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AUTA DE SOUZA

“Não vês? Minh’alma é como a pena branca


Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com ela assim, de ramo em ramo,
Para um ninho gentil de gaturamo...
Leva-me, ó coração, como esta pena,
De dor em dor, até a paz serena.”
- Auta de Souza

Auta Henriqueta de Souza nasceu em Macaíba, em 12 de setembro de 1876, filha de Elói


Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina Rodrigues e irmã dos políticos norte-rio-
grandenses Elói de Sousa e Henrique Castriciano.
Ficou órfã aos três anos, com a morte de sua mãe por tuberculose, e no ano seguinte
perdeu também o pai, pela mesma doença. Sua mãe morreu aos 27 anos e seu pai aos 38
anos.
Durante a infância, foi criada por sua avó materna, Silvina Maria da Conceição de Paula
Rodrigues, conhecida como Dindinha, em uma chácara no Recife, onde foi alfabetizada
por professores particulares. Sua avó, embora analfabeta, conseguiu proporcionar boa
educação aos netos.
Aos onze anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paula, dirigido por freiras
vincentinas francesas, e onde aprendeu Francês, Inglês, Literatura (inclusive muita
literatura religiosa), Música e Desenho. Lia no original as obras de Victor Hugo,
Lamartine, Chateaubriand e Fénelon.
Quando tinha doze anos, vivenciou nova tragédia: a morte acidental de seu irmão mais
novo, Irineu Leão Rodrigues de Sousa, causada pela explosão de um candeeiro.
Mais tarde, aos catorze anos, recebeu o diagnóstico de tuberculose, e teve que
interromper seus estudos no colégio religioso, mas deu prosseguimento à sua formação
intelectual como autodidata.
Continuou participando da União Pia das Filhas de Maria, à qual se uniu na escola. Foi
professora de catecismo em Macaíba e escreveu versos religiosos. Jackson Figueiredo
(1914) a considera uma das mais altas expressões da poesia católica nas letras femininas
brasileiras.
Começou a escrever aos dezesseis anos, apesar da doença. Frequentava o Club do
Biscoito, associação de amigos que promovia reuniões dançantes onde os convidados
recitavam poemas de vários autores, como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro
Alves, Junqueira Freire e os potiguares Lourival Açucena, Areias Bajão e Segundo
Wanderley.
Por volta de 1895, Auta conheceu João Leopoldo da Silva Loureiro, promotor público de
sua cidade natal, com quem namorou durante um ano e de quem foi obrigada a se
separar pelos irmãos, que preocupavam-se com seu estado de saúde. Pouco depois da
separação, ele também morreria vítima da tuberculose. Esta frustração amorosa se
tornaria o quinto fator marcante de sua obra, junto à religiosidade, à orfandade, à morte
trágica de seu irmão e à tuberculose. A poetisa, então, encerrou seu primeiro livro de
manuscritos, intitulado Dhálias, que mais tarde seria publicado sob o título de Horto.
Aos dezoito anos, passou a colaborar com a revista Oásis, e aos vinte escrevia para A
República, jornal de maior circulação e que lhe deu visibilidade para a imprensa de
outras regiões. Seus poemas foram publicados no jornal O Paiz, do Rio de Janeiro. No ano
seguinte, passaria a escrever assiduamente para o prestigiado jornal A Tribuna, de Natal,
e seus versos eram publicados junto aos de vários escritores famosos do Nordeste. Entre
1899 e 1900, assinou seus poemas com os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das
Neves, prática comum à época.
ambém foi publicada nos jornais A Gazetinha, de Recife, e no jornal religioso Oito de
Setembro, de Natal, e na Revista do Rio Grande do Norte, onde era a única mulher entre
os colaboradores.
Venceu a resistência dos círculos literários masculinos e escrevia profissionalmente em
uma sociedade em que este ofício era quase que exclusividade dos homens, já que a
crítica ignorava as mulheres escritoras. Sua poesia passou a circular nas rodas literárias
de todo o país, despertando grande interesse. Tornou-se a poetisa norte-rio-grandense
mais conhecida fora do estado.
Aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901, Auta de Souza morria tuberculosa. Foi
sepultada no cemitério do Alecrim, em Natal, em 1904 seus restos mortais foram
transportados para o jazigo da família, na parede da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, em Macaíba, sua cidade natal. No ano anterior (1900) havia publicado seu
único livro de poemas sob o título de Horto, com prefácio de Olavo Bilac, que obteve
significativa repercussão na crítica nacional. Em 1910 saía à segunda edição, em Paris, e,
em 1936, a terceira, no Rio de janeiro, com prefácio de Alceu de Amoroso Lima.

Homenagens
Em 1936, a Academia Norte-Riograndense de Letras dedicou-lhe a poltrona XX, como
reconhecimento à sua obra.
Em 1951, foi feita uma lápide, tendo como epitáfio versos extraídos de seu poema Ao Pé
do Túmulo: "Longe da mágoa, enfim no céu repousa/Quem sofreu muito e quem amou
demais.”

"A tormenta se desfizera ao pé do túmulo; e do naufrágio em que abismou esta singular


existência, resta o Horto, livro de uma Santa."
- Henrique Castriciano de Souza - irmão, escritor e político brasileiro, 2ª ed.: “Horto”, de
Auta de Souza.

"A maior poetisa mística do Brasil"


- Luís da Câmara Cascudo

AUTA DE SOUZA - OBRA E AS EDIÇÕES


Capa da 2ª ed., do livro "Horto", Auta de Souza
- Ilustração de D. O. Widhopff.
Horto. [prefácio de Olavo Bilac], contendo 114 poemas - 1ª. ed., Rio de Janeiro:
Tipografia d’A República/Biblioteca do Grêmio Polimático, 1900, 232 p.
Horto. (incluindo 17 novos poemas que integravam o manuscrito Dhálias), - [Breve
biografia da autora, por seu irmão Henrique Castriciano de Sousa; e Ilustração e Capa de
D.O. Widhopff], 2ª. ed., Paris: Tipographie Aillaud, Alves & Cia, Boulevard Montparnasse,
96, 1910.
Horto. [prefácio de Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima)], 3ª. ed., Rio de Janeiro:
Tip. Batista de Sousa, 1936.
Horto. 4ª. ed., Natal/RN: Fundação José Augusto, 1970.
Horto. Brasília: Sociedade de Divulgação Espírita Auta de Souza, 2000.
Horto. [Coleção Nordestina], - (incluindo “Introdução para um Estudo da Vida e Obra de
Auta de Sousa”, de Ana Laudelina Ferreira Gomes). 5ª. ed., Natal/RN: Editoras
Universitárias do Nordeste, 2001.

Horto, outros poemas e ressonâncias. [obra reunida], Natal: EDUFRN, 2009, 270p.

MANUSCRITOS
AUTA DE SOUZA - POEMAS ESCOLHIDOS

À alma de minha mãe


Partiu-se o fio branco e delicado
Dos sonhos de minh’alma desditosa...
E as contas do rosário assim quebrado
Caíram como folhas de uma rosa.

Debalde eu as procuro lacrimosa,


Estas doces relíquias do Passado,
Para guardá-las na urna perfumosa,
Do meu seio no cofre imaculado.

Aí! se eu ao menos uma só pudesse


D’estas contas achar que me fizesse
Lembrar um mundo de alegrias doidas...

Feliz seria... Mas minh’alma atenta


Em vão procura uma continha benta:
Quando partiste m’as levaste todas!
- Auta de Souza [Natal, Março de 1895].

À minha avó
Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias...
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vai cantar, velhinha amada!


Rio onde correm minhas alegrias...
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!

Minh’alma vai cantar... Transforma o seio


N’um cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro... -

Eu quero vê-lo, em desejada calma,


No rico santuário de tu’alma...
- Hóstia guardada n’um cibório de ouro! -
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.

Agonia do Coração
(A Maria Carolina de Vasconcellos)

"Estrelas fulgem da noite em meio


Lembrando círios louros a arder...
E eu tenho a treva dentro do seio...
Astros! velai-vos, que eu vou morrer!

Ao longe cantam. São almas puras


Cantando á hora do adormecer...
E o eco triste sobe ás alturas...
Moças! não cantem, que eu vou morrer!

As mães embalam o berço amigo,


Doce esperança de seu viver...
E eu vou sozinha para o jazigo...
Chorai, crianças, que eu vou morrer!

Pássaros tremem no ninho santo


Pedindo a graça do alvorecer...
Enquanto eu parto desfeita em pranto...
Aves, suspirem, que eu vou morrer!

De lá do campo cheio de rosas


Vem um perfume de entontecer...
Meu Deus! que mágoas tão dolorosas...
Flores! Fechai-vos, que eu vou morrer!"
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.

Ao Cair da Noite
(A Maria Emília Loureiro)
Caminho do Sertão
(A meu irmão João Cancio)

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço


Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,


Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece


Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor...

Ao longe, a Lua vem dourando a treva...


Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.

Cantai
(A Edwiges de Sá Pereira)

Ó vós, que guardais no seio


Com tanto amor e carinho,
- Com o mesmo doce receio
De um’ave que guarda o ninho:

As ilusões mais douradas


Que um’alma de moça encerra: -
Cantai as crenças nevadas
Que divinizam a terra;

Cantai a meiga harmonia


Das esperanças em flor,
Cantai a vida, a alegria,
Na lira santa do amor.

Cantai a vida, a alegria,


- Dizei-o nos vossos cantos -
É uma aurora querida
Que desabrocha sem prantos.

Expatriai a saudade,
- O espinho do coração -
Cantai a felicidade
De uma existência em botão.

É para vós a ventura,


A glória que o mundo tem...
Que vos importa a amargura
De um’alma que chora além?

Eu também irei cantando,


Como vós, meus pensamentos,
Vivendo sempre sonhando
Sem dores e sem tormentos.

E, já que não tenho amores,


E nem embalo esperanças...
Canto o perfume das flores,
Canto o riso das crianças.
- Auta de Souza, in “Horto”, 1900.

Cantando
(A meu irmão Henrique)

Tão mimosa estrela


No céu ontem vi.
Que minh’alma, ao vê-la,
Pensou logo em ti.

Pensou em ti, santo!


Vendo-a assim brilhar...
Parecia o encanto
De teu doce olhar.

De teu olhar puro,


Meu celeste amor!
Onde o meu futuro
Vai boiando em flor.

Vai boiando, à toa,


Sem querer parar,
Qual pena que voa,
Suspensa no Ar.

Suspensa voando
Como um Querubim
Que passa cantando
Pelo Azul sem fim.

Pelo Azul se esconda


Quem deseja amar,
Qual nuvem, qual onda,
No céu ou no mar.

No céu, se anoitece,
Ninguém vê o sol...
Mas, que importa? A prece
É um rouxinol.

Rouxinol que chora,


Mas sempre a cantar.
Quando nasce a aurora,
Também canta o Luar.

Também canta amores


Um’alma sem luz...
Nunca viste flores
Aos pés de uma Cruz?

Aos pés de Maria,


Como é bom rezar!
Que casta ambrosia
Se espalha no altar.

Se espalha no lábio!
Sem gosto de fel,
O doce ressaibo
De um favo de mel.
De um favo tão doce
Como o teu olhar,
Pois nele encarnou-se
Mimosa, a brilhar...

Mimosa e tão clara,


A estrela que eu vi!
A luz que me aclara,
Quando penso em ti.
- Auta de Souza, [Macába, 1896], in “Horto”, 1900.

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