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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

GUILHERME CIRILO FEIJÓ

MUSEU DOS DIREITOS HUMANOS EM CURITIBA: O MUSEU COMO UM


ESPAÇO DE SALVAGUARDA DA DEMOCRACIA

CURITIBA
2022
GUILHERME CIRILO FEIJÓ

MUSEU DOS DIREITOS HUMANOS EM CURITIBA: O MUSEU COMO UM


ESPAÇO DE SALVAGUARDA DA DEMOCRACIA

Monografia apresentada ao curso de Graduação


em Arquitetura e Urbanismo, Setor de Tecnologia,
Universidade Federal do Paraná, como um dos
requisitos para aprovação na disciplina Trabalho
Final de Graduação.

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Juliana Harumi


Suzuki

CURITIBA
2022
TERMO DE APROVAÇÃO

GUILHERME CIRILO FEIJÓ

MUSEU DOS DIREITOS HUMANOS EM CURITIBA: O MUSEU COMO UM


ESPAÇO DE SALVAGUARDA DA DEMOCRACIA

Monografia apresentada ao curso de Graduação em Arquitetura e


Urbanismo, Setor de Tecnologia, Universidade Federal do Paraná, como um dos
requisitos para aprovação na disciplina Trabalho Final de Graduação.

______________________________________
Prof(a). Dr(a)./Msc. ____________
Orientador(a) – Departamento ____________
______________________________________
Prof(a). Dr(a)./Msc. ____________
Departamento ____________
_____________________________________
Prof(a). Dr(a)./Msc. ____________
Departamento ____________

Curitiba, __ de ____________ de 2022


AGRADECIMENTOS

Para a realização desta monografia, gostaria de agradecer, primeiramente, à


minha família, minha mãe Anna Karina, meu pai, Rinaldo, e meu irmão, Gabriel, por
todo incentivo e suporte que recebi ao longo de toda a vida, especialmente nos
momentos mais difíceis.
Gostaria de agradecer, também, muitíssimo à minha namorada, Caroline,
por sempre ter acreditado em mim e por todo companheirismo, carinho e amparo
que ela me proporciona. Sem ela certamente não conseguiria alcançar este
resultado.
Gostaria de agradecer, de forma muito especial, à minha professora
orientadora, Juliana Suzuki, pelo imenso apoio, pelas maravilhosas conversas e pela
excelente condução da presente pesquisa.
Agradeço pela família que ganhei, Leika, Claudiney e Kenzo, pelo
inestimável suporte e companheirismo.
Sou igualmente grato aos meus amigos do curso de Arquitetura e
Urbanismo, que me acompanharam com muita diversão e companheirismo nesta
jornada, desde o primeiro ano.
Agradeço muitíssimo meus colegas de trabalho e amigos da YVA
Arquitetura, pelos imensuráveis conhecimentos que com eles adquiri, além das
incríveis conversas e risadas que temos diariamente.
Por fim, gostaria de agradecer à Universidade Federal do Paraná e ao
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, por me proporcionarem a incrível
oportunidade de vivenciar a aventura que é o mundo da arquitetura.
O museu é uma escola:
o artista aprende a se comunicar.
O público aprende a estabelecer conexões.

Luiz Camnitzer, 2009


RESUMO

O presente trabalho estabelece as bases investigativas para a posterior produção de


um Museu dos Direitos Humanos na cidade de Curitiba. Para tanto, inicia-se com um
estudo acerca das características fundamentais dos Direitos Humanos Universais
para, em seguida, relacioná-las com os conceitos intrínsecos da democracia.
Busca-se criar conexões entre esses conceitos democráticos e a arquitetura, mais
especificamente a arquitetura de museus. Compreende-se que os museus na
contemporaneidade possuem um papel amplo, estabelecendo-se como
equipamentos multifuncionais, capazes de resguardar a variada memória da
Humanidade de forma física. Esta característica essencial do museu pode se tornar
uma responsabilidade quanto à defesa dos preceitos democráticos e dos Direitos
Humanos, no entendimento de que a democracia deve ser essencialmente plural, e
que esta pluralidade deve ser manifestada e resguardada por equipamentos
públicos, como são os museus. São analisadas três obras arquitetônicas de
destaque e que reverberam os conceitos anteriormente discutidos: o Museu da
Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, no Chile, o Memorial da Resistência
em São Paulo e o Centro de Memória, Paz e Reconciliação, em Bogotá, na
Colômbia. Por fim, apresentam-se as condições contextuais da cidade de Curitiba e
do terreno escolhido, pontos de partida para a produção posterior do projeto
arquitetônico.

Palavras-chave: Arquitetura de museus. Museus de Memória Traumática.


Museologia Social. Direitos Humanos.
ABSTRACT

The present work establishes the investigative bases for the subsequent production
of a Museum of Human Rights in the city of Curitiba. To do so, it begins with a study
of the fundamental characteristics of Universal Human Rights and then relates them
to the intrinsic concepts of democracy. It is intended to create connections between
these democratic concepts and architecture, more specifically museum architecture.
It is understood that museums in contemporary times have a broad role, establishing
themselves as multifunctional equipments, capable of keeping the varied memory of
Humanity in a physical way. This essential characteristic of the museum can become
a responsibility regarding the defense of democratic precepts and Human Rights, on
the understanding that democracy must be essentially plural, and that this plurality
must be manifested and protected by public equipment, such as museums. The
study analyzes three architectural works that reflect the concepts previously
discussed: the Museum of Memory and Human Rights in Santiago, Chile, the
Memorial of Resistance in São Paulo, and the Center of Memory, Peace and
Reconciliation in Bogota, Colombia. Finally, the contextual conditions of the city of
Curitiba and the chosen site, starting points for the subsequent production of the
architectural project, are presented.

Keywords: Museums architecture. Museums of Traumatic Memory. Social


Museology. Human Rights.
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 2.1 - ELEANOR ROOSEVELT SEGURANDO O TEXTO DA DUDH……..24


FIGURA 2.2 - BERTHA LUTZ DURANTE OS TRABALHOS DA CONFERÊNCIA DE
SÃO FRANCISCO EM 1945………………………………………………………………32
FIGURA 3.1 - ESTUDANTES SE MANIFESTANDO NO SALÃO CARAMELO DO
EDIFÍCIO DA FAU-USP EM 1969………………………………………………………..39
FIGURA 3.2 - DESENHO DE LINA BO BARDI PARA O PROJETO DO MUSEU DE
ARTE DE SÃO PAULO (MASP), 1968…………………………………………………..40
FIGURA 4.1 - ILUSTRAÇÃO REPRESENTATIVA DA ANTIGA BIBLIOTECA DE
ALEXANDRIA………………………………………………………………………..……..42
FIGURA 4.2 - PALÁCIO DA FAMÍLIA MÉDICI EM FLORENÇA, ITÁLIA…………….44
FIGURA 4.3 - INTERIOR DO PALÁCIO DA FAMÍLIA MÉDICI EM FLORENÇA,
ITÁLIA………………………………………………………………………………………..45
FIGURA 4.4 - GRAVURA DO MUSEU DO LOUVRE RETRATANDO O CASAMENTO
DE NAPOLEÃO BONAPARTE EM 1810, HEINRICH REINHOLD (1788 -
1825)………………………………………………………………………………………...47
FIGURA 4.5 - PROJETO DE UM MUSEU IDEAL ELABORADO EM 1783 POR
ÉTIENNE-LOUIS BOULLÉE (1728 - 1799).....................................................……..49
FIGURA 4.6 - A GLIPTOTECA EM MUNIQUE. PROJETO DE 1830 DE LEO VON
KLENZE (1784-1864).......................................................................................……..51
FIGURA 4.7 - PLANTA DA GLIPTOTECA EM MUNIQUE. PROJETO DE 1830 DE
LEO VON KLENZE (1784-1864)......................................................................……..51
FIGURA 4.8 - O MUSEU DE CRESCIMENTO ILIMITADO DE LE CORBUSIER
(1887-1965) DE 1939.......................................................................................……..53
FIGURA 4.9 - PLANTA BAIXA DO MUSEU PARA UMA PEQUENA CIDADE, MIES
VAN DER ROHE (1886 - 1969), 1942…………………………………………………...54
FIGURA 4.10 - PERSPECTIVA DO MUSEU PARA UMA PEQUENA CIDADE, MIES
VAN DER ROHE (1886 - 1969), 1942…………………………………………………...55
FIGURA 4.11 - MUSEU GUGGENHEIM DE NOVA YORK, FRANK LLOYD
WRIGHT (1867 - 1959), 1959………………………..…………………………………...56
FIGURA 4.12 - CORTE DO MUSEU GUGGENHEIM DE NOVA YORK, FRANK
LLOYD WRIGHT (1867 - 1959), 1959…………………………………………………...57
FIGURA 4.13 - BOÎTE EN VALISE OU MUSEU PORTÁTIL DE MARCEL DUCHAMP
(1887 - 1968), 1941………………..……………………………………………………....58
FIGURA 4.14 - MUSEU DE ARTE MODERNA DE LOUISIANA, DINAMARCA, 1958,
PROJETO DE VILHELM WOHLERT (1920 - 2007) E JORGEN BO (1919 -
1999………………..……………………………………………………………………......59
FIGURA 4.15 - NEUE STAATSGALERIE, STUTTGART, ALEMANHA, 1984,
PROJETO DE JAMES STIRLING (1926 - 1992) E MICHAEL WILFORD
(1938)………………..………………………………………………………………….......61
FIGURA 4.16 - MUSEU GUGGENHEIM DE BILBAO, FRANK GEHRY (1929 - ),
1997………………………………………………………………………………………....62
FIGURA 4.17 - MUSEU DO SÉCULO XXI DE ARTE CONTEMPORÂNEA,
KANAZAWA, JAPÃO. SANAA, 2004…………………………………………………….64
FIGURA 4.18 - MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO, 1908 -
1937, PROJETO DE MORALES DE LOS RIOS (1858 - 1929).................................67
FIGURA 4.19 - MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO, AFFONSO
EDUARDO REIDY (1909 - 1964), 1954…………………………………………………68
FIGURA 4.20 - CORTE ESQUEMÁTICO DO MUSEU DE ARTE MODERNA DO
RIO DE JANEIRO, AFFONSO EDUARDO REIDY (1909 - 1964), 1954…………….68
FIGURA 4.21 - MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO, LINA BO BARDI (1914 - 1992),
1968……………………………………………………………………………………….....69
FIGURA 4.22 - INTERIOR DO MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO, LINA BO BARDI
(1914 - 1992), 1968………………………………………………………………………...70
FIGURA 4.23 - MUSEU BRASILEIRO DE ESCULTURA, SÃO PAULO, PAULO
MENDES DA ROCHA (1928 - 2021), 1987-1995………………………………………71
FIGURA 4.24 - MUSEU OSCAR NIEMEYER, CURITIBA, 2002, OSCAR NIEMEYER
(1907 - 2012)..............................................................................................................72
FIGURA 5.1 - CENTRO GALEGO DE ARTE CONTEMPORÂNEA (1988-1993), DE
ÁLVARO SIZA (1933 - ), SANTIAGO DE COMPOSTELA, ESPANHA, 1993……….77
FIGURA 5.2 - KUNSTHAUS, BREGENZ, ÁUSTRIA (1990-1997), PETER ZUMTHOR
(1943 - )......................................................................................................................79
FIGURA 5.3 - EDIFÍCIO DO MUSEU MEMORIAL DE TEREZÍN, REPÚBLICA
TCHECA, INAUGURADO EM 1947……………………………………………………...89
FIGURA 5.4 - EDIFÍCIO DO MUSEU CASA ANNE FRANK, AMSTERDAM, PAÍSES
BAIXOS……………………………………………………………………………………...90
FIGURA 5.5 - LUGAR DA MEMÓRIA, TOLERÂNCIA E INCLUSÃO, EM LIMA, NO
PERU, 2015…………………………………………………………………………………93
FIGURA 5.6 - VISTA LATERAL DO LUGAR DA MEMÓRIA, TOLERÂNCIA E
INCLUSÃO, EM LIMA, NO PERU, 2015………………………………………………...94
FIGURA 5.7 - MUSEU MEMÓRIA E TOLERÂNCIA, CIDADE DO MÉXICO, 2010..95
FIGURA 5.8 - INTERIOR DO MUSEU MEMÓRIA E TOLERÂNCIA, CIDADE DO
MÉXICO, 2010……………………………………………………………………………...96
FIGURA 6.1 - MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM
SANTIAGO, NO CHILE, 2010…………………………………………………………….97
FIGURA 6.2 - EQUIPAMENTOS NOS ARREDORES DO MUSEU DA MEMÓRIA E
DOS DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010……………………..99
FIGURA 6.3 - IMPLANTAÇÃO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS
HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010………………..……………………….99
FIGURA 6.4 - VISTA FRONTAL DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS
HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010…………..…………………………...100
FIGURA 6.5 - ESQUEMA DO SISTEMA ESTRUTURAL DO MUSEU DA MEMÓRIA
E DOS DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010………………...102
FIGURA 6.6 - CORTE LONGITUDINAL DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010…………..……………...102
FIGURA 6.7 - VISTA INTERNA DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS
HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010…………………………………..…...103
FIGURA 6.8 - PLANTAS SETORIZADAS DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010………..………………...104
FIGURA 6.9 - ESPAÇO INTERNO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS
HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010…………..…………………………...105
FIGURA 6.10 - PRAÇA DA MEMÓRIA, PARTE DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010………..………………...106
FIGURA 6.11 - ACESSOS E CIRCULAÇÃO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010..………………………...107
FIGURA 6.12 - ENTRADA DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS
HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010……………………………..………...107
FIGURA 6.13 - APRESENTAÇÃO DE TEATRO NO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2020…..……………………...108
FIGURA 6.14 - MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO PAULO, BRASIL, 2009…....109
FIGURA 6.15 - PLANTA ESQUEMÁTICA DO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO
PAULO, BRASIL, 2009…………………………………………………………………...112
FIGURA 6.16 - SEGUNDO MÓDULO EXPOSITIVO DO MUSEU DA RESISTÊNCIA
EM SÃO PAULO, BRASIL, 2009…………………...…………………………………...113
FIGURA 6.17 - ÁREA DO BANHO DE SOL NO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM
SÃO PAULO, BRASIL, 2009…………………………..………………………………...114
FIGURA 6.18 - CELA RECOMPOSTA NO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO
PAULO, BRASIL, 2009………….…………………………………………………….....114
FIGURA 6.19 - EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA NO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM
SÃO PAULO, BRASIL, REALIZADA NO ANO DE 2017……………………………...116
FIGURA 6.20 - CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ,
COLÔMBIA, 2012………………………………….……………………………………...117
FIGURA 6.21 - IMPLANTAÇÃO DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E
RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012………………..…………………...118
FIGURA 6.22 - MEMORIAL DA VIDA NO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E
RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012……..……………………………...119
FIGURA 6.23 - ESPAÇO INTERNO DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E
RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012…….……………………………...120
FIGURA 6.24 - PÁTIO DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO,
BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012…………………….……………………………………...121
FIGURA 6.25 - PLANTA DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO,
BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012…………………………..…..…………………………...121
FIGURA 6.26 - AÇÃO SIMBÓLICA DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E
RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012.…………………………………...122
FIGURA 6.27 - COMPARAÇÃO ENTRE O CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E
RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012 E O MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010..………………………...124
FIGURA 6.28 - PLANTA COM DESTAQUE ÀS ÁREAS EXPOSITIVAS E
EDUCACIONAIS DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ,
COLÔMBIA, 2012………………………………………………………………………...126
FIGURA 7.1 - DIAGRAMA PROGRAMÁTICO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, 2010……………………………………………………………127
FIGURA 7.2 - DIAGRAMAS DAS EXPOSIÇÕES DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS
DIREITOS HUMANOS, 2010……………………………………………………………132
FIGURA 7.3 - PLANTA DO SUBSOLO DEMARCADA COM OS USOS DE CADA
AMBIENTE NO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, 2010……133
FIGURA 7.4 - FUNDAÇÃO MAEGHT, SERT, JACKSON E ASSOCIADOS,
SAINT-PAUL-DE-VENCE, FRANÇA 1964……………………………………………..136
FIGURA 7.5 - ILUMINAÇÃO ZENITAL DO MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO
DE JANEIRO, EDUARDO AFFONSO REIDY, 1954………………………………….136
FIGURA 7.6 - FORMAS DE ILUMINAR UMA EXPOSIÇÃO MUSEOLÓGICA
(FIGURAS 1,2,3 E 4, RESPECTIVAMENTE, DO TRECHO ACIMA)......................138
FIGURA 8.1 - MAPA RELATIVO AOS MUSEUS PRESENTES EM CURITIBA EM
2018……………………………………………………………………………….............141
FIGURA 8.2 - MUSEU DO HOLOCAUSTO EM CURITIBA, 2011………................143
FIGURA 8.3 - ANTIGA SEDE DO DOPS EM CURITIBA, 2014………………........145
FIGURA 8.4 - MAPA DOS LOCAIS DE REPRESSÃO E RESISTÊNCIA À
DITADURA EM CURITIBA, 2019…………………………………………...................146
FIGURA 8.5 - MANIFESTAÇÃO EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA PRAÇA SANTOS
ANDRADE, CURITIBA, 2019…………………………………………………..............147
FIGURA 8.6 - CONTEXTO URBANO DO TERRENO ESCOLHIDO…...................150
FIGURA 8.7 - FIGURA 8.7: ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO
ESCOLHIDO……………………………………………………………………...............151
FIGURA 8.8 - DISTRIBUIÇÃO DE USOS NO TERRENO ATUALMENTE..............151
FIGURA 8.9 - MAPA ALTIMÉTRICO DO ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO
ESCOLHIDO…………………………………………………………………..................153
FIGURA 8.10 - ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO SOB UMA VISTA AÉREA..153
FIGURA 8.11 - VISTA DA PRAÇA PARA A FACHADA DA RUA ALFREDO
BUFREN...................................................................................................................154
FIGURA 8.12 - VISTA DA FACHADA DA RUA ALFREDO BUFREN PARA PRAÇA
SANTOS ANDRADE…………………………………………………………….............155
FIGURA 8.13 - VISTA DA PRAÇA PARA A FACHADA DA RUA ALFREDO BUFREN
E TERRENO VIZINHO.............................................................................................155
FIGURA 8.14 - VISTA DA PARA A FACHADA DA RUA 13 DE MAIO….................156
FIGURA 8.15 - VISTA DA PARA A FACHADA DA RUA 13 DE MAIO. GALPÃO QUE
ABRIGA HOJE UM ESTACIONAMENTO………………………………….................156
FIGURA 9.1 - ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO E SEUS POSSÍVEIS
ACESSOS.………………………………………………………………………………...158
LISTA DE TABELAS

TABELA 7.1 - PROGRAMA E ÁREAS APROXIMADAS DO MUSEU DOS


DIREITOS HUMANOS DO CHILE, 2010………………………………………………129
TABELA 7.2 - FUNÇÕES E SUAS ÁREAS APROXIMADAS NO MUSEU DOS
DIREITOS HUMANOS DO CHILE, 2010………………………………………………131
TABELA 9.1 - PROGRAMA E ÁREAS APROXIMADAS PARA O MUSEU DOS
DIREITOS HUMANOS DE CURITIBA………………………………………………….161
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 17

2. A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS 20


2.1. O aspecto histórico dos Direitos Humanos: panorama internacional 20
2.1.1. A criação da Organização das Nações Unidas 20
2.1.2. A redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) 21
2.1.3. O aspecto jurídico da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH) 25
2.1.4. A concepção contemporânea e o ativismo pelos Direitos Humanos 28
2.2. O panorama brasileiro acerca dos Direitos Humanos 30
2.2.1. As violações históricas do Brasil contra os Direitos Humanos 30
2.2.2. Os Direitos Humanos no Brasil 32
2.2.3. O ativismo brasileiro em prol dos Direitos Humanos 35
3. DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E ARQUITETURA 37
4. O MUSEU NO DECORRER DA HISTÓRIA 41
4.1. As origens do museu 41
4.2. Museus: da Renascença ao século XIX 43
4.3. Museus: do modernismo à era contemporânea 52
4.3.1. As revoluções modernistas na arquitetura de museu 52
4.3.2. As novas concepções acerca dos museus 58
4.4. Museus no Brasil 64
4.4.1. Contextualização 64
4.4.2. Museus no Brasil no século XIX 65
4.4.3. Museus no Brasil no século XX e XXI 66
5. O PAPEL URBANO E SOCIAL DO MUSEU 73
5.1. Conceituação 73
5.2. O papel urbano do Museu 73
5.3. O papel social e democrático do Museu 80
5.3.1. As novas definições museológicas 81
5.3.2. A museologia social 83
5.4. Museus de memória traumática 88
6. ESTUDO DE CORRELATOS 97
6.1. Museu da Memória e dos Direitos Humanos, Santiago, Chile 97
6.2. Memorial da Resistência, São Paulo, Brasil 109
6.3. Centro de Memória, Paz e Reconciliação, Bogotá, Colômbia 117
6.4. Análise comparativa entre os correlatos 123
7. ASPECTOS DA ARQUITETURA DE MUSEUS DE MEMÓRIA TRAUMÁTICA 127
7.1. Programa de Necessidades e linguagem técnica 127
7.2. Aspectos do conforto ambiental na arquitetura de museus 133
7.2.1. Ventilação 133
7.2.2. Iluminação 135
8. INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE 140
8.1. A cidade de Curitiba 140
8.1.1. A relação da cidade com a política cultural e com os museus 140
8.1.2. Um museu de memória traumática em Curitiba 143
8.1.3. A relação da cidade com os Direitos Humanos e com a democracia 144
8.2. A escolha de sítio 149
8.3. O contexto físico-territorial do terreno escolhido 150
9. O PROJETO 157
9.1. A proposta 157
9.2. Aspectos funcionais e programáticos 159
9.2.1. Programa de necessidades prévio e setorização 159
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS 162
11. REFERÊNCIAS 164
17

1. INTRODUÇÃO

A memória é um objeto falho. Sem seu exercício constante, é natural que


desapareça da consciência. E, deve-se dizer, que a memória não está presente
apenas na consciência individual; a memória é uma instância coletiva. A sociedade
precisa rememorar e aprender com seus traumas, para assim, obter a força
necessária para evitar que voltem a ocorrer.
A Humanidade por séculos tenta determinar quais são seus direitos
fundamentais, quais são as condições mínimas e universais que todo ser humano
deve ter acesso para uma vida considerada minimamente digna. É apenas com um
grande histórico de lutas, de violações e de sacrifícios por estes direitos, que há
pouco mais de 70 anos a sociedade global foi capaz de se reunir para
estabelecê-los, prezando-se por um exercício social coletivo pautado nos valores
universais da liberdade, da igualdade e da fraternidade entre as pessoas. Ainda há,
porém, um longo e tortuoso caminho que a sociedade deve percorrer para alcançar
a plenitude universal desses direitos; é perceptível que o mundo ainda se reconhece
como um espaço de violências sistematizadas e de falta de esperança.
É urgente para uma sociedade, portanto, a construção de marcos que
promovam o exercício da lembrança, espaços que sejam simbólicos e reflexivos
acerca das responsabilidades humanas da proteção da dignidade de vida.
O presente trabalho tem o objetivo de apresentar as bases investigativas para
o posterior exercício projetual de um Museu dos Direitos Humanos na cidade de
Curitiba. Para isso, inicia uma discussão teórica acerca dos diversos temas que
inflingem na concepção do museu, em seu desejo de ser um espaço representativo
das lutas universais pela garantia de dignidade humana, começando pela
compreensão dos fatores históricos e políticos que cercam os direitos humanos,
buscando entender, sobretudo, as questões que implicam na urgência do seu
resguardo em um espaço físico.
Entende-se que democracia é um sistema político indissociável da ideia dos
Direitos Humanos Universais, são entidades que se retroalimentam: o exercício
pleno da democracia não existe sem o amplo respeito aos direitos humanos, e os
direitos humanos não podem ter a garantia de sua proteção senão por um regime
democrático. A construção intelectual de um Museu dos Direitos Humanos há de ser
18

ancorada, portanto, na égide democrática: o museu, por ser um espaço de memória


dedicado às citadas lutas sociais por dignidade, deve ser um palco físico e simbólico
para a pluralidade de vozes, um espaço democrático por excelência. Pretende-se, a
partir desse entendimento prévio, analisar as relações específicas que se
estabelecem entre os Direitos Humanos Universais e os conceitos democráticos,
para, em seguida, compreender como estas materializam-se na arquitetura e no
espaço público.
O futuro exercício projetual de um museu incide diretamente na necessidade
de entender a construção dessas instituições através da história. Estudar a evolução
tipológica dos museus tem o intuito de compreender sua trajetória histórica até se
transformarem em equipamentos urbanos complexos e multifuncionais na
contemporaneidade, além de palcos para a construção de narrativas representativas
que os tornam símbolos de uma cultura. Buscam-se as evidências da evolução dos
museus para além do simples caráter de colecionismo de objetos.
Ponto importante na discussão teórica deste trabalho é o estudo dos papéis
sociais e urbanos desempenhados pelos museus. Ele é ancorado no caráter de
símbolo urbano que o museu adquire, em que seu espaço passa a ser o meio pelo
qual grupos sociais historicamente marginalizados, ou narrativas negligenciadas,
encontram para erguer suas vozes e expor suas mazelas. Os museus cumprem ,
desta forma, a responsabilidade social de se tornarem espaços acessíveis e
universais, representando a pluralidade da sociedade e exercendo, assim, um papel
relevante para a democracia.
Para aprofundar a compreensão das complexidades impostas pelos museus,
em especial pelos museus de memória traumática, pretende-se analisar três obras
que reverberam as intenções projetuais e simbólicas do projeto a ser realizado
posteriormente pelo autor. Aspectos como o contexto político e social, as estratégias
projetuais e as técnicas construtivas fazem-se importantes para a construção do
repertório específico. Serão analisados o Museu da Memória e dos Direitos
Humanos, em Santiago, no Chile, o Memorial da Resistência de São Paulo e o
Centro de Memória, Paz e Reconciliação de Bogotá, na Colômbia.
A caminho da conclusão, faz-se necessária a análise de caráter técnico dos
museus de memória traumática, buscando estudar suas especificidades
programáticas e os aspectos ambientais que cercam sua arquitetura, reforçando o
repertório supracitado, necessário para o posterior desenvolvimento projetual.
19

Por fim, caberá a análise das condições contextuais da cidade de Curitiba e


da região escolhida para o projeto, compreendendo o histórico urbano de relação
com os Direitos Humanos e com a democracia, assim como as condições
físico-territoriais que implicarão de forma direta no exercício projetual. O capítulo em
questão servirá como uma base para a escolha apropriada de um local de
implantação, representativo da ideia democrática pela população.
20

2. A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS

2.1. O aspecto histórico dos Direitos Humanos: panorama internacional

A base do que se conhece como Humanidade se dá por uma relação mútua


que se cria entre semelhanças e diferenças. Aquilo que a une como sociedade
global, o que seria uma semelhança inata, pode ser o simples fato de todos
indivíduos serem de uma mesma espécie, seres instintivamente sociáveis;
invariavelmente, a Humanidade depende das relações que cria com si mesma para
sobreviver, e essa dependência se dá - ou deveria se dar - em múltiplas escalas. As
diferenças, por outro lado, são o que criam as múltiplas identidades, sejam elas
coletivas ou particulares, são o que fazem o ser humano se reconhecer perante ao
mundo. Não é preciso retroceder muito na História, porém, para observar que a
sociedade tem enorme dificuldade para aceitar diferenças: são inúmeros os trágicos
casos em que o ser humano mostrou parecer ser fácil violar a humanidade do
próximo, em não reconhecer neste um semelhante digno. Em uma sociedade
traumatizada, portanto, tenta-se repetidamente delimitar parâmetros básicos que
definam o que seriam valores e direitos invioláveis pertencentes a todo membro da
sociedade (COMPARATO, 1999).

2.1.1. A criação da Organização das Nações Unidas

Talvez um dos maiores traumas da história da Humanidade tenha sido o


conflito da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e todas as crises globais que o têm
como raiz. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se
que as batalhas ceifaram a vida de aproximadamente 60 milhões de pessoas, sendo
destas, 40 milhões de civis e 20 milhões de militares. Inclui-se também neste triste
número a morte de 6 milhões de judeus e ainda milhões de mortos, não
precisamente contabilIzados, de outros grupos perseguidos deliberadamente pela
máquina de guerra nazista, como ciganos, homossexuais, comunistas, pessoas com
algum tipo de deficiência, prisioneiros soviéticos de guerra, poloneses e
Testemunhas de Jeová, naquele que se tornou o maior genocídio da história do
século XX (Nações Unidas, 2021).
21

É diante desse cenário de horror e destruição que as nações vencedoras da


Guerra, lideradas especialmente pelos Estados Unidos, unem-se para criar uma
organização que teria como premissa essencial promover a cooperação mundial em
busca do progresso humanitário e da paz mundial de forma duradoura, de modo que
não se repetissem eventos traumáticos similares aos passados. É a partir do mês de
abril de 1945 que 50 países se reúnem em São Francisco, nos Estados Unidos, para
a elaboração da Carta das Nações Unidas, que se tornaria o primeiro passo para a
criação desta organização intergovernamental; surge assim, portanto, a Organização
das Nações Unidas (ONU), estabelecida oficialmente no dia 24 de Outubro de 1945
(HUNT, 2007).
A ONU representa, na verdade, uma segunda tentativa de criação de
instituição internacional que congregasse os governos de todo o globo em prol de
deliberar e promover ações conjuntas: em 1919, um ano após o término da Primeira
Guerra Mundial, houve a criação de um órgão que serviria de intermediário entre os
países para o estabelecimento de acordos de paz, no que se denominaria Liga das
Nações. A expansão dos governos fascistas na Europa e a conseguinte eclosão da
Segunda Guerra Mundial, no entanto, acabaram por tornar a instituição um fracasso.

2.1.2. A redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)

Visando a máxima do anteriormente citado progresso humanitário, a ONU


redige em 1948 uma cartilha de caráter universal que estabelece direitos essenciais
a todo e qualquer ser humano: a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH). Já era da vontade das Nações Unidas, quando redigida a Carta de 1945,
que a organização a ser criada fosse um bastião da defesa dos Direitos Humanos,
ainda que sem delimitá-los de forma propriamente dita (HUNT, 2007).
É fato que a Humanidade há milênios tenta estabelecer quais seriam os
direitos fundamentais pertencentes a todos os indivíduos: a escritura mais antiga
que se tem notícia do que seria considerada uma declaração compilada de Direitos
Humanos é o Cilindro de Ciro, datada do século VI antes de Cristo. O documento
narra a conquista da Babilônia pelo rei do império Persa Ciro II, onde o monarca
teria abolido a escravatura e promovido a liberdade religiosa, estabelecendo direitos,
22

portanto, apontados como inovadores, considerando a época em que foram


promulgados.
O decorrer da História, desde então, possui uma série de marcos
representados por documentos que mostram um avanço paulatino da sociedade
global em busca da definição do que seriam esses direitos básicos do ser humano,
elencando alguns deles: há a Magna Carta de 1215 e a Carta de Direitos de 1689,
que serviram para limitar os poderes monárquicos ingleses e para abrir espaço para
o ressurgimento de ideais democráticos, por exemplo. As duas declarações da Idade
Moderna, que talvez tenham sido as mais impactantes em influenciar a concepção
contemporânea de Direitos Humanos, foram a Declaração de Direitos da Virgínia, de
1776, atrelada ao contexto da independência estadunidense e a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, atrelada ao contexto da Revolução
Francesa. A partir da influência direta dos filósofos do Iluminismo, as declarações
são as primeiras a estabelecerem como pilar central a defesa da liberdade individual
do ser humano, abrindo campo, assim, para a determinação das primeiras ideias de
direitos sociais e econômicos tidos como naturais e inerentes a todo membro da
sociedade (HUNT, 2007).
É importante ressaltar que a delimitação de que os Direitos Humanos
universais seriam como uma herança que todos recebem ou deveriam receber de
forma simplesmente natural é lida na contemporaneidade como uma ideia de certa
forma obsoleta, já que, como se percebe, com uma análise histórica da sociedade,
os Direitos Humanos são, na verdade, um fato histórico: uma conquista social
importantíssima resultante de milênios de lutas contra os mais diversos abusos,
portanto, essencialmente atrelados à concepção que se construiu do que se
considera digno para a condição de vida humana. Em “Sapiens - Uma Breve História
da Humanidade” (2011) o escritor israelense Yuval Harari reforça esta visão
descrevendo o conceito de Direitos Humanos, assim como todo e qualquer conceito
humano, como parte de uma realidade imaginada construída coletivamente.
Segundo Harari (2011, p.37):

Ao contrário da mentira, uma realidade imaginada é algo em que todo mundo


acredita e, enquanto essa crença partilhada persiste, a realidade imaginada
exerce influência no mundo. O escultor da caverna de Stadel pode ter
acreditado sinceramente na existência do espírito guardião do homem-leão.
23

Alguns feiticeiros são charlatães, mas a maioria acredita sinceramente na


existência de deuses e demônios. A maioria dos milionários acredita
sinceramente na existência do dinheiro e das empresas de responsabilidade
limitada. A maioria dos ativistas dos Direitos Humanos acredita sinceramente
na existência de Direitos Humanos. Ninguém estava mentindo quando, em
2011, a ONU exigiu que o governo líbio respeitasse os Direitos Humanos de
seus cidadãos, embora a ONU, a Líbia e os Direitos Humanos sejam todos
produtos de nossa fértil imaginação.

O fato de os Direitos Humanos universais serem fruto de uma aquisição social


histórica custosa ao invés de serem partes naturais do ser humano, como eram
entendidos por parte dos filósofos iluministas, de forma alguma lhes retira
legitimidade (BOBBIO, 1992). É com os traumas, já comentados anteriormente, de
um mundo que em menos de meio século passou por dois conflitos de escala global
que ceifaram milhões de vida, que as lideranças globais estabelecem que o
compromisso pelo respeito e pela defesa do direito de todo ser humano possuir uma
vida digna é o único meio pelo qual a humanidade como um todo pode almejar um
dia viver, enfim, em paz. Sendo assim, a partir do ano de 1946 o Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) delibera a criação de um órgão
interno da ONU que seria responsável pela vigia dos Direitos Humanos ao redor do
globo, a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (CNUDH) que, por
sua vez, cria em 1947 um comitê interno especial responsável pela redação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), presidido por Eleanor
Roosevelt (1884 - 1962) (FIGURA 2.1). Em 10 de dezembro de 1948, em uma
reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas, o texto é ratificado com uma
votação unânime, contando apenas com abstenções dos países do bloco soviético
(HUNT, 2007).
O escopo do documento é baseado em uma suma de três princípios
máximos, a partir dos quais voltam-se todos os seus artigos: a liberdade, a
igualdade e a solidariedade ou fraternidade entre os seres humanos, em uma
influência clara e direta dos princípios da Revolução Francesa de 1789. Estes três
princípios norteadores fazem-se presentes tão logo no Artigo I da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948, p. 2):
24

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São


dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade.

FIGURA 2.1: ELEANOR ROOSEVELT SEGURANDO O TEXTO DA DUDH

FONTE: Jornal El País, 2018

A igualdade é abordada no documento como sendo um princípio que de


forma alguma nega as diferenças biológicas ou culturais, reconhecendo, nestas,
características que são inerentes à espécie humana - a declaração, inclusive,
determina que devem ser estimuladas e protegidas, visto que são nessas diferenças
essenciais que moram as construções identitárias que tornam a Humanidade, de
certa forma, especial. A cartilha se refere à igualdade de um ponto de vista, na
verdade, jurídico, uma isonomia perante a lei; estabelece-se que todos os seres
humanos são iguais em seu direito de possuir direitos iguais (COMPARATO, 1999).
Já o conceito de liberdade abarca, segundo o jurista Fábio Konder Comparato
em “A afirmação Histórica dos Direitos Humanos” (1999), tanto o sentido da palavra
em uma perspectiva política quanto individual, entendo-as como complementares e
interdependentes. Segundo Comparato (1999, p. 242):
25

A liberdade política, sem as liberdades individuais, não passa de engodo


demagógico de Estados autoritários ou totalitários. E o reconhecimento das
liberdades individuais, sem efetiva participação política do povo no governo,
mal esconde a dominação oligárquica dos mais ricos.

No que se refere ao princípio da solidariedade, a Declaração dos Direitos


Humanos Universais de 1948 o aplica na base de direitos econômicos e sociais,
estabelecendo que há um compromisso necessário na proteção de grupos sociais
excluídos ou que se encontram em situação de vulnerabilidade. A afirmação deste
necessário resguardo se encontra, por exemplo, no artigo XXII do documento (1948
pg. 5):

Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à seguridade social e


à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de
acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos
econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre
desenvolvimento de sua personalidade.

2.1.3. O aspecto jurídico da Declaração Universal dos Direitos Humanos


(DUDH)

A aplicação prática dos Direitos Humanos universais é um ponto que se viu


através da história recente como problemático: desde que o documento foi ratificado,
em 1948, atrocidades não imediatamente deixaram de ocorrer e, ainda, quem as
cometeu não necessariamente foi julgado da forma adequada. Eis o porquê: a ONU
foi criada inicialmente em 1945 sendo composta por 51 países e quando a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi estabelecida, três anos
depois, a organização contava com 56 membros. Hoje, todos os 193 estados do
mundo - todos que são internacionalmente reconhecidos - são membros das Nações
Unidas. É uma premissa inicial para a entrada de um país na ONU que ele se torne
um signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e, portanto,
seja comprometido com seu resguardo. O fato é que a cartilha não é um documento
mandatório, ela funciona mais em um sentido de recomendação.
A ideia original da ONU, ao estabelecer a declaração, era que ela
funcionasse em conjunto com outros mecanismos que garantissem a sua aplicação.
26

Imaginou-se que o caminho até um sistema consolidado de proteção aos Direitos


Humanos se daria por três etapas: a primeira foi a que se deu em 1948, a redação
da declaração, que tinha o intuito de ser um guia no qual as próximas etapas se
baseariam para a defesa dos preceitos por ela estabelecidos (COMPARATO, 1999).
A segunda etapa se daria com a produção de documentos complementares
que possuíssem valor jurídico mais vinculante. A conclusão desta segunda etapa só
se deu por completa quase 20 anos após a ratificação da cartilha, no ano de 1966,
quando as Nações Unidas aprovaram a criação de dois pactos: o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Ambos os pactos se tornaram
um avanço na consolidação do combate às violações globais dos Direitos Humanos
com a criação dos primeiros mecanismos de seu monitoramento. A verdadeira
adesão dos países aos pactos, porém, é um empecilho para a sua real efetivação:
eles só entraram em vigor em 1976, quando se conseguiram as mínimas 35
assinaturas necessárias; desde então mais Estados os aderiram, sem alcançar,
entretanto, a mesma aceitação da declaração de 1948, além do fato de que há
grandes países de influência internacional que são signatários, mas que não os
ratificaram: é o caso da China em relação ao PIDCP e dos Estados Unidos em
relação ao PIDESC (COMPARATO, 1999).
A terceira etapa, por sua vez, se dá por concluída apenas em fins da década
de 1990. Em 1998 é realizada em Roma uma convenção atrelada à ONU pela qual é
aprovada a criação de um tribunal de caráter global em que estados e indivíduos
poderiam ser julgados por crimes de violação contra os princípios estabelecidos na
DUDH e nos tratados posteriores. Cria-se assim o Tribunal Penal Internacional (TPI),
com sede em Haia, nos Países Baixos, o qual começa a funcionar a partir do ano de
2002. A resolução que criou o tribunal foi aprovada com 120 votos a favor, 21
abstenções e 7 votos contrários (da China, Estados Unidos, Filipinas, Índia, Israel,
Sri Lanka e Turquia) (LEWANDOWSKI, 2002). A ação do Tribunal Penal
Internacional (TPI) segue um princípio fundamental: ela só se dá em casos de
“falência das instituições nacionais”, ou seja, como explica o jurista Enrique Ricardo
Lewandowski em “O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade
para uma cultura de responsabilidade”, trecho da revista da USP “Estudos
Avançados” (2002, p.192):
27

(...) a Corte somente atua se o Estado que tem jurisdição sobre determinado
caso não iniciou o devido processo ou, se o fez, agiu com o intuito de subtrair
o acusado à justiça ou de mitigar-lhe a sanção. Este postulado, à primeira
vista, parece chocar-se com os fins colimados no Tratado de Roma, mas
justifica-se porque compete em primeiro lugar aos Estados o dever de
reprimir os crimes capitulados no Estatuto do Tribunal, até para que a
repressão se faça de modo mais eficaz.

Até então, o recurso mais avançado que se aproximaria dessa terceira etapa
seria a possibilidade de elaborar um processo de reclamação frente à Comissão de
Direitos Humanos das Nações Unidas em caso de uma denúncia de violação,
mecanismo este ligado ao PIDCP (COMPARATO, 1999).
Com o sentido abrangente que carrega a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), fez-se necessária uma constante reafirmação de suas
premissas; nesse sentido, desde 1948 as Nações Unidas organizaram uma série de
convenções e tratados que especificassem as noções de humanidade previstas.
Houve, como exemplo: a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial em 1965, a Convenção Sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher em 1979, a Convenção contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes em
1984 e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança em 1989.
(COMPARATO, 1999).
É importante frisar que o resguardo aos Direitos Humanos é um processo que
se encontra permanentemente em construção: a cartilha hoje, atrelada também aos
pactos e as convenções que se seguiram posteriormente, serviu antes de tudo como
um mecanismo de pressão diplomática.
Entende-se que o tópico dos Direitos Humanos possui para as Nações
Unidas uma tendência de que a sua aplicação se dê também de forma mais
pulverizada, ou seja, que organizações menores e que os próprios Estados apliquem
seus princípios em suas legislações. Um dos exemplos mais notáveis é a Corte
Interamericana dos Direitos Humanos. O órgão está ligado diretamente à
Organização dos Estados Americanos (OEA), instituição internacional criada em
1948 com o objetivo principal de promover a cooperação entre todos os 35 estados
do continente. A OEA, em 1969, estabelece um documento que visa oficializar
concepções acerca de respeito à dignidade humana: a Convenção Americana de
28

Direitos Humanos, escrita segundo moldes parecidos com a declaração da ONU de


1948. Em uma tentativa de assegurar a vigência dos preceitos estabelecidos pela
convenção, a organização estabelece em 1979 a Corte Interamericana dos Direitos
Humanos, que possui funções consultivas e jurisdicionais, ou seja, funciona tanto
para a emissão de pareceres, os quais reforçam as corretas interpretações dos
conceitos estabelecidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos quando
necessário em um caso de violação, quanto com o julgamento propriamente dito de
casos de violações aos Direitos Humanos, levando em consideração que a corte não
pode julgar e condenar pessoas de forma isolada, apenas Estados (RAMOS, 2002).

2.1.4. A concepção contemporânea e o ativismo pelos Direitos Humanos

Um ponto que caracteriza a concepção contemporânea dos Direitos Humanos


é a necessidade de sua frequente atualização. Como discutido anteriormente, os
Direitos Humanos, por mais fundamentais que sejam, são fruto de um processo
histórico envolvendo uma série de lutas em busca de condições mais dignas de vida
para o ser humano e, à medida que a Humanidade avança no tempo, novas
demandas sociais surgem, portanto, encaixá-las aos Direitos Humanos é uma
necessidade, uma revisão que mira a concepção de dignidade humana para o futuro
(BOBBIO, 1992).
De acordo com o filósofo italiano Norberto Bobbio (1909 - 2004), baseado na
teoria inicial do jurista checo Karel Vasak (1929 - 2015), as fundamentações
históricas dos Direitos Humanos são respostas aos seus contextos sociais e
temporais. Nascem de acordo com a compreensão social momentânea do que
seriam as questões mais emergentes à dignidade da vida humana. Divide-se,
portanto, a construção da ideia dos direitos humanos em quatro gerações
fundamentais. Segundo o filósofo Samuel Antonio Merbach de Oliveira em seu artigo
“Norberto Bobbio: teoria politica e Direitos Humanos” de 2007:
:
1ª Geração: Direitos Individuais – pressupõem a igualdade formal perante a
lei e consideram o sujeito abstratamente; 2ª Geração: Direitos Coletivos – os
direitos sociais, nos quais o sujeito de direito é visto no contexto social, ou
seja, analisado em uma situação concreta; 3ª Geração: Direitos dos Povos
ou os Direitos de Solidariedade: os direitos transindividuais, também
chamados direitos coletivos e difusos, e que basicamente compreendem os
29

direitos do consumidor e os relacionados à questão ecológica; 4ª Geração:


Direitos de Manipulação Genética – relacionados à biotecnologia e
bioengenharia, tratam de questões sobre a vida e a morte e requerem uma
discussão ética prévia (OLIVEIRA, 2007, p.364).

Como posto anteriormente, os princípios estabelecidos pela DUDH de 1948


têm caráter amplo e necessitam constantemente de reafirmações, assim, ao
considerar principalmente os grupos sociais historicamente excluídos que possuem,
portanto, mais dificuldade social de acesso aos direitos universais, as conferências
que serviram para especificar a proteção especial necessária a estes determinados
grupos tiveram papel importantíssimo na abertura de campo para uma atuação mais
pulverizada dos ativistas dos Direitos Humanos no mundo contemporâneo, que por
sua vez, atuam nas mais diversas frentes para tentar suprir essas injustiças sociais.
Há, por exemplo, diversos grupos ativistas ou organizações não
governamentais (ONGs) que agem com veemência na defesa de populações LGBT
(lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), atuando principalmente para a mudança
de um preconceito, que é tamanho, que se escancara no triste fato de que ainda há
países onde a simples existência de um indivíduo deste grupo é considerada um
crime. Na ONU, a questão LGBT só passou a ser discutida em meados dos anos
1980, quando o vírus do HIV começou a causar epidemias ao redor do globo. A
concepção dos direitos das pessoas do grupo LGBT atrelada aos Direitos Humanos
só começa a ser conjunta nas reuniões das Nações Unidas a partir dos anos 1990.
Em uma agenda que enfrenta ainda resistência de países que possuem governos e
sociedades muito conservadoras para a resolução de um tratado aos moldes dos já
citados anteriormente, diversos grupos ativistas criaram a campanha “Livres e
Iguais”, que passa a ser ponto chave de luta pela conscientização destes grupos
mais conservadores das Nações Unidas pelo direito de dignidade necessário aos
grupos LGBT (NAGAMINE, 2019).
Pode-se considerar que há uma tendência progressista na atuação ativista
dos Direitos Humanos atual, reconhecendo que para se alcançar uma sociedade
que promova uma vida mais digna a todos, é necessária uma eterna revisão dos
conceitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
(liberdade, igualdade e fraternidade), entendendo, portanto, que esses conceitos
amplos necessitam de uma atuação mais específica para que os grupos sociais que
30

mais sofreram historicamente com a privação de dignidade possam, enfim,


alcançá-la; assim, poderia-se de fato almejar um mundo em paz, cumprindo a
missão fundamental das Nações Unidas.

2.2. O panorama brasileiro acerca dos Direitos Humanos

2.2.1. As violações históricas do Brasil contra os Direitos Humanos

Levando em consideração o risco de cometer algum tipo de anacronismo,


pode-se afirmar que o Brasil foi construído à base de uma violação sistêmica do que
se considera digno para a vida do ser humano.
A começar pela escravidão, um sistema abominável de trabalho que acaba
por reduzir a vida humana a uma mercadoria, retirando-lhe toda e qualquer tipo de
dignidade, que no Brasil esteve presente por mais de 300 anos, tendo início
oficialmente em 1530, quando a coroa portuguesa instaurou de fato o processo
colonial no território americano com a criação do sistema de capitanias hereditárias.
A exploração colonial sobre os recursos das terras brasileiras necessitava de um
grande contingente de força humana para se concretizar, passou-se, portanto, a
escravizar a população nativa para esse fim. O contato dos portugueses com as
populações indígenas mostrou-se devastador: tribos inteiras passaram a perecer:
seja pela manipulação de conflitos com tribos rivais para a captura de escravos
(RAMOS, 2004), seja por doenças que os europeus traziam da Europa, como a
varíola, as quais as populações originárias nunca haviam tido contato, gerando
epidemias incontroláveis, que ceifaram um número gigantesco de pessoas
(MARQUESE, 2006), seja pelo genocídio indiscriminado que se instaurou sobre as
populações indígenas. Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em
1500, quando os portugueses desembarcaram no nordeste brasileiro, estima-se que
aproximadamente 3 milhões de indígenas viviam no Brasil, em um período de 150
anos, em 1650, este número foi reduzido para 700 mil pessoas. (GUAZZELLI, 2021)
À medida que a colonização portuguesa também avançava na conquista de
terras do continente africano, especialmente durante os séculos XVII, XVIII e XIX, o
Brasil passou a se tornar o epicentro do maior movimento de tráfico humano da
história. Estima-se que 5 milhões de africanos chegaram ao Brasil para trabalhar
como escravos entre 1550 e 1855 (SCHWARCZ; GOMES, 2018), em um processo
31

que tardou a se encerrar: já desde os primeiros anos do século XVIII o império


britânico fazia pressão sobre a coroa portuguesa a fim de se cessar o tráfico intenso
existente entre a costa oeste da África e os portos brasileiros; pressão finalmente
cedida apenas em 1850 com a Lei Eusébio de Queiroz que, em detalhe, proibia
somente o tráfico de escravos provindos do continente africano, quando o comércio
interno de pessoas em situação de escravidão ainda fervia incessantemente. Ainda
seriam necessários quase 40 anos para que a abolição da escravatura se desse por
promulgada em território brasileiro, sendo o último grande país do mundo a aboli-la
com a assinatura da Lei Áurea em 1888, que pode ser considerada pífia em termos
de tratamento humanitário necessário para o resguardo de uma população que
sofreu por mais de 300 anos. A lei se resume a (Lei 3.533, 1888):

A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o


Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a
Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:

Art. 1.º: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.

Art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário. (...)

Não houve qualquer tipo de menção a um necessário amparo a uma enorme


população que, a partir de então, não possuía emprego nem moradia. Em um país
de raízes profundamente racistas, o Brasil acabava de sacramentar seu futuro como
um país de complexas desigualdades sociais.
Na entrada do século XX no Brasil era um período de continuidade de
extremas violações à dignidade humana. Houve a Guerra do Contestado, por
exemplo, ocorrida entre 1912 e 1916, em que camponeses da região entre os
estados do Paraná e Santa Catarina foram duramente reprimidos por forças do
governo em uma disputa desleal pela desapropriação de terras que a companhia
Brazilian Railway contestava. Estima-se que entre 10 e 15 mil pessoas morreram no
conflito, além de 8 mil casas terem sido dizimadas pelas forças armadas
(ABI-RAMIA, 2016).
O último golpe aos Direitos Humanos que ocorreu no Brasil antes da
assinatura da DUDH, em 1948, talvez tenha sido a instauração da ditadura de
Getúlio Vargas (1882 - 1954), em 10 de Novembro de 1937, durando até outubro de
1945, no período em que se denominou Estado Novo. O governo de Vargas, após
32

1937, foi marcado pela repressão aos partidos de esquerda, pelo flerte aos regimes
nazi-fascistas operantes na Europa dos anos 1930, pela censura a imprensa, pelo
uso indiscriminado de métodos de tortura por parte do Estado, sobretudo pela
atuação do chefe da polícia política Filinto Muller (1900 - 1973) e pelo cerceamento
da liberdade política com a extinção das eleições diretas para o cargo da presidência
da república (PANDOLFI, 2018).

2.2.2. Os Direitos Humanos no Brasil

A ligação brasileira com a instituição das Nações Unidas se dá de forma


bastante primordial. O Brasil, como uma das nações do bloco aliado da Segunda
Guerra Mundial, portanto, vencedora do conflito, faz parte do grupo de 51 países
que participaram da Conferência de São Francisco em 1945 para a elaboração da
Carta das Nações Unidas e, posteriormente, pela própria criação da Organização
das Nações Unidas.

FIGURA 2.2: BERTHA LUTZ DURANTE OS TRABALHOS DA CONFERÊNCIA DE SÃO


FRANCISCO EM 1945

FONTE: Acervo da Câmara dos Deputados, 2016


33

O Brasil possui, na verdade, um histórico reconhecido pelo seu caráter


diplomático frente às questões globais. Já na Conferência de São Francisco, em
1945, um dos nomes mais importantes na redação da Carta das Nações Unidas é
de uma mulher brasileira, a diplomata Bertha Lutz (1894 - 1976) (FIGURA 2.2). Lutz
foi essencial na luta para a inclusão dos preceitos da igualdade de gênero já no
preâmbulo da Carta de 1945 (ABDENUR; FOLLY, 2020).
Em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em
1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pode-se dizer que o papel
brasileiro se deu pela sua inclusão como um dos 48 países que participaram de sua
elaboração e ratificação.
A simples assinatura brasileira na DUDH de 1948 não foi suficiente para que
o país tivesse cuidado pelo resguardo aos Direitos Humanos nos anos que se
sucederam. O golpe militar articulado por uma ala do exército em 1964 que derrubou
o governo democraticamente legítimo de João Goulart, sob o falso pretexto de
reação a uma iminente ameaça comunista, foi um dos momentos mais duros da
história recente do país. Dava-se início, assim, à Ditadura Militar Brasileira, que se
deu entre os anos de 1964 e 1985. O período foi essencialmente marcado por
inúmeras violações institucionalizadas dos Direitos Humanos fundamentais,
especialmente após a entrada em vigência do Ato Institucional Número 5, em 1968:
a democracia foi cerceada com o fechamento do congresso nacional e com a
suspensão de eleições, direitos políticos foram cassados, a perseguição a
opositores do governo foi oficializada com uma série de prisões injustificadas, com o
amplo uso de técnicas de tortura e até com a realização de assassinatos e ainha
houve a instalação de mecanismos de censura à imprensa e a grupos artísticos
contrários ao regime (NETTO, 2014).
Estima-se que aproximadamente 20 mil pessoas tenham sido torturadas pela
máquina do estado no período ditatorial e pelo menos 434 morreram, segundo
dados da Comissão Nacional da Verdade (CNV, 2014).
Sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), faz-se interessante a abertura
de um parênteses para o comentário de que outros países latino-americanos que
também sofreram com governos ditatoriais, especialmente durante a segunda
metade do século XX, estabeleceram suas próprias comissões de investigação e
apuração dos dados acerca das atrocidades cometidas por essas ditaduras muito
antes da ação do governo brasileiro, que só se deu por efetivada a partir de 2012, 27
34

anos após o fim do regime. A Argentina, por exemplo, instituiu uma comissão de
apuração já em 1983, mesmo ano do fim do seu regime ditatorial (FONSECA, 2017).
A ditadura militar brasileira também representou um atraso no compromisso
brasileiro pelo respeito aos Direitos Humanos em nível internacional: o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais estabelecidos pela ONU, em 1966, só obtiveram a
ratificação brasileira em 1992. Assim também ocorreu com a Convenção Americana
de Direitos Humanos estabelecida em 1969, mas só ratificada pelo governo
brasileiro em 1992 (MARCHINI, 2012).
É apenas em 1983 que o Brasil se vê perto da liberdade política novamente.
Tem-se início o movimento das “Diretas Já!” que reivindica eleições diretas para os
cargos do poder executivo. Os protestos se fazem possíveis já que desde 1979 o
governo federal preparava uma abertura lenta e gradual, estabelecida
principalmente pela instauração da Lei da Anistia, que absolveu presos políticos e
exilados no período até então. Em todo o Brasil houve protestos de proporções
gigantescas, sendo um dos primeiros tendo sido realizado na cidade de Curitiba, na
rua XV de Novembro. Muitos dos comícios foram repreendidos com violência
policial. O movimento resultou na proposta de emenda constitucional “Dante de
Oliveira” a qual propunha a volta das eleições diretas para a presidência da
República, tendo sido rejeitada pelo congresso nacional. Mesmo com o fim da
ditadura em 1985, as eleições diretas para o cargo da presidência da República só
ocorrem em 1989 (NETTO, 2014).
É apenas com a elaboração da constituição de 1988 que os aspectos
estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 passam a
ser incorporados em um texto oficial brasileiro. É já no artigo 4° da Constituição
Federal de 1988 que se estabelece a máxima da regência das normas internacionais
de Direitos Humanos sobre o âmbito nacional. Os mesmos preceitos da DUDH de
1948 são reforçados também no artigo 5° da Constituição, onde se resguardam
essencialmente o direito à vida, à privacidade, à igualdade perante a lei e à
liberdade. O texto também é considerado um avanço nacional no sentido da
proteção aos direitos fundamentais em sua garantia oficial de acesso à saúde de
forma gratuita com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) (SCHOLZ, 2017).
35

2.2.3. O ativismo brasileiro em prol dos Direitos Humanos

Apesar do avanço paulatino que se conquistou com a defesa essencial dos


Direitos Humanos, a partir de então resguardada pela égide do texto máximo da
democracia brasileira, as violações continuam a ocorrer no Brasil. Talvez, mesmo
com a assinatura imediata por parte do Brasil na DUDH, parte das camadas mais
dominantes da sociedade brasileira e muitas das instituições oficiais
governamentais nunca possuíram de fato uma cultura de respeito aos preceitos dos
Direitos Humanos. A luta pela sua defesa, portanto, deve ser um ato diário. O
ativismo brasileiro em prol da defesa aos Direitos Humanos segue hoje em
congruência com o ativismo internacional exposto anteriormente, com atenção
especial voltada à proteção das populações menos favorecidas da sociedade,
enfrentando, é claro, desafios muito próprios do contexto nacional (ENGELMANN;
MADEIRA, 2015).
Dentro desse contexto particular brasileiro, um ponto a se destacar é o
ativismo existente frente a defesa das populações indígenas. Como posto
anteriormente, os povos originários do território brasileiro têm sofrido desde o início
do processo colonial com diversas pressões que levaram a extermínios em massa e
a conquista de suas terras. Especialmente na região da bacia do rio Amazonas, as
últimas décadas mostraram um avanço cruel de garimpeiros e madeireiras ilegais
sobre as demarcações de terras indígenas em busca da exploração desenfreada por
recursos naturais (WILL, 2014). Nesse sentido, há um trabalho de ativistas
presentes na região que busca a proteção da população nativa assim como a
regulamentação e cerceamento das atividades ilegais na região.
O trabalho do indigenista brasileiro Bruno Pereira (1980 - 2022) é de amplo
reconhecimento referente a sua atuação na pesquisa e defesa de povos indígenas,
especialmente em relação a tribos isoladas. Pereira foi servidor da Fundação
Nacional do índio (FUNAI) até o ano de 2019, quando foi exonerado do cargo em
meio a um contexto de desmonte da instituição após a sua atuação em uma grande
operação de combate ao garimpo ilegal em terras indígenas isoladas em território
Yanomami. Desde sua exoneração, ele havia trabalhado como consultor da União
dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava). Em 2022, Pereira e o jornalista
36

britânico Dom Philips foram brutalmente assassinados em uma expedição pelo vale
do Javari (BARRETO, 2022).
Assim, também se escancara uma triste realidade do trabalho ativista pelos
Direitos Humanos no Brasil: segundo relatório da ONG Frontline Defenders, o país
é o 4° no mundo com maior número de assassinatos de ativistas dos Direitos
Humanos. No ano de 2019, em que foi divulgado o relatório, foram 23 pessoas que
lutavam pelos Direitos Humanos no Brasil que tiveram as mortes sentenciadas pelo
seu trabalho.
Fica evidente, portanto, que os Direitos Humanos no contexto brasileiro
merecem atenção especial. Apesar de presentes no panorama jurídico nacional, a
prática de sua defesa tem sido posta em xeque dia após dia, tanto pela pressão de
setores oficiais do governo quanto por parcelas da sociedade. Surge assim a
urgente necessidade de se preservar a memória de uma história de mais de 500
anos de violações sistêmicas contra os princípios básicos da dignidade humana e
daqueles que sucumbiram em sua defesa.
37

3. DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E ARQUITETURA

O conceito construído de Direitos Humanos Universais está intimamente


ligado à dimensão das ideias democráticas. Entende-se, na verdade, que o texto da
declaração não compreende como legítimo, dentro de seus princípios, outro regime
de governo senão um governo democrático; com o inverso também sendo
inquestionável: um regime verdadeiramente democrático não pode existir senão com
amplo respeito aos Direitos Humanos. Isso se dá pela própria essência dos
conceitos: uma democracia ampla e verídica só se dá de fato quando conta com o
poder de participação de todos nas decisões coletivas da esfera pública e,
simultaneamente, esta ampla participação só pode ser garantida se os conceitos das
liberdades política e individual, da igualdade e de solidariedade forem protegidos de
forma conjunta. Esta ideia exposta se faz presente no artigo XXI da Declaração
(1948, p. 5):

1. Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país,


diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade
será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por
voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade do voto.

A ligação intrínseca que se cria entre os Direitos Humanos e os preceitos da


democracia se conecta também com a arquitetura e com o urbanismo, mais
especificamente levando em consideração o conceito do espaço público, entendo-o
como a materialização física de onde a cidadania se manifesta. Retomando a
historiografia, é sabido que o nascimento da democracia está intimamente ligado ao
espaço urbano: na Grécia, mais especificamente em Atenas, durante o período da
Antiguidade Clássica, era no local da praça pública, a ágora, que os cidadãos se
reuniam para discutir os caminhos políticos ideais para a cidade (SPERLING, 2001).
Tem-se a concepção de que a produção do espaço carrega uma forte
dimensão política, o espaço é fruto de um mecanismo social, em que Lefebvre
(1974) enumera três agentes essenciais para a sua produção - a prática social, a
representação do espaço e os espaços de representação. Começando pela prática
social, esta dimensão se baseia nas possíveis interações e atividades que só se
38

fazem possíveis com o intermédio do meio físico. A representação do espaço, por


sua vez, é a sua produção representativa por meio de peças gráficas, como mapas,
diagramas e plantas. Já os espaços de representação se referem aos simbolismos
que os espaços carregam de forma intrínseca e como os expõe para a sociedade.
É a partir desta dimensão política que o espaço adquire que se pode
compreender a sua relação com a democracia: com a dimensão da prática social,
reconhece-se a importância da apropriação do espaço público por parte da
população, entendo-a como um movimento de conjunto social, uma ação de avanço
em busca de uma ideia social pautada verdadeiramente na coletividade.
Atrelando-se à concepção dos espaços de representação, compreende-se também
que a constância do uso dos espaços públicos como local invariável de
manifestações sociais e políticas se dá graças ao simbolismo inerente que eles já
trazem consigo, como sendo locais monumentais, ou ainda históricos, que permitem
valorizar e elevar o assunto manifestado em questão a um patamar de destaque
(CERRATO, 2020).
Deve-se, entretanto, expor as dificuldades que são impostas para a
apropriação livre e absoluta dos espaços públicos, especialmente no que tange às
manifestações de caráter político. Estando em um ambiente público, aos olhos de
todos, corre-se sempre o risco destas atividades sofrerem algum tipo de repressão
de autoridades. Já em espaços de caráter semipúblico, como explica Cerrato (2020),
há uma construção formal que protege a sua apropriação da vigilância aberta e
constante, permitindo com que se usufrua do espaço de forma mais livre. Um
exemplo de espaço de caráter semipúblico se dá pelo edifício da FAU-USP, projeto
de João Batista Vilanova Artigas (1915 - 1985), mais especificamente pelo espaço
do Salão Caramelo (FIGURA 3.1). Concebido por Vilanova Artigas como uma
grande praça interna, o local foi palco de inúmeros eventos em prol da democracia,
como assembleias estudantis que ocorreram ali em plena Ditadura Militar
(CERRATO, 2020).
39

FIGURA 3.1: ESTUDANTES SE MANIFESTANDO NO SALÃO CARAMELO DO EDIFÍCIO DA


FAU-USP EM 1969

FONTE: Jornal da Universidade de São Paulo, 2018

A liberdade para a apropriação do espaço público é, portanto, um valor


intrínseco para qualquer regime democrático, compreendendo-o como o local que
gera visibilidade para os anseios da sociedade. Para ser apropriado, antes de tudo,
é necessário que ele seja acessível, o que significa fazer parte de uma malha
urbana que permita o fácil acesso a ele por parte de todo e qualquer indivíduo. A
apropriação também se dá de forma mais fluida quando o espaço se configura com
a característica da versatilidade, quando pode ser mutável e facilmente adaptado
para atividades distintas.
Essa versatilidade se faz visível no vão livre do Museu de Arte de São Paulo
(MASP), projeto da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992). O projeto em
si do MASP será abordado de forma mais aprofundada posteriormente, mas por ora,
vale reafirmar a importância que o vão criado entre os pórticos estruturais tem para o
contexto urbano da cidade de São Paulo. O espaço é um palco da democracia, é
apropriado por atividades que vão desde manifestações políticas, à performances
artísticas e práticas esportivas. E cabe aqui ressaltar que, espacialmente, a praça
que se cria não possui grandes artifícios organizacionais, ela é simplesmente um
40

espaço livre que, pelo simbolismo que carrega, gerado graças ao seu contexto
urbano e à monumentalidade do edifício, é apropriado pela população de forma
massiva. O desejo por essa apropriação pública tão plural é uma intenção do projeto
de Lina Bo Bardi, a compreensão deste fato se torna visível com a análise do
desenho projetual da própria arquiteta (FIGURA 3.2), que representa uma população
diversa utilizando-se do espaço de uma forma igualmente diversa. (CERRATO,
2020)

FIGURA 3.2: DESENHO DE LINA BO BARDI PARA O PROJETO DO MUSEU DE ARTE DE SÃO
PAULO (MASP), 1968

FONTE: Arquitectura Viva

Em suma, a arquitetura estando alinhada aos preceitos da democracia deve


prezar sobretudo por gerar espaços acessíveis, versáteis e plurais, dando assim,
condições para que a cidade respire e a sociedade se encontre em um microcosmo
de igualdade, capaz de nele vivenciar experiências coletivas e de exercer sua
liberdade de forma plena. Prezar por uma arquitetura democrática é também,
portanto, prezar pela materialização dos preceitos desenvolvidos de Direitos
Humanos e pelo progresso da sociedade como um ente de fato coletivo.
41

4. O MUSEU NO DECORRER DA HISTÓRIA

O presente capítulo se faz necessário para entender a evolução tipológica


dos museus como uma compreensão histórica do desenvolvimento deste edifício
como um equipamento público e cultural importante para o contexto urbano e para
construção identitária da sociedade contemporânea.

4.1. As origens do museu

A história da humanidade se entrelaça com a história dos museus. Como um


ato de preservar a memória de uma forma essencialmente física, o ser humano
passa a colecionar objetos. A própria etimologia da palavra “museu” revela o caráter
sagrado que o ser humano estabelece entre a formação da sua identidade e o valor
da memória: a palavra deriva do grego mouseion, que significa “santuário dos
templos dedicados às musas, que recebem doações, ex-votos, oferendas”, as
musas, por sua vez, seriam as deusas da mitologia grega protetoras das artes e das
ciências (KIEFER, 2000).
Antes mesmo das cidades serem estabelecidas, o ser humano já possuía
forte conexão com os espaços destinados à memória. Há locais em que as
sociedades primitivas realizavam sepultamentos dos seus mortos, demarcando-os
fisicamente com o uso de elementos naturais como pedras ou árvores, permitindo
com que se pudesse retornar a estes de forma periódica para a prestação de
homenagens (MUMFORD, 1961).
O colecionismo de objetos e de arte, expostos em locais específicos para este
fim também é uma outra forma antiga em que se demonstra essa conexão que se
estabelece entre a sociedade e os locais de memória. A civilização dos Assírios há
5000 mil anos, por exemplo, possuía grandes salas de espera dentro dos palácios
onde se exibiam pinturas e relevos nas paredes que contavam as histórias de
grandes feitos e batalhas.
O que a historiografia considera como o que talvez seja o ponto inicial da
tipologia dos museus como tal seria a Biblioteca de Alexandria (FIGURA 4.1).
Construída no século III a.C., o local se caracterizava pela exaltação da cultura em
diversas frentes: além dos acervos de documentos, a biblioteca possuía também um
observatório astronômico, salas de estudos, um anfiteatro, acervos de coleções
42

zoológicas, um jardim botânico e ainda galerias de esculturas. A tipologia de galeria


como acervo de coleções de arte, inclusive, seria algo que reapareceria nos espaços
dos museus séculos mais tarde (LIMA, 2012).

FIGURA 4.1: ILUSTRAÇÃO REPRESENTATIVA DA ANTIGA BIBLIOTECA DE ALEXANDRIA

FONTE: Biblioteca da UFPA Benedicto Monteiro, 2020

Em relação à historiografia da civilização ocidental, são notáveis também as


coleções que se deram no período romano e na Idade Média. Em Roma, pessoas de
grande poder aquisitivo formavam coleções privativas compostas especialmente de
esculturas de bustos detalhados de pessoas importantes para a expansão do
território imperial. A função que a arte e, consequentemente, os espaços de sua
coleção adquiriram foram a de divulgar os grandes feitos do império, sendo o
imperador Octávio Augusto o primeiro a determinar a abertura destas coleções ao
público e a criar mecanismos que garantissem sua proteção.
Já na Idade Média, período em que há uma expansão massiva de influência
da Igreja Católica, o colecionismo das artes é filtrado especialmente para a temática
religiosa. Ainda em uma época em que a Bíblia só se encontrava escrita em latim,
sendo assim, inacessível para uma parcela majoritária da população, o compilado de
43

esculturas, pinturas e mosaicos que se encontravam no interior das igrejas


possuíam valor fundamentalmente didático, já que comunicavam acerca dos
conteúdos presentes nas escrituras sagradas de uma forma visual, tátil e, portanto,
acessível (LIMA, 2012).

4.2. Museus: da Renascença ao século XIX

Do final da Idade Média emerge um momento chave de uma revolução


cultural que alteraria os caminhos da concepção tipológica do museu. Especialmente
liderado pela classe artística, passa-se a criar a consciência da valorização do ser
humano em primazia, nasce a partir de então a filosofia humanista. A arte e a
história passam a ser exaltadas com o ser humano como temática central. Com a
crescente valorização da arte surgem também as figuras dos críticos de arte, dos
patrocinadores de artistas, os mecenas e também das primeiras coleções privativas
da Europa.
O uso do termo “museu” ressurge pela primeira vez em 1539, quando o
filósofo humanista italiano Paolo Giovio assim designa sua coleção de variedades
artísticas e históricas presentes no Castelo de Como, retomando a palavra que já
havia sido aplicada em referência à Biblioteca de Alexandria, citada anteriormente
(PEVSNER, 1979).
O palácio da família Médici, projeto de 1560 que o arquiteto Giorgio Vasari fez
para a patrocinadora massiva das artes na cidade italiana de Florença, que possuía
um andar inteiro dedicado exclusivamente à coleção de arte, denominado como
Galeria Uffizi (FIGURA 4.2), é considerado como o primeiro museu privado de toda a
Europa. A grande influência tipológica que o recinto da coleção dos Médici exerce na
tipologia de museus é evidente na sua inovadora configuração espacial: a planta do
edifício se articula em um formato de letra “U”, com duas alas paralelas entre si que
formam um pátio central. O espaço do acervo se dá nessas alas, possuindo,
portanto, uma configuração bastante linear com luz natural abundante. Esse tipo de
organização espacial, denominada a partir de então como galeria, seria modelo para
a construção de inúmeros edifícios destinados às coleções por todo continente.
(LIMA, 2012). Como também lembra Nikolaus Pevsner em A History Of Building
44

Types (1979, p. 112): “Tão frequentemente as galerias eram usadas para expor um
estatuário que a galeria se tornou um sinônimo de museu”. 1

FIGURA 4.2: PALÁCIO DA FAMÍLIA MÉDICI EM FLORENÇA, ITÁLIA

FONTE: Architectural Digest

1
Tradução do autor
45

FIGURA 4.3: INTERIOR DO PALÁCIO DA FAMÍLIA MÉDICI EM FLORENÇA, ITÁLIA

FONTE: Le Gallerie Degli Uffizi

A valorização pujante da história que se tem com o período renascentista


também reflete nas coleções de antiguidades que passam a surgir na Europa da
época. Especialmente com uma valorização massiva dos preceitos da Antiguidade
Clássica, surgem os Jardins Arqueológicos, construídos anexos aos sítios
arqueológicos de vestígios de construções greco-romanas (LIMA, 2012).
É durante o período também, adentrando o contexto das grandes navegações
e de descoberta do mundo por parte dos europeus, que surgem os gabinetes de
curiosidades, coleções de exoticidades que os exploradores traziam para a Europa,
que incluíam animais, plantas ou simplesmente objetos de culturas ainda
desconhecidas. Seria este um primeiro passo em direção a posterior consolidação
do modelo de museu de história natural (KIEFER, 2000).
O modelo de museu se consolida quando o colecionismo do século XVI
passa a não caber mais em simples cômodos únicos e necessita de espaços amplos
possuintes de uma tipologia própria. É o que lembra a arquiteta Maria Cecília
Filgueiras Lima em sua tese de doutorado “Musealização do Patrimônio
46

Arquitetônico: inclusão social, identidade e cidadania. Museu Vivo da Memória


Candanga” (2012, p. 84):

Estes “gabinetes de curiosidades‟, os estúdios, e as galerias dos artistas,


tornaram-se cada vez mais frequentes. Para suas montagens, eram
realizadas as tarefas de observar, selecionar, valorizar, expor e guardar:
ações do chamado colecionismo (Bruno, 2006, p. 05). Alguns desses
espaços abrigavam objetos de diferentes tipos, e inicialmente, eram expostos
em estantes que se fechavam, mas à medida que os acervos cresciam,
começaram a ocupar salas. Daí decorrem os estudos de ordenação destes
espaços. Carreño (2004, p. 61) destaca um documento escrito em 1565, pelo
médico holandês Samuel Von Quicchelberg, onde consta um esquema de
museu com a separação dos objetos em salas distintas, de acordo com a
classificação: “naturalia‟, “artificialia‟, “antiquitas‟ e de artes.

O conseguinte século XVII não apresentou tantas evoluções tipológicas e


programáticas levando o museu em consideração; ocorreu especialmente uma
consolidação do modelo das grandes coleções reais. Esses acervos de arte e
antiguidades pertencentes às monarquias europeias são, porém, pontos chave para
a culminante criação dos grandes museus nacionais do século XVIII. Especialmente
a partir do fim do século XVIII, começam a eclodir por toda a Europa revoluções
liberais que destituem os poderes monárquicos vigentes até então. O exemplo mais
icônico se dá pela Revolução Francesa de 1789, quando os revolucionários enviam
o Rei Luís XVI para a guilhotina e tomam seu antigo palácio, repleto de importantes
peças artísticas e de valor histórico para transformá-lo em um museu público. Surge,
portanto, em 1793 o Museu do Louvre (FIGURA 4.4). A narrativa do porquê da
escolha do antigo Palácio do Louvre também é interessante de se levar em
consideração: os revolucionários detêm o símbolo espacial máximo do poder
absolutista para transformá-lo em um espaço público, em uma clara demonstração
do que seriam os princípios a serem valorizados pelo novo regime democrático
vigente na França a partir de então (KIEFER, 2000).
47

FIGURA 4.4: GRAVURA DO MUSEU DO LOUVRE RETRATANDO O CASAMENTO DE NAPOLEÃO


BONAPARTE EM 1810, HEINRICH REINHOLD (1788 - 1825)

FONTE: Philadelphia Museum of Art

Abre-se um parênteses para destacar que o caráter público dos primeiros


museus que assim se definiam é, de certa forma, dúbio, já que havia uma série de
restrições que restringiam a utilização do museu por grande parte da população. A
transformação do museu em um equipamento público se dá, na verdade, por
concluído de fato apenas no século XX; até então, o caminho para sua abertura de
fato ao grande público é lenta e gradual: desde meados do século XVIII príncipes
europeus reconhecem a importância política da abertura de suas portas para
pessoas de fora do seu círculo imediato para conhecerem sua coleção, com a
criação, inclusive, de prédios separados exclusivos para seu acervo; em seguida, a
concepção do museu como um espaço público evolui impulsionado pelas revoluções
pujantes da época, que contribuem com a criação dos museus nacionais nos
séculos XVIII e XIX, importantes também para o desenvolvimento das identidades
nacionais (PEVSNER, 1979).
48

Na Inglaterra do século XVIII, porém, antecipando-se aos citados movimentos


revolucionários que não se consolidaram nas ilhas britânicas deste contexto, a
monarquia inglesa cria o Museu Britânico em 1753, considerado como o primeiro
museu público do mundo. Quando estabelecido, porém, o museu se localizava em
uma residência particular, o que lhe conferiu uma essência bastante privada, apesar
de ser um prédio público. É apenas em 1823, quando o arquiteto Robert Smirke
projeta a sua nova sede, que o Museu Britânico se consolida de fato como museu
nacional. Este caso vai na contramão da formação tipológica dos museus da época,
já que eles se estabeleciam normalmente com a ocupação de prédios concebidos
inicialmente com outras tipologias, como foi o caso do já citado Museu do Louvre.
Deve-se citar que os primeiros projetos de museus concebidos como tal se
dão, na verdade, como exercícios teóricos e tardam para se consolidar. Há, por
exemplo, o trabalho do arquiteto francês Étienne-Louis Boullée (1728-1799) que
desenvolve um projeto ideal de museu (FIGURA 4.5) em seu livro “Arquitectura.
Ensayo sobre el arte” (KIEFER, 2000). Segundo o arquiteto Flávio Kiefer em seu
artigo “Arquitetura de Museus” (2000, p. 15):

(...) além de abordar a relação da arquitetura com a arte, Boullée apresenta


modelos de projetos para os mais diversos fins. Sintoma de um programa
ainda não bem dominado, o projeto de museu do seu livro é o único que não
vem com uma descrição detalhada, como os demais, sobre seu caráter e
programa. O museu de Boullée tem uma escala gigantesca, é organizado
com quatro eixos de simetria especular e não dá a menor indicação de que
tipo de obras abrigaria ou de como essas seriam expostas nesses imensos
espaços praticamente compostos por colunas e cobertura. Se em 1783, ano
em que Boullée desenhou esse projeto de museu, estas instituições ainda
não tinham tradição suficiente para gerar um conhecimento sobre suas
necessidades programáticas, por outro lado, como fica evidente pelo livro de
Boullée, atraíam os arquitetos pela importância que estavam tendo na
sociedade do final do século XVII.
49

FIGURA 4.5: PROJETO DE UM MUSEU IDEAL ELABORADO EM 1783 POR ÉTIENNE-LOUIS


BOULLÉE (1728 - 1799)

FONTE: Helen Earing. New American Art Museums. Nova York: Whitney Museum of American Art,
1982

Outro arquiteto que teorizou de forma inovadora acerca do desenvolvimento


da tipologia museológica foi o francês Jean-Nicolas-Louis Durand. Segundo Maria
Cecília Filgueiras Lima, em sua tese de doutorado “Musealização do Patrimônio
Arquitetônico: inclusão social, identidade e cidadania. Museu Vivo da Memória
Candanga” (2012, p. 85):

Durand, em 1803, propôs uma planta ideal, Figura 06, para os museus.
Comparou os museus às bibliotecas, que guardam e disponibilizam
conhecimento para o público e são, ao mesmo tempo, lugares de estudo. A
fim de conciliar o silêncio necessário à contemplação com a possibilidade de
acesso aos diversos conteúdos, dotou o lugar de grande quantidade de
espaços expositivos, apoiados por um grupo de saletas interligadas, que
serviriam de apoio a estudantes e artistas. Estes espaços eram destinados
tanto para estudo como para montagem dos cavaletes em área contígua aos
salões. O projeto, embora não tenha sido construído, foi utilizado como
referência para importantes obras.
50

Como posto anteriormente, as tipologias museológicas tardam para nascer


como próprias, já que muitas vezes prédios já estabelecidos eram reciclados para a
instituição de uma coleção, sendo muitos desses antigos palácios das monarquias
europeias. Porém, mesmo com o estabelecimento gradual de uma organização
espacial própria, há elementos morfológicos dos museus que se escoram em
tipologias estabelecidas pela arquitetura de palácios, como, por exemplo, a
disposição das salas en suite, ou seja, grandes espaços sequenciais interligados,
ideais para a exposição de objetos. A própria linguagem arquitetônica do palácio é
um aspecto que perdura nos grandes museus nacionais dos séculos XVIII e XIX: a
imponência e a monumentalidade dos palácios que se aderem aos museus têm tom
propagandista, servem de forma simbólica para com a importância que os objetos
ali expostos têm para a ideia de nação, que, ainda por cima, estão livres ao acesso
de todos.
O arquiteto alemão Leo Von Klenze (1784-1864) coloca em prática os
preceitos projetuais estabelecidos por Durand quando realiza o projeto da Gliptoteca
de Munique (FIGURA 4.6). Nele, além de também adotar essa mista tipologia de
museu e palácio em uma linguagem de clara leitura neoclássica, Klenze elimina
completamente a disposição de salas secundárias, estabelecendo todas as salas de
forma sequencial. Uma característica que também se destaca é a escolha da
iluminação: nas rotundas o arquiteto banha o ambiente com uma luz zenital, já as
galerias que se abrem para um pátio interno são iluminadas por sequenciadas
janelas (KIEFER, 2000). Interessantemente, a escolha da iluminação zenital para o
espaço expositivo se repete de forma incessante na arquitetura de museus, pelo
menos desde o século XVI, quando assim foi utilizada no projeto do antiquário do rei
da bavária Albrecht V, localizada em uma galeria de seu palácio, até exemplos da
arquitetura contemporânea (PEVSNER, 1979).
51

FIGURA 4.6: A GLIPTOTECA EM MUNIQUE. PROJETO DE 1830 DE LEO VON KLENZE


(1784-1864)

FONTE: Prefeitura de Munique, Alemanha

FIGURA 4.7: PLANTA DA GLIPTOTECA EM MUNIQUE. PROJETO DE 1830 DE LEO VON KLENZE
(1784-1864)

FONTE: Helen Earing. New American Art Museums. Nova York: Whitney Museum of American Art,
1982
52

Esta tipologia vigente é utilizada de forma exaustiva até escancarar


problemas crônicos: gerava uma dificuldade de comunicação com o público do
museu através do amontoamento de salas e depósitos, que expunham obras de
forma desordenada e sem informações anexas. Aliado ao nascimento da arte
moderna, a crise tipológica culmina em seu desuso gradual, com a entrada ainda do
século XX e sua série de revoluções culturais, novas formas de organização
espacial passam a surgir (KIEFER, 2000).

4.3. Museus: do modernismo à era contemporânea

4.3.1. As revoluções modernistas na arquitetura de museu

A arte moderna vanguardista é, inicialmente, radical e militante acerca da


negação da história: há um sentimento no ar de sede por renovação e, estando a
arte moderna à margem da oficialidade, os artistas de vanguarda não reconhecem
nos museus um espaço de abrigo à suas obras. Há, inclusive, a referência aos
museus nacionais, consolidados desde o século XVIII, como cemitérios das artes,
onde se abrigava apenas a arte oficial. Passa-se por uma crise identitária na relação
entre artista, espectador e museu: quando Duchamp decide expor um mictório em
uma galeria há uma grande ruptura na relação que a obra de arte estabelece com o
espaço que a contém, onde o artista chega a dizer que é o público e a instituição do
museu que fazem a arte, não o artista em si.
Nesse contexto de não reconhecimento da instituição museu como o espaço
propício para a exposição da arte moderna, em fluxo conjunto, os arquitetos
modernos tardam a se apropriar dos programas museológicos em seus projetos,
pelo menos até os anos 1930 e 1940. Em um momento em que há também uma
certa falta de interesse no projeto de museus por serem espaços considerados como
cansativos e demasiadamente instrutivos, além da convulsão social causada pelas
duas guerras mundiais, faz-se com que se adie a entrada dos arquitetos na
elaboração de alternativas para os museus no período da primeira metade do século
XX (KIEFER, 2000).
Josep Maria Montaner em seu livro “Museus para o século XXI” lançado em
2003, define que os rumos que a arquitetura de museus toma no período moderno
53

se dão pela elaboração de quatro modelos de museus nos anos 1930 e 1940: a
concepção teórica do Museu de Crescimento Ilimitado ou Museu Sem Fim, de Le
Corbusier em 1939, a ideia do Museu para uma pequena cidade, de Mies Van der
Rohe em 1942, o Museu Guggenheim de Nova York de Frank Lloyd Wright projetado
em 1943 e a ideia do Museu Portátil Boîte en Valise de Marcel Duchamp de 1936
(MONTANER, 2003).
O Museu Sem Fim de Le Corbusier (FIGURA 4.8), elaborado em 1939, seria
especialmente voltado para a coleção de arte moderna e se dava mais como um
exercício projetual teórico do que como um projeto físico - Corbusier tinha a vontade
de gerar um meio de se pensar e construir um museu adequado ao contexto da arte
moderna. A ideia gira em torno da manipulação formal acerca da espiral de origem
quadrada: o museu teria a possibilidade de ser expandido sempre que necessário
aumentar o acervo da coleção, crescendo sempre na continuidade da linha da
espiral (KIEFER, 2000). Faz-se importante ressaltar que o projeto de Le Corbusier,
apesar de inovador em termos de linguagem e capacidade expansiva, ainda se
enraíza na concepção expográfica de museu como uma disposição sequencial de
salas en suite, sacramentada pelos séculos passados da tradição museológica
(FISCHMANN, 2003).

FIGURA 4.8: O MUSEU DE CRESCIMENTO ILIMITADO DE LE CORBUSIER (1887-1965) DE 1939

FONTE: Josep Maria Montaner. Museus para o século XXI, 2003


54

Já o projeto do “Museu para uma pequena cidade” (FIGURA 4.9), elaborado


por Mies Van der Rohe em 1942, torna-se revolucionário na busca formal pela planta
livre e na nova relação que se cria com a organização espacial da expografia. Ao
invés de dispor uma série de salas en suite, Mies dispõe sobre o tablado uma
sequência estrutural de pilares que forma uma malha composta por 13 módulos
longitudinais por sete transversais, que ora se fecham com planos de paredes - ou
ainda pela delimitação próprias obras de arte - ora se encontram abertos. Todo o
edifício ainda se encontra elevado do solo, apoiado por uma espécie de pódio,
envolto ainda por uma pura pele de vidro. A grande revolução de Mies está no fato
da inversão do que seria o fator determinante da organização espacial do museu a
partir de então: por possuir extrema flexibilidade arquitetônica, o que passa a definir
a organização espacial é o próprio acervo do museu, não mais o contrário. A partir
desta tipologia estabelecida por Mies Van der Rohe, os museus a partir de então
passariam a ser abertos para a recorrência de exposições temporárias, por exemplo
(FISCHMANN, 2003).

FIGURA 4.9: PLANTA BAIXA DO MUSEU PARA UMA PEQUENA CIDADE, MIES VAN DER ROHE
(1886 - 1969), 1942

FONTE: Portal Vitruvius


55

FIGURA 4.10: PERSPECTIVA DO MUSEU PARA UMA PEQUENA CIDADE, MIES VAN DER ROHE
(1886 - 1969), 1942

FONTE: Portal Vitruvius

Seguindo a sequência dos projetos de museu que Montaner considera como


os mais revolucionários e influentes do movimento moderno se destaca o realizado
por Frank Lloyd Wright (1867 - 1959). A proposta de Wright para o Museu
Guggenheim de Nova York (FIGURA 4.11), projetado em 1943 mas executado
apenas em fins da década de 1950, é considerado paradigmático para a
museologia. O projeto se desenvolve a partir do desejo do arquiteto criar um espaço
contínuo, fluido e dinâmico através de uma grande rampa espiralada que desce do
nível mais alto, acessado pelo uso do elevador, até o térreo de forma suave,
banhada ainda por luz natural provinda de uma cúpula de vidro que ocupa o vazio
central. O fator da dinamicidade é alcançado pelo fato da rampa permitir miradas
para o contexto espacial total, percebendo sempre o movimento vivo das pessoas
utilizando o museu.
Ressalta-se também como o museu de Wright se relaciona com o seu
contexto urbano de uma área central de Nova York. Há uma negação proposital da
56

rua por parte do Guggenheim: o museu se fecha em si mesmo, como uma espécie
de caverna a ser explorada, não apresenta aberturas para a cidade (LIMA, 2012).
O grande ponto que causa questionamentos à obra de Wright, tornando-a
paradigmática, se dá pela condição limitante de expografia que ela gera: o percurso
único e fixo estabelecido em projeto acaba por se tornar problemático na disposição
dos objetos, já que eles têm de ser postos sob um desnível e banhados por uma luz
natural demasiada, além também do fato de o espaço não suportar obras artísticas
de grande porte (FISCHMANN, 2003).
Montaner destaca ainda acerca do Guggenheim um outro aspecto
revolucionário. Wright inaugura a partir de então uma nova relação museológica: a
do museu como um fundo artístico, uma escultura por si só, no que o autor chama
de um contentor extraordinário. Torna-se, portanto, um grande passo na evolução do
museu como um espaço encaixotado, estático e fechado (MONTANER, 2003).

FIGURA 4.11: MUSEU GUGGENHEIM DE NOVA YORK, FRANK LLOYD WRIGHT (1867 - 1959),
1959

FONTE: Archdaily
57

FIGURA 4.12: CORTE DO MUSEU GUGGENHEIM DE NOVA YORK, FRANK LLOYD WRIGHT
(1867 - 1959), 1959

FONTE: Archdaily

A quarta proposta que se insere no contexto modernista e que gerou grande


influência no que se produziu de museus a partir de então, segundo Montaner, é a
de Marcel Duchamp, denominada como Boîte en valise (FIGURA 4.13), ou museu
portátil. Duchamp vai ao extremo da vanguarda estabelecendo as raízes do
antimuseu, que viria a figurar já no contexto contemporâneo. A obra de Duchamp
consistia em uma espécie de maleta na qual se encontravam reproduções de suas
obras mais importantes, criando assim uma problematização completa dos espaços
expositivos de arte e da própria organização museológica (MONTANER, 2003).
58

FIGURA 4.13: BOÎTE EN VALISE OU MUSEU PORTÁTIL DE MARCEL DUCHAMP (1887 - 1968),
1941

FONTE: Metropolitan Museum of Art, Nova York

4.3.2. As novas concepções acerca dos museus

A partir destes quatro emblemas modernos da arquitetura de museus, muito


do que se desenvolve posteriormente as possuem como influências enraizadas, o
que não significa, é claro, que não tenha havido mais inovações. Montaner descreve
que após o fim da Segunda Guerra Mundial e da fase heróica das vanguardas
artísticas da era moderna, a arquitetura de museus passa por um período um tanto
letárgico, assim, as mais significativas mudanças passariam a ocorrer especialmente
com a entrada dos anos 1960 (MONTANER, 2003).
Abre-se um parênteses, no entanto, para o comentário que é nesse período
de “letargia arquitetônica” que surgem os órgãos internacionais de discussão,
administração, normatização e resguardo dos museus. Em 1946, surge o Conselho
Internacional de Museus (ICOM), órgão relacionado à Organização das Nações
Unidas para a Ciência, Educação e Cultura (UNESCO) e que possui cadeira no
Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ECOSOC). As
ações do ICOM se pautam na transformação e modernização dos museus como
instituições: em 1948, por exemplo, o conselho delibera acerca da formação e
59

reconhecimento dos técnicos que trabalham nos museus; cinco anos mais tarde, em
1953, atua na ideia de inclusão de profissionais da pedagogia no corpo de
funcionários dos museus, em uma clara designação do caminho educacional que os
museus tomariam na contemporaneidade (LIMA, 2012).
Adentra-se em uma nova concepção de museu que se dá por um espaço
mais diverso e que abarca múltiplas atividades dentro de si para além da expografia,
transformando-se, portanto, em um espaço cada vez mais relevante para o contexto
urbano. Um importante marco arquitetônico que participa da inauguração desta
definição é o Museu de Louisiana, na Dinamarca, inaugurado em 1958.
O Museu de Arte Moderna de Louisiana (FIGURA 4.14), projetado pelos
arquitetos dinamarqueses Vilhelm Wohlert (1920 - 2007) e Jorgen Bo (1919 - 1999),
propõe uma forte conexão entre arquitetura, paisagem e arte. O projeto consegue,
com sucesso, integrar esses três fatores de forma a gerar espaços expositivos em
contato vívido com a natureza integrante, além de gerar também usos diversos, mais
característicos à época de espaços públicos como parques e praças, tendo uma
apropriação benéfica pela população local (LIMA, 2012).

FIGURA 4.14: MUSEU DE ARTE MODERNA DE LOUISIANA, DINAMARCA, 1958, PROJETO DE


VILHELM WOHLERT (1920 - 2007) E JORGEN BO (1919 - 1999)

FONTE: Louisiana Museum of Modern Art


60

Ressalta-se também a relevância do Centro Nacional de Arte e Cultura


Georges Pompidou em Paris, projetado por Renzo Piano (1937) e Richard Rogers
(1933-1921), em 1977. O espaço expande o programa único de exposição do museu
para a atuação em frentes mais amplas da cultura, como espaços de cinema, teatro
e bibliotecas. Toda esta expansão programática terá ecos nos museus
contemporâneos, marcados sobretudo por não se limitarem apenas a espaços de
coleção. Piano e Rogers também revolucionam na linguagem estabelecida para o
centro de artes: o edifício se torna uma ode à tecnologia, expondo de maneira crua a
mecanização da arquitetura, como as instalações elétricas e hidráulicas, além da
ênfase nos elementos que expressam movimento, como elevadores, escadas
rolantes e passarelas. Montaner (2003) entende que o Centro Pompidou se torna
uma evolução definitiva da ideia do museu como uma caixa que se fecha em si
mesma - pelo contrário, o edifício é eximiamente expansivo. O ápice desse processo
de expansão do Centro Pompidou se dá pela sua integração e abertura para o
contexto urbano: a porção posterior do edifício é composta por uma grande praça
aberta que recebe eventos diversos, sendo apropriado pela população, tal como no
projeto dinamarquês (GUIMARÃES, 2004).
Otília Arantes, em seu artigo “Os Novos Museus”, publicado em 1991,
destaca que é com a entrada dos anos 1980 que esta visão essencialmente urbana
dos museus ganha mais potência, sobretudo sob a égide da visão do museu como
um monumento. Entretanto, como ressalta Arantes (1991), em um efeito provocado
pela força da cultura de massa pujante nessa década, no que teria sido o triunfo da
sociedade de consumo, a nova cultura dos museus absorve essa filosofia e o
transforma em um objeto também essencialmente midiático. A expansão
programática, que ocorre desde os anos 1960 e que vem sendo comentada nos
exemplos anteriores, também volta seus olhares ao consumo, com a inserção de
restaurantes, livrarias, lojas e cafeterias nos projetos de museus (MONTANER,
2003).
Talvez um dos museus mais simbólicos desse período apontado por Arantes
seja a Neue Staatsgalerie (FIGURA 4.15), em Stuttgart, na Alemanha em 1984,
projeto de James Stirling (1926 - 1992) e Michael Wilford (1938-). Montaner (2003)
argumenta que o projeto se torna uma resposta a um mundo cada vez mais
fragmentado, funcionando em seu cerne como uma colagem de fragmentos
61

diversos. Consiste, portanto, de uma heterogeneidade de formas e linguagens.


Segundo Montaner (2003, p. 97):

Em Stuttgart, cada parte do edifício é autônoma e adota uma linguagem


arquitetônica distinta: a plataforma e a praça circular, o vestíbulo de entrada,
o museu propriamente dito, que dá continuidade à solução tradicional em
forma de U, e o sistema de salas em fileira; o bar, o restaurante, a direção, o
auditório, a sala de música; tudo isso articulado em um conjunto pop, feito de
cores vivas. A condição contemporânea do museu, que deve ser
continuamente ampliado, fomenta esse caráter fragmentário e aditivo.

Montaner ainda argumenta, seguindo a mesma linha exposta por Arantes


anteriormente, que esse modelo do museu como colagem de fragmentos é produto
direto da cultura de massas que acaba por impor uma transformação intrínseca na
forma de entendimento da instituição e da arquitetura de museus. O museu passa a
figurar como um elemento de importância na imagem da cidade e, portanto, em seu
potencial turístico, quando se converte em um edifício cada vez mais diverso,
hedonista e divertido (MONTANER, 2003).

FIGURA 4.15: NEUE STAATSGALERIE, STUTTGART, ALEMANHA, 1984, PROJETO DE


JAMES STIRLING (1926 - 1992) E MICHAEL WILFORD (1938).

FONTE: Archdaily
62

Destaca-se também o projeto do Museu Guggenheim de Bilbao (FIGURA


4.16) , encomendado a Frank Gehry (1929- ) em 1991 e concluído em 1997, para a
grande rede de museus em sua nova sede na culturalmente pouco expressiva
cidade espanhola. Seguindo uma concepção que vai de encontro com o que Frank
Lloyd Wright desenvolveu com o seu projeto do Museu Guggenheim de Nova York,
concluído em 1959, Gehry desenvolve o museu como uma escultura por si só,
realizando-o em uma espécie de caos compositivo: uma série de formas livres que
se articulam em uma materialidade metálica e reflexiva, gerando perspectivas
múltiplas e mutáveis. A partir de um átrio, o fluxo de visitantes é dividido em
caminhos diversos os quais deságuam nas galerias (RAMIRES, 2008). Montaner
(2003), no entanto, analisa que por trás desse caos aparente que se reproduz no
exterior, a organização interna expositiva segue os mesmos preceitos já
estabelecidos pela tradição museológica, como a relação tipológica de salas
enfileiradas, possuindo ainda uma diversidade de escalas de salas que têm a
capacidade de abarcar objetos artísticos de múltiplos tamanhos.

FIGURA 4.16: MUSEU GUGGENHEIM DE BILBAO, FRANK GEHRY (1929 - ), 1997

FONTE: Archdaily

O Museu Guggenheim de Bilbao faz parte, no entanto, do ápice da citada


cultura mercadológica dos novos museus. Seu aproveitamento como potencial
63

midiático para um interesse, na verdade, político, chegou a gerar uma denominação


para situações similares que passaram a ocorrer no mundo: o efeito Bilbao
(GRANDE, 2009).
Paralelamente à corrente definida por Gehry no Museu de Bilbao, eixos da
arquitetura contemporânea vêm buscando estabelecer novas relações entre o
espaço museográfico e o contexto urbano e social.
Explorando formas de se camuflar ou se diluir em meio ao seu contexto, o
museu busca uma espécie de desmaterialização que, segundo Montaner (2003)
recorre à própria essência material do edifício, buscando aspectos como
transparência, luz e energia. As estratégias projetuais desses museus se baseiam
na implantação de elementos puros e transparentes, dotados de leveza compositiva
ou ainda na fragmentação formal do objeto, que se espalha e camufla dentro do
contexto urbano ou natural.
Ainda segundo Montaner, esses museus, em muitos dos casos, renegam o
acervo tradicional de colecionismo de objetos, pautando-se muito em estratégias
expositivas que contam com recursos eletrônicos e audiovisuais como projeções ou
telas didáticas interativas, ou ainda réplicas e dioramas. Assim, a trajetória
museológica possui a liberdade de se tornar uma espécie de narrativa espacial
(MONTANER, 2003).
Destaca-se, nessa tentativa de desmaterialização do edifício, o Museu do
século XXI de Arte Contemporânea (FIGURA 4.17), do escritório japonês SANAA,
localizado em Kanazawa, no Japão. A estratégia projetual da dupla de arquitetos
Kazuyo Sejima (1956-) e Ryue Nishizawa (1966-) baseou-se na busca da
transparência total da fachada de um edifício em planta circular, de modo a gerar no
visitante um sentimento de anseio por explorar aquele espaço, potencializado ainda
pela dissolução de hierarquias arquitetônicas compositivas, com múltiplas entradas e
ainda uma espécie de organização labiríntica interna, o que permite infinitas formas
de explorar o espaço do museu (SAAD, 2016).
Adiantando o que será discutido com mais detalhe no capítulo posterior, e
referindo-se também a uma questão mais temática que tipológica: há uma tendência
recente, especialmente ligada aos países latino-americanos, da transformação da
memória de eventos que traumatizaram a sociedade no passado em um objeto de
exposição em museus, entendendo-a como essencial para a proteção de um futuro
seguro e próspero, em uma visão que reconhece o poder educacional dos museus e
64

que proclama a função desta instituição como algo que vai além do simples
colecionismo de objetos, mas que se compromete com o resguardo da memória.

FIGURA 4.17: MUSEU DO SÉCULO XXI DE ARTE CONTEMPORÂNEA, KANAZAWA, JAPÃO.


SANAA, 2004

FONTE: Arquitectura Viva

4.4. Museus no Brasil

4.4.1. Contextualização

Reconhece-se que há uma tendência ditada pelo modo de produção


colonialista que condiciona uma relação dual entre o que seriam os países centrais e
os países periféricos no que se refere à criação de modelos, conceitos e teorias
arquitetônicas. Na maioria dos casos, essa produção de modelos funciona em um
movimento radial, ou seja, as ideias nascem nos países desenvolvidos, no que o
sistema reconhece como centrais, e são exportadas aos países que outrora foram
colônias, hoje subdesenvolvidos e encarados como periféricos, e então são
adaptados quase sempre desconsiderando a realidade contextual local. Há,
portanto, a necessidade do reconhecimento da fragilidade estrutural presente na
arquitetura latino-americana, historicamente marginalizada e subjugada em relação
65

aos países centrais, e da tentativa de consolidar e criar modelos próprios,


adequados à realidade local (WAISMAN, 1990).
Seguindo esta lógica, para a futura proposição de um projeto de museu em
um contexto brasileiro, faz-se necessária a separação de um item próprio para o
reconhecimento e para a exploração historiográfica dos museus brasileiros,
buscando entender quais foram as adaptações e as inovações que ocorreram dentro
do território em questão, no que se refere à arquitetura museológica.

4.4.2. Museus no Brasil no século XIX

Por mais de 300 anos, o Brasil se manteve sob a égide do Reino de Portugal.
Durante todo o período colonial, o território pouco experimentou no que se refere a
experiências museológicas, já que, como visto anteriormente, a construção dos
museus nos moldes oficiais surge concomitantemente na Europa em um contexto
muito específico e propício para tal: havia lá uma quantidade enorme de circulação
de capitais, uma renovação filosófica que valorizava as antiguidades e a história, um
patrocínio massivo em prol das artes, condições muito distantes da realidade
colonial brasileira (LIMA, 2012)
O primeiro museu de fato a surgir no Brasil só se fez possível com a vinda da
família real portuguesa para a colônia, em 1808, e com a posterior elevação do
território brasileiro ao status de Reino Unido junto a Portugal e Algarves, em 1815. É
criado, em 1818, o Museu Real, a primeira instituição museológica brasileira, surgida
no mesmo contexto em que se consolidam os museus nacionais na Europa (LIMA,
2012). Localizado inicialmente em um palacete comprado pelo poder real no Campo
de Santana, no Rio de Janeiro, o Museu se instalou no Paço de São Cristóvão em
1892 com a queda do império brasileiro, em um movimento muito similar ao que
aconteceu na Europa, quando as novas repúblicas buscavam uma ressignificação
dos antigos palácios reais. Hoje, com a mudança de nome para Museu Nacional,
está sob a tutela da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DANTAS, 2007). O
acervo do Museu Nacional era muito vasto e composto principalmente de itens de
história natural, que, devido a um incêndio de enormes proporções que atingiu o
edifício no ano de 2018, perdeu-se quase completamente.
As instituições museológicas brasileiras no século XIX, no entanto, ainda não
possuíam tanto volume. Lima (2012) relata que até a virada para o século XX, o
66

Brasil possuía 10 museus, figurando com mais notoriedade, para além do Museu
Nacional do Rio de Janeiro, já citado, há o Museu do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, de 1838, o Museu da Marinha de 1866 e o Museu Paulista de 1895,
conhecido como Museu do Ipiranga. Atrelados sempre a uma linguagem de origem
europeia, os museus do século XIX no Brasil seguiram, sobretudo, tipologias
semelhantes às dos palácios franceses. As temáticas expográficas também eram
diversas, não havia necessariamente um foco dominante em cada museu, eram
colecionados itens entendidos como possuintes de algum tipo de relevância para o
patrimônio cultural do país, com ênfase em objetos de importância regional.

4.4.3. Museus no Brasil no século XX e XXI

A entrada do século XX no Brasil, sob a égide do recente regime republicano,


não significou uma grande revolução na arquitetura de museus. Há, no entanto, um
início de especialização, especialmente para espaços expográficos de obras
artísticas. O primeiro museu no Brasil voltado à exposição de artes é a Pinacoteca
de São Paulo, inaugurado em 1895 em um edifício projetado por Ramos de Azevedo
e Domiziano Rossi, no qual, quase 100 anos depois, Paulo Mendes da Rocha
realizaria um projeto de revitalização.
Outro notável museu do século XX que ainda não adentra aos preceitos
modernistas emergentes é o Museu Nacional de Belas Artes (FIGURA 4.18),
inaugurado em 1937, em um edifício preexistente do ano de 1908, projeto de
Morales de Los Rios, dedicado inicialmente ao ensino das Belas Artes. Ainda
seguindo, de certa forma, a tipologia palaciana e monumental descrita
anteriormente, o museu era dotado de grandes galerias abobadadas banhadas por
luz natural, além de nichos voltados à exposição de esculturas, assemelhando-se
aos museus europeus do século XVIII e XIX (LIMA, 2012).
67

FIGURA 4.18: MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO, 1908 - 1937, PROJETO
DE MORALES DE LOS RIOS (1858 - 1929)

FONTE: O Globo

É com os museus do modernismo brasileiro, no entanto, que o país ganha


maior projeção internacional. Um dos grandes destaques deste período se dá pelo
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio) (FIGURA 4.19), de Affonso
Eduardo Reidy (1909 - 1964), concluído em 1954. Montaner (2003) argumenta que o
museu carioca se baseia em uma síntese de emergentes vertentes das arquiteturas
museológicas difundidas pelo mundo: seguindo uma tipologia de planta livre
estabelecida pelos modelos de Mies Van Der Rohe, Reidy se utiliza de uma
linguagem estrutural difundida pelas experimentações brutalistas de Le Corbusier,
dotada, no caso, de certo caráter escultórico influenciado por Oscar Niemeyer. Todas
estas influências fundem-se e se integram ao contexto estonteante da costa do Rio
de Janeiro seguindo uma horizontalidade formal elevada do chão. Ressalta-se aqui
a importância da solução estrutural elaborada para o projeto para a qualidade
expográfica do museu (FIGURA 4.20), com a criação de um grande volume puro e
suspenso, flexível à infinitas possibilidades de dispor as obras de arte. Com um
incêndio que atingiu o edifício em fins dos anos 1970, calcula-se que 90% de seu
acervo tenha se perdido, tendo sido o prédio revitalizado e reaberto em 1981
(RAMIRES, 2008).
68

FIGURA 4.19: MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO, AFFONSO EDUARDO REIDY
(1909 - 1964), 1954

FONTE: Archdaily

FIGURA 4.20: CORTE ESQUEMÁTICO DO MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO,


AFFONSO EDUARDO REIDY (1909 - 1964), 1954

FONTE: Researchgate
69

Com o já mencionado projeto do Museu de Arte de São Paulo (MASP)


(FIGURA 4.21), Lina Bo Bardi (1914 - 1992) vai ainda além em questões de
exploração da linguagem estrutural e da inventividade expositiva (FIGURA 4.22).
Localizado em meio a Avenida Paulista, um contexto urbano altamente adensado, o
MASP se torna já em primeira vista um respiro para a cidade: o edifício se eleva do
solo ancorado em dois enormes pórticos estruturais os quais geram uma generosa
praça coberta, local de encontro para inúmeras atividades, desde manifestações
políticas até para a prática de esportes, revelando, desta forma, uma faceta muito
democrática do museu. Sobre o caráter expositivo do museu, Montaner (2003, p.39)
relata sua absoluta inovação:

Para o MASP, a arquiteta brasileira de origem italiana criou uma museografia


impactante e polêmica, radicalmente popular e realista, concebida quando
voltou de sua estância em Salvador, na Bahia, entre 1958 e 1964, e baseada
em cubos de concreto que sustentam um cristal que serve de apoio às
pinturas, o que potencializa um espaço interior totalmente livre, com as
pinturas flutuando em um universo de luz. Esta experiência de dispor de toda
a arte acessível, sem hierarquias e sem condicionantes de ordem cronológica
ou de escolas, só poderia acontecer no Novo Mundo, em uma América Latina
na qual o legado da história da arte chegava de uma só vez, como um todo
que se fazia visível e contemporâneo.

FIGURA 4.21: MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO, LINA BO BARDI (1914 - 1992), 1968

FONTE: Arquitectura Viva


70

FIGURA 4.22 :INTERIOR DO MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO, LINA BO BARDI (1914 - 1992),
1968

FONTE: Arquitectura Viva

Assim como ocorre no projeto de Lina Bo Bardi, que entende o museu como
um espaço que deve ser congruente aos preceitos democráticos, faz-se importante
destacar também o trabalho do arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1928 - 2021)
para o Museu Brasileiro de Escultura (MuBE) (FIGURA 4.23), projeto proposto em
1986. A concepção do MuBE se baseia na ideia do museu como sendo um espaço
invariavelmente público, com o protagonismo, portanto, da praça aberta; o museu
encontra-se mergulhado na praça, marcado por um pórtico que se estende por 60
metros, o espaço expositivo se camufla e se encontra enterrado em relação à
esplanada. Adentrando o museu, o que se encontra é um conjunto de espaços
amplos e livres, flexíveis para uma organização espacial adequada a cada
exposição, assim como nos ideais de Mies Van der Rohe (SEGAWA, 1995).
O projeto de Paulo Mendes da Rocha se concebe com a praça como sendo
um marco urbano, uma parte integrante e essencial do museu, uma espécie de
ágora na qual se permite que a cidade se manifeste e respire, um espaço plural a
ser apropriado pela sociedade, que ainda recebe exposições de esculturas ao ar
livre, de forma a convidar a sociedade a adentrá-la (SPERLING, 2001).
71

FIGURA 4.23: MUSEU BRASILEIRO DE ESCULTURA, SÃO PAULO, PAULO MENDES DA ROCHA
(1928 - 2021), 1987-1995

FONTE: Arquitectura Viva

Em confluência com os projetos dos Museus Guggenheim de Nova York e


Bilbao, de Frank Lloyd Wright e Frank Gehry, respectivamente, em que o espaço
museológico se baseia na intenção de criação de um ícone urbano, Oscar Niemeyer
realiza o projeto do Museu Oscar Niemeyer (FIGURA 4.24), em Curitiba,
concluindo-o em 2002. O projeto é, na verdade, uma intervenção em uma obra de
sua própria autoria, projetado em 1967 e inaugurado em 1978: o edifício Humberto
Castelo Branco, concebido inicialmente para abrigar o Instituto de Educação do
Paraná, mas que por razões políticas acabou sendo sede de secretarias do governo
do Estado. Na intervenção recente, Niemeyer desenvolve um anexo escultórico em
forma de olho que ocupa a porção frontal do sítio, acessado por uma longa rampa
que desenvolve uma promenade. O volume escultórico do olho funciona como um
contraponto à linearidade formal do edifício antigo e, compositivamente, o desnível
em relação ao nível da rua acaba por intensificar o caráter monumental da obra.
Apesar da necessária adaptação do antigo edifício para que se abrigasse, a
partir de então, um espaço expositivo, é fato que há características formais em seu
projeto que facilitaram tal adaptação, como a solução estrutural baseada em
grandes vãos e o já presente sistema de iluminação zenital. O espaço expositivo do
72

olho, no entanto, inicialmente projetado para ser dotado de uma fachada cristalina,
não funcionou de forma eficiente para receber exposições, especialmente pela
incidência solar do horário da manhã que ameaçava danificar as obras, tendo-se de
adaptar a fachada para torná-la opaca (DUDEQUE, 2009).

FIGURA 4.24: MUSEU OSCAR NIEMEYER, CURITIBA, 2002, OSCAR NIEMEYER (1907 - 2012)

FONTE: Museu Oscar Niemeyer


73

5. O PAPEL URBANO E SOCIAL DO MUSEU

5.1. Conceituação

A partir do panorama da historiografia museológica, percebe-se que,


paulatinamente, o museu, tanto como instituição quanto como edifício em si, passa a
angariar uma importância urbana e social cada vez mais relevante.
No que tange especificamente à temática expositiva, pode-se dizer que
alguns museus contemporâneos passaram a ser um palco cada vez mais plural
para a exposição de narrativas que historicamente encontram-se na obscuridade da
sociedade, trazendo-as para a luz do ambiente expositivo, reconhecido como sendo
um espaço dotado de oficialidade, no que se denomina museologia social, aspecto a
ser explorado no decorrer deste capítulo.
Em relação ao edifício museu, analisando-o puramente como um objeto em
meio à malha urbana, pode-se afirmar que sua implantação por muitas vezes é
monumental, devido à grande área que seu programa arquitetônico demanda,
possuindo um impacto definitivo na morfologia urbana, além de ter grande potencial
para adquirir um papel simbólico para a cidade a partir da sua instalação.

5.2. O papel urbano do Museu

Adentrando à função urbana que o edifício museu desempenha, pode-se


dizer que esta perpassa por distintas frentes. Destacam-se, principalmente na
abordagem urbana do museu, a simbologia que o equipamento carrega, o impacto
estrutural e morfológico que ele provoca na cidade e o caráter polifuncional que o
programa museológico adquiriu na contemporaneidade.
Para a análise dessas questões, principalmente levando em consideração o
caráter simbólico e morfológico do museu para a cidade, buscou-se o texto de Joana
Catarina Brito Oliveira em sua dissertação de mestrado “O museu contemporâneo:
processos de transformação de um equipamento urbano”, publicada em 2012.
Oliveira (2012) organiza uma classificação que considera duas abordagens
correntes dos projetos museológicos em sua relação com o contexto urbano, no que
seriam os “museus ícones”, subdivididos em “monumentos urbanos” e “obras de arte
74

total”, e os “museus silenciosos”, subdivididos em: “interpretação culta do contexto” e


“alegoria da neutralidade”.
Como posto anteriormente, o museu se sacramenta especialmente como um
espaço público na Europa dos séculos XVIII e XIX utilizando-se de uma tipologia
derivada da linguagem palaciana. Por si só, esse fato elucida um aspecto
essencialmente simbólico: ele representa uma tomada ou uma inversão de poder;
sob o ponto de vista político, significa que aqueles edifícios que antes
representavam a tirania das monarquias absolutistas, suntuosos e repletos de
tesouros, passam ao domínio público (KIEFER, 2000).
Com a entrada do movimento moderno e o conseguinte abandono da
linguagem derivada da palaciana para os museus, perde-se uma referência única e
universal da arquitetura museológica para o surgimento de inúmeras correntes que
tentam redefini-la. Mesmo sem mais uma linguagem única, o entendimento do
museu como sendo um ícone urbano se mantém - afinal, o caráter profundamente
simbólico do museu recai essencialmente na sua imagem, a imagem de um
invólucro de grandes preciosidades artísticas e históricas, importantes para a
construção identitária de um povo. Sobre o assunto em questão Oliveira (2012, p.
84) discorre:

A imagem que o contentor recebe neste caso específico requere


normalmente uma atenção especial, quer seja pelo seu caráter de instituição
pública quer seja pelo propósito de se tornar num foco cartalisador de
público. O questionamento relativamente à imagem e ao que a sua
representação possa significar aos olhos da sociedade, é há muito um tema
debatido e abordado conceptualmente na arquitetura e em especial, na
arquitetura do museu. Nas primeiras décadas do século XX, Wilhelm R.
Valentiner, na época conservador da secção de Artes Decorativas do
Metropolitan Museum de Nova Iorque, sem ideias realmente precisas quanto
ao que a arquitetura do museu deveria seguir, referia, contudo, claramente
que o edifício não deveria nem fazer lembrar um palácio, nem um armazém e
que a sua localização deveria ser no cume de uma montanha, de maneira a
que a sua perceção à distância fosse imediata. Resumidamente, o museu
para Valentiner deveria ser um verdadeiro ícone urbano, um marco na
paisagem, com uma imagem que se destaca claramente do seu entorno e
revelando-se, de certa forma, a sua funcionalidade de teor público e que
figurasse destacadamente no imaginário coletivo.
75

No que Oliveira (2012) entende como museus sendo “monumentos urbanos”,


há uma abordagem diversa, já que pode ser ancorada em diferentes graus no apelo
formal arquitetônico para se definirem como monumentos. A definição que une essa
estratégia projetual diversa é a do entendimento do museu como sendo um ponto de
referência para a malha urbana, demarcado de forma monumental e simbólica,
assim como os museus palacianos dos séculos XVIII e XIX estudados
anteriormente. Nesse sentido, volta-se novamente ao exemplo do Museu de Arte de
São Paulo (MASP) da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi.
O MASP, como posto no capítulo 3 acerca de “Direitos Humanos, Democracia
e Arquitetura”, se desenvolve como um respiro para a cidade, doando a ela quase a
completude do seu terreno para a implantação de uma praça multifuncional. O que
se destaca é que, para além deste caráter público já evidente no projeto, o Museu se
desenvolve como um definitivo monumento popular: Lina Bo Bardi buscava uma
linguagem simples, de fácil compreensão, que assim, pudesse ser apropriada pela
população paulistana de forma universal e acessível, tornando-o um microcosmos
de igualdade. Segundo a própria (BARDI apud OLIVEIRA, 2012, p. 99):

Procurei uma arquitetura simples, uma arquitetura que pudesse comunicar de


imediato aquilo que, no passado, se chamou de “monumentalidade”, isto é, o
sentido de “coletivo”, da “Dignidade Cívica”. (…) Acho que no Museu de Arte
de São Paulo eliminei o esnobismo cultural tão querido pelos intelectuais (e
os arquitetos de hoje), optando pelas soluções diretas, despidas. O concreto
como sai das formas, o não acabamento, podem chocar toda uma categoria
de pessoas.

O caráter de absoluto ícone urbano passa a ser apropriado como uma


estratégia de marketing e impulsionador turístico das cidades, assim como ocorreu
no exemplo já citado do projeto de Frank Gehry para o Guggenheim Bilbao. Tal fato
leva a um segundo ponto de discussão acerca da simbologia atrelada aos museus:
desde o movimento moderno pode-se ver o programa museológico como uma
oportunidade única para a carreira dos arquitetos de experimentação formal, unindo
a experimentação projetual de formas com o desejo por tornar o museu como um
chamariz publicitário para, enfim, determinar as suas estratégias de sucesso
econômico, social e político (OLIVEIRA, 2012).
76

Na classificação voltada aos museus como sendo “obras de arte total”, há


uma busca pela arquitetura absolutamente escultórica. Deve-se atribuir esta corrente
ao ápice da ideia exposta anteriormente do caráter formal experimental possível nos
programas museológicos. Aqui, a simbologia já discutida que o museu carrega por
ser um contentor de grandes preciosidades entra em conflito com a sua própria
imagem, que passa a ser entendida como tão simbólica quanto seu conteúdo.
A implantação desses museus, em muitos dos casos, excede a
monumentalidade já presente no programa museológico, ocupando, assim, local de
absoluto destaque em meio à malha urbana, preferencialmente locais de entorno
mais livre ou de escala menor, aumentando, assim, a sua dramaticidade e o efeito
de poder ser reconhecido como um ente escultórico. A arquitetura de Oscar
Niemeyer, especialmente, recorre a estes artifícios formais em sua concepção, como
visto anteriormente no caso do Museu Oscar Niemeyer (MON) em Curitiba
(OLIVEIRA, 2012).
Voltando-se especialmente aqui ao que a autora classifica como os “museus
silenciosos” ganha corpo a discussão acerca do impacto morfológico do museu no
seu contexto: em convergência com o esgotamento da ideia moderna de arquitetura
como a construção do espaço como sendo um ente isolado ou acima de seu
contexto imediato, este fator passa a ser de alto valor projetual para uma parcela
dos arquitetos do movimento moderno e para as eras seguintes. Mais
especificamente sobre o contexto urbano, a cidade passa a ser reinterpretada como
um lugar definido por uma junção bastante plural e heterogênea de materiais e
significados.
A paisagem, seja ela natural ou artificial, passa a ser um ponto focal do
partido de projeto, abrindo-se a uma busca por uma integração que objetiva uma
leitura uniforme e coesa da arquitetura e do sítio. Nesse sentido, encontram-se as
obras que Oliveira (2012) classifica como “interpretações cultas do contexto”.
Despontam neste cenário obras como o já citado Museu de Arte Moderna de
Louisiana (1958) na Dinamarca e o Centro Galego de Arte Contemporânea, do
arquiteto português Álvaro Siza Vieira (1933 - ).
No Centro Galego de Arte Contemporânea (FIGURA 5.1), projeto concluído
no ano de 1993, localizado em Santiago de Compostela, na região noroeste da
Espanha, Siza tinha de lidar com uma implantação delicada: o projeto deveria se
desenvolver no centro histórico da cidade, adjunto a um prédio de alto valor histórico
77

e simbólico, o Convento de Santo Domingo de Bonaval. A solução projetual


baseia-se, portanto, na leitura e na inspiração do entorno sensível imediato, onde o
arquiteto busca questões como a linearidade horizontal da forma, os materiais e o
certo caráter que se apresenta, apesar de ser igualmente monumental, silencioso e
respeitoso em relação à preexistência (OLIVEIRA, 2012).

FIGURA 5.1: CENTRO GALEGO DE ARTE CONTEMPORÂNEA (1988-1993), DE ÁLVARO SIZA


(1933 - ), SANTIAGO DE COMPOSTELA, ESPANHA, 1993

FONTE: Archdaily

No que tange aos museus que Oliveira (2012) classifica como “alegorias da
neutralidade”, há um desejo de busca conceitual por um museu, de certa forma,
apático, no sentido de que o edifício perca todo e qualquer protagonismo frente à
exposição; entendendo que não deve haver conflito entre o espaço contentor e o
conteúdo contido, estabelecendo-o como um fundo neutro para uma leitura mais
pura e sem distrações da exposição. O resultado dessa corrente, em termos de
morfologia urbana, é um museu que luta contra a monumentalidade e a simbologia a
que poderia vir a ser atribuído, buscando mais efeitos de camuflagem compositiva
em meio à paisagem urbana ou natural, em uma linguagem de caráter minimalista.
Sobre os museus em questão, Montaner (2003, p. 44) disserta:
78

Sem dúvida, obras que recriam as formas mais essenciais e estruturais e


tentam ir mais além da evolução do tempo e dos recursos tecnológicos. Para
tanto, buscam a ideia arquetípica, a forma essencial do museu:tesouro
primitivo, lugar sagrado, escavação arqueológica, pórtico público, espaço
intemporal da luz.

Um grande exemplo desse tipo de linha projetual museológica se encontra na


obra do arquiteto suiço Peter Zumthor (1943 - ) para o museu Kunsthaus (1990 -
1997), em Bregenz, na Áustria (FIGURA 5.2). O projeto estabelece uma posição de
neutralidade em relação ao seu entorno ao se basear numa forma simples e pura
paralelepipédica, recoberta por fachadas de vidro opaco que permitem perceber a
organização interna de forma bastante difusa, tentando criar, assim, um objeto
misterioso, que desperta um sentimento de curiosidade em relação a seu interior.
Internamente, em contraste com sua forma externa, o edifício revela-se por
completo: a planta totalmente livre, de inspiração moderna, faz com que o museu se
torne um mero pano de fundo para o protagonismo da arte ali exposta (OLIVEIRA,
2012).
79

FIGURA 5.2: KUNSTHAUS, BREGENZ, ÁUSTRIA (1990-1997), PETER ZUMTHOR (1943 - )

FONTE: Kunsthaus Bregenz

Ainda se deve um comentário pertinente à estratégia de projetos que visam a


“recuperação” ou “revitalização” de áreas degradadas da cidade. Apropriando-se
principalmente de regiões que tendem à deterioração, como áreas portuárias,
bairros tradicionais que se encontram em processo de degradação ou ainda antigas
zonas industriais. Os museus que se desenvolvem nessas áreas fazem parte, por
vezes, de planos urbanos de força e abrangência maior, quase sempre voltados ao
interesse da valorização monetária dessas áreas, até então alheias aos olhares das
especulações imobiliárias. O triste resultado dessa tendência é, para além do
processo de gentrificação da área, aproximações pífias e insensíveis das questões
de patrimônio histórico, com a inserção de edifícios que tentam se tornar ícones em
uma paisagem consolidada e delicada (RUFINONI, 2010).
Um exemplo que se fez de forma gritante seguindo essa tendência é a do
Museu do Amanhã, projeto concluído em 2015 pelo arquiteto espanhol Santiago
Calatrava (1951 - ), no Rio de Janeiro. O projeto faz parte do plano urbano do Porto
Maravilha, intimamente ligado aos megaeventos que a cidade do Rio de Janeiro
sediou entre os anos de 2007 e 2016. Estando em uma área de enorme importância
histórica, já que foi a partir dessa região portuária que o Brasil recebeu uma
quantidade enorme de pessoas escravizadas provindas da África, e que vinha de um
80

processo de degradação, o projeto do Porto Maravilha trata de maquiar seu passado


traumático, além de executar violações graves contra a população local, diretamente
afetada pelas obras, como a população do Morro da Providência, em busca de uma
estratégia cega que visa atrair capital. O culminante processo final desse projeto se
dá pela implantação de um museu dotado da assinatura de um “arquiteto de grife”
que estabelece paralelos imagéticos com outros de seus projetos localizados em
cidades globais, utilizando-se da estratégia projetual do museu como “obra de arte
total”, discutido anteriormente. Estabelece-se, desta forma, mais um artifício para
esta estratégia mercantilista do plano urbano (MONTEIRO, ANDRADE, 2012).
Cabe aqui também reforçar a crescente característica dos museus
contemporâneos de se estabelecerem como edifícios polifuncionais: a função
urbana vai muito além da exposição e coleção; hoje é comum que os museus
incorporem em seus programas espaços destinados à livrarias, cafés, restaurantes e
auditórios. Segundo Montaner (2003, p.148), essa tendência, que passa a vigorar
especialmente a partir dos anos 1980, reflete uma completa mudança no
entendimento do que é, de fato, o museu, aproximando-o de espaços de consumo:

Em seu interior, o museu transformou-se em um lugar destinado à afluência


maciça de um público ativo, aos estímulos, à interação e também ao
consumo em seu sentido mais amplo (cafeterias, restaurantes, lojas, livrarias,
etc.). Em sua relação com o exterior, o museu reforçou a sua dimensão
coletiva e converteu-se em um dos lugares públicos mais característicos da
cidade contemporânea. (...) Por um lado, e especialmente dentro da
categoria do museu que se aproxima da forma de um contêiner, encontramos
um fenômeno genuinamente contemporâneo: a aproximação entre arte e
comércio. Os museus tentam se aproximar dos lugares de consumo e as
lojas, para agregar valor a seus produtos, imitam as lógicas museográficas.

5.3. O papel social e democrático do Museu

Cabe aqui, neste subcapítulo, discutir e analisar os fatores que tornam o


museu contemporâneo um equipamento público dotado de enorme responsabilidade
social e essencial para o processo democrático. As temáticas pertinentes a este item
baseiam-se, primeiramente, nas novas definições acerca das instituições
81

museológicas e nos papéis de justiça social e histórica que estas podem


proporcionar, no que se define como museologia social.
Em seguida, cabe a discussão geral acerca do papel democrático dos
museus, que se dá tanto em via do estabelecimento de um espaço polifuncional
simbólico e público para o respiro da cidade, como posto no capítulo 3, quanto pelo
que a corrente de museologia social significa para a defesa dos seus preceitos.

5.3.1. As novas definições museológicas

A transformação das instituições museológicas descritas por Montaner,


expostas no final do item 5.2, é, na verdade, um processo que não se encerra em si
e ainda se encontra em construção e definição.
O reconhecimento e a discussão acerca dos novos papéis que os museus
desempenham na contemporaneidade é especialmente apropriada pelo Conselho
Internacional de Museus (ICOM). Em conferência realizada no ano de 2007, o
Conselho estabeleceu que a definição de museu se dava por ( 2007, p. 1):

O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da


sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire,
conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da
humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e
deleite.

O ICOM, porém, como instituição, parece ter plena consciência acerca do seu
dever de revisar estas definições constantemente para adequá-las aos desafios
museológicos contemporâneos. No ano de 2021, o conselho abriu um debate que se
propunha a reformular as definições estabelecidas anteriormente, assim, o órgão
organizou algumas das novas definições propostas em um documento, a fim de
incorporá-las em termos mais oficiais nas suas políticas a partir da votação em
congresso a ser realizado em agosto de 2022.
No geral, há fatores que se tornam convergentes entre as propostas,
aspectos como: a sustentabilidade, a responsabilidade social do museu, o
compromisso pela inclusão e diversidade, tanto em questão de público, quanto de
temáticas expográficas e, neste mesmo sentido, a aclamação também pelo papel
82

museográfico de promoção da justiça social, tornam-se pontos essenciais para o


entendimento do que se espera dos novos papéis a serem desempenhados pelas
instituições museológicas na contemporaneidade (ICOM, 2021).
83

5.3.2. A museologia social

A chamada museologia social é a tendência estabelecida pelas novas


iniciativas museológicas que focam especialmente em trazer para o ambiente do
museu, um espaço reconhecido por ser dotado de um caráter de oficialidade, as
questões sociais delicadas que afligem as camadas menos favorecidas da
sociedade (CHAGAS, GOUVEIA, 2014).
As noções do papel social que os museus carregam surgem com mais força
nos anos 1970. Foi no ano de 1972 que o ICOM, em conjunto com a UNESCO,
organizou um evento que serviria de base para o desenvolvimento museal das
décadas seguintes: a Mesa Redonda de Santiago, no Chile. O evento se tornaria
simbólico, principalmente, para a tomada de consciência dos países
latino-americanos para o estabelecimento de uma cultura própria de museus: seria a
primeira vez que um evento do ICOM ocorreria em território latino-americano,
conduzido integralmente em língua espanhola e, ainda por cima, girando em torno
de uma pauta escolhida pelos próprios países da América Latina. A temática
discutida durante a Mesa Redonda de Santiago voltou-se principalmente para as
questões sociais que os museus deveriam assumir, reconhecendo a missão
museológica de participar de forma ativa na formação de uma consciência coletiva
social em seu contexto. No documento gerado pela conferência, preza-se por
alternativas que busquem a ação da prática social por parte dos museus, para que
eles se transformem em um palco para narrativas expográficas acerca dos
problemas que oprimem a Humanidade (FNM, 2012).
Uma figura de importância para essa tomada de consciência é o museólogo
francês Hugues de Varine (1935 - ), diretor do ICOM entre os anos de 1965 e 1974.
Baseado nos assuntos discutidos pela Mesa Redonda de Santiago, em 1972, e nos
eventos que abalaram a percepção do mundo nos anos 1960 e 1970, como as
guerras coloniais na África e as ditaduras militares latino-americanas, Varine lança o
livro “Os Museus no Mundo”, em 1979. O autor defende a construção de uma nova
ética e de uma nova política acerca dos museus na contemporaneidade, adentrando
em questões sociais que nessa época passaram a ganhar peso, em um processo
complexo que envolve, inclusive, um investimento na descolonização das
instituições museológicas, entendendo que o museu tradicional é um fenômeno
84

ligado ao contexto europeu que se reproduz nas suas colônias de forma muitas
vezes descontextualizada em relação à realidade local.
A museologia social, também denominada como sociomuseologia,
particularmente, passa a ser delineada de forma mais oficial a partir dos anos 1990,
impulsionada, sobretudo, pela revisão do que as conferências realizadas nos anos
anos 1970 e 1980, como a Mesa Redonda de Santiago, denominaram como novas
museologias: um guarda-chuva que abarcava ideias como a ecomuseologia, a
museologia comunitária e a museologia crítica (CHAGAS, GOUVEIA, 2014).
No âmbito do debate acadêmico acerca da museologia social, houve grande
oposição à denominação dessa corrente museológica como tal, argumentando-se
que, no fundo, toda museologia possui caráter social, já que a inserção dos museus
sempre se dá em um determinado e indissociável contexto social.
O fato, porém, é que o significado da sociomuseologia recai, na verdade, no
compromisso ético e político que se estabelece para tentar promover a justiça social
através da força representativa que os museus carregam, sendo espaços voltados,
em sua própria essência, à preservação da memória. No caso da sociomuseologia,
o desejo representativo se dá pela preservação da memória de opressão e luta das
camadas mais desfavorecidas da sociedade capitalista. Há de ser posto, também,
que a museologia social aborda a necessidade do museu se tornar uma ferramenta
de uso coletivo e participativo, ou seja, uma instituição que funcione a partir ou em
conjunto das camadas mais oprimidas da sociedade, para que suas histórias e suas
lutas sejam representadas de forma autêntica e física no espaço museal.
Na ausência de uma política de incentivo por parte do poder público
brasileiro, Mario Chagas e Inês Gouveia em seu artigo “Museologia Social: reflexões
e práticas”, lançado em 2014, argumentam que os museus de cunho essencialmente
social se fazem presentes, portanto, de forma paralela e independente, mantendo-se
com base em gestões comunitárias, por exemplo (CHAGAS, GOUVEIA, 2014).
Apesar da aparente transgressão aos ideais tradicionais da museologia, o
fenômeno da museologia social está ligado intimamente a um papel que os museus,
na verdade, sempre representaram: historicamente, vê-se que os museus servem
sempre às causas do seu tempo. Como argumenta Cristin Bruno, em seu artigo o
“Os museus servem para transgredir: um ponto de vista para a Museologia paulista”:
85

É possível constatar, e a bibliografia é farta dessas análises das expedições


colonizadoras europeias que percorreram diversas regiões de todas as
partes do mundo, cujas coletas referentes à natureza e às sociedades foram
abrigadas nos museus; quando os embates pelos Estados nacionais se
mostraram proeminentes, os museus reverberaram essas perspectivas;
quando as descobertas pré-históricas evidenciaram outra humanidade, os
respectivos vestígios encontraram guarda nas instituições museológicas;
quando as pesquisas antropológicas e dos ramos da história natural se
estruturaram, foi exatamente a partir dos museus que se projetaram em
relação ao universo das ciências; quando a técnica e a tecnologia passaram
a ser encaradas como um legado, essas instituições lhes deram apoio para a
preservação de suas referências; quando a democratização da educação se
enraizou nas sociedades, os museus serviram de grande suporte no que
tange à difusão das ciências e das artes. Da mesma forma, as instituições
museológicas se abriram para anseios comunitários, identitários e étnicos,
assim como têm viabilizado a valorização da arte contemporânea, têm
denunciado a opressão política e têm desempenhado o papel de ícone
urbano (BRUNO apud NEVES, 2011, p. 228).

Pode-se dizer, portanto, que os aspectos representados nas exposições de


caráter social correspondem a uma necessidade estrutural do mundo
contemporâneo, ou seja, entende-se que, a partir de um ponto de vista da missão
temporal dos museus, que as instituições devem trazer à luz as narrativas de
opressão a qual parcelas da sociedade sofreram durante séculos, sendo um
compromisso social que se ancora no poder educacional que os museus
resguardam para mudar a realidade.
A escolha por representar no ambiente museológico as populações
subjugadas pela sociedade, que dificilmente teriam espaços de representação nos
museus tradicionais, é antes de tudo, política. Torna-se, sobretudo, um compromisso
com a democracia e com os Direitos Humanos (NEVES, 2019).
As exposições museológicas fazem parte de um processo narrativo de
construção de uma verdade. É, portanto, no aparentemente simples fato de expor,
ou não, certos fatos, que os museus estruturam as suas narrativas que, mesmo sem
intenção consciente, possuem intenção política. É também na própria ausência de
certos personagens e histórias que se manifestam as dores sociais, tornando-se
86

invisíveis, no que Peter Berger (2014) proclama como sendo um “esquecimento


aniquilador” (TOLENTINO, 2017).
Referindo-se especificamente aos Direitos Humanos Universais, pode-se
afirmar que a museologia social amplia as noções preestabelecidas pelo artigo 27 da
declaração de 1948 (1948, p. 10): “todo ser humano tem o direito de participar
livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do
progresso científico e de seus benefícios", entendendo que os museus produzidos a
partir desta filosofia são, antes de tudo, produtos comunitários, como visto
anteriormente.
A noção democrática atrelada aos museus, e aqui especialmente à
museologia social, perpassa, sobretudo, pela compreensão da ideia de democracia
cultural. A denominada democracia cultural se define como um instrumento de
revisão crítica ao conceito de democratização da cultura que, por sua vez,
representa uma política dotada de um caráter hierarquizado e vertical, ou seja, que
na existência de uma cultura dita erudita, outra de massas e outra popular, seria
apenas a cultura erudita que deveria ser difundida de forma oficial, através, por
exemplo, dos museus, já que seria a única a ser reconhecida como detentora de
qualidades. A lógica inversa proposta pela democracia cultural entende a cultura
como um ente mais descentralizado, plural e diverso, criando mecanismos que
tentam promover a correção das desigualdades através não apenas do acesso à
cultura, mas também no reconhecimento e valorização das culturas antes
marginalizadas, estimulando-se, sobretudo, a participação social ativa na produção
cultural (BRIGHENTI, 2021).
No artigo de 2021, escrito pela museóloga portuguesa Sara Barriga Brighenti,
intitulado “ A cultura e a promoção da democracia: recomendações da Carta do
Porto Santo para os museus”, a autora discorre acerca da democracia cultural
(2021, p. 4):

Como pode a vivência cultural e a educação ajudar a emancipar em vez de


embrutecer? É sobre tudo isso a democracia cultural – um paradigma que
enquadra a relação entre instituições, o sector cultural e o público,
postulando o desejo de uma participação mais ativa e comprometida
assimilando as práticas culturais de grupos sociais diferentes, preservando
práticas culturais próprias e recriando modos de estar e de interpretar o
mundo, de forma inovadora e integradora, que promovam o sentido de
87

pertença e o bem-estar social. Neste enquadramento, a cultura não é uma


mercadoria, mas um espaço aberto para que cada cidadão se possa
envolver, ter uma posição, escolher e assumir a responsabilidade de moldar
a sua própria cultura – e a cultura de todos. A democracia é uma metodologia
social dinâmica que pressupõe a partilha do poder.

Ainda segundo Brighenti (2021), a tradicional museologia, mesmo que de


forma inconsciente, acaba por estabelecer barreiras simbólicas a diversas parcelas
da sociedade ao decidir por expor narrativas que não as representam, o que
consequentemente acarreta na não apropriação das instituições museológicas por
parte destas populações. Por outro lado, o papel que os museus desempenham
nesse cenário de democracia cultural é o de serem instituições de imenso poder
educativo e político. Voltando às questões específicas da museologia social, ao
incluir em suas exposições narrativas acerca de questões sociais emergentes, os
museus estão promovendo uma visão mais plural da realidade e incluindo de forma
ativa, também, toda uma população que antes não tinha acesso físico e simbólico a
este tipo de equipamento cultural.
88

5.4. Museus de memória traumática

O presente subcapítulo pretende, por fim, analisar as especificidades dos


denominados Museus de Memória Traumática, estabelecendo que será nesta
temática museológica que se desenvolverá o posterior projeto arquitetônico.
Os horrores causados em todo o globo pelos conflitos da Segunda Guerra
Mundial (1939 - 1945) deixaram como herança aos sobreviventes traumas
marcantes e permanentes, a partir de então, o mundo nunca mais seria o mesmo.
Surge, portanto, a urgente necessidade de se resguardar a memória desses eventos
traumáticos, com a missão primordial da tomada de consciência social para evitar a
repetição de mais horrores como os passados.
Criam-se, neste sentido, instituições museológicas voltadas à memória de
todos aqueles que sofreram ou pereceram com violações sistêmicas dos Direitos
Humanos, inicialmente implantadas especialmente em locais significativos em que
ocorreram esses traumas. Um dos memoriais mais antigos desta vertente foi o
Museu Memorial de Terezin (FIGURA 5.3), também conhecido como Memorial da
Dor, criado em 1947 na cidade Terezín, na República Tcheca. O museu se localiza
no espaço em que a máquina de guerra nazista utilizava como prisão, gueto e
estação de transporte dos judeus até os campos de extermínio. A instituição serve a
propósitos educativos, expositivos e de pesquisa histórica sobre os crimes que ali
ocorreram (NEVES, 2019).
89

FIGURA 5.3: EDIFÍCIO DO MUSEU MEMORIAL DE TEREZÍN, REPÚBLICA TCHECA,


INAUGURADO EM 1947

FONTE: Pamatnik Terezin

Outro museu precursor que se adequa na temática de resguardo à memória


traumática foi a Casa de Anne Frank (FIGURA 5.4), localizada em Amsterdam, na
Holanda, aberta no ano de 1960. A iniciativa de se criar o memorial em homenagem
à menina que perdeu a vida no holocausto judeu e que deixou um diário como
testemunho, partiu da união de Otto Frank, pai de Anne, com a população local para
que também se evitase a destruição da casa em que a família se escondeu nos
anos mais opressivos da Segunda Guerra Mundial. Devido ao alto número de
pessoas interessadas em visitar o memorial, no ano de 1971 foi realizada uma
primeira reforma para que se pudesse atender as necessidades operativas de um
museu e, no ano de 1999, uma ampliação se fez necessária, projeto do escritório
holandês Benthem Crouwel Architects. O ato de criação do museu tendo partido de
uma ação comunitária ecoa também nos aspectos discutidos anteriormente acerca
da gestão coletiva e independente dos museus sociais (NEVES, 2019).
90

FIGURA 5.4: EDIFÍCIO DO MUSEU CASA ANNE FRANK, AMSTERDAM, PAÍSES BAIXOS

FONTE: Anne Frank House

Apesar de anteriores à concepção da museologia social, pode-se dizer que a


temática da memória traumática acaba por ser absorvida e disseminada pelos
museus sociais, em uma compreensão de que esta é uma representação profunda
da resistência coletiva à opressão. Ao se apropriar dessas narrativas, o museu
social, e aqui especialmente o museu de memórias traumáticas, possui, portanto, a
força representativa e política para se tornar um espaço físico e material de
resistência (TOLENTINO, 2017). Em seu texto publicado em 2017 intitulado “Os
museus e as vozes da memória da resistência”, Átila Tolentino argumenta (2017, p.
2):

Onde há memória, há poder. Onde há poder, há resistência. Ninguém cria


museu sem desejo de poder. E a resistência é também uma forma de poder.
Cada vez mais as identidades de resistências, na acepção de Castells
(2008), antes silenciadas e subjugadas, têm se apoderado dos museus e se
empoderado por meio deles. Novos atores têm se utilizado desse
instrumento como uma arma política na reafirmação e ressignificação de
91

suas identidades e como ícone de suas lutas e reivindicações, por meio de


um processo de politização de suas memórias.

Composta por países assolados por séculos de violações sistêmicas dos


Direitos Humanos e por populações traumatizadas, a América Latina,
especialmente, torna-se um território em que os museus de memória traumática se
disseminam possuindo um papel de importância no resguardo físico da memória e
na instituição de espaços de pesquisa e educação sobre a temática.
Um triste elo que ligou quase todos os países latino-americanos foi a
experimentação de regimes ditatoriais que ocorreram, particularmente, nas décadas
da segunda metade do século XX, os quais levaram à banalização de práticas como
o cerceamento às liberdades políticas, a censura aos meios de comunicação, a
tortura e as execuções em massa de dissidentes políticos do Estado. Esta é,
portanto, uma das grandes e principais temáticas exploradas pelos museus de
memória traumática nesses países, em um movimento similar ao ocorrido com os
memoriais da Segunda Guerra Mundial erguidos após o seu fim, buscando,
sobretudo, o compromisso democrático da promoção da justiça histórica e da
reparação simbólica das vítimas (GIROTO, 2021).
A abordagem desta delicada narrativa exige da arquitetura museográfica e da
museologia artifícios projetuais que provoquem emoções nos visitantes. Trata-se de
elaborar formas de expor a história não de maneira distanciada e puramente
analítica, mas de evocar emoções de verdadeira comoção, a fim de, através do
choque, conscientizá-los da gravidade dos eventos e da necessidade de lutar para
que similaridades não voltem a ocorrer, no que Giroto (2021, p. 100) define como
uma forma de “reavivar um passado através da imersão afetiva, fazendo-o vibrar
como se fosse presente”. A particularidade desses museus em relação às demais
instituições museológicas de cunho histórico está mais na intenção, portanto, de
explorar a fundo o sentimento de memória, carregado de aspectos simbólicos e
afetivos, do que de reconstituir a história de forma isenta.
O poder da arquitetura de museus, tendo a intenção de provocar, de alguma
forma, uma experiência emotiva nos visitantes, pode recair na estratégia de
manipulação sensorial do espaço, atiçando-os psicologicamente através da inversão
da lógica convencional expográfica, a qual prioriza a visão sobre os outros sentidos.
É possível a criação de atmosferas que provoquem a mais profunda imersão
92

espacial, voltando a atenção perceptiva integral do público à narrativa ali


desenvolvida (GIROTO, 2021).
Argumenta-se, também segundo Giroto (2021), que a relação com o sítio de
implantação pode ser um fator que assume um papel ativo no ganho de significância
do espaço museológico em relação à temática. Nesse sentido, entrando no território
dos museus que se ocupam de prédios onde ocorreram eventos traumáticos, a
estratégia projetual pode ser da escolha pela mínima intervenção arquitetônica, para
que não se altere a estrutura original, reconstituindo espaços tal como eram a fim de
se estabelecer uma atmosfera de realidade e de testemunho por parte dos
visitantes.
Cabe aqui ressaltar brevemente alguns dos museus de memória traumática
mais relevantes para o território latino-americano, reservando, posteriormente, o
espaço do capítulo de estudos de caso para aprofundar a análise sobre três
museus: O Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, no Chile, o
Memorial da Resistência em São Paulo e o Centro de Memória, Paz e
Reconciliação, na Colômbia.
O museu Lugar da Memória, Tolerância e Inclusão, em Lima, no Peru,
concluído em 2015 pelo escritório peruano Barclay & Crousse (FIGURAS 5.5 e 5.6),
retrata o trauma nacional causado pela guerra civil que perdurou entre os anos de
1980 e 2000, entre os grupos revolucionários Sendero Luminoso e Movimento
Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) contra o estado peruano, responsável pela
morte de mais de 70 mil pessoas, na sua maioria populações já marginalizadas,
como agricultores e indígenas das zonas rurais do país.
A intenção do museu gira em torno de se utilizar do instrumento da memória
como um meio de reconciliação de um país rachado pelo conflito. A expografia trata
de se utilizar principalmente de relatos pessoais de vítimas, ou de pessoas
relacionadas à elas, para a criação de uma narrativa que proponha, sobretudo, a
reflexão e a participação popular ativa.
A estratégia projetual do museu buscou uma integração da forma à paisagem
atrelada ao modo de implantação do edifício: localizado em uma cadeia montanhosa
que intercala a cidade e o mar, estando a cidade localizada na cota superior, o
museu encontra-se semi-enterrado na montanha, permeando entre a encosta e uma
grande praça livre, e seu acesso se dá através de um caminho peatonal que interliga
os dois espaços. Outras formas de integração do objeto ao seu contexto se dão pela
93

escolha especial das aberturas e pela materialidade principal de um concreto de


coloração quente. As aberturas criadas pelo edifício se percebem de forma pouco
evidente, estabelecendo dutos de concreto zenitais que banham o interior de luz e
priorizando-se que as grandes aberturas de parede se voltem para o lado da
encosta, deixando, assim, um caráter monolítico na fachada que se volta para a
praça (CARVALHO, 2020).

FIGURA 5.5: LUGAR DA MEMÓRIA, TOLERÂNCIA E INCLUSÃO, EM LIMA, NO PERU, 2015

FONTE: Arquine
94

FIGURA 5.6: VISTA LATERAL DO LUGAR DA MEMÓRIA, TOLERÂNCIA E INCLUSÃO, EM LIMA,


NO PERU, 2015

FONTE: Arquine

Já o Museu Memória e Tolerância (FIGURA 5.7), inaugurado em 2010,


localizado na Cidade do México, sendo um projeto do escritório mexicano Arditti +
RDT Arquitectos, volta-se para uma abordagem focada principalmente nos eventos
ocorridos no holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial, estabelecendo,
porém, uma abertura expositiva que também abarca temáticas mais amplas de
violações aos Direitos Humanos.
A equipe de arquitetura, também influenciada pela própria condição física do
sítio, estabeleceram uma estratégia projetual de um museu que busca neutralidade:
estando implantado no miolo de uma quadra adensada, é evidente que não seria
possível reproduzir a tipologia de museu como um ícone urbano, que muitas vezes
exige uma configuração de um objeto solto e destacado do entorno; a escolha
volumétrica e de materialidade também não necessariamente se relacionam com a
temática museológica (GIROTO, 2021).
A organização espacial do museu segue uma lógica bastante racionalizada,
evidenciando o percurso expositivo pela divisão temática na direção vertical do
edifício, reservando a abordagem da memória nos dois primeiros pavimentos e
95

acerca da tolerância no terceiro. Entre os pavimentos, há a presença de um cubo


suspenso (FIGURA 5.8) marcado por um revestimento em corian texturizado com
relevos em forma de galhos de oliveira, árvore simbólica da paz. A presença
espacial do cubo instiga a descoberta de seu interior, no qual se encontra uma
instalação artística que homenageia as crianças mortas durante o holocausto. Giroto
(2021) afirma, no entanto, que apesar da organização racional do museu ser
benéfica para as questões funcionais e museográficas, a espacialidade da instituição
acaba por se tornar genérica e pouco significativa, em um uso da luz natural e dos
materiais de forma pouco criteriosa, o que gera uma experiência atmosférica pouco
envolvente.

FIGURA 5.7: MUSEU MEMÓRIA E TOLERÂNCIA, CIDADE DO MÉXICO, 2010

FONTE: Archdaily México


96

FIGURA 5.8: INTERIOR DO MUSEU MEMÓRIA E TOLERÂNCIA, CIDADE DO MÉXICO, 2010

FONTE: Archdaily México

Em suma, dentro do âmbito da museologia social, na sua prioridade


expográfica por narrativas dotadas de significância a uma resistência política e
social, os museus de memória traumática exercem um papel conscientizador da
preservação da lembrança de todos aqueles que lutaram e pereceram para a
manutenção de preceitos intrínsecos aos Direitos Humanos, ecoando no presente o
compromisso social ativo para que se evite que novas tragédias voltem a ocorrer,
tornando-se, portanto, espaços de salvaguarda dos princípios de uma doutrina
democrática, entendo-a como um elo social frágil que deve, logo, permanecer em
constante vigilância.
97

6. ESTUDO DE CORRELATOS

Reserva-se este espaço para uma análise de três projetos arquitetônicos


museológicos que reverberam de alguma forma nas primeiras intenções projetuais a
serem desenvolvidas posteriormente. A escolha dos projetos levou em consideração
aspectos como: a temática expositiva, o programa arquitetônico, a solução projetual,
o contexto de implantação e soluções técnico-construtivas. A análise se dará sobre
três museus: O Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, no Chile,
o Memorial da Resistência em São Paulo e o Centro de Memória, Paz e
Reconciliação, na Colômbia.

6.1. Museu da Memória e dos Direitos Humanos, Santiago, Chile

FIGURA 6.1: MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE,


2010

FONTE: Archdaily
98

Fruto de um concurso realizado no ano de 2007 pelo Ministério de Obras


Públicas do Chile, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, inaugurado em
2010 (FIGURA 6.1), faz parte das comemorações nacionais do bicentenário da
independência do país. O projeto vitorioso foi de autoria do escritório paulista
Estúdio América, composto pelos arquitetos Mario Figueroa, Lucas Fehr e Carlos
Dias, em uma colaboração com o arquiteto chileno Roberto Ibieta. A temática central
da narrativa expográfica do museu se dá pela memória de um período sangrento da
história chilena, a ditadura militar do General Augusto Pinochet, que perdurou entre
os anos de 1973 e 1990, responsável por milhares de mortes, perseguições políticas
e torturas pelo terrorismo de estado.
Implantado na região oeste da zona central da cidade de Santiago, no bairro
de Yungay - fazendo parte de um eixo que abriga diversos equipamentos públicos e
culturais, como o Parque Quinta Normal, o Museu De História Natural e o Museu de
Ciência e Tecnologia (FIGURAS 6.2 e 6.3) - o terreno onde se localiza o museu
estava reservado inicialmente para a implantação de uma estação intermodal,
estando antes do início das obras com escavações que alcançavam de 6 a 12
metros de profundidade, fato que se tornaria um partido de projeto por parte dos
arquitetos. Destaca-se também que na concepção inicial do concurso havia a
intenção de se construir, como parte do complexo do museu, um segundo edifício
destinado a escritórios públicos e privados, o Centro Matucana, que acabou não
sendo executado.
99

FIGURA 6.2: EQUIPAMENTOS NOS ARREDORES DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS


HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: FIGUEROA; FEHR; DIAS, 2010, Adaptado pelo autor

FIGURA 6.3: IMPLANTAÇÃO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM


SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Google Earth


100

Aproveitando-se, portanto, desta situação de preexistência da escavação no


terreno, a estratégia de projeto pauta-se em estabelecer uma praça que possui um
eixo central semi-enterrado, implantando-se o bloco prismático do museu de
maneira perpendicular a este eixo no seu ponto de profundidade máxima (FIGURA
6.4), em um movimento que causa a suspensão da forma, apoiada como uma ponte
por quatro pilares sobre espelhos d’água localizados nas duas pontas da praça
(CARVALHO, 2020).

FIGURA 6.4: VISTA FRONTAL DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM


SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily

O volume principal do museu se dá por um bloco de 80 metros de


comprimento por 18 metros de largura, revestido nas duas faces maiores por placas
de cobre esverdeadas e translúcidas, as quais filtram a luz para o ambiente interno.
A escolha do cobre como materialidade principal se dá por uma clara referência aos
recursos naturais abundantes no território chileno, no que Giroto (2021) interpreta
como sendo uma forma do projeto se atrelar a uma linguagem neutra, enraizada em
uma acepção de identificação nacional e não necessariamente ligada diretamente
aos horrores ali expostos.
101

A intenção projetual e museológica se baseia em uma abordagem viva a um


tema profundamente carregado de dor. Ao invés de tratar a arquitetura de uma
forma tão pesada quanto a temática, no que os arquitetos encararam como uma
estratégia que poderia ser demasiadamente chocante ao público, o edifício se banha
de luz internamente, em uma metáfora espacial ao museu sendo transparente aos
fatos e lançando luz às questões obscuras que cercam os acontecimentos da
ditadura militar no Chile. O edifício e a museologia buscam tratar o tema de forma
leve e otimista, em uma atmosfera de reconciliação com o passado. Ressalta-se que
parte da crítica condenou esta postura, afirmando que desta forma o museu deixa de
proporcionar uma experiência cognitiva e emocional para se atrelar a uma
abordagem instrutiva e sensorial.
Por detrás dessa pele translúcida de cobre é possível perceber de forma
difusa as linhas de parte da vedação metálica do museu e, acerca do sistema
estrutural utilizado, como mencionado anteriormente, o edifício se apoia no terreno
através de quatro pilares, sendo dois em cada extremo do volume, incorporando-se
nos elementos de circulação vertical. Fechando a estrutura, utilizam-se duas vigas
vierendeel (FIGURA 6.5) que percorrem todos os 80 metros de extensão. Gera-se
espacialmente uma divisão funcional do programa em um diagrama de corte, onde,
na barra principal que flutua sobre a praça, acontecem as atividades relacionadas
principalmente às exposições, organizadas em três pavimentos, e na base e no
subsolo se encontram as funções de técnicas do museu, como acervos, reservas
técnicas, áreas de pesquisa, salas de reunião e uma biblioteca (FIGURA 6.6). A
equipe argumenta que intrínseca a esta divisão funcional há também uma intenção
conceitual de projeto: onde se elevam a memória e os fatos históricos apoiados em
uma base de pesquisa e mineração de conhecimento (FIGUEROA; FEHR; DIAS,
2010).
102

FIGURA 6.5: ESQUEMA DO SISTEMA ESTRUTURAL DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS


HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily

FIGURA 6.6: CORTE LONGITUDINAL DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS,


EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily
103

Internamente, a estratégia projetual também parte de um exercício de análise


metafórica e conceitual: entende-se a memória como uma entidade fragmentada e
incompleta por natureza, diferentemente da história que segue uma linha
cronológica e fechada; organiza-se, portanto, a espacialidade da exposição a partir
de uma fragmentação compositiva: estabelecem-se diferentes vazios entre os
pavimentos, representando de certa forma, esta visão fragmentária da memória
(FIGURA 6.7) - em um desejo de que estes se tornem também pontos integradores
do projeto, de forma que, a partir deles, se possa ter uma visão mais global de
espaço - intencionando-se que o percurso seja explorado livremente, de forma que a
acepção do conteúdo exposto no museu se dê por uma soma dos fragmentos
expositivos.

FIGURA 6.7: VISTA INTERNA DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM


SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily

Em uma segunda dimensão de análise acerca da organização interna, vê-se


em planta (FIGURA 6.8) que se opta por concentrar as circulações espacialmente
nas bordas do edifício: como posto anteriormente, aloja-se parte da circulação
vertical aproveitando-se dos pilares nas pontas, em especial para elevadores e
escadas de emergência, já para outros núcleos de circulação, utilizam-se as faces
104

do eixo longitudinal do edifício, sendo uma delas destinada a escadas mais usuais e
de mais destaque, e outra para a colocação de corredores que adentram o espaço
expositivo mais denso, localizado na porção central (FIGUEROA; FEHR; DIAS,
2010).

FIGURA 6.8: PLANTAS SETORIZADAS DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS,


EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily, adaptado pelo autor

Em uma estratégia projetual que ecoa na discussão anterior sobre a


necessária espacialidade emocional dos museus de memória traumática, sob um
dos espaços expositivos a equipe desenvolve uma caixa envidraçada que se
sobressai do pavimento superior. Dentro da caixa há a instalação de uma
experiência reflexiva, encarando de dentro para fora um grande painel com inúmeros
rostos daqueles que pereceram nas mãos do terrorismo de estado, o visitante pode
prestar a sua homenagem às vítimas acendendo a elas uma vela (FIGURA 6.9) - um
movimento que Giroto (2021) define como uma interação entre arte, arquitetura e
museografia.
105

FIGURA 6.9: ESPAÇO INTERNO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM


SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily

Por fim, deve-se destacar a praça criada como uma das figuras centrais do
projeto. Como posto anteriormente, a equipe se utilizou da preexistência das
escavações destinadas à estação intermodal de transporte público para a
elaboração da praça que se encontraria de forma semi-enterrada, no que se nomeou
como praça da memória (FIGURA 6.10). Para vencer o desnível e alcançar a cota
mais baixa de onde há a recepção e o café do museu, boa parte da praça se dá por
uma suave rampa que se desenvolve a partir do eixo perpendicular à barra do
museu, já nas laterais paralelas à rampa, na porção que se encontra após se cruzar
o bloco do museu, os arquitetos desenvolveram um sistema de acesso que se dá
através de escadas e arquibancadas. Por um dos trechos mais próximos à esquina
da praça está a entrada de veículos para o estacionamento e para as funções de
carga e descarga que se encontram no subsolo da praça (FIGURA 6.11).
Aproximando-se da entrada do museu é possível ver incrustado nas paredes de
concreto aparente, que definem o espaço da rampa, o texto integral da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, em uma primeira abordagem ao tema a
106

ser desenvolvido pela exposição interna (FIGURA 6.12) (FIGUEROA; FEHR; DIAS,
2010).
FIGURA 6.10: PRAÇA DA MEMÓRIA, PARTE DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS
HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily
107

FIGURA 6.11: ACESSOS E CIRCULAÇÃO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS


HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily, adaptado pelo autor

FIGURA 6.12: ENTRADA DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM SANTIAGO,


NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily
108

Há que se ressaltar também o caráter cívico da Praça da Memória. Santiago


é uma cidade que possui poucas praças da mesma tipologia de esplanada seca
como é o caso da praça do Museu, sendo benéfica a flexibilidade proporcionada por
esta característica para que o espaço possa ser apropriado de formas diversas,
como apresentações de teatro, cinema, palestras, manifestações e eventos no geral
(FIGURA 6.13), tornando-se, assim, um espaço público por excelência e em
conformidade com os preceitos democráticos discutidos anteriormente (FIGUEROA,
2017).

FIGURA 6.13: APRESENTAÇÃO DE TEATRO NO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS


HUMANOS, EM SANTIAGO, NO CHILE, 2020

FONTE: Radio Universidad de Chile


109

6.2. Memorial da Resistência, São Paulo, Brasil

Um segundo exemplo que há de se destacar é o Memorial da Resistência


(FIGURA 6.14), localizado na cidade de São Paulo. Apesar de se enquadrar de
forma distinta em relação à proposta a ser elaborada posteriormente, por se tratar
especificamente de um projeto de reciclagem de um edifício histórico, seu exame se
justifica por ser um dos poucos museus no Brasil a possuir tal temática. Desta forma,
espera-se da análise a apreensão das formas com que o museu em questão dialoga
com o público e com o contexto brasileiro acerca das questões expositivas.

FIGURA 6.14: MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO PAULO, BRASIL, 2009

FONTE: Memorial da Resistência

O edifício que abriga o Museu da Resistência de São Paulo se localiza no


bairro de Santa Ifigênia, na região central da cidade, muito próximo a outros
equipamentos culturais como o Museu da Língua Portuguesa e a Pinacoteca de São
Paulo. Construído originalmente no ano de 1914 pelo arquiteto Ramos de Azevedo
para abrigar escritórios administrativos e armazéns da Companhia Estrada de Ferro
Sorocabana, o edifício foi desativado no ano de 1938 para adaptá-lo a ao uso de
uma delegacia ligada ao Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São
110

Paulo (DEOPS-SP), órgão governamental que funcionou principalmente a serviço da


Ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937 - 1945) e da Ditadura Militar (1964
- 1985), para a investigação e repressão dos inimigos do Estado, o que incluia
práticas como prisões indevidas, torturas e assassinatos.
Com a extinção do DEOPS, em 1983, o edifício passou a ser ocupado pela
Delegacia de Defesa ao Consumidor (DECON) até o ano de 1997, quando foi
absorvido pela Secretaria Estadual de Cultura. Faz-se importante o comentário que,
especialmente neste período entre os anos 1983 e 1997, o edifício sofreu com
adaptações internas que acabaram por descaracterizar e apagar alguns dos
elementos existentes da época em que funcionou como ferramenta de repressão
ditatorial. No ano de 1999, o edifício foi tombado pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico (CONDEPHAAT) (GUMIERI, 2012).
Houve um período em que o prédio esteve abandonado, entre os anos de
1997 e 1999, e em meio a um processo de discussão pública acerca do que se
transformaria o edifício, uma das primeiras formas de reapropriação do espaço se
deu com uma peça de teatro participativa - a peça “Lembrar É Resistir”, de Izaías
Almada. Segundo Guilherme Pires de Campos, em sua dissertação de mestrado “O
Memorial Da Resistência De São Paulo: análise de uma política pública de memória
e suas contribuições ao longo de uma década'', defendida no ano de 2021
(CAMPOS, 2021, p. 69):

A peça, segundo Almeida (2004), foi baseada em experiências reais e


pensada para lembrar que os motivos que levaram as pessoas a lutar contra
a institucionalização da violência ainda continuavam. A dramatização foi
realizada entre setembro de 1999 e dezembro de 2000 nas celas desativadas
da delegacia. Todo o conceito foi pensado para proporcionar uma experiência
em que espectadores eram colocados em situação de prisioneiros. Ao chegar
no local, cada um recebia uma ficha que reproduzia os antigos prontuários de
entrada dos detentos do Deops/SP. Ao fundo se ouvia gritos de uma mulher,
que simulava uma sessão de tortura. Enquanto o teatro se desenrolava, o
público fazia um percurso de cela em cela e se misturava com os atores. Ao
final da apresentação, o público participava de uma roda de conversa sobre o
que tinha acabado de ser apresentado.

Um ano após o tombamento, em 2000, reivindicou-se que o edifício fosse


ressignificado em forma de um museu, para que se resguardasse a lembrança dos
111

traumas vividos nos anos de ditadura militar, com uma iniciativa que partiu de várias
frentes conjuntas, como ex-presos, familiares de vítimas, organizações de defesa
aos Direitos Humanos e por parcelas do poder público.
Entretanto, destaca-se que nesse ínterim, em que não se sabia a que se
destinaria o edifício do antigo DEOPS, houve a proposta de transformá-lo em um
museu de outra temática: O Museu do Imaginário do Povo Brasileiro, que exigiria
reformas específicas, que foram iniciadas mas descontinuadas em meio aos trâmites
burocráticos. Um ponto que acabou sendo alterado nessas primeiras reformas, o
qual gerou muita crítica pública por parte dos ex-presos, foi a reforma e
descaracterização das celas, que foram adaptadas para um uso museológico mais
flexível. Segundo Marcelo Araújo, ex-diretor da Pinacoteca de São Paulo, em uma
entrevista publicada no livro que comemora os 10 anos do Museu da Resistência
(MEMORIAL DA RESISTÊNCIA DE SÃO PAULO, 2018, p. 49):

Olha, eu conheci e tenho um grande respeito pelo arquiteto responsável pelo


projeto de restauro desse espaço, o Haron Cohen, que é um grande
profissional de arquitetura. Conversamos muito a respeito das orientações,
digamos assim, que ele recebeu, na época, para realizar o restauro para que
se instalasse uma instituição cultural aqui no prédio. E não houve, nessas
instruções, nenhum projeto específico e nenhuma preocupação com a
questão da memória da ocupação do prédio ou com a preservação desses
traços históricos. Além disso, o prédio também tinha passado por um
processo de degradação muito violento, né? Pois ele ficou muitos anos
fechado.

Inaugurado, portanto, em 2002, o museu foi inicialmente estabelecido como o


“Memorial da Liberdade'', denominação que foi criticada por parte dos ex-presos e
familiares das vítimas, pelo entendimento de que se tratava de uma conotação que
camuflava os horrores que ali ocorreram.
O espaço foi, então, rebatizado como Memorial da Resistência, atrelado
também a um novo projeto museográfico desenvolvido no ano de 2008 por uma
equipe multidisciplinar da Pinacoteca do Estado de São Paulo, instituição que
passou a gerir o memorial, que também contou com a participação dos ex-detidos,
familiares e antigos funcionários, sendo reinaugurado oficialmente em janeiro de
2009 (CAMPOS, 2021).
112

O Memorial possui a missão essencial de resguardar a memória carcerária e


dos horrores proporcionados pela ditadura militar, sendo que os mecanismos
funcionais que auxiliam nesse objetivo se dão, segundo Gumieri (2012), em três
frentes: a pesquisa, a salvaguarda, tanto em questões de documentação quanto
conservação patrimoniais, e a comunicação, envolvendo principalmente estratégias
voltadas às ações educativas.
Dessa forma, organiza-se a exposição do Memorial da Resistência como uma
narrativa linear em percurso que se divide em quatro módulos principais (FIGURA
6.15): o primeiro (A) módulo se denomina “Edifício e suas memórias”, onde se trata
de apresentar a mutação de usos que o edifício sofreu em seus mais de 100 anos
de história, voltando especialmente uma análise de como este funcionava quando
ocupado pelo DEOPS.

FIGURA 6.15: PLANTA ESQUEMÁTICA DO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO PAULO, BRASIL,


2009

FONTE: FRUCHTENGARTEN, 2021, adaptado pelo autor

O segundo momento expositivo (B) é posto como “Controle, Repressão e


Resistência: o tempo político e a memória” (FIGURA 6.16), voltado a um conteúdo
mais global e abrangente acerca dos mecanismos que a ditadura se utilizava para,
através do DEOPS, reprimir e controlar os movimentos sociais que se articulavam
contrários ao regime, bem como a abordagem acerca das diversas formas de
resistência social, utilizando-se principalmente da memorabilia e iconografia que
fazem parte do acervo do memorial.
113

FIGURA 6.16: SEGUNDO MÓDULO EXPOSITIVO DO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO PAULO,


BRASIL, 2009

FONTE: Sítios de memória

O terceiro módulo expositivo (C) - “Construção da memória: o cotidiano nas


celas do DEOPS/SP” - é o momento em que a narrativa se carrega mais fortemente
de caráter emocional, sendo composta pela parcela do edifício que contém as quatro
celas remanescentes e o corredor para banho de sol (FIGURA 6.17). A exposição se
utiliza de recursos audiovisuais que testemunham os horrores que ocorreram entre
aquelas paredes, tendo em uma das celas uma recomposição cenográfica que tenta
se aproximar do espaço tal qual era na época em que se funcionava o DEOPS,
elaborada com base nas memórias dos ex-presos (FIGURA 6.18).
O módulo final da exposição (D) - “Da carceragem ao Centro de Referência” -
se ancora em mais elementos audiovisuais interativos, sendo composto de totens de
consulta de onde os visitantes podem acessar um banco de dados referenciais e um
compilado de testemunhos das pessoas que ali foram encarceradas. Conta-se
também com a exposição de um acervo de objetos e documentos originais da antiga
delegacia (GUMIERI, 2012).
114

FIGURA 6.17: ÁREA DO BANHO DE SOL NO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO PAULO, BRASIL,
2009

FONTE: Catraca Livre

FIGURA 6.18: CELA RECOMPOSTA NO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO PAULO, BRASIL,


2009

FONTE: Memorial da Resistência


115

Dentro ainda do contexto de organização museográfica do Memorial da


Resistência de São Paulo, destaca-se que, paralelamente à exposição fixa descrita
anteriormente, o espaço museológico ainda abriga exposições temporárias (E),
realizadas geralmente a partir de parcerias estabelecidas com outras instituições,
estabelecendo temáticas preferencialmente relacionadas com o histórico de
resistência política e social durante o regime militar, mas que também abarcam
exposições acerca da defesa aos Direitos Humanos de uma forma mais global
(FIGURA 6.19) (NEVES, 2011).
Em planta (FIGURA 6.16), é possível a análise do espaço de uma perspectiva
mais abrangente, observando que optou-se pela apropriação espacial do antigo
DEOPS ocupando-se da porção à direita para o circuito da exposição fixa e à
esquerda para exposições temporárias. Compreende-se que as razões pelas quais
se deu a organização espacial podem ter levado em consideração o fato de que o
espaço à esquerda é mais amplo, livre e mais próximo às entradas, facilitando, desta
forma, as ações de montagem e desmontagem das exposições temporárias. Por
outro lado, a porção à direita é composta por salas conformadas de forma mais
rígida, o que por si só dificultaria exposições temporárias, além de ser mais próxima
às antigas celas, sendo estes os locais de maior significância para o museu.
116

FIGURA 6.19: EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA NO MUSEU DA RESISTÊNCIA EM SÃO PAULO,


BRASIL, REALIZADA NO ANO DE 2017

FONTE: Memorial da Resistência de São Paulo

Cabe aqui ressaltar que ademais ao espaço de uma das celas e do pátio de
banho de sol, readaptados para a configuração original para que os visitantes
tenham uma experiência museológica mais imersiva, todos os outros recintos do
antigo DEOPS foram remodelados para receber as exposições de caráter mais
informativo (GUMIERI, 2012).
117

6.3. Centro de Memória, Paz e Reconciliação, Bogotá, Colômbia

FIGURA 6.20: CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily

A Colômbia é um país que, especialmente em sua história recente, sofre com


ações de violência sistematizadas devido a uma complexa guerra civil que envolve
diversos atores, como grupos paramilitares de direita, grupos guerrilheiros de
esquerda, o próprio governo colombiano e narcotraficantes; sendo um conflito que,
desde 1964, é estimado que tenha provocado a morte de mais 260 mil pessoas,
pelo menos sete milhões de refugiados, além de ter gerado violações generalizadas
dos Direitos Humanos por parte de todos os lados do conflito (COSOY, 2016).
O trauma do conflito ainda corrente marca não apenas uma geração, mas
todo o povo colombiano. Surge, portanto, a iniciativa para a criação de um templo de
memória a todos aqueles que pereceram devido à guerra. Fruto de um concurso
nacional organizado em 2008 pela Sociedade Colombiana de Arquitetos (SCA), o
projeto vencedor foi do arquiteto Juan Pablo Ortiz. Assim como no Museu da
Memória e dos Direitos Humanos do Chile, descrito anteriormente, o Centro de
Memória, Paz e Reconciliação de Bogotá faz parte das comemorações nacionais
118

dos 200 anos de independência, as quais estabeleciam como missão ao povo


colombiano um desenvolvimento social sustentável baseado em princípios como o
respeito a paz, a vida e a reconciliação nacional de um país fragmentado. O
financiamento para a construção do centro partiu de uma ação conjunta entre o
poder público e organizações representativas das vítimas da violência de guerra
(ORTIZ, 2012).
A implantação (FIGURA 6.21) do memorial se dá na área histórica da cidade
de Bogotá, no Parque da Reconciliação, que faz parte do complexo do Cemitério
Central da cidade, anexo também ao Parque Renascimento, estando, portanto, em
um contexto urbano imediato desimpedido e de baixo gabarito. A área de projeto
funcionou por mais de 200 anos também como um cemitério anônimo - assim,
durante as escavações para a sua construção, foram encontrados mais de 3000
corpos ali sepultados, exumados posteriormente por uma equipe arqueológica
(CARVALHO, 2020).

FIGURA 6.21: IMPLANTAÇÃO DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ,


COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily
119

O programa de necessidades previsto em concurso exigia que o projeto


englobasse usos diversos para além do caráter simplesmente expositivo, portanto, o
Centro conta com espaços como uma biblioteca, auditório, salas de aula, oficinas,
cafeteria, além, evidentemente, de uma série de salas voltadas à exposição.
Apropriando-se desta paisagem visualmente livre e das condições sensíveis do
entorno histórico, a equipe de arquitetura optou por organizar todos estes usos no
nível subsolo, sendo que apenas um volume permanece em destaque à mostra, um
espaço denominado “Memorial da Vida” (FIGURA 6.22), desenvolvido como uma
casca de aspecto monolítico de terra, onde aberturas verticais a perfuram seguindo
padrões em zigue-zague, cujo espaço interno é definido de forma única, com um
grande pé-direito, voltado ao uso expositivo (FIGURA 6.23) (CARVALHO, 2020).

FIGURA 6.22: MEMORIAL DA VIDA NO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO,


BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily
120

FIGURA 6.23: ESPAÇO INTERNO DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO,


BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily

No nível do solo, o “Memorial da Vida” encontra-se centralizado entre dois


espelhos d’água, estes intercalados através de um recorte que gera um pátio no
subsolo, acessado através de uma escadaria central, o que proporciona
especialmente ao espaço do memorial um caráter monumental. Os espaços do
subsolo possuem os espelhos d’água acima de suas lajes e organizam-se como dois
volumes envidraçados, conformados paralelamente ao pátio anteriormente citado,
estabelecendo-se internamente de forma sequenciada (FIGURA 6.24).
Em planta, compreende-se que a equipe se utilizou de uma das alas para
distribuir os espaços expositivos em conjunto com o café; utilizando-se da ala oposta
para usos mais voltados aos espaços educativos como as salas de aula, o centro de
documentação e as oficinas Para além do espaço do Memorial da Vida, há apenas o
auditório. Ademais, ressalta-se que apesar do projeto ser articulado com todos os
seus espaços internos encontrando-se no subsolo, recortes no terreno garantem as
suas liberdades através de pátios laterais (FIGURA 6.25).
121

FIGURA 6.24: PÁTIO DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ,


COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily

FIGURA 6.25: PLANTA DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ,


COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily, adaptação do autor


122

A equipe de arquitetura adotou estratégias que exaltassem sobretudo um


caráter projetual simbólico, presente tanto no objeto construído quanto no processo
construtivo. Quanto à materialidade, o bloco solitário principal que salta à visão é
construído utilizando-se de uma técnica inspirada na tradicional taipa de pilão, onde
se mistura uma proporção de 10% de cimento à massa de terra inorgânica para que
se tenha uma maior resistência às intempéries e a sismos, gerando, desta forma,
paredes de larga espessura, compostas de uma série de 20 camadas de 60
centímetros de altura, onde cada camada representa 10 anos e, na totalidade dos 12
metros de altura, resguarda-se uma representação dos 200 anos de história
independente da Colômbia.
O uso da terra para a construção carrega o simbolismo do entendimento de
que é nela que está a essencialidade do conflito colombiano, sendo também nela
que se encontra a força para a reconciliação. Neste sentido, realizou-se uma ação
participativa durante o processo construtivo que consistiu na contribuição simbólica
de uma pequena porção de terra por parte de pessoas que foram afetadas pelo
conflito, sendo estas porções de terra postas em tubos de vidro depositados em
orifícios deixados pelas formas de construção (FIGURA 6.26) (ORTIZ, 2012).

FIGURA 6.26: AÇÃO SIMBÓLICA DO CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ,


COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily
123

6.4. Análise comparativa entre os correlatos

Encerra-se o capítulo referente aos estudos de caso a partir de uma análise


comparativa entre os três exemplos anteriormente destacados, com o objetivo de
identificar convergências e divergências projetuais capazes de auxiliar na
elaboração do posterior projeto museológico.
Deve-se destacar, inicialmente, o caráter simbólico que estes museus
carregam em si, voltando à ideia anteriormente comentada e defendida por Giroto
(2021), em que o autor argumenta que o sucesso projetual e social de um museu,
especialmente de um museu de memória traumática, recai na sua capacidade de se
tornar um instrumento arquitetônico capaz de, através da experiência espacial e
narrativa e do resguardo da memória, gerar emoção no visitante para, assim,
cumprir seu papel de conscientização social.
O uso de elementos simbólicos é um denominador comum na elaboração
projetual dos três museus anteriormente estudados, as formas, porém, com que
estes simbolismos se fazem presente, por vezes, divergem entre si.
Iniciando-se pela implantação, a escolha de sítio faz parte de uma estratégia
vital para o reforço simbólico do projeto. Nesse sentido, vê-se que o Memorial da
Resistência de São Paulo, entre os três, é o único que se apropria de uma condição
de memória preexistente acerca do lugar, o que por si só o potencializa como
símbolo de uma nova interpretação espacial: ancorada na memória de um trauma
social, mas com olhos para o futuro. Tanto o Memorial da Memória, Paz e
Reconciliação, quanto o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, apropriam-se
de locais de grande relevância urbana, elevando suas configurações como próprias
de marcos urbanos - as quais serão aprofundadas em seguida - sendo o primeiro
em uma área histórica e o segundo em uma área central.
Ainda em relação à implantação, deve-se destacar que a estratégia utilizada
pelo Estúdio América no Museu da Memória e dos Direitos Humanos de
contextualizar o museu a uma grande praça seca promove uma flexibilidade de
apropriação social e um papel espacial-democrático que não aparenta existir nas
mesmas proporções no Memorial da Memória, Paz e Reconciliação. Este, por sua
vez, implanta-se em uma grande área verde configurada espacialmente a partir de
elementos de impacto visual como os espelhos d’água, estabelecendo uma
124

condição primordialmente monumental, sendo, portanto, menos tangível e menos


flexível a outros tipos de apropriação (FIGURA 6.27).

FIGURA 6.27: COMPARAÇÃO ENTRE O CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO,


BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012 E O MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, EM
SANTIAGO, NO CHILE, 2010

FONTE: Archdaily, adaptação do autor

Em uma comparação mais aprofundada entre os museus colombiano e


chileno, entendendo que estes possuem condições próprias de serem objetos
construídos já com o intuito expográfico, analisam-se suas estratégias formais,
principalmente em questões de relações volumétricas e materialidade.
Pode-se dizer que ambos abordam estratégias projetuais que atribuem a
materialidade como um elemento essencialmente simbólico. No caso chileno, o uso
da malha de cobre, além de ser uma referência clara à nacionalidade chilena, sendo
o cobre um material abundante e importante para a região, proporciona
internamente uma atmosfera clara e de leveza, como uma oposição física ao peso
da temática ali exposta, em uma intenção de que metaforicamente e figurativamente
o museu lance luz sobre assuntos ainda obscuros que cercam o passado nacional
traumático. O museu colombiano utiliza-se da terra como uma simbologia ainda mais
conceitual, entendendo-a como o fator central pelo qual os atores da escalada de
violência nacional digladiam entre si e sendo por ela que deve haver a reconciliação,
materializando-a em forma de espaço.
Destaca-se também, unindo as questões de implantação e materialidade, em
que tipologia de relação arquitetônica-urbanística os museus aqui analisados se
encaixam, baseando-se nas classificações expostas por Oliveira (2012), descritas no
125

capítulo 5. Apesar de formalmente não buscarem um comportamento volumétrico


escultórico, os dois museus procuram uma forma de destaque em meio ao seu
contexto, estabelecendo uma presença física marcante no intuito de gerarem uma
construção imagética de um ente dotado de grande significância para o contexto
urbano, uma escolha que busca infiltrar a relevância da temática expositiva entre a
compreensão social e espacial da cidade - fato de onde se deduz a classificação
como “monumentos urbanos”.
A monumentalidade urbana dos museus, entretanto, reverbera também a
partir de outras relações contextuais criadas: tendo o Memorial da Memória, Paz e
Reconciliação uma condição de grandiosidade que os demais elementos projetuais
atribuem ao bloco principal e, no caso do Museu da Memória e dos Direitos
Humanos, o caráter polifuncional e democrático estabelecido pela Praça da
Memória.
Adentrando, por fim, a essa discussão acerca do caráter polifuncional do
museu como um equipamento urbano na contemporaneidade, destaca-se como os
três espaços incorporam este caráter em diferentes graus. No Memorial da
Resistência de São Paulo, devido às suas pequenas dimensões e condições
físico-espaciais limitantes, vê-se que há um foco maior em sua função expositiva e
educacional, onde paralelamente ocorrem os usos voltados à pesquisa e
salvaguarda de documentação original.
O museu chileno, por sua vez, desenvolve uma gama maior de funções,
onde, ainda que o espaço expositivo permaneça sendo o foco programático,
espaços como biblioteca, auditório e, novamente, a própria praça, desempenham
papéis importantes de diversificação de usos, fugindo, desta forma, da tendência de
alguns dos museus contemporâneos que se voltam primordialmente ao turismo.
O caso colombiano é, dentre os três, o exemplo em que a exposição em si
possui o menor peso programático; entendendo que há uma estratégia multifocal
voltada também ao cunho educacional; proporcionalmente, vê-se que a área interna
se divide de forma mais igualitária entre estas duas frentes (FIGURA 6.28). Carvalho
(2020) argumenta que esta é uma tendência corrente dentre os museus de memória
traumática: o distanciamento gradual dos dogmas programáticos museológicos,
compreendendo que deve haver uma dissociação destes locais com a ideia
colecionista que ainda se atrela aos museus, aproximando-se da intenção de se
tornarem, essencialmente, locais ativos da construção de uma memória coletiva,
126

revelado-se, inclusive, na própria escolha dos nomes destes espaços, em que se


opta frequentemente por denominações que buscam neutralidade como “centro”
“lugar” ou “parque”.

FIGURA 6.28: PLANTA COM DESTAQUE ÀS ÁREAS EXPOSITIVAS E EDUCACIONAIS DO


CENTRO DE MEMÓRIA, PAZ E RECONCILIAÇÃO, BOGOTÁ, COLÔMBIA, 2012

FONTE: Archdaily, adaptação do autor


127

7. ASPECTOS DA ARQUITETURA DE MUSEUS DE MEMÓRIA TRAUMÁTICA

O presente capítulo tem como finalidade a análise mais aprofundada dos


programas de necessidades e dos aspectos técnicos que tangenciam a arquitetura
de museus, especialmente voltada aos museus de memória traumática, entendendo
que há, nestes, particularidades funcionais em suas essências que os diferem das
demais tipologias museológicas. Para tanto, a análise será direcionada
especialmente ao desdobramento programático do caso do Museu da Memória e
dos Direitos Humanos de Santiago, estudado anteriormente, reconhecendo que é
neste caso que o posterior projeto museológico encontra mais similaridades
temáticas, de escala e contextuais.

7.1. Programa de Necessidades e linguagem técnica

Como posto anteriormente, a diagramação funcional do Museu da Memória e


dos Direitos Humanos segue uma organização baseada no corte, em que os usos
expositivos se encontram na barra que flutua sobre a praça, e os usos relacionados
às áreas técnicas, de ensino ou de pesquisa se encontram no subsolo, possuindo,
obviamente, usos complementares que se mesclam a essas duas frentes principais,
como a bilheteria, os banheiros e o café.

FIGURA 7.1: DIAGRAMA PROGRAMÁTICO DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS


HUMANOS, 2010

FONTE: Archdaily
128

A partir de uma análise das plantas do museu, pôde-se elaborar uma tabela
(TABELA 7.1) que compila o programa funcional do edifício e uma estimativa das
áreas dos ambientes, divididos por pavimento, de modo que esta possa servir de
base para a elaboração do programa de necessidades do projeto posterior.
Desconsiderou-se para a elaboração da tabela as áreas específicas relativas à
circulação, tanto horizontais, quanto verticais, entendendo que estas são resultados
de uma diagramação espacial específica do caso chileno. A título de compreensão
global do funcionamento do museu, porém, contabilizou-se estas áreas de
circulação de forma unificada, para incluí-las à área total do edifício.

TABELA 7.1: PROGRAMA E ÁREAS APROXIMADAS DO MUSEU DOS DIREITOS HUMANOS DO


CHILE, 2010

NÍVEL (m) USO AMBIENTE QUANTIDADE ÁREA (m²)

-10,6 Administrativo Sala Multiuso 2 101 (62+39)

-10,6 Educacional Biblioteca 1 203

-10,6 Administrativo Sala de Reuniões 2 90 (66+24)

-10,6 Museológico Depósito de coleções 1 250

-10,6 Auxiliar Depósito 1 20

-10,6 Administrativo Sala de segurança 1 39

-10,6 Administrativo Sala de descanso 1 25

-10,6 Administrativo Sala de informática 1 20

-10,6 Auxiliar Banheiros de Funcionários 2 94 (47+47)

-10,6 Técnico Sala de bombas 1 20

-10,6 Museológico Sala de Montagem 1 28


museográfica

-10,6 Museológico Laboratório de conservação 1 37

-10,6 Administrativo Diretoria 1 24

-10,6 Administrativo Secretaria 1 18

-10,6 Administrativo Sub-diretoria 1 18

-10,6 Administrativo Oficina de direção 1 38


129

-10,6 Auxiliar Banheiros 2 36 (18+18)

-10,6 Auxiliar Banheiros PCD* 2 10 (5+5)

-10,6 Comercial Cafeteria 1 88

-10,6 Comercial Banheiro da Cafeteria 1 4

-10,6 Museológico Bilheteria 1 20

-10,6 Museológico Banheiro da bilheteria 1 4

-10,6 Comercial Loja 1 173

-10,6 Comercial Depósito da Loja 1 10

-10,6 Comercial Banheiro da loja 1 8

-10,6 Técnico Sala de Máquinas 1 130

-5,95 Auxiliar Banheiros 2 46

-5,95 Técnico Sala de bombas 2 63 (11+52)

-5,95 Técnico Pátio de condensadores de ar 1 76


condicionado

-5,95 Auxiliar Área de serviço 1 122

-5,95 Técnico Instalações elétricas 1 139

-5,95 Técnico Sala de controle elétrico 1 21

-5,95 Educacional Foyer 1 50

-5,95 Educacional Auditório 1 240

1,70 Expositivo Galeria Expositiva 1 150

1,70 Expositivo Grande Salão Memorial 1 450

1,70 Auxiliar Banheiros 2 33 (19+14)

1,70 Auxiliar Banheiro PCD* 1 4

6,46 Expositivo Galeria Expositiva 1 150

6,46 Expositivo Cubo Memorial 1 30

6,46 Expositivo Espaços Expositivos 2 245


(200+45)

11,22 Expositivo Galeria Expositiva 1 150

11,22 Expositivo Cubo Memorial 1 30

11,22 Expositivo Espaços Expositivos 2 340 (165


+175)

11,22 Auxiliar Banheiros 2 33 (19+14)


130

11,22 Auxiliar Banheiro PCD* 1 4

* PCD: Pessoas com deficiência

A partir da tabela 7.1, elaborou-se uma segunda tabela que quantifica a área
de cada um dos usos dos espaços anteriormente expostos, classificados de acordo
com seus aspectos funcionais, de modo a compreender a proporção de área que há
entre estas funções no espaço do museu.
Clarificando os motivos desta classificação, considerou-se como espaços
expositivos todos os ambientes do museu voltados exclusivamente às exposições
fixas e temporárias. Os espaços voltados ao trabalho cotidiano dos funcionários
pertencentes aos diversos cargos do museu foram classificados como de uso
administrativo. Já os ambientes técnicos são todos aqueles que guardam maquinário
responsável pelo funcionamento das instalações complementares ao edifício. Os
espaços museográficos podem ser considerados como os bastidores das
exposições, ou seja, todos os ambientes que recebem trabalhos voltados à
manutenção, montagem e armazenamento dos itens a serem expostos. Há ainda os
locais comerciais do museu, representados pelo café e pela loja, considerando
também os espaços que os servem e os educacionais, sendo estes os espaços que
podem proporcionar ações de pesquisa e ensino dentro do museu. Por fim, foram
considerados como ambientes de usos auxiliares os banheiros, depósitos gerais e
áreas de serviço.

TABELA 7.2: FUNÇÕES E SUAS ÁREAS APROXIMADAS NO MUSEU DOS DIREITOS HUMANOS
DO CHILE, 2010

USO ÁREA (m²)

Expositivo 1545

Técnico 568

Administrativo 283

Museológico 339
131

Comercial 283

Educacional 402

Auxiliar 382

ÁREA TOTAL: 3802

Contabiliza-se uma área de 1700 m² relativos aos ambientes de circulação,


totalizando 31% da área total do museu, a qual equivale a aproximadamente 5500
metros quadrados. A área expositiva, de 1545 m², também representa cerca de 30%
desta área total. Há ainda a adição complementar de um estacionamento de 150
vagas que por si só corresponde a 4580 m² e da praça da memória que possui uma
área total de 6540 m², segundo dados expostos pelo memorial descritivo elaborado
pela equipe de projeto (FIGUEROA; FEHR; DIAS, 2010).
A partir dos dados anteriormente expostos, analisa-se que as peculiaridades
programáticas e funcionais de um museu de memória traumática recaem
particularmente em suas funções museológicas. Observa-se que suas demais
funções seguem lógicas comuns a museus voltados a outras temáticas: com amplos
espaços voltados a exposição, uma área consideravelmente grande voltada aos
espaços técnicos, levando em consideração, é claro, as dimensões do edifício como
um todo, e a presença de usos que divergem do caráter unicamente expositivo dos
museus, como espaços educacionais e comerciais. Considerando, porém, que a
exposição dos museus de memória traumática não é pautada exclusivamente no
colecionismo de objetos, apropriando-se principalmente de recursos como
elementos audiovisuais, painéis explicativos ou instalações artísticas permanentes,
percebe-se que as salas de restauro e montagem expográfica, por exemplo,
requerem áreas proporcionalmente pequenas.
Enraíza-se também no Museu da Memória e dos Direitos Humanos uma
particularidade organizacional possível de ser replicada em outros museus de
memória traumática, referente a seu caráter expositivo: os ambientes destinados à
exposição seguem uma tipologia espacial de planta livre, demarcando os percursos
a partir de paredes leves de gesso acartonado. Especialmente por exposições
pautadas por painéis explicativos e recursos audiovisuais, a configuração espacial
132

em planta livre pode proporcionar flexibilidade para renovações expográficas e para


montagem e desmontagem de exposições temporárias, facilitando ainda as
possíveis manutenções dos recursos audiovisuais (FIGURA 7.2).

FIGURA 7.2: DIAGRAMAS DAS EXPOSIÇÕES DO MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS


HUMANOS, 2010

FONTE: Memorial de projeto do Museu da Memória e dos Direitos Humanos

Por fim, voltando à ideia de que há uma clara divisão funcional do museu
baseando-se em uma diagramação em corte, deve-se evidenciar também a
concentração em planta dos ambientes de usos similares, onde se percebe haver
especialmente um sequenciamento dos espaços administrativos e museológicos
(FIGURA 7.3).
Destaca-se também como o projeto orienta os acessos e os fluxos internos
muito em função do estacionamento e da conexão interna que há com a estação do
metrô: percebe-se especialmente como os visitantes são levados a passar entre os
espaços comerciais para chegarem à bilheteria, vindos tanto da estação de metrô
quanto do estacionamento, no que talvez seja uma estratégia encontrada para
reforçar o lucro desses estabelecimentos. A proximidade que há entre o
estacionamento e as áreas comerciais e voltadas ao trabalho cotidiano do museu,
pode ser uma forma de facilitar o fluxo provindo dos transportes de carga e
descarga. (FIGURA 7.3).
133

FIGURA 7.3: PLANTA DO SUBSOLO DEMARCADA COM OS USOS DE CADA AMBIENTE NO


MUSEU DA MEMÓRIA E DOS DIREITOS HUMANOS, 2010

FONTE: Archdaily, adaptado pelo autor

7.2. Aspectos do conforto ambiental na arquitetura de museus

Pretende-se aqui abordar brevemente algumas das estratégias projetuais de


conforto ambiental da arquitetura de museus, analisada primeiramente de forma
genérica, entendendo que não há, necessariamente, especificidades nos museus de
memória traumática em relação ao tema. Tenta-se, porém, quando possível,
estabelecer vínculos entre alguns destes aspectos e os museus em questão.

7.2.1. Ventilação

Destaca-se inicialmente acerca do conforto térmico necessário para os


museus, o qual se faz importante tanto para a conservação adequada dos itens ali
expostos quanto para o conforto dos visitantes. Para museus de grande massa
construída, especialmente, invariavelmente há o envolvimento de soluções pautadas
no uso de climatização mecânica, já que para além da temperatura, a umidade do ar
134

no ambiente interno também pode ser um fator determinante para a conservação


das obras, objetos e documentos delicados (RAMIRES, 2008).
Voltando ao exemplo do museu chileno, percebe-se que o ambiente
destinado à alocação dos aparelhos condensadores do ar condicionado possui
grandes dimensões, sendo uma sala de 76 m² exclusiva para este uso. Pauta-se,
entretanto, que atrelado a este uso intensivo da climatização mecânica, deve haver
estratégias projetuais que auxiliem na mitigação do grande gasto energético que
este uso demanda, como soluções de produção de energia própria, através de
placas fotovoltaicas ou cataventos eólicos (ANDRADE, 2010).
Nesse mesmo sentido, torna-se essencial para o projeto museológico que
haja também o desenvolvimento de estratégias que busquem a possibilidade de
uma boa ventilação natural, já que desta forma o edifício pode apresentar um
comportamento mais sustentável energeticamente. Deve haver, no entanto,
cuidados espaciais na escolha da localização, quantidade e tipo das aberturas a
serem feitas no museu, já que aberturas voltadas a fontes de poluição ou ao mar
podem proporcionar riscos ao acervo (TOLEDO, 2017).
Especialmente após a eclosão da pandemia da COVID-19 em 2020,
debate-se acerca da responsabilidade museológica em se tornarem ambientes mais
seguros, já que nestes há a possibilidade de se concentrarem grandes
aglomerações de pessoas. Tanto a ventilação abundante natural quanto a devida
filtragem do ar pelos aparelhos mecânicos tornam-se, portanto, necessidades
imprescindíveis para a boa seguridade dos museus (MEIRA; FEDELI; VIEIRA;
LAVEZZO, 2021).
Analisa-se, portanto, que o projeto museológico deve ser dotado de
estratégias projetuais mistas, que abarquem tanto a possibilidade do uso de
ventilação mecânica quanto de ventilação natural, entendendo que o museu possui
responsabilidades quanto ao seu impacto de consumo energético, a proteção do
patrimônio ali exposto e em ser um ambiente seguro e confortável para os seus
visitantes.
135

7.2.2. Iluminação

A entidade da luz está intrinsecamente ligada à noção tipológica que se tem


do objeto museológico. É concomitante com o desenvolvimento dos museus a
exploração corpórea dos arquitetos com a luz. Vê-se em Pevsner (1973) que é já na
Renascença que os construtores passam a fazer experimentações que buscam a
abundância da luz natural dentro do ambiente expositivo, utilizando-se, inclusive, da
luz zenital, uma estratégia que persiste até os museus contemporâneos. A
persistência nessa estratégia consiste em sua capacidade de proporcionar uma
grande quantidade de iluminação natural que pode ser facilmente manipulada a
tocar o espaço de forma indireta.
A condição de que o ambiente museológico necessita de uma abundante
iluminação, conflita com o malefício de que esta não é adequada se aplicada de
forma direta, já que assim se poderia danificar os itens da exposição, é um ponto
central que guia as intenções projetuais dos museus na contemporaneidade (MIER;
SCARAZZATO, 2014). Este é, inclusive, um fator que pode determinar o sucesso ou
não da função expográfica do museu, relembrando aqui o caso do Museu Oscar
Niemeyer, em Curitiba: a forma escultórica do olho tinha o intuito inicial de ser
configurada como um ambiente expográfico dotado de uma imensa pele
transparente, porém, devido ao risco que se apresentava para a integridade das
obras ali expostas, decidiu-se por deixá-la opaca (GIROTO, 2019).
Kiefer (2000) elenca alguns casos que apresentam grandes soluções
projetuais que buscam potencializar a iluminação interna dos museus: cita-se aqui a
Fundação Maeght, do escritório Sert, Jackson e Associados, construído em 1964. A
estratégia projetual aplicada pela equipe de arquitetura foi a da criação de uma
cobertura composta por sheds de curvos de concreto armado, os quais permitem
que a luz adentre o ambiente de forma indireta, filtrada pela reflexão que se faz na
curva em meia abóbada (FIGURA 7.4). O autor comenta que essa solução foi
replicada com insistência principalmente durante a arquitetura moderna, sendo, por
exemplo, aplicada por Walter Gropius em seu projeto para os arquivos da Bauhaus,
de 1979 e pelo já comentado Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro de Eduardo
Affonso Reidy, de 1954 (FIGURA 7.5).
136

FIGURA 7.4: FUNDAÇÃO MAEGHT, SERT, JACKSON E ASSOCIADOS, SAINT-PAUL-DE-VENCE,


FRANÇA 1964

FONTE: Maeght Foundation

FIGURA 7.5: ILUMINAÇÃO ZENITAL DO MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO,


EDUARDO AFFONSO REIDY, 1954

FONTE: O autor
137

Há de se destacar também as estratégias possíveis e necessárias de


iluminação artificial para a expografia de museus. Segundo Rita Mier e Paulo
Scarazzato no artigo “Iluminação artificial em museus: O diálogo da luz com os
espaços preambulares e expositivos” publicado em 2014, é essencial que o projeto
luminotécnico seja concebido concomitantemente ao projeto arquitetônico, tendo
também já em vista o objeto a ser exposto, o qual implicará em diferentes
estratégias de iluminação. Torna-se uma necessidade fundamental dos museus
contemporâneos o adequado uso da iluminação artificial, entendendo que ela
permite uma flexibilidade expográfica e museológica, já que depender
prioritariamente da luz natural pode se tornar um empecilho ao se considerar a
mutação que esta sofre em diferentes horários e épocas do ano. O projeto
luminotécnico proporciona a possibilidade, portanto, de o museu funcionar
independentemente de fatores externos, podendo ser aberto a visitação, por
exemplo, durante a noite.
Há um debate corrente acerca do tema, inclusive, que defende que a
manipulação da luz no ambiente museológico, aqui tratada tanto de forma artificial,
quanto natural, deve proporcionar uma leitura neutra da exposição, buscando, neste
sentido, uma percepção desimpedida e clara do objeto. Esta visão é difundida
especialmente pelos museus de arte (MIER; SCARAZZATO, 2014).
Destaca-se ainda no artigo algumas das formas mais usuais de iluminação
expográfica a partir de recursos artificiais ou naturais (2014, p. 11):

Face à proliferação de soluções, muitas vezes identificamos, num mesmo


museu, diversas abordagens e manipulações da luz, podendo os espaços
expositivos ser iluminados: com luz natural e artificial difusa indireta através
de clarabóias ou sancas (Figura 1); com luz artificial direta homogênea
através do efeito wallwasher de projetores embutidos no forro, de sobrepor
ou suspensos (Figura 2); com luz artificial direta pontual através de projetores
embutidos no forro, de sobrepor ou suspensos com diferentes fachos de
abertura (Figura 3); ou ainda com luz direta de “recorte‟, acompanhando
rigorosamente os limites definidos pela obra (Figura 4).
138

FIGURA 7.6: FORMAS DE ILUMINAR UMA EXPOSIÇÃO MUSEOLÓGICA (FIGURAS 1,2,3 E 4,


RESPECTIVAMENTE, DO TRECHO ACIMA)

FONTE: Rita Mier e Paulo Scarazzato, 2014

Por fim, destaca-se que a luz pode assumir também uma condição corpórea e
dramática capaz de guiar as emoções do visitante, ao contrário da estratégia
anteriormente exposta que busca a neutralidade espacial (MIER; SCARAZZATO,
2014). O entendimento dessa capacidade cognitiva-espacial que a luz possui recai
na sua aptidão essencial de gerar atmosferas; manipulando a substância da luz de
forma material configuram-se intenções de evidenciar ou atenuar contrastes,
delimitando, desta forma, a percepção dos objetos e do próprio espaço (BARNABÉ,
2008).
Para Paulo Barnabé, em seu artigo “ A luz natural como diretriz de projeto”,
publicado em 2008, o recurso emocional da luz se vê muito presente na pintura, no
cinema e no teatro (2008, p. 74) :

Na pintura a luz é elemento fundamental para qualificar a obra pela


atenuação ou ênfase dos contrastes, sublinhando os conteúdos das obras. É
substância espacial, elemento concreto a revelar os objetos por valores
cromáticos e tonalidades. Muitos a contrapõem à magia dos negros, fazendo
as pessoas imaginarem o que está para além das figuras imersas na
penumbra. Também no teatro e no cinema a luz é empregada para construir
espaços e suscitar emoções, conquistar maior tensão poética e, melhorando
sua qualidade, modificar o relacionamento dos usuários com o espaço, do
qual é elemento fundamental. O cinema se escreve com a luz, faz-se
atmosfera que sublima, exalta, alude, cria transparências, confere à realidade
componentes oníricos, mostra as relações entre as coisas e entre as
pessoas. Em uma cenografia pobre um refletor oportunamente orientado
139

pode dispor de uma perspectiva encantada. Na realidade cinematográfica


todas as coisas se dividem entre luz e sombra, pois estas se transformam em
seu fundamento.

Analisa-se que, tal qual na estratégia cenográfica exposta anteriormente por


Barnabé (2008), o impulso emotivo da luz pode ser por bem apropriado pela
arquitetura de museus, especialmente pelos museus de memória traumática,
compreendendo-os como entidades também dotadas de uma linguagem narrativa.
Entende-se, voltando ao texto de Giroto (2021), que é a partir de incisões
arquitetônicas, como a manipulação da luz, que o peso da temática exposta pode
ser potencializado a uma condição emotiva, a qual, por sua vez, é responsável pela
missão primordial de um museu de memória traumática: gerar consciência e
memória social.
140

8. INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE

Na intenção de elaborar um projeto de edifício voltado à memória das lutas


sociais históricas pela integridade dos Direitos Humanos Universais, o qual será
aprofundado posteriormente, contextualizando-o na região central da cidade de
Curitiba, este capítulo se faz necessário para o estudo das condicionantes diversas
que cercam o terreno a ser trabalhado em projeto.
Há o intuito de analisar brevemente a cidade de Curitiba sob um ponto de
vista político e histórico da sua relação com Direitos Humanos, com os espaços
democráticos e com seus equipamentos culturais. Em seguida, será direcionada a
análise para o sítio do projeto em si, buscando entender suas condicionantes
históricas, culturais e territoriais.

8.1. A cidade de Curitiba

8.1.1. A relação da cidade com a política cultural e com os museus

Abordam-se aqui as questões relacionadas à política pública curitibana de


equipamentos culturais, especialmente aos museus. Em termos de gestão
municipal, o órgão público que rege a política cultural da cidade é a Fundação
Cultural de Curitiba (FCC). A instituição, essencialmente, possui a responsabilidade
de promover a produção e o acesso aos equipamentos culturais de Curitiba, o
resguardo do patrimônio material e imaterial local e a promoção das manifestações
culturais da cidade, tanto as tradicionais, quanto as emergentes (FCC, 2019).
A atuação da FCC se baseia no trabalho colaborativo com demais
movimentos culturais, produtores ou artistas, buscando, desta forma, promover o
acesso democrático da população curitibana à arte e à cultura, compreendendo que
neste ato se resguarda a proteção de um direito essencial do cidadão e uma forma
de contribuição social.
Torna-se uma ferramenta primordial para o trabalho da FCC a Lei Municipal
de Incentivo à Cultura – promulgada em 1991 e implantada dois anos mais tarde. É
a partir dela que inúmeros dos projetos culturais da cidade tomam vida, como, por
exemplo, a organização de eventos teatrais, shows, palestras, além de proporcionar
incentivo para produção local de filmes, álbuns musicais e afins. A fundação, neste
sentido, é ativa também na organização de exposições artísticas e culturais,
141

disponibilizando para isso espaços que estão ao seu alcance, como museus
públicos, centros culturais e memoriais (FCC, 2019).

FIGURA 8.1: MAPA RELATIVO AOS MUSEUS PRESENTES EM CURITIBA EM 2018

FONTE: IPPUC
142

Acerca dos espaços museológicos já presentes na cidade de Curitiba,


propõe-se aqui elencá-los analisando suas distribuições no território urbano, suas
funções e seus aspectos representativos. Percebe-se, através da leitura do mapa
que territorializa os museus em Curitiba (FIGURA 8.1), disponibilizado pelo Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), que dos 29 museus
contabilizados pelo Instituto Municipal de Turismo (IMT), a grande maioria é voltada
ao tema da exposição artística e se concentra na região matriz da cidade ou em
suas proximidades, sendo poucos casos localizados nas regiões periféricas da
cidade.
Nessa temática mais recorrente, há de se destacar o Museu de Arte
Contemporânea de Curitiba (MAC), localizado no bairro Centro, o Museu Municipal
de Arte (MuMA) no bairro Portão e o Museu Oscar Niemeyer (MON), já destacado
anteriormente, o qual se eleva em relação aos demais, tornando-se um dos mais
icônicos espaços públicos da cidade e de maior atração turística.
Adentrando especialmente a temática a ser desenvolvida no posterior projeto
arquitetônico, destaca-se que Curitiba possui dois museus que se enquadrariam na
anteriormente explicada configuração de museologia social, compreendendo que
são espaços os quais possuem um intuito primordial de expor narrativas de grupos
que historicamente sofreram com exclusões e injustiças sociais.
O primeiro museu social curitibano a ser destacado é o Museu de Arte
Indígena. Inaugurado no ano de 2016 e estando localizado no bairro Água Verde, o
espaço é gerido por uma instituição particular e recebe apoio de empresas do setor
privado e de órgãos governamentais das instâncias estaduais e federais. Segundo
informações disponibilizadas no site do museu, seu acervo conta com mais de 1500
obras divididas entre arte plumária, cerâmica, cestaria, instrumentos musicais,
máscaras ritualísticas,bancos,adornos e objetos utilitários. A instituição objetiva
tornar-se um espaço dedicado a preservar a memória artística das comunidades
originárias buscando, desta forma, a consciência social acerca da importância e
relevância destes povos, promovendo visibilidade, essencialmente, a manifestações
artísticas que a herança colonialista brasileira insistiu em negligenciar por séculos de
história (MAI, 2016).
Será destacado brevemente no próximo item aquele que pode ser
considerado como o único museu de memória traumática que há na cidade: o
Museu do Holocausto de Curitiba.
143

8.1.2. Um museu de memória traumática em Curitiba

Assim como no caso já visto do Museu de Memória e Tolerância, localizado


na Cidade do México, a diáspora judaica que se espalhou pelo globo é responsável
pela criação de inúmeros museus que possuem a missão essencial de resguardar a
memória traumática dos eventos do Holocausto judeu, ocorrido durante a Segunda
Guerra Mundial (1939 - 1945).
Em Curitiba, a iniciativa da criação de um Museu do Holocausto partiu de uma
ação conjunta da Associação Casa de Cultura Beit Yaacov, uma instituição privada,
e da Comunidade Israelita de Curitiba (CIP), sendo implantado em um complexo que
abarca a própria sede da CIP, a Escola Israelita Brasileira Salomão Guelmann e a
Sinagoga Beit Yaacov, localizado no bairro do Bom Retiro. O museu foi inaugurado
no ano de 2011 e é o primeiro do Brasil nesta temática (COELHO, 2015).

FIGURA 8.2: MUSEU DO HOLOCAUSTO EM CURITIBA, 2011

FONTE: Gazeta do Povo

A atuação do Museu do Holocausto de Curitiba é baseada sobre 4 pilares:


Memória, Documentação, Investigação e Educação, englobando o conteúdo que
cerca o tema em questão. Há, portanto, uma série de objetivos centrais delimitados
pela instituição que se voltam principalmente para a tomada de consciência social
acerca da importância de uma cultura de paz, que supera o ódio, a discriminação, a
144

violência e a intolerância, dando-se através da própria exposição principal, da


organização de eventos e da parceria com escolas e demais instituições judaicas
nacionais e internacionais.
A exposição (FIGURA 8.3) conta com um acervo de objetos pessoais e
documentos das vítimas da violência, recursos audiovisuais que narram as suas
trajetórias, instalações cenográficas, produções artísticas e painéis expositivos que
sequenciam a narrativa e delimitam os espaços (COELHO, 2015).

8.1.3. A relação da cidade com os Direitos Humanos e com a democracia

Em uma leitura da capital paranaense que considera a sua malha de relações


com a cultura democrática e com os Direitos Humanos, serão pontuadas
movimentações urbanas que se deram durante alguns dos momentos históricos
nacionais de maior significado para a memória da violência de estado e das lutas por
direitos sociais.
Começando pela Ditadura Militar que regeu o país entre os anos de 1964 e
1985, Curitiba, em sua condição de capital estadual, tornou-se uma importante sede
dos aparatos mais complexos de repressão e resistência à violência de estado,
considerando um contexto local. É posto, porém, que Curitiba possui uma política
vigente de esquecimento acerca dos eventos traumáticos que assombram locais da
cidade - mesmo que não de maneira oficial - deixando a falsa impressão no senso
comum da sociedade de que a Ditadura atuou de forma branda na capital
paranaense, concentrando seus esforços principalmente no eixo Rio-São Paulo
(GONÇALVES; MATOZO; SILVA; CASTANHARO, 2022).
O foco da ação ditatorial no Paraná se deu inicialmente na supressão dos
movimentos sindicais e na perseguição e cassação de opositores políticos do
regime, principalmente nos primeiros anos após o golpe militar. Posteriormente,
impulsionada pela promulgação do Ato Institucional Número 5 (AI5) em 1968, houve
um direcionamento para a perseguição ao movimento estudantil.
Como posto anteriormente, muitos dos locais que abrigaram centros ativos de
repressão hoje não possuem nenhum tipo de indicação ou projeto de reestruturação
da sua memória traumática. Um dos locais mais simbólicos desse apagamento
histórico se dá pelo prédio que outrora abrigava a sede do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS), localizado na rua João Negrão, no bairro Centro (FIGURA
145

8.3). O espaço foi amplamente utilizado para a prisão e para a tortura física e
psicológica de inúmeras pessoas que foram consideradas ameaças para a ordem do
regime, além de ter funcionado como um local de sondagem e perseguição política
de mais de 44 mil paranaenses fichados e investigados. Hoje o prédio funciona
como um estabelecimento comercial que se divide entre um estacionamento, um
restaurante e uma funilaria.

FIGURA 8.3: ANTIGA SEDE DO DOPS EM CURITIBA, 2014

FONTE: Ditadura em Curitiba

Outros locais da cidade que merecem destaque em relação à sua memória


dos tempos ditatoriais são: o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR),
da 5ª Região Militar de Curitiba, espaço de mais prisões e torturas de inimigos do
estado, o qual cinicamente abriga hoje o Shopping Curitiba, o Presídio do Ahú, local
de encarceramento definitivo dos presos políticos, desativado em 2006 e demolido
em 2016 e o Quartel do 15º Batalhão do Exército, na Praça Rui Barbosa, local que
também serviu para prisões e torturas, o qual foi cedido à prefeitura, que construiu
em seu lugar uma Rua da Cidadania (GONÇALVES; MATOZO; SILVA;
CASTANHARO, 2022).
Há que se destacar também os locais da cidade que historicamente se
tornaram sinônimos de resistência política e luta por democracia. Um destes
espaços mais icônicos se dá pela área que transita entre a Praça General Osório e a
146

Rua XV de Novembro, conhecida como Boca Maldita. É a partir dos anos 1950 que
a Boca Maldita passa a ser reconhecida pelas discussões políticas, quando passou
a abrigar uma confraria de caráter machista, fundada pelos frequentadores de
restaurantes e cafés da região, autodenominada como Cavalheiros da Boca Maldita.
Apesar de sua origem possuir caráter obtuso, o espaço toma-se grande notoriedade
nacional em 1984, quando é ali concentrado um dos principais comícios do
movimento das “Diretas Já", o qual clamava pelo fim da ditadura e por eleições
diretas para os cargos do poder executivo. Contabiliza-se que o protesto concentrou
entre 30 e 80 mil pessoas. O local ainda é amplamente utilizado para manifestações
políticas. (VILLAMÉA, 2017).

FIGURA 8.4: MAPA DOS LOCAIS DE REPRESSÃO E RESISTÊNCIA À DITADURA EM CURITIBA,


2019

FONTE: CWB Resiste; Quebrando Muros; Cardeal; Bogdan, Adaptado pelo autor

Como houve um período em que a Ditadura voltou-se principalmente à


perseguição de estudantes politizados, como supracitado, as sedes da Universidade
Federal do Paraná, especialmente, como o prédio da Reitoria, o prédio histórico da
Praça Santos Andrade e o Centro Politécnico tornaram-se espaços emblemáticos de
articulação da resistência estudantil. O reconhecimento desses locais como
147

símbolos da democracia também permanecem até a atualidade (FPRVMJ, 2014).


Em 2019, uma equipe formada por membros dos coletivos CWB Resiste e
Quebrando Muros, em união com os historiadores Analine Cardeal e Fábio Bogdan,
elaboraram um mapa que territorializa os locais destacados até aqui (FIGURA 8.4).
Nesse sentido, reforça-se que poucos espaços públicos curitibanos fazem-se
tão vitais e simbólicos para a compreensão democrática da cidade quanto a Praça
Santos Andrade. Entrelaçada entre o espaço residual de dois ícones arquitetônicos
da cidade, o prédio histórico da Universidade Federal do Paraná e o Teatro Guaíra, a
praça se torna um pano de fundo ideal para ser apropriado pelas vozes da
democracia, levando em consideração o que Cerrato (2020) discute acerca de como
a apropriação dos espaços monumentais da cidade impulsiona a importância da
temática das manifestações públicas que ali ocorrem, desenvolvido no capítulo três
deste trabalho.

FIGURA 8.5: MANIFESTAÇÃO EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA PRAÇA SANTOS ANDRADE,


CURITIBA, 2019

FONTE: Rede Brasil Atual

A praça foi ponto de partida de uma série de protestos que tomaram corpo
especialmente a partir de 1975, quando começam os movimentos pela anistia
política. Desde então, a praça tem sido ponto agregador de grandes protestos,
muito impulsionados também pela comunidade acadêmica da UFPR (FPRVMJ,
148

2014) . Uma manifestação recente que ganhou imensa notoriedade nacional se deu
em maio de 2019, sendo uma resposta aos grandes cortes de gastos da educação
aplicados pelo governo federal. O protesto reuniu cerca de 20 mil pessoas, segundo
os organizadores, e um grande símbolo se fez por uma imensa faixa com os dizeres:
“Em defesa da educação”, que estampou a fachada do prédio histórico da UFPR
(FIGURA 8.5) (GAZETA DO POVO, 2019).
No âmbito político, atualmente, em um nível de gestão municipal, o órgão que
tem o intuito primordial de zelar pela defesa dos Direitos Humanos Universais
,através da promoção de políticas públicas, é a Assessoria de Direitos Humanos
(ADH), atrelada à Secretaria de Governo Municipal de Curitiba. O braço
governamental é ramificado entre a Assessoria de Políticas para as Mulheres,
Assessoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Assessoria de Políticas
da Diversidade Sexual. Junto à assessoria, há a Comissão Municipal de Direitos
Humanos (CMDH), entidade formada pela sociedade civil, representada por
instituições de ensino superior, movimentos sociais, organizações não
governamentais e associações civis, possuindo poderes de caráter normativo,
deliberativo e fiscalizador acerca dos assuntos ligados às políticas públicas de
Direitos Humanos (PREFEITURA DE CURITIBA, 2022).
Destaca-se também a Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania
e Segurança Pública da câmara de vereadores de Curitiba, a qual, segundo sua
sessão no site da Câmara Municipal (CMC, 2022):

“Compete à Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e


Segurança Pública exarar parecer sobre matéria atinente ao exercício dos
Direitos Humanos, aos inerentes à cidadania, à segurança pública, aos
direitos do consumidor, das minorias, da mulher, da criança, do idoso e dos
portadores de necessidades especiais.”
149

8.2. A escolha de sítio

O sítio de implantação de um museu de memória traumática pode ser um


fator muito determinante para o reconhecimento essencial deste como um símbolo
urbano e social, como argumentado anteriormente e em consonância com o texto de
Giroto (2021). A escolha do terreno de projeto balizou-se, portanto, pela busca de
um lugar na cidade de Curitiba que representasse com excelência as condições
primordiais de um espaço simbolicamente relevante para a compreensão popular de
democracia e de luta social, levando em consideração também os fatos históricos
explanados no item anterior.
Três frentes de atuação mostraram-se plausíveis, atreladas cada uma delas a
uma região curitibana em específico: a primeira opção seria a implantação de um
projeto na região do Centro Cívico, entendendo que é o local da cidade onde se
concentram os órgãos estaduais e municipais de exercício institucionalizado da
democracia. O local, porém, pode ser interpretado como um espaço dotado de
demasiada oficialidade, além de pertencer a um contexto urbano de menor vitalidade
urbana peatonal, sendo voltado com foco maior ao uso do carro, o que poderia ser
um empecilho para a intenção primordial de que o museu seja devidamente
apropriado pela população local.
A segunda opção considerada seria a da implantação ocorrendo em alguma
área marginalizada, geográfica e socialmente, da cidade de Curitiba, entendendo
que há nesta escolha uma oportunidade interessante de estabelecer um diálogo com
atores dos movimentos sociais ativos nesses locais, no que seria uma compreensão
espacial das lutas por Direitos Humanos pujantes na contemporaneidade. O fator
que acabou por pesar contra esta escolha, porém, foi o do entendimento de que a
opção por um local marginalizado em específico poderia acarretar em dificuldade de
acesso a partir de outras regiões da cidade, assim como na consequente diminuição
programática para um museu de menor escala, contrariando o desejo projetual da
realização de um museu que pudesse estabelecer um diálogo e uma significância
mais ampla com o tecido urbano.
Optou-se, portanto, pela elaboração do projeto na região central de Curitiba,
mais especificamente na área contígua à Praça Santos Andrade (FIGURA 8.6).
compreendendo, sobretudo, o impulso simbólico que a força histórica do local pode
proporcionar ao projeto, em um intuito de que, neste espaço, o museu poderia
150

ganhar uma escala mais condizente com a importância da temática expositiva para
com a cidade. Destaca-se também o fato de que a área central é um ponto de
convergência do transporte público metropolitano, sendo um local de grande
movimentação e vitalidade urbana.
Objetiva-se que o projeto museológico possa reforçar este caráter
democrático da Praça Santos Andrade, funcionando também como um espaço de
memória para todas as lutas que ocorreram e que ainda ocorrem no contexto local,
visando, por fim, pela afirmação dos Direitos Humanos Universais.

FIGURA 8.6: CONTEXTO URBANO DO TERRENO ESCOLHIDO

FONTE: Google Earth - adaptação do autor

8.3. O contexto físico-territorial do terreno escolhido

O terreno escolhido (FIGURA 8.7) possui uma área de 6231 metros


quadrados e se localiza na porção noroeste da Praça Santos Andrade, cruzando a
sua quadra e possuindo, portanto, duas testadas: uma voltada para a própria praça,
na rua Alfredo Bufren, e outra para a rua 13 de Maio. O local é composto por uma
junção de 4 lotes que abrigam hoje dois estacionamentos, ambos com entradas para
a rua 13 de Maio, ocupando cerca 93 % da sua área, sendo a parcela restante
utilizadas por algumas lojas de usos variados, como uma mercearia, uma relojoaria
e uma lanchonete, todas voltadas para a rua Alfredo Bufren (FIGURA 8.8).
151

FIGURA 8.7: ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO ESCOLHIDO

FONTE: Google Maps - adaptação do autor

FIGURA 8.8: DISTRIBUIÇÃO DE USOS NO TERRENO ATUALMENTE

FONTE: O autor

Compreende-se que, pela condição de fraqueza de vitalidade urbana que um


equipamento como um estacionamento proporciona para a cidade, seu uso poderia
152

ser desconsiderado para o exercício projetual posterior. Por outro lado, será
estudado posteriormente se as lojas poderiam ser de alguma forma incorporadas ao
programa projetual, já que sua permanência no local pode auxiliar na movimentação
de pessoas no local, entendendo a diversidade de usos como um aspecto saudável
para o sucesso do equipamento cultural.
Para os cálculos de área máxima permitida para a elaboração do projeto no
terreno em questão, analisou-se o documento de “guia amarela” emitido pelo
IPPUC, balizando-se o cálculo pelo lote de maior porte dentre os 4 do conjunto.
Frisa-se aqui que o terreno, em relação ao zoneamento municipal estabelecido pela
lei de número 15511 de 2019, encontra-se na “Zona Central”, sendo que há,
portanto, a permissão de uso do terreno para a construção de um equipamento
cultural, o qual pode atingir um coeficiente de aproveitamento de valor 4 em relação
a metragem do lote, permitindo também a ocupação de 100% da área do terreno na
elaboração projetual para o subsolo, térreo e primeiro pavimento. Desta forma,
calcula-se que o museu poderia alcançar uma área de 24.924 metros quadrados.
Não se faria necessário, segundo o documento, a destinação de uma parcela
do lote para o estabelecimento de uma área permeável. Ainda segundo a “guia
amarela”, não há altura máxima de pavimentos a ser considerada.
Adiantando-se nas discussões acerca das primeiras diretrizes projetuais,
porém, deseja-se uma composição formal para o projeto que permita a liberdade
espacial do pavimento térreo, em um movimento que busca a extensão da praça
Santos Andrade, direcionando o museu para as ideias anteriormente tratadas
acerca do desejo de torná-lo um local de apropriação democrática. Há de se deixar
claro, portanto, que não se objetiva, a título de exercício projetual, que o museu
alcance uma área tão grande quanto a máxima permitida, compreendendo que o
equipamento poderia absorver uma escala pouco condizente com a sensibilidade do
entorno imediato.
Em um recorte do mapa altimétrico da regional Matriz, que enquadra o bairro
do centro, disponibilizado pelo IPPUC, percebe-se que o terreno a ser utilizado para
o posterior exercício projetual encontra-se em uma área predominantemente plana,
sendo que em seus aproximados 80 metros de extensão há um desnível, quase
imperceptível, de 1 metro (FIGURA 8.9).
153

FIGURA 8.9: MAPA ALTIMÉTRICO DO ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO ESCOLHIDO

FONTE: O autor, 2022

FIGURA 8.10: ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO SOB UMA VISTA AÉREA

FONTE: Google Earth - adaptado pelo autor, 2022


154

Destaca-se que uma condicionante contextual, cuja compreensão se faz


importante para a futura elaboração do projeto, se dá pelo gabarito do entorno
imediato ao terreno. É perceptível, através da imagem de satélite (FIGURA 8.10),
que o terreno é especialmente cercado por dois edifícios de grande porte,
configurados de maneira longitudinal em direção ao centro da quadra, com uma
série de janelas voltadas para o miolo da quadra, local onde se encontrará o museu.
Quando elaborado o projeto, deverão ser levadas em consideração estratégias
projetuais que busquem o respeito à preexistência desses edifícios e o cotidiano dos
seus moradores. Ressalta-se também que o alto gabarito do entorno pode ser um
fator limitante em questões relacionadas à iluminação natural no museu - neste
caso, deve haver o uso de estratégias que contornem esta situação e potencializem
a luz que há de infiltrar o museu.
A seguir, inserem-se algumas fotos do local sob a perspectiva do autor:

FIGURA 8.11: VISTA DA PRAÇA PARA A FACHADA DA RUA ALFREDO BUFREN

FONTE: O autor (2022)


155

FIGURA 8.12: VISTA DA FACHADA DA RUA ALFREDO BUFREN PARA PRAÇA SANTOS
ANDRADE

FONTE: O autor (2022)

FIGURA 8.13: VISTA DA PRAÇA PARA A FACHADA DA RUA ALFREDO BUFREN E TERRENO
VIZINHO

FONTE: O autor (2022)


156

FIGURA 8.14: VISTA DA PARA A FACHADA DA RUA 13 DE MAIO

FONTE: O autor (2022)

FIGURA 8.15: VISTA DA PARA A FACHADA DA RUA 13 DE MAIO. GALPÃO QUE ABRIGA HOJE
UM ESTACIONAMENTO

FONTE: O autor (2022)


157

9. O PROJETO

9.1. A proposta

A memória é uma entidade dotada de absoluta fragilidade, necessita


constantemente de reafirmação para permanecer viva na consciência coletiva da
sociedade. A arquitetura, e mais especificamente, a arquitetura de museus, por sua
vez, possui uma capacidade intrínseca de concretizar uma memória, na construção
física de fortalezas dedicadas à sua defesa.
Considerando os diversos pontos discutidos no decorrer do presente trabalho,
pontua-se que o desejo pela posterior elaboração de um projeto de um Museu dos
Direitos Humanos, na região de Curitiba, nasce da intenção primordial da construção
de uma dessas fortalezas dedicadas à proteção da memória: no caso, a memória
das lutas por Direitos Humanos. Compreende-se que o museu poderia participar
ativamente do compromisso social da construção do futuro em haja uma
consciência coletiva acerca da responsabilidade social de resguardar a dignidade
humana.
A concepção essencial do museu é baseada no intuito da criação de um
espaço democrático. Retomando alguns dos conceitos discutidos acerca da relação
entre os museus e a democracia, vê-se que tal relação pode se dar
predominantemente através de duas formas: tanto no estabelecimento de um local
acessível, flexível e simbólico para a cidade, permitindo sua apropriação para a livre
manifestação cidadã; quanto na promoção de um palco apto para o destaque das
vozes daqueles que historicamente foram excluídos da sociedade.
Pretende-se, portanto, que seja incorporado ao programa museológico um
espaço público que possa ser utilizado de maneira independente do equipamento
cultural em si: uma praça, aberta e flexível, que permita a fluidez entre as duas ruas
que delimitam o terreno, estudando-se, inclusive, a possibilidade de se tornar uma
extensão física e simbólica da Praça Santos Andrade.
Compreendendo as condições físico-territoriais explanadas há pouco,
define-se que uma das primeiras diretrizes formais é a de evitar a utilização das
bordas do terreno para a implantação do volume museológico, preservando, assim,
a integridade dos edifícios vizinhos.
158

Como posto no capítulo 7, o qual analisou o funcionamento programático de


um museu de memória traumática, faz-se importante que haja facilidade de acesso
de transportes de carga e descarga no interior do museu, que auxiliam tanto os
estabelecimentos comerciais que o museu agrega, quanto na própria organização
museológica e expográfica. Nesse sentido, a configuração espacial do terreno, que
corta a quadra, possui saída para as duas ruas (FIGURA 9.1), sendo uma delas de
maior hierarquia viária e vitalidade urbana em relação à outra, podendo ser fator
essencial para o desenvolvimento das estratégias logísticas do equipamento
museológico, permitindo que a entrada principal se dê voltada para a Praça Santos
Andrade, enquanto a rua 13 de Maio se torna um acesso secundário voltado para a
a logística de carga e descarga.

FIGURA 9.1: ENTORNO IMEDIATO DO TERRENO E SEUS POSSÍVEIS ACESSOS

FONTE: Google Earth - adaptado pelo autor

Há de se lançar também, de forma preliminar, as diretrizes temáticas e


expositivas do museu. Ele deve contar com uma narrativa que compreenda, do
ponto de vista histórico e político, as diversas violações aos Direitos Humanos que
ocorreram, e que ainda ocorrem, principalmente nos âmbitos nacionais e regionais,
assim como as forças de resistência que muitas vezes pereceram em sua defesa,
159

em uma exposição permanente configurada de maneira verdadeiramente global e


didática.
Entende-se que estas intenções ainda reverberam nas ideias do papel
democrático e educacional do museu, anteriormente discutidas. Em um contexto
nacional marcado por um revisionismo histórico e pela relativização das violações à
dignidade humana, feitas, inclusive, pela oficialidade de setores do poder público, a
concretização da sua memória e todo o poder social gerado por este ato tornam-se,
invariavelmente, urgentes.

9.2. Aspectos funcionais e programáticos

9.2.1. Programa de necessidades prévio e setorização

A elaboração do programa de necessidades e o desenvolvimento de algumas


das estratégias funcionais de organização espacial do Museu dos Direitos Humanos
de Curitiba traçaram-se em um paralelo com o Museu dos Direitos Humanos do
Chile, adaptando-o para as condições contextuais.
Como posto anteriormente, a área destinada ao projeto possui uma área de
6231 m², onde se pretende, previamente, deixá-la quase em totalidade como uma
área livre - uma praça sob o museu. Devido ao fato dos lotes vizinhos serem
compostos de prédios de alto gabarito, com suas aberturas voltadas ao que seria o
espaço do museu, há a intenção projetual inicial de não tornar o museu um edifício
de gabarito igualmente alto. Propõe-se, portanto, que o equipamento se restrinja a
uma altura de 2 a 4 pavimentos para além do térreo, estudando ainda a
possibilidade de utilizar-se do subsolo.
Apesar do potencial construtivo previsto na “guia amarela” do terreno possuir
um índice de valor 4 para equipamentos culturais, o que significaria um edifício de
quase 25 mil metros quadrados; pretende-se trabalhar com um potencial construtivo
de índice 1, o que geraria um museu de aproximadamente 6200 m², compreendendo
que, desta forma, o edifício seria de uma escala mais condizente com a realidade
contextual.
A partir dessa área de 6200 m², volta-se ao exemplo do Chile, onde se fez a
leitura de que há uma divisão terciária da área total, reservando aproximadamente
um terço para as áreas expositivas, um terço para circulação e um terço para os
160

demais usos, como usos técnicos e administrativos. No caso do projeto a ser


realizado, essa divisão resultaria em cada um destes usos - expositivos, circulação e
complementares - com uma área de aproximadamente 2065 m². Por
complementares, englobam-se os usos museológicos, administrativos, técnicos,
educacionais, comerciais e auxiliares.
Nesse sentido, elaborou-se uma tabela com os ambientes que deverão
constar em projeto e a área prévia destinada a estes espaços (TABELA 9.1).

TABELA 9.1: PROGRAMA E ÁREAS APROXIMADAS PARA O MUSEU DOS DIREITOS HUMANOS
DE CURITIBA

USO AMBIENTE ÁREA (m²)

Expositivo Exposições permanentes 1500

Expositivo Exposição temporária 565

Administrativo Sala da direção 20

Administrativo Sala da subdiretoria 20

Administrativo Recepção 25

Administrativo Salas de reunião 90

Administrativo Sala de descanso 30

Administrativo Refeitório/ Copa 40

Administrativo Sala de segurança 25

Administrativo Sala de informática 20

Museológico Sala de montagem 50


museográfica

Museológico Laboratório de conservação 50

Museológico Depósito de coleções 250

Museológico Bilheteria 25

Museológico Banheiro da bilheteria 5

Educacional Biblioteca 200

Educacional Oficinas 100

Educacional Auditório 250

Educacional Foyer 50
161

Comercial Loja 50

Comercial Depósito da loja 15

Comercial Banheiro da loja 5

Comercial Livraria 50

Comercial Depósito da livraria 15

Comercial Banheiro da livraria 5

Comercial Café 60

Comercial Depósito do café 15

Comercial Banheiro do café 5

Técnico Sala de máquinas 125

Técnico Pátio de condensadores de ar 75


condicionado

Técnico Salas de bombas 80

Técnico Instalações elétricas 120

Técnico Sala de controle técnico 30

Auxiliar Depósitos 30

Auxiliar Banheiros (público) 120

Auxiliar Banheiros (funcionários) 40

Auxiliar Área multiuso de serviço 40

Circulação Circulações horizontais e 2005


verticais

ÁREA TOTAL: 6200

FONTE: O autor (2022)


162

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cabe aqui ressaltar alguns dos pontos mais importantes discutidos no


decorrer do presente trabalho e seus ecos na proposta a ser desenvolvida.
Ponderou-se, inicialmente, que as questões que cercam os Direitos Humanos
Universais mostram-se urgentes no desenvolvimento de uma sociedade embasada
na dignidade humana como fim essencial. É igualmente fundamental o resguardo da
memória de todos aqueles que pereceram e se sacrificaram nas lutas pelo
estabelecimento desse ideal, de modo que este sacrifício não tenha sido em vão,
evitando-se que aconteçam novas atrocidades.
Analisou-se, em sequência, que o desenvolvimento tipológico dos museus
deu-se, paulatinamente, por uma evolução da ideia inicial do edifício como um
depósito de coleções de arte e objetos diversos, para se tornar um equipamento
complexo, multifuncional e parte essencial da malha urbana. E, apesar de ideia do
museu ainda ser pautada no resguardo da memória do passado, seu compromisso
é, essencialmente, com o futuro: o museu desenvolve-se como um espaço
destinado à construção das identidades sociais, um palco para vozes que por
séculos foram marginalizadas e negligenciadas pela sociedade. O espaço se torna
um local de mirada para um futuro de mais respeito e tolerância, apoiado nas bases
daqueles que lutaram - e ainda lutam - para escrevê-lo.
No intuito de realizar um exercício projetual de um museu de memória
traumática na cidade de Curitiba, estudaram-se as particularidades programáticas
desses equipamentos e as suas condicionantes ambientais. O local de implantação
também se mostrou um fator essencial para a potencialização da significância e
simbologia desejada para o espaço. Analisaram-se, portanto, os locais mais
simbólicos para a cidade de Curitiba, no que se diz respeito ao histórico de lutas por
democracia e direitos humanos, escolhendo-se um terreno nos arredores da Praça
Santos Andrade - local que ainda hoje é amplamente apropriado pela população
para manifestações.
Conclui-se, assim, que a construção de um Museu dos Direitos Humanos na
cidade de Curitiba merece atenção quanto a sua responsabilidade de se tornar um
edifício que respira e resguarda os ideais democráticos: seja pela própria natureza
da temática expositiva, ou pela sua capacidade de gerar uma simbologia espacial,
163

capaz de ser apropriada de forma indiscriminatória e plural para o exercício


democrático na cidade.
164

11. REFERÊNCIAS

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