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VIAGEM À TERRA PROMETIDA

O caminho do povo de Israel da


convocação até o sonho de Davi

Original alemão:

Ziehet hin ins Gelobte Land: Der Weg des Volkes Israel Von Abrahams
Berufung bis zu Davids Traum. Stuttgart: Freies Geistesleben.
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VIAGEM À TERRA PROMETIDA

O caminho do povo de Israel da


convocação até o sonho de Davi

Tradução Rosemarie Schalldach

Revisão de Ruth Salles

Colaboração Vanessa Valeria B. Mendes e Walkiria P. Cavalcanti –

2010
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ÍNDICE

ABRÃO .................................................................. 06

O Rei Nemrod .................................................................. 06

A Torre de Babel .................................................................. 07

O Nascimento de Abrão .................................................................. 08

Abrão e Nemrod .................................................................. 10

A Confusão das Línguas .................................................................. 12

Abrão vai para Canãa .................................................................. 13

A Árvore de Abrão .................................................................. 14

A Visita dos Três Homens .................................................................. 16

A Destruição de Sodoma .................................................................. 17

ISAAC .................................................................. 20

O Menino Isaac .................................................................. 20

O Sacrifício de Isaac .................................................................. 21

Isaac e Rebeca .................................................................. 23

JACÓ .................................................................. 27

Jacó e Esaú .................................................................. 27

A Benção de Isaac .................................................................. 28

A Fuga de Jacó .................................................................. 30

Jacó em Terra Estrangeira .................................................................. 32

A Terra de Canaã – a Reconciliação .................................................................. 33

JOSÉ .................................................................. 35

José é Vendido .................................................................. 35

José no Egito .................................................................. 39

José na Prisão .................................................................. 42


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Os Sonhos do Faraó .................................................................. 44

Os Anos de Fome .................................................................. 47

A Grande Viagem para o Egito .................................................................. 52

Um Novo Faraó .................................................................. 53

MOISÉS .................................................................. 55

Nascimento e Infância de Moisés .................................................................. 55

O Carvão Ardente .................................................................. 56

Moisés e os Egípcios .................................................................. 56

Moisés em Madian .................................................................. 58

A Luta com o Faraó .................................................................. 60

O Êxodo .................................................................. 62

Mara e Sin .................................................................. 66

Os Amalecitas .................................................................. 66

No Sinai .................................................................. 67

Os Dez Mandamentos .................................................................. 69

O Bezerro de Ouro .................................................................. 71

A Tenda da Reunião .................................................................. 72

O Deserto de Zin .................................................................. 73

A Serpente de Bronze .................................................................. 74

Balaão Aparece de Novo .................................................................. 74

JOSUÉ .................................................................. 76

A Nomeação de Josué .................................................................. 76

O Túmulo desconhecido .................................................................. 76

A Travessia do Jordão .................................................................. 77

A Tomada de Jericó .................................................................. 77

Na Terra de Canaã .................................................................. 80


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SAUL E DAVI .................................................................. 81

Samuel e Saul .................................................................. 81

Saul Torna-se Rei .................................................................. 83

O Pastor Davi .................................................................. 84

Quem Será o Novo Rei? .................................................................. 85

Davi e Saul .................................................................. 86

Davi e Golias .................................................................. 88

Na Caverna .................................................................. 91

A Morte de Saul e Jônatas .................................................................. 92

Davi como Rei .................................................................. 93

A Grande Assembléia .................................................................. 94

O Sonho de Davi .................................................................. 95

Os Salmos de Davi .................................................................. 96

POSFÁCIO .................................................................. 97
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ABRAÃO

O Rei Nemrod

Depois do dilúvio, a humanidade se espalhou pelo mundo. Todos falavam a mesma


língua, a língua de Noé. Naquele tempo a língua era sagrada. Ninguém que tivesse
rezado ou sacrificado sob o arco-íris do novo mundo praguejava ou maltratava a língua.

Mas os homens se tornaram outra vez numerosos sob a terra. Quando Noé e todos os
que tinham sido salvos com ele na arca morreram, os homens clamaram por um rei que
os regesse. Vivia naquele tempo um poderoso caçador, grande e forte de corpo. Ele
usava uma roupa feita da pele de animais selvagens que ele mesmo matara. Esse
caçador chamava-se Nemrod.

Muitos diziam: “Nemrod deve ser nosso rei, ele é grande e forte e vence todos os
adversários na luta.” Chegaram-se a Nemrod e exclamaram: “Sê nosso rei! Ordena, e
nós obedeceremos!” Como todos inclinassem a cabeça diante dele, ele se ergueu
altivamente e disse: “Serei vosso rei se fizerdes tudo o que eu ordenar.” A primeira
ordem foi: “Construí para mim um palácio e um grande trono.” Em todo o país, o povo
começou a se movimentar.

Construíram o palácio e uma grande cidade à volta dele. O trono foi esculpido em pedra
e tinha quatro pilares voltados para as quatro direções do mundo. Mas, depois de sete
dias, Nemrod disse: “O trono é baixo demais para mim.” Então os artífices colocaram
sobre o trono de pedra um de madeira, guarnecidos de muitas formas de animais.
Nemrod sentou-se nele e reinou. Depois de um mês, ele disse: “A madeira é mole
demais para mim!” Então os artífices moldaram um trono de ferro, colocaram-no por
cima e fizeram uma escada atrás, para que o rei pudesse subir. Nemrod sentou-se no
trono de ferro e reinou. Depois de meio ano, disse: “Este é escuro demais para mim!”
Então, moldaram-lhe um trono em cobre, poliram-no com areia fina, até que o cobre
ficasse com um brilho avermelhado, e lá o sentaram. Nemrod gostou do trono e reinou
nele por um ano. Um dia, num acesso de fúria, gritou: “O trono é vermelho demais para
mim!” Então os ourives fizeram um trono de prata e o poliram até que brilhasse como a
lua na noite. Nemrod sentou-se nele e reinou. Depois de dois anos, ele disse: “Prefiro
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um trono de ouro!” Então seus servos tiveram de trazer ouro de toda a parte. Os ourives
fizeram o trono; ele brilhava como o sol e não precisava ser polido. Os artífices tiveram
de aumentar escada de novo. Eles conversaram entre si: “Agora o que ele tem já lhe
basta. Mais alto o trono não poderia ser, senão bate no teto.” Nemrod sentou-se no trono
de ouro e reinou. Quem se aproximava do trono tinha que se lançar ao chão e gritar para
que sua voz fosse ouvida pelo rei lá em cima. Depois de três anos, Nemrod ordenou:
“Os ourives deverão guarnecer meu trono de ouro com pedras preciosas, para que ele
brilhe como as estrelas do céu!” E, quando Nemrod se sentou nesse trono e não podia
ordenar que o fizessem nem mais alto nem mais belo, teve então uma outra idéia.

A torre de Babel

O rei Nemrod, ao dormir, tinha muitas vezes sonhos estranhos, que um espírito do mal
lhe soprava. Seu nome era Sandalfon. Ele sussurrou para Nemrod: “Constrói uma torre
tão alta que vá até a abóbada celeste. Coloca na torre a minha imagem, e eu protegerei
tua cidade da chuva de fogo e do avançar das águas. O fogo não poderá destruir a torre
e, ante o avanço das águas, pode refugiar-te lá no alto dela.” E o espírito do mal
continuou soprando. Nemrod sonhou que subiu pela torre acima com seus guerreiros
para, lá no alto, tomar de assalto o mundo celeste. Seus soldados atiraram flechas para
cima, e elas caíam manchadas de sangue. Mas ele também teve um sonho suave: viu
uma grande luz se derramando sobre a torre e se espalhando em todas as direções do
mundo.

Quando Nemrod teve esses sonhos, pensou: “A torre me trará mais poder e glória que o
trono.” Ele mandou chamar todos os construtores da terra e ordenou: “Construí para
mim uma torre tão alta que vá até o céu. Eu vos concedo poderes sobre todo o povo, a
fim de que homens, mulheres, crianças ou velhos, dia e noite, amassem e cozam argila
para fazer tijolos. Quem se recusar a trabalhar morrerá!”

Os arautos do rei Nemrod chamaram o povo para o trabalho. Eles anunciavam: “Quem
trabalhar na torre vai ganhar muito e, um dia, poderá subir até o céu.” Dia e noite, ardia
o fogo nos fornos de cerâmica, para que fossem cozidos os tijolos feitos de argila
amassada e ficassem bem duros.
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As pessoas ficavam completamente obcecadas com a idéia da torre. Se alguém deixava


cair um tijolo e este se partia, todos deploravam esta perda. Se um homem, por falta de
sorte, despencava da torre e morria, eles apenas riam e atiravam seu corpo no forno
mais próximo. Nemrod ordenou: “No centro da torre, construireis um pedestal. Em cima
dele, erguereis uma estátua ao deus Sandalfon. Em todo o país deve-se vê-lo e adorá-
lo!” Os escultores, então, começaram a cinzelar na pedra uma cara enorme e grotesca
para ser posta mais tarde no alto da torre.

O nascimento de Abrão

Os soldados e servos de Nemrod tinham um capitão de nome Taré. De sua mulher


nasceu um menino. Taré deu-lhe o nome de Abrão. Na noite no nascimento, o capitão
tinha convidado os magos e adivinhos de Nemrod para irem à sua casa. Na hora do
nascimento, eles deveriam ler nas estrelas que vida iria ter aquela criança recém-
nascida. Quando o menino nasceu, os adivinhos viram à noite no céu uma grande estrela
passando e ela se desintegrou em muitas estrelas pequeninas. Os astrólogos ficaram
espantadíssimos. E disseram a Taré: “Este menino será muito poderoso e pai de todo um
povo.” Quando, no meio da noite, eles voltaram para o palácio de Nemrod, conversaram
uns com os outros, dizendo: “Deveríamos informar ao rei Nemrod desse nascimento. Se
o ocultarmos dele e ele chegar a saber, somos homens mortos.”

No outro dia, os sábios se apresentaram diante do trono de Nemrod, lançaram-se a seus


pés e tocaram o chão com a testa. Disse, então, seu porta-voz: “Longa vida ao rei! Hoje
à noite, ó rei, nasceu um filho para teu capitão Taré. Ele nos convidou para irmos à sua
casa. Quando o menino nasceu, erguemos nossos olhos para o céu e vimos uma estrela
que passava reluzindo e que se fragmentou em muitas estrelas pequenas. O filho de Taré
será grande e poderoso e será pai ou rei de um povo.” Perguntou Nemrod: “Será que ele
vai se tornar perigoso para mim?” Respondeu o maior dentre os sábios: “Pode bem ser
que dele te venha algum mal. Se agrada ao rei, que se pague ao pai uma quantia, e nós
mataremos o menino, antes que se torne perigoso para ti.”

Nemrod mandou chamar Taré: “Contaram-me que, na noite passada, nasceu para ti um
filho. Depois do seu nascimento, foram vistos sinais no céu. Dá-me esse menino para
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que eu o afaste, antes que me venha dele algum mal. Eu te darei Taré, uma boa quantia
em ouro e prata.”

Taré sabia que Nemrod não admitia objeções alguma e respondeu: “Tudo que é meu
entrego nas mãos do rei. Mas concede-me a graça de três dias, para que eu explique
devidamente as palavras do rei às pessoas que moram em minha casa.”

O rei atendeu a Taré e lhe concedeu o prazo de três dias para a entrega do menino.
Chegando em casa, ele contou à mulher e aos familiares qual havia sido a oferta de
Nemrod, e eles ficaram amedrontados e angustiados. Na manhã do terceiro dia, os
servos de Nemrod bateram com toda a força no portal da casa de Taré e exigiram o
menino. Justamente naquela noite, uma serva tinha tido um filho. Taré fez com que ele
fosse entregue aos servos de Nemrod. Nemrod jogou a criança com força contra o trono
de pedra, e ela morreu na hora.

Entretanto Taré, secretamente, levou sua mulher com o menino Abrão e uma ama para
uma caverna nas redondezas da cidade. De tempos em tempos, ele levava alimento para
o esconderijo. Mas, para evitar que corressem boatos, depois de alguns dias a mãe
voltou para a casa de Taré, deixando a ama sozinha na caverna com o menino.

Mas não passou despercebido a Sandalfon, o gênio do mal, que Abrão fora deixado com
vida. Ele mandou um sonho para Nemrod, em que aparecia para o rei um jovem, que ia
crescendo diante de seu trono, até ficar tão alto como uma árvore, e que derrubava o
trono sétuplo. E uma voz aguda lhe sussurrava: “Nemrod, o pequeno Abrão vive. Vem
dele um perigo que te ameaça!” Quando Nemrod acordou os ouvidos lhe zumbiam do
som daquela voz. Ele ordenou aos servos que matassem todos os recém-nascidos com
um mês ou menos de idade. Os servos assim o fizeram com suas cruéis espadas. Mas o
esconderijo de Abrão estava oculto ao espírito maligno que era Sandalfon, pois o clarão
do arcanjo Gabriel rodeava de luz o menino. Por causa dessa luz, Saldalfon não podia
vê-lo nem encontrá-lo, por mais que procurasse em todo o país.

De tempos em tempos, a mãe visitava o menino na caverna, levando-lhe alimento e


roupa. Saldalfon, o gênio do mal, não dava tréguas. Ele sabia que Abrão vivia, mas não
sabia onde. E assim ele apareceu mais uma vez no sonho de Nemrod e sussurrou:
“Abrão vive e vai derrubar teu trono se tu não o matares. Manda teus soldados
procurarem por ele!” Nemrod tornou a ordenar aos soldados que procurassem Abrão e
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que o trouxessem vivo à sua presença, pois queria ter certeza de que desta vez mataria o
menino certo.

Na encosta do morro da caverna, Abrão estava brincando com pauzinhos e pedrinhas.


De repente, ele viu no vale um grupo de homens subindo o caminho que levava ao
morro. Então ouviu-se no ar um forte zunido. Abrão votou-se engatinhando para dentro
da caverna. Lá fora, uma nuvem de névoa baixou e envolveu os soldados, de tal modo
que eles perderam a direção. E se dispersaram, correndo uns de encontro aos outros,
pisando-se nos pés, de tanto que ficaram com medo de um acontecimento tão inusitado.
Todos fugiram na direção do vale. A neblina só se desfez na planície, e eles voltaram
para Nemrod sem ter conseguido nada.

Quando Abrão crescer a ponto de saber andar, o anjo Gabriel deu-lhe a mão e o levou
para longe até encontrarem Sem, filho de Noé, que vivia na solidão. Lá ele cresceu sob
os cuidados e a sabedoria de Sem. À mãe de Abrão o anjo fez um sinal, indicando que
havia tomado o menino sob sua proteção. Consolou-a com a força de sua luz, e ela
contou confidencialmente a Taré a milagrosa salvação do menino.

Abrão e Nemrod

Passaram-se os anos, e Abrão tornou-se um rapaz e depois um homem feito. A mando


de Sem, ele voltou até Nemrod, na cidade de Babel. Ele penetrou no átrio do palácio
como um forasteiro desconhecido. Ali, Nemrod havia mandado erguer ídolos de pedra,
que o povo era obrigado a adorar. Abrão pensou: “Se eu pedir para me levarem à
presença do rei, vão caçoar de mim e me escorraçar. Se eu derrubar um desses ídolos
horríveis, vai haver um grande tumulto. Vão levar-me até Nemrod, e eu poderei falar
com ele.”

Junto a uma dos ídolos, um escultor cinzelava sinais na pedra. Abrão agarrou de repete
um martelo e golpeou a cabeça do ídolo. Colocando o martelo nas mãos de pedra, disse
ás pessoas horrorizadas que acorreram: “Se ele for um deus, que me derrube!” Guardas
acudiram espantados com a gritaria, e agarraram Abrão e o levaram até o palácio, a fim
de que Nemrod o castigasse. O rei foi informado do crime cometido pelo estranho, e
este foi intimado a se apresentar.
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Muito zangado, Nemrod perguntou: “Quem és tu, que tens a ousadia de praticar uma
ação tão temerária?”

O desconhecido respondeu: “Sou Abrão, filho de Taré.”

Nemrod empalideceu e perguntou: “Por que fazes tanto mal aos meus deuses? Teu
espírito está perturbado?”

Abrão perguntou: “Qual é o teu deus?”

Nemrod respondeu: “O fogo é o meu deus.”

Abrão disse: “A água apaga o fogo!”

Nemrod replicou: “Também adoramos a água.”

Abrão disse: “As nuvens carregam a água dentro delas.”

Nemrod replicou: “Também adoramos as nuvens.”

Abrão disse: “Os ventos dispersam as nuvens.”

Nemrod: “Também adoramos os ventos.”

Abrão disse: “A terra é a pátria dos ventos!”

Nemrod: “Também adoramos a terra!” E zangado, deu um salto e gritou: “Por quanto
tempo queres fazer troça de mim, o rei? De fato, adoro o fogo e pelo fogo tu morrerás!”

E ordenou aos servos que jogassem Abrão num *telhal quente. E gritou-lhes: “Vigiai o
forno até à noite. Eu mesmo virei e jogarei suas cinzas aos quatro ventos.”

Os guardas do palácio acorrentaram as mãos e o levaram para fora da cidade, onde os


telhais ardiam.

Foi então que o anjo Gabriel disse para o coro dos anjos: “Vou até a terra salvar Abrão.
Vou esfriar para ele o fogo.”

*telhal: folho onde se cozem telhas. (N.R.)


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Muita gente acompanhou os servos de Nemrod, que iam levando o prisioneiro pelas
ruas da cidade para a morte nas chamas. Chegando a um forno que ardia, eles ergueram
a tampa com correntes. Abrão, algemado, foi atirado lá dentro.

Em seguida, os servos fecharam a tampa. Lá de fora, ninguém pôde ver o milagre: as


algemas de Abrão queimaram, mas seu corpo estava permeado de um frio tão grande,
que o fogo nada podia fazer. O frio formava, à sua volta, uma proteção como um sino,
de tal forma que nenhum fio de cabelo ficou chamuscado. Abrão se ajoelhou na brasa e,
orando, agradeceu a ajuda recebida e ofertou o seu coração à vontade divina.

Ao cair da noite, Nemrod veio dispersar as cinzas. Os servos prepararam as correntes.


Quando a tampa do forno foi aberta, Abrão saiu livre das algemas. As forças faltaram às
pernas do rei Nemrod e, de susto, ele caiu por terra. Muitas vozes, que vinham do povo
gritavam: “Olha ali Abrão! Ele está vivo, ele é santo!” E, quando as pessoas se
ajoelharam diante dele, ele disse: “Não vos deveis ajoelhar diante de mim, mas sim
diante do Deus do universo, que criou tudo para nós. Foi Ele que me salvou do fogo.”
Houve muitos que ouviram a Abrão e quiseram seguir uma vida melhor.

Depois da milagrosa salvação, Abrão se dirigiu para a casa de seu pai. Daí por diante,
Nemrod o deixou em paz. Abrão reunia, de vez em quando, as pessoas que queriam
continuar a ouvi-lo e os ensinava sua própria sabedoria. Logo se formo um grupo fiel,
que transformou o próprio coração e que guardava suas palavras.

A confusão das línguas

Os babilônios continuavam a construir a alta torre, pedra por pedra, escada sobre
escada, andaime sobre andaime, cada vez mais alta. Certa noite, a voz divina disse a
Abrão: “Vai até a torre hoje à tardinha, na hora em que o sol se põe. Setenta anjos vão
descer do céu. Eles confundirão a língua dos construtores da torre, que serão dispersos
pelo mundo todo.”

Abrão fez como lhe ordenaram. À medida que ele se aproximava da torre, com os olhos
da alma viu descerem das alturas celestiais vultos luminosos. Em volta da torre, um
vento agitado soprava e zunia. De repente, os homens que trabalhavam já não se
entendiam mais. Quando um pedia tijolos, recebia argamassa. Outro pedia uma tábua e
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recebia uma pedra. Um exclamava: “Puxai para cima!” E a carga descia até em baixo.
Foi uma confusão tremenda. Uns jogavam tijolos nos pés e na cabeça dos outros. Sob os
alicerces da torre, a terra estremeceu. Os muros ruíram com grande estrondo. Um tufão
jogava pelos ares caçambas vazias, ferramentas e tábuas. Todos gritavam confusamente
e fugiam para baixo. Alguns davam um passo em falso, caíam da torre abaixo e
arrastavam outros consigo.

Quando o vento e o estrondo amainaram, todos os que falavam a mesma língua se


reuniram em grupos na gigantesca área ao redor da torre. No meio, estava Abrão. A ele
se chegaram os fiéis que tinham ouvido às suas palavras. Com o seu olhar clarividente,
ele viu os setenta anjos se aproximarem dos setenta grupos que falavam cada um, uma
língua diferente. Só Abrão podia percebê-los com uma visão espiritual, e ele sabia que,
dali, as setenta ramificações da língua seriam espalhadas por todo o mundo. A partir daí,
pela vontade de Deus, setenta povos se formariam. Dos anjos, o ultimo que apareceu foi
o arcanjo Micael, que disse a Abrão: “Tu e o teu grupo podem conversar a mesma
língua antiga. Vou levar-te para longe da Babilônia, para um outro país, e darei a ti e a
teu povo uma tarefa para tempos futuros.”

Do rei Nemrod, porém, nada mais se soube. Talvez uma pedra caída da torre o tenha
matado, e o seu reinado terminou.

Abrão vai para Canaã

Abrão seguiu com o seu grupo para o caminho que o anjo lhe indicou. Com ele ia
também sua esposa Sara, seu pai Taré e o filho de seu irmão, Lot. Eles passaram por
regiões onde viviam tribos selvagens e foram até os limites da pacífica terra de Canaã.
Ali moravam pessoas que cultivavam a terra e plantavam lindos jardins. As árvores
estavam carregadas de bons frutos. A região se chamava Haran e era rica em terra fértil.
Abrão se estabeleceu lá. Mais tarde, ele continuou a viagem com Lot até Canaã.
Construiu um altar para realizar sacrifícios juntamente com os seus e para estar sempre
ligado com o mundo divino.

Certa noite estava Abrão dormindo em sua tenda quando de repente acordou. Será que
alguém o havia chamado? Sim, das profundezas da noite, a voz de Deus ressoava em
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sua alma. Ela dizia: “Abrão, não temas! Vem para fora, para debaixo do céu estrelado.
Vê se podes contar as estrelas.” Quando Abrão saiu e ficou diante da tenda, sob as
estrelas, disse: “Oh, Senhor, elas cintilam em numero infinito!” A voz divina então
respondeu: “Olha Abrão, tal como as estrelas no céu são ordenadas e numerosas, assim
também teu povo e teus descendentes serão em grande numero. Como o pai de um
povo, de agora em diante tu te chamarás Abraão!”

Abraão, então, inclinou-se até o chão e tocou-o com a testa em sinal de respeito. Ao se
erguer, uma estrela brilhante passava pelo céu; a voz divina silenciara. Amanhecia.
Abraão reuniu pedras nesses lugares e ergueu um altar; pois o lugar aonde Deus havia
falado com ele era-lhe sagrado. Desde então, ele oferecia ali sacrifícios e dizia suas
orações. Ali ele reunia sua criadagem e seu povo para o sacrifício.

Os anos se passaram. Abraão foi abençoado com rebanhos de vacas e ovelhas. Lot,
cujas terras confinaram com as de Abraão, também tinha ovelhas, vacas, tendas e
criadagem. Mas os pastores de Lot eram preguiçosos. Deixavam o gado pastar bem
onde quisesse. Os pastores de Abraão permaneciam com os rebanhos dentro dos limites
de suas terras e não os deixavam pastar em terras alheias. Assim, havia muitas queixas
sobre Lot e seus serviçais. Os pastores começaram a brigar entre si. Os de Abraão
exclamavam: “Cuida melhor do vosso gado, seus desmazelados!” os de Lot berravam
de volta: “A grama é verde em qualquer parte, e é bom vadiar à sombra de vossas
árvores, seus idiotas, seus cães de guarda!” Como Lot não conseguisse ensinar seus
pastores, Abraão lhes disse: “Não queremos discórdia entre nós. Desce para o vale do
rio Jordão. Lá encontrarás terra boa que chegue.” Lot encontrou e se mudou para a
região de Sodoma.

A árvore de Abraão

Aonde Abraão ia, plantava árvores. Ele as amava e dizia: “As árvores brotam da terra
para cima e, lá no alto, estendem seus galhos tal como faz a fumaça do sacrifício. As
árvores são gratas pela luz, e o vento leva por sobre a terra o farfalhar das folhas, a
canção das folhas.”
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Certa vez, perto de sua casa, quando ele se aproximou de uma arvorezinha que havia
plantado há anos, reparou no vulto de um anjo que se movia entre os ramos. Justo
naquele momento, veio vindo um estranho pelo caminho que passava ao lado da
pequena árvore. Abraão notou com espanto que alguns galhos se afastaram do homem.
Ele pensou: “Que será que há neste homem que assusta a arvorezinha?” E ele convidou
o estranho para sua mesa e logo percebeu que estava dando de comer a um idólatra de
um outro país. Então, Abraão começou a conversar com ele e perguntou: “Quem criou o
sol que surge e se põe? Quem criou as estrelas no firmamento? Quem deu as flores as
suas cores celestiais, seu perfume? Quem pôs os pássaros nos ares, os peixes nas águas?
Quem criou a imagem primordial do homem e lhe deu o milagre da fala?” E ele contou
ao estranho a respeito do Deus vivo, que se revela em toda a Criação. Nisto, o estranho
abriu seu coração às palavras e aos pensamentos de seu anfitrião. Ao anoitecer, quando
ele saiu da casa de Abraão e passou pela arvorezinha, os galhos não mais se retraíram, e
as folhas farfalharam como se estivessem contentes por aquela alma penetrada de luz.

Certa vez, uma velha senhora de olhos tristes se aproximou da arvorezinha. Esta deixou
pender seus galhos em direção à terra. Abraão falou com a velha senhora. Seu único
bem, um burro, havia-lhe fugido. Abraão mandou seus criados procurá-lo. Eles acharam
o burrico e o trouxeram de volta. Quando a velha senhora, montada no burro, passou
pela arvorezinha, seus galhos se haviam erguido e suas folhas farfalhavam alegremente
ao vento.

De outra feita, vieram dois servos falar com Abraão. Estavam discutindo acerbamente
por causa de uma faca. Cada um afirmava que ela era sua. Abraão disse àquele que tinha
a faca na mão: “Vai e coloca a faca ali, debaixo da árvore!” o servo assim o fez, e
Abraão notou que os galhos da árvore permaneciam quietos. Mandou que lhe trouxesse
a faca de volta e deu-a ao outro, para que fizesse o mesmo. Quando este a colocou
debaixo da arvorezinha, as pontas de alguns galhos se moveram como se fossem
cobrinhas se torcendo. Assim, Abraão soube que o segundo servo mentia. Quando este
trouxe a faca de volta, Abraão tomou-a de sua mão, agarrou-o pela camisa, de tal forma
que esta se rasgou, e trovejou: “Varre do teu coração as mentiras; elas envenenam teu
sangue!” O servo levou tamanho susto que caiu de joelhos e pediu perdão a Abraão.
Este, então, mostrou-se novamente bondoso para com ele e disse: “De agora em diante,
não mintas mais! Uma alma sincera vale mais que uma faca dourada!”
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Certa vez, um senhor desconhecido visitou Abraão. Vinha vindo montado num camelo
magro. Quando ele passou pela arvorezinha, Abraão reparou que algumas folhas se
enrolavam, fechando-se em garras. “Ah, pensou que ele, “trata-se de um avarento.” E
não o convidou para entrar, mas deu para o camelo uma cesta cheia de forragem.

Abraão tinha um vaqueiro que gostava de deixar os outros trabalharem e ficava por ali
vadiando. Todas as vezes que ele passava por perto da árvore, caia uma folha, que
flutuava no chão e logo secava. “Ah”, pensou Abraão, “para o preguiçoso qualquer
trabalho é demais!” Fazia tempo que não chovia, e todas as plantas começaram a
murchar. Abraão chamou o preguiçoso e disse: “Tenho uma ótima tarefa para ti. Olha
como as plantas e as árvores estão morrendo de sede. Pega uma vara e amarra nela dois
odres. Vai buscas água no poço. Se conseguires regar as plantas de tal modo que elas se
ergam de novo e continuarem a verdejar, tu me darás uma grande alegria.” O vaqueiro
fez o que lhe fora ordenado. Regou e regou o jardim; depois, deitou-se para observar se
as plantas davam a perceber alguma coisa. Pouco a pouco, esta e aquela levantaram suas
hastes e folhas e, no fim da tarde, algumas já tinham um verde mais forte. No dia
seguinte, ele foi ainda mais cuidadoso, e regou e regou. Ao perceber que até mesmo as
árvores tristes conseguiam se recuperar começou a gostar do trabalho. Quando ele
também regou bastante aquela arvorezinha especial, esta não deixou mais cair folha
alguma. Abraão elogiou o aguaceiro e lhe contou que as plantas e as árvores também
agradecem quando cuidamos delas. Assim, Abraão tentava constantemente melhorar os
homens, e o vaqueiro preguiçoso tornou-se um diligente jardineiro.

A visita dos três homens

Um dia Abraão saiu de sua cabana para se esquentar ao sol. Nisto, avistou ao longe três
homens, que vinham chegando vestidos com as cores do arco-íris. Ele pensou: “Quem
serão estes nobres viajantes?” Eram três anjos do céu. Tinham uma mensagem para
Abraão e se vestiam de luz e de ar. Abraão foi-lhes ao encontro. Quanto mais perto
chegava, mais estranhos eles lhe pareciam. Sua grande beleza inundou-lhe de luz a
alma. E se inclinou respeitosamente e disse: “Sede bem vindos à minha casa! Hospedai-
vos comigo, como meus convidados!” Com um aceno de cabeça, eles agradeceram a
amável acolhida. Quando Abraão passou com eles pela arvorezinha, esta inclinou os
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galhos até a terra, em saudação. Abraão percebeu que o andar dos três homens não
fazia ruído algum sobre a terra. Suas vozes soavam como música. Sara trouxe pão, leite
e finas iguarias que havia preparado. Parecia que os visitantes comiam, mas o pão e a
comida não diminuíam. De repente, o visitante celeste que ficava no meio ergueu a mão
e disse solenemente: “Abraão, daqui a um ano, tua esposa Sara dará à luz um filho que
te trará muita alegria.” Lá dentro da cabana, Sara ouviu estas palavras e riu, pensando:
“Sou uma mulher já velha. Se não tive filho algum quando era jovem, agora mesmo é
que não vou ter.” Um dos visitantes disse a Abraão: “Por que é que Sara riu? Será que
existe alguma coisa impossível a Deus?”

Depois dessa anunciação, os homens se levantaram para se pôr a caminho.

Ao se despedirem, um deles disse: “Seguiremos viagem até a cidade de Sodoma. Lá


muitos homens passam a vida na maldade e na descrença. Suas más ações sobem até o
céu como um fedor. Eles caçoam da palavra de Deus e blasfemam contra ela. Ai deles,
ai deles! É bem possível que Sodoma venha a ser castigada!” Abraão ficou desolado
com estas palavras, pois pensava em Lot, que também vivia lá e que era certamente um
homem justo.

Após um ano, cumpriu-se a palavra dos três homens. Sara teve um filho. Abraão deu-
lhe o nome de Isaac. Muito se falou a respeito desse milagre, que aconteceu para que a
linhagem de Abraão pudesse continuar a existir.

A destruição de Sodoma

Que estava acontecendo em Sodoma? Espíritos do mal lá se haviam instalado,


inspiravam pensamentos sombrios aos homens e os incitavam à maldade. Forasteiros
que se detinham na cidade eram roubados. Se, de longe, vinha um mercador para vender
sua mercadoria, cada um levava o que queria, sem pagar. Caso ele defendesse seus
pertences, era escarnecido, maltratado e afugentado da cidade a pedradas. Podia
considerar-se feliz se saísse com vida. Se um pobre mendigo chegava e pedia um pouco
de comida, jogavam-lhe imundícies e o deixavam a morrer de fome. Nem é possível
contar tudo de mal que acontecia em Sodoma.
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Já fazia bastante tempo que Lot e sua família moravam naquela cidade. Também eles
sofriam muito com os habitantes. Abraão ficava sabendo que a ira de Deus iria abater-se
sobre ela. Certa noite ele chamou por Deus: “Senhor, estou preocupado com Lot e com
as pessoas daquela cidade que ainda são justas e sem maldade. Irás tu destruí-la
justamente com os que são maus? Talvez ainda haja cinquenta justos lá!” O Senhor
respondeu: “Se ainda houver cinquenta justos, não destruirei a cidade.” Abraão pensou
que talvez já não houvesse cinquenta justos e continuou pedindo, até que o Senhor lhe
disse: “ Se ainda houver lá dez justos, não a destruirei.”

Depois de algum tempo, Deus andou dois anjos em forma de homens, para ver se ainda
havia dez justos em Sodoma. Quando os dois se aproximaram da cidade, encontraram
justamente Lot, que descansava sobre uma mureta. Este viu os nobres senhores e
pensou: “Quanta maldade estes forasteiros vão encontrar na cidade!” Chegou-se a eles e
disse: “Dignos estrangeiros, é quase noite. Posso oferecer-lhes um quarto em minha
casa por esta noite? Amanhã cedo podereis seguir vosso caminho.”

Já alguns moradores começaram a cercar Lot e os forasteiros e a tecer pensamentos


maldosos. Os dois homens aceitaram o oferecimento de Lot. Seguiram-no pela cidade e
entraram em sua casa.

A noite caía. Em lugar algum, a não ser na casa de Lot, os dois anjos viram brilhar a luz
dos justos. Não havia dez na cidade. De repente, Lot escutou um tumulto em frente da
casa. Um grupo de homens se reunira lá fora e gritava: “Dá-nos os rapazes estrangeiros.
Queremos nos divertir com eles!” Lot, corajosamente, saiu à rua e tentou dispersar o
bando. Eles, então, gritaram ainda mais alto e ameaçaram pegá-los. A porta da casa se
abriu. Os dois forasteiros rapidamente puxaram Lot para dentro e trancaram a sólida
porta. Nisto, os que estavam lá fora berraram como animais selvagens e foram buscar
paus e pedras para arrombar a porta. Então, algo aconteceu!

Os dois anjos irradiaram uma força invisível através da porta. Cada um que nela batia
não enxergava mais nada. Como cegos, eles andavam às apalpadelas e começaram a
gritar desesperados. E foi assim que deixaram a casa de Lot em paz. Outros bandos
varavam a cidade fazendo maldades. Lot havia percebido que hospedava visitantes
celestiais. Antes que rompesse a aurora, os dois homens insistiram com Lot: “Pega tua
família e deixa a casa e a cidade! Antes do nascer do sol, ela será destruída!” Como Lot
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ainda hesitasse, os anjos o tomaram pelas mãos. Sua esposa e as duas filhas o seguiram.
Um anjo os advertiu: “Aconteça o que acontecer, nunca olheis para trás. Isso vos traria
grandes desgraças!”

Logo ergueu-se nos ares um ribombar trovejante. A terra estremeceu. Um clarão rubro
de fogo alastrou-se. Do céu caiu fogo e enxofre. Vinha fogo debaixo e de cima! Sodoma
e a cidade vizinha de Gomorra desabaram em cinzas e ruínas. Quando o estrondo e o
clarão dos relâmpagos foram mais intensos, a mulher de Lot não conseguiu dominar a
curiosidade. Ela parou e olhou para trás. Lot, as duas filhas e os anjos continuaram
correndo. Quando finalmente chegaram ao abrigo de uma gruta, a mulher de Lot não
estava mais com eles. Ela ficara petrificada na hora e morrera. Assim o anjo celeste
contou a Lot.

Depois de terem salvo Lot e suas duas filhas, os dois anjos partiram. Os fugitivos
instalaram-se na caverna para, depois de tantos sustos, lá passar o dia e a noite.

De longe, Abraão havia percebido o ribombar e o tremor de terra vindos da direção de


Sodoma. Pela manhã bem cedo, ele se pôs a caminho. Quando, do alto de um outeiro,
pôde avistar o lugar onde antes ficavam Sodoma e Gomorra, só enxergou montes de
ruínas cinzentas. Nuvens de fumaça ainda se erguiam. Quanto mais tarde, Lot chegou à
sua casa, contou-lhe tudo o que lhe acontecera. Tempos depois, esses fatos foram
escritos por Moisés.
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ISAAC

O menino Isaac

Era Isaac ainda era um menino, mas já havia trocado os dentes, viu sua mãe Sara
amassando pão. Ela deu-lhe um pouco de massa num prato, para que ele também fizesse
seu pãozinho. De repente, ela pegou a tigela com a massa e a levou para fora em seus
braços fortes. Ali, ao ar livre, o sol brilhava. Isaac, com seu prato, correu atrás dela. Ele
viu que a mãe se sentou numa pedra com a massa do pão e murmurou algumas palavras.
Perguntou então: “Mãe, que é isto que estas ai dizendo?” Ela respondeu: “Eu deixo o
sol bater na massa. Agradeço ao sol, pois ele fez crescer todos os grãozinhos e aqueceu-
os bem, fazendo com que amadurecessem e pudessem nos dar um bom pão.” Isaac
disse: “Eu também vou fazer o mesmo!” E, na mesma hora, sentou-se a seu lado no
chão, juntou as mãos sobre a massa, deu uma olhada para o sol e tagarelou alegremente:

Brilha, sol, com teu clarão,

e amadurece o pão!

Eu, Isaac, o estou dizendo,

pão e luz te agradecendo!

Sara ficou muito contente com o pequeno Isaac e disse: “Agora, vamos deixar a massa
descansar dentro de casa, e o pão com certeza ficará bom.”

De outra feita, estava Isaac sozinho dentro da cabana. Sobre uma mesinha de pedra,
estava a vela sabática. Isaac olhou para a pequena chama e viu como ela bruxuleava
levemente. Com a mão direita, ele abanou o ar, e a chama se inclinou para um lado.
Abanou com a mão esquerda, e ela se inclinou para o outro. Isaac achou aquilo tão
divertido que, cada vez mais depressa, fazia ventar da direita e da esquerda, e a chama
dançava. Como se isso não bastasse, ainda começou a soprar também com a boca. A
pequena chama não sabia mais como obedecer a tantos ventos, e apagou-se.
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Nesse momento, a mãe Sara entrou e viu evolar-se a fumaça da vela que se apagara.
“Que é que fizestes?” – ela exclamou triste – “Nossa querida e boa chama sabática
apagou-se, morreu!” Isaac levou um susto: “Mãe, eu apenas a fiz dançar. Ela ficou
contente e, dançando, foi para o céu. Olha a fumaça! Por que ela deve arder sempre
aqui?” a mãe então sorriu e disse: “Sim, haverá tempo em que a chama da nossa alma
também dançará lá no céu; mas agora ainda é na terra que nós nos vamos alegrar.” Com
uma apara de madeira, ela foi buscar uma nova chama no fogo do fogão e tornou a
ascender a vela. Em seguida, disse: “Quando a luz sabática está brilhando, pensamos na
pequena luz da alma dentro de nós, que também quer brilhar um pouco aqui na terra!”
Isto Isaac compreendeu e nunca mais apagou a chama sabática.

O sacrifício de Isaac

Diz uma antiga lenda que, de tempos em tempos, Satanás, o espírito do mal, precisava
se apresentar diante do Senhor Deus. O Maligno, então, quer justificar sua ação entre os
homens. Faz troça deles e os acusa. Estando Satanás mais uma vez falando mal dos
homens e dizendo quão pouco eles pensavam no seu Criador, o Senhor disse: “Não
conheces Abraão, o pai de Isaac? Ele é fiel e sem maldade. Seu coração é claro e brilha.
Ele até me ofertaria em sacrifício seu ente mais querido, seu filho Isaac.”

Ouvindo isto, Satanás exclamou: “Não existe homem assim tão fiel. Pergunta a esse teu
Abraão. Tu veras que ele se negará.”

Passado algum tempo, Abraão acordou durante a noite. Dentro de uma auréola de luz, o
Senhor falou com ele: “Abraão, toma teu filho Isaac que tanto amas. Vai com ele até o
monte Moriá. Oferece-o em holocausto para mim!”

Abraão assustou-se. A palavra morreu em seus lábios. Por fim, balbuciou: “Tem... de
ser... assim?” Mas o Senhor ocultou sua voz e não respondeu. Abraão não conseguiu
mais dormir. Quando rompeu o dia, pensou: “Farei sempre aquilo que Deus exigir de
mim!” E ordenou a seu fiel servo Eliézer: “Carrega um jumento com lenha! Vem
comigo e com Isaac para uma viagem até o monte Moriá. Lá vou fazer um holocausto.”
Para Sara, ele disse: “Dá uma roupa de festa a Isaac. Vamos para o monte Moriá
oferecer um holocausto.” Sara pegou um lindo pano tecido recentemente e, com ele,
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vestiu seu querido filho Isaac. Depois acompanhou os viajantes por um pequeno trecho
do caminho. Seu coração estava estranhamente pesado. Ela não sabia porque. Quando
se despediu de Isaac, abraçou-o e beijou-o, desatando a chorar. Sua serva a acompanhou
de volta à cabana.

Satanás tinha percebido que Abraão seguira as ordens de Deus. No fim do primeiro dia
de viagem, à tardinha, ele se dirigiu a Abraão na figura de um velho caminhante e lhe
disse: “Leio em teus pensamentos que vais entregar à morte teu único filho. Ele é a
alegria de teus olhos, a esperança de teu futuro. Não pode ter sido a voz de Deus que
disse: “Vai e mata teu filho!”Depois destas palavras, o velho ficou para trás, deixando
Abraão prosseguir seu caminho sozinho, em dúvida e aflição.

No terceiro dia, quando os viajantes pararam para descansar no meio do caminho,


estando Abraão e Eliezer de lado, cochilando um pouco, um belo jovem veio andando,
aproximou-se de Isaac e lhe disse: “Pobre rapaz, eu te vi em meus sonhos, e em meus
sonhos vive a verdade. Teu pai tem más intenções em relação a ti. Ele vai puxar a faca
de sacrifício para te oferecer em holocausto, para te matar. Toma cuidado hoje, vai
embora, foge do teu pai!” Depois destas palavras, o jovem seguiu seu rumo. “Estranho”
– pensou Isaac – “Será que meu pai faria isso comigo?”

Quando Abraão e Eliézer acordaram, e logo depois que todos eles deixaram aquele
lugar, surgiu a seus olhos o monte Moriá. Pai e filho foram na frente, e Eliézer os seguia
com o jumento. Abraão disse: “Estas vendo a nuvem clara lá no alto do monte?”

“Sim, pai, estou vendo.” “Nela brilhará a luz de Deus; vamos agora subir até lá para
realizar nosso holocausto.” Isaac dirigiu-se a Eliézer e perguntou: “Eliézer, estás vendo
no alto do monte uma nuvem que brilha e arde?” Eliézer respondeu: “Não vejo nuvem
alguma. Estás com a vista turva, Isaac?” Isaac então percebeu que a luz divina só
aparecia para ele e para seu pai, numa imagem espiritual, e que ele tinha visão mais
clara que a de Eliézer, pois diante dele a nuvem brilhava intensamente sobre o monte.

Abraão ordenou a Eliézer que esperasse com o jumento no sopé do monte. Pôs a lenha
nos próprios ombros e nos ombros de Isaac, pegou a jarra do fogo e a faca para o
sacrifício. Assim, pai e filho subiram ao monte. A nuvem brilhante desvendou o cume.
Chegando lá em cima, eles desceram ao chão sua carga e dispuseram, acha sobre acha, a
lenha para o sacrifício. Isaac perguntou: “Pai, temos lenha e fogo, mas onde está o
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animal a ser sacrificado?” Abraão pôs as duas mãos sobre os ombros do filho: “Isaac,
Deus nosso senhor escolheu a ti como cordeiro de sacrifício. Logo poderás entrar lá no
alto, em seu mundo celeste. Queres, tu também, cumprir a ordem de Deus e servi-lo?”
Como o anjo do Senhor havia fortalecido o coração de Isaac, ele respondeu: “Pai, estou
pronto. Faz o que Deus te ordenou!” Então pela ultima vez, Abraão abraçou seu querido
filho. Depois, perguntou: Queres ainda me dizer uma palavra de despedida?”Isaac
respondeu: “Pai, leva à mãe lembranças minhas e entrega-lhe, num lenço, um pouco das
cinzas do sacrifício. Ela pode colocá-las ao lado da chama sabática e lembrar-se de
mim.”

Após estas palavras, Isaac subiu na pilha de lenha, ficou de mãos postas e fechou os
olhos. Abraão pegou a faca do sacrifício e ergueu-a. Neste momento, veio zunindo
como uma tempestade o poderoso anjo do Senhor, segurou a mão erguida e exclamou:
“Abraão não sacrifiques o menino! Deus viu a tua obediência e a tua fidelidade. Isaac
pode viver!” A faca caiu no chão. Abraão tomou Isaac nos braços, e assim ficaram eles
por muito tempo abraçados, sob a luz da nuvem ardente.

Quando os braços se soltaram, Isaac abriu os olhos. Seu olhar pousou sobre um arbusto.
“Pai!” – exclamou – “olha ali no arbusto um carneiro preso pelos chifres!” “Sim” –
disse Abraão – “este é o cordeiro a ser imolado por nós. Ele foi mandado pelo anjo de
Deus.” Eles soltaram o carneiro da ramada e ofereceram em holocausto. Estando os dois
ajoelhados ao lado do fogo, o anjo do Senhor se aproximou mais uma vez e disse:
“Abraão, eu te trago a benção de Deus. Ela transbordará sobre teu filho.” Nisto, os dois
sentiram que o fogo da nuvem os aquecia e iluminava. Foi assim que Deus, mais uma
vez, selou o pacto com Abraão. Satanás, então, foi-se esconder lá embaixo, no mundo
das trevas.

Isaac e Rebeca

Quando Isaac já era homem, sua mãe Sara morreu. Abraão ficou de luto por ela. Ele
escolheu uma gruta para lhe preparar um sepulcro. Enquanto Sara vivia, uma
nuvenzinha de luz brilhava sobre a casa e havia paz. Enquanto Sara vivia, de sábado a
sábado ardia uma luz na cabana. A mesa de pão que ela fazia era abençoada, e o pão
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tinha um sabor divino. Quando Sara morreu, a nuvenzinha se foi. A luz de sábado se
apagou, e o pão era como os outros pães.

Abraão, então, pensou em procurar, para seu filho Isaac, uma esposa que pudesse ser
mãe de um povo. Ele disse a seu servo fiel, servo Eliézer: “Deves empreender, para
mim, uma longa viagem. Leva contigo camelos e dois criados, e vai até Haran, na Síria,
onde mora meu irmão Nacor e parentes da linhagem. O anjo do Senhor te acompanhará.
Se achares uma descendente digna, pede a ela que venha contigo. Deus disporá tudo!”
(Em tempos antigos, era costume os pais tratarem o casamento dos filhos.)

A viagem de Eliézer durou bem uns dezessete dias, até que ele chegou ao lugar onde
moravam os parentes de Nacor. Já estava entardecendo quando, com seus camelos,
parou para descansar ao relento junto a um poço. Nisto, vieram umas mulheres buscar
água. Eliézer pensou e repensou: “Que bom se eu recebesse um sinal de qual poderia ser
a noiva certa para Isaac!” Finalmente, teve uma idéia: “Vou ficar aqui ao lado do poço.
Se uma jovem não só me der de beber, mas também tiver água para meus camelos, Deus
fará com que ela seja a noiva certa!”

Assim, Eliézer postou-se ao lado do poço. Tão logo ele se sentou, veio vindo uma
jovem, linda de rosto e de porte, caminhando com passos leves. Trazia no alto da cabeça
um cântaro vazio. Agilmente, ela desceu as escadas do poço. Quando subiu com o
cântaro cheio, Eliézer acercou-se e pediu: “Posso beber um pouco da água do teu
cântaro?” Por um momento ela olhou com os olhos arregalados, espantada de que um
desconhecido a interpelasse assim tão diretamente. Depois, com cuidado, desceu o
cântaro da cabeça e lhe deu de beber. “Queres que dê um pouco de água também para
teus camelos?” – perguntou amável. “Por favor” – respondeu Eliézer. Então ela
despejou o resto da água no bebedouro dos animais. Enquanto os camelos bebiam, ela
foi e voltou várias vezes com o cântaro, a fim de saciar a sede dos animais. Eliézer
observou-a e pensou: “É ela, por Deus, é ela!” Quando também os camelos já tinham
bebido o suficiente, ele tirou da bolsa um bracelete de ouro. Quando a jovem tornou a
pôr o cântaro cheio no alto da cabeça, a fim de ir para casa, Eliézer passou-lhe o
bracelete pela mão vazia. E perguntou-lhe: “Dize-me, de quem és filha? Qual é o teu
nome?” Espantada, ela olhou para o bracelete de ouro e respondeu: “Meu nome é
Rebeca. Meu pai se chama Batuel e é filho de Nacor.” Assim, Eliézer ficou sabendo que
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seu avô Nacor era irmão de Abraão. Continuou a perguntar: “Teríamos nós um lugar
para passar a noite em casa de teu pai?” Ela respondeu: “Pode ser que sim. Espera aqui
que eu te mandarei avisar.” E ela saiu dali caminhando com seu passo leve.

Chegando em casa, Rebeca contou ao pai a respeito do forasteiro e de como ele havia
pedido pousada. E mostrou-lhe o bracelete de ouro que havia ganho. Pai Batuel mandou
que Labão, irmão de Rebeca, fosse até o poço convidar Eliézer e seus servos para
pernoitar em sua casa.

Antes da refeição, Eliézer disse a Labão e ao pai de Rebeca: “Antes de comer, deixai-
me relatar a incumbência que recebi de meu senhor Abraão.” Em seguida, contou que
havia sido mandado, por Abraão, à procura de uma noiva para seu filho Isaac, e ela
deveria ser de descendência de Nacor. “Vereis” - disse ele – “que todos os indícios
apontam para Rebeca. Ela foi a primeira a vir ao meu encontro, e deu de beber a mim e
aos camelos de Abraão.” Quando o pai Batuel e Labão ouviram aquilo, responderam:
“Foi Deus Nosso Senhor que providenciou isto!” Alegramo-nos todos com essa boa
sorte.” Depois de Rebeca ter sido também consultada e mostrar estar de acordo, Batuel
disse: “Fiel Eliézer, leva Rebeca contigo. Conduze-a até Isaac, na casa de Abraão!”
Eliézer, então, tirou presentes valiosos da bagagem que os animais carregavam e os deu
para a casa de Batuel. Depois, todos juntos comeram e beberam, como se fosse uma
festa de noivado. Os camelos já haviam sido tratados. Tarde da noite, Eliézer e seus
servos dirigiram-se para o lugar onde teriam seu descanso.

Passados três dias, quando tudo estava pronto para a viagem, os pais de Rebeca
abençoaram sua filha – seu corpo, sua alma e seus caminhos – e se despediram dela.
Para Rebeca, Eliézer escolheu um camelo manso, de um tom cinza prateado.

Após semanas, quando Eliézer e a caravana chegaram a Canaã, Isaac saia para o campo
à tardinha. De repente, viu uma fila de camelos no alto de uma colina. Contou-os e
reparou que só podia ser Eliézer. E assim foi ao seu encontro. Quando Rebeca vinha
cavalgando morro abaixo, viu, com sua vista boa, um homem que se aproximava. Em
volta de sua cabeça, avistou como que um halo luminoso. Ela perguntou a Eliézer:
“Quem é aquele estranho que vem vindo pelo campo?” Só então Eliézer, cuja vista
estava um pouco fraca por causa da idade, reconheceu que Isaac se aproximava. Cheio
de alegria, exclamou: “É Isaac, o meu Senhor!” O coração de Rebeca bateu mais
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rapidamente. O sangue afluiu às suas faces, e ela puxou um véu sobre o rosto. Para
cumprimentá-lo, Eliézer havia descido do camelo. Ele abraçou seu senhor e apontou
para o camelo cinza-claro, dizendo: “Esta é Rebeca, a filha de Batuel.” Isaac curvou-se
diante dela como se estivesse diante de uma princesa. Ela então ergueu o véu e sorriu
para ele. Nisto Eliézer sussurrou para Isaac: “Deus Nosso Senhor nos foi propicio!” O
noivo pegou as rédeas do camelo cinza-prateado, e assim chegaram eles à cabana de
Abraão. Quando Rebeca ia descendo, Isaac estendeu suas duas mãos fortes. Assim, ela
pôs primeiro o seu pé nas mãos de Isaac antes de pisar a terra de Canaã. Diante de
Abraão, Rebeca ergueu novamente o seu véu em saudação, e ele admirou sua beleza.
Abraão juntou as mãos de Rebeca e Isaac e abençoou sua união no casamento.

Na cabana, Rebeca ascendeu a luz sabática, e ela ardeu de novo durante a semana
inteira, como nos tempos de Sara. A nuvenzinha da paz voltou de novo à cabana, e até
na massa de pão que rebeca fazia havia a antiga benção.
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JACÓ

Jacó e Esaú

Certo dia, Rebeca disse a Isaac: “Alegra-te, pois Deus Nosso Senhor ouviu nossas
preces. Carrego um filho sobre o coração!” Isaac ficou feliz com a notícia e respondeu:
“Agora, em teu corpo começou a nascer o povo de Abraão. Bendita sejas tu, Rebeca!”

Passado algum tempo, disse Rebeca novamente: “Isaac, alegra-te! Meu corpo carrega
dois filhos. Sinto como se, de vez em quando, eles brigassem um com o outro!” Isaac
então riu e achou que Rebeca estava sonhando. Quando chegou o dia do nascimento, ela
deu à luz um menino cuja pele era toda coberta de pelinhos. Ele recebeu o nome de
Esaú, que quer dizer “peludo”. Quando ele acabava de nascer, pareceu a mãozinha do
outro, que segurava o calcanhar do primogênito. Assim, Rebeca deu à luz dois filhos. O
segundo tinha a pele fina e era delicado de corpo. Como na língua de Abraão o
calcanhar se chama “Akob”, eles chamaram o segundo de “Jacó” que quer dizer “o que
segura o calcanhar”.

Esaú, o mais velho, cresceu e se tornou um rapaz forte e um tanto rude. Ele pegava
animais selvagens com a mão, matava-os e assava sua carne para comê-la. Muitas vezes
levava a caça a seu pai Isaac, e a comiam juntos. A Jacó, ele não dava nada. Esaú logo
aprendeu a atirar flechas e lançar dardo, e ai para a caça munido de armas.

Jacó tinha uma alma branda, e tinha também um nobre porte e um belo rosto. Ele
ajudava a mãe nos trabalhos caseiros. Tinha muitas vezes estranhos sonhos. À mãe ele
contava o que via nos sonhos. Rebeca dizia ao pai Isaac: “Esaú tem vista aguçada para
explorar o mundo lá fora, e Jacó tem a visão interna e muitos sonhos sábios.” Para
Isaac, Esaú era o favorito, e para Rebeca era Jacó. Assim ambos tinham sorte. O velho
pai Abraão via com alegria crescerem os gêmeos. Quando eles estavam com quinze
anos de idade, Abraão morreu. Sua alma foi para o reino de Deus. Seu corpo, Isaac
levou para a gruta onde Sara havia sido sepultada. Muita gente se reuniu para prestar
homenagens a Abraão, o justo.

Depois que Abraão morreu sua túnica sacerdotal, que ele recebera de Sem, filho de Noé,
passou para Isaac. Este a usava quando oferecia um sacrifício solene. Então, com
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veneração, ele pronunciava os nomes dos sacerdotes que o precederam: Abraão, Sem,
Henoc, Set. Era como os degraus de uma escada que conduzia ao paraíso perdido.

Aconteceu que, uma vez, Esaú voltou muito cansado do trabalho no campo, e com
fome. Na cabana, Jacó estava cozinhando uma sopa de lentilhas. Esaú dava a vida por
comer lentilhas. No entanto, em geral, ele se alimentava de carne do animal que caçava
e que ele assava no espeto. Naqueles dias, ele não havia caçado nada. Mal se aproximou
de casa, veio até ele o aroma das lentilhas. Sua fome tornou a gula ainda mais forte. Ele
chegou-se a Jacó e exigiu: “Dá-me de comer das tuas lentilhas!” Perguntou Jacó: “Que é
que me dás em troca?” Respondeu Esaú: “Aquilo que quiseres.” Pois estava com muito
apetite. Disse Jacó: “Então, dá-me teu direito de primogenitura.” Respondeu Esaú: “De
que me vale ser o primogênito? Todos nós temos que morrer. Dá-me as lentilhas, e o
direito de primogenitura será teu!” Respondeu Jacó: “Jura-me que assim é e sempre
será.” Então Esaú jurou, e Jacó deu-lhe a sopa de lentilhas e mais pão e vinho. Esaú
comeu as lentilhas com prazer e não pensou mais no acontecido.

A benção de Isaac

Esaú casou-se com duas mulheres da tribo dos hititas, entre as quais a idolatria reinava.
Essas mulheres ofereciam muitas vezes sacrifícios aos seus ídolos, conforme o costume
estrangeiro. Isto dava muito desgosto a Isaac e Rebeca. Esaú não se importava e tinha
no pensamento pouco respeito por Deus Nosso Senhor.

Com a idade, a vista de Isaac foi ficando cada vez mais embaçada, até que ele ficou
completamente cego. Mas, por dentro, seus pensamentos se tornavam mais claros e
enriquecidos. Ele meditou muito sobre a Terra desde os seus primórdios e sobre a
humanidade até os seus dias. Como ele sabia que sua vida não poderia mais durar
muito, disse a Esaú: “Meu filho, é costume que o primogênito receba a benção do pai e
da tribo. Pega tuas armas e caça um animal selvagem. Prepara para nós um bom prato,
traze-o aqui para mim, e então te darei a benção da tribo antes de morrer!”

Esaú saiu para caçar. Rebeca tinha ouvido aquelas palavras. Ela sabia qual era a
intenção de Isaac. Correu então até Jacó e disse: “Teu pai vai dar a benção do
primogênito a teu irmão; isto não pode acontecer! Esaú prometeu-a a você. Isaac
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mandou que ele fosse caçar um animal selvagem e, quando receber o assado pronto, os
dois vão comê-lo juntos, e ele lhe dará a benção. Ouve Jacó, e faz o que eu te digo: pega
dois cabritinhos do rebanho. Com eles farei um bom prato. Tu o levarás então a teu pai,
a fim de que ele dê a ti a benção da tribo... Tu a comprastes de teu irmão em troca da
sopa de lentilhas.” Jacó respondeu: “Isto dificilmente dará certo, querida mamãe. Pois
olha, meu irmão Esaú é muito peludo, e minha pele é lisa. Se meu pai apalpar, vai
pensar que estou caçoando dele e vai amaldiçoar-me.” Rebeca respondeu: “Em torno de
seus braços e de teus braços e de teus ombros, eu prendo pedaços de pele dos
cabritinhos, e tu entrarás na veste de cerimônia de Esaú. Assim, receberás a benção que,
por direito, é tua.” Então agiu de tal como sua mãe lhe aconselhou.

A carne dos cabritinhos foi assada, as peles foram cortadas e ligadas em torno de Jacó,
que vestiu a roupa de Esaú. Ele levou o prato para o seu pai. Este descansava em seu
leito. Jacó disse: “Pai, fiz o que tu querias. Trago-te a carne preparada. Dá-me tua
benção!” Isaac respondeu: “Chega mais perto de mim, para que eu possa apalpar-te!
Tua voz hoje está soando como a voz de Jacó.” O pai passou a mão nos braços cobertos
de pele de cabrito e pensou: “Sim, são os braços de Esaú, e o cheiro da roupa é o cheiro
de Esaú.” Ele pediu: “Dá-me do assado!” Depois que Isaac comeu, disse: “Vem, meu
primogênito, chega perto do meu leito para que eu possa abraçar-te!” Jacó ajoelhou-se.
Isaac o abençoou, dizendo:

“Que Deus te dê orvalho do céu

e a fertilidade da terra!

Que os povos te sirvam.

Maldito seja quem te amaldiçoar

bendito seja que te abençoar!”

Mal Jacó havia saído e trocado de roupa, seu irmão Esaú voltou da caçada trazendo a
carne de um animal. Com ela, ele preparou um bom prato e o levou a seu pai. Com sua
voz rouca, Esaú disse: “Levanta-te, pai, eu te trago a caça, a fim de que tuas mãos me
abençoem.”
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Isaac espantou-se com estas palavras e disse: “Então foi Jacó que antes me trouxe o
prato. Foi a ele que dei a benção do primogênito. A benção ficará com ele, pois uma
benção sagrada é com juramento, não pode ser tomada de volta.”

Esaú, então, soltou um grito e chorou: “Por duas vezes meu irmão me logrou. Ele me
tomou a primogenitura e agora a benção!” Esaú ficou tão enfurecido que lhe havia um
pensamento tenebroso. Uma voz dentro dele dizia: “O pai morrerá logo, então poderás
matar teu irmão Jacó!” Esaú também disse estas palavras às suas esposas. Uma criada o
ouviu e foi denunciar a Rebeca as más intenções de Esaú. Esta mandou chamar Jacó e
lhe deu a notícia das idéias malévolas de Esaú: “Teu irmão quer vingar-se de ti e matar-
te. Ouve-me! Parte e foge para o país de Haran, onde vive meu irmão Labão. Fica lá até
que a ira vingativa do teu irmão passe. Eu te mandarei avisar assim que não houver mais
perigo, a fim de que possas regressar.”

Jacó conhecia a ira feroz de seu irmão e, por isso, deu ouvidos ao conselho da mãe. Para
Isaac, Rebeca disse: “Temos muito desgosto com as esposas de Esaú, as hititas. Jacó
deveria ir procurar esposa em minha terra natal. Vou mandá-lo para Labão, meu irmão.
Assim, ele não mais brigará com Esaú por causa de tua benção.” Estas palavras parecem
sábias a Isaac. Ele chamou Jacó à sua presença e lhe deu a benção para a viagem.

A fuga de Jacó

Rebeca entregou a Jacó duas coisas: o cajado, com o qual Abraão e Isaac haviam
viajado, e uma garrafinha com óleo bento; esta deveria levar a Labão, como lembrança.
Esaú ouviu falar da viagem que Jacó planejava, e pensou: “Vou ficar à espreita no lugar
onde o caminho toma a direção de Haran, e vou matar Jacó. Ninguém saberá disso
depois que ele for enterrado na areia.” Munido de arco e flecha, saiu de casa logo de
madrugada, quando ainda estava escuro. E disse as suas esposas: “Vou caçar.”

Uma hora mais tarde, quando amanhecia, Jacó partiu em sua longa viagem. Depois de
ter andado um pedaço saiu, sem querer, do atalho e começou a se perder. Andou e
andou. O sol se ergueu. Num grande círculo, o cajado o havia guiado ao largo do
esconderijo de seu irmão. Só a tardinha é que ele regressou ao caminho certo.
31

Foi vão que Esaú ficou em seu esconderijo à espreita do irmão. Ele não havia meio de
passar. O sol nasceu. Ele esperou até bem tarde da manhã, depois voltou para casa. Lá,
soube que Jacó partira de madrugada. Suas mulheres caçoaram dele, dizendo: “Hoje,
ficaste tanto tempo caçando e não trouxeste para casa nem uma perdiz.”

Por dias e dias, Jacó continuou andando. Uma noite, ele chegou a uma colina. Era o
monte Moriá, onde Abraão havia levado Isaac para o sacrifício. Jacó não sabia onde
havia chegado. Viu por ali algumas pedras que ainda restavam do altar de Abraão. O sol
já se pusera. Jacó pegou uma das pedras e deitou sobre ela sua cabeça cansada, para
dormir. Quando, no sono, sua alma se elevou, veio-lhe um maravilhoso sonho, que se
transformou, para ele, num acontecimento verdadeiro. Acima dele, abriu-se o céu
estrelado. Dos raios de luz formou-se uma escada que descia lá de cima até a terra. Nas
alturas, ela se fazia em ondas de luz e, em baixo chegava até a cabeça de Jacó. E então
ele viu anjos que desciam pela escada até a ele. Lá em cima, eles tinham contemplado o
semblante de Deus e, em baixo, viam a forma e a face do homem. Jacó ouviu suas
palavras: “Olhai, no homem há uma pequena imagem de Deus!” Eles subiam e desciam
em bandos, e Jacó respirava seu perfume celestial. Então, das alturas soou uma voz, que
disse a Jacó: “Eu sou Deus, o Senhor de Abraão e de teu pai Isaac. A terra onde
descansas eu a darei a ti e a teus descendentes. Eles serão numerosos como as estrelas
no céu. Estarei contigo onde quer que fores e te protegerei. Tu voltarás a esta terra!”

Jacó então viu que a escada de luz que se desfazia lentamente, e uma musica celestial
soou. Os anjos, pairando, voavam para as alturas. Só ficou o brilho das estrelas. Jacó
despertou de sua visão. Sua alma estava imersa em profunda veneração. Ele disse para
si mesmo: “Aqui é Betel, a casa de Deus. Aqui é a porta, a entrada do céu, que eu
contemplei.” Quando o dia clareou, ele juntou as pedras espalhadas e as empilhou. Em
cima colocou aquela sobre a qual havia dormido. Do óleo bento, ele derramou por cima
três gotas, “em nome de Abraão, em nome de Isaac e em nome de Jacó.” E fez um voto:
“Sempre serei fiel a Ti, ó meu Deus que aqui te manifestaste a mim.” Depois, pegou seu
cajado e segui viagem para Haran, na Mesopotâmia.
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Jacó em Terra Estrangeira

Depois de longa peregrinação, Jacó alcançou a terra de seu tio Labão e chegou a um
poço que estava tampado com uma grande pedra. Alguns pastores, com suas ovelhas,
descansavam nas proximidades. Só quando todos os pastores da região se reuniram ao
lado do poço é que juntavam força suficiente para erguer a laje de pedra. Jacó
perguntou aos pastores: “Como se chama esta terra?” Eles responderam: “Haran.”
“Conheceis Labão? Como vai ele?” Eles responderam: “Vai bem. Olha, vem vindo ali
sua filha Raquel. Ela também vem dar de beber às suas ovelhas.” Perguntou Jacó: “Por
que não começais então a dar água ao rebanho?” “Porque ainda somos muito poucos
para erguer a pedra.” “Eu vos ajudarei!” – ofereceu-se Jacó; mas eles apenas o olharam,
incrédulos. Nisto, ele se aproximou do poço e, sozinho, rolou a pedra para o lado. Os
pastores arregalaram os olhos. Jacó dirigiu-se a Raquel e perguntou: “Posso dar de
beber às tuas ovelhas? Sou o filho de Rebeca, a irmã de teu pai.” E ele segurou suas
mãos, na alegria de ter logo encontrado alguém da casa de Labão. Raquel lhe agradeceu
por ter dado água as suas ovelhas e correu ligeira de volta para casa, para levar a notícia
a seu pai. Um pouco mais tarde, chegou Labão montado num camelo. Ele reconheceu
no rosto de Jacó os traços de sua irmã. Jacó contou-lhe como ia Rebeca e lhe deu, da
parte dela, o óleo bento. Labão disse: “Sim, tu és Jacó, filho da minha irmã! Sê bem
vindo em minha casa e fica comigo um tempo se quiseres.” E Labão abraçou-o e beijou-
o.

Desse dia em diante, Jacó serviu como pastor em casa de Labão. Ele podia criar seus
próprios animais. Seu rebanho se tornava cada vez maior. Naquelas terras, era então
costume um homem poder ter duas mulheres. Jacó recebeu primeiro Lia e depois
Raquel como esposa, ambas filhas de Labão. Assim, ele se demorou quatorze anos com
Labão e teve onze filhos. Ele esperou em vão, anos após ano, por notícia de sua mãe
Rebeca. Será que a ira de Esaú ainda não se havia dissipado? Não vinha sinal algum. Os
nomes dos seus onze filhos eram: Rubem, Simeão, Levi, Judá, Dan, Neftali, Gad, Aser,
Issaacar, Zabulon e José.

Labão e seus filhos estavam com inveja, pois os rebanhos de Jacó cresciam mais do que
os seus, e ele se tornara mais rico e também possuía criados e criadas, camelos e
jumentos.
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Certa noite, a voz divina falou com Jacó, dizendo: “Volta para a terra de teus pais; eu
estarei contigo.” Jacó muitas vezes, andava com o rebanho de pastagem em pastagem.
Portanto, não lhe foi difícil seguir a ordem de Deus e sair para uma longa viagem. Com
todos os seus rebanhos, seus animais de carga, toda a criadagem e sua grande família,
Jacó se pôs a caminho da terra natal, pelo mesmo caminho que havia trilhado sozinho.
Estava feliz principalmente por rever pai e mãe, mesmo que tivesse um pouco de medo
de se encontrar com Esaú.

A Terra de Canaã. A Reconciliação

A viagem de Jacó com todos os seus rebanhos prosseguia lentamente. E assim,


caravanas que viajavam mais depressa levavam antecipadamente a Isaac a notícia de
que seu filho Jacó estava voltando para Canaã. Esaú também ouviu. Sua ira ainda não se
havia desfeito completamente. Ele também não sabia se Jacó vinha com a finalidade de
dominá-lo. Chamo todos os seus criados, amigos e parentes, quando soube que Jacó já
não estava mais tão longe. Com um grande grupo de homens armados de varapaus e de
algumas espadas, ele foi ao encontro de seu irmão. Disse Esaú: “Se ele quiser violência,
receberá violência. Se ele quiser paz, então conversaremos.”

Quando Jacó viu aquele bando de homens de Esaú que se aproximava, postou-se na
frente da caravana com dez de seus filhos e sua esposa Lia. Raquel e o menino mais
novo, José, ficaram lá no fim. Ao chegarem mais perto, Jacó inclinou-se três vezes em
sinal de paz. E então a ira se afastou de Esaú. Ele correu ao encontro de Jacó e o
abraçou. Esaú perguntou: “Quem são estes aí contigo?” Jacó respondeu: “São meus
filhos e suas mães.” Em sinal de reconciliação, Jacó presenteou seu irmão com alguns
animais de cada espécie. Logo a seguir, Esaú regressou a Hebron. Jacó, porem, durante
a viagem, fazia pousadas mais prolongadas. No caminho de volta para casa, ele queria
passar pelo monte Moriá, onde a luz de Deus e suas legiões celestiais tinham-lhe
aparecido. Lá em Betel, ele queria oferecer um holocausto e agradecer por todas as
bênçãos que havia recebido.

Tendo chegado ao pé do monte Moriá, Jacó armou suas tendas. Com seus onze filhos,
ele subiu o monte. Raquel acompanhou-os montada num jumento; pois já carregava
dentro de seu corpo o filho mais moço, ainda não nascido. Lá no alto, os filhos
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ajudaram o pai a erguer um altar. No marco de pedra que Jacó um dia erguera, eles não
tocaram. Jacó lhes havia contado a respeito da escada eu ele vira nesse lugar sagrado.

Quando o fogo do sacrifício ardia em direção ao céu, Jacó se ajoelhou com seus filhos.
Para Raquel, eles haviam preparado uma pedra para ela se sentar. Jacó pensou: “Que
possa nascer saudável o décimo segundo filho que está dentro de seu corpo!” De
repente, no meio da prece, Jacó ouviu a voz divina: “Até hoje, teu nome foi Jacó. Como
pai dos povos, teu nome deverá ser ISRAEL. Reis e profetas nascerão de teu povo. Tua
e de teu povo será a terra de Abraão e Isaac!”

Depois destas palavras, a voz silenciou. Jacó, com Raquel e os onze filhos tornou a
descer o monte. A viagem continuou rumo a Efrata, isto é, Belém. Antes de chegarem
lá, Raquel deu à luz o décimo segundo filho. Ele se chamou Benjamim. Mas o
nascimento da criança foi tão difícil, que a alma de Raquel saiu do corpo, e ela então
morreu. Com grande tristeza, Jacó erigiu-lhe uma sepultura perto de Belém, e todos os
filhos carregaram, para isso, pedras segundo suas forças. Até hoje, nas proximidades de
Belém, pode-se ver a tumba de Raquel.

Quase ao mesmo tempo, morria Rebeca, a mãe de Jacó, e assim ela não pode mais ver
seu querido filho nesta vida.

Em compensação, quando Jacó chegou em Hebron, à casa de seu velho pai Isaac, este se
alegrou por poder abraçá-lo. Jacó teve de apresentar todos os doze filhos ao pai já cego.
Este tateava suas cabeças e passava a mão em seus cabelos e por seus braços. Ele
proferiu o nome de cada um e, assim, abençoou-os. Depois, exclamou: “Louvado seja
Deus! Eu pude dar a benção às doze tribos do povo de Israel.”
35

JOSÉ

José é vendido

De todos os doze filhos, aquele que Jacó mais amava era José, um dos mais novos. José
gostava de ficar perto do pai, servia-o às refeições e passeava com ele pelo campo
quando os outros irmãos estavam com os rebanhos. Mas Jacó também via, com sua
visão profética, que na alma de José havia uma grande luz. Ele pensava: “Este, um dia,
será um soberano.”

Certa vez, quando José caminhava sozinho pelos campos, ouviu uma ovelha berrar de
modo terrível. Alguns dos irmãos mais moços estavam tirando a pele de uma ovelha
ainda viva, para depois fritar sua carne. E eles riam ao fazê-lo. Quando viram José
chegar, mataram depressa a ovelha e o convidaram para comê-la. José, repreendendo-
os, exclamou: “Torturadores de animais! Não como convosco do cordeiro maltratado!”
E voltou para casa, e contou para o pai, com lágrimas nos olhos, o que havia
presenciado. O pai Jacó repreendeu duramente os filhos e condenou seu crime:
“Cuidado! Nunca mais maltrateis um animal de modo tão infame!” Desse dia em diante,
os irmãos passaram a odiar José.

José cresceu e se tornou um rapaz, e sua antiga roupa ficou justa demais para ele. O pai
de Jacó mandou que lhe fizesse uma túnica nova, com mangas, de seda colorida. Os
irmãos usavam, para pastorear, túnicas de lã, sem mangas. Por essa época, José era um
jovem de dezessete anos. O pai Jacó deve ter pensado: “Ele é o mais delicado e o mais
bonito dos doze irmãos, e então deve ter uma túnica mais bonita.” Como ele só fazia o
serviço leve de casa e servia de criado e de mensageiro para o pai, conseguiu manter sua
túnica limpa.

De tempos em tempos, José tinha sonhos miraculosos. Durante a refeição matinal,


frequentemente os contava ao pai, que se admirava com as imagens sábias e belas
contidas nele. Certa vez, estando no campo, José contou a seus irmãos um sonho que
tivera na noite anterior: “Estávamos todos os doze juntos no trigal, atando feixes
dourados. De repente, dentre os feixes que estavam deitados no chão, o meu ergueu-se e
ficou de pé com suas espigas. Todos os vossos feixes também se ergueram, vieram
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saltando e formaram um circulo em volta do meu. Pensei que então fosse haver uma
dança de feixes; mas, não: vossos feixes permaneceram em circulo e se inclinaram
diante do meu. Nisto, acordei.” Os irmãos ficaram resmungando por causa do sonho de
José e disseram: “Bem que gostarias de ser nosso rei e senhor e mandar em nós!” E
ficaram com mais raiva ainda dele por causa daquele sonho. Uma outra vez, Jacó reuniu
os doze para preparar a colheita do trigo. Quando estavam todos juntos, ele disse: “Hoje
à noite tive um estranho sonho: o sol, a lua e onze estrelas se inclinavam diante de
mim.” Seu pai, então, repreendeu-o na frente dos outros irmãos e disse: “Será que eu,
tua mãe e teus irmãos devemos nos ajoelhar diante de ti?” José replicou: “Pai, eu não
inventei o sonho; ele veio. Que podemos nós contra nossos sonhos?” Mas os irmãos
ficaram ainda muito mais irritados com ele.

Benjamim, o mais novo, ainda era uma criança de quase dez anos. Era o único dos
irmãos que amava José; este brincava muitas vezes com ele e lhe contava historias, que
brotavam em sua alma como flores. Benjamim, em geral, ficava em casa como José e
não ia para o campo com os irmãos e os rebanhos.

Certa vez, Jacó disse a José: “Teus irmãos estão há muitos dias em pastos distantes. À
noite, eles permanecem junto aos rebanhos, pois os animais selvagens constituem um
perigo. Já faz muitos dias que não tenho noticia alguma deles e dos rebanhos. Vai até lá
para me informares se está tudo em ordem!”

José teve de caminhar por horas a fio, até finalmente avistar ao longe os rebanhos dos
irmãos. Quando estes o viram aproximar-se com sua túnica colorida e inteiramente
sozinho, disseram uns aos outros: “Lá vem o sonhador. Vem de novo nos espionar, para
contar tudo ao pai. Está na hora de fazê-lo sumir. Ele só nos causa aborrecimentos!” Um
deles propôs que matassem e o enterrassem na areia. Rubem, o mais velho, não estava
de acordo. “Não derramareis sangue!” Um outro sugeriu: “Poderíamos jogá-lo dentro
daquele poço que está seco. Lá ele pode morrer sozinho.” Rubem pensou consigo
mesmo: “Durante a noite, posso tirar José do poço e salvar sua vida.” Todos
concordaram com a sugestão. Quando José chegou onde os irmãos estavam, só viu caras
fechadas. Ninguém respondeu ao seu cumprimento. Ele ficou com medo e pediu
gentilmente: “O calor me deixou com sede; com certeza tendes um pouco de leite ou de
água nalgum odre. Dai-me um pouquinho, por favor!” Um deles respondeu: “Nós te
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daremos água o suficiente!” E outros levantaram-se de um pulo, agarraram José e


fizeram em pedaços sua túnica colorida. E o levaram até o poço seco e fizeram-lhe cair
lá no fundo. José ficou tão assustado que não conseguiu articular uma palavra. Só
quando o carregavam para o poço é que exclamou: “Irmãos, irmãos queridos, deixa-me
viver!” O fundo do poço ainda estava um pouco úmido e lamacento, de modo que os
ossos não se quebraram. Mas seus braços e pernas doíam. Lá em cima, ele só via uma
mancha circular do céu azul. Quando seus olhos se acostumaram com a escuridão,
ouviu um leve ruído. E reparou que uma cobra saía rastejando da parede do poço e
sibilava. José ficou parado, imóvel. A cobra sossegou e meteu-se de novo em seu
esconderijo, de onde a queda de José a espantara.

Lá no alto, os irmãos começaram assar um cabritinho que haviam abatido. Rubem se


afastara para subir o morro mais próximo. De lá, ele ia vigiar o rebanho. E tinha a
intenção de libertar secretamente José, à noite.

Tendo os irmãos comido e se deitado para descansar, um deles exclamou: “Estais vendo
camelos ao longe? É uma caravana! Ela vai passar perto de nós. São mercadores indo
para o Egito.” Disse Judá: “De que nos serve deixar José morrer? Poderíamos vendê-lo
aos mercadores, e assim seu sangue não cairia sobre nós.” Os outros concordaram.
Depois de algum tempo, a caravana parou bem junto deles. E eles deram aos
mercadores leite de cabra para beber. Disse Judá: “Temos um rapazinho para vender.”
Perguntou o mercador: “Onde está ele? Não vejo rapazinho algum.” Judá respondeu:
“Nos o castigamos. Ele está dentro do poço.” Os irmãos então, fizeram descer uma
corda até o fundo do poço. Judá exclamou: “Pega a corda, José!” Para espanto dos
mercadores, eles puxaram lá do fundo um belo rapaz nu. E assim ele ficou de cabeça
baixa diante dos mercadores. O chefe da caravana viu logo que se tratava de um rapaz
de rara beleza, e também inteligente e de nobre porte. Ele disse: “Assim sem roupa,
como ele está, pago por ele vinte moedas de prata.” Só então é que José percebeu o que
é que estava sendo vendido ali. E suplicou aos irmãos: “Por favor, deixai-me ficar em
minha terra natal! Não me vendais para terra estranha!”

Mas toda suplica foi em vão. Os irmãos de forma alguma lhe deram ouvidos. Com os
mercadores, eles não regatearam muito, e Judá aceitou a vinte moedas de prata. Um
condutor de camelo cingiu José com um farrapo sujo, pôs-lhe um bordão na mão e
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orneou: “Vamos rapaz, conduz os camelos!” Olhando para trás mais uma vez, José só
contou nove irmãos. Onde estaria Rubem? Ele parou um instante e olhou ao redor.
Nisto, uma chicotada zuniu em suas costas nuas. Uma voz gritou: “Adiante, rapaz, nada
de ficar olhando em volta!” José cerrou os lábios de dor e conduziu os camelos para o
deserto ardente.

Perto do poço, os irmãos tinham uma tenda onde dormiam à noite. No meio da noite,
quando todas ali repousavam, Rubem voltou da montanha para libertar José do poço.
Ele havia atado, com várias voltas, uma corda em torno da cintura. Chegando ao poço,
desenrolou-a. inclinando-se na beira do poço e chamou baixinho: “José, sou eu, Rubem.
Vim libertar-te!” Nenhuma resposta. Rubem pensou: “Ele deve estar dormindo. Vou
atirar pedrinhas lá em baixo, isso vai acordá-lo.” Sob a pálida luz do luar, juntou um
punhado de pedrinhas e as jogou dentro do poço. Nada se mexeu. Então fez descer a
corda e movimentou-a em círculos: “Pega, José!” Tudo continuou quieto. “Ele não está
mais lá em baixo”, murmurou Rubem, “para onde o levaram? Talvez tenha sido morto.
Preciso ter certeza!” Ele se dirigiu à tenda dos irmãos e sacudiu Simeão, que estava
dormindo. Este acordo sobressalto. Rubem perguntou bem alto: “Que foi feito de José?
Vós o matastes?” Todos os irmãos acordaram com aquele alvoroço. Simeão sossegou-o:
“Não, nos não ateamos contra sua vida. Nós o vendemos para os mercadores de uma
caravana. Ele vai para o Egito. Assim, nós nos livramos dele, e seu sangue não recai
sobre nós.” Mas Rubem estava desconfiado: “Mostra-me dinheiro!” Simeão pôs em sua
mão duas moedas de prata: “Recebemos vinte moedas de prata, duas para cada um de
nós. Ai estão as tuas.” Rubem, então, saiu da tenda para examinar as moedas à luz do
luar. Sim, era prata egípcia. Seu coração batia agitado. Ele foi andando devagar pela
noite afora e, de repente, viu-se junto ao poço. Sentou-se a beirada de pedra e pensou:
“Que é que eu vou dizer ao pai, que tem tanto amor por José?” E ele pegou a moedas de
prata e as jogou dentro do poço. E se censurava: “Eu devia ter defendido José antes,
corajosamente!” Mas o que havia acontecido já acontecera. De madrugada, Ruben
retornou à tenda dos irmãos. Estes, entrementes, haviam jurado uns aos outros não
revelar sobre a venda de José. Um propôs manchar o resto de sua túnica com sangue de
um cabrito. E a levariam para o pai, a fim de que ele pensasse que um animal selvagem
matara seu José.
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Quando Rubem voltou à tenda dos irmãos, eles o importunaram para que também
prometesse guardar silêncio. De modo que ele também teve de fazer parte da conjura.

Os irmãos tiraram a sorte para ver quem levaria ao pai a roupa ensangüentada. A sorte
coube a Judá e Aser. Quando os entes chegaram diante do pai, Aser segurava a túnica, e
Judá começou a falar aos arrancos: “Olha, pai, esta túnica... nós a encontramos... lá
longe nos campos. Há sangue nela... Não é esta a túnica de José?” O pai Jacó pegou os
pedaços de pano na mão e gritou: “Ai de mim! É a túnica de José! Um animal selvagem
o matou. Ai, ai de mim! José, a alegria dos meus olhos, a felicidade do meu coração,
está morto!” Chorando, ele se levantou, rasgou suas vestes de desgosto e ficou
inconsolável.

Desse dia em diante, Jacó vestiu roupas de luto. Os irmãos, então, passaram a evitar o
pai, a consciência do mal que haviam feito os oprimia. Ninguém mais contava historias
bonitas a Benjamim, e ele ficou muito triste por causa do irmão querido.

José no Egito

Quando os mercadores chegaram ao Egito com José, ofereceram suas mercadorias na


feira da cidade real: resinas aromáticas e condimentos. Dois mercadores levaram José
para o mercado de escravos, a fim de vendê-lo como criado. Junto a um poço,
mandaram que ele se lavasse da poeira do deserto. Ele recebeu, então, um pano branco
limpo, com o qual deveria cingir os rins, dando um bonito nó. Num barbeiro, o cabelo
de sua cabeça foi devidamente cortado e penteado. Quanto mais limpo e bonito o
escravo parecia, mais alto era o preço de compra. Quando os mercadores chegaram
com ele ao mercado de escravos, perceberam logo que José era o mais belo rapaz que
havia ali para ser vendido. Fixaram o preço em duzentas moedas de prata. Só um
comprador muito rico poderia pagar tanto. Muitos se aproximaram, pois a bela figura de
José e seu nobre semblante deram na vista. Mas, quando ouviram o alto preço,
desistiram.

De repente, aproximou-se um senhor muito distinto acompanhado de dois guardas. Era


Putifar, o chefe da guarda do Faraó, como era chamado pelo rei do Egito. Ele parou
perto de José e passou o olho pelos escravos à venda. Seus olhos ficaram presos em
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José. “Que rapaz belo e inteligente será este? Como criado, ele seria um bonito
ornamento para minha casa”, pensou Putifar. “Com toda a certeza, não nasceu escravo!”
E perguntou a um dos mercadores: “Onde conseguiste este rapaz?” O mercador ficou
alvoroçado, de ver que uma pessoa tão distinta vinha falar com ele, e respondeu:
“Excelentíssimo senhor, ele é de Canaã. É um hebreu. Nenhuma marca de escravidão o
desfigura; ele é um primogênito, e nunca teve senhor. De uma família nobre ele foi
expulso e vendido.” Putifar pensou e respondeu: “De Canaã? Isso não fica no Egito...
quanto é que ele custa?” O mercador percebeu que o nobre senhor estava querendo
comprá-lo e respondeu: “Duzentas e cinqüenta moedas de prata, senhor!” Putifar
refletiu e disse: “Ofereço-te duzentas. Essa quantia eu tenho comigo. É sim ou não!” O
mercador sabia que um nobre não regateia muito. “Está bem, senhor, duzentas moedas
de prata; o escravo pertence ao senhor.”

O senhor, então, dirigiu-se a José e lhe perguntou: “Como está teu conhecimento da
língua egípcia?” José inclinou sua cabeça numa reverência para cumprimentá-lo e
respondeu; “Língua Egito não muito bom, aprender muito, muito!” Putifar gostou de
ver como o rapaz tentava falar. Rebuscou em seu cinto e pagou o preço em moedas de
ouro. Seus dois soldados chamaram José e o conduziram pela cidade até que chegaram a
uma imponente casa de pedra. Ali o levaram-no à presença do administrador, que logo
gostou dele e o pôs para servir á mesa. Durante sua viagem, José só aprendera muito
pouco da língua egípcia com os mercadores. Mas, agora, dia após dia, seu linguajar
ganhava em segurança, pois ele tinha vontade de aprender.

O capitão Putifar tinha uma bonita esposa. Ela era muito mimada e se encantou com o
jovem e belo escravo. Quando ele despejava vinho em sua taça, ele afagava sua mão.
Certo dia, disse ao administrador: “José deverá ser meu criado particular. De manhã, ele
é que deverá trazer-me a primeira refeição. Quando eu tiver visitas, ele lhes deverá
servir refrescos.” Por ser assim favorecido pela senhora, José era invejado por todos os
outros criados do palácio. A senhora Putifar presenteou-o com uma veste de seda
bordada, com a qual ele parecia ainda mais belo do que antes. José bem percebia que era
favorecido da distinta dama. Entretanto, não se aproveitava disso e fazia suas tarefas
com cortesia.
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Certa vez, a senhora Putifar convidou algumas amigas ilustres para lhe fazerem uma
visita. Antes, pediu a seu cabeleireiro: “Prepara José o melhor possível; minhas amigas
devem ver que eu tenho ao meu serviço o mais belo escravo da cidade.” Mandou
também que fizessem para ele uma túnica de seda, bordada com fios dourados. Quando
as damas já estavam ali reunidas e uma escrava cantava ao som da cítara, ela mandou
servir laranjas em pratos com faquinhas para frutas. Ao som de uma sineta, José tinha
que entrar e recolher os pratos de cada uma. Quando ele, em sua nobre beleza, ali
apareceu, as damas ficaram tão fascinadas com aquela visão que uma delas, que olhava
embasbacada, cortou o dedo e deixou cair o prato. Mais que depressa, José foi buscar
linho fino e fez um curativo no dedo ferido: alem disso, consolou a dama com palavras
suaves. Com muito garbo, ajuntou os cacos em sua cestinha, junto com as cascas de
laranja, e agradeceu a cada uma das damas com um sorriso. Quando ele tornou a sair da
sala, as visitas demonstraram seu entusiasmo pelo fino criado. A senhora Putifar ficou
lisonjeada. Bem que cada uma gostaria de lhe comprar José por duzentas moedas de
prata. À tarde, quando José já tornava a por em ordem a sala de visitas, a senhora Putifar
dirigiu-se a ele e disse: “Foste maravilhoso hoje, meu querido.” E abraçando-lhe, deu-
lhe um beijo. José saiu correndo de susto, e ela ficou ali rindo dele. E ele então percebeu
que a senhora Putifar se havia enamorado dele.

Naquela noite ele mal conseguiu dormir. Finalmente teve um sonho. Seu pai Jacó,
apareceu-lhe vestido de luto e chorando. José queria secar-lhe as lágrimas, mas não
conseguia erguer os braços. A esposa de Putifar os segurava nas costas. Ele acordou e
entendeu: “Tenho que tomar cuidado com a esposa de Putifar.” E ele já havia percebido
várias vezes que ela misturava verdade e mentira.

Certa vez, o senhor Putifar passou pelo quarto de José e ouviu um murmúrio. Ele parou,
escutou, levantou a cortina e perguntou: “Que é que está fazendo, falando contigo
mesmo? Estás praticando magia?” José respondeu: “Senhor, todos os dias rezo a Deus,
como meu pai me ensinou em Canaã. Também rezo para obter sempre as graças de
Putifar.” Quando Putifar viu que José, em seu coração, era piedoso e sincero, disse-lhe:
“Vem comigo até o administrador. De hoje em diante, poderás usar chaves em teu
cinto.” Assim José, apesar de sua pouca idade, tornou-se vice-administrador, isto é,
substituto do administrador. Podia dar ordens aos outros escravos sobre o que eles
teriam que fazer.
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José afastou-se o mais que pode da senhora Putifar. Certa vez, ela mandou chamá-lo
para que fosse aos seus aposentos. Quando ele já ia indo e já havia posto seu manto
vermelho, penou: “Talvez eu tenha de fazer alguma compra para ela na cidade”, e
entrou em seus aposentos. Na mesma hora, ela o envolveu em seus braços, abraçou-o e
quis beijá-lo. José saltou com um forte empurrão. Seu manto se rasgou, e a senhora
Putifar caiu de costas na cama, com o manto nas mãos. De raiva, ela gritou: “Socorro,
socorro! O criado José quis atacar-me!” Com as unhas, ela arranhou o próprio pescoço
até sangrar e gritou: “Ele me estrangulou!” As criadas acorreram. A senhora Putifar
mandou chamar seu marido e lhe mostrou o manto rasgado de José e os arranhões no
pescoço. Ela chorou lágrimas fingidas, e Putifar acreditou em tudo. Ele ficou louco de
raiva com o criado infiel e deu ordem a dois guardas para que o procurassem pela
cidade e o pusessem imediatamente a pão e água na prisão real.

No mercado, José foi apanhado. Os guardas amarraram suas mãos nas costas e o
levaram para a prisão. Assim, José, apesar de inocente, foi parar no cárcere. Sua túnica
de seda foi trocada por trapos imundos.

José na prisão

Na primeira noite passada no cárcere, José refletiu sobre o dia anterior. Sua alma se
encheu de desespero. Em silencio, ele rezou a seu Deus: “Senhor, tu me elevaste;
Senhor, tu me rebaixaste; só tu conheces o rumo de minha vida. Confio em ti!”

O guarda da prisão logo percebeu que José não era um criminoso. Deu-lhe a tarefa de
levar pão e água aos presos todos os dias e ficou contente de ter um outro que fizesse a
tarefa para ele. Um dia, os soldados trouxeram dois presos diferentes. Um estava
vestido de padeiro e tinha farinha no cabelo. O outro usava vestes elegantes como um
criado real. Os dois pareciam infelizes. José foi conversar com eles. O padeiro contou o
seguinte: “Eu era o padeiro da corte no palácio do Faraó. Por acaso, ficou uma pedrinha
dentro da massa do pão. O Faraó mordeu justamente o pedaço do pão onde a pedrinha
estava. Ele ficou zangadíssimo e ordenou que me atirassem na prisão.” O outro contou o
seguinte: “Eu era copeiro do Faraó e, nas refeições, sempre enchia as taças de bebida.
Quando estava enchendo de vinho a taça do Faraó, uma mosca voou justamente para
dentro da jarra e, justamente com o vinho, foi para a taça do Faraó. Ele também ordenou
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que me atirassem na prisão. Não foi minha culpa; não pedi à mosca que voasse naquele
instante pra dentro da jarra!”

Na manhã seguinte, quando José levou pão e água para os dois, cada um estava sentado
aborrecido num canto. José perguntou: “Porque é que estais tão aborrecidos? Para vós
ainda há esperança de que Faraó vos seja clemente.” O copeiro então respondeu: “Estou
pensando num estranho sonho que tive esta noite. Ainda tenho suas imagens
nitidamente diante de mim. Se alguém pudesse interpretá-lo!” José replicou: “A
interpretação dos sonhos cabe a Deus; mas conta pra mim, que foi que tu sonhaste?” O
copeiro começou: “Vi diante de mim uma videira. Nela brotavam três rebentos verdes.
Tão logo surgiram, floresceram, e as flores transformaram-se em cachos de uva diante
de meus olhos. Segurei a taça do Faraó numa das mãos e, com a outra, peguei um cacho
e o espremi. A taça encheu-se de suco, e eu a ofereci ao Faraó.” José disse: “Acho que
posso interpretar esse sonho: os três brotos são três dias. Daqui a três dias, o Faraó vai
mandar chamar-te. Vais poder oferecer-lhe a taça. Como antes, serás seu copeiro.” Ao
ouvir esta interpretação tão boa, o copeiro ficou de cara alegre. José, porem, continuou:
“Copeiro, eu te suplico, lembra-te de mim quando tudo te correr bem e, quando
estiveres com Faraó, faze-me a caridade de intervir a meu favor. Ajuda-me a sair desta
prisão, pois foi injustamente que vim parar aqui.” E contou ao copeiro o que lhe
acontecera em casa de Putifar.

O padeiro ouvira com atenção José interpretar tão favoravelmente o sonho do copeiro e
lhe disse: “Também gostaria de te contar o sonho que tive esta noite: Eu carregava três
cestos de pão sobre a cabeça. No cesto mais alto havia finos biscoitos para o Faraó.
Nisto, vieram pássaros voando e devorando biscoitos de todos os cestos. Dize-me, que
será que isto significa?”

José calou-se por algum tempo. Ele hesitava em explicar ao padeiro as imagens do
sonho. Finalmente, disse: “Padeiro, prefiro não interpretar teu sonho!” Mas este insistiu
e disse: “Seja o que for, mesmo que seja mensagem ruim, por favor, conta-a para mim!
Percebi que também podes interpretar sonhos.” Lentamente, José começou: “Os três
cestos são três dias. Daqui a três dias, por ordem de Faraó, serás suspenso pela cabeça e
enforcado num poste. Os pássaros virão pelos ares para comer tua carne.”
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O pobre padeiro mergulhou na maior tristeza; mas, no coração do copeiro, ardia


pequena chama de esperança.

Três dias depois, era aniversário do Faraó. Para todos os seus criados ele deu uma boa
refeição; também mandou trazer da prisão o copeiro, que antes lhe havia sido um criado
tão leal, e empossou de novo em seu cargo. O padeiro continuou em desgraça, e foi
suspenso e enforcado, por não ter prestado atenção ao fazer a massa do pão.

Os sonhos de Faraó

José passou meses e meses no cativeiro. Nunca mais ouviu falar do copeiro; este,
novamente feliz, esquecera-se dele. Todos os dias, José levava o pão e a água para os
presos. Com eles, foi aprendendo diversas línguas e se habituando pouco a pouco à sua
sorte. Mais de um ano se passou.

Certa noite, o Faraó teve dois estranhos sonhos. De manhã, ao acordar, seu espírito
estava inquieto. Mandou então chamar seus adivinhos para que interpretassem os dois
sonhos. Numa determinada hora, os sábios se reuniram, e o Faraó lhes contou o
primeiro sonho:

“Eu estava à beira do rio Nilo e vi saírem dele sete vacas gordas e bonitas. Elas
pastavam a relva que havia na margem. Depois delas, saíram do rio sete vacas magras e
feias. Chegando ao posto, elas devoraram as sete vacas gordas e bonitas. Eu sei que o
sonho é importante. Interpretai-o!”

Os adivinhos adivinhavam daqui, adivinhavam dali, e nenhuma interpretação razoável


lhes ocorreu. Então o Faraó contou o segundo sonho: “Vi sete espigas de trigo cheias de
belos grãos. Saiam todas da mesma haste. Depois vi uma outra haste, de onde brotavam
sete espigas magras e crestadas; estas devoravam as espigas bonitas, e tudo se desfez em
pó.”

Mais uma vez, os sábios tentaram daqui, dali, enrugaram a testa e suaram. Nenhuma
interpretação sensata lhes ocorreu. Aborrecido, o Faraó os mandou embora.

O copeiro ouviu falar no caso e, de repente, lembrou-se do interprete de sonho da


prisão. Será que ainda estaria lá? E ele contou ao Faraó que um rapaz hebreu, na prisão,
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havia interpretado seu sonho e o do padeiro, e que tudo aconteceu exatamente como ele
havia previsto. Então Faraó ordenou que fossem buscar no cárcere o rapaz que
interpretava sonhos e que o trouxessem à sua presença. Dois guardas do palácio tiveram
de ir até a prisão, e o copeiro foi com eles. Dentre uma porção de presos, ele logo
distinguiu José. Quando este avistou o copeiro, pensou consigo mesmo: “Será que ele
vai levar-me até Putifar?” o copeiro abraçou-o amigavelmente e disse: “Olha só como
agora me lembrei de ti!”

O copeiro mostrou ao carcereiro uma folha de papiro com o lacre do Faraó, e com isso
José logo lhe foi entregue. José temia ser de novo levado a Putifar e perguntou:
“Copeiro, para onde me levas?” Ele respondeu: “Terás de interpretar dois sonhos do
Faraó. Seus sábios não o conseguem. Interpretaste tão bem meu sonho e o sonho do
padeiro, e tudo se realizou. Foi isto que contei ao Faraó.” Perguntou José: “Que foi que
ele sonhou?” Respondeu o copeiro: “Isto só ele e os sábios é que sabem. Os sonhos do
Faraó são segredo. Ele vai contá-los a ti.” De modo que José não sabia se devia alegrar-
se ou se uma nova desgraça estava para vir.

Nos compartimentos dos serviçais do palácio, José foi lavado, penteado, untado com
óleos aromáticos e vestido com finas roupagens. Tudo estava mudando tão depressa que
ele nem sabia o que lhe estava acontecendo. O copeiro o conduziu aos aposentos
interiores do rei. No caminho, instruiu-o a respeito de como deve proceder um criado
diante de Faraó.

Eles entravam na sala pequena do trono. Sentado numa cadeira de ouro, estava o
Sublime, rodeado de seus conselheiros. José atirou-se ao chão e tocou o solo três vezes
com a testa. Depois ergueu-se e olhou o Faraó diretamente nos olhos. Este passou os
olhos pelo rapaz, examinando-o, e gostou dele. “Aproxima-te!” – disse – “Ouvi dizer
que podes interpretar sonhos. É verdade?” José respondeu: “Sublime senhor, quando o
Espírito de Deus brilha em mim, eu posso.” “Então, ouve meu sonho!” E o Faraó
contou das sete vacas gordas e das sete vacas feias e magras. “Depois tive ainda mais
um sonho. Sete espigas cresciam numa haste, cheias e bonitas. Em seguida, brotavam
sete espigas magras, crestadas pelo vento leste. Contei isto aos meus adivinhos; mas
nenhum pôde esclarecer-me. Que dizes tu, hebreu?”
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José fechou os olhos, calou-se por algum tempo e ficou à escuta de seu próprio intimo.
O Faraó e seus sábios aguardavam atentamente, num silêncio profundo. De repente,
José abriu os olhos e começou a falar: “Sublime senhor! Os dois sonhos significam a
mesma coisa. Deus queria dar a Faraó um sinal do que vai acontecer no futuro. As sete
vacas gordas e as sete espigas cheias significam que os sete próximos anos serão
abençoados com grande fertilidade. Depois virão sete anos de fome. Todo o capim vai
secar. Muito gado vai morrer. O trigo plantado vai ficar crestado pelo calor e pela seca.
Não se poderá mais assar pão algum. Se o Sublime Faraó teve dois sonhos com imagens
semelhantes é porque o fato já está decidido por Deus. Por isso, governe o Faraó
sabiamente nos próximos sete anos de fartura. Que ele escolha funcionários para cuidar
da colheita e construa celeiros em grande quantidade. Assim, poderá salvar seu povo
nos sete anos de fome.” José se calou, cruzou os braços ao peito e se inclinou.

Sua interpretação do sonho causou forte impressão. O Faraó ficou como que fulminado
pelo raio da verdade. Em nenhum momento ele duvidou: o hebreu estava certo. Os
conselheiros balançaram a cabeça, concordando, e um burburinho agitado percorreu a
sala.

Quando Faraó se refez da surpresa, levantou-se. Todos se calaram. Ele dirigiu a palavra
a José, dizendo: “Hebreu, a voz de Deus falou através de ti. Como Deus te tem em tão
alta conta e és tão sábio, eu também te terei em alta conta. Ponho-te à testa de minha
casa. Tu deverás, como voz da sabedoria, reger comigo meu povo. Só pelo trono estarei
acima de ti. Em compensação, nos próximos sete anos cuidaras de armazenar o excesso
de trigo. Terás a teu serviço, quantos construtores necessitares. Todos eles te
obedecerão. Ninguém no Egito estará acima de ti, a não ser eu Faraó.”

Após estas palavras, ele tirou do dedo um anel de ouro com o selo e o pôs na mão de
José: “Com este anel de comando, dou-te também um nome egípcio. De agora em
diante te nome será Tsafenat-Paneac, aquele que traz o pão.” Em seguida, mandou que
pusessem em seu pescoço uma corrente de ouro com todas as insígnias de seu posto.
José não estava entendendo o que lhe acontecia. Estaria sonhando ou estaria acordado?
Ele se ajoelhou diante de Faraó, ofuscado por suas palavras, pela graça que lhe
concedia. O Sublime lhe fez um sinal para que se aproximasse e convidou-o a sentar-se
na cadeira que havia ao se lado.
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A um aceno, os criados trouxeram um suntuoso manto, pondo-o nos ombros de José. A


seguir, foi-lhe destinada uma residência dentro do palácio, com criados, cavalos e uma
carruagem. Certo dia, o Faraó mostrou-se na cidade com sua carruagem real. A seu lado
estava José-Paneac. Soaram instrumentos musicais. Arautos anunciaram: “Aí vêm o
Faraó e eu vice-rei Tsafenac-Paneac, aquele que traz o pão. Prestai-lhe homenagem!” O
povo se inclinou, aclamou-os e saudou-os, cada um à sua maneira; pois o Faraó havia
permitido que o milagre da interpretação do sonho fosse contado a todos. No meio da
multidão que aclamava, José avistou uma pessoa que o olhava fixamente. Era a mulher
de Putifar. Por um momento, passou pela sua cabeça: “Agora podes castigá-la por suas
mentiras!” Depois, esse pensamento deu lugar a outro: “Foi também seu amor que me
levou a prisão; se não fosse isso, eu jamais teria encontrado o copeiro e o Faraó. Ela
também contribuiu para determinar meu caminho. Eu a perdôo!”

Logo, José, com sua carruagem particular e com funcionários, teve que viajar por todo o
país a fim de conhecê-lo e de registrar o rendimento das abundantes colheitas. Onde
quer que ele chegasse, mandava construir celeiros. Neles, era armazenado todo o
excedente dos grãos. Como fora anunciado, nesse primeiro ano a colheita foi tão viçosa
e abundante que os construtores quase não conseguiram fazer, em tempo, novos celeiros
para conter tal fartura de grãos. E muita coisa eles armazenavam em grutas que
estivessem secas. Assim foi, ano após ano.

O Faraó deu a José a nobre filha de um sacerdote com esposa. Dela lhe nasceram dois
filhos, Manassés e Efraim. Assim vivia Paneac com muitos trabalhos e numa atividade
incansável, rodeado de pompa e esplendor. Mas nunca foi orgulhoso nem arrogante. Ele
já havia sofrido demais, em si mesmo, a miséria do mundo.

Os anos de Fome

Depois que se passaram os sete anos de fartura, começaram os tempos ruins, como José
havia previsto. A seca fez morrer os campos verdejantes. Não só havia más colheitas no
Egito como também em terras adjacentes. Até em Canaã, onde moravam o pai Jacó e os
irmãos de José, houve grande penúria. De muitos países vizinhos, vinha gente ao Egito
comprar trigo dos celeiros de Paneac. A cada ano de má colheita, seu prestígio crescia
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junto ao povo do Egito. As pessoas comentavam: “Todos nós devemos nossas vidas ao
doador de pão, Paneac. Sem seus celeiros, teríamos morrido de fome.”

Na terra de Canaã, não havia mais nem meio quilo de grão. Ocasionalmente, passava
uma caravana que voltava do Egito trazendo trigo, e que vendia em pouca quantidade e
por muito dinheiro. O pai Jacó disse a seus filhos: “A fome também atingiu nosso país.
Já tivemos de abater a metade dos rebanhos. No Egito, assim se ouviu dizer, há trigo
para comprar. Levai alguns camelos e ide até lá, para ver se é possível compra trigo para
nós!” Então, dez dos irmãos puseram-se a caminho. Quanto a Benjamim, o pai quis
conservá-los a seu lado.

Após semanas de viagem, quando os irmãos chegaram ao Egito, indicaram-lhe aos


celeiros da cidade real. Naquele dia, José fiscalizava pessoalmente a venda do trigo. De
repente, avistou dez homens com seus camelos pedindo trigo. Apesar de se terem
passado quase doze anos, reconheceu logo neles os seus irmãos. Para estes, porem, era
impossível reconhecer José-Paneac com aquela barba e aquele penteado egípcio e tanto
adorno. Como José queria pôr seus irmãos à prova, não falou com eles em sua língua,
mas mandou vir um interprete. Chegou-se a eles e disse rapidamente: “De onde vindes,
forasteiros?” Estes assustaram-se e olharam confusos para o nobre egípcio cercado de
criados. Rubens, o mais velho, inclinou-se profundamente e respondeu: “Viemos de
Canaã, nobre senhor, e pedimos licença para comprar trigo!” Paneac replicou
secamente: “Não sois porventura espiões, procurando saber da terra e das provisões de
cereais?” Espantado, Ruben respondeu: “Senhor, não se trata disso. Somos todos filhos
do mesmo pai, em número de doze, e somos gente honesta.” Paneac, insistindo,
perguntou: “Vosso pai ainda vive? Onde estão os dois irmãos que estão faltando?”
Rubem respondeu: “O mais moço ficou com o pai, e o outro... não existe mais.” Paneac
replicou: “Pela vida do Faraó, não vos deixarei partir enquanto não me for trazido vosso
irmão mais moço. Enquanto isso, os outros ficarão como meus prisioneiros. Assim
poderemos verificar e falastes a verdade.” Paneac ordenou que os prendesse e que um
criado cuidasse dos camelos. Os dez irmãos estavam completamente desesperados.
Rubem então disse aos outros: “O crime que cometemos com José está sendo vingado
agora. Vós o vendestes para o Egito, e agora o Egito devolve o golpe e nos desgraça a
todos.” Por três dias e três noites, eles quase não dormiram de tão amedrontados e
contritos.
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No terceiro dia, Paneac apareceu e disse: “Minha decisão é outra. Um de vós permanece
aqui como prisioneiro. Os outros voltam com o trigo. Depois, todos vós tornareis a vir
trazendo o irmão mais moço. Deliberarei entre vós quem será deixado aqui.” Paneac
esperou na porta. Através da cortina, ele entendeu o que os irmãos cochichavam em
hebraico. Rubem dizia: “Eu não disse para não fazer mal a José? Agora seu sangue cai
sobre nós!” E Simeão lembrou: “Ele suplicou tanto que não o vendêssemos para o
Egito... Nossos ouvidos ficaram surdos. Agora, a justiça de Deus nos castiga. Eu ficarei
prisioneiro no Egito até que volteis com Benjamim!”

Paneac mandou algemar Simeão diante dos irmãos; depois, dispensou os outros nove.
Ele dera ordem para que enchessem de trigo os sacos hebreus e pusessem o dinheiro em
cima. Também mandou que lhes dessem boas provisões para a viagem. A seguir, foram
dispensados com seus camelos.

Depois de alguns dias de viagem, e como quisessem dar a um estalajadeiro um pouco de


trigo, como pagamento de uma hospedagem, abriram um dos sacos e acharam em cima
o dinheiro da compra. Os irmãos assustaram-se muito ao descobrirem isso e perderam o
ânimo; pois cada um achou em seu saco o dinheiro da compra. O egípcio devia ter feito
algo contra eles. Será que ele queria ficar com os onze com escravos? Preocupados,
seguiram viagem. Chegando a Canaã, contaram ao pai de José tudo o que acontecera e
como tinham precisado deixar Simeão lá no Egito. O pai lamentou-se: “Perdi José!
Simeão ficou lá, e agora tenho de entregar todos vós e mais Benjamim? Rubem disse:
“Se não te trouxermos Benjamim de volta, tira a vida de meus filhos!”Judá jurou: “Pai,
eu me responsabilizo por Benjamim!”Mas o pai Jacó não se decidia a deixar que os
filhos voltassem ao Egito. Passando algum tempo, o trigo egípcio foi consumido, e a
fome assolou o país. Então Jacó, de coração pesado, deixou que os filhos partissem com
Benjamim. Levaram o dobro da quantia de dinheiro, caso cobrassem deles o que lhes
fora devolvido. Quanto mais se aproximavam do Egito, mais inquietos ficavam os
irmãos. A notícia de sua chegada à cidade dos faraós logo chegou a Paneac. “Os
hebreus voltaram.” Ele ordenou que os homens de Canaã fossem trazidos à sua casa. Os
irmãos recearam que fosse por causa do dinheiro. Um deles disse: “Vão lançar-se sobre
nós e nos fazer seus escravos!”Simeão foi também levado até lá. Quando Paneac
apareceu diante deles, todos os onze se atiraram ao chão, prestando-lhe homenagem. Ele
foi cordial e mandou que se erguessem. Quando olhou no rosto seu querido irmão
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Benjamim que não tinha culpa, lágrimas lhe vieram aos olhos. Ficou tão emocionado
que passou depressa para um aposento vizinho e chorou. Depois de lavar o rosto, voltou
e ordenou aos criados do palácio que servissem o jantar para todos. Pela primeira vez,
aos doze irmãos estavam reunidos de novo para uma refeição, e os onze ainda não
sabiam quem era seu anfitrião.

Mais uma vez José quis pôr seus irmãos à prova. Aos criados que cuidavam do trigo,
ordenou: “Enchei de trigo os sacos dos hebreus. Deveis pôr de volta neles o dinheiro. E
na boca do saco do irmão mais moço porá minha taça de prata.”

Nem bem tinham deixado a cidade, foram alcançados por um destacamento de


cavaleiros e obrigados a parar. O comandante exclamou: “Um de vós levou a taça de
prata do nobre Paneac!” Rubem disse: “Isso não é possível. Deve ser um engano. Que
morra aquele com quem ela for encontrada!” Eles abriram seus sacos. A taça estava no
saco de Benjamim. Todos ficaram abismados. O chefe da guarda disse: “Este aqui,
vosso irmão mais moço, levarei comigo. Ele terá de ser escravo de meu senhor e ficar
para sempre no Egito. Os outros estão livres!” Mas, sem Benjamim, os irmãos não
queriam nem podiam voltar para casa do pai. Então, todos eles retornaram à casa de
Paneac. E, mais uma vez, prostraram-se diante do imponente senhor. Judá se adiantou,
dizendo: “Nobre príncipe, não sabemos como a taça foi parar no saco de trigo. Em troca
de minha cabeça, eu me responsabilizei por Benjamim perante nosso velho pai,
garantindo que o levaria de volta são e salvo. Toma a mim com escravo. Se Benjamim
não votar, nosso velho pai não sobreviverá e irá para o reino das sombras da morte. Isso
foi o que ele disse.” Nisto, José-Paneac não pôde resistir mais. Mandou que saíssem os
guardas egípcios, para ficar a sós com os hebreus. E se aproximou de Benjamim,
segurou suas mãos e, falando no mais puro hebraico, disse: “Eu sou José, vosso irmão
dado por perdido!” Os irmãos levaram tamanho susto que ficaram petrificados de medo.
Benjamim, não. Ele abraçou seu irmão predileto, perdido há tanto tempo. José não
podia mais dissimular suas lágrimas. Ele disse aos irmãos: “Aproximai-vos de mim.
Sim, vós me vendestes para o Egito; mas foi da vontade de Deus que isso acontecesse.
Assim, posso agora salvar a vida de inúmeras pessoas que, do contrario, iriam morrer de
fome. Dois anos de penúria já se passaram, e mais cinco virão. Vede, pois, Deus me fez
amigo e co-regente do Faraó. Vós deveis voltar imediatamente para a casa do pai. Daí a
ele lembranças minhas e dize-lhe que venha para o Egito juntamente convosco, com
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vossas esposas, vossos filhos e toda a criadagem. Eu vos darei terra, casa e alimento
durante os próximos cinco anos de fome.”

Os irmãos mal podiam compreender essas palavras e o que elas significavam. José,
contudo, aproximou-se deles, abraçou cada um e deu em cada um beijo de
reconciliação. O coração dos irmãos se derreteu então de arrependimento e gratidão, e
suas lágrimas levavam embora todo o medo que haviam passado.

A notícia da chegada dos irmãos de Paneac se alastrou pela cidade com rapidez de um
raio. Até o Faraó mandou chamá-los à sua presença e se alegrou com o milagroso
desígnio do destino. Ele forneceu cavalos e carros para o pai de José-Paneac, as
mulheres e as crianças pequenas pudessem viajar confortavelmente. José lhes fez
presentes de roupas e lhes deu grande quantidade de mantimentos para a viagem.

Assim, não eram somente alguns camelos que regressavam a Canaã, mas toda uma
caravana. Rubem, o mais velho, teve que ir à frente, para chegar mais depressa à sua
terra a fim de prevenir o pai. Quando já se encontrava perto das cabanas e das tendas,
seus dois filhos, que foram os primeiros a reconhecer o viajante, correram ao seu
encontro. Logo se achegaram também as mulheres e a criadagem. Rubem
cumprimentou a todos e, logo a seguir, dirigiu-se à cabana de seu pai Jacó. Este
percebera o barulho lá fora e se postara na entrada da casa com sua roupa escura. Ao ver
Rubem chegar sozinho, levou um susto. Entretanto, seu filho mais velho abraçou-o
alegremente e disse: “Pai, todos vêm vindo, todos! Trazemos conosco também Simeão e
Benjamim! Eu vim na frente trazer-lhe a boa noticia.” Então, o semblante de Jacó se
iluminou. Ele olhou para o alto e disse: “Graças a ti, ó Deus!” Um pouco mais tarde,
estando Rubem sozinho com seu pai Jacó na cabana, contou-lhe o que acontecera
naquela viagem com eles e com o nobre Paneac, o doador de pão. E contou do jantar em
casa de Paneac. “E de repente, ó pai, ele mandou que todos os criados se retirassem e
começou a falar em hebraico. E disse: “Não me reconheceis? Eu sou José, vosso décimo
segundo irmão. A vontade de Deus me conduziu ao Egito!”Quando Rubem acabou de
falar, o pai ergueu os braços; seus olhos se abriram. Vagarosamente, ele os cobriu com
as mãos. Uma tal paz o invadiu que Rubem receou que sua alma pudesse escapar-se.
Mas ele estendeu os braços de novo. Seus olhos brilhavam como se vissem lá ao longe o
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clarão da escada celeste. E, então, seus lábios murmuraram baixinho: “Jose está vivo!
Ele está vivo!”“ Sim, pai, ele está vivo!”

Rubem se calou por um longo tempo. O pai fixou os olhos nele e perguntou: “Como é
que José foi parar no Egito, e por que não voltou antes?” Rubem, então, atirou-se aos
pés de seu velho pai, abraçou seus joelhos e começou a chorar. Quando finalmente
recuperou a fala, disse: “Pai, perdoa teus filhos, perdoa nossa culpa!” E ele contou a
respeito do dia em que José foi jogado dentro do poço. Contou que ele, Rubem, passara
a noite em claro, para tirá-lo de lá secretamente com uma corda e libertá-lo. Mas que os
irmãos já o haviam entregue a uma caravana que ia para o Egito. Rubem repetiu as
palavras que José lhes dissera durante o jantar: “Vós me vendestes para o Egito, mas foi
da vontade de Deus que o isso acontecesse, pois agora posso salvar a vida de inúmeras
pessoas que, do contrário iriam morrer de fome. Deus dispôs assim. Voltai para casa do
pai e daí a ele lembranças minhas. Ele deve vir para o Egito convosco, com vossas
esposas, vossos filhos e toda a criadagem. Eu vos darei terra, casa e alimento durante os
próximos cinco anos de fome!” Quando Rubem terminou, ouviram-se lá de fora altas
vozes e exclamações de júbilo. Os outros irmãos estavam chegando com a caravana,
trazendo o trigo e os presentes de José. Rubem deu a entender aos irmãos que o pai Jacó
já sabia de tudo. Cada um deles cumprimentou o pai, abraçou seus joelhos, e ele lhes
deu seu perdão. Ainda naquele mesmo dia, o pai Jacó se vestiu com um traje de lã
branca.

A grande Viagem para o Egito

Naquela noite, a voz divina disse a Jacó: “Não temas a ida para o Egito. Eu estarei
convosco e lá farei de ti e de teus filhos uma grande nação. Quando for o tempo, eu vos
conduzirei de volta ao país de Canaã.”

Assim, Jacó e seus onze filhos deixaram a terra natal numa grande caravana de carros e
de camelos de carga e montaria. A longa viagem era penosa, mas uma boa estrela os
acompanhava. Quando a caravana pisou solo egípcio, cavaleiros rápidos informaram
José-Paneac da chegada dos hebreus. Este mandou atrelar um carro com os cavalos mais
velozes e foi ao seu encontro. Quando viu o pai, caiu-lhe nos braços e não se
envergonhou de chorar na frente de todo o povo.
53

O Faraó indicou aos irmãos de José a fértil terra de Gessem para residirem. Ele mandou
chamar o velho pai à sua presença e lhe assegurou a amizade do povo egípcio. O pai
Jacó viveu ainda dezessete anos no Egito. Ele presenciou o crescimento das tribos de
seus doze filhos e como elas formaram uma pequena nação. Ele deu a essa nação o
nome de Israel, nome que Deus lhe havia revelado no monte Moriá. José teve de
prometer a seu pai que, depois de sua morte, enterraria seu corpo na terra de Canaã, na
sepultura de Sara. E assim foi.

Um novo Faraó

Enquanto José viveu, o povo de seus irmãos, os israelitas, passava bem. Eles
construíram casas, cultivaram a terra e criavam gado. Eram cada vez mais numerosos.
Os irmãos tiveram filhos e netos, e assim também os criados que tinham vindo com eles
de Canaã. Um novo Faraó reinou. Quando José morreu, e sua alma se juntou à de seus
pais nos reinos superiores, seu corpo foi embalsamado segundo o costume egípcio.
Perto do Nilo, construíram-lhe uma sepultura digna. Por todo o país reinava a tristeza,
quando seu ataúde foi levado à sepultura.

Os tempos se passaram. Gerações seguiram-se a gerações. Subiu ao trono um novo


Faraó que não sabia mais coisa alguma a respeito de José. Os israelitas se haviam
tornado um povo forte. Havia egípcios que temiam que o povo de Israel pudesse um dia
se sublevar e usurpar o poder sobre toda a terra do Egito.

Os conselheiros diziam ao Faraó: “Olha, o povo de Israel é quase tão forte quanto o
nosso povo egípcio. Muitos deles foram treinados, em nosso exercito, com guerreiros.
São combatentes valentes e ousados. Vamos pensar de que maneira podemos
enfraquecer esse povo; pois um dia eles podem erguer-se contra nós.” O Faraó sugeriu:
“Mandemos fortificar com construções as duas grandes cidades de Pitom e Ramsés.
Esse é um trabalho gigantesco, que irá debilitar suas forças. Anunciai esse trabalho na
terra de Gessem. Primeiro, pagai um bom salário. Que sejam postos, pouco a pouco,
guardas severos. Quando tivermos bem na mão esses operários israelitas, daremos a eles
um salário cada vez menor, somente as refeições. Nós os forçaremos a trabalhar, então
eles serão nossos escravos.”
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Essa proposta do Faraó foi bem recebida, e assim os israelitas foram recrutados como
trabalhadores aos milhares. Dia e noite ardiam os fornos de tijolos. De muito longe, eles
tinham de carregar blocos de pedra para fortalecer as cidades. O salário foi diminuindo
até desaparecer completamente. Agora, guardas severos é que os faziam trabalhar. O
chicote e o bastão entravam em uso. Quem se rebelava era morto. Os conselheiros
inventaram coisas ainda piores para enfraquecer o povo: as amas dos hebreus, que
ajudavam as mães na hora dos filhos nascerem, receberam ordens de matar
imediatamente todo menino que nascesse. As meninas podiam continuar vivendo. Mas,
secretamente, as amas deixavam os meninos vivos sempre que podiam.

Por esse tempo, o Faraó teve um estranho sonho. Ele viu a figura alta de um ancião.
Este segurava numa das mãos uma grande balança, com dois pratos. Com a outra mão,
ele pegou os príncipes do Egito e os colocou num dos pratos. No outro, pôs um cordeiro
e este pesava mais que todos os poderosos do reino.

O Faraó mandou chamar Balaão, seu feiticeiro, para interpretar o sonho. Este disse: “O
cordeiro é o símbolo do povo de Israel. Pelo fogo não podes enfraquecê-los, pois seu
Deus salvou Abraão do fogo ardente. Pela espada não podes exterminá-los, pois Isaac
foi livrado da espada. Pela água não podes enfraquecê-los. De agora em diante, manda
jogar todos os recém-nascidos nas águas do Nilo.” Assim falou o feiticeiro Balaão, e o
Faraó deu ordens para que isso fosse executado pelos soldados. Todos os meninos
pequenos, que ainda não sabiam andar, seriam jogados no rio Nilo logo que fossem
descobertos. Assim, um grande sofrimento se abateu sobre as mães de Israel.
55

MOISÉS

Nascimento e Infância de Moisés

A família hebréia de Amram tinha dois filhos, o menino Arão e sua irmã Miriam. Certo
dia, a esposa de Amram deu à luz um menino, logo depois de ter sido promulgada a lei
da matança. Quando a mãe pegou o menino no colo, percebeu em volta dele um brilho
delicado. Ela resolveu salvar o menino. Já havia conseguido mantê-lo escondido por
três meses, quando os soldados do Faraó iniciaram uma nova matança. A mãe teve uma
idéia: fez uma cestinha de junco e tapou-a com betume e pez, de modo que a água não
pudesse penetrar nela. Lá dentro, deitou o menino, e a cestinha ficou escondida na
margem do rio Nilo. Sua filha Miriam tinha de ficar montando guarda a certa distância.
Era um dia muito quente. Bithia, a filha do Faraó, dirigiu-se com suas acompanhantes
para as margens do rio Nilo, a fim de tomar banho. Ao mergulhar dentro d’água numa
baía onde havia um pequeno juncal, avistou entre os juncos uma cestinha flutuando.
Mandou que uma criada fosse buscá-la e, ao abri-la, estava li um menino que começou a
chorar. Bithia inclinou-se sobre a cestinha. Nisto o menino começou a sorrir e estendeu
os braços para a princesa. “Oh”- disse ela – “deve ser um menino hebreu que deveria ter
sido morto.” E ela o pegou nos braços e se sentiu feliz. Desapercebidamente, Miriam
aproximou-se e disse a Bithia: “Queres que vá buscar uma mulher hebréia para saciar
sua fome?” “Quero sim” – respondeu a princesa – “o menino é tão doce!” Miriam,
então, foi correndo buscar sua mãe. Quando as duas chegaram diante da princesa, esta
se encontrava rodeada de suas acompanhantes. Ela brincou com o menininho e disse:
“Ele será meu brinquedo vivo. Ficarei com ele! Seu nome será Moisés.” (Esta palavra,
em egípcio, quer dizer: tirado das águas.) E ela disse à hebréia: “Esta criança fica sobre
minha proteção. Leva-a para casa. Ainda hoje, receberás de mim um salvo-conduto para
conservar a criança. De tempos em tempos, tu o trarás ao palácio, para minha alegria e
para que eu possa brincar com ele. Para cada dia, dou-te uma moeda de prata.”

Tudo aconteceu como Bithia falou; pois seu pai lhe satisfazia todos os desejos. Que
alegria para a mãe e para Miriam! Moisés estava salvo, e a carta trazia o selo do Faraó.

Quando o menino fez dois anos, a princesa Bithia declarou: “De agora em diante, quero
tê-lo no palácio comigo.” Miriam e a mãe podiam visitar Moisés de tempos em tempos
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e falar com ele em hebraico. Bithia falava com ele na língua egípcia. Ela ainda não sabia
que Miriam era irmã de Moisés e que aquela que cuidava dele era sua mãe.

O carvão ardente

Foi no terceiro ano de vida de Moisés. O Faraó estava sentado à mesa, à direita da
rainha, à sua esquerda a princesa Bithia com o menino Moisés no colo. Para o jantar,
haviam sido convidados altos funcionários e, como sempre, o mago Balaão. No meio do
jantar, o menino Moisés pegou a coroa do Faraó e colocou na própria cabeça. Isto
aconteceu num segundo. O espanto se apoderou dos nobres que estavam à mesa. Bithia,
mais que depressa, tornou a pôr a coroa na cabeça do pai. Este fechou a cara e
perguntou: “Que faremos com um menino hebreu que age desta maneira?” Balaão, que
desde o começo não suportava Moisés, disse: “Faraó, não pense que isso foi mera
brincadeira. Este pequeno Moisés já tem uma boa cabeça. Quando for grande vai querer
reinar sobre o Egito. Proponho que seu sangue seja derramado!” À mesa, estava um alto
juiz do país. O anjo de Deus deu-lhe uma boa idéia, e ele disse: “Faraó, o menino é
muito novo. Testa-o, primeiro para ver se ele agiu de caso pensado. Manda trazer duas
tigelas. Numa, põe pedras preciosas e, na outra, carvão em brasa. Se ele pegar as pedras
preciosas, deve morrer; pois reconhece o que é valioso. Se ele pegar as brasas, ainda não
tem consciência e pode continuar vivo; pois não agiu de caso pensado.”

O Faraó aceitou a sugestão. Quando trouxeram as duas tigelas, Moisés estendeu a mão
para as cintilantes pedras; mas o anjo invisível guiou-a para o carvão em brasa. Moisés
tocou-o e gritou. Um pedaço de pele de um dos dedos tinha-se queimado. Bithia passou
óleo sobre a ferida e consolou-o. O Faraó se convenceu de que o menino havia tirado a
coroa de sua cabeça só de brincadeira. Moisés continuou vivo, contudo Balaão guardou
rancor e não ficou de acordo. Desde esse dia, ficou tramando, com pensamentos maus,
numa maneira de afastar o menino Moisés.

Moisés e os Egípcios

Moisés, quando jovem, usava roupas bonitas como os príncipes de Faraó. E, tal como
estes, recebia aulas de sábios professores. Sendo muito inteligente e demonstrando boa
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índole, dava aos egípcios um exemplo que o Faraó apreciava muito. E, assim, caiu nas
suas graças. Quando fez quatorze anos, Moisés foi visitar Miriam e seus pais. Ao se
sentarem todos juntos, a irmã lhe contou: “Até hoje, sempre guardamos um segredo.
Agora já estas bastante grande e podes sabê-lo. Moisés, tu és meu irmão; e minha mãe,
que aqui está, é tua mãe; Amram, aqui, é teu pai, e teu irmão se chama Arão.” Então,
Miriam contou-lhe a historia de seus primeiros meses de vida e a dor das mães israelitas
cujos filhos eram mortos.

Pela primeira vez, Moisés ouviu falar de José, Jacó e Isaac, de Abraão, que tinha vindo
da terra de Ur e da Babilônia. Moisés recebeu tudo isso com grande surpresa. Ele disse:
“Agora sei por que gostei tanto de vir aqui e porque estais mais perto do meu coração
do que o Faraó e Bithia. Meu sangue me dizia: eu sou um israelita!” Moisés foi sempre
grato a Bithia, especialmente, era como uma irmã mais velha para ele. De tempos em
tempos, ele sempre voltava a visitar sua mãe, Miriam e seu pai. Seu irmão Arão também
tinha de fazer um pesado trabalho escravo para os egípcios. Moisés viu como seu povo
era atormentado e não tinha nem um dia de descanso. E ficou pensando num modo de
melhorar essa situação.

Quando Moisés cresceu e se tornou um jovem maduro, dirigiu-se um dia ao Faraó e


disse: “Senhor, tens sido sempre bondoso para comigo. Posso pedir-te hoje um favor
especial?” O Faraó respondeu: “Dize o que está te incomodando!” Moisés respondeu:
“Não seria possível concederes a meu povo, os hebreus um dia de descanso por
semana? Eles poderiam então voltar ao trabalho com mais vigor.” Depois de pensar um
pouco, o Faraó respondeu: “Vou satisfazer teu pedido.” Foi assim que os israelitas,
graças a Moisés, puderam observar o dia santo de sábado. Balaão, contudo, não gostou
dessa concessão.

Certa vez, Moisés foi visitar seus pais e irmãos na província de Gessem, onde eles então
moravam. No caminho, passou por um lugar onde israelitas trabalhavam, quase nus sob
um sol ardente. Nisto, num lugar mais afastado, soaram gritos. Um guarda, com todo o
seu ímpeto, chicoteava um israelita até sangrar. A raiva ferveu em Moisés. Ele foi para
lá de um salto, arrancou o chicote da mão do egípcio e, com toda a força, bateu-lhe com
o cabo do chicote na cabeça. Atingiu-o de maneira tão desastrada que ele caiu morto no
cão. O hebreu ensangüentado ajudou-o a enterrar depressa o corpo na areia.
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Mas o que Moisés fizera não passara despercebido. Alguém avisou o Faraó. Balaão
disse: “Estás vendo? Agora ele já começa a matar os egípcios. Logo será a vez do
Faraó!” O Faraó ficou com medo e mandou assassinar Moisés secretamente. Bithia
ficou sabendo da queixa sobre Moisés. Quando ele voltou para casa à noite, ela foi com
uma vela até seu quarto e lhe contou que sua vida corria perigo: “Parte, deixa por algum
tempo o palácio e a cidade. Espero que a raiva do Faraó passe, e então posso avisar
Miriam; mas agora tua vida não tem segurança alguma.” O anjo do Senhor inspirou a
Moisés tanto medo que ele deixou o Egito naquela mesma noite. Daí por diante, a mão
do Faraó pesou ainda mais sobre os israelitas, e o feriado sabático também lhes foi
tomado.

Moisés em Madian

Moisés teve de vagar por longos caminhos até que chegou à terra de Madian. O anjo do
Senhor fez com que ele soubesse que nessa terra ele poderia ficar. Certo dia, ao cair da
noite, ele chegou a um poço e parou nas proximidades para descansar. Na mesma hora,
apareceram moças madianitas para dar de beber a seus rebanhos de ovelhas. Nisto,
chegaram pastores e expulsaram as moças do poço. Moisés, que tinha um espírito de
justiça bem desenvolvido, repreendeu os pastores e ajudou as moças a dar água às
ovelhas. Os pastores não tiveram coragem de atacar o desconhecido, que era grande e
forte. Entre as pastoras havia sete irmãs, todas as sete filhas do sacerdote Jetro. Ao
voltarem para a casa, contaram ao pai: “Um homem vestido com roupas egípcias nos
protegeu dos pastores, e foi por isso que chegamos cedo.” Perguntou Jetro: “Por que
não o trouxeste para cá como nosso convidado?” E imediatamente mandou que alguém
fosse convidar o desconhecido para sua casa.

Moisés gostou muito de visitar Jetro. Já no dia seguinte, ajudou a cuidar dos rebanhos e
a dar água aos animais, e permaneceu assim em casa de Jetro. Ele podia aprender muito
com a sabedoria do sacerdote e, como este confiava nele, deu-lhe sua filha Séfora como
esposa. Ela lhe deu dois filhos, Gersam e Eliezer.

Certa vez, Moisés deixou o rebanho pastar perto do deserto de Sin. Aconteceu que, ao
anoitecer, um carneirinho fugiu, na direção do monte Horeb. Na voz do povo, esse
monte se chamava “Monte-de-Deus”. Moisés saiu para procurar o carneirinho. De
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repente viu, a alguma distância, uma sarça que parecia estar em chamas. Quem ateara
fogo nela? Moisés apressou o passo. Ele não podia entender como é que não havia
fumaça subindo e como é que o arbusto não queimava. Quando ia-se aproximando, as
chamas aumentaram. Uma voz divina, vinha do fogo, fez-se ouvir: “Moisés! Moisés!”
Ele respondeu: “Aqui estou.” A voz continuou: “Não te aproximes. O lugar em que
pisas é terra sagrada. Descalça tuas sandálias.” Moisés fez o que lhe foi dito e fincou sua
vara de pastor na terra. A voz divina continuou: “Tu foste escolhido para libertar o povo
do poder dos egípcios. Volta para o Egito, apresenta-te ao Faraó. Eu estarei contigo.”
Moisés replicou: “E se o Faraó e o povo não quiserem acreditar em mim?” Deus Nosso
Senhor respondeu: “Eu te darei o poder de realizar milagres e prodígios diante deles.
Eles acreditarão em ti. Apresenta-te ao Faraó junto com os anciões do teu povo. Exige
que ele deixe o povo de Israel partir. EU SOU O EU SOU, o Deus de teus pais e de
Israel; ao povo podes dizer que meu nome é Jayé.” Mais uma vez, Moisés teve medo e
disse: “Oh senhor, eu não sei falar bem, minha língua muitas vezes é pesada.”
Respondeu o Senhor: “Leva contigo teu irmão Aarão. Ele já está vindo ao teu encontro.
A palavra dele é forte. Eu vos porei a palavra na boca. Abençôo teu cajado, com ele
farás milagres!”

Nisto, o fogo desapareceu do arbusto e foi arder lá no alto, nas estrelas. Moisés
continuou de joelhos. Ele sentiu que o fogo que lhe aquecia ainda brilhava em seu
coração. Era o fogo da coragem, que ardia dentro dele. Tomando o cajado, inclinou-se
mais uma vez, por respeito ao lugar em que o Senhor lhe havia falado de dentro do
fogo. Quando calçou novamente as sandálias, o carneirinho chegou ali saltando. Moisés
o tomou nos braços e levou de volta para o rebanho.

Como Jetro era em sacerdote, Moisés pôde contar-lhe o que lhe acontecera junto à
sarça, e também a Séfora qual a tarefa que ele teria de realizar no Egito. Junto com os
dois filhos, ela o acompanhou de bom grado ao Egito. Séfora ia montada num jumento.
Moisés levou o cajado sagrado, e os meninos acompanhavam-nos alegremente.

O Senhor apareceu à noite a Aarão, irmão de Moisés, e lhe disse: “Vai ao encontro de
Moisés no deserto. Ele está voltando para o Egito.” O anjo do Senhor guiou-o, a fim de
que os dois se encontrassem no caminho, e Moisés contou a seu irmão tudo o que eles
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teriam de fazer, segundo a ordem de Deus, para libertar o povo de Israel e guiá-lo para
fora do Egito.

Moisés soube por Aarão que o velho Faraó havia morrido e que um outro, ainda mais
severo, regia o país. Assim eles ficaram cientes de que teriam pela frente uma luta
difícil.

A Luta com o Faraó

Moisés e Aarão reuniram os anciões do povo de Israel e lhes falaram a respeito da tarefa
ordenada por Deus, que era conduzir o povo para fora do Egito. Isto deixou contentes os
anciões e todos os que ouviram a notícia.

No dia seguinte, os dois irmãos foram falar com o Faraó. Moisés levou consigo o cajado
que havia sido abençoado. Diante do portal do palácio, estavam acorrentados dois leões,
como guardas. Moisés ergueu o cajado sobre eles, e eles se tornaram mansos. Moisés
soltou suas correntes. Os leões seguiram os dois como se fossem cachorros. Os guardas
do palácio, assustados, afastaram-se para o lado, e assim eles chegaram à presença do
Faraó. Também este se espantou com os homens que vinham seguidos dos leões; pois
seus rostos estavam iluminados de coragem. Que poder era esse que eles tinham sobre
os leões?

Os guardas do Faraó ergueram as lanças, para atirá-las caso os leões se mostrassem


ferozes. O Faraó disse: “Que quereis aqui? Quem sois? Que é que tendes a ver com
meus leões?” Moisés respondeu: “Somos enviados do Deus de Israel. E assim fala este
Deus para ti: Deixa meu povo partir, para que ele me possa oferecer um sacrifício no
deserto!” O Faraó replicou: “Não conheço o vosso Deus. Vejo que sois hebreus. Ide
carregar pedras e queimar tijolos como os outros. Vou aconselhar-me com meus sábios,
para ver se deixo vosso povo sair por três dias.” Ele não ousou fazer nada contra os
dois, pois viu que dispunham de poderes especiais, com os quais conseguiram domar os
leões. Para não irritar o Faraó, Moisés tornou a acorrentar as feras; mas ele não tinha
muitas esperanças de que o Conselho dos sábios com o Faraó decidisse algo de bom
para o povo de Israel.
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Três dias depois, veio a noticia de que os guardas haviam recebido o encargo de
dificultar ainda mais o trabalho dos israelitas.

Quando Moisés e Aarão deixaram o Faraó, este chamou o mago Balaão e lhe contou a
respeito dos israelitas e dos leões. Balaão disse: “Esses homens também são magos; mas
minha magia será mais forte e vencerá a deles. Os dois logo voltarão.

Três dias se passaram. Moisés e Aarão foram de novo ter com o Faraó, mas sem os
leões. O Faraó mandou imediatamente chamar Balaão, e este disse aos dois irmãos:
“Mostrai-me um de vossos prodígios!” Aarão trouxera o cajado abençoado e o atirou
diante de Faraó. Ao cair no chão, ele se transformou numa cobra. Balaão também atirou
seu cajado, e este também se transformou em cobra. Mas a cobra de Aarão devorou a de
Balaão e voltou à forma de um cajado. Balaão arregalou os olhos e sibilou: “Com os
diabos! Seu poder é grande!” Moisés mais uma vez, exigiu que o Faraó deixasse seu
povo sair para oferecer um sacrifício no deserto. Mas o Faraó, novamente, pediu tempo
para pensar.

À noite, o Senhor disse a Moisés: “Amanhã cedo, o Faraó vai às margens do Nilo.
Dirige-se para lá. Se ele não quiser deixar o povo sair, bate teu cajado na água, e ela se
transformará em sangue.”

De manhã, Moisés e Aarão foram até as margens do Nilo, ao encontro do Faraó. Este
bem que gostaria de ordenar aos soldados que o matassem, mas não teve coragem, pois
havia visto seus milagres. Entretanto, quis continuar duro e não ceder. Moisés então
disse: “O Senhor, Deus de Israel, enviou-me a ti. Deixa o povo partir, a fim de que
possa oferecer o sacrifício no deserto! Se não consentires, vou bater nas águas do Nilo,
e ela se transformará em sangue. Os peixes morrerão, e a água não vai mais servir para
beber.” Mas o Faraó foi irredutível. Moisés, então, entregou o cajado a Aarão, e este
bateu com ele na água. A água se coloriu de vermelho e começou a cheirar mal. Os
egípcios tiveram de perfurar o solo para obter água potável. Essa praga durou sete dias.

Então, o Senhor disse a Moisés: “Vai ter com o Faraó. Se ele não quiser deixar o povo
sair, irei atormentar toda a região com rãs.” Mas o Faraó continuou irredutível. Então
Aarão estendeu seu cajado sobre as águas e sobre os canais do país, e de lá logo saíram
inúmeras rãs pulando em todas as ruas e entrando em todos os aposentos das casas. Nas
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casas dos israelitas, porém, as rãs não entravam, e também Bithia foi poupada. Esta foi a
segunda praga.

O Faraó mandou chamar à sua presença Moisés e Aarão e disse: “Extirpai do país a
praga das rãs! Podeis sair para o sacrifício no deserto.” Então as rãs morreram onde
estavam, nas casas, nas ruas e nas praças. Foram amontoadas em pilhas mal-cheirosas.
Esta foi a terceira praga.

Assim que as rãs desaparecem, o Faraó faltou com a palavra e não deixou que os
israelitas fossem realizar o sacrifício. Então, o Senhor disse a Moisés: “Bate com o
cajado no pó da terra, e ele se transformará em inúmeras nuvens de mosquitos que
atormentarão os egípcios.” E assim foi; mas o Faraó não cedeu.

E o Senhor mandou outras pragas: moscardos, peste no gado, doenças e granizo,


gafanhotos, que cobriram todos os campos, e uma grande treva.

Disse o Faraó a Moisés: “Se apareceres mais uma vez aos meus olhos, mandarei matar-
te!” Moisés respondeu: “Não mais aparecerei diante de ti!”

O Êxodo

Disse o Senhor: “Enviarei uma ultima praga; e então vos deixarão partir. Em cada
família egípcia, morrerá o primogênito no dia dez do mês, à noite, até mesmo o
príncipe, filho mais velho do Faraó. Quando chegar o dia dez do mês, que cada família
israelita pegue um cordeiro. Este deverá ser morto e comido como jantar de despedida.
Passai um pouco do sangue do animal nos batentes das portas. Quando o anjo da morte
passar, poupará vossas casas, que estarão marcadas com o sangue.”

E assim foi. No meio da noite, todos os primogênitos egípcios morreram. Ergueu-se


uma grande lamentação. Não havia uma só casa egípcia que não tivesse um morto a ser
lamentado.

Pelas casas dos hebreus, o anjo da morte passou suavemente; isto chamou-se Passah.
Por isso, chamou-se de refeição de Passah aquela em que se comia o cordeiro em
comemoração àquele dia. Era a refeição de despedida de Israel no Egito. Na mesma
noite, vieram mensageiros apressados do Faraó falar com Moisés e Aarão. A ordem era:
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“Saí do país com todo o vosso povo! Deixai o Egito para sempre!” Os egípcios queriam
livrar-se o mais que depressa dos israelitas. Todo o povo havia preparado a partida.
Jumentos e camelos foram carregados de alimentos e odres de água. Os rebanhos foram
reunidos. Havia também um número enorme de pessoas. O caminho levava até o Mar
dos Juncos e seguia em direção ao distante país de Canãa. Moisés ordenou a partida
segundo as tribos dos doze irmãos. Na frente, a tribo de Rubem, e por ultimo a de
Benjamim. Uma grande alegria animava a todos; Moisés e Aarão davam aos que
partiam a certeza de que a mão de Deus dos guiava em segurança.

Moisés mandou tirar o sarcófago com os ossos de José do sepulcro à beira do Nilo, a
fim de enterrá-lo no solo de sua antiga terra natal.

A caravana deixava pra trás cidades e aldeias e atravessava um trecho de deserto. Estava
anoitecendo quando apareceu, diante dos israelitas, uma nuvem fina e luminosa, como
uma coluna ou um imenso bastão de nuvens. Moisés ordenou uma parada e disse:
“Prepararemos um sacrifício como agradecimento! Olhai! Lá no céu apareceu o sinal do
nosso Deus; ele nos guiará.” O povo montou um acampamento. Aarão preparou o
sacrifício. Moisés disse as orações, e o povo cantou hinos de louvor.

Quando amanheceu, o clarão luminoso transformou-se de novo numa fumaça de nuvens


que, daí por diante, seguiu sempre à frente do povo. Quando escurecia, brilhava de novo
como um clarão na nuvem.

Quando Faraó ficou sabendo que todo o povo israelita havia partido e que, nas cidades e
nas construções, o trabalho estava parado, arrependeu-se de ter intimado os israelitas a
irem embora. Balaão aconselhou: “Manda atrás deles um grande exercito que os force a
voltar após o sacrifício no deserto.” Então, a todos os comandantes, o Faraó passou a
ordem de correr atrás do povo de Israel com toda a força do exercito, a cavalaria e os
carros, para forçá-los a voltar.

Os israelitas já se encontravam perto do Mar Vermelho quando os mensageiros egípcios


chegaram a toda a pressa. Exigiram falar com Moisés e Aarão e ordenaram a eles: “Em
nome de Faraó, nos vós intimamos a voltar para o Egito. Ele só vos concedeu três dias
para oferecerdes sacrifício no deserto. Um poderoso exercício vem atrás de nós. Se não
seguirdes esta ordem, correrá sangue! Aí de vós se desobedecerdes!”
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Moisés respondeu: “Vai dizer ao Faraó e a seus comandantes que Deus nos incumbiu de
levar o povo de Israel de volta à sua antiga pátria. Nunca mais voltaremos!”

Os mensageiros, enraivecidos, viraram seus rápidos cavalos e foram levar aquela


resposta ao grande exército. Muitos israelitas ficaram com medo e se lamentaram; mas
os guerreiros comentavam uns com os outros: “Nós lutaremos, se eles vierem!”
Contudo, Moisés recebeu de Deus uma outra indicação. Ergueu o cajado na direção do
mar, fez um sinal e, de repente, os ventos começaram a soprar e, num lugar pouco
profundo, separaram as águas. A nuvem moveu-se e se abaixou, ficando entre os
israelitas e o exercito egípcio. Ao avançarem, os guerreiros se viram de repente andando
às cegas com seus cavalos num denso nevoeiro. Não conseguiam mais sair do lugar. Os
israelitas, entretanto, começaram a passar pela estrada livre aberta no mar; pois os
ventos seguravam as águas. Quando a nuvem se elevou novamente, os últimos israelitas
estavam subindo a margem oposta do leito das águas. Foi com espanto que os egípcios
viram aquilo. Seu comandante gritou: “Avante! Atrás deles!” De modo que os corcéis,
com os carros de combate, seguidos por todo o exercito, galopavam pelo leito das águas
adentro. Assim que o ultimo egípcio entrou, as águas começaram a refluir. Os cascos
dos cavalos, as rodas dos carros afundaram na areia lamacenta. Os guerreiros foram
tragados pelas águas e se afogaram. Todo o exercito egípcio afundou no mar.

Da margem oposta, os israelitas acompanharam o tremendo espetáculo daquele


afundamento. Cada um reconheceu a atuação divina, e muitos começaram a entoar
hinos de louvor. Miriam, a irmã de Moisés, cantou uma longa canção:

Entrai a cantar, tocai os tambores,

o exército do Faraó afundou.

Entrai a cantar, tocai os tambores,

no Mar Vermelho ele se afogou,

todos a entrar,

homens e cavalos,

o soberbo séquito,
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no fundo das águas,

no fundo do mar.

A água do mar retrocedeu,

abrindo a estrada aos nossos pés.

Toda a passagem a nuvem escondeu,

assim ordenou o cajado de Moisés.

Coluna de Deus, coluna radiante,

ó tu, que dos céus nos guias adiante,

conduz nossos passos à pátria distante.

Entrai e cantai, tocai os tambores,

o exército do Faraó afundou.

Entrai e cantai, tocai os tambores,

no Mar Vermelho ele se afogou.

Tocai e daí graças em louvação.

Deus seja louvado em nossa canção!

Enquanto Mirim cantava assim, as mulheres seguiam-na com timbales e dançavam em


roda. Seguidamente, por dias a fio, ouviu-se a canção:

Cantai ao Senhor,

bem alto a louvar!

Cavalo e guerreiro

jogou ele no mar!


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Mara e Sin

Do mar de Juncos, a comprida caravana seguiu até o deserto de Sur. Por três dias, o
povo e os rebanhos andaram sem encontrar água. Chegaram a um lugar chamado Mara,
que quer dizer “poço amargo”. Lá só havia mesmo água amarga e salgada. Ninguém
podia bebê-la. Nisto, começaram a irromper entre as pessoas queixas abafadas contra
Moisés. Estando ele acampado em Mara com seu povo, acabaram-se as últimas gotas
d’água dos odres. Moisés chamou pelo Senhor, e o Senhor lhe mostrou um determinado
tipo de madeira e mandou que atirasse pedaços dela na água. Esta perdeu seu amargor,
e, assim, tornou-se potável.

Quando a caravana chegou ao deserto de Sin, as provisões trazidas já se haviam


acabado. Era preciso abater animais para ter o que comer. O povo começou de novo a se
queixar. O senhor então, socorreu-o com dois milagres: à noite, um bando enorme de
pássaros – eram codornizes – veio pousar no acampamento dos israelitas. Podia-se
apanhá-las e assá-las. De manhã, quando a neblina passou, o solo do deserto estava
coberto de uma coisa parecida com geada, fina e granulosa. Moisés disse: “Este é o pão
do deserto, o maná, com que Deus nos presenteou. Antes do nascer do sol, que cada um
pegue apenas o que for preciso para matar a fome de um dia. A cada manhã ele vai
aparecer de novo.” O maná era gostoso. Alguns, porém, juntaram em vasilhas uma
provisão para o dia seguinte. À noite, quando foram pegar as vasilhas, o maná já estava
podre e cheirava mal. Então, eles passaram a obedecer a Moisés e, no dia seguinte, não
colheram mais o maná em vasilhas, mas só o necessário para um dia.

A caravana deixou o deserto de pedra. De novo, faltou água. Ouviram-se queixas de


todos os lados. Deus disse a Moisés: “Vai e bate com o cajado no sopé da montanha
rochosa, rente à pedra!” Moisés assim o fez. O rochedo fendeu-se, e uma fonte jorrou.

Os Amalecitas

Entre os israelitas, havia um valente guerreiro de nome Josué. Ele aprendera a arte da
guerra com os egípcios e, junto a eles, chegara a capitão. Moisés lhe disse: “Logo
passaremos pela terra dos amalecitas. Os amalecitas são um povo guerreiro, eles não
vão querer permitir que passemos. Tu, Josué, sê nossa espada, se formos atacados.
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Cuida para que todos aqueles que trazem armas estejam prontos quando os amalecitas
chegarem.”

Josué enviou imediatamente espiãs que pudessem avisar de algum perigo iminente.
Certo dia, um deles voltou correndo e avisou: “A uma hora daqui, os amalecitas nos
espreitam secretamente, com um grande exercito e bem escondido!” Josué mandou
tocar a trombeta, e todos os guerreiros se reuniram. O povo restante acampou numa
colina, para de lá observar a luta. Chegando lá em cima, viu os amalecitas se
aproximarem. Ergueu então, bem alto, com ambos os braços, o cajado sagrado e pediu
ajuda a Deus. Enquanto mantinha os braços erguendo alto o cajado, Josué e seus
guerreiros venciam. Se abaixava os braços para descansar um pouco, venciam os
amalecitas. Moisés pediu a Aarão e a seu criado, que o acompanhavam: “Sustentai meus
braços!” Então, Aarão e o criado apoiaram cada um braço de Moisés. Josué começou a
vencer. Ao pôr do sol, os amalecitas estavam derrotados, e os três que estavam no alto
da colina puderam finalmente baixar o cajado e os braços. O povo de Israel pôde seguir
viagem sem ser molestado. Muitos guerreiros haviam morrido em combate. Os israelitas
lhes deram uma sepultura no deserto e ficaram gratos a eles por terem salvo o povo com
suas vidas.

No Sinai

Três meses durou a viagem até o povo no deserto chegar ao monte Sinai. A nuvem que
ia à frente envolveu seu topo, e todos sentiam que iam ficar ali por muito tempo. O
Senhor Deus disse a Moisés: “Sobe o monte e vem ter comigo. Receberás uma lei para
teu povo.”

Moisés ordenou: “Israelitas, enquanto eu estiver lá no alto do monte, ninguém poderá


aproximar-se dele, nem homem, nem animal!” Moisés pôs ali guardas para que a ordem
fosse observada e mandou erguer uma cerca, a fim de que todos soubessem onde ficava
o limite. Ele ordenou ao povo que, por três dias, evitasse toda e qualquer maldade e
também toda palavra má: “Sede piedosos, como na hora do sacrifício a Deus; pois o
Senhor quer falar comigo através do raio e do trovão!” Aarão, Josué e os setenta anciãos
puderam subir um trecho do monte junto com Moisés. Na hora da revelação, eles
deveriam estar perto. Mas, no lugar onde começava a nuvem, também eles tiveram que
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parar, e Moisés subiu sozinho até o topo. A nuvem o envolveu. Ele chegou a uma fenda
no rochedo, entrou por ela adentro, e seu corpo mergulhou num profundo sono. Dois
anjos de Deus, Micael e Gabriel, subiram levando sua alma. Como seu espírito, junto à
sarça ardente, havia bebido do fogo divino, ele permaneceu desperto enquanto era
levado para os altos céus. Ele viu à sua frente toda a grandeza do mundo divino.
Primeiro, levaram-no até um imenso portal. Lá se encontrava o severo guardião
Kamuel, que só deixava entrar no âmbito dos sete céus as almas amadurecidas. Moisés
havia sido chamado por Deus. Ele podia passar. Como num templo sagrado, tudo ali
brilhava na mais sublime luz, nos tons de púrpura azul, púrpura vermelha, vermelho
escarlate e branco. No momento em que Moisés subiu, o povo no sopé do monte viu e
ouviu grandes raios e trovões. Todos se ajoelharam, e a terra tremeu. Muitos
desmaiaram com o tremendo ribombar. Mas nenhum homem, nenhum animal gritou.
Todos os pássaros deixaram as ares e procuraram seus ninhos. Lá no alto, Moisés era
levado, degrau por degrau, através da abóbada celeste.

No primeiro céu, Moisés pôde, tal como os anjos, contemplar o sofrimento dos homens
na terra. Ele ouviu suas orações e suas palavras de gratidão. Ouviu também seu
praguejar e seu descontentamento. Viu o efeito do ódio, da misericórdia e do amor.

No segundo céu, ele viu o atuar dos elementos: o vento, o tempo, a tempestade e o
poder do raio.

No terceiro céu, ele viu a forma primordial das plantas, das árvores, dos frutos e dos
cereais. Viu os anjos do terceiro dia da criação e sua atuação no reino vegetal.

No quarto céu, ele contemplou os espíritos estelares do quarto dia da Criação, que
dirigem e acompanham o curso do sol, da lua e das estrelas.

No quinto céu, ele viu as forças do calor, do fogo, do frio e do gelo.

E Moisés foi levado até os dirigentes do sexto e do sétimo céus. Eles, juntamente com
Deus, criaram, no início dos tempos, o homem e dirigem agora os destinos dos povos e
dos homens. Ali, ao seu redor, brilhava a luz primordial do paraíso em tranquila bem-
aventurança, de tal modo que ele foi tentado a ficar lá e não mais descer a terra.

Em seguida, Moisés foi levado para baixo, para as profundezas, e chegou até as portas
do inferno. Viu as ações tenebrosas dos espíritos satânicos, que se alegram quando os
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homens cometem maldades e caem em desgraça. No limiar, Moisés viu a balança do


bem e do mal, a balança da justiça. Viu e ouviu a dor das almas que, naquele lugar,
tinham de se purificar de tudo o que haviam feito de mal na vida. Então, ele disse para si
mesmo: quando eu voltar à terra, vou avisar aos homens que hajam com retidão e façam
o bem!

Em seguida, Gabriel levou-o novamente para cima, para os campos da bem-


aventurança, que na Bíblia são chamados “Jardins do Éden”. Lá, ele encontrou, perto da
árvore da vida, três nobres vultos: Abraão, Isaac e Jacó. E podia falar com eles como de
homem para homem. Os três patriarcas se alegraram porque seu povo, lá em baixo na
terra, tinha em Moisés um guia justo e forte.

Os Dez Mandamentos

Moisés demorou-se quarenta dias e quarenta noites no monte Sinai, nos mundos
superiores. Depois que seu espírito foi levado pelas alturas e pelas profundezas, o
Senhor Deus lhe disse: “Para que teu povo lá em baixo saiba como trilhar seu caminho
na terra, vou dar-te dez mandamentos.” E o senhor Deus permitiu que ele os visse em
letras de fogo. Moisés os gravou em duas tábuas de pedra. Os mandamentos deveriam
dizer ao povo de Israel como viver dentro da justiça:

Primeiro Mandamento:

Tu não deverás ter outros deuses além de mim.

Segundo Mandamento:

Tu não deves fazer imagens de deuses e nem adorá-las.

Terceiro Mandamento:

Tu não deves abusar do nome de Deus nem praguejar.


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Quarto Mandamento:

Tu deves santificar o dia sabático.

Quinto Mandamento:

Tu deves honrar pai e mãe.

Sexto Mandamento:

Tu não deves matar.

Sétimo Mandamento:

Tu não deves ser infiel.

Oitavo Mandamento:

Tu não deves roubar.

Nono Mandamento:

Tu não deves dizer mentira alguma sobre teu próximo.

Décimo Mandamento:

Tu não deves cobiçar o que teu próximo tem.

Estes dez mandamentos Moisés deveria trazer para seu povo ao descer do monte.
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O Bezerro de Ouro

O povo esperou durante semanas pela volta de Moisés. Como ele ainda não havia
descido do monte, muitos ficaram pensando que ele nem fosse mais voltar. Semael, o
espírito mal, pensou: “Moisés não está. Agora posso seduzir os israelitas!” No Egito,
eles haviam visto nos templos, como símbolo da divindade, um touro sagrado. Semael
pôs um pensamento na cabeça de algumas pessoas: o de que deveriam ter como símbolo
de Deus, um bezerro de ouro, tal como os egípcios. Homens e mulheres doaram para
isso suas jóias. Os artesãos moldaram com elas um bezerro de ouro e colocaram sobre o
altar de pedra. As pessoas começaram a ascender um fogo de sacrifício e a dançar em
volta do bezerro. Era justamente o quadragésimo dia, aquele em que Moisés devia
regressar do alto do monte. Na despedida, a voz de Deus falou a Moisés, dizendo:
“Desce para junto de teu povo. Eles estão agindo errado. Esculpiram um bezerro de
ouro e estão adorando.” Ao descer do monte, Moisés encontrou Josué no meio do
caminho. Por todos aqueles dias, ele havia esperado fielmente a sua volta. Quando os
dois chegaram a uma saliência de pedra, olharam para baixo, lá onde o povo estava
acampado. Ouviram um canto ruidoso. Moisés viu homens e mulheres dançando em
volta do bezerro de ouro. Em sua ira, quebrou contra a pedra as tábuas da lei. Desceu
então correndo e passou no meio do povo rugindo como um leão, de tal forma que as
pessoas se dispersaram para todos os lados. Ele agarrou um martelo e destruiu o ídolo.
Aos artesãos, ordenou que limassem os pedaços até obter ouro em pó. Este, Moisés
mandou que o despejassem numa grande cuba d’água e que mexessem bem. Todos os
que haviam tomado parte no sacrifício e na dança em volta do bezerro tiveram que
beber daquela água com ouro em pó.

Moisés disse ao povo: “Vós cometestes um grande pecado. Vou falar com Deus para
ver como podemos repará-lo. Ainda não estais amadurecidos para ir a Canaã. Ainda
tereis que passar por muitas provas. Agora, vossa peregrinação vai durar muitos anos a
mais!” Do rosto e da testa de Moisés saía uma luz clara, que antes não tinha sido vista
nele. Ele a trazia do monte Sinai, onde a luz primordial o havia banhado. Então muitos
se envergonharam por terem esquecido, em tão pouco tempo, seu santo salvador e por
terem trocado o Deus do Sinai por um bezerro de ouro.
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A Tenda da Reunião

Moisés subiu ao monte mais uma vez e mais uma vez escreveu os dez mandamentos em
duas placas de pedra. Deus falou novamente a Moisés no alto do monte: “O povo
precisa de um santuário para a adoração. Constrói uma tenda sagrada que seja vosso
templo ambulante.” E ele deu a Moisés o formato e o tamanho desse tabernáculo
sagrado e disse-lhe de que maneira tudo deveria ser arranjado. Esta tenda instituída por
Deus foi chamada “Tenda da Reunião”. Os israelitas que não haviam desperdiçado seu
ouro com o bezerro podiam oferecê-lo agora para a tenda da Reunião. Quem não tinha
ouro, podia dar panos coloridos ou tapetes. Artesãos habilitados ergueram a tenda
sagrada e moldaram os utensílios. Havia na tenda um Santo dos Santos, um espaço
interno, onde foi colocada uma arca de madeira com as tábuas dos dez mandamentos.
Ela foi chamada Arca da Aliança porque, com os mandamentos, Deus fez uma nova
aliança com o povo. Em cima dessa arca, havia dois anjos de ouro ajoelhados e a tampa
da expiação. Era ali que Moisés se punha quando ia falar com Deus (*). Só ele podia
entrar no Santo dos Santos. Defronte desse recinto oculto, havia um recinto do templo
para os sacerdotes. Nele ficava o candelabro de sete braços, representando os sete dias
da criação e também os sete planetas. Dois incensórios espalhavam incenso como sinal
de sacrifício. Doze pães da proposição lá estavam, simbolizando as doze tribos e, ao
mesmo tempo, as doze constelações zodiacais. As paredes consistiam em cortinas e
tapetes. Colunas de madeira sustentavam a tenda. Seguindo a vontade de Deus, Moisés
estabeleceu seu irmão Aarão como sumo sacerdote da Tenda da Reunião e, com ele,
seus filhos como sacerdotes. Do lado de fora, defronte da Tenda da Reunião, ficava o
altar do sacrifício. Todos os dias ardia ali um sacrifício de ação de graças. Perto dele
ficava a bacia de água para os sacerdotes lavarem as mãos quando iam realizar o
sacrifício. A tenda foi construída de tal maneira que podia ser montada quando a viagem
prosseguia.

(*) – Êxodo: cap. 25 vers. 22 – “Ali virei ter contigo, e é de cima da tampa, dos meus querubins que estão
sobre a Arca da Aliança, que te darei as minhas ordens para os israelitas.” (N.R.)
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Quando Moisés voltou do Sinai com os dez mandamentos, reuniu todo o povo. E ele os
leu com uma voz possante, que chegava aos seus corações. Todos prometeram observar
esses mandamentos. A cada dia, Aarão os lia, e um desses seus filhos sacerdotes o
ajudava; assim, logo muita gente ficou sabendo os mandamentos de cor.

Quando a Tenda da Reunião ficou pronta, foi realizada uma solenidade de inauguração.
Todas as tribos se prostraram perto do altar, e Moisés, com Aarão, preparou o sacrifício.
Então sucedeu algo inesquecível: do monte Sinai, a nuvem desceu e pairou, como uma
coluna de nuvem, por sobre o Santo dos Santos. Agora o povo sabia: “Deus está
conosco! Não vamos mais adorar bezerros de ouro, mas dirigiremos nossas preces e
sacrifícios ao Deus vivo, que nos guiou para fora do Egito.”

O Santo dos Santos ficava repleto de luz divina quando Moisés se encontrava lá dentro
a fim de falar com Deus. Portanto, a tenda sagrada era símbolo do Deus do monte Sinai,
que peregrinava junto com eles. Todas as vezes que era preciso procurar um novo local
para acampar, onde fosse possível cavar o solo para obter água a nuvem descia;
montava-se o tabernáculo e, naquele lugar, eles ficavam por algum tempo. Quando a
nuvem se elevava novamente, era o sinal para prosseguir com a marcha.

O Deserto de Zin

Grande sede assolou homens e animais no deserto de Zin. Ouviu-se dizer: “Se
tivéssemos ficado no Egito, teríamos água suficiente! Será que teremos de morrer de
sede no deserto?” Moisés falou com Deus no Santo dos Santos. A voz de Deus disse:
“Reúne a assembléia. Diante dela, fala com a rocha, para que ela dê sua água.” Depois
desse conselho, Moisés reuniu todo o povo junto a um rochedo do deserto. Por duas
vezes o cajado bateu no rochedo. Nisso, a pedra rachou. Dali brotou uma fonte pura que
saciou a sede de homens e animais. Muita gente ficou envergonhada por ter discutido
com Moisés. Quando o povo acampou perto do monte Hor, Deus revelou a Moisés:
“Sobe esse monte com Aarão e com seu filho Eleazer. A vida de Aarão está chegando
ao fim. Lá em cima, dá ao filho a veste sacerdotal do pai”. Assim fez Moisés. Enquanto
ele subia com seu irmão o ultimo trecho que levava ao topo, Moisés ia recordando como
Aarão o acompanhara à presença do Faraó e como, em todos os caminhos e lutas, tinha
estado bravamente a seu lado. No alto do monte, Aarão deu a seu filho Eleazer a veste
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sacerdotal, e Moisés abençoou os dois. A alma de Aarão deixou então o corpo e, logo a
seguir, subiu acima do monte até o céu e foi reunir-se aos patriarcas. Eleazar ergueu um
jazigo para seu pai no alto do monte Hor.

A Serpente de Bronze

Muitas vezes, durante a longa viagem pelo deserto, o povo havia reclamado e se
queixado. Ao deixarem o monte Hor, passaram por regiões áridas e desprovidas de
tudo. Lá, os israelitas reclamaram não só de Moisés, mas também de Deus. Houve uma
grande revolta. Deus então mandou um castigo para que o povo caísse em si:
aproximaram-se do acampamento serpentes vindas de todos os lados e de muito longe.
Elas mordiam aqueles que reclamavam, e muita gente morreu. O povo foi ter com
Moisés e exclamou: “Nós pecamos, ao falar contra o Senhor e contra ti. Que Deus tenha
misericórdia de nós!” Moisés mandou erguer um poste alto onde fixou uma serpente de
bronze em forma de S. Quem olhava para aquele símbolo, a esse a picada das cobras
não matava, e as cobras foram desaparecendo.

Balaão aparece de novo

O povo dos moabitas e seu rei Balac ficaram com medo, quando chegou a noticia de
que o povo israelita, em seu trajeto, passaria perto de seu país. Balac mandou chamar o
mago Balaão, que já havia deixado o Egito há muito tempo. A mensagem de Balac era:
“Balaão, quando esse povo passar por aqui, quero que os amaldiçoes e que uses de
feitiçaria para fazer com que ele vá embora. Para isso te darei uma grande recompensa.”

Balaão montava um jumento para ir ao encontro do rei Balac. Dois criados o


acompanhavam. Nisto, um anjo do Senhor se pôs diante do jumento. Balaão não viu o
anjo, mas seu jumento sim. O animal, assustado, pulou de lado para o meio do campo e
ficou teso como uma estaca. Balaão bateu no jumento, e os criados puxaram-no de volta
à estrada. Por algum tempo, ele ainda andou. Chegando a um trecho em que o caminho
era murado, o anjo novamente barrou a passagem; o jumento não podia desviar nem
pela direita nem pela esquerda e, então, espremeu Balaão de tal forma de encontro ao
muro que ele prendeu o pé. Balaão gritou e tornou a bater no jumento, e os criados o
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puxaram e o empurraram. O animal teve de seguir adiante, quisesse ou não. Mas, por
uma terceira vez, o anjo o interceptou num lugar estreito do caminho. O jumento
deixou-se cair de joelhos, e Balaão viu-se de pé. Sua ira tornou-se imensa. Agarrou o
cajado com ambas as mãos para amaciar o couro do jumento, mas este soltava uns sons
tão esquisitos, como Balaão jamais ouvira. Deixando cair o cajado, ouviu claramente,
como se a voz viesse do jumento: “Por que ba -tes em teu ju-men-to tão fi-el? Olha à tua
frente, Ba-la-ão!” Então, raiou a luz em Balaão e, finalmente, ele avistou o anjo com a
espada, no meio do caminho. Ele prostrou-se com o rosto em terra. O anjo lhe disse:
“Vai ao encontro de Balac; mas só podes dizes aquilo que eu mando: que o povo de
Israel está nas graças de Deus!” Quando Balac soube que Balaão se aproximara, foi ao
seu encontro para saudá-lo. Ele o conduziu ao alto de uma colina, de onde podia ver, ao
longe, o acampamento dos israelitas.

Balac teve de erguer depressa um altar para Balaão. Enquanto preparavam o sacrifício,
Balaão ouviu de novo a voz dizendo: “O povo de Israel está nas graças de Deus!”

Balac apressou-o: “Pronto, Balaão, começa agora a amaldiçoar!” Balaão respondeu:


“Como vou amaldiçoar a quem Deus abençoa?”

Balac, então, ficou terrivelmente enraivecido: “Mandei que viesses aqui para amaldiçoar
meus inimigos, e tu os abençoas! Volta para o lugar de onde vieste!”

Balaão subiu no jumento, e este saiu trotando, tão lépido e tão alegre, como se tivesse
comido setenta e sete cardos.
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JOSUÉ

A Nomeação de Josué

Disse o Senhor a Moisés: “Tal como Araão, tu também voltarás logo para junto dos
patriarcas, antes mesmo que o povo pise a terra de Canaã. Diante de todo o povo,
transmite a Josué tua missão e tua benção. Quando tiveres deixado a terra e não puderes
mais guiar as tribos, ele deverá guiá-las.” Então, Moisés ordenou que o povo se reunisse
diante da Tenda da Reunião. Isso só acontecia quando havia algo muito importante a ser
comunicado. Ninguém sabia o que, dessa vez, seria comunicado, exceto Eleazar, filho
de Aarão e sumo-sacerdote. A ele Moisés contara qual era a missão de Deus para Josué.
Diante da Tenda da Reunião, os sacerdotes jovens acenderam o fogo do sacrifício
solene. Moisés, Eleazar e Josué adiantaram-se, e Moisés disse: “Israelitas, meu povo! O
Senhor Deus revelou-me que eu só vos poderei guiar por pouco tempo mais. Assim, eu
vos anuncio a Sua vontade: Josué vai guiar-vos, depois de mim, no campo de batalha e
no vosso caminho em direção a Canaã.”

Após estas palavras, Moisés pôs suas mãos nos ombros de Josué, e este caiu de joelhos.
Moisés abençoou-o e, à vista de todo o povo, passou-lhe sua dignidade e soberania. Ele
disse a Josué: “Sê firme e intrépido, pois levarás este povo até o país que Deus lhe dará.
Ele irá à sua frente, não temas, sê intrépido!”

O Túmulo desconhecido

Quando Moisés, juntamente com Josué e Eleazar, deixou enfim tudo em ordem, o povo
estava acampado no sopé do monte Nebo. Disse Deus a Moisés: “Sobe o monte. De lá
poderás avistar, do outro lado, a terra de Canaã, que será a pátria do teu povo. Teu pé
não pisará nela; pois no alto do monte vou liberar tua alma para o ressurgimento no
mundo celestial.”

Quando ele se despedia de Josué e de Eleazar, Josué pediu: “Moisés, se tens de nos
deixar aqui na terra, fica perto de nós em espírito!” Mas uma vez, Moisés abençoou
Josué. Em seguida, deixou o acampamento do povo, e foi pelo monte Nebo acima, cada
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vez mais alto. No cume do monte, contemplou do outro lado a fértil terra de Canaã,
onde árvores verdejavam. Ele abriu os braços, como se fosse abraçá-la de encontro ao
peito, e viu um clarão distante sobre Canaã. Soava como que um cântico vindo das
alturas: “Aqui, do povo que tu guiaste, nascerá um dia o Messias!”

Então, a alma de Moisés subiu para as alturas, e seu corpo caiu suavemente por terra.
Dizem que Micael e Gabriel levaram sua alma para cima, os mesmos anjos que o
haviam acompanhado um dia, no monte Sinai, até o mundo divino. Não se conhece o
túmulo de Moisés. Ele foi procurado, mas seu corpo não foi encontrado para que se lhe
erguesse um sepulcro. Muita gente acredita que a terra abriu uma fenda para acolhê-lo.
Mas seu espírito apareceu mais uma vez a Josué, dele se despedindo novamente com as
palavras: “Não temas, sê firme e intrépido!”

A Travessia do Jordão

Com a benção de Moisés, a revelação do Senhor passou para Josué. Agora, a voz
interior também falava com ele. Ele ordenou: “Manda que seja carregada adiante do
povo a Arca da Aliança, com as Tábuas da Lei! Quando os carregadores chegarem ao
rio Jordão, devem entrar n’água sem medo.” Josué designou um sacerdote de cada tribo
como carregador. Esses doze teriam de marchar à frente da Arca, e o povo seguiria
atrás. A comprida caravana chegou perto do rio. Primeiro, com toda a coragem, os
sacerdotes entraram nas águas que, vagarosamente começaram a retroceder. No meio o
leito do rio, eles abaixaram a Arca, e os israelitas puderam passar a pé enxuto. Eles
ficaram, então, com muita confiança em Josué, pois a palavra de Deus estava com ele, e
eles obedeciam a todas as suas ordens. Às margens do Jordão, Josué mandou erigir doze
altos monumentos, em memória desse acontecimento.

A Tomada de Jericó

No meio do caminho para Canaã, erguia-se a cidade de Jericó, que era fortemente
murada. Seu rei ficara sabendo que os israelitas se aproximavam e disse: “Não
permitiremos que esse povo estrangeiro passe por aqui pacificamente. Daremos
combate a eles.” Josué havia mandado secretamente a Jericó dois jovens espertos e
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capazes, como espiões, a fim de que fizessem o reconhecimento da cidade. Ele lhes deu
algumas moedas de prata para o trajeto. Quando os dois chegaram às portas da cidade, o
vigia perguntou rudemente: “Que quereis nesta cidade?” Eles responderam atenciosos:
“Podemos matar a sede e encher nossos odres com água em troca de bom dinheiro?” E
deram uma moeda de prata o vigia. Este, satisfeito, deixou-os entrar. Os dois vagaram
pela cidade com os olhos atentos e observando a direção das ruas e a espessura das
muralhas. Num poço, encheram seus odres. Uma mulher chamada Raab começou a
conversar com eles. Como estava anoitecendo e os dois rapazes lhe agradassem,
convidou-os para pernoitar em sua casa. Uma outra mulher, que estava à beira do poço,
ouviu aquilo e suspeitou que os dois fossem israelitas; pois seu modo de falar não era o
da região. A suspeita foi comunicada ao rei: “Raab hospedou em sua casa dois rapazes
israelitas.”

Em casa, Raab preparou o leito em cima, debaixo do telhado, bem escondido. Ela disse
aos dois: “Sei que sois israelitas, mas Deus está convosco.” Quando ela assim falava, lá
em baixo alguém bateu com força na porta. Assustada, Raab pediu: “Escondei-vos no
chão, debaixo das ramas de linho. Então procurando por vós para vos matar!”

Ela foi abrir a porta. Lá fora estava um soldado do rei com serviçais armados. Ele gritou
com Raab dizendo: “Devolve os homens que estão em tua casa. São espiões israelitas!”
Calmamente, ela respondeu: “Sim, aqui estiveram dois homens; mas agora mesmo,
quando escurecia e as portas da cidade iam ser fechadas, eles foram embora. Não sei
para onde. Ainda não faz muito tempo. Não podem estar longe. Correi atrás deles que os
alcançareis.”

Então, os soldados do réu deram meia volta, mandaram abrir depressa as portas da
cidade e saíram pela noite adentro a persegui-los, indo na direção do rio Jordão.

Quando Raab tornou a subir para falar com os rapazes, disse-lhes: “Se conseguirdes
tomar a cidade, jurai-me que cuidareis para que nenhum mal aconteça a meus pais,
irmãos, irmãs e seus filhos. Vós jurais?” Os jovens responderam: “Com nossa vida o
garantimos; pois tu nos salvaste de dificuldades e de morte certa!” Como Raab
desconfiasse que os esbirros pudessem ainda voltar mais tarde àquela noite para revistar
a casa toda, fez com que os dois descessem pela janela com uma corda, por sob as
muralhas da cidade, pois sua casa fora construída rente á muralha. À despedida, eles
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disseram: “Tua corda é vermelha. Quando os israelitas chegarem, prende a corda


vermelha numa janela e reúne em tua casa todos os teus familiares. Nós protegemos teu
lar.”

Raab, no dia seguinte, tornou a prender a corda vermelha na janela e um pedaço na


porta, pois não sabia a hora nem o dia em que os israelitas viriam.

Quando os espias, a custa de desvios, voltaram à presença de Josué, contaram-lhe tudo o


que acontecera em Jericó. Ele disse: “Em Raab e nos seus não se deve tocar, nem num
fio de cabelo!”

O rei de Jericó pensou: “Deixamos que os israelitas passem, e nós ficamos para dentro
das seguras muralhas da cidade. Quando eles tiverem passado, podemos sempre cair
sobre eles por trás e aniquilá-los pouco a pouco.” Josué, porém, queria sitiar a cidade e
conquistá-la.

Quando os israelitas se aproximavam, Jericó fechou suas grandes portas. Josué acampou
na frente da cidade. No sétimo dia, os sacerdotes com a Arca da Aliança rodearam a
cidade sete vezes. Na frente, iam os guerreiros com sete trombetas e também chôfares
(*). Atrás, vinha a retaguarda para protegê-los. Josué fizera divulgar o aviso de que, a
um sinal, o povo e todos os guerreiros deveriam romper numa grande gritaria. Eles não
podiam aproximar-se muito das muralhas da cidade, pois os guerreiros de Jericó
lançavam, contra Israel, flechas e pedras de funda. Quando, a um sinal de Josué, soaram
as trombetas e os chôfares e, de cem mil gargantas, elevaram-se os gritos, o ar tremeu. E
Então aconteceu um milagre: nalgum lugar, as muralhas da cidade começaram a
desmoronar. Os guerreiros israelitas, agilmente, conseguiram escalar os destroços. Os
dois rapazes correram depressa até a casa de Raab, a fim de defendê-la e aos seus. A
cidade caiu nas mãos dos israelitas, pegou fogo e foi completamente destruída. Muitos
habitantes fugiram; mas Raab e os seus tiveram permissão para seguir com Israel na
caminhada. Jericó ficou em ruínas e nunca mais foi reconstruída. Até hoje, existem
restos de suas ruínas nas proximidades do Mar Morto.

(*) – chôfar, do hebraico, é uma espécie de corneta com embocadura, usada desde a Antiguidade no ritual
israelita. (N.R.)
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Na Terra de Canaã

O povo de Israel deve de passar por muitas provas e batalhas em sua caminhada de
quarenta anos pelo deserto. Mas, finalmente, pôde estabelecer-se em Canaã. O
tabernáculo sagrado com a Arca da Aliança – a Tenda da Reunião – foi levada até a
colina de Baala. Diariamente, os sacerdotes ofereciam sacrifícios no altar, geração após
geração. Mais tarde, o rei Davi levou o santuário para Jerusalém. Seu filho, o rei
Salomão, construiu lá o templo, para onde mandou levar a Arca da Aliança e todos os
objetos sagrados. Pois fora prometido que o Messias apareceria um dia em Jerusalém e
traria uma nova mensagem, não só para Israel, mas para todos os povos da terra.
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SAUL E DAVI

Samuel e Saul

O povo de Israel já morava há bastante tempo em Canaã, quando muita gente começou
a dizer: “Nós deveríamos ter um rei, como os outros povos!” Naquele tempo, vivia em
Israel um sacerdote, de nome Samuel, que era também supremo juiz. Ele ouvia a voz de
Deus dentro dele. Samuel não gostou nade de ver que tanta gente clamava por um rei.
Ele dizia: “Vosso rei é Deus, Nosso Senhor!” Mas o povo ansiava por um rei que
pudesse ser visto e que reinasse entre eles. Samuel orou a Deus, para que Ele o
aconselhasse nesse assunto. Disse Deus a Samuel: “Eles terão seu rei terreno. Um sinal
será dado.” Samuel não conhecia pessoa alguma que ele, por sua escolha, quisesse
elevar à posição de rei, e portanto esperou pelo sinal prometido.

Por aqueles dias, vivia na tribo de Benjamim um homem chamado Cis. Ele possuía
gado em abundância e tinha um filho de nome Sal, que era mais alto que todos os outros
rostos. Ele os superava também pela beleza e era bem recebido onde quer que chegasse.
Certa vez, Cis, seu pai, disse-lhe: “Saul, nossas três jumentas fugiram. Leva contigo um
criado e vai procurá-las. Enche as bolsas com bastante pão, pois talvez a caminhada vai
ser longa.” Saul e o criado subiram os morros e procuraram nas montanha. Aqui e ali,
quando encontravam uma pessoa e lhe perguntavam pelos animais, ela lhes respondia:
“Sim, vimos jumentos trotando uma atrás do outro.” Saul e o criados seguiram os
rastros e ficavam contentes de achar, de vez em quando, um pouco de estrume de
jumento. Caiu a noite. Os dois pernoitaram ao relento. No dia seguinte, continuaram sua
caminhada. De repente, perderam qualquer rastro e se distanciaram mais ainda de sua
casa. No terceiro dia, quando já pensavam em regressar, um viajante, a quem já tinham
perguntado em vão pelas jumentas, disse-lhes: “Na cidade próxima, vive um sábio, um
vidente. Ele é juiz e também vê coisas escondidas. Perguntai a ele. Talvez ele também
possa descobrir jumentos perdidos!”

Quando o viajante foi embora, Saul disse a seu criado: “Que temos nós para levar ao
sábio, se quisermos um conselho dele? Nosso pão acabou-se.” O criado respondeu:
“Senhor, sempre trago no bolso uma moeda de prata, para um caso de extrema
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necessidade. Poderás dá-la ao sábio, quando ele nos der seu conselho.” Saul concordou,
e eles foram andando em direção à cidade.

No dia anterior, Deus havia dado um sinal a Samuel, dizendo: “Amanhã de manhã,
encontrarás, às portas da cidade, aquele a quem deves coroar como rei do povo judeu.”

Desde cedo, Samuel ficou esperando junto às portas da cidade. Quando o vulto alto de
Saul passou pelo portal, Samuel examinou-o atentamente. E então o desconhecido
dirigiu-se a ele e perguntou: “Senhor, podes dizer-me onde encontrar, nesta cidade, a
casa de Samuel, o vidente?” O interpelado olhou para ele alegremente e respondeu:
“Sou eu mesmo. Vem comigo. Vós dois podeis comer em minha casa. Amanhã podereis
partir, e hoje vos darei informações sobre tudo o que quiserem perguntar. Tu não te
preocupes com as jumentas que fugiram de teu pai há três dias; pois foram encontradas
e já estão em casa.”

Saul ficou espantadíssimo com a segurança com que o vidente falava e com o
conhecimento que ele tinha do que acontecera às jumentas. E pensou: “Parece-me que
ele ainda tem mais alguma coisa a me dizer.” Mas jamais poderia saber o que Samuel
tinha em mente a seu respeito. Samuel levou os dois para jantar em sua casa. À refeição,
foi dado a Saul o lugar de honra à cabeceira da mesa. E ele pensou: “Sou um servo
insignificante da tribo de Benjamim; por que será que o vidente me presta tão grande
homenagem?”

A casa de Samuel tinha o telhado em terraço, como era uso em todas as casas do lugar.
Uma escada levava até ele. Disse Samuel a Saul: “Dormirás no terraço, sob o céu
estrelado, e teu criado, na palha, junto às ovelhas. Eu te acordarei de manhã.” E mandou
pôr no terraço um tapete macio como cama para Saul. Por muito tempo, Saul não
conseguiu dormir, pensando em tudo o que conversara com o vidente e no que poderia
ter em mente a seu respeito para tratá-lo com tantas honras. Quando as estrelas da meia-
noite estavam bem no alto, ele adormeceu.

A aurora brilhava no céu. Samuel subiu as escadas, acordou Saul e mandou que ele se
levantasse. Quando o sol nascente lançou seus primeiros raios, ele derramou de um
pequeno frasco algumas gotas de óleo consagrado sobre sua cabeça. Ele beijou Saul e
disse solenemente: “Deus, Nosso Senhor, elegeu-te com príncipe sobre o povo de
Israel.”
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Saul não sabia o que lhe estava acontecendo. Samuel continuou: “Hoje, quando
partirdes daqui, encontrarás diante de Belém dois homens junto ao túmulo de Raquel.
Eles te dirão: “As jumentas foram encontradas, mas teu pai está aflito por tua longa
demora.” E quando, prosseguindo em teu caminho, chegares ao carvalho de Tabor,
virão ao teu encontro três homes: um carregando três cabritinhos, o outro três pães, o
terceiro, um odre de vinho. Eles vão saudar-lhe e te dar dois pães. Aceita-os! A seguir,
chegarás à cidade de Gabaa. Lá virá ao teu encontro um grupo de sacerdotes, precedidos
de tocadores de harpas, timbales, flautas e cítaras. Eles virão cantando e dançando em
piedosos êxtase. Segue com eles! Tu te transformaras num outro homem. No sétimo dia
irei ter contigo, e contigo vou oferecer sacrifícios salvíficos.”

Todas aquelas palavras e sinais de Samuel passaram como chispas de fogo pela alma de
Saul. Ao deixar a casa com seu criado, Deus transformou-lhe o coração, devido àquela
experiência. Todos os sinais que o vidente profetizara aconteceram: junto ao túmulo de
Raquel, ele soube que as jumentas estavam em casa; perto do carvalho de Tabor,
recebeu os dois pães e, em Gabaa, encontrou o grupo de sacerdotes, com os quais seguiu
em êxtase. Pessoas de Gabaa, que conheciam Saul, disseram: “Que será que aconteceu
com Saul, filho de Cis? Porventura também ele está entre os profetas?

Após o sacrifício, para o qual Samuel chegou, Saul voltou para a casa de seu pai. Todas
as jumentas estavam de novo lá. Saul guardou silêncio a respeito de tudo o que Samuel
lhe havia confiado.

Saul torna-se Rei

Samuel, o vidente e profeta, convocou os representantes das doze tribos para uma
assembléia geral. E anunciou: “Um rei será escolhido!” Primeiro, tiraram a sorte para
ver de qual das tribos o rei deveria provir. A sorte caiu sobre a tribo de Benjamim. Mais
uma vez tiraram sorte para ver de que linhagem familiar ele seria. A sorte caiu para a
linhagem de Metri. Dela foi preciso tirar a sorte entre os homens, um por um. Tocou a
sorte a Saul, filho de Cis. Seu pai tirou a sorte para ele. Procuraram então por Saul, que
se mantinha escondido entre as bagagens. Como não o achassem imediatamente,
Samuel disse: “Procurai-o entre as bagagens!” E lá estava ele. Levaram-no até Samuel,
no meio de todo o povo, que ele ultrapassava em tamanho. Samuel disse: Estais vendo
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quem o Senhor escolheu? Não há igual a ele em todo o povo!”O povo, então, rejubilou-
se e exclamou: “Viva o rei!”E muitos homens se aproximaram e disseram: “Queremos
ser teus criados, teus servos!”Samuel escreveu um código real, como o povo teria de
obedecer ao rei e quais as tarefas do rei. Fez a leitura do código para o povo e o colocou
na Tenda da Reunião, ao lado dos dez mandamentos.

Daí por diante, Saul protegia o povo com seus guerreiros, quando príncipes e reis
estrangeiros o importunavam. Muitas vezes teve de entrar em guerra; mas sempre
vencia os inimigos. Esses êxitos encheram seu coração de orgulho. Ele mandou
construir um arco de triunfo em sua própria homenagem e se enriqueceu com os
despojos de guerra. Por fim, chegava a mandar o povo para a guerra por causa, também,
desses despojos.

Depois de tais acontecimentos, a voz divina intimou Samuel a procurar um rei melhor.
Samuel espantou-se; pois Saul tinha já um grande poder sobre o povo. Mas o Senhor foi
inexorável: “Enche teu chifre com óleo! Em Belém, encontrarás um dos filhos da
família de Isaí, e ele será escolhido como futuro rei. Dá-lhe, como sinal, o óleo bento!”

O Pastor Davi

Pai Isaí tinha oito filhos. O mais velho se chamava Eliab, o mais novo Davi, que era o
menor de todos eles. Os filhos mais velhos eram mercadores, viajavam por todo o país e
diziam: “O irmão mais novo que cuide da tarefa monótona de vigiar as ovelhas.”
Portanto, Davi estava quase sempre nos campos de Belém, junto aos rebanhos. Mas,
para ele, isso nunca era monótono. Ele tinha o olhar bem atento e ficava feliz com a
beleza das plantas, das ervas e das flores. Amava as palmeiras e as oliveiras; pois
davam-lhe uma sombra bem refrescante. Conhecia as vozes dos pássaros, admirava o
jogo de luz das nuvens e, de noite as estrelas. Quando ninguém o ouvia, cantava canções
inventadas por ele sobre a beleza do mundo. Certa vez, seu pai deu-lhe duas ovelhas.
Davi trocou-as por uma pequena harpa. Agora, podia dedilhar as cordas para
acompanhar suas canções. Como naquelas redondezas era comum aparecerem lobos do
deserto e cães selvagens para roubar as ovelhas do rebanho, o pastor Davi ficava horas a
fio treinando o arremesso de pedras com a funda. Como alvo, colocava uma pedrinha
clara em cima de um marco divisório de pedra. Ora de perto, ora de longe, ele tentava
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derrubá-la com a funda. Quando mais certeiro era seu arremesso, maiores eram as
pedras que ele tentava derrubar. Tendo treinado o bastante, pegava a harpa, tocava e
cantava suas canções. Assim, o tempo pra ele passava depressa, mesmo quando seus
irmãos o deixavam semanas a fio sozinho com as ovelhas.

Certa vez, estava Davi tocando harpa junto à gruta das palmeiras, quando de repente as
ovelhas vieram correndo de uma só direção. Davi deu um salto e avistou um leão
agarrando um cordeirinho. Com um cajado nodoso, Davi correu valentemente de
encontro ao leão, que já se preparava para ir tranquilamente embora com o cordeirinho
na boca. Com toda a força, o pastor bateu com o cajado na cabeça do leão. Este deixou
cair o cordeirinho. Tanto deu ainda alguns passos vacilantes, e logo, pela segunda vez,
uma tal pancada zuniu-lhe na cabeça que ele caiu, e Davi pôde matá-lo. O cordeirinho,
que mal fora ferido, restabeleceu-se novamente. A pele do leão Davi ofereceu a seu pai
Isaí.

Quem será o novo Rei?

Samuel não podia deixar que percebessem que ele estava procurando um novo rei. Ele
disse a seus criados: “Arranjai uma novilha e vinde comigo a Belém, para realizarmos
um sacrifício. Para o ágape (*) do sacrifício, convidai Isaí e todos os seus filhos!”
Assim foi feito. Todos os que participavam do sacrifício recebiam a benção de Samuel.

Isaí só veio com sete filhos, pois o pequeno Davi estava no campo com os rebanhos.
Quando Samuel viu o filho mais velho, que era de estatura elevada, pensou: “Pode ser
que seja este.” Mas, quando lhe deu a benção, não recebeu de Deus sinal algum
indicando que ele seria o rei, e nem quando abençoou os outros seis. Samuel perguntou
a Isaí: “São estes todos os filhos que tens?” Respondeu o pai: “O mais jovem está no
campo, cuidando das ovelhas.” Samuel disse: “Manda alguém ir buscá-lo; também ele
deve participar do sacrifício.”

(*) – refeição comunitária de confraternização. (N.R.)


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Samuel pensou: “Deve ser então o pastor. Como será ele? Será mais alto ainda que os
outros?” Quando Davi chegou, Samuel viu que, em tamanho, ele era o menor de todos.

No cinto, trazia uma funda, no braço esquerdo, uma harpa. Seu cabelo tinha um
luminoso tom ruivo, os belos olhos tinham um brilho de sabedoria; pois, em sua vida de
pastor, tinham absorvido muito azul do céu. Assim que o pequeno e robusto rapaz se
aproximou de Samuel, este viu, com seu olhar de vidente, que a alma de Davi era
grande e bela. Uma voz interior lhe disse: “É este. Unge-o!” Samuel o fez em meio a
todos os irmãos, e assim uma benção divina desceu sobre Davi e com ele permaneceu.
O jovem não fazia idéia do que lhe iria acontecer. Samuel também não sabia quando
nem de que maneira Davi se tornaria rei, e assim voltou à sua casa, em Ramá.

Davi e Saul

Por causa de sua soberba, a benção divina se afastou cada vez mais do rei Saul. De
tempos em tempos ele ficava de ânimo sombrio, e todos afirmavam: “Um demônio
maligno atormenta o rei!” Um conselheiro, certa vez, disse ao rei: “Saul, devias distrair
tua alma com música. Com certeza, em algum lugar do país, existe alguém que possa
vir tocar para ti.” Um dos criados de Saul era de Belém, conhecia Isaí e seus filhos e
ouvira Davi tocar harpa. Ele disse ao rei: “Senhor, conheço os filhos de Isaí, em Belém.
Davi, o mais novo, sabe tocar harpa. Ainda é muito jovem e cuida dos rebanhos. É
bonito e valente.” Quando o rei ouviu isso, ordenou ao criado: “Vai, como meu
mensageiro, falar com Isaí e traze-me o jovem com a harpa!”

O pai Isaí sentiu-se muito honrado quando o mensageiro do rei chegou com seu pedido.
Mandou um de seus filhos ao campo, com o mensageiro, a fim de trazer Davi. O
caminho subia por alguns morros e levava até uma caverna sombreada, onde Davi
gostava de ficar. Ela era rodeada de palmeiras que davam sombra e, durante o mau
tempo, abrigo para o rebanho. Davi nem percebeu os dois que se aproximavam, tão
compenetrado estava em tocar sua harpa. Em volta dele, na sombra, estavam deitadas as
ovelhas, e um cordeirinho descansava em seu colo. O mensageiro pensou: “Se Davi
levar ao rei a paz que reina aqui, sua alma se há de curar novamente!” De repente, Davi
parou de tocar, pois uma ovelha baliu. O mensageiro fez seu pedido, e o irmão de Davi
confirmou a ordem, que o pai lhe dera, de substituí-lo. Davi espantou-se com a notícia e
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perguntou: “Quanto tempo ficarei a serviço do rei? Poderei voltar de quando em quando
para junto de minhas ovelhas?” O mensageiro respondeu: “Isso tudo terás de combinar
com o rei!” Davi então entregou ao irmão seu cajado, como o pai ordenara, e
acompanhou o mensageiro. Mal havia percorrido um pequeno trecho do caminho,
voltou correndo à caverna e pegou sua funda, que estava pendurado num arbusto,
colocando-a no cinto. E disse ao mensageiro: “Posso atirar pedras com a funda também
na corte real?” O mensageiro sorriu: “Certamente no campo poderás fazê-lo; mas os
guerreiros do rei atiram flechas e lanças e não com míseras pedras!”

Assim, Davi chegou à corte do rei. Saul soube que o dedilhador de cordas chegara, bem
na hora em que ele estava de ânimo sombrio e havia atirado um cântaro à cabeça do
criado que lhe servira vinho. Mesmo assim, mandou Davi entrar. Ao ver o belo rapaz,
que o olhava tão franca e abertamente, Saul baixou os olhos ao chão e resmungou:
“Toca uma canção!” Davi sentou-se no tapete colorido. Soaram algumas notas graves,
entremeadas de outras mais agudas, como se o vento sussurrasse por entre as palmeiras.
E, de repente, Davi sentiu-se como se estivesse entre suas ovelhas. Fechou os olhos e
entoou um canto sem palavras, ao som das cordas. Saul ergueu os olhos, viu os
movimentos delicados dos dedos de Davi, seu vulto de pastor queimado pelo sol, os
cabelos de um louro avermelhado. O coração do rei se abriu. Sobreveio-lhe uma paz que
sua alma já não conhecia a muito tempo. Os criados vieram, com espanto, que o rei
sorria. Daí por diante, o rei conservou Davi em seu coração. Quando o músico parou,
olhou admirado ao seu redor e ergueu os olhos para Saul; e os olhos deste não se
esquivavam mais. Ele agradeceu com um aceno de cabeça e perguntou: “Por que trazes
uma funda em teu cinto?” Davi respondeu: “No campo, eu tinha de espantar,
frequentemente os cães selvagens e, uma vez, até mesmo um lobo e um leão. E assim
aprendi a mirar bem e acertar no alvo!” Disse Saul: “Se tens jeito para lutar, poderás ser
meu escudeiro quando eu for para a guerra.”

Assim, Saul tornou-se amigo de seu músico e, quando o rei saía, Davi lhe carregava o
escudo e a lança.

De tempos em tempos, Davi ficava com saudades de casa. Tinha vontade de rever
Belém e de ficar com as ovelhas. Parecia-lhe também que, para tocar, precisava de um
vento renovador nas cordas, o vento das oliveiras e das palmeiras. Um dia, quando Saul
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estava de bom humor, Davi perguntou: “Senhor rei, posso ir de tempos em tempos até
Belém e vigiar minhas ovelhas?” Saul foi magnânimo e respondeu: “Podes, sim; mas
não te demores muito; pois não posso dispensar tua música e tuas canções.” Para Davi,
foi uma grande alegria afagar de novo suas ovelhas e seus cordeirinhos, tocar e cantar
perto da gruta sombreada. O mais tardar depois de sete dias, ele sempre voltava e era
cantor e criado de Saul.

Davi e Golias

Os filisteus, povo vizinho, ameaçava Israel com invasões e ergueu o grito de guerra.
Saul teve de armar um exercito para poder defender seu povo. Três irmãos de Davi
também se tornaram soldados para lutar contra os filisteus. Estava Davi, mais uma vez,
cuidando das ovelhas, quando seu pai veio ter com ele no campo, montado num
jumento, e disse: “Davi, ouvi dizer que os filisteus invadiram o país. Saul teve de partir
para a luta com seus guerreiros. Levanta-te e leva o pão, queijo e trigo torrado para teus
irmãos no campo de batalha, a fim de que eles não passem necessidade.”

Davi deixou as ovelhas com outro pastor. Em casa, seu pai lhe deu as provisões. Com
elas, ele andou até o Vale de Terebinto, onde Saul e seus guerreiros estavam
acampados. Chegando perto do acampamento, ouviu muitos chamados, gritos e tinidos
de armas. Naquele momento, os guerreiros de Saul estavam-se organizando para a
batalha contra os filisteus, que já se aproximavam. Davi entregou sua encomenda aos
guardas. No acampamento, procurou seus irmãos e os saudou. Estava ainda falando com
eles, quando apareceu um enorme guerreiro à frente do exército filisteu. Era o gigante
Golias. Na cabeça, ele trazia um capacete de escamas, e as pernas, por perneiras de
ferro. Golias bradou para os israelitas: “Malditos covardes, miseráveis criados de Saul,
israelitas sujos. Mandai vosso guerreiro mais forte para duelar comigo, antes de vos
derrotarmos e dançarmos sobre vossos ossos.”

Quando os guerreiros de Saul ouviram aqueles insultos e viram o gigante todo armado à
frente do exército, sentiram total desalento e medo. Golias deu ainda mais uns passos à
frente e agitou ameaçando sua lança do tamanho de uma árvore. Muitos guerreiros de
Saul recuaram. Davi correu até o rei e disse: “Será que esse monte de carne e ossos pode
escarnecer impunemente de Israel, o povo de Deus? Se nenhum de teus guerreiros vai
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enfrentá-lo, eu o farei e lutarei com ele. Quando um leão ou um urso atacava meu
rebanho, eu os abatia, e o Senhor me salvou das garras do leão! Deixai-me lutar contra o
filisteu!”

Davi falou como que tomado pelo espírito do fogo. Saul ficou tão encorajado por suas
palavras, que disse: “Pois vai e luta. O senhor estará contigo!” Depois destas palavras, o
rei revestiu Davi com sua própria armadura. Pôs nele seu capacete de bronze e cingiu-o
com sua espada. Davi nunca se havia metido em tal armadura e só com dificuldade
conseguia mover-se. Ela era, também, grande demais para ele. E ele disse a Saul:
“Assim não posso. Preciso movimentar-me livremente como um pastor.” Livrando-se
de tudo, pegou seu cajado e sua funda. Na bolsa meteu cinco pedras lisas. Foi assim que
ele enfrentou o filisteu.

Golias viu o rapaz ruivo aproximar-se; riu e berrou: “Será que sou algum cachorro, para
vires contra mim com um cajado, maldito filhote de Jeová? Vem cá, que vou dar tua
carne às aves do céu e às raposas do deserto!”

Quando Davi ouviu blasfemar assim contra o nome de Deus, gritou para Golias: “Tu
vens com espada e lança; e eu vou em nome de Deus, de quem escarneces. O que queres
fazer comigo, acontecerá contigo!” Golias soltou um furioso bramido de ataque e veio
correndo com passos de gigante. Davi largou o cajado, pegou na bolsa uma pedra e
colocou-a na funda. Com enorme impulso, a pedra zuniu pelos ares e acertou Golias na
testa, bem entre os olhos. Por um momento, o gigante se soergueu , depois deixou cair a
lança e veio abaixo de cara no chão. Davi correu depressa até ele, tirou-lhe a espada da
bainha e cortou-lhe a cabeça.

Tudo se passou tão rapidamente que, dos dois lados, os guerreiros ficaram olhando
emudecidos e de respiração suspensa. Mas, em seguida, os israelitas soltaram brados de
júbilo. Ao verem seu herói Golias no chão, os filisteus começaram a fugir. Os gritos dos
israelitas transformaram-se em gritos de guerra. Lutando, perseguiram os filisteus e
alcançaram completa vitória.

Davi pegou a cabeça e a espada de Golias e as levou para Saul. Quando chegou junto ao
rei, seu filho Jônatas estava cheio de entusiasmo por ele. Era da mesma idade e o havia
admirado na luta. Quando, então, Davi depôs a espada e a cabeça de Golias aos pés de
Saul, Jônatas abraçou-o e disse: “Davi, permite que eu seja teu amigo! Tu me és tão
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querido quanto minha própria vida.” Saul elogiou o feito heróico de Davi e disse:
“Agora, não voltaras mais para tuas ovelhas. Ficarás sempre comigo. Quando os
filisteus voltarem, tu me ajudaras a combatê-los!” Jônatas tirou seu manto e o prendeu
nos ombros de Davi. Como queria fazer um pacto de amizade pra toda a vida, deu-lhe
também sua espada, seu arco e seu cinto.

Depois dessa vitória, o exército seguiu para Jerusalém. A cabeça e a espada de Golias
eram carregadas na frente. Mulheres foram ao seu encontro tocando címbalos, cantando
e dançando:

Saul matou mil,

mas Davi dez mil!

Isso irritou Saul, que Davi fosse posto nas alturas, e ele o invejou por receber maiores
honras que o rei. Para ligá-lo firmemente à sua casa, Saul deu sua filha Micol a Davi,
como esposa.

Um dia, um mau espírito desceu sobre Saul, e ele quis matar Davi. Portou-se como um
louco na sala real, agitando a lança no ar para todos os lados e gritando nomes
estranhos. Davi foi trazido para tocar e apaziguar o rei. Quando ele começou a tocar, a
fúria do rei sossegou, mas a lança não foi largada. No meio da música, Saul arremessou-
a contra Davi. No ultimo instante, ele conseguiu desviar-se, do contrário o ferro o teria
traspassado. A lança foi parar na parede e ali ficou cravada. Davi fugiu para sua casa.

À noite, Saul mandou mensageiros à casa de Davi. Eles tinham ordem de guardar a
entrada. Quando Davi saísse da casa de manhã, deveriam prendê-lo e levá-lo à sua
presença, essa era a ordem. Isso fora insinuado ao rei pelo demônio maligno: que Davi
fosse morto.

Durante a noite, quando todos estavam dormindo, Micol ouviu um barulho do lado de
fora. De mansinho, puxou uma cortina e viu, à luz do luar, os guardas de seu pai.
Acordando Davi, cochichou-lhe: “Levanta e foge! Querem apanhar-te amanhã e te
matar! Há homens armados já de emboscada na frente da casa. Podes descer por uma
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corda pela janela de trás. Põe-te a salvo!” Davi achou bem sensatas aquelas palavras.
Sem ser percebido, fugiu e foi procurar Samuel, em busca de um conselho.

Foi em vão que os guardas de Saul esperaram por Davi na manhã seguinte. Ele não saiu
pelo portão. Quando, finalmente, entraram na casa, não estava mais lá quem eles
procuravam.

Jônatas, filho de Saul, que queria muito bem a Davi, veio a saber, que seu pai decidira a
sua morte. Indo secretamente ao encontro de Davi, disse-lhe: “Davi, jurei-te amizade
por toda a vida. Eu te aconselho que fujas de meu pai. Ele não descansará até que seu
demônio veja teu sangue correr!” Os dois se beijaram e choraram, por estar sua amizade
envolta em sombras tão densas.

Na Caverna

Certo dia, Davi, juntamente com um grupo de homens armados que queriam protegê-lo
de Saul, encontrava-se numa caverna em Engadi. Pelas proximidades, passou Saul com
seu exército. Subitamente, Saul disse: “Ali a diante há uma caverna. Vou ficar lá por
algum tempo. Acampai aqui e esperai por mim.”

Davi e seus companheiros viram aquilo. Um deles disse: “Olha Davi, teu inimigo vem
sem armas ao nosso esconderijo. O senhor o entregou em tuas mãos. Agora, podes
matá-lo!” Davi replicou: “Jamais erguerei a mão contra um ungido do Senhor! E que
ninguém toque num fio de seu cabelo!” Depois de ter feito suas necessidades no escuro
da caverna, Saul ia saindo dali quando Davi chegou por trás e se pôs a seu lado com a
espada na mão. Inclinando-se diante de Saul, disse: “Ó rei, porque dás ouvido àqueles
que dizem que Davi quer tua ruína? O senhor guiou-te até hoje para diante de minha
espada; mais jamais erguerei a mão contra o ungido do Senhor!” Saul ficou lívido de
susto, seu corpo todo tremia. Não conseguia dar nem um passo. Davi inclinou-se mais
uma vez diante do rei. Finalmente, este recuperou a fala: “Davi, meu filho! Tu és mais
justo do que eu; pois me fizeste o bem. Sim, bem sei que um dia serás rei de Israel. Pois
jura-me então que, depois de minha morte, não exterminarás meu nome nem meus
descendentes.” Davi jurou-o. Saul chorou, e Davi tomou-o nos braços, como se ele
fosse seu amigo Jônatas. Nisto, o gênio do mau retirou-se de Saul, e o rei voltou para
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junto de seus guerreiros, que nada haviam percebido. Mas os companheiros de Davi,
que haviam sido testemunhas desse encontro de reis, diziam uns aos outros: “Será que,
com Davi, surgirá no mundo uma nova lei de generosidade? Deveremos perdoar os que
fazem o mal? Fazer o bem aos que nos perseguem? Amar aos inimigos?”

Quando Davi voltou para junto de seus companheiros, tornando a entrar na caverna,
todos emudeceram. Ele, porém, disse-lhes: “Vamos partir para Ramá!” No meio do
caminho, Davi ouviu dizer que Samuel, o vidente e profeta, tinha morrido, justamente
no dia em que ele se reconciliara com Saul na caverna.

A Morte de Saul e Jônatas

Pouco tempo depois, os filisteus quiseram vingar-se de Israel, por causa de Golias!
Saul, com seu exército e com os filhos, teve de partir para a guerra no monte de Gelboé.
Na mesma ocasião, o próprio Davi precisou rechaçar uma incursão dos amalecitas. No
meio da batalha, os filisteus atacaram Saul e seus filhos. O rei foi atingido por um
arqueiro. Jônatas e seus irmãos, os filhos de Saul, foram abatidos. Saul gritou para seu
escudeiro: “Toma da espada e mata-me, para que os filisteus não escarneçam de mim!”
O escudeiro não quis fazer isso, e então Saul matou-se, lançando-se sobre a própria
espada. Seu escudeiro morreu ao seu lado. Quando os guerreiros de Israel viram que seu
rei e seus filhos jaziam mortos no campo de batalha, começaram a fugir, e a vitória
ficou para os filisteus.

Ao mesmo tempo, numa região distante dali, Davi rechaçara com êxito os amalecitas.
Um guerreiro fugitivo comunicou a Davi a derrota e a morte de Saul. Ele trouxera o
diadema de ouro do rei, que pudera salvar e o bracelete de ouro. Quando contou que os
filhos de Saul, Jônatas entre eles, também haviam morrido, Davi rasgou suas vestes em
sinal de desgosto. Compôs então um lamento fúnebre por Saul, seus filhos e os
guerreiros mortos em combate. Ele cantou:

Ai de ti, Israel! Teus heróis tombaram,

Saul e Jônatas, os amados,

inseparáveis na vida e na morte,


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tombaram no meio batalha.

Chorai, ó filhas de Israel!

Por ti, Jônatas meu amigo-irmão,

choro de dor; tu me eras tão caro.

Tua amizade me era mais preciosa

que o amor das mulheres.

Ai de ti, Israel, teus heróis se foram!

Davi como Rei

Depois da morte de Saul, o povo elevou Davi a rei. Ele partiu para Jerusalém e fez dela
a cidade real. Nos primeiros tempos de seu reinado, ele tinha, de vez em quando, de
lutar contra os filisteus e outras tribos, e rechaçou a todos.

Hirão, rei de Tiro, mandou a Davi artífices e pedreiros que lhe construíram um belo
palácio real.

Ao lado da cidade de Jerusalém, no monte Sião, Davi mandou ergueu uma valiosa
tenda, para a Arca da Aliança e os objetos sagrados, toda ela segundo o modelo e a
medida da Tenda da Reunião. Os sacerdotes consagraram o novo tabernáculo, e
milhares de pessoas participaram da festa de consagração. Ergueram-se os cânticos,
soaram os instrumentos, e a fumaça dos sacrifícios subiu ao céu por dias a fio,
juntamente com as orações. Era o rei Davi que compunha os hinos de louvor e de
súplica. A sós consigo mesmo, quando era pastor em Belém, ele havia composto suas
primeiras canções para harpa. Potentes, retumbavam agora os coros de mil vozes em
Jerusalém:

Daí graças ao Senhor,

Invocai o seu nome,

Cantai aos povos os seus feitos!


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Cantai, tocai para Ele,

relatai suas maravilhas...

Firme está a terra,

ela não vacila.

Troveja o mar

em seu desempenho!

Rejubila-se o campo

com o esplendor das flores!

Alegram-se as árvores da floresta!

Daí graças ao Senhor,

pois Ele é generoso,

e sua bondade dura para sempre!

A grande Assembléia

Davi reinou por quarenta anos. Seu prestígio e sua riqueza aumentavam em Jerusalém.
Então, ele convocou todos os príncipes de Israel, os chefes das doze tribos, os
comandantes de campo e altos funcionários do reino. Ao se reunirem, eles diziam uns
aos outros: “Que será que Davi quer conversar conosco? Será que ele tem novas
preocupações?” E pensaram isto e aquilo. Os tambores soaram e pediram silêncio. O rei
Davi ergueu-se no meio da Assembléia e disse: “Ouvi-me, meus irmãos, meu povo! Faz
muito tempo que tenho feito preparativos para transformar a tenda sagrada de Sião em
um templo sólido. Ele seria erguido em Jerusalém. Deus, o Senhor, disse-me porem:
“Não deves construir um templo em meu nome, pois nas guerras derramastes muito
sangue. Teu filho Salomão deverá fazê-lo, ele deverá erguer o templo e ser o rei depois
de teus dias na terra!”Assim o ouvi de Deus, e hoje vos delego essa tarefa.”
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Todos os príncipes, comandantes e funcionários concordaram e confirmaram Salomão


como sucessor de Davi.

Nessa noite, um anjo do Senhor apareceu a Salomão e lhe disse: “Salomão, podes
formular um pedido perante o Senhor: que queres que ele te dê?” Salomão respondeu:
“Que o Senhor me conceda sabedoria e inteligência, para que eu possa reger este grande
povo com justiça!” Isso concretizou-se, e Salomão, como novo rei, após a morte de seu
pai mandou construir o templo de Jerusalém. As pessoas diziam: “Nesse templo, um
dia, pregará o Messias, o salvador vindouro. Ele ajudará a humanidade a trilhar o bom
caminho e a vencer o mal.

O Sonho de Davi

Em seus últimos dias, Davi teve um estranho sonho. Ele via seus dois filhos, Salomão e
Natan, deitados no campo de Belém, dormindo. Do corpo de cada um crescia uma
árvore. Cada vez que um novo galho nascia, ele ouvia um nome. Com Natan, começava
com Matata, Mena, Meléia; com Salomão, começava com Roboão, Abias, Asa...
Quanto mais altas as árvores ficavam, mais fracos soavam os nomes. Quando suas
copas tocavam o céu, uma estrela brilhou sobre elas, clara como o sol. À sua luz, as
duas árvores se inclinaram uma em direção à outra. Seus galhos se entrelaçaram
formando uma única árvore universal. Coros de anjos cantavam. Dá estrela caiu sobre a
árvore uma chuva de luzes, e ela ficou cheia de pequenas chamas.

Quando Davi despertou, meditou sobre o que havia visto. A paz inundou sua alma, tal
como acontecia com ele outrora, quando tocava harpa em Belém. Disse Davi para si
mesmo: “Agora posso morrer sossegado. Meus filhos e meus netos verão um dia a luz
do Messias!”
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Os Salmos de Davi

Cento e cinqüenta cânticos e salmos nos foram transmitidos pela poesia de Davi. Sem
ele, a palavra e a canção teriam muito menos força no mundo. Eis aqui um trecho do
Salmo 104:

Louva, ó minha alma, ao Senhor,

louva a luz, sua veste divina.

Tu estendes o céu com um tapete,

viajas sobre as nuvens como numa carruagem celeste,

carregada por anjos no vento.

Chamas de fogo são teus servos,

firme nas profundezas está a Terra.

O dilúvio primordial cobriu seu manto,

e acima dos montes pararam as águas.

À tua voz de trovão, elas recuaram,

Ergueram-se colinas e montanhas,

baixaram-se vales e abismos.

Para os rebanhos que pastam cresce a relva,

Em espigas douradas amadurece o pão.

Cantai, ó pássaros! Saltai, ó cordeirinhos!

Voa nas alturas, ó águia!

Criaste a lua, para repartir o ano.


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O sol sabe a hora de nascer e de se pôr.

Movimentam-se à noite os animais da selva,

ruge o leão por sua presa.

Quando, porem, o sol ressurge,

eles vão-se esconder em seus covis.

De pé, sai o homem para o trabalho cotidiano.

Senhor, grandiosas e variadas são as tuas obras,

Tu ordenaste com sabedoria todas elas,

e a Terra está repleta de teus benefícios!


98

POSFÁCIO

Durante alguns anos, o autor destas narrativas bíblicas teve de iniciar crianças de escola
no mundo do Antigo Testamento. Os textos aqui presentes resultaram dessas
experiências. Eles são uma continuação das narrativas anteriores, que vão da Criação do
mundo até a arca de Noé, e que foram publicadas com o título “Faça-se a luz”. Além
das fontes bíblicas, o autor se valeu também de textos apócrifos, em especial das
“Lendas dos Judeus”, compiladas por Bin Gorion. Escritas com liberdade poética
quanto ao estilo e a forma, mantendo seu compromisso interior para com as fontes, que
estas narrativas possam contribuir para fazer chegar à juventude de hoje imagens e
acontecimentos que ajudaram a construir a cultura ocidental.

Jakob Streit

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