plano de Deus, tentando manter o Povo
Escolhido fora da Terra Prometida. Por sua vez, Jerusalém, perseguidora dos
cristãos, tornou-se uma nova Jericó e, portanto, teve que cair.
Muito mais tarde no Apocalipse, quando os reis da terra se reúnem para
a batalha “no grande dia de Deus, o Todo-Poderoso” (Ap 16:14), eles se reúnem
na colina de Megido, ou Armagedom. Este local lembra outra memória
histórica dolorosa para Israel.
O Armagedom foi o lugar onde Josias, o grande rei davídico, em meio à
sua santa reforma de Jerusalém, foi morto em seu auge por desobedecer à
instrução do profeta de Deus (ver 2 Rs 23:28-30). A derrota de Josias em
Megido enfraqueceu as defesas de Israel e deixou Jerusalém vulnerável à
destruição pela Babilônia. Uma reviravolta irônica para a geração de cristãos
foi que Jesus Cristo – como Josias, um rei davídico e reformador que foi
abatido em seu apogeu – perseveraria em obediência e teria sucesso onde
Josias falhou, estabelecendo uma nova Jerusalém, testemunhada pela queda
do antigo império.

TEMPOS DO SELO
Quando os exércitos do imperador romano Tito sitiaram a cidade no ano 70
d.C., Jerusalém caiu. O cerco trouxe fome, pestilência e conflitos, que
podemos ver nas devastações forjadas pelos quatro cavaleiros angélicos do
Apocalipse 6, e pelas sete trombetas angélicas de Apocalipse 8–9. De uma
maneira menos simbólica e mais horrivelmente gráfica, podemos ver essas
calamidades descritas também nos escritos do historiador judeu Josefo, que
foi testemunha ocular. Josefo descreve Jerusalém tão devastada pela fome
que suas mães, loucas de fome, começaram a devorar seus próprios filhos.
62

No entanto, durante todo o conflito da Guerra Judaica, nem um único


cristão pereceu, porque a comunidade de crentes fugiu para as montanhas do
outro lado do Jordão para um lugar chamado Pela.
Lemos em Apocalipse 7:1–4 que esses cristãos—144.000 das Doze
Tribos de Israel—foram preservados porque foram “selados... sobre suas
testas”. Isso lembra a assinatura do remanescente de Deus em Ezequiel (veja
Ez 9:2-4), onde a palavra hebraica para “sinal” é tau, transliterada como a
letra grega “T”. Em 70 d.C., Deus também salvou o remanescente de Israel
que estava marcado com tau, o Sinal da Cruz. Essa “selagem” com o tau
parece ser uma referência ao batismo, já que os 144.000 estão vestindo vestes
brancas, a vestimenta batismal tradicional; eles são “lavados no sangue do
Cordeiro” (o efeito purificador da morte do Cordeiro); são conduzidos pelo
Cordeiro às “fontes de água viva” (ver Jo 3–4; 7); e o termo para “selados” era
comumente aplicado ao batismo na Igreja primitiva (ver Rm 4–6; Ef 1:11–14;
2Co 1:22).
Os cristãos carregavam o sinal e contavam com aliados angelicais. O
livro do Apocalipse deixa claro que, embora todo crente deva lutar contra
poderosas forças sobrenaturais, nenhum cristão jamais luta sozinho. Até o
fim dos tempos, Miguel e os anjos fiéis lutam do lado da Igreja – e isso, o
Apocalipse nos mostra, é o lado que vence.

A PRIMEIRA IGREJA DE CRISTO EM JERUSALÉM


Uma parte fascinante e muitas vezes negligenciada do registro histórico
é que a primeira estrutura da igreja cristã – situada no Monte Sião –
sobreviveu ao cerco e à destruição. Em 70 d.C., a Décima Legião de Roma
estava entre a igreja de Sião e os setores em chamas de Jerusalém. Em 130
d.C., quando Adriano chegou para reprimir a segunda revolta judaica,
Jerusalém ainda estava em ruínas, relatou São Epifânio, “exceto por algumas
casas e a pequena igreja de Deus no local onde os discípulos foram para o
cenáculo.”
De todos os locais sagrados dentro e ao redor da cidade santa, por que
Deus preservou o cenáculo? Segundo a tradição, este foi o lugar onde Jesus
instituiu a Eucaristia e o local onde o Espírito desceu no Pentecostes. Assim,
foi o lugar onde os cristãos foram nutridos pela primeira vez para a fome
iminente, onde foram selados pelo Espírito para segurança na destruição
vindoura. Esta mesma igreja parece ter sido preservada da destruição total de
Jerusalém.

SEMITAS ESPIRITUAIS
Mais uma vez, devemos enfrentar a questão de saber se o Apocalipse de
João - e mesmo o cristianismo em si — é antisemita ou antijudaico. Não é a
63

análise do Apocalipse da Guerra Judaica excessivamente dura? João estava


apenas chutando o Povo Escolhido enquanto eles estavam caídos?
Nossa resposta a essas perguntas deve ser um firme não. O
antisemitismo é estupidez espiritual e torna o Apocalipse sem sentido. Pois a
visão de João não faz sentido a menos que Israel seja o primogênito de todas
as nações. Como nosso irmão mais velho, Israel foi um exemplo para nós.
Você pode ver isso vividamente se você visitar Roma. Ali está o Arco de
Tito, o monumento erguido para celebrar a derrota dos judeus pelo general
romano. Esculpidas na pedra estão cenas de batalha e de soldados carregando
os despojos da destruição de Jerusalém.
Ali, em meio ao espólio, está a Menorá do Templo, as sete lâmpadas
douradas. As cenas no arco correspondem de maneira arrepiante à mensagem
de Jesus no Apocalipse: “Virei a ti e tirarei o teu candelabro do seu lugar, se
não te arrependeres” (Ap 2,5).
Lembre-se de que o próprio Jesus está no meio dos candelabros (veja
Ap 1:12–13); então remover a lâmpada era remover a própria presença de
Deus. No entanto, aqui o Senhor não estava falando a Jerusalém, mas à Igreja
de Éfeso, cujo amor por Ele havia esfriado. Ele advertiu os cristãos de Éfeso
que, a menos que mudassem seus caminhos, sofreriam o mesmo destino que
seu irmão mais velho, Israel.
A triste verdade é que Éfeso perdeu sua lâmpada, assim como Esmirna,
Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia – cada uma das igrejas
mencionadas no livro do Apocalipse. Por sua vez, cada uma dessas cidades,
outrora prósperos centros cristãos, sofreu a perda da fé. Hoje, todos são
predominantemente muçulmanos, e os católicos de lá precisam de permissão
especial apenas para celebrar a Missa.
Pense nisso: Éfeso foi o lar, por sua vez, da Bem-Aventurada Virgem
Maria, São João, São Paulo, São Barnabé, São Pedro. Timóteo, Apolo — um
verdadeiro hall da fama de personagens do Novo Testamento. No entanto,
Éfeso perdeu sua lâmpada, como Jerusalém antes e outras igrejas prósperas
depois.
Não, a derrota de Israel não é motivo de comemoração. Isso deve nos
fazer tremer – porque não apenas pode acontecer com os cristãos, mas
aconteceu repetidamente, e provavelmente acontecerá novamente. Se Israel,
o primogênito, falhou, também falharemos nós, irmãos mais novos, sempre
que ficarmos orgulhosos e autossuficientes.
Assim, repito, o antissemitismo e o antijudaísmo são espiritualmente
destrutivos e estúpidos. Nas palavras do Papa Pio XI: “Espiritualmente, somos
semitas”. Você não pode ser um bom católico até se apaixonar pela religião e
pelo povo de Israel.
64

ANDE UM CÔVADO EM SUAS SANDÁLIAS


Ainda assim, a velha Jerusalém teve que dar lugar à nova Jerusalém:
uma nova aliança, uma nova criação, um novo céu e uma nova terra. Depois
de dois mil anos, nós, cristãos, estamos confortáveis com essa noção –
confortáveis demais, na verdade. Mas se nos colocarmos imaginativamente no
tempo do Apocalipse de João, descobriremos que a própria ideia da queda de
Jerusalém nos deixa ansiosos. Afinal, Jerusalém era a cidade santa para os
filhos de Israel; e a maioria dos primeiros cristãos eram judeus. Eles tiveram
que enfrentar a destruição do Templo, o edifício mais bonito da terra, e o
desaparecimento de um sacerdócio que remontava a mais de mil anos,
estabelecido por Deus no Monte Sinai. O próprio Jesus chorou de amor por
Jerusalém, assim como os pais da cidade tramaram Sua execução. Para esses
primeiros cristãos, a destruição de Jerusalém foi motivo de intensa ansiedade.
No entanto, Jerusalém e o Templo estavam realmente passando diante
de seus olhos. Os cristãos precisavam de segurança. Eles exigiam uma
explicação. Eles estavam desesperados por uma revelação de Deus.
Por meio de João, Deus revelou Seu julgamento da aliança sobre a
antiga Jerusalém. A cidade havia despertado a ira por sua infidelidade,
crucificando o Filho de Deus e perseguindo a Igreja. Sabendo disso, os cristãos
puderam ver o contexto de sua própria perseguição e entender por que não
devem mais olhar para a antiga Jerusalém em busca de ajuda e salvação.
Agora eles devem olhar para a nova Jerusalém, que estava, diante dos
olhos de João, descendo do céu. Onde estava tocando? No monte Sião, onde
Jesus comeu sua última Páscoa e instituiu a Eucaristia. Monte Sião, onde o
Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos no Pentecostes. Monte Sião, onde os
cristãos até 70 d.C. se reuniram para celebrar a Eucaristia – e onde o Cordeiro
permaneceu com o remanescente fiel de Israel (Ap 14:1), que foi selado contra
a destruição iminente. A nova Jerusalém veio à terra, então como agora, no
lugar onde os cristãos celebravam o banquete do Cordeiro.

O CORDEIRO MATADOR
Na Missa, os primeiros cristãos encontravam forças em meio à
perseguição. Do único sacrifício perpétuo de Jesus Cristo viria a ajuda e a
salvação da Igreja. A Missa é onde os cristãos uniram forças com os anjos e
santos para adorar a Deus, como nos mostra o livro do Apocalipse. A Missa é
onde a Igreja recebeu “maná escondido” para sustento em tempos de provação
(veja Ap 2:17). A Missa é onde as orações dos santos na terra subiam como
incenso para se juntar às orações dos anjos no céu – e são essas orações que
alteraram o curso das batalhas e o curso da história. Esse é o plano de batalha
do Apocalipse. Foi assim que o cristianismo prevaleceu sobre inimigos
aparentemente imbatíveis, em Jerusalém e em Roma.
65

Mesmo após a queda de Jerusalém, outros adversários se levantariam


para perseguir a Igreja de Deus. Em todas as épocas, a Igreja enfrenta
poderosos perseguidores, com exércitos e armamentos cada vez mais
poderosos. No entanto, armas, legiões e estratégias falharão. Grandes
generais, em última análise, cairão em feridas mortais. Mas quando o Cordeiro
entra na briga, “Então os reis da terra e os grandes e os generais e os ricos e
os fortes, e todos, escravos e livres, se esconderam nas cavernas e entre as
rochas das montanhas, chamando aos montes e rochedos: “Caí sobre nós e
esconde-nos da face daquele que está assentado no trono e da ira do Cordeiro;
pois chegou o grande dia da ira deles, e quem pode suportá-lo?” (Ap 6:15-17).
A Igreja é o exército do Cordeiro, as forças de Sião preservadas após a
destruição de Jerusalém. O exército do Cordeiro se fortalece no banquete do
céu.
66

QUATRO - Dia do Julgamento


SUA MISERICÓRDIA É ASSUSTADORA
RECENTES GERAÇÕES de intérpretes se fixaram nas guerras e bestas
do Apocalipse, que são fascinantes porque são assustadoras. Os leitores têm
medos legítimos sobre como esse julgamento severo pode ser aplicado durante
sua própria vida. De fato, alguns rejeitaram os julgamentos do Apocalipse
como muito grotescos e escandalosos, e até mesmo irreconciliáveis com a ideia
de um Deus misericordioso.
No entanto, a justiça de Deus, como Sua misericórdia, aparece em toda
a Bíblia. É parte integrante de Sua auto revelação. Negar a força do julgamento
divino, então, é tornar Deus menos que Deus, e nos tornar menos que Seus
filhos. Pois todo pai deve disciplinar seus filhos, e a disciplina paterna é em si
uma misericórdia, uma expressão paterna de amor. Para entender o
julgamento do Apocalipse – e sua aplicação em nossas próprias vidas –
precisamos primeiro entender o vínculo da aliança que nos une a Deus Pai.
Uma aliança é um vínculo familiar sagrado. Podemos ver que Deus —
por meio de Suas alianças com Adão, Noé, Abraão, Moisés, Davi e Jesus —
gradualmente estendeu esse relacionamento familiar a mais e mais pessoas.
Com cada aliança veio uma lei; mas estes não foram atos arbitrários de poder;
eram expressões de sabedoria e amor paternos. Afinal, todo lar saudável tem
diretrizes claras para comportamentos aceitáveis e inaceitáveis. No entanto,
ainda mais do que isso, a lei de Deus nos permitiu amar como Ele mesmo
ama, crescer em nossa imitação da “família divina” da Santíssima Trindade.
Pois Pai, Filho e Espírito Santo vivem eternamente em perfeita paz e
comunhão.
Se a aliança de Deus nos torna Sua família, então o pecado significa
mais do que uma lei quebrada. Significa vidas desfeitas e um lar desfeito. O
pecado vem de nossa recusa em guardar a aliança, nossa recusa em amar a
Deus tanto quanto Ele nos ama. Por meio do pecado, abandonamos nossa
condição de filhos de Deus. O pecado mata a vida divina em nós.
O julgamento, então, não é um processo impessoal e legalista. É uma
questão de amor, e é algo que escolhemos para nós mesmos. Nem a punição
é um ato vingativo. As “maldições” de Deus não são expressões de ódio, mas
de amor paternal e disciplina. Como pomadas medicinais, eles machucam
para curar. Eles impõem sofrimento que é remediador, restaurador e redentor.
A ira de Deus é uma expressão de Seu amor por Seus filhos rebeldes.
Deus é amor (1 Jo 4:8), mas Seu amor é um fogo consumidor (Hb 12:29),
que os pecadores teimosos acham insuportável. A paternidade de Deus não
diminui a severidade de Sua ira nem rebaixa o padrão de Sua justiça. Pelo
contrário, um pai amoroso exige mais de seus filhos do que os juízes exigem
dos réus. No entanto, um bom pai também mostra maior misericórdia.
67

POSSO TER UMA TESTEMUNHA?


Precisamos dessa compreensão da aliança se quisermos entender os
julgamentos do Livro do Apocalipse. E não há como confundir a situação. A
visão de João não é meramente litúrgica, ou meramente real, ou meramente
militar. É tudo isso, mas também é jurídico. É uma cena de tribunal. Para os
cidadãos das democracias modernas, essa combinação pode parecer um caos;
mas devemos lembrar que, no antigo Israel, o rei era comandante e chefe do
exército, juiz supremo dos tribunais e, idealmente, também sumo sacerdote.
Como rei divino, Jesus cumpriu todos esses papéis por excelência. Assim,
quando João vê o céu, ele entrou simultaneamente no Templo, na sala do
trono, no campo de batalha e no tribunal.
Como em qualquer tribunal, o Apocalipse apresenta o testemunho de
testemunhas juramentadas. “E o anjo... levantou a mão direita ao céu e jurou
por Aquele que vive para sempre” (Ap 10:5-6). Mais tarde, no capítulo 11, o
tribunal convoca Moisés e Elias. Embora João não os mencione pelo nome, ele
sugere sua identidade falando dos poderes que esses homens demonstraram
no Antigo Testamento: no caso de Elias, o poder de fechar o céu e invocar fogo;
no caso de Moisés, a capacidade de transformar água em sangue e invocar
pragas. Estas duas testemunhas (Ap 11:3) representam toda a Lei (Moisés) e
todos os profetas (Elias). Por sua presença, eles testificam que o povo de Israel
conhecia muito bem as obrigações de sua aliança com Deus e as
consequências de sua infidelidade.
Outras testemunhas testemunham dando suas vidas. Em grego, a
palavra para “testemunha” é martus, de onde vem a palavra “mártir”. Assim,
no capítulo 6, encontramos “as almas daqueles que foram mortos por causa
da palavra de Deus e do testemunho que deram” (v. 9).
Essas testemunhas chamam o juiz para uma rápida execução da
sentença: “Ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, até quando julgarás e
vingarás o nosso sangue sobre os que habitam sobre a terra” (6:9-10). Já que
clamam do altar, sabemos que seu testemunho é verdadeiro e que será ouvido.
Mas contra quem eles estão testemunhando? Para responder a essa pergunta,
devemos considerar qual cidade foi a fonte e o centro da perseguição na
primeira geração da Igreja – e essa foi Jerusalém.

ATINGIDA PELA DÚVIDA


Jerusalém, ao que parece, está sendo julgada. Deus aparece como juiz
(20:11), auxiliado por anjos que se sentam em vinte tronos (20:4). Ao longo do
Apocalipse, os anjos também executam a sentença, precipitando a destruição
de Jerusalém, junto com seus habitantes e seu Templo. João retrata este
evento em termos de uma terrível Páscoa. Sete anjos derramam os cálices da
ira de Deus, que resultam em sete pragas. O esvaziamento dos cálices (às
vezes traduzidos como “copos” ou “tigelas”) é uma ação litúrgica, uma libação
68

derramada sobre a terra, como o vinho era derramado sobre o altar do antigo
Israel.
À luz do cumprimento da Páscoa na Eucaristia, esta imagem torna-se
ainda mais impressionante. As pragas ocorrem nos capítulos 15-17 dentro de
um cenário litúrgico: os anjos aparecem com harpas, vestidos como
sacerdotes no templo celestial, cantando o cântico de Moisés e o cântico do
Cordeiro (cap. 15). Esta liturgia significa morte para os inimigos de Deus, mas
salvação para Sua Igreja. Assim, os anjos clamam: “Porque os homens
derramaram o sangue dos santos e dos profetas, e você lhes deu sangue para
beber. É o que lhes é devido!” (Ap 16:6).
A Páscoa, a Eucaristia e a liturgia celestial, portanto, são espadas de
dois gumes. Enquanto os cálices da aliança trazem vida aos fiéis, eles
significam morte certa para aqueles que rejeitam a aliança. Na nova aliança,
como na antiga, Deus dá ao homem a escolha entre a vida e a morte, a bênção
e a maldição (cf. Dt 30,19). Escolher a aliança é escolher a vida eterna na
família de Deus. Rejeitar a nova aliança no sangue de Cristo é escolher a
própria morte. Jerusalém fez essa escolha, na Páscoa de 30 d.C. Na época
dessa Páscoa, Jesus predisse o fim do mundo em termos assustadores e disse:
“Verdadeiramente, esta geração não passará até que todas essas coisas
aconteçam” (Mt 24). :34). Uma geração para os antigos (em grego, genea) era
quarenta anos. E quarenta anos depois, em 70 d.C., um mundo acabou com
a queda de Jerusalém.

FRUTOS PROIBIDOS: AS VINHAS DA IRA


Por que um Deus misericordioso puniria dessa maneira? Como
poderíamos atribuir tal ira ao Cordeiro divino, a própria imagem da brandura?
Porque a ira de Deus é uma misericórdia. Mas para entender esse paradoxo,
primeiro precisamos explorar a psicologia do pecado, com alguma ajuda de
São Paulo.
O uso da palavra “ira” por Paulo em sua Carta aos Romanos é
esclarecedor: “Pois a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e
maldade dos homens que pela sua maldade suprimem a verdade. Pois o que
pode ser conhecido sobre Deus é claro para eles, porque Deus mostrou a eles...
Então eles estão sem desculpa; pois, embora conhecessem a Deus, não o
honraram como Deus nem lhe deram graças, mas tornaram-se fúteis em seus
pensamentos e suas mentes insensatas foram obscurecidas” (Rm 1:18-21).
Isso poderia muito bem resumir o “caso” contra Jerusalém apresentado
na corte celestial: Deus deu a Israel Sua revelação, na verdade a plenitude de
Sua revelação em Jesus Cristo; contudo, o povo não O honrou nem lhe deu
graças; eles suprimiram a verdade matando Jesus e perseguindo Sua Igreja.
Assim, “a ira de Deus é revelada” (“apocalipse”) contra Jerusalém.
O que aconteceu então? Continuamos a ler em Romanos: “Por isso Deus
os entregou à impureza nas concupiscências dos seus corações, à desonra dos
69

seus corpos entre si” (Rm 1:24). Espere um minuto: Deus os entrega aos seus
vícios? Ele os deixa continuar pecando?

VICIADO EM UMA FRAQUEZA


Bem, sim, e isso é uma terrível manifestação da ira de Deus. Podemos
pensar que os prazeres do pecado são preferíveis ao sofrimento e à
calamidade, mas não são.
Temos que reconhecer o pecado como a ação que destrói nosso vínculo
familiar com Deus e nos afasta da vida e da liberdade. Como isso acontece?
Temos a obrigação, primeiro, de resistir à tentação. Se falharmos e pecarmos,
temos a obrigação de nos arrepender imediatamente. Se não nos
arrependermos, então Deus nos permite seguir nosso caminho: Ele nos
permite experimentar as consequências naturais de nossos pecados, os
prazeres ilícitos. Se ainda não nos arrependermos - por meio de abnegação e
atos de penitência - Deus nos permite continuar no pecado, formando assim
um hábito, um vício, que obscurece nosso intelecto e enfraquece nossa
vontade.
Uma vez que estamos viciados em um pecado, nossos valores são
virados de cabeça para baixo. O mal se torna nosso “bem” mais urgente, nosso
anseio mais profundo; o bem permanece como um “mal” porque ameaça nos
impedir de satisfazer nossos desejos ilícitos. Nesse ponto, o arrependimento
se torna quase impossível, porque o arrependimento é, por definição, um
afastamento do mal e em direção ao bem; mas, agora, o pecador redefiniu
completamente tanto o bem quanto o mal. Isaías disse de tais pecadores: “Ai
dos que ao mal chamam bem e ao bem mal” (Is 5:20).
Uma vez que tenhamos abraçado o pecado dessa maneira e rejeitado
nossa aliança com Deus, somente uma calamidade pode nos salvar. Às vezes,
a coisa mais misericordiosa que Deus pode fazer a um bêbado, por exemplo,
pode ser permitir que ele estrague seu carro ou seja abandonado por sua
esposa – o que quer que o obrigue a aceitar a responsabilidade por suas ações.
O que acontece, porém, quando uma nação inteira cai em pecado sério
e habitual? O mesmo princípio está em ação. Deus intervém permitindo a
depressão econômica, conquista estrangeira ou catástrofe natural. Muitas
vezes, uma nação provoca esses desastres por seus pecados. Mas, em
qualquer caso, eles são os mais misericordiosos dos alertas. Às vezes, o
desastre significa que o mundo que os pecadores conheciam deve desaparecer.
Mas, como Jesus disse: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e
perder a sua vida?” (Mc 8:36). É melhor se despedir de um mundo de pecado
do que se perder sem esperança de arrependimento.
Quando as pessoas leem o Apocalipse, ficam assustadas com os
terremotos, gafanhotos, fomes e escorpiões. Mas a única razão pela qual Deus
permitiria essas coisas é porque Ele nos ama. O mundo é bom - não se engane
sobre isso - mas o mundo não é Deus. Se permitimos que o mundo e seus
70

prazeres nos governem como um deus, a melhor coisa que o verdadeiro Deus
pode fazer é começar a tirar as pedras que constituem a base do nosso mundo.

ORDEM NO TRIBUNAL
No entanto, um mundo melhor aguarda os justos e os sinceramente
arrependidos. Viver uma vida boa não é viver livre de problemas, mas viver
livre de preocupações desnecessárias. Catástrofes acontecem aos cristãos,
assim como coisas boas parecem acontecer às pessoas más. No entanto, para
um cristão praticante, até mesmo os desastres são bons; porque servem para
nos purificar de nossos apegos a este mundo. Somente quando falirmos,
talvez, deixaremos de nos preocupar com dinheiro. Somente quando formos
abandonados por nossos amigos, deixaremos de tentar impressioná-los.
Quando o dinheiro acabar, podemos recorrer à única coisa que ninguém pode
tirar: nosso Deus. Quando nossos amigos não retornam nossas ligações,
podemos, finalmente, recorrer ao amigo imutável — a quem não podemos
impressionar, porque Ele nos conhece completamente.
Pois, como revela o Apocalipse, o Juiz tem os bens sobre nós. O
julgamento não é apenas para Jerusalém. “Também foi aberto outro livro, que
é o livro da vida. E os mortos foram julgados pelo que estava escrito nos livros,
pelo que haviam feito” (20:12). Um dia, você e eu seremos contados entre “os
mortos” e seremos julgados pelo que fizemos.
Em outra parte do Apocalipse, vemos que os santos entram no céu e
“suas obras os seguem” (14:13). Nossas obras são essenciais para nossa
salvação; na verdade, elas serão a matéria do nosso julgamento.
Além do mais, não temos que esperar até que estejamos mortos para
sermos julgados. Estamos diante do tribunal sempre que nos aproximamos
do céu, como fazemos em todas as Missas. Então, também, imploramos a
misericórdia perfeita, que é a justiça perfeita, de nosso Pai celestial. Então,
também, nos ligamos pela aliança com Deus. Então, também, recebemos o
cálice – para nossa salvação ou para nosso julgamento.
Devemos recordar o julgamento do Apocalipse sempre que ouvimos as
palavras da instituição, que são as palavras de Jesus: “Este é o cálice do meu
sangue, o sangue da nova e eterna aliança”.
71

O APOCALIPSE NA MISSA
PARTE TRÊS
UM - Levantando o Véu, COMO VER OS INVISÍVEIS
CRISTÃOS UCRANIANOS adoram contar a história de como seus
ancestrais “descobriram” a liturgia. Em 988, o príncipe Vladimir de Kiev, ao
se converter ao Evangelho, enviou emissários a Constantinopla, capital da
cristandade oriental. Lá eles testemunharam a liturgia bizantina na catedral
da Santa Sabedoria, a maior igreja do Oriente. Depois de experimentar o
canto, o incenso, os ícones – mas, sobretudo, a Presença – os emissários
mandaram dizer ao príncipe: “Não sabíamos se estávamos no céu ou na terra.
Nunca vimos tanta beleza... Não podemos descrevê-lo, mas podemos dizer o
seguinte: ali Deus habita entre os homens”.
A presença. Em grego, a palavra é Parousia, e transmite um dos temas-
chave do livro do Apocalipse. Nos últimos séculos, os intérpretes usaram a
palavra quase exclusivamente para denotar a Segunda Vinda de Jesus no final
dos tempos. Essa é a única definição que você encontrará na maioria dos
dicionários de inglês. No entanto, não é o significado primário. O significado
primário de Parousia é uma presença real, pessoal, viva, duradoura e ativa.
Na última linha do Evangelho de Mateus, Jesus promete: “Estarei sempre com
vocês”.
Apesar de nossas redefinições, o Livro do Apocalipse capta aquele
poderoso sentido da iminente Parousia de Jesus – Sua vinda que ocorre agora
mesmo. O Apocalipse nos mostra que Ele está aqui em plenitude – na realeza,
no julgamento, na guerra, no sacrifício sacerdotal, em Corpo e Sangue, Alma
e Divindade – sempre que os cristãos celebram a Eucaristia.
“A liturgia é a Parousia antecipada, o 'já' entrando em nosso 'ainda não'”,
escreveu o Cardeal Joseph Ratzinger. Quando Jesus vier novamente no fim
dos tempos, Ele não terá uma única gota a mais de glória do que Ele tem agora
nos altares e nos tabernáculos de nossas igrejas. Deus habita entre a
humanidade, agora mesmo, porque a Missa é o céu na terra.

OFICIALMENTEPARA
Quero deixar claro que essa ideia — a ideia por trás deste livro — não é
nova, e certamente não é minha. É tão antiga quanto a Igreja, e a Igreja nunca
a abandonou, embora a ideia tenha se perdido no emaranhado de
controvérsias doutrinárias ao longo dos últimos séculos. Nem podemos
descartar tal conversa como os desejos piedosos de um punhado de santos e
estudiosos. Pois a ideia da Missa como “céu na terra” é agora o ensinamento
explícito da fé católica.
Você vai encontrá-lo em vários lugares, por exemplo, na declaração mais
fundamental da crença católica, o Catecismo da Igreja Católica:
72

Cristo, de fato, sempre associa a Igreja a Si mesmo nesta grande


obra [a liturgia] na qual Deus é perfeitamente glorificado e os
homens são santificados. A Igreja é a sua Esposa amada que
clama ao seu Senhor e por Ele presta culto ao Pai eterno...
[adoração] que participa da liturgia do céu (n. 1089).

Nossa liturgia participa da liturgia do céu! Isso está no Catecismo! E


tem mais:

a liturgia é uma “ação” de todo o Cristo. . . Aqueles que ainda


hoje a celebram sem sinais já estão na liturgia celeste... (nº
1136).

Na Missa, já estamos no céu! Não sou apenas eu que estou dizendo isso,
ou um punhado de teólogos mortos. O Catecismo assim o diz. O Catecismo
também cita a mesma passagem do Vaticano II que me tocou tão fortemente
nos meses anteriores à minha conversão à fé católica:

Na liturgia terrena partilhamos uma amostra daquela liturgia


celestial que é celebrada na Cidade Santa de Jerusalém, para a
qual caminhamos como peregrinos, onde Cristo está sentado à
direita de Deus, Ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo. Com todos os guerreiros do exército celestial
cantamos um hino de glória ao Senhor... (nº 1090).

Guerreiros, hinos e cidades sagradas. Agora, isso está começando a soar


como o Livro do Apocalipse, não é? Bem, deixe o Catecismo trazer isso para
casa:

A Revelação de “o que deve acontecer em breve”, o Apocalipse, é


levado pelos cânticos da liturgia celestial...
[A] Igreja na terra também canta esses cânticos com fé em meio
à provação... (nº 2642).

Tudo isso o Catecismo afirma com naturalidade, como se devesse ser


auto evidente. No entanto, para mim, a percepção mudou minha vida. Para
meus amigos e colegas também – e qualquer outra pessoa que eu possa
encurralar por tempo suficiente para entregar um monólogo – essa ideia, de
que a Missa é “o paraíso na terra”, chega como uma boa nova.

SENHOR JESUS, VENHA EM GLÓRIA


Se queremos ver a liturgia como os emissários do príncipe Vladimir a
viam, devemos aprender a ver o Apocalipse como a Igreja o vê. Se quisermos
entender o Apocalipse, temos que aprender a lê-lo com uma imaginação
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sacramental. Quando olharmos novamente para esses assuntos, agora com


novos olhos de fé, veremos o sentido em meio à estranheza no livro do
Apocalipse, veremos a glória escondida no mundano na Missa do próximo
domingo. O fio de ouro da liturgia é o que mantém unidas as pérolas
apocalípticas da visão de João:
Missa dominical 1,10
Sumo sacerdote 1,13
Altar 8,3-4; 11,1; 14,18
Sacerdotes (presbyteroi) 4,4; 11,15; 14,3;19,4
Paramentos 1,13; 4,4; 6,11; 7,9; 15,6; 19,13-14
Celibato consagrado 14,4
Candelabros 1,12; 2,5
Penitência caps. 2 e 3
Incenso (perfume) 5,8; 8,3-5
O livro 5,1
A hóstia eucarística 2,17
Taças (cálices) 15,17; 16; 21,9
O sinal da cruz (o tav) 7,13; 14,1; 22, 4
O glória 15, 3-4
O aleluia 19,1.3.4.6
Corações ao alto! 11,12
O "Santo, Santo, Santo" 4,8
O Amém 19,4; 22,20
O "Cordeiro de Deus" 5,6 e em todo o livro
A proeminência da Virgem Maria 12,1-6.13-17
Intercessão dos anjos e Santos 5,8; 6,9-10; 8,3-4
Devoção a São Miguel Arcanjo 12,7
Antífona 4,8-11; 5,9-14; 7,1-12; 18,1-8
Leitura das Escrituras 2-3; 5; 8,2-11
O sacerdócio dos fiéis 1,6; 20,6
Catolicidade ou universalidade 7,9
Contemplação silenciosa 8,1
O banquete das núpcias do Cordeiro 19,9.17

Juntos, esses elementos compreendem grande parte do Apocalipse — e


a maior parte da Missa.
Outros elementos litúrgicos no Apocalipse são mais fáceis de perder
para os leitores modernos. Por exemplo, poucas pessoas hoje sabem que
trombetas e harpas eram os instrumentos padrão para a música litúrgica nos
dias de João, como os órgãos são hoje no Ocidente. E ao longo da visão de
João, os anjos e Jesus pronunciam bênçãos usando fórmulas litúrgicas
padrão: “Bem-aventurado aquele que ...” Se você voltar e ler Apocalipse de
ponta a ponta, também notará que todas as grandes intervenções históricas
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de Deus – pragas, guerras e assim por diante – seguem de perto as ações


litúrgicas: hinos, doxologias, libações, perfumes espalhados.
No entanto, a Missa não é apenas em pequenos detalhes selecionados.
Está no grande esquema também. Podemos ver, por exemplo, que o
Apocalipse, como a Missa, se divide perfeitamente ao meio. Os primeiros onze
capítulos tratam da proclamação das cartas às sete igrejas e da abertura do
rolo. Essa ênfase nas “leituras” torna a Primeira Parte uma correspondência
próxima para a Liturgia da Palavra. Significativamente, os três primeiros
capítulos do Apocalipse marcam uma espécie de Rito Penitencial; nas sete
cartas às igrejas, Jesus usa a palavra “arrepender-se” oito vezes.
Para mim, isso lembra as palavras da antiga Didache, o manual litúrgico
do primeiro século: “primeiro confesse suas transgressões, para que seu
sacrifício seja puro”. Mesmo a abertura de João assume que o livro será lido
em voz alta por um leitor dentro da assembleia litúrgica: “Bem-aventurado
aquele que lê em voz alta as palavras desta profecia, e bem-aventurados os
que ouvem” (Ap 1:3).
A segunda metade de Apocalipse começa no capítulo 11 com a abertura
do templo de Deus no céu e culmina com o derramamento dos sete cálices e
a ceia das bodas do Cordeiro. Com a abertura do céu, os cálices e o banquete,
a segunda parte oferece uma imagem marcante da Liturgia da Eucaristia.

TURÍBULOS EXTRASENSORIAIS?
No Apocalipse, João descreve cenas celestiais em termos gráficos e
terrenos, e temos todo o direito de perguntar por quê. Por que retratar a
adoração espiritual – que certamente não envolve harpas ou incensários – com
impressões sensoriais tão vívidas? Por que não usar figuras matemáticas,
como outros místicos antigos faziam, para que os leitores entendessem a
natureza verdadeiramente esotérica, transcendente e imaterial da adoração
celestial?
Suspeito que Deus revelou a adoração celestial em termos terrenos para
que os humanos – que, pela primeira vez, foram convidados a participar da
adoração celestial – soubessem como fazê-lo.
Não estou dizendo que a Igreja ficou sentada esperando o Apocalipse
cair do céu, para que os cristãos soubessem como adorar. Não, os Apóstolos
e seus sucessores estavam celebrando a liturgia desde Pentecostes, pelo
menos. No entanto, o Apocalipse também não é meramente um eco de uma
liturgia já estabelecida, uma projeção no céu do que está acontecendo na
terra.
O Apocalipse é uma revelação; esse é o significado literal da palavra
grega apokalypsis.
O livro é uma reflexão visionária que revela uma norma. Com a
destruição de Jerusalém, a Igreja estava deixando definitivamente para trás
um belo templo, uma cidade santa e um venerável sacerdócio. Sim, os cristãos
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estavam abraçando uma Nova Aliança, que de alguma forma concluía a


antiga, mas de alguma forma também incluía a antiga. O que eles devem trazer
com eles, do antigo culto ao novo? O que eles devem deixar para trás? O
Apocalipse lhes deu orientação.
Algumas coisas foram claramente substituídas na nova dispensação.
Israel marcou sua aliança circuncidando os meninos no oitavo dia; a Igreja
selou a Nova Aliança pelo batismo. Israel celebrava o sábado como um dia de
descanso e adoração; a Igreja celebrou o dia do Senhor, domingo, o dia da
ressurreição. Israel recordava a antiga Páscoa uma vez por ano; a Igreja
reencenou a Páscoa definitiva de Jesus Cristo em sua celebração da
Eucaristia.
No entanto, Jesus não pretendia acabar com tudo o que estava na
Antiga Aliança; é por isso que Ele estabeleceu uma Igreja. Ele veio para
intensificar, internacionalizar e internalizar o culto a Israel. Assim, a
encarnação investiu muitas das pompas da Antiga Aliança com maiores
capacidades. Por exemplo, não haveria mais um santuário central na terra.
O Apocalipse mostra que Cristo Rei está entronizado no céu, onde atua como
sumo sacerdote no Santo dos Santos. Mas isso significa que a Igreja não pode
ter edifícios, oficiais, castiçais, cálices ou vestimentas? Não. A resposta clara
do Apocalipse é que podemos ter tudo isso – tudo isso e o céu também.

A AURA DE SIÃO
Mas todos sabiam onde encontrar Jerusalém. Onde eles encontrariam
o céu? Aparentemente, não muito longe da antiga Jerusalém. A Carta aos
Hebreus diz: “Mas vocês chegaram ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a
Jerusalém celestial, e a inúmeros anjos reunidos em festas, e à assembleia
dos primogênitos que estão inscritos nos céus, e ao juiz que é Deus de todos,
e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o mediador de uma nova
aliança, e ao sangue da aspersão, que fala mais graciosamente do que o
sangue de Abel” (Hb 12:21). -24).
Esse pequeno parágrafo resume perfeitamente todo o Apocalipse: a
comunhão de santos e anjos, a festa, o julgamento e o sangue de Cristo. Mas
onde isso nos deixa?
Exatamente onde o Apocalipse nos deixou: “Então olhei, e eis que no
monte Sião estava o Cordeiro, e com ele cento e quarenta e quatro mil que
tinham o nome dele e o nome de seu pai escrito em suas testas” (Ap 14:1) .
Todas as nossas estradas bíblicas parecem levar à cidade do Rei Davi, o Monte
Sião. Deus abençoou Sião abundantemente na Antiga Aliança. “Pois o Senhor
escolheu Sião; Ele a desejou para Sua habitação: “Este é o meu lugar de
descanso para sempre; aqui habitarei'” (Sl 132:13-14). “Coloquei o meu rei em
Sião, o meu monte santo” (Sl 2,6). Em Sião, Deus estabeleceria a casa real de
Davi, cujo reino duraria por todas as eras. Lá, o próprio Deus habitaria para
sempre entre Seu povo.
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Lembre-se que Sião também foi o lugar onde Jesus instituiu a


Eucaristia e onde o Espírito Santo desceu no Pentecostes. Assim, o “monte
santo” foi ainda mais favorecido na segunda dispensação. A Última Ceia e
Pentecostes foram os dois eventos que selaram a Nova Aliança.
Observe, também, que o remanescente de Israel, os 144.000 em
Apocalipse 14, aparecem no Monte Sião – embora em Apocalipse 7 eles sejam
mostrados na Jerusalém celestial. Essa é uma discrepância estranha. Onde
eles estavam, realmente: em Sião ou no céu? Olhe novamente para Hebreus
12 para a resposta: “você veio ao monte Sião ... a Jerusalém celestial”. O Monte
Sião é a Jerusalém celestial, porque os eventos que ocorreram são o que
trouxeram a união definitiva do céu e da terra.
A igreja no local desses eventos sobreviveu à destruição de Jerusalém,
mas apenas como um sinal. Para os cristãos da Judéia, o local do cenáculo
era a “pequena igreja de Deus” dedicada ao rei Davi e São Tiago, o primeiro
bispo de Jerusalém. Era uma “igreja doméstica”, onde os crentes se reuniam
para partir o pão e orar. Além disso, no entanto, Sião tornou-se o símbolo vivo
da Nova Aliança, e foi assim que foi consagrada para sempre no Livro do
Apocalipse. Sião é um símbolo do nosso ponto terreno de contato com o céu.
Hoje, embora estejamos a milhares de quilômetros daquela pequena
colina em Israel, estamos lá com Jesus no cenáculo, e estamos lá com Jesus
no céu, sempre que vamos à missa.

PRIMEIRO VEM O AMOR, DEPOIS VEM O CASAMENTO


Isto é o que foi revelado no livro do Apocalipse: a união do céu e da terra,
consumada na Sagrada Eucaristia. A primeira palavra do livro sugere isso. O
termo apokalypsis, geralmente traduzido como “revelação”, significa
literalmente “desvelar”. Na época de João, os judeus costumavam usar
apocalipse para descrever parte de suas festividades de casamento de uma
semana.
O apocalipse era o levantamento do véu de uma noiva virgem, que
acontecia imediatamente antes do casamento ser consumado em união
sexual. E era a isso que João queria chegar. Tão próxima é a unidade do céu
e da terra que é como a união frutífera e extática de marido e mulher
apaixonados. São Paulo descreve a Igreja como a noiva de Cristo (veja Ef 5) –
e o Apocalipse revela essa noiva. O clímax do Apocalipse, então, é a comunhão
da Igreja e Cristo: a ceia das bodas do Cordeiro (Ap 19:9). A partir desse
momento, o homem se levanta da terra para adorar no céu. “Então eu me
prostrei aos pés [do anjo] para adorá-lo”, escreve João, “mas ele me disse:
“Você não deve fazer isso! sou conservo teu e de teus irmãos que guardam o
testemunho de Jesus” (Ap 19:10). Lembre-se de que a tradição de Israel
sempre teve homens adorando imitando os anjos. Agora, como mostra o
Apocalipse, tanto o céu quanto a terra participam juntos de um único ato de
adoração amorosa.
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Este apocalipse, ou revelação, aponta de volta para a cruz. Mateus relata


que, quando Jesus morreu, “a cortina [ou véu] do Templo se rasgou em duas,
de alto a baixo” (27:51). Assim, o santuário de Deus foi “apocalipsado”,
revelado, Sua morada não mais reservada apenas ao sumo sacerdote. A
redenção de Jesus revelou o Santo dos Santos, abrindo a presença de Deus
para todos. O céu e a terra podiam agora abraçar-se em amor íntimo.

A VELHA ESCOLA
As antigas liturgias estavam impregnadas com a linguagem do céu na
terra. A Liturgia de São Tiago declara: “fomos considerados dignos de entrar
no lugar do tabernáculo da Tua glória, e estar dentro do véu, e contemplar o
Santo dos Santos”. A Liturgia dos Santos Addai e Mari acrescenta: “Que
maravilha hoje é este lugar! Pois esta não é outra senão a casa de Deus e a
porta do céu; porque foste visto face a face, ó Senhor”.
São Cirilo de Jerusalém (século V) oferece uma profunda meditação
sobre a linha “Corações ao alto!” “Na verdade”, diz ele, “naquela hora mais
incrível, devemos ter nossos corações no alto com Deus, e não abaixo,
pensando na terra e nas coisas terrenas. O Sacerdote ordena a todos naquela
hora que deixem todos os cuidados desta vida, ou preocupações domésticas,
e tenham seus corações no céu com o Deus misericordioso”.
De fato, devemos ser como São João em Patmos, quando ele ouviu a voz
do céu dizer: “Suba aqui” (veja Ap 11:12). Isso é o que significa “Elevem seus
corações!” Significa abrir nossos corações para o céu que está diante de nós,
assim como São João fez. Eleve seus corações, então, para adorar no Espírito.
Pois, na liturgia, diz o Liber Graduum do século IV, “o corpo é um templo
oculto, e o coração é um altar oculto para o ministério no Espírito”.
Primeiro, porém, devemos buscar ativamente a lembrança. São Cirilo
continua: “Mas não venha aqui ninguém que possa dizer com sua boca:
'Elevamos nossos corações ao Senhor', mas tenha sua mente preocupada com
os cuidados desta vida. Em todos os momentos, Deus deve estar em nossa
memória. Mas se isso for impossível por causa da fragilidade humana,
devemos pelo menos fazer o esforço naquela hora.”
Simplificando, devemos prestar atenção à frase compacta da liturgia
bizantina: “Sabedoria! Esteja atento!”

TOC, TOC
Sim, fique atento! Porque o Apocalipse está revelando mais do que
“informação”. É um convite pessoal, destinado a você e a mim desde toda a
eternidade. A Revelação de Jesus Cristo tem um impacto imediato e
avassalador em nossas vidas. Nós somos a noiva de Cristo revelada; nós
somos Sua Igreja. E Jesus quer que cada um de nós entre no relacionamento
mais íntimo imaginável com Ele. Ele usa imagens de casamento para
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demonstrar o quanto Ele nos ama, o quão próximos Ele quer que fiquemos –
e o quão permanente ele pretende que nossa união seja.
Eis que Deus faz novas todas as coisas. O Livro do Apocalipse não é tão
estranho quanto parece, e a Missa é mais rica do que jamais sonhamos. O
Apocalipse é tão familiar quanto a vida que vivemos; e mesmo a missa mais
monótona é subitamente pavimentada com ouro e joias brilhantes.
Você e eu precisamos abrir nossos olhos e redescobrir esse segredo há
muito perdido da Igreja, a chave dos primeiros cristãos para entender os
mistérios da Missa, a única chave verdadeira para os mistérios do Apocalipse.
“É nesta eterna liturgia que o Espírito e a Igreja nos permitem participar
sempre que celebramos o mistério da salvação nos sacramentos” (Catecismo,
n. 1139).
Nós vamos para o céu – não apenas quando morremos, ou quando
vamos a Roma, ou quando fazemos uma peregrinação à Terra Santa. Nós
vamos para o céu quando vamos à Missa. Isso não é meramente um símbolo,
não é uma metáfora, não é uma parábola, não é uma figura de linguagem. É
real. No século IV, Santo Atanásio escreveu: “Meus amados irmãos, não é uma
festa temporal que chegamos, mas uma festa eterna e celestial. Não o exibimos
nas sombras; nós o abordamos na realidade.”
O paraíso na terra — isso é realidade! É onde você estava e onde você
jantou no domingo passado! O que você estava pensando então?
Pense no que o Senhor queria que você pensasse. Considere Seus
convites do Livro do Apocalipse: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas. Ao vencedor darei do maná escondido” (2:17). O que é o maná
escondido?
Lembre-se da promessa que Jesus fez quando falou do “maná” no
Evangelho de João: “Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram.
Este é o pão que desce do céu, para que o homem coma dele e não morra. Eu
sou o pão vivo que desceu do céu” (6:49-51). O maná era o pão diário do povo
de Deus durante sua peregrinação no deserto. Agora, Jesus está oferecendo
algo maior, e Ele é bem específico sobre Seu convite: “Eis que estou à porta e
bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e
cearei com ele, e ele comigo” (3:20).
Então Jesus realmente tem uma refeição em mente; Ele quer
compartilhar o maná escondido conosco, e Ele é o maná escondido. Em
Apocalipse 4:1, vemos, também, que este é mais do que um jantar íntimo para
dois. Jesus estava na porta e bateu, e agora a porta está aberta.
João entra no “Espírito” para ver sacerdotes, mártires e anjos reunidos
ao redor do trono do céu.
Com João, descobrimos que o banquete do céu é uma refeição em
família. Agora, com olhos de fé – e “no Espírito” – comecemos a ver que o
Apocalipse nos convida a um banquete celestial, a um abraço de amor, a Sião,
ao julgamento, à batalha. À Missa.
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DOIS - Adoração é Luta


O QUE VOCÊ VAI ESCOLHER: LUTAR OU FUGIR?
“O GENÊRO HUMANO”, disse o poeta TS Eliot, “não pode suportar
muita realidade”. Não precisamos ir muito longe para provar essa afirmação.
A vida real, hoje, é de onde as pessoas fogem, uma a uma, cada uma se
refugiando em sua distração particular. As rotas de fuga variam de drogas e
álcool a romances e jogos de realidade virtual.
O que há na realidade que a humanidade acha tão insuportável? É a
enormidade do mal, sua aparente onipresença e poder, e nossa própria
aparente incapacidade de escapar dele – na verdade, nossa incapacidade de
evitar perpetrar o mal. O inferno, ao que parece, está em toda parte — numa
imitação falsa da onipresença de Deus — ameaçando nos consumir, nos
sufocar.
Esta é a realidade que não podemos suportar. No entanto, esta é a dura
e terrível realidade que João retratou, sem vacilar, no Apocalipse. As feras de
João parecem monstruosas, além das imaginações mais sombrias de
Hollywood, mordendo a presa mais inocente e vulnerável: uma mulher
grávida, um menino. Eles desprezam a natureza e a graça, a Igreja e o estado.
Eles podem varrer um terço das estrelas do céu. Eles são o poder por
trás do trono nas nações e impérios. Eles se fortalecem com a imoralidade das
pessoas que seduzem; eles se embriagam com o “vinho” da fornicação,
ganância e poder abusivo de suas vítimas.

LUTAR OU FUGIR?
Diante de tal oposição, devemos escolher: lutar ou fugir. Este é um
instinto humano básico. Além disso, após uma avaliação superficial de nossos
próprios recursos aparentes e dos recursos aparentes do inimigo, “fugir” pode
parecer a escolha razoável. De acordo com os mestres espirituais, no entanto,
a fulga não é uma opção real. Em sua obra clássica, O Combate Espiritual,
Dom Lorenzo Scupoli escreveu: “Esta guerra é inevitável, e você deve lutar ou
morrer. A obstinação de seus inimigos é tão feroz que a paz e a arbitragem
com eles são totalmente impossíveis”. Resumindo: podemos fugir do mal, mas
não podemos nos esconder.
Além disso, não podemos subir ao céu se fugirmos da batalha. Deus nos
destinou, a Igreja, para ser a Noiva do Cordeiro. No entanto, não podemos
governar se não conquistarmos primeiro as forças que se opõem a nós, os
poderes que pretendem nosso trono.
O que devemos fazer? Devemos dar uma olhada ao nosso redor, depois
de levantar o véu da mera visão humana. João revela as notícias mais
encorajadoras para os cristãos em batalha. Dois terços dos anjos estão do
nosso lado, lutando constantemente, mesmo enquanto dormimos. São Miguel
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Arcanjo, o guerreiro mais feroz do céu, é nosso aliado incansável e imbatível.


Todos os santos no céu clamam constantemente ao Deus Todo-Poderoso por
nossa justiça. E – o mais encorajador de tudo – no final nós vencemos! João
vê a batalha da perspectiva da eternidade, então ele pode revelar o final tão
vividamente quanto descreve as baixas. As batalhas são tão ferozes que os rios
correm vermelhos de sangue e os cadáveres jazem apodrecendo em pilhas nas
ruas. No entanto, os vencedores entram em uma cidade cujos rios correm com
água viva e cujo sol nunca se põe.
Ouça novamente o padre Scupoli: “se a fúria de seus inimigos é grande
e seu número é esmagador, o amor que Deus tem por você é infinitamente
maior. O anjo que te protege e os santos que intercedem por ti são mais
numerosos”.

PÁGINAS DA SOCIEDADE
Podemos contar com a ajuda do céu. Quem pode pedir maior
segurança? No entanto, muitas vezes fazemos. Muitos cristãos continuam
preocupados porque percebem que Jesus de alguma forma “demorou” em vir
para ajudá-los. Isso parece especialmente verdadeiro quando eles olham para
a degeneração da sociedade.
O mundo, às vezes, parece firmemente nas mãos das forças do mal, e
apesar das orações dos cristãos, o mal permanece e até prospera. Ainda assim,
o Apocalipse mostra que são os santos e anjos que dirigem a história por meio
de suas orações. Mais do que Washington, DC, mais do que as Nações Unidas,
mais do que Wall Street, mais do que qualquer lugar que você possa citar, o
poder pertence aos santos do Altíssimo reunidos ao redor do trono do
Cordeiro.
O sangue dos mártires clama a Deus por vingança (Ap 6:9-10), e Ele os
vindica, agora como no início da história, quando o sangue de Abel clamou da
terra. São as orações dos santos que imediatamente despertam a ira do
Cordeiro contra “os grandes homens ... os ricos e os fortes” (6:15-16).
No entanto, o poder dos santos é de uma ordem diferente da ideia de poder do
mundo, e a ira do Cordeiro difere significativamente da vingança humana. Isso
pode parecer evidente, mas vale a nossa mais profunda contemplação. Pois
muitos cristãos professam acreditar em um tipo de poder celestial, que, em
uma análise mais detalhada, acaba sendo um poder mundano em grande
escala.
Considere, por um momento, os contemporâneos judeus de Jesus e sua
expectativa mundana do Messias: Ele estabeleceria o reino de Deus por meios
militares e políticos – conquistar Roma, subjugar os gentios e assim por
diante. Sabemos que tais esperanças foram frustradas. Em vez de marchar
sobre Jerusalém com Seus exércitos, Jesus fez uma campanha de
misericórdia e amor, manifestada pelas refeições compartilhadas com
cobradores de impostos e outros pecadores.
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E todos nós aprendemos nossa lição, certo? Não parece assim. Porque,
hoje, muitos cristãos ainda esperam pela mesma vingança messiânica dos
judeus do primeiro século. Embora Cristo tenha vindo pacificamente na
primeira vez, eles dizem, Ele voltará com uma vingança santa no final,
esmagando Seus inimigos com força todo-poderosa.

VOCÊ CHAMA ISSO DE IRA?


Mas e se a Segunda Vinda de Jesus for muito parecida com a Sua
primeira? Muitos cristãos ficariam desapontados? Talvez, mas não acho que
deveríamos estar. Pois, embora o Apocalipse conte uma boa parte de fomes,
pragas e pestes, ainda o capítulo 6 retrata o julgamento de Deus dos magnatas
e poderosos como a “ira do Cordeiro”. Por que João usa a imagem do cordeiro
aqui? Que tipo de terror um cordeiro pode realmente inspirar? Por que ele não
falou da ira do Leão de Judá?
Da mesma forma, por que a “superação” é realizada após a primeira
vinda de Cristo por aqueles que “não amaram suas vidas até a morte”? Ou por
que os lados opostos são apresentados de forma tão desigual: dois dragões e
uma fera da terra atacam a mulher grávida enquanto ela dá à luz o bebê
Messias? Claro, há São Miguel Arcanjo; mas o melhor que ele pode fazer é
expulsar o dragão do céu - então agora o diabo está livre para perseguir a
mulher no deserto e depois guerrear com o resto de sua descendência. Em
suma, o baralho está claramente empilhado – do jeito errado!
Então, o que dizer da cena final (cap. 19), quando Cristo vem para
“vingar o sangue de seus servos” (v. 2)? Lá, vemos alguém chamado “Fiel e
Verdadeiro” montado em um cavalo branco, acompanhado por hostes
celestiais em linho branco (essa é a sua melhor armadura?), lutando com nada
além de uma espada – “saindo de sua boca”! Por que não está em Sua mão
direita? Por que Ele não a está balançando? Claramente, é a espada do
Espírito, a Palavra de Deus, que Ele está pregando – e não uma arma militar
de destruição em massa.
Então, Ele pega a Besta e o Falso Profeta, e os lança vivos no fogo e
enxofre. Observe que Ele não os mata primeiro, não os corta em pedaços ou
se vangloria de seus cadáveres. Em seguida, o destino dos ímpios é descrito
nos dois capítulos seguintes simplesmente em termos de serem excluídos da
Nova Jerusalém. Que tipo de castigo é esse? Por que Jesus ainda é um
Cordeiro — até o fim? E por que uma ceia de casamento, em vez de uma festa
da vitória?
Eu sugeriria que as expectativas de muitos cristãos sobre a Segunda
Vinda de Cristo podem precisar de ajustes. Caso contrário, podemos nos ver
lutando contra o desapontamento — como fizeram os contemporâneos judeus
de Jesus no primeiro século. Talvez precisemos repensar a imagem comum de
Deus suprimindo sua ira – “Espere, você verá como posso ser irado e vingativo”
– vendo-a com mais cuidado à luz de Sua paternidade perfeita.
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Isso não elimina a ira divina; simplesmente se encaixa na imagem


consistente de Deus que Jesus fornece. Como eu disse anteriormente, ver o
julgamento de Deus em termos de paternidade divina não rebaixa o padrão de
justiça, nem diminui a severidade do julgamento; os pais geralmente exigem
mais de seus filhos e filhas do que os juízes dos réus.
Qual, então, deve ser nossa imagem da Segunda Vinda de Jesus? Para
mim, é eucarística, e se realiza quando a Missa traz o céu à terra. Assim como
o sacerdote terreno está sobre o pão e o vinho e diz “Isto é o meu corpo”,
transformando assim os elementos, assim Cristo, o sumo sacerdote, está
sobre o cosmos, pronunciando as mesmas palavras.
Estamos na terra como os elementos estão no altar. Estamos aqui para
ser transformados: morrer para nós mesmos, viver para os outros e amar
como Deus. Isso é o que está acontecendo no altar da terra, assim como
acontece nos altares de nossas igrejas. Assim como o fogo desceu do céu para
consumir os sacrifícios no altar de Salomão, o fogo desceu para consumir os
discípulos no primeiro Pentecostes. O fogo é um e o mesmo; é o Espírito Santo,
que nos capacita a sermos oferecidos como sacrifício vivo sobre o altar da
terra. É isso que faz sentido na segunda metade do Apocalipse.

O CAMINHO NUPCIAL DA HISTÓRIA


Também faz sentido a partir dos eventos de nossas vidas cotidianas. À
luz do fogo divino, vemos as notícias diárias não como frases de efeito sem
sentido e desconexas, mas como uma história, cujo final já conhecemos.
Todas as coisas na história — na história mundial e em nossa história pessoal
— cooperam para o bem daqueles que amam a Deus (veja Rm 8:28). Porque
Cristo é o Senhor da história, o seu princípio (cf. Jo 1,1) e o seu fim (cf. 1 Cor
4,5).
Cristo está firmemente no comando, e Ele quer que reinemos com Ele
como Sua noiva. Assim, devemos lutar para ganhar nosso trono, mas nossa
guerra dificilmente é sombria. Podemos até olhar para isso em termos
românticos. A história é a história de Cristo cortejando Sua Igreja,
gradualmente atraindo todos nós para nossa ceia de casamento, o banquete
do Cordeiro. Ele olha para nós como Adão olhou para Eva e diz: “Esta é osso
dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2:23).
A Igreja é ao mesmo tempo Sua noiva e Seu corpo, pois no casamento
os dois se tornam uma só carne (cf. Mt 19,5). Assim, Cristo olha para nós e
diz: “Isto é o meu corpo”. Deus pretende que toda a história – quer os eventos
particulares pareçam bons ou ruins para o “nosso lado” — nos leve à
comunhão eterna de nossa ceia de casamento. Não devemos subestimar o
desejo de Cristo de que cheguemos à festa. Lembre-se que Ele é um noivo
esperando Sua noiva. Assim, as palavras apaixonadas que Ele falou aos seus
apóstolos são verdadeiras também para nós: “Desejei ardentemente comer
esta páscoa convosco” (Lc 22,15).
83

Nem devemos subestimar o poder de Jesus para nos levar à festa. Ele,
afinal, é Deus todo-poderoso, onisciente. A comunhão eterna com a Igreja é o
que Ele quer, e o que Ele quer, e é certamente o que Ele realiza até agora. A
comunhão amorosa com Sua Igreja é a razão pela qual Deus se tornou
homem, sangrou e morreu; e é a própria razão pela qual Ele criou o mundo
em primeiro lugar. Assim, todos os acontecimentos de todos os tempos devem
nos conduzir, inexoravelmente, ao acontecimento que vemos misticamente
nos últimos capítulos do livro do Apocalipse.

RESISTINDO A UM DESCANSO
O inferno, então, pode parecer prevalecer no mundo, mas não prevalece.
A Igreja está, em certo sentido, no comando. Nossas orações, e especialmente
o sacrifício da Missa, são a força que impulsiona a história em direção ao seu
objetivo. De fato, no sacrifício da Missa, a história atinge seu objetivo, porque
ali Cristo e a Igreja celebram sua festa de casamento e consumam sua união.
Como, então, devemos entender nosso combate em andamento? Se a
história, em certo sentido, já atingiu seu objetivo, por que devemos continuar
lutando? Porque nem todo o mundo veio para a festa, mesmo que você e eu
tenhamos. Portanto, devemos continuar resgatando o tempo, para restaurar
todas as coisas em Cristo. Lembre-se que quando vamos à Missa, levamos
todo o nosso trabalho profissional, vida familiar, sofrimentos e lazer, e tudo
isso se torna sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo, durante
a celebração da Eucaristia.
Deus quer que você e eu desempenhemos um papel indispensável na
história da salvação. “O Espírito e a Noiva dizem: 'Vem'” (Ap 22:17). Observe
que não é apenas o Espírito que faz o chamado para a humanidade, mas o
Espírito e a Noiva. A Noiva é a Igreja — somos você e eu.
Enquanto isso, nosso inimigo, a Besta, não consagra nada. Ele trabalha
incansavelmente, às vezes nos intimidando por sua indústria; mas seus
trabalhos são estéreis. Ele é 666, a criatura paralisada no sexto dia,
perpetuamente em trabalho de parto, mas nunca alcançando o sétimo dia de
descanso e adoração do sábado.
Assim a batalha continua, e nos alistamos para o serviço ativo.
Devemos, no entanto, começar a luta muito perto de casa. Nossos inimigos
mais perigosos são aqueles que encontramos em nossa própria alma: orgulho,
inveja, preguiça, gula, ganância, raiva e luxúria. Antes que possamos avançar
sobre os inimigos da sociedade em geral, precisamos identificar nossos
próprios hábitos pecaminosos e começar a extirpá-los. O tempo todo,
precisamos crescer na sabedoria e virtude que nos tornam mais semelhantes
a Cristo.
Só podemos avançar se nos conhecermos como realmente somos, isto
é, como parecemos ao Deus Todo-Poderoso. Quando João enfrentou o
Cordeiro de Deus, ele avaliou com precisão a situação e caiu no chão em
84

humildade. Precisamos ver a verdade com a mesma clareza. Assim,


precisamos ver as coisas na mesma luz divina. No entanto, como podemos,
quando por toda parte estamos cercados pela escuridão? A única maneira é
entrarmos naquele mesmo lugar limpo e bem iluminado onde João teve sua
visão: adoração no Espírito no dia do Senhor – que é, ao mesmo tempo, a
cidade celestial onde “a noite não existirá mais” (Ap 22:5).
Somente na nova Jerusalém nos veremos como somos, pois lá
enfrentaremos o julgamento; ali leremos o que está escrito no livro da vida. É
o paraíso, mas não precisamos morrer para ir para lá. A nova Jerusalém é o
Monte Sião; é a Igreja do Cenáculo; e aterrissa para nós na Santa Missa.

NÃO PODEMOS LEVANTAR PORQUE CAÍMOS


Queremos conhecer a nós mesmos. Portanto, devemos usar bem as
partes da Missa que são reservadas para o auto exame: o rito penitencial, por
exemplo, com o “Senhor, tende piedade” e “Eu confesso”. Isso requer
recolhimento, uma quietude interior que nos permite examinar nossos
pensamentos, palavras e ações. Se queremos estar recolhidos, ajuda chegar à
igreja bem antes da missa e começar a oração. O recolhimento interior nos
permitirá concentrar-nos na realidade da Missa, não importa o que esteja
acontecendo ao nosso redor: venha bebês chorando, música ruim ou homilias
medíocres.
Para nos prepararmos para a Missa, devemos também aproveitar
frequentemente o Sacramento da Reconciliação, confessando os nossos
pecados depois de um profundo exame de consciência.
Lembre-se do conselho da Didache, o guia litúrgico mais antigo da
Igreja: devemos confessar antes de receber a Eucaristia, para que nosso
sacrifício seja puro. Embora a Igreja exija que confessemos apenas uma vez
por ano, o ensinamento esmagador dos santos e papas é que devemos ir
“frequentemente”. Quantas vezes é isso? Isso irá variar de acordo com suas
circunstâncias e o conselho de seu padre-confessor. Devemos seguir o bom
exemplo, porém, sabendo que a maioria dos santos foi pelo menos
semanalmente, e os mestres espirituais mais confiáveis aconselham um
mínimo mensal.
Se formos honestos diante de Deus, então, nos encontraremos, em
nossos corações, caindo em humildade, como João fez. Rezaremos com
perfeita sinceridade a oração antes da Comunhão: “Senhor, não sou digno de
recebê-lo...”

ESTÁ CHEIO AQUI


O que vemos quando estamos na luz? Vemos que somos pecadores e
fracos; mas vemos muito mais também.
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Vemos que, nesta guerra, somos de longe o lado mais forte. Na Missa,
invocamos os anjos e adoramos ao lado deles, como João fez - como seus
iguais diante de Deus! Apelamos à sua ajuda. Ouça atentamente o prefácio da
Missa, pouco antes de cantar o “Santo, Santo, Santo”: “Agora, com anjos e
arcanjos, e toda a companhia do céu, cantamos o hino interminável de Seu
louvor”. Algumas liturgias orientais até se atrevem a numerar os anjos: “mil
milhares e dez mil vezes dez mil hostes de anjos e arcanjos”.
A palavra “anfitriões” neste contexto denota poder militar – como
“legiões” ou “divisões”. A Missa, ao que parece, é como a invasão da Normandia
no reino espiritual. Também invocamos os santos, reconhecendo-os pelo
nome. No Cânon Romano, Oração Eucarística I, o sacerdote lê uma longa lista
de apóstolos, papas, mártires e outros santos – vinte e quatro, para
corresponder exatamente aos presbitérios que cercam o trono de Deus no
Apocalipse.
Na guerra espiritual, os santos são aliados poderosos. Lembre-se que,
no Apocalipse, a vingança de Deus segue de perto as orações dos mártires sob
Seu altar. Em algumas liturgias orientais – por exemplo, a antiga Liturgia de
São Marcos – as congregações ecoam as orações dos mártires: “Esmague sob
nossos pés Satanás e toda sua influência perversa. Humilhai agora, como
sempre, os inimigos da Tua Igreja. Exponha seu orgulho. Rapidamente mostre
a eles sua fraqueza. Aniquilai as tramas perversas que eles tramam contra
nós. Levanta-te, Senhor, e dispersem os teus inimigos, e fujam todos os que
odeiam o teu santo nome”.
Sem dúvida, temos poder e força do nosso lado. Dizemos isso no “Santo,
Santo, Santo”, que cantamos, junto com os anjos, em todas as Missas que
assistimos. Devemos ter certeza de dar a essa música tudo o que temos. Você
já viu um exército forte marchar em formação? Os soldados se movem com
precisão unificada e cantam com entusiasmo e confiança. É assim que
devemos proceder na liturgia: com confiança, com alegria. Não é que
neguemos a força do inimigo; apenas nos gloriamos no fato de que Deus é
mais forte, e Deus é a nossa força!

FAÇA OS DEMÔNIOS SAÍREMGRITANDO


Conhecer a nós mesmos e aos anjos, é claro, não é suficiente. Devemos
conhecer a Deus cada vez mais, e essa é uma busca sem fim (e infinitamente
recompensadora). Porque quanto mais aprendemos sobre Ele, mais
percebemos que não sabemos e não podemos conhecer sem a graça.
Conhecendo a Deus, saberemos que força e recursos infinitos podemos
usar na batalha. Portanto, devemos nos preparar para a Missa, ao longo de
nossas vidas, pela formação doutrinal e espiritual permanente. Nenhum
soldado correria destreinado para a batalha. Tampouco devemos pensar que
podemos vencer demônios se formos flácidos em nossa fé. Precisamos passar
pelos rigores do treinamento básico, vivendo uma vida de oração sustentada
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e disciplinada, e estudando a fé diariamente, lendo a Bíblia, usando fitas


católicas, TV e livros (especialmente o Catecismo da Igreja Católica). Tudo isso
é uma tarefa para toda a vida.
Nosso estudo doutrinário dará poder a cada palavra e gesto da liturgia.
Faremos o sinal da cruz, sabendo que é a bandeira que levamos para a batalha
- e diante dessa bandeira tremem os demônios. Mergulharemos os dedos na
água benta, sabendo, nas palavras de Santa Teresa de Ávila, que esta água
faz fugir os demónios. Recitaremos cada linha do Glória e do Credo como se
nossas vidas dependessem disso, porque dependem.
E o que “acontece” no campo de batalha quando recebemos Jesus
Cristo, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, na Sagrada Comunhão? Os santos
nos dizem que derrotamos o inimigo naquele momento, e que sempre depois
podemos vigiar com a atenção de Jesus. Um monge do Monte Sinai do século
V testemunhou que “quando esse fogo entra em nós, ele imediatamente
expulsa os espíritos malignos de nosso coração e perdoa os pecados que
cometemos anteriormente... E se depois disso, na entrada de nosso coração,
vigiarmos estritamente o intelecto, quando nos for permitido novamente
receber esses Mistérios, o corpo divino iluminará ainda mais nosso intelecto e
o fará brilhar como uma estrela”.
Assim, o brilho da Missa vai para casa conosco como o dia perpétuo da
Jerusalém celestial. À medida que crescemos na graça, nossa Missa se torna
uma luz que queima dentro de nós também, mesmo em meio ao nosso
trabalho e vida familiar. Isso é segurança em tempo de guerra; pois o exército
mais fraco raramente atacará à luz do dia. E o diabo sabe, quando a luz de
Cristo está de um lado da batalha, a escuridão do inferno é mais fraca.

O DIA D
No entanto, a batalha continua sendo uma batalha. Mesmo que nossa
vitória esteja assegurada, a luta em si não será necessariamente fácil, e isso é
especialmente verdade na Missa. Conhecendo o poder da graça, o diabo nos
atacará com mais força, diz um antigo mestre, “no tempo das grandes festas
e durante a Divina Liturgia, especialmente quando pretendemos receber a
Sagrada Comunhão”.
Qual é o nosso combate particular durante a Missa? Talvez seja para
afastar o desprezo pelo adorador cujo perfume é muito forte, ou pelo homem
que canta a letra errada desafinada.
Talvez esteja atrasando nosso julgamento contra o paroquiano que está
fugindo mais cedo.
Talvez esteja virando para o outro lado quando começamos a nos
perguntar o quão baixo realmente vai aquele decote. Talvez seja lutar contra
a presunção quando ouvimos uma homilia repleta de erros gramaticais. Talvez
seja sorrindo, de forma compreensiva, para a mãe com o bebê gritando.
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Essas são as batalhas difíceis. Talvez elas não sejam tão românticas
quanto sabres se chocando em um deserto distante, ou marchando com gás
lacrimogêneo para protestar contra a injustiça. Mas porque estão tão
perfeitamente escondidos, tão interiores, exigem maior heroísmo. Ninguém,
exceto Deus e Seus anjos, notará que você não criticou mentalmente a homilia
do Padre esta semana. Ninguém, exceto Deus e Seus anjos, notará que você
reteve o julgamento contra a família que estava mal vestida.
Então você não ganha uma medalha; você ganha uma batalha em vez
disso.

CHOQUE DE REALIDADE — SUPORTE-O


A realidade “revelada” no Apocalipse de João é tão aterrorizante quanto
consoladora. No entanto, a boa notícia é que, com a ajuda celestial, podemos
suportá-la. Somos filhos do Rei do universo; mas vivemos em constante
perigo, cercados por forças espirituais obscuras que querem destruir nossas
almas, nossa coroa e nosso direito de nascença.
No entanto, por certo a vitória é nossa. Como é certo que nossa tradição
associe a Missa com a todah, o sacrifício de ação de graças do antigo Israel. A
todah era uma expressão de total confiança: uma oração para libertação dos
inimigos, uma oração para libertação da morte iminente – e, ao mesmo tempo,
a todah oferecia agradecimentos por Deus responder às orações da pessoa.
Lembre-se, também, como os rabinos previram que, na era messiânica, todo
sacrifício cessaria, exceto a todah. Assim rezamos com confiança em cada
Missa, “livrai-nos do mal”; e assim damos glória a Deus por nossa libertação.
Na Sagrada Comunhão, recebemos o Pão que nos sustentará, mesmo
durante o mais longo cerco do inimigo. Na Missa, ao lado de nossos aliados
celestiais, o diabo é impotente.
Diante do altar, nos aproximamos do céu, a fonte da graça infinita, a
única que pode mudar nossos corações pecaminosos. Na ceia das bodas do
Cordeiro, nós mesmos somos entronizados para reinar sobre a história por
meio de nossas orações. Nesta temporada milenar, muitas pessoas virão até
você gritando que o fim está próximo e que a última batalha no mar é
certamente a batalha do Armagedom. Não se assuste. Você pode dizer a eles
que, sim, o fim está próximo; sim, o Apocalipse é agora. Mas a Igreja sempre
ensinou que o fim está próximo – tão próximo quanto sua igreja paroquial. E
é algo para o qual você deveria estar correndo, não fugindo.
Em qualquer batalha que estamos impacientes para lutar com armas
terrenas, devemos primeiro entrar com armas do espírito. Você quer justiça
para as pessoas oprimidas em todo o mundo? Você quer alívio para os
mártires no exterior? Não corra primeiro para a prefeitura. Se você quer
realizar o reino, você deve primeiro adorar bem, sempre que puder, onde quer
que o santuário do Rei se faça presente na Missa.
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TRÊS - A Ideia de Paróquia


O APOCALIPSE COMO RETRATO DE FAMÍLIA
O CÉU É UMA REUNIÃO DE FAMÍLIA com todos os filhos de Deus; e
isso vale também para o céu na terra: a Santa Missa. Voltemos àquela
passagem reveladora de Hebreus: “Você veio ao monte Sião ... a Jerusalém
celestial... e à assembleia dos primogênitos inscritos nos céus” (Hb 12:22-23).
O céu toca a terra na Missa e engloba a família do próprio Deus. No Apocalipse,
João apenas intensifica a imagem. João descreve nossa comunhão com Cristo
nos termos mais notavelmente íntimos, como “a ceia das bodas do Cordeiro”
(Ap 19:9).

HISTÓRIA DA FAMÍLIA
No entanto, antes que possamos entender esse vínculo familiar, muitos
de nós terão que deixar de lado nossas noções modernas e ocidentais sobre
família. Vivemos em uma época em que as famílias são altamente móveis;
poucas pessoas morrerão na cidade onde nasceram. Vivemos numa época em
que as famílias são pequenas; menos crianças hoje têm tios e tias e
incontáveis primos, como fizeram as gerações anteriores. Quando os
modernos dizem “família”, geralmente queremos dizer a família nuclear: mãe,
pai e um ou dois filhos.
Para apreciar a visão de João, porém, temos que vislumbrar um mundo
muito diferente, um mundo em que a grande família extensa definia o mundo
de um determinado indivíduo. A Família — a tribo, o clã — era a identidade
primária de um homem ou mulher, ditando onde viveriam, como trabalhariam
e com quem poderiam se casar. Muitas vezes, as pessoas usavam um sinal
visível de sua identidade familiar, como um anel de sinete ou uma marca
distintiva no corpo.
Uma nação no mundo antigo era em grande parte uma rede de tais
famílias, pois Israel compreendia as doze tribos nomeadas para os filhos de
Jacó. Unificar cada família era o vínculo da aliança, a ideia da cultura mais
ampla do que constituía as relações humanas, direitos, deveres e lealdades.
Quando uma família recebia novos membros, por meio de casamento ou
alguma outra aliança, ambas as partes – os novos membros e a tribo
estabelecida – selavam o vínculo da aliança fazendo um juramento solene,
compartilhando uma refeição comum ou oferecendo um sacrifício.
O relacionamento de Deus com Israel foi definido por uma aliança, e
Jesus descreveu Seu relacionamento com a Igreja nos mesmos termos. Na
Última Ceia, Ele abençoou o cálice da Nova Aliança em Seu sangue (veja Mt
26:28; Mc 14:24; Lc 22:20; 1Co 11:25).
O livro do Apocalipse deixa claro que esta Nova Aliança é o mais próximo
e íntimo dos laços familiares. A visão de João termina com a ceia das bodas
do Cordeiro e Sua noiva, a Igreja. Com este evento, nós cristãos selamos e
89

renovamos nosso relacionamento familiar com o próprio Deus. Em nossos


corpos, trazemos a marca da tribo de Deus. Chamamos o próprio Deus de
nosso verdadeiro Irmão, nosso Pai, nosso Esposo.

O DEUS QUE É FAMÍLIA


No livro do Apocalipse, os crentes trazem a marca desta família
sobrenatural em suas frontes. Os primeiros cristãos, durante séculos,
lembraram-se dessa realidade traçando o Sinal da Cruz em suas testas.
Fazemos a mesma coisa quando fazemos o Sinal da Cruz hoje; marcamos
nossos corpos “em nome de” nossa família divina: o Pai, o Filho e o Espírito
Santo. Assim, no Apocalipse como na Missa, a família de Deus – como
qualquer família tradicional no antigo Israel – encontra sua identidade no
nome da família e em seu sinal.
No entanto, aqui está a revelação mais notável: nossa família não tem
apenas o nome de Deus — nossa família é Deus. O cristianismo é a única
religião cujo único Deus é uma família. Seu nome mais próprio é Pai, Filho e
Espírito Santo. Disse o Papa João Paulo II: “Deus em seu mistério mais
profundo não é uma solidão, mas uma família, pois tem em si a paternidade,
a filiação e a essência da família, que é o amor”.
Para mim, isso é uma verdade que faz tremer a terra. Observe que ele
não disse que Deus é como uma família, mas que Ele é uma família. Por quê?
Porque Deus possui, desde a eternidade, os atributos essenciais da família –
paternidade, filiação e amor – e somente Ele os possui em sua perfeição. Pode
ser mais correto, então, dizer que os Hahns (ou qualquer casa) são como uma
família, já que nossa família tem esses atributos, mas apenas
imperfeitamente.
Deus é uma família, e nós somos Dele. Ao estabelecer a Nova Aliança,
Cristo fundou uma Igreja – Seu corpo místico – como uma extensão de Sua
Encarnação. Ao assumir a carne, Cristo divinizou a carne e estendeu a vida
da Trindade a toda a humanidade, por meio da Igreja.
Incorporados ao Corpo de Cristo, tornamo-nos “filhos no Filho”.
Tornamo-nos filhos na família eterna de Deus. Partilhamos a vida da
Trindade. A Igreja Católica nada mais é do que a Família universal de Deus.

AFINIDADE PELA TRINDADE


Como católicos, renovamos nosso vínculo familiar de aliança na ceia das
bodas do Cordeiro – uma ação que é, ao mesmo tempo, uma refeição
compartilhada, um sacrifício e um juramento (um sacramento). O Apocalipse
revelou a Eucaristia como festa de casamento, onde o eterno Filho de Deus
entra na mais íntima união com sua esposa, a Igreja. É esta “Comunhão” que
nos torna um com Cristo, filhos no Filho.
90

Para nos prepararmos para esta Comunhão – nossa Nova Aliança, nosso
casamento místico – devemos, como qualquer cônjuge, deixar nossas velhas
vidas para trás. Como noiva, trocaremos nosso antigo nome por um novo.
Estaremos para sempre identificados com Outro: nosso Amado, Jesus Cristo,
o Filho de Deus. O casamento exige que os cônjuges façam um auto sacrifício
completo e total, como o de Cristo na cruz. No entanto, somos fracos e
pecadores, e achamos insuportável a própria sugestão de tal sacrifício.
Aqui está a boa notícia. Cristo se tornou um de nós, para oferecer Sua
humanidade como o sacrifício perfeito. Na Missa, unimos nosso sacrifício com
o Dele, e essa união torna nosso sacrifício perfeito.

SEM SENTIR DOR


A Missa é o sacrifício perfeito “de uma vez por todas”, do Calvário, que
é apresentado no altar do céu por toda a eternidade. Não é uma “performance
repetida”. Há apenas um sacrifício; é perpétuo e eterno, e por isso nunca
precisa ser repetido. No entanto, a Missa é nossa participação naquele único
sacrifício e na vida eterna da Trindade no céu, onde o Cordeiro está de pé
eternamente “como se estivesse morto”.
Como pode ser isso? Como Deus pode oferecer sacrifício? A quem Deus
poderia oferecer sacrifício?
Na Divindade, no céu, esse amor vivificante continua indolor, mas
eternamente. O Pai derrama a plenitude de Si mesmo; Ele não retém nada de
Sua divindade. Ele eternamente gera o Filho. O Pai é, acima de tudo, um
amante vivificante, e o Filho é Sua imagem perfeita. Então, o que mais é o
Filho senão um amante que dá vida? E Ele dinamicamente representa o Pai
desde toda a eternidade, derramando a vida que Ele recebeu do Pai; Ele
devolve essa vida ao Pai como uma expressão perfeita de agradecimento e
amor.
Essa vida e amor que o Filho recebeu do Pai e volta ao Pai é o Espírito
Santo. Por que trazer isso à tona agora? Porque é isso que acontece na Missa!
Os primeiros cristãos ficaram tão surpresos com esse fato que se inclinaram
a cantar sobre isso, como neste hino sírio do século VI: “Exaltados são os
mistérios deste templo em que o céu e a terra simbolizam a mais exaltada
Trindade e a dispensação de nosso Salvador”. A Missa torna presente, no
tempo, o que o Filho tem feito desde toda a eternidade: amar o Pai como o Pai
ama o Filho, retribuindo o dom que Ele recebeu do Pai.

UMA GRANDE MUDANÇA


Essa dádiva é a vida que devemos compartilhar; mas antes que
possamos, devemos passar por uma mudança significativa. Como estamos
agora, somos incapazes de dar ou receber tanto; o fogo infinito do amor divino
nos consumiria. No entanto, não podemos mudar por conta própria. É por
91

isso que Deus nos dá Sua própria vida nos sacramentos. A graça compensa a
fraqueza da natureza humana. Com Sua ajuda, somos capazes de fazer o que
não poderíamos fazer por nós mesmos: ou seja, amar perfeitamente e
sacrificar totalmente.
O que Deus Filho tem feito desde toda a eternidade, Ele começa a fazer
agora na humanidade. Ele não muda nada; pois o próprio Deus é imutável,
eterno, sem começo nem fim.
O que muda não é Deus, mas a humanidade. Deus assumiu nossa
humanidade, de modo que cada gesto, cada pensamento que Ele teve – desde
o momento em que foi concebido até o momento em que morreu na cruz –
tudo o que Ele fez na terra fosse uma ação do Filho amando o Pai. O que Ele
é desde toda a eternidade, Ele manifestou em Sua humanidade. Assim, o amor
perfeito agora acontece no tempo, porque Deus assumiu nossa natureza
humana e a usou para expressar o amor vivificante do Filho pelo Pai. Por meio
de Sua vida e morte, Jesus deificou a humanidade. Ele o uniu ao divino.
E cada vez que recebemos a Eucaristia, recebemos esta humanidade
glorificada, divinizada, fortalecida de Jesus Cristo, a manifestação perfeita do
amor do Filho divino pelo Pai. Somente com essa infusão maciça da graça
podemos passar pela mudança necessária antes de entrarmos na vida da
Trindade. A Eucaristia nos transforma. Agora, somos capazes de fazer todas
as mesmas coisas que fizemos antes - mas tornando-as divinas em Cristo:
fazer de cada gesto, pensamento e sentimento uma expressão de amor pelo
Pai, uma ação do Filho dentro de nós.

PROBLEMAS TRIBAIS?
Casar em qualquer família significa grandes mudanças. Casar-se na
família de Deus significa transformação completa.
Que diferença faz? Toda a diferença do mundo, e mais um pouco. Com
essa mudança — nas palavras de um pai sírio do século IV, Afrahat — o
homem se torna o templo de Deus, assim como Deus é o templo do homem.
Nós adoramos, como diz o Apocalipse, “no Espírito”. Nós moramos na
Trindade. Agora, também, vivemos na casa de Deus, a Igreja, que é construída
sobre a rocha (ver Mt 7:24-27; 16:17-19). Agora, somos chamados pelo Seu
nome (ver Ef 4:3–6).
Agora, participamos da mesa do Senhor (veja 1 Coríntios 10:21). Agora,
compartilhamos de Sua carne e sangue (veja João 6:53-56). Agora, Sua mãe
é nossa mãe (ver João 19:26–27). Agora, podemos entender por que chamamos
os sacerdotes de “Pai” e o papa nosso “Santo Pai” – porque eles são outros
Cristos, e Cristo é a imagem perfeita do Pai. Agora, podemos entender por que
chamamos as religiosas de “Irmã” e “Madre” – porque são imagens para nós
da Virgem Maria e da Mãe Igreja.
Agora, mais claramente do que nunca, podemos entender por que os
santos no céu se preocupam tanto com o nosso bem-estar. Nós somos a
92

família deles! Nunca devemos esquecer os cristãos que vieram antes de nós.
Em nossa oração e nosso estudo, devemos conhecer sua companhia e sua
ajuda.
Através do exemplo dos santos, devemos aprender a cuidar tão
profundamente daqueles que estão ao nosso lado durante a Missa todas as
semanas. Porque eles são nossa família em Cristo — e nossa santidade comum
começa agora.
Pense nisso: se todos perseverarmos juntos, você e eu compartilharemos
um lar para sempre com Cristo — com os paroquianos que adoramos ao nosso
lado hoje. Isso faz você se sentir desconfortável? Talvez de repente você tenha
se lembrado dos paroquianos que mais lhe dão nos nervos. (Eu sei que sim.)
O céu poderia realmente ser o céu se todos os nossos vizinhos estivessem lá?
O céu poderia ser o paraíso se o padre Fulano de Tal também o alcance?
Esse é o único tipo de céu em que devemos pensar. Lembre-se, somos
uma família do tipo antigo: um clã, uma tribo. Estamos juntos nessa. Isso não
significa que sempre sentiremos afeição pelas pessoas que vemos na Missa.
Significa que devemos amá-las, suportar suas fraquezas e servi-las – porque
elas também foram identificadas com Cristo. Não podemos amá-Lo sem amá-
los. Amar pessoas difíceis nos refinará. Talvez somente no céu nosso amor
seja tão aperfeiçoado que possamos realmente gostar dessas pessoas também.
Santo Agostinho falou de um homem que, na terra, tinha problemas crônicos
de gases; no céu, sua flatulência tornou-se música perfeita.

TRAGA-A PARA CASA


A comunhão dos santos não é meramente uma doutrina. É uma
realidade vivida percebida apenas quando vivemos uma vida firme de fé. Mas
é mais real do que o chão em que pisamos. É uma realidade permanente,
ainda que a sua permanência não se manifeste continuamente na nossa
paróquia. Precisamos, neste momento, abrir nossos olhos de fé. O céu está
aqui. Nós o vimos revelado.
A comunhão dos santos está ao nosso redor, com os anjos, no Monte
Sião, sempre que vamos à Missa.
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QUATRO - O Rito Dá Forças


A DIFERENÇA QUE A MISSA FAZ
IR À MISSA é ir para o céu, onde “o próprio Deus ... enxugará toda
lágrima” (Ap 21:3-4). No entanto, o céu é ainda mais do que isso. O céu é onde
nos colocamos sob julgamento, onde nos vemos na clara luz da manhã do dia
eterno, e onde o justo Juiz lê nossas obras no livro da vida. Nossas ações vão
conosco quando vamos para o céu. Nossas ações nos acompanham quando
vamos à Missa.
Ir à Missa é renovar nossa aliança com Deus, como em uma festa de
casamento – pois a Missa é a ceia das bodas do Cordeiro. Como em um
casamento, fazemos votos, nos comprometemos, assumimos uma nova
identidade. Estamos mudados para sempre. Ir à Missa é receber a plenitude
da graça, a própria vida da Trindade. Nenhum poder no céu ou na terra pode
nos dar mais do que recebemos na Missa, pois recebemos Deus em nós
mesmos.
Nunca devemos subestimar essas realidades. Na Missa, Deus nos deu
Sua própria vida.
Isso não é apenas uma metáfora, ou um símbolo, ou um antegozo.
Devemos ir à Missa com olhos e ouvidos, mente e coração abertos à verdade
que está diante de nós, a verdade que sobe como incenso. A vida de Deus é
um dom que devemos receber adequadamente e com gratidão. Ele nos dá
graça como Ele nos deu fogo e luz. Fogo e luz, mal utilizados, podem nos
queimar ou nos cegar. De maneira semelhante, a graça recebida indignamente
nos sujeita a julgamento e a consequências muito mais terríveis.
Em cada Missa, Deus renova Sua aliança com cada um de nós,
colocando diante de nós vida e morte, bênção e maldição. Devemos escolher a
bênção para nós mesmos e rejeitar a maldição, e devemos fazer isso desde o
início.

FAZENDO ESTARDALHAÇO
A partir do momento em que você entra na igreja, você se coloca sob
juramento. Ao mergulhar os dedos na água benta, você renova a aliança
iniciada com o seu batismo. Talvez você tenha sido batizado quando criança;
seus pais tomaram a decisão por você. Mas agora, com este movimento
simples, você toma a decisão por si mesmo. Você toca a água na testa, no
coração, nos ombros e assina a si mesmo com “o nome” em que foi batizado.
Envolvida nesta moção está sua aceitação do credo, que seus pais aceitaram
em seu nome em seu batismo. Envolvido neste movimento está sua rejeição a
Satanás, e todas as suas pompas, e todas as suas obras.
Fazendo isso, você comprova, você testemunha, como faria no tribunal.
No tribunal, uma testemunha coloca a si mesmo, sua reputação e seu futuro
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em risco. Se ele não disser a verdade, toda a verdade e nada além da verdade,
ele sabe que enfrentará graves consequências.
Você também está sob juramento. Não se esqueça: a palavra latina
sacramentum significa literalmente “juramento”. Quando você faz o sinal da
cruz, você renova o sacramento do batismo, renovando assim sua obrigação
de viver de acordo com os direitos e deveres da Nova Aliança. Você amará a
Deus com todo o seu coração, mente, alma e força; amarás o teu próximo
como a ti mesmo.
Você jurou especialmente dizer a verdade durante esta Missa. Pois esta
é a corte do céu; aqui, Deus abrirá o livro da vida; aqui, você vai tomar o banco
das testemunhas. Muitas e muitas vezes durante a Missa, você dirá “Amém”,
a palavra aramaica que transmite assentimento e concordância: Sim! Que
assim seja! Verdadeiramente! “Amém” é mais do que uma resposta; é um
compromisso pessoal. Quando você diz “amém”, você compromete sua vida,
então é melhor você falar sério.
Assim, na Missa, você não é apenas um espectador. Você é um
participante. Tua é a aliança que renovarás. Sua é a aliança que o próprio
Jesus renovará, aqui e agora.

REFEIÇÃO DE JURAMENTO
Sempre que Deus fazia uma aliança, Ele também dava um programa
para sua renovação. Uma aliança não era apenas um evento passado; estava
em curso, perpetuamente presente, continuamente reatualizado.
Gerações podem passar desde a aliança no Sinai; mas sempre que os
filhos de Israel renovavam essa aliança, sempre que marcavam a Páscoa, era
como se a aliança estivesse sendo feita hoje.
A Missa é a nossa renovação perpétua da Nova Aliança, é um juramento
solene que você faz diante de inúmeras testemunhas, como no tribunal do
Livro do Apocalipse. “E assim com todos os coros de anjos que cantamos...”
Quando o céu toca a terra, você recebe o privilégio de orar ao lado dos anjos.
Mas você também recebe o dever de viver de acordo com suas orações. Esses
mesmos anjos irão responsabilizá-lo por cada palavra que você orar.
E não apenas pelo que oramos, mas pelo que ouvimos. Porque é a
Palavra de Deus que ouvimos proclamada, e não as promessas de algum
político em quem podemos votar “a favor” ou “contra”. Ouvimos a Palavra de
Deus, e não algum noticiário cuja confiabilidade podemos decidir duvidar. Nos
tribunais terrenos, as testemunhas meramente juram sobre a Bíblia; na
Missa, juramos pela Bíblia. Ouvimos a Palavra de Deus; estaremos ligados a
ela.
“Creio em uma Santa Igreja Católica e Apostólica”. Vivemos os
ensinamentos dessa Igreja sem restrições e sem exceção? Estudos indicam
que mais de 90% dos católicos nos Estados Unidos, por exemplo, rejeitam os
ensinamentos da Igreja sobre o controle artificial da natalidade. No entanto,
95

podemos supor que esses mesmos católicos se colocam sob juramento todos
os domingos e recitam o credo. Quais são as consequências desse enorme
falso testemunho?
“Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos
tem ofendido.” Nós, que imploramos a misericórdia de Deus, colocamos esta
condição sobre a Sua misericórdia: que primeiro perdoemos aqueles que nos
ofenderam. No entanto, quase todos nós carregamos alguns rancores conosco,
mesmo além da porta da igreja.
"Que a paz esteja com você. E também com você.” Simbolicamente
estendemos a paz a todos os vizinhos. No entanto, quantas horas se passarão
entre o fim da Missa e a primeira explosão de nosso temperamento?
“O Corpo de Cristo. Amém." Com que atenção recebemos o Pão da Vida,
o Cristo da fé e da história? Se saudássemos um rei terreno com a mesma
atenção, como seríamos julgados?
Ouvir a Palavra de Deus. Receber o Pão da Vida. Estes são mistérios
profundos; são presentes incríveis; mas também são compromissos
poderosos. Na Missa, recebemos a vida divina, o poder divino, mais poderoso
que as maiores forças da terra. Pense na eletricidade, que pode iluminar sua
casa ou parar seu coração. Pense no fogo, que pode aquecer sua família ou
consumir um quarteirão da cidade. Estas são apenas sombras do poder
sobrenatural de Deus, que criou o fogo e formou a terra do nada. Se
ensinarmos nossos filhos a tratar a eletricidade e o fogo com respeito, quanto
mais respeitosamente devemos tratar os próprios mistérios do céu, que nos
saciam na Sagrada Comunhão?

VERDADE — OU CONSEQUÊNCIAS
Não podemos explicar o julgamento que trazemos sobre nós mesmos
quando deixamos de viver de acordo com nosso testemunho. Ouça o
testemunho de São Paulo: “Quem, pois, comer o pão ou beber o cálice do
Senhor indignamente será culpado de profanar o corpo e o sangue do Senhor”
(1 Cor 11,27). Culpado de blasfêmia! Isso não é pouca coisa. Para garantir um
sacrifício puro, os primeiros cristãos confessavam seus pecados – em público!
Hoje, o sacramento da confissão é privado e não tão pesado. Aproveitamos ao
máximo?
“É por isso que muitos de vocês estão fracos e doentes, e alguns
morreram” (1 Cor 11:29). Não ousamos descartar isso como ultrapassado ou
supersticioso. Paulo falava sério, e a Igreja, ainda hoje, preserva essa ideia em
sua liturgia. As más comunhões trazem julgamento sobre nossas cabeças. O
padre, antes de receber a Comunhão, diz: “Que não me traga condenação,
mas saúde na mente e no corpo”.
Receber a Comunhão, então, é receber o céu – ou trazer o castigo mais
severo sobre si mesmo. Em algumas épocas e lugares, o peso desse julgamento
manteve os cristãos longe da comunhão por anos a fio. No entanto, esta não
96

é a solução de Paulo. Em vez de ficar longe, ele recomenda o arrependimento.


“Examine-se o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice”
(1Cor 11,28).
Este é um exame em que ninguém passa. Somos todos pecadores.
Ninguém é digno de se aproximar de Deus Todo-Poderoso – sem falar em
entrar em comunhão com Ele. Mesmo São João, o discípulo amado e um
modelo de pureza e virtude, ficou maravilhado quando viu Seu melhor amigo,
Jesus Cristo, na glória. Como respondemos, interiormente, quando o
sacerdote ergue a Hóstia e diz: “Este é o Cordeiro de Deus ...”?
Não há dúvida sobre isso: devemos lutar as batalhas espirituais que nos
trarão recolhimento, atenção e contrição durante a Missa.

O VERDADEIRO AMOR SEMPRE


Queremos a bênção da aliança, e não a maldição. Quanto mais
estivermos preparados para a Missa, mais graça tiraremos da Missa. E
lembre-se: a graça disponível na Missa é infinita – é toda a graça do céu. O
único limite é nossa capacidade de recebê-lo.
Esta bênção é puro poder, embora não como o mundo entende o poder.
Graça significa liberdade, embora não como o mundo entende a liberdade. A
união com Cristo tornou Simão Pedro mais forte do que o imperador romano
Nero, embora Nero tenha autorizado a morte de Pedro.
Pedro recebeu o céu; Nero governou o mundo, mas foi consumido por
suas perversões, que se tornaram cada vez mais depravadas, levando-o ao
suicídio no ano 68 d.C. A graça compensa todas as fraquezas de nossa
natureza humana. Com a ajuda de Deus, somos capazes de fazer o que nunca
poderíamos fazer sozinhos: a saber, amar perfeitamente, sacrificar-se
completamente, entregar nossas vidas como Cristo fez. Não nos apegamos a
nada da terra, preferindo subir ao céu.
Os mártires do Apocalipse são os que falam do altar. São sacramentos
do sacrifício eucarístico de Cristo. Em suas vidas, eles manifestaram a
verdadeira natureza do amor: auto oferta sacrificial. Podemos viver este
martírio onde quer que estejamos. Não precisamos viajar para países
opressivos e anticristãos para sermos mártires. Precisamos apenas fazer as
mesmas coisas que sempre fizemos — mas agora fazendo de cada um desses
gestos, ações, pensamentos e sentimentos uma expressão de amor ao Pai,
uma imitação do Filho dentro de nós. É isso que significa viver a Missa.

FAZER PRODÍGIOS
É isso que significa ser missionário e mártir, restaurando todas as
coisas em Cristo. Significa preparar o jantar para Cristo, e por meio Dele para
o Pai, e para Seus filhos, que são seus. Significa ir trabalhar e fazer um
trabalho com amizade para seus colegas de trabalho, e não apenas para obter
97

um salário melhor no ano que vem, ou obter uma promoção, mas para ganhar
uma herança eterna.
Recordem novamente as palavras do Concílio Vaticano II: “O trabalho,
as orações e os empenhos apostólicos, a vida conjugal e familiar ordinária, o
trabalho quotidiano, o descanso mental e físico ... todos estes se tornam
sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por meio de Jesus Cristo. Durante a
celebração da Eucaristia, esses sacrifícios são oferecidos com muito amor ao
Pai junto com o corpo do Senhor”.
Toda a nossa vida fica presa na Missa e se torna nossa participação na
Missa. Quando o céu desce à terra, levantamos nossa terra para encontrá-la
no meio do caminho. Esse é o esplendor do ordinário: o mundo do trabalho
torna-se nossa Missa. É assim que realizamos o Reino de Deus. Quando
começamos a ver que o céu nos espera na Missa, já começamos a trazer nossa
casa para o céu. E já começamos a trazer o céu para casa conosco.
Tornamo-nos mártires, testemunhas de Jesus Cristo, Cuja Parousia,
Cuja Presença, conhecemos mais intimamente.

O BANQUETE ESTÁ PRONTO


Fomos feitos como criaturas na terra, mas fomos feitos para o céu, e
nada menos. Fomos feitos no tempo como Adão e Eva, mas não para
permanecer em um paraíso terrestre, mas para sermos levados à vida eterna
do próprio Deus. Agora, o céu foi revelado para nós com a morte e ressurreição
de Jesus Cristo.
Agora é a Comunhão para a qual Deus nos criou. Agora, o céu toca a
terra e espera por você.
O próprio Jesus Cristo lhe diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém
ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele
comigo” (Ap 3:20).
A porta se abre agora na ceia das bodas do Cordeiro.
98

Fontes e Referências
Introdução
A declaração do Papa João Paulo II foi extraída de seu discurso do Angelus (3
de novembro de 1996). O Papa João Paulo II também fez um “Discurso sobre
a Liturgia” aos bispos norte-americanos durante sua visita ad limina em 1998,
na qual afirma: “O desafio agora é ... alcançar o ponto de equilíbrio adequado,
especialmente entrando mais profundamente na dimensão contemplativa do
culto...
Isso só acontecerá se reconhecermos que a liturgia tem dimensões locais e
universais, temporais e eternas, horizontais e verticais, subjetivas e objetivas.
São precisamente essas tensões que dão ao culto católico seu caráter
distintivo. A Igreja universal está unida em um grande ato de louvor; mas é
sempre a adoração de uma determinada comunidade em uma determinada
cultura. É a adoração eterna do Céu, mas também está impregnada de tempo”.
E concluiu: “No centro desta experiência de peregrinação está o nosso
caminho de pecadores nas profundezas insondáveis da liturgia da Igreja, a
liturgia da criação, a liturgia do céu, que são, afinal, o culto de Jesus Cristo,
o Eterno Sacerdote, no qual a Igreja e toda a criação são atraídas para a vida
da Santíssima Trindade, nossa verdadeira casa”.
Ver Papa João Paulo II, Primavera da Evangelização (San Diego: Basilica Press,
1999), pp. 130, 135. O Papa João Paulo II elucida esta visão mais
detalhadamente em sua Carta Apostólica de 1995, Orientale Lumen (“A Luz do
Oriente”).

No Céu Agora Mesmo


“Na liturgia terrena ...” Sacrosanctum Concilium 8.
“Mesmo uma leitura superficial ...” Leonard L. Thompson, O Livro do
Apocalipse: Apocalipse e Império (Nova York: Oxford University Press, 1990),
p. 53.

Dado por vós


Sobre o número de cordeiros sacrificados. Josefo, Guerras dos Judeus
VI.9.424.

Desde o Princípio
“este é o sacrifício...” Didaquê 14.3.
“No próprio dia do Senhor ...” Didaquê 14.1.
“Como este pão partido ...” Didaquê 9.4-5. 10,3, 10,5.
“Estruturalmente falando...” Joseph Ratzinger, Festa da Fé (San Francisco:
Ignatius Press, 1986), p. 57. Ver também pp. 51–60.
“Nos próximos...” Veja Hartmut Gese, Essays on Biblical Theology
(Minneapolis: Augsburg, 1981), pp. 128-133.
99

“o lugar do sacrifício” Veja suas cartas aos Efésios (5.2), Trallians (7.2) e
Filadélfia (4) todos citados em Johannes Quasten's Patrology, Vol. 1 (Allen,
Texas: Clássicos Cristãos, 1988).
“Cuidado, então...” Santo Inácio de Antioquia, Cartas aos Filadelfinos, 4. “Da
Eucaristia e da oração ...” Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Esmirnenses,
7.
“Que seja considerado...” Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Esmirnenses,
8.1.
“No dia em que ligamos...” São Justino Mártir, Apologia 1, 65-67. Ver também
Catecismo da Igreja Católica, n. 1345.
“A comida que foi...” São Justino Mártir, Apologia 1, 66. “E a oferta de farinha
fina ...” São Justino Mártir, Diálogo com Trifão, 41.
“SACERDOTE: O Senhor esteja convosco. . .” Para uma boa tradução do texto
litúrgico de Hipólito, veja Lucien Deiss, Early Sources of the Liturgy (Staten
Island, NY: Alba House, 1967), pp. 29-73.

Prove e veja (e ouça e toque) o Evangelho


“Vocês que estão acostumados ...” Orígenes, Sobre o Êxodo, 13.3.
“Dogma é, por definição, nada mais do que ...” Joseph Ratzinger, “Crisis in
Catechetics”, Canadian Catholic Review (junho de 1983), p. 8. “No dogma da
Igreja...” Comissão Teológica Internacional, Sobre a Interpretação dos Dogmas
(Origens, 17 de maio de 1990), p. 10. “Há uma boa razão ...” Raymond Brown,
SS, New Testament Essays (Nova York: Doubleday, 1968), p. 307.

“Virei-me para Ver”


“uma revelação deve ser reveladora”. Citado em Roland H. Bainton, Here I
Stand: A Life of Martin Luther (Nova York: Mentor, 1950), p. 261.
“O milênio é, hoje ...” Veja Hal Lindsey, The Late Great Planet Earth (Grand
Rapids: Zondervan, 1970).
Sobre o Livro do Apocalipse como uma “visão do templo”, ver RA Briggs,
Jewish Temple Imagery in the Book of Revelation (Nova York: Peter Lang, 1999),
pp. 45–110; A. Spatofora, Do “Templo de Deus” a Deus como Templo: Um
Estudo Teológico Bíblico do Templo no Livro do Apocalipse (Roma: Gregorian
University Press, 1997); J. Paulien, “O Papel do Culto Hebraico, Santuário e
Templo na Trama e Estrutura do Livro do Apocalipse”, Andrews University
Seminary Studies 33 (1995), pp. 245–64; W. Riley, “Imagens do Templo e o
Livro do Apocalipse: Ideologia do Antigo Templo do Oriente Próximo e
Ressonâncias do Culto no Apocalipse”, Proceedings of the Irish Biblical
Association 6 (1982): 81–102. A maioria dos comentaristas modernos (por
exemplo, Beale, Aune, Thompson, Caird, Ladd) reconhecem as numerosas
características das visões de João como extraídas da liturgia do templo (sete
candelabros = a menorá, o manto branco como vestimenta sacerdotal, etc.).
100

Ver Joseph Ratzinger, Escatology (Washington, DC: Catholic Univ. of America


Press, 1988), p. 39 “[É] extremamente importante notar como esses dois
aspectos – a destruição iminente de Jerusalém e da Parusia – estão
temporariamente relacionados... não é o fim do mundo, mas o início de uma
nova era na história da salvação”. Jerusalém do fim do mundo” (p. 40).

Quem é Quem no Céu


Para uma apresentação popular de todas as quatro abordagens interpretativas
do Apocalipse (apresentadas lado a lado em cada página), veja S. Gregg (ed.),
Revelation: Four Views—A Parallel Commentary (Nashville: Thomas Nelson,
1997). Sobre a identificação da “Mulher” em Apocalipse 12 com a Bem-
Aventurada Virgem Maria (que foi prefigurada no Antigo Testamento pela
“Filha de Sião”, assim como ela prefigura e encarna a Igreja de Cristo no Novo
Testamento, como noiva virgem e mãe fecunda ), ver Ignace de la Potterie, SJ,
Mary in the Mystery of the Covenant (Nova York: Alba House, 1992), p. 253-
63; George Montague, SM, “Maria e a Igreja nos Pais”, American Ecclesiastical
Review 123 (1950): 153; Bernard J. Le Frois, SVD, A Mulher Vestida de Sol
(Apoc. 12) — Individual ou Coletivo: Um Estudo Exegético (Roma: Herder,
1954); idem, “A Mulher Vestida de Sol”, American Ecclesiastical Review 126
(1952): 161-80; DJ Unger, “Did Saint John See the Virgin Mary in Glory?”,
Catholic Biblical Quarterly 11–12 (1949-50): 75–83, 155–61, 249– 62, 292–
300, 392–405, 405– 415.
“Todo mundo sabe que isso...” Papa Pio X, Carta Encíclica Ad Diem Illum
Laetissimum 24, 1904.
Sobre a realidade essencial subjacente à descrição figurativa de João do
“mistério da iniquidade” (por exemplo, “as Bestas”), ver Christian Faith and
Demonology, Congregation for the Doctrine of the Faith (Boston: Filhas de São
Paulo, 1975), p. 14: “É com efeito o Livro do Apocalipse que, ao revelar o
enigma dos diferentes nomes e símbolos de Satanás nas Escrituras,
desmascara definitivamente a sua identidade”.
Para mais informações sobre a possível origem salomônica de 666 (1 Rs
10:14), veja A. Farrer. A Rebirth of Images: The Making of St. John's Apocalypse
(Londres: Dacre Press, 1949), pp. 256–60. Farrer também observa: “No sexto
dia da semana e na sexta hora, diz São João, os reinos de Cristo e do Anticristo
olharam um para o outro na corte de Pilatos, e os adeptos do Falso Profeta
(Caifás) firmemente escreveram em suas testas a marca da Besta, quando
disseram: “Não temos rei senão César” ... A vitória de Cristo na sexta-feira é a
manifestação suprema também do Anticristo” (p. 259).

O Apocalipse Naquele tempo


Veja Ignace de la Potterie, “O Apocalipse já aconteceu”, 30 Dias 9 (1995): 56–
57.
101

"Mas não é fácil ...” Summa Theologica III, Questão Suplementar 73; veja
também Santo Agostinho, Epístola 80, que São Tomás cita.
Joseph Ratzinger, Escatologia, pp. 201-202: “Por sua natureza, o retorno do
Senhor pode ser descrito apenas em imagens. O Novo Testamento extraiu seu
material imaginativo a esse respeito das descrições do Antigo Testamento do
Dia de Yahweh... Outro material foi adicionado por empréstimo do culto... e a
Liturgia... Com base nisso, podemos oferecer uma avaliação fiel da linguagem
do simbolismo cósmico no Novo Testamento. Esta linguagem é a linguagem
litúrgica...” Ele continua: “Esta análise nos permite tirar duas conclusões. As
imagens cósmicas do Novo Testamento não podem ser usadas como fonte para
a descrição de uma futura cadeia de eventos cósmicos. Todas as tentativas
deste tipo são mal colocadas. Em vez disso, esses textos fazem parte de uma
descrição do mistério da Parousia na linguagem da tradição litúrgica. O Novo
Testamento oculta e revela a indizível vinda de Cristo, usando linguagem
emprestada dessa esfera, que é graciosamente capacitada para expressar
neste mundo o ponto de contato com Deus. A Parousia é a maior intensificação
e cumprimento da Liturgia. E a Liturgia é Parousia, um evento semelhante à
Parousia acontecendo em nosso meio” (pp. 202-203). Ratzinger acrescenta:
“Toda Eucaristia é Parousia, a vinda do Senhor, e ainda assim a Eucaristia é
ainda mais verdadeiramente o anseio tenso de que Ele revelaria Sua glória
oculta” (p. 203). Assim conclui: “Visto nesta perspectiva, o tema da Parousia
deixa de ser uma especulação sobre o desconhecido. Torna-se uma
interpretação da liturgia e da vida cristã em sua íntima conexão...” (p. 204)
[grifo nosso].
Karl Adam, The Christ of Faith (Nova York: Pantheon Books, 1957), pp. 283-
84: ... “Assim, os comentaristas católicos preferem a explicação de que as
declarações de nosso Senhor neste discurso [o Discurso das Oliveiras] devem
ser interpretadas como uma visão profética... Nesse contexto, a queda de
Jerusalém adquire importância primordial na história da salvação. Pois não é
a queda de qualquer cidade comum, mas a queda da antiga aliança,
julgamento divino sobre o primogênito de Javé, porque eles não sabiam o
tempo de sua visitação. Na visão profética de Jesus, a queda de Jerusalém
significa o primeiro ato do julgamento do mundo, a verdadeira introdução do
iminente Juízo Final. Para Jesus a queda da cidade já fazia parte da grande
novidade que veio ao mundo desprevenida com a sua missão, e atingirá o seu
cumprimento na Parousia do Senhor. E porque a queda de Jerusalém, a
abertura para o julgamento final, ocorreria dentro desta geração, então, de
fato, muitos dos ouvintes de Cristo seriam testemunhas desse julgamento”.
Sobre a estreita e profunda ligação entre a Presença Real e a Parousia, ver P.
Hinnebusch, “The Eucharist and the Parousia”, Homiletic and Pastoral Review
(novembro de 1994): 15-19; G. Wainwright, Eucaristia e Escatologia (Nova
York: Oxford University Press, 1981); F.-X. Durrwell, A Eucaristia: Presença
de Cristo (Denville, NJ: Dimension, 1974); _ Para um bom caso a favor de uma
102

data anterior a 70 d.C. para o Apocalipse (ou seja, durante a perseguição de


Nero, antes da Revolta Judaica), veja KL Gentry, Before Jerusalem Fell: Dating
the Book of Revelation (Tyler, Texas: ICE, 1989). as antigas tradições em torno
da “pedra fundamental” (em hebraico, èben shetiyah), sobre a qual o templo
de Jerusalém foi construído (e onde a Cúpula da Rocha está atualmente
localizada), ver BF Meyer, “The Temple at the Navel of the Earth ”, em Christus
Faber: The Master-Builder of the House of God (Pittsburgh: Pickwick Press,
1992), pp. 21–79; idem, The Aims of Jesus (Philadelphia: Fortress Press, 1979),
pp. 185–187 ; Z. Vilnay, Legends of Jerusalem (Philadelphia: Jewish
Publication Society of America, 1973), pp. 5-49; J. Jeremias, Golgotha (Leipzig:
Pfeiffer, 1926), pp. 66-68; AJ Wensi nck, A Ideia dos Semitas Ocidentais Sobre
o Umbigo da Terra (Amsterdã: Johannes Muller, 1916), pp. 22-35, 54-65. Para
um tratamento interessante da aparente ligação em Apocalipse 20 entre a
“pedra fundamental” e “o aprisionamento do Dragão” durante “o milênio” (ou
seja, o período da aliança davídica desde a conquista de Jerusalém em 1003
a.C. até o nascimento de Jesus ), quando a Jerusalém terrena serviu como
um protótipo temporário do Reino da Nova Aliança, veja Scott Hahn, “The End:
A Bible Study on the Book of Revelation” (uma série de treze fitas distribuída
pela St. Joseph Communication, West Covina, Califórnia; 1993); e V. Burch,
Anthropology and the Apocalypse (Londres: Macmillan, 1939), pp. 139-209; E.
Corsini, The Apocalypse (Wilmington, Delaware: Michael Glazier, 1983), pp.
361-85; e RA White, “Preterism and the Orthodox Doctrine of Christ's Parousia”
(Tese de Mestrado, Trinity Evangelical Divinity School, 1986), pp. 42–46.
Sobre a Jerusalém terrena em 70 d.C. como o principal objeto do julgamento
da aliança divina em Apocalipse (vs. Roma), veja AJ Beagley, The “Sitz Im
Leben' of the Apocalypse with Particular Reference to the Role of the Church's
Enemies (Nova York: Walter de Gruyter, 1987); veja também D. Chilton, The
Days of Vengeance: An Exposition of the Book of Revelation (Tyler, Texas:
Dominion Press, 1987).
“Espiritualmente, somos semitas.” Citado em JL McNulty em “The Bridge”, The
Bridge I (1955), p. 12.
BF Westcott, The Historic Faith (Nova York: Macmillan, 1890), p. 90: “A queda
de Jerusalém foi para a história religiosa do mundo, um fim tão completo
quanto a morte. O estabelecimento de uma Igreja espiritual foi um começo tão
glorioso quanto a Ressurreição”.

Dia do Julgamento
Veja o Cardeal Augustin Bea, “O Povo Judeu no Plano Divino de Salvação”,
Pensamento 41 (1966): 9–32. Bea afirma:
“Devemos ter em mente a perspectiva profética típica em que o julgamento de
Jerusalém é ao mesmo tempo o modelo e o símbolo do Juízo Final... Assim,
no conhecido discurso de Jesus em Mateus 24, o julgamento histórico de
Jerusalém e o Juízo Final se misturam de tal forma que é impossível decidir
103

onde termina um e começa o outro. Portanto, o julgamento de Jerusalém e


sua destruição fazem parte da revelação de Deus à humanidade; por meio
dela, em um episódio específico, Deus mostra algo dessa terrível realidade do
juízo com o qual a história da humanidade será concluída. Sendo essa
realidade de decidida importância para a humanidade, segundo a Sagrada
Escritura, é perfeitamente compatível com o ensinamento divino projetar
alguma imagem dela na história da humanidade como uma advertência
severa, mas eficaz e salutar” (pp. 22-23).

Levantando o Véu
“Nós não sabíamos ...” Veja A Igreja Ortodoxa, Timothy Ware (Baltimore:
Penguin Books, 1963), p. 269.
“A liturgia é antecipada Parousia ...” Joseph Ratzinger, A New Song for the
Lord (New York: Crossroad, 1997), p. 129.
Ele acrescenta: “Portanto, não é o caso de você pensar em algo e depois cantá-
lo; em vez disso, a música vem dos anjos, e você tem que elevar seu coração
para que possa estar em sintonia com a música que chega até ele. Acima de
tudo, isso é importante: a liturgia não é uma coisa criada pelos monges. Já
está lá antes deles. É entrar na liturgia dos céus... A liturgia terrena é liturgia
porque e somente porque une o que já está em processo, a realidade maior”.
P. Maniyattu, Heaven on Earth: The Theology of Liturgical Spacetime in the East
Syria Curbana (Roma: Mar Thoma Yogam, 1995), pp. 25-26: “É a santa
eucaristia que torna o tempo eterno. A participação na liturgia eucarística
permite transcender os limites do tempo e entrar na esfera do tempo
sagrado...”
Para um maior desenvolvimento da estrutura litúrgica e dos elementos do
Livro do Apocalipse, ver J.-P. Ruiz, “O Apocalipse de João e a Liturgia Católica
Romana Contemporânea”; Culto 68 (1994): 482–504; MM Thompson,
“Adoração no Livro do Apocalipse”, Ex Auditu 8 (1992): 45–54; Ugo Vanni,
“Diálogo Litúrgico como Forma Literária no Livro do Apocalipse”, Estudos do
Novo Testamento 37 (1991): 348–372; BW Snyder, “Mito de Combate no
Apocalipse: A Liturgia do Dia do Senhor e a Dedicação do Templo Celestial”
(Tese de Doutorado, União Teológica de Graduação e Univ. da Califórnia,
Berkeley, 1991); GA Gray, “O Apocalipse de São João, o Teólogo: Ícone Verbal
da Liturgia” (Tese de Mestrado, Seminário Mount Angel, 1989); E. Cothenet,
“Liturgia Terrena e Liturgia Celestial de acordo com o Livro do Apocalipse”, em
Papéis na Assembleia Litúrgica, XII Conferência Litúrgica Saint-Serge (Nova
York: Pueblo, 1981), pp. 115–35; L. Thompson, “Cult and Escatology in the
Apocalypse of John”, Journal of Religion 49 (1969): 330-50; MA Shepherd, The
Paschal Liturgy and the Apocalypse (Londres: Lutterworth, 1960).
Significativamente, o Catecismo afirma: “O livro do Apocalipse de São João,
lido na liturgia da Igreja, primeiro nos revela: 'Um trono estava no céu, com
um sentado no trono': 'o Senhor Deus'...” (1137, grifo nosso). Este
104

ensinamento do Catecismo ressalta quão apropriado e esclarecedor é ler e


interpretar o Apocalipse especificamente “na liturgia da Igreja”, assim como o
livro instrui seus leitores a fazer (Ap 1:3); ver J.‑P. Ruiz em Ezequiel no
Apocalipse (Nova York: Peter Lang, 1989), p. 488: “[A] liturgia foi o cenário
privilegiado para a compreensão do Apocalipse de João. Lá as Escrituras
foram lidas e interpretadas... Vocabulário cultual, fórmulas litúrgicas e
elementos hínico-doxológicos ao longo do livro oferecem evidências de que esse
foi o caso.” Veja também Leonard L. Thompson, The Book of Revelation (Nova
York: Oxford University Press, 1990), p. 72: “Além disso, o vidente recebe suas
visões “no Dia do Senhor” (1:10) – in sacro tempore – o dia de adoração na
igreja primitiva, assim como ele espera que sejam lidas na comunidade de
adoração. A revelação profética é recebida e proclamada no contexto da
adoração. Esses comentários do vidente coincidem com os de Paulo, que
afirma que um “apocalipse” faz parte do culto quando os cristãos se reúnem
para adoração (1 Coríntios 14:26). No final de uma discussão sobre dons
espirituais, Paulo descreve um serviço de adoração: inclui, entre outras coisas,
o canto de hinos e a proclamação de apocalipses (1 Coríntios 14:26) ...
O profeta pode usar qualquer uma das várias formas de adoração: uma
oração, um hino, uma revelação ou mesmo um ensinamento. O importante é
que os serviços sejam ordenados e controlados. O verdadeiro profeta, mesmo
quando está “no Espírito”, tem controle (1 Coríntios 14:32). A estreita conexão
entre adoração e apocalipse no livro do Apocalipse, portanto, está de acordo
em vários aspectos com o que Paulo diz em 1 Coríntios. Ele conclui: “Tanto no
Apocalipse quanto na igreja primitiva, a adoração serve como o cenário no
qual as narrativas escatológicas (como o próprio livro do Apocalipse) se
desenrolam.
Além disso, tanto no Apocalipse quanto nas igrejas da Ásia Menor, a adoração
realiza a realeza de Deus e seu justo julgamento; através da celebração
litúrgica as expectativas escatológicas são vividas atualmente. Hinos, ações de
graças, doxologias e aclamações realizam no contexto do culto a mensagem
escatológica... O Livro do Apocalipse, ao funcionar no culto comunitário da
Ásia Menor como o culto celestial funciona no próprio livro, liga o céu e a terra.
A obra media sua própria mensagem” (pp. 72-73). Veja também David E.
Aune, The Cultic Setting of Realized Eschatology in Early Christianity (Leiden:
EJ Brill, 1972).
“primeiro confesse suas transações . . .” Didache 14.13 “a igreja no local de
...” Ver Jerome Murphy-O'Connor, OP, “The Cenacle and Community: The
Background of Acts 2:44–45”, em MD Coogan, JC Exum e LE Stager (eds.),
Scripture and Other Artifacts (Louisville, Ky.: Westminster John Knox, 1994),
pp. 296-310. Rainer Reisner, “Jesus, the Primitive Community, and the Essene
Quarter of Jerusalem,” em JH Charlesworth (ed.), Jesus and the Dead Sea
Scrolls (New York: Doubleday, 1992), pp. 198–234; Bargil Pixner, OSB, “Portal
Essênio de Jerusalém: Onde a Comunidade Viveu no Tempo de Jesus,”
105

Biblical Archaeology Review (maio-junho de 1997); idem, “Igreja dos Apóstolos


Encontrados no Monte Sião,” Biblical Archaeology Review (maio-junho de
1990).
“Para verdadeiramente ...” São Cirilo de Jerusalém, Conferências Catequéticas
22.4. Para uma boa discussão sobre as dimensões celestes da Missa em várias
fontes patrísticas e medievais, veja MM Schaefer, “Heavenly and Earthly
Liturgies: Patristic Prototypes, Medieval Perspectives, and a Contemporary
Application”, Worship 70 (1996): 482–505. “As liturgias das antigas igrejas do
Oriente e do Ocidente são inspiradas nas estruturas simbólicas de Hebreus e
do Apocalipse... O ambiente da Divina Liturgia simboliza o culto “do alto”.
Edifícios centralizados coroados por uma cúpula “imitam” o céu. Os diáconos
obedientes a uma coreografia sagrada servem como anjos ministradores
enquanto as pessoas cantam aclamações como se estivessem na corte
celestial. O sacerdote é ícone de Cristo, o sumo sacerdote... Fonte iconográfica
para numerosos programas absidiais paleo-cristãos e medievais na cidade de
Roma, [o Livro do Apocalipse] figurou grande na imaginação religiosa do
Ocidente” (pp. 489-490). Schaefer cita Gregório Magno: “Pois, quem dentre os
fiéis pode ter alguma dúvida de que no momento da imolação, ao som da voz
do sacerdote, os céus se abrem e coros de anjos estão presentes no mistério
de Jesus Cristo. Lá no altar o mais humilde se une ao mais sublime, a terra
se une ao céu, o visível e o invisível se fundem em um” (Diálogos IV.58 [PL 77,
425D]). Ela conclui: “A perda das perspectivas patrísticas relega o mistério do
céu e da terra unidos no culto ao futuro escatológico ...” (pág. 502). Veja
também o estudo inovador sobre o assunto, O. Piper, “The Apocalypse of John
and the Liturgy of the Ancient Church”, Church History 20 (1951): 10–22.
Erik Peterson, The Angels and the Liturgy (Nova York: Herder and Herder,
1964): p. ix: “Vemos claramente que a Jerusalém terrena com seu culto no
templo foi o ponto de partida para essas ideias e imagens da literatura cristã
primitiva; mas o ponto de partida foi deixado para trás e não é mais na terra
que Jerusalém é procurada como poder político ou centro de culto, mas no
céu, para onde se voltam os olhos de todos os cristãos”. Em outro lugar ele
escreve: “Nossa análise da Liturgia de São Marcos está completa. Esta análise
estabeleceu nossa tese de que todo culto terreno da Igreja deve ser visto como
uma participação naquele culto oferecido a Deus pelos anjos no céu - é
confirmado não apenas pela Sagrada Escritura, mas também pela tradição da
Igreja expressa na liturgia”. “o corpo é um ...” Liber Graduum 12.1, citado em
P. Manniyattu, Heaven on Earth (Roma: Mar Thoma Yogam, 1995), p. 9.

Adoração é Luta
“Esta guerra é inevitável. . .” Dom Lorenzo Scupoli, The Spiritual Combat
(Westminster, Md.: Newman, 1945), p. 45.
“se for grande a fúria dos teus inimigos ...” Ibidem, pág. 44.
106

Sobre os santos do Cânon Romano. Ver Joseph Ratzinger, A New Song for the
Lord (New York: Crossroad, 1997), p.175.

A Ideia de Paróquia
“Deus em seu mistério mais profundo...” Papa João Paulo II, Puebla: A
Pilgrimage of Faith (Boston: Filhas de São Paulo), p.86.
MJ Scheeben, Os Mistérios do Cristianismo (St. Louis: Herder, 1950), p. 509:
“Pela celebração do ato sacrifical que se realiza nesta terra, a Igreja pode entrar
diretamente em união com o sacrifício celestial que Cristo oferece no corpo
glorificado... O ato eucarístico de sacrifício traz a marca da imolação
consumada na cruz, e a reencena vividamente em sua forma e poder, somente
na medida em que no holocausto celestial a imolação da cruz é exibida e
oferecida na lembrança eterna de Deus, e essa lembrança é visivelmente
representado para nós na separação do sangue do corpo na Eucaristia pela
diferença entre as espécies”.
107

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Hahn, Scott.
A ceia do cordeiro: a missa como céu na terra / por Scott Hahn. —1ª ed. pág.
cm.
1. Missa – Celebração. 2. Bíblia. Revelação do NT—Crítica, interpretação, etc.
I. Título.
BX2230.5.H29 1999
264′.02036—dc21 99-23679 CIP
Nihil Obstat: Rev. James Dunfee, Censor Librorum Imprimatur: Rev. Gilbert
Sheldon, Bispo de Steubenville O Nihil Obstat e o Imprimatur são declarações
oficiais de que um livro ou panfleto está livre de erro doutrinário ou moral.
Nenhuma implicação está contida nele de que aqueles que concederam o Nihil
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expressas.
eISBN 0-385-50480-2
Copyright © 1999 por Scott Walker Hahn Todos os direitos reservados
v1.0
Informações do eBook
Título:
The Lamb's Supper
Criador:
Scott Hahn
Editora:
Doubleday
Formato:
OEB
Data:
2003-01-30
Assunto: religioso
Identificador
Hahn_0385504802
Idioma:
Inglês dos EUA
Direitos:
Copyright 1999
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