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A Quaresma na Umbanda

A quaresma é uma tradição católica, um período em que os católicos se


recolhem
em penitência e reflexão íntima, que dura 40 dias: começa na quarta-feira de
Cinzas
e termina no Domingo de Ramos, tendo como objetivo a preparação dos fiéis
para a ressurreição de Cristo, através de jejuns, orações, privações
e outros recursos como um convite ao renascimento de cada um.
A Umbanda é uma religião genuinamente brasileira, mas tem a sua origem
também sincrética,ou seja, como a maioria das religiões, ela acoplou à sua
essência fundamentos de outras vertentes, como do Candomblé da Pajelança
(indígenas), da Igreja Católica, do Catimbó, dos Orientais etc.
Na Umbanda caberá ao chefe do Templo indicar sempre qual será o ritual
aplicado em suas giras durante o ano, de acordo com o ditame divino para um
melhor aproveitamento de cada grupo umbandista (o que há em comum entre
todos os Templos de Umbanda é a essência, não a forma: a forma é livre,
desde que siga em consonância com os preceitos que regem a sua essência
da Umbanda).
Antigamente, a Umbanda não era aceita como religião por alguns grupos
sociais e, por isso, durante esse período de resguardo católico, os Terreiros
fechavam as suas portas para que não houvesse algum mal-entendido sobre o
que estivessem praticando visando evitar represálias infundadas que, muitas
vezes, acabavam em destruição dos Terreiros ou prisões infundadas dos
umbandistas. Assim, para evitar maiores aborrecimentos, os dirigentes das
Casas Umbandistas preferiam suspender as giras durante a quaresma.
Atualmente, apesar de já estarmos protegidos constitucionalmente com o
direito à liberdade de crença, alguns Terreiros ainda ficam fechados e só
retornam às suas atividades após a Páscoa sob o fundamento de que, durante
este tempo, os médiuns devem ficar recolhidos em oraçõesem suas próprias
residências, aproveitando o seu cotidiano para refletir acerca de como ele está
vivenciando a sua mediunidade, a solidariedade para com todos e os valores
de Deus. Em sendo assim, devemos respeitar os Templos Umbandistas que
seguem esse ditame, uma vez que as suas portas ficam fechadas não em
obediência ao resguardo católico como outrora faziam, mas sim, para
aproveitar o período no sentido dos médiuns e participantes realmente
efetuarem uma reforma íntima de suas atitudes no dia a dia.

Outros Terreiros abrem as suas portas e realizam as giras normalmente,


não adotando para si um período diferencial, ou seja, trabalham com todas as
linhas da Umbanda.

Por fim, há os Terreiros que mantém as suas portas abertas, mas realizam
as suas sessões de forma diferenciada, segundo os seus próprios
regramentos.
O que é preciso compreender é que não há um método certo ou errado, pois
como já mencionei,
caberá a cada dirigente e Mentor espiritual especificar quais os rituais que
serão seguidos em sua Casa religiosa. Urge, também a nós umbandistas,
depositarmos a nossa confiança extrema no Chefe do Terreiro em que
escolhemos seguir, como também sabermos respeitar as práticas realizadas
nos outros Terreiros, sem realizar gracejos, nem desconfianças, pois o
respeito é a base de todo ser humano virtuoso.
Há pessoas que, infelizmente, ainda pensam que o tratamento diferenciado
que certos Templos adotam durante a quaresma dá-se ao fato de que este é
um período "muito pesado" e que, por isso, o Povo da Direita recolher-se-ia
em Aruanda, não podendo nos defender. Ora, claro que isso é um absurdo.
Se todos os nossos Guias e Orixás tão zelosos nos acompanham, ajudam e
defendem
em todos os dias do ano, seria incompreensível que, em um momento do dito
"maior perigo",
os defensores da Luz simplesmente se recolhessem, afastando-se de nós.
Temos que sempre nos recordar que nós, seres humanos, muitas vezes não
socorremos os "amigos" em momentos de dor, como lutos, doenças,
desgostos em razão da nossa própria inferioridade e prepotência, mas os
nossos Orixás e Falangeiros são espíritos de muita luz e que trabalham em
prol da humanidade sofredora e, por isso, jamais se afastariam de nós nos
momentos de grandes tristezas, ao contrário, também nas horas de mais
desespero, os nossos amados Orixás e Guias Espirituais nos sustentam em
seu campo vibratório para nos ajudar a ultrapassarmos essas fases tão
pesarosas.
O fato é que a quaresma é considerada um período nebuloso para alguns
religiosos,
como os católicos, pois é o tempo em que determinam que o cristão católico
reviveria a perseguição
e crucificação de Cristo, onde as trevas aparentemente triunfariam
para, então, haver o renascer da Luz com a ressuscitação, na Páscoa.
O bem e o mal estão ao nosso lado diariamente, não há pausas para a sua
atuação e, por isso, aquele que busca a evolução deve orar e vigiar sempre,
como nos ensinou o nosso Mestre Jesus. Contudo, pelo fato de se ter
convencionado que a quaresma é um período de remoer as dores e
sofrimentos, e até pelo costume antigo das Casas religiosas fecharem as suas
portas, acabou-se criando um ambiente propício à instalação de energias
deletérias e nocivas, próprias de espíritos atrasados e isso encontrou, na
mente das pessoas despreparadas, uma predisposição ao ataque do mal
(atraimos o que vibramos).
Além disso, devemos nos lembrar de que, antes da quaresma, há o carnaval,
data em que a maioria dos foliões adota para extravasar toda a carga
emocional que traz consigo, toda a tristeza e preocupação é substituída por
dias de loucuras, onde a diversão está agregada à fartura de bebida, de
drogas, de sexualidade exacerbada etc. Se, como espiritualistas que somos,
temos o conhecimento de que atraímos as energias que se sintonizam a
nossa, torna-se mais fácil a compreensão de que muitas energias inferiores se
aproveitam dessa carga densa criada pelas pessoas (dessa egrégora negativa)
e a elas se unem no intuito de disseminarem o seu potencial maligno. Nesse
sentido, o venerável Espírito Manoel Philomeno de Miranda, através do
médium Chico Xavier advertiu sobre "os terríveis processos obsessivos que
se iniciam nos dias das mentirosas alegrias do carnaval e se estendem, por
tempo indeterminado, levando ao agravamento do carma de grande massa
humana, que podem chegar aos nossos lares fazendo tombar aqueles que se
ligam aos nossos corações.”
Ora, mais um motivo para nos desvencilharmos do catolicismo, pois se as
pessoas abrem espaço para que entidades de baixo padrão energético se
unam ao nosso cotidiano, entendemos que isso é mais um motivo para
continuarmos com o nosso labor espiritual em prol da humanidade, mantendo
as portas de nossa Casa religiosa abertas.

Portanto, seja qual for o estilo a ser seguido: manter ou não as portas do
Terreiros abertas durante a quaresma e, se abertas, realizar giras normais ou
diferenciadas, o que é imprescindível é que, como Umbandistas que somos,
nos desatrelemos do ranço católico e que estejamos abertos para
ultrapassarmos essa etapa do ano sem medos infundados.
Nesse sentido, visando a salvaguarda de seus filhos, muitos dos quais ainda
trazem temor em seus pensamentos pela passagem deste período, a nossa
Casa de Umbanda segue o posicionamento de continuar com as portas
abertas, uma vez que não pode haver pausa no socorro espiritual, seja a
época que for.
Os Terreiros que seguem o nosso posicionamento de permanecerem abertos
e com um ritual diferenciado, se dividem em duas vertentes: ou trabalham
somente com os Orixás da extrema Direita ou tão somente com os da
Esquerda.
Mais uma vez, será o Mentor espiritual do Terreiro quem irá direcionar a
posição a ser adotada, pois somente ele conhece a egrégora formada pelos
médiuns da sua Casa e pela consulência que lhes assiste.
Em nossa Casa religiosa, durante esse período, trabalhamos com os Exus,
as Pomba-Giras, os Baianos, os Boiadeiros , marinheiro e preto velho.
Para a Umbanda, os Orixás e Falangeiros à sua Esquerda são verdadeiros
abnegados trabalhadores da Luz, são os agentes responsáveis pela
segurança, pela lei e pela ordem, atuando como uma polícia especial contra os
mercenários das trevas. A eles, a Potência Divina atribuiu a função de
estimular e impulsionar os homens a desenvolverem as suas qualidades
físicas e espirituais,
resguardando a nossa caminhada contra as constantes agressões das
sombras.
Entendemos que aqueles que trabalham na Magia Negativa têm, na quaresma,
um período favorável às suas manobras ardilosas (gerado pelo ranço católico)
e, por isso, também nesse tempo que precisamos nos vigiar com maior
atenção e, assim, recorremos aos soldados fiéis do Altíssimo, assentados à
sua esquerda, para nos defenderem e nos ajudarem com os seus
aconselhamentos a vivenciarmos a nossa jornada com maior dignidade,
saúde e luz.
De outro lado, devemos nos ater também ao fato de que “40” é um número
cabalístico na cultura judaico cristã. Nos livros religiosos sagrados, o número
40 aparece com frequência, como por exemplo: a quaresma dura 40 dias, há
os 40 dias do dilúvio, os 40 anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto
onde foram testados, os 40 dias de jejum de Moisés e de Elias na montanha,
os 40 dias que Jesus passou no deserto antes de começar o seu ministério
terreno. É uma unanimidade entre os teólogos e estudiosos o fato de que os
números citados na Bíblia têm significados profundamente espirituais, Deus é
detalhista em Seus planos e, por isso, Ele usa os números corretos para cada
coisa.
O que se percebe é que, geralmente, esse período de 40 dias têm sido uma
espécie de teste usado por Deus a fim de determinar algo importante no
porvir.
Em nossa Casa, entendemos que fazer um resguardo especial em certa época
do ano é algo louvável. O melhor seria que os seres humanos, diariamente, se
autovigiassem e sempre promovessem atos de compaixão e virtudes.
Contudo, não somos assim, ainda estamos distantes deste degrau de
evolução. Os dias vão passando e, atolados de trabalhos, responsabilidades
familiares e sociais, alguns dizem nem terem tempo sequer para rezar, quanto
mais para se autoanalisar.
Podemos aproveitar esses 40 dias a fim de nos prepararmos para promover o
nosso necessário renascimento. Não sejamos hipócritas, pois todos que
estamos vivenciando neste planeta de provas e expiações somos pessoas
cheias de medos, vícios e sentimentos negativos que ainda não aprendemos a
deletar. Então, esse tempo vem para nos lembrar que estamos apenas de
passagem por este planeta e, por isso, é preciso termos um tempo para
fazermos uma reflexão honesta acerca de nossos erros, nossas dores e
decepções. Assim como Jesus, que durante este tempo se preparou para
vencer as suas provas e nos deixar o seu legado de amor, humildade e fé, nós
também precisamos ter um período para nos religarmos à nossa essência, aos
nossos valores verdadeiros, de adquirirmos forças para também
ressuscitarmos na Páscoa e começarmos uma vida mais iluminada, mais
sábia, mais plena, mais fervorosa. Aconselhamos aos Umbandistas
continuarem com os seus labores habituais, de forma a sempre tomarem os
seus banhos de descarga e ritualísticos, fazerem as suas orações diariamente,
tomarem os seus passes espirituais e vigiarem o seu coração, a sua mente e,
principalmente, as suas palavras e as suas atitudes.
Para aqueles Umbandistas que não desejam, nem fazem mal aos outros (nem
por palavras, julgamentos, nem por ações), um simples comportamento
sereno, solidário e leal já os deixam fortalecidos para, assim como Jesus,
vencerem as trevas em qualquer época do ano.

Em verdade, o umbandista deve entender que a quaresma


não é um tempo
para se temer, e sim,
para se repensar
sobre as nossas atitudes,
é mais uma oportunidade
para adotarmos uma postura
de vida mais virtuosa e também para
vivenciarmos melhor a nossa fé.

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