Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E (DES)ENCAIXES NOS
CURRÍCULOS ESCOLARES
CONTEMPORÂNEOS
E
ste artigo tem como base produções teóricas a partir de determinadas contingências históricas,
debatidas e desenvolvidas em estudos sobre econômicas e sociais, tomando visibilidade sobre-
culturas juvenis, que permitem (re)pensar os maneira diante das intensas mudanças ocorridas
currículos escolares da contemporaneidade. Infere a partir da Segunda Guerra Mundial, permitindo
que as diferentes maneiras de “estar” jovem que que múltiplas possibilidades culturais entrassem
PÁTIO ENSINO MÉDIO ANO 9 Nº 34 setembro/novembro 2017
30
Os jovens nos inquietam
por nos parecerem “estranhos”,
“alienígenas”, “fora da ordem”
Pesquisas acadêmicas sobre práticas culturais Referindo-nos a Bauman (2010), essa superfície
juvenis contemporâneas trazem importantes pau- fluida e líquida que caracteriza a contemporanei-
tas para o debate ao propor tomar como foco de dade vem derretendo os sólidos construídos ao lon-
suas análises diferentes cenários em que se pro- go da modernidade e produzindo novos sujeitos:
duzem determinados modos de “ser” e “estar” adaptáveis, maleáveis, flexíveis. Sendo o currículo
jovem nesse “efeito-superfície”. Os jovens muitas parte dessa máquina de formação dos sujeitos para
vezes nos inquietam por nos parecerem “estra- a sociedade, o processo de disciplinaridade, tendo
nhos”, “alienígenas”, “fora da ordem” da paisagem como meta a constituição de sujeitos dóceis, não
moderna que nos constituiu como sujeitos a partir pode mais ser a ênfase contemporânea. Diante das
de um conjunto de instituições e procedimentos. novas formas de assujeitamento e subjetivação, as-
Esses jovens que adentram a cena contemporânea sume ênfase a formação de sujeitos flexíveis (Vei-
têm-se caracterizado por suas diferentes culturas, ga-Neto, 2008).
que se constituem em muitos lugares ao mesmo Nesse “efeito-superfície” de fluidez, de va-
tempo. São jovens que convivem desde a infância lores embaralhados, pistas que se movem e mar-
com o surgimento de novas tecnologias, o que mo- cos que se derretem, não servem mais identidades
difica suas noções de tempo e espaço, permite no- que ofereçam igualdade ou continuidade (Bauman
vas relações e formas de conhecimento. 2003; 2009), pois diminuiriam as opções. Em tem-
Nessas condições, a própria relação de assi- pos que evoca abertura às mudanças, torna-se im-
metria entre os mais jovens e os adultos passa a se perativa a flexibilidade.
31
enfoque
Nota
Este artigo é uma versão abreviada e ligeiramente alte-
rada de capítulo do livro Currículo e inclusão na escola
de ensino fundamental, de Clarice Salete Traversini et
Nesse caleidoscópio, não são apenas os valo- al. (EDIPUCRS, 2013).
res que se embaralham e os marcos que se derre-
tem; as instituições erguidas sob a égide da ordem Referências
— a exemplo da escola — veem-se desafiadas dian- BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mun-
te do papel de formação de outros sujeitos para do atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
outra sociedade. ______. A sociedade individualizada: vidas contadas
Nessa perspectiva, a escola, os currículos es- e histórias vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
______. Legisladores e intérpretes. Rio de Janeiro: Jorge
colares, caracterizados como um conjunto de má-
Zahar, 2010.
quinas cuja operação incide na formação de deter-
MARGULIS, M.; URRESTI, M. La construcción social de la
minados tipos de sujeitos para a sociedade, (re)in- condición de la juventud. In: CUBIDES, H. J.; TOSCA-
ventam espaços/tempos e saberes. Lançando mão NO, M. C. L.; VALDERRAMA, C. E. H. (Ed.). Viviendo
das palavras de Veiga-Neto (2008), mais que disci- a toda – Jóvenes, territorios culturales y nuevas sen-
plinar e ensinar conhecimentos, o que engrena esta sibilidades. Série Encuentros, Fundación Universidad
maquinaria na contemporaneidade são as formas Central, Santafé de Bogotá: Paidós, 1998, p. 3-21.
de controle, ou seja, “relatórios, formulários, se- NARODOWSKI, M. No es fácil ser adulto. Asimetrías
nhas de acesso hierarquizadas, cartões, cadastros, y equivalencias en las nuevas infancias y adolescen-
portfólios, registros (em banco de dados) e uma in- cias. Revista Educación y Pedagogía, Universidad de
finidade de outros documentos” (Veiga-Neto, 2008, Antioquia, Facultad de Educación, vol. 23, n. 60,
p. 101-114, mai.-ago. 2011.
p. 47). Portanto, trata-se de um deslocamento de
TRAVERSINI, C. S. Currículo e inclusão na escola de ensi-
ênfase nas lógicas curriculares, da disciplina para o
PÁTIO ENSINO MÉDIO ANO 9 Nº 34 setembro/novembro 2017
32