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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA

JULIO CESAR ZORZENON COSTA

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESLOCAMENTO POPULACIONAL NO


PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930 – 1945)

São Paulo - 2007


2

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA

JULIO CESAR ZORZENON COSTA

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESLOCAMENTO POPULACIONAL NO


PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930 – 1945)

Tese apresentada à Banca Examinadora do Departamento


de História, da Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, como requisito
para obtenção do título de Doutor em História Econômica,
sob orientação do Prof. Dr. Benedicto Heloiz Nascimento.

São Paulo - 2007


3

Banca Examinadora:

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________
4

Dedico esta tese:


À minha esposa Rachel, à Marília e ao Arthur;
À Maria Isabel, ao Pedro e ao Daniel;
Ao meu tio Jairo e à minha tia Glorinha.
5

AGRADECIMENTOS:

Agradeço a todos que direta, ou indiretamente, contribuíram para a realização deste


trabalho. Foram tantas as pessoas que me possibilitaram oportunidades de diálogo, crítica e
colaboração e, ao mesmo tempo, palavras e atitudes de incentivo que ficaria impossível
nominá-las neste curto espaço.

Gostaria, contudo, de agradecer especialmente ao Prof. Dr. Benedicto Heloiz


Nascimento pelo rigor, seriedade, empenho e paciência demonstrados ao longo de seu
trabalho de orientação; pelo estímulo na superação das dificuldades surgidas ao longo da
construção desta tese; pela sua incansável procura pelos caminhos do desenvolvimento
brasileiro e pela sua dedicação aos estudos da História e da Economia brasileiras, que se
torna, para nós, um constante incentivo para o estudo da realidade nacional.

Aos professores Dra. Sandra Lencioni e Dr. Nelson Hideiki Nozoe, pelas críticas,
sugestões e possibilidades de encaminhamento para a continuidade do trabalho, apresentadas
por ocasião do exame de qualificação e ao Prof. Dr. Wilson do Nascimento Barbosa pela
hospitalidade intelectual proporcionada nesta minha estada na FFLCH.

Aos meus companheiros, participantes do Grupo de Estudo de Desenvolvimento


Econômico, coordenado pelo Prof. Dr. Benedicto Heloiz Nascimento, que propiciaram, em
nossos encontros, a construção de um verdadeiro ambiente de debates e reflexão.

Na Universidade Municipal de São Caetano do Sul - IMES, aos meus colegas do curso
de Economia, em particular ao professores Fabiana Rita Dessoti Pinto, Francisco Rosza
Fúncia, Ivan do Prado Silva e Marlene Cardia Laviola, sempre dispostos a debaterem temas
vinculados às problemáticas da História Econômica brasileira. Aos funcionários da Biblioteca
Central, aqui representados pela bibliotecária Cláudia Conceição Bueno dos Santos, sempre
compreensivos com os atrasos na devolução de vários livros utilizados na elaboração deste
trabalho e, também, sempre dispostos a possibilitar o encontro e o acesso a algumas
importantes fontes de pesquisa.

À colaboração dos funcionários do Memorial dos Imigrantes. À profa. Ivone Antonio


Corradi, pelas sugestões de revisão do texto e à Marília, pelo apoio nos assuntos relacionados
à digitação e formatação do trabalho.

Não poderia deixar de agradecer, também, aos meus amigos e colegas de ofício: Luiz
Carlos Seixas, Odair da Cruz Paiva, Valdir Mazzei, Maria Fernanda Marques Antunes, Maria
Rosa Dória Ribeiro, Muryatan Santana Barbosa, Silvia De Bernardinis, Murilo Leal Neto,
6

Luis Fernando de Freitas Camargo e José Antonio da Costa Fernandes pela preocupação
constante em separar e indicar textos e materiais que favorecessem o desenvolvimento de
aspectos presentes nesta tese, mas, sobretudo, pelas constantes discussões que me levaram,
cada vez mais, a aprofundar o interesse nos assuntos relativos às nossas problemáticas
históricas e sociais e nas questões que envolvem a produção do conhecimento nas áreas das
Ciências Humanas e Sociais.

Por último, agradeço à Reitoria da Universidade Municipal de São Caetano do Sul -


IMES, pela minha inclusão no Programa de Capacitação Docente, o que contribuiu com as
condições materiais necessárias para a concretização deste trabalho.
7

Pouco a pouco uma vida nova, ainda


confusa, se foi esboçando. Acomodar-se-iam
num sítio pequeno, o que parecia difícil a
Fabiano, criado solto no Mato. Cultivariam
um pedaço de terra. Mudar-se-iam depois
para uma cidade, e os meninos freqüentariam
escolas, seriam diferentes deles. Sinha Vitória
esquentava-se. Fabiano ria, tinha desejo de
esfregar as mãos agarradas à boca do saco e
à coronha da espingarda de pederneira.

Não sentia a espingarda, o saco, as


pedras miúdas que lhe entravam nas
alpercatas, o cheiro de carniças que
empestavam o caminho. As palavras de Sinha
Vitória encantavam-no. Iriam para diante,
alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano
estava contente e acreditava nessa terra,
porque não sabia como ela era e nem onde
era...

(Graciliano Ramos. Vidas Secas).


8

RESUMO

Esta tese discute a integração do mercado nacional, ocorrida no primeiro Governo


Vargas (1930-1945), como importante fator para a construção de uma estrutura econômica de
base industrial, que permitiu a entrada da economia brasileira em uma fase de grande
desenvolvimento e crescimento econômicos. Enfoca, nesse processo, a função exercida pelos
deslocamentos populacionais.

A integração do mercado nacional reclamava a construção de um novo padrão de


deslocamentos populacionais no país. Embora as características dos deslocamentos
populacionais já estivessem se modificando, o Estado interveio nesse processo, mediante a
elaboração de políticas específicas, visando aprofundar e acelerar a integração do mercado,
inclusive a do mercado de trabalho. As políticas relativas aos deslocamentos populacionais,
praticadas e elaboradas no primeiro Governo Vargas, evidenciam a intencionalidade desse
governo em apoiar e impulsionar o desenvolvimento de um novo padrão de acumulação
urbano-industrial.

Mesmo que não tenham alcançado a concretização dos objetivos propostos, as


políticas relativas aos deslocamentos populacionais, iniciadas no primeiro Governo Vargas,
permitiram a constituição de bases sobre as quais se daria, embora com características
relativamente diferentes, o significativo desenvolvimento econômico alcançado no pós-
guerra.

Palavras-Chaves: Desenvolvimento Econômico; Governo Vargas; Deslocamentos


Populacionais; Mercado Interno; Intervencionismo Estatal; Política Migratória; Colonização;
9

ABSTRACT

This thesis argue the national market integration, that happened in the first government
of Vargas (1930-1945), with great factor to the construction of economic structure of
industrial base, that allowed the Brazilian economic into a time of great development and
economic growth. In this process, the focus is on the work of the population displacement.

The national market integration claimed the construction of a new standard of


population displacement in the country. Despite of the characteristics of the populations
displacement was already in modification, the State mediate on this process, because of the
creation of specific polices, trying to go deep and accelerate the market integration, including
the work market. The relative politics to the population displacement, practiced and created
during the first government of Vargas, shows the intention of this government to support and
impulse the development of a new standard of urban industrial accumulation.

Even If they didn’t achieve their objectives that were proposed, the politics related to
the population displacement that started in the first government of Vargas, allowed the
constitution of the bases that was going to be used, in spite of the characteristics relatively
different, the significative economic development realized after the war.

Key-Words: Economic Development; Vargas Government; Population Displacement; Intern


Market; State Interventions; Political Migration; Colonization.
10

ABREVIATURAS E SIGLAS UTILIZADAS

AIB – Ação Integralista Brasileira

ANL – Aliança Nacional Libertadora

CAIC – Companhia Agrícola de Imigração e Colonização

CAN – Colônia Agrícola Nacional

CIC – Conselho de Imigração e Colonização

CIESP - Centro das Indústrias de São Paulo

CIFTSP - Centro das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CMNP – Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná

CTNP – Companhia de Terras do Norte do Paraná

DESPS – Delegacia Especial de Segurança Pública e Social

DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda

DTC – Divisão de Terras e Colonização

IDORT – Instituto de Organização Racional do Trabalho

ITM – Inspetoria dos Trabalhadores Migrantes

NCBA – Núcleo Colonial Barão de Antonina

NSDAP - Partido Nacional-Socialista Alemão do Trabalho

SIC - Serviço de Imigração e Colonização


11

Este Trabalho contou com apoio material do Programa de Capacitação Docente da


Universidade Municipal de São Caetano do Sul – IMES.
12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

Parte I
O NOVO PADRÃO DE DESLOCAMENTOS POPULACIONAIS E A INTEGRAÇÃO
DO MERCADO ...................................................................................................................... 31

Seção 1: Novo modelo de desenvolvimento capitalista e a necessidade de um novo padrão


de deslocamentos populacionais........................................................................................... 32
1.1 A importância do mercado interno ............................................................................. 34

Seção 2: Os deslocamentos populacionais como objeto de políticas de estado ................... 38


2.1 Estado centralizado como resultado, e simultaneamente, como indutor da integração
do mercado interno. .......................................................................................................... 38

Seção 3: A centralização e o intervencionismo .................................................................... 48

Seção 4: A nova organização institucional: planificação, racionalização e estímulo à


industrialização..................................................................................................................... 56

Seção 5: O predomínio da cidade sobre o campo.................................................................65

Parte II
PRINCÍPIOS DE UMA POLÍTICA RELATIVA AOS DESLOCAMENTOS
POPULACIONAIS................................................................................................................. 69

Seção 1: A interdependência entre a defesa da integridade territorial brasileira, o mercado


interno e a industrialização ..................................................................................................73

Seção 2: O Nacionalismo e a construção da nacionalidade..................................................86


2.1 A Importância da Pequena Propriedade ..................................................................... 88
2.2 erradicação do perigo estrangeiro............................................................................... 96
2.3 A valorização do trabalhador nacional nos processos de deslocamento populacional.
........................................................................................................................................ 104
2.4 A construção de um mercado Nacional de trabalho ................................................108

Parte III
POLÍTICAS MIGRATÓRIAS DESENVOLVIMENTO E NOVO PADRÃO DE
ACUMULAÇÃO DE CAPITAL ........................................................................................ 110

Seção 1: O processo de ampliação das tarefas e da intervenção do Estado sobre as políticas


migratórias:......................................................................................................................... 112
1.1 O ponto de partida: a construção do mercado interno e do mercado de trabalho
nacional........................................................................................................................... 119
1.2 As primeiras medidas ............................................................................................... 121

Seção 2: O novo papel da agricultura e o movimento para o campo: ................................131


2.1 Subsídios para mão de obra agrícola ........................................................................ 135
13

2.2 Migração para atividades agrícolas e industriais...................................................... 140

Seção 3: As políticas colonizadoras: a importância da fronteira econômica .....................145

3.1 Novas Formas de Integração Econômica ................................................................. 145


3.2 A divisão do trabalho Colonizador – A colonização Privada................................... 151
3.3 A colonização oficial ................................................................................................ 157
3.4 A colonização do Oeste e a Nacionalização............................................................. 172

Seção 4:A Reorganização do mercado urbano de trabalho: ...............................................189

4.1 A Questão dos Estrangeiros: .................................................................................... 193


4. 2 A Legislação Trabalhista: Atração e Controle dos Trabalhadores ..........................200

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................205

BIBLIOGRAFIA:.................................................................................................................214

ANEXOS:...............................................................................................................................221

Decreto 19482 - 12 de dezembro de 1930......................................................................223


Decreto 24.215 – 09 de maio de 1934............................................................................227
Decreto 24.258 – 16 de maio de 1934............................................................................231
Decreto-Lei 383 – 18 de abril de 1938...........................................................................246
Decreto-Lei 406 – 04 de maio de 1938..........................................................................249
Decreto 3010 – 20 de agosto de 1938............................................................................264
Decreto-Lei 868 – 18 de novembro de 1938..................................................................267
Decreto-Lei 948 – 13 de dezembro de 1938..................................................................269
Decreto-Lei 1.164 – 18 de março de 1939.....................................................................271
Decreto-Lei 2009 – 09 de fevereiro de 1940.................................................................275
Decreto-Lei 3059 – 14 de fevereiro de 1941.................................................................284
Localização da Colonização Oficial em São Paulo.......................................................289
14

INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo estudar os deslocamentos populacionais como
importante elemento dos processos de integração e de ampliação do mercado brasileiro, a
partir de 1930, no Primeiro Governo Vargas (1930-1945), bem como as políticas relativas ao
controle e direção desses deslocamentos populacionais, formuladas e encampadas pelo
governo brasileiro, no sentido de favorecer a objetivos evidentes, como os de possibilitar a
construção de uma nova estrutura capitalista no Brasil, baseada no mercado interno e na
industrialização.

A integração do mercado interno brasileiro reclamava a inserção de novas áreas nos


circuitos econômicos, a fixação de uma maior relação de complementaridade entre as regiões
brasileiras e o redimensionando do mercado de trabalho. Nesse sentido, os deslocamentos
populacionais passaram a cumprir um papel fundamental: possibilitaram a percepção concreta
do convívio de regiões de propulsão e de estagnação1 econômicas que levaram à coexistência
de áreas de atração e expulsão populacionais; permitiram o povoamento, a ocupação de
regiões vazias e a sua integração aos processos econômicos que ocorriam no território
nacional; criaram, ainda, as condições para a consolidação, nesse momento, de um mercado
de trabalho de dimensões nacionais. Em suma, iniciaram a superação do caráter estanque e
compartimentado da economia brasileira e a construção de um novo espaço econômico de
dimensões nacionais.

A preocupação em estudar os deslocamentos populacionais e sua relação com o


processo de integração e ampliação do mercado interno brasileiro originou-se da percepção de
que os períodos em que a economia brasileira apresentou suas maiores taxas de crescimento
sustentado foram, justamente, os períodos em que essa economia encontrou no mercado
interno os fatores básicos de seu dinamismo.

De fato, foi a partir da década de 1930, mais precisamente a partir do ano de 1933, que
a economia brasileira ingressou em uma etapa de desenvolvimento. Etapa marcada pelo
avanço da industrialização, sustentada pela ampliação do mercado interno, por sua integração

1
Os conceitos de efeitos de propulsão e de efeitos regressivos encontram-se desenvolvidos em MYRDAL,
Gunnar. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. 2 ed. São Paulo: Saga, 1968, cap. 2. Segundo Paul
Singer, os conceitos de efeitos propulsores e regressivos “referem-se ao movimento das atividades produtivas”
ao passo que os conceitos de fatores de expulsão e atração “se referem aos movimentos de seres humanos”. Ver
SINGER, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo. In: Economia Política da
urbanização. 13 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 39. Embora os conceitos de efeitos propulsores e
regressivos e de fatores de expulsão e atração sejam diferentes, eles não são antagônicos e para os efeitos desse
estudo encontram-se imbricados.
15

e por um forte intervencionismo estatal. Tal afirmação encontra-se respaldada por uma ampla
gama de análises acerca da História Econômica brasileira.

Esse novo panorama do capitalismo brasileiro, no qual a indústria e as atividades


voltadas ao mercado interno passaram a exercer o papel dinamizador, possibilitou o início de
um período em que a economia brasileira conviveu com altas taxas de crescimento
econômico, superiores às de qualquer outro país latino-americano e, até mesmo, da grande
maioria das economias líderes mundiais2.

É possível, portanto, afirmar que a introdução do Brasil em uma nova estrutura


econômica capitalista permitiu, malgrado a depressão econômica que se desenrolou por
praticamente toda a década de 1930, a sua inserção numa fase de grande crescimento. Como
pode ser demonstrado pelo quadro abaixo:

QUADRO 1
CRESCIMENTO DO PIB PER CAPITA NO BRASIL – 1920-1984
1920 = 100

Ano PIB per capita Ano PIB per capita


real real
1928 134,9 1950 231,3
1930 123,5 1955 276,2
1931 117,4 1960 330,9
1933 130,4 1965 357,4
1934 139,1 1970 445,4
1938 164,3 1975 642,4
1942 161,6 1980 800,6
1945 175,3 1984 729,1
Fonte: ZERKOWSKI, Ralf M. e VELOSO, Maria Alice G. Seis décadas de economia brasileira através do PIB. Revista
Brasileira de Economia, julho 1982, pp. 3331-338 e Banco Central e conjuntura Econômica. Extraída de CARDOSO, Eliana.
A economia brasileira ao alcance de todos. 8ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 13.

Em nossa análise, o fator que deve ser investigado, como explicativo para esse
fenômeno na economia brasileira, é o da construção de um mercado para a sua produção, que
começou a ser alcançado, entre outros fatores, com a conquista e a integração de novas áreas,
através da expansão das fronteiras econômicas. Tal processo foi impulsionado pelo
desenvolvimento industrial, desencadeado no pós 1930.

2
Ver TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de Importações ao capitalismo financeiro. 4 ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 1979, p. 59.
16

A idéia de novos mercados como fatores impulsionadores do crescimento da economia


e de processos de acumulação capitalista foi desenvolvida por autores como Schumpeter3 e
Rosa Luxemburgo4.

Pode-se objetar que as abordagens de tais autores referem-se a países centrais, não se
adequando, portanto, à análise da realidade brasileira. Segundo Schumpeter, o acesso aos
novos mercados seria fruto da ação de um agente muito específico, o empreendedor privado e
o mercado referido por Rosa Luxemburgo seria o mercado externo de regiões mundiais ainda
não totalmente integradas ao desenvolvimento capitalista, uma vez que suas observações
relacionam-se ao fenômeno do imperialismo.

Por outro lado, muito já se discorreu sobre caráter empreendedor do Estado brasileiro,
que seria responsável por inovações que impulsionaram o processo de acumulação industrial5.
No que diz respeito aos processos expansionistas do capitalismo, em busca de mercados, a
tese de que os processos internos de conquista dos enormes fundos territoriais brasileiros,
quase intocados ao mercado capitalista, constituíram-se em sucedâneos para o avanço externo
das potências centrais capitalistas já é bastante aceita 6. Do mesmo modo, já se aceita,
também, a idéia de que a política de avanço das fronteiras no Brasil, objetivando a
coincidência entre fronteiras política e econômica, implementada no pós 1930, converteu-se,
como afirmava Vargas, no “nosso imperialismo” 7.

Ora, a investigação da expansão e da integração do mercado interno brasileiro, no pós


1930, e de suas influências no processo expansivo da acumulação no Brasil não pode
apresentar-se de maneira desvinculada da investigação das novas formas de deslocamento
populacional, que passaram a ocorrer no mesmo período, uma vez que a integração do

3
Ver SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1988,
cap. 2. Nesta parte o autor afirma quando trata dos fatores desencadeadores de longos ciclos de desenvolvimento
econômico: [...] Abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado que o ramo particular da
indústria de transformação do país em questão não tenha ainda entrado, quer esse mercado tenha existido
antes ou não (grifo nosso).
4
Ver LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
5
Em relação a isso, este autor afirma o seguinte: “[...] O Estado passa a desempenhar funções complementares e
inovadoras em praticamente todos os setores da economia nacional. [...]É assim que se diversificam as
atividades na indústria, agricultura, comércio e banco.[...] Dinamizam-se as migrações internas em todas as
direções – campo-cidade, campo-campo, cidade-cidade, região-região, etc. – em conformidade com as
exigências e tendências do mercado”. Ver IANNI, Octávio. Estado e capitalismo. 2 ed., rev. e amp. São Paulo:
Brasiliense, 1988, p. 249/250.
6
Ver DINIZ Filho, Luís Lopes. Território e destino nacional: ideologias geográficas e políticas territoriais
no Estado Novo (1937-1945). Universidade de São Paulo: FFLCH (Dissertação de Mestrado em Geografia
Humana), 1993, cap. 4 e COSTA, Julio Cesar Zorzenon. Política colonizadora, industrialização,
desenvolvimento regional e o Núcleo Colonial Barão de Antonina (1930-1944). Universidade de São Paulo:
FFLCH (Dissertação de Mestrado em História Econômica), 2000, cap. 2.
7
VARGAS, Getúlio. Diretrizes Políticas do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 194(?), p. 285
17

mercado nacional passou, necessariamente, pela inclusão de áreas consideradas despovoadas


ou não produtoras e consumidoras de mercadorias aos circuitos econômicos e, também, pela
construção de um mercado de trabalho, em suas vertentes rural e urbana, adequado às novas
necessidades do desenvolvimento capitalista brasileiro.

Assim, a História da construção e unificação do mercado nacional, a par e passo com o


desenvolvimento industrial que começava a se concentrar em São Paulo no pós 1930, é,
simultaneamente, a História da constituição de um novo padrão de deslocamento populacional
no Brasil, ou seja, os deslocamentos populacionais passaram a constituir-se como ferramenta
fundamental para a unificação do mercado nacional, inclusive a do mercado de trabalho.
Sendo assim, converteram-se em fator importante para a criação de condições para o
estabelecimento de um longo período de crescimento e de desenvolvimento econômico
brasileiro.

Neste sentido, portanto, é fundamental ressaltar a mudança ocorrida no padrão de


deslocamento populacional existente no Brasil. Até a década de 1930, a ênfase dava-se, nos
centros mais dinâmicos da economia, como no sudeste cafeicultor, na atração prioritária de
trabalhadores estrangeiros para regiões produtoras de mercadorias de exportação8. Devido ao
fato dessas atividades exportadoras encontrarem-se atreladas à demanda externa, esse padrão
migratório possuía condições muito limitadas para induzir um processo consistente de
unificação do mercado brasileiro. Com o deslanche industrial do pós 1930, esse quadro se
alterou. O desenvolvimento econômico brasileiro passou a ser ditado por uma forte integração
do mercado interno, a partir do processo de industrialização que começava a se concentrar em
São Paulo.

Ao mesmo tempo, o trabalhador nacional, que já havia se tornado um agente


destacado nos processos de deslocamento populacional durante a década de 1920, passou a
ser o elemento preponderante, superando numericamente o estrangeiro, tanto no sentido
campo/cidade – principalmente em direção à capital paulista - como no sentido campo/campo,
em novas áreas de avanço da fronteira econômica.

Nesse momento, também, os contingentes tradicionais de imigrantes estrangeiros


passaram a ser alvo de preocupações, na medida em que haviam se agrupado, muitas vezes,
8
Isto não quer dizer que não houve afluxo de trabalhadores nacionais para o complexo cafeeiro no período
anterior a 1930. Apenas procura estabelecer que os mesmos foram numericamente minoritários. Segundo Wilson
Cano, o número de imigrantes para São Paulo situa-se por volta de 2,5 milhões de pessoas, entre 1887 e 1930.
Destes aproximadamente 280 mil corresponderam a brasileiros, sendo que a maioria, cerca de 156 mil, aqui
chegou na segunda metade da década de 1920. Ver: CANO, Wilson. Desequilíbrios Regionais e Concentração
Industrial no Brasil: 1930- 1970. Campinas: Global/UNICAMP, 1985, p. 48.
18

em colônias homogêneas, preservando os hábitos culturais dos países de origem. Constituíam-


se, no dizer da época, em verdadeiros quistos étnicos que, naquele momento de fortes disputas
e de expansionismo territorial internacionais, eram identificados como ameaças à integridade
do território brasileiro9. Esse fato, aliado à participação efetiva de trabalhadores estrangeiros
na difusão de visões revolucionárias e na organização de movimentos sindicais e grevistas no
período da República Velha, levou a que se implementassem políticas de quotas por
nacionalidade e de assimilação dos imigrantes, visando diminuir a influência dos mesmos na
sociedade brasileira, nos processos de deslocamentos populacionais e de integração do
mercado.

Esse novo padrão relativo aos deslocamentos populacionais é coetâneo à emergência


de um novo tipo de Estado no Brasil. As várias crises do início dos anos de 1930 – a crise
econômica mundial, a Revolução de 1930 e o problema da superprodução do café - levaram à
necessidade de criação de novos canais institucionais voltados ao controle de seus efeitos -
atribuídos, muitas vezes, às práticas econômicas liberais vigentes anteriormente - e à
administração de interesses conflitantes, uma vez que novas forças políticas e novos grupos
sociais tiveram acesso aos mecanismos de poder, superando o domínio quase absoluto do
aparelho de Estado pela oligarquia cafeeira em associação com outras oligarquias regionais e
locais. É dessa maneira que no pós 1930, inicia-se no, Brasil, a construção de um Estado cada
vez mais centralizador e interventor, tanto no que diz respeito aos assuntos sociais como
econômicos. 10

Tal quadro foi ainda complementado pela incorporação de fortes elementos


nacionalistas e de inspiração positivista, expressos pelas lideranças mais destacadas que
assumiram o governo, como é o caso evidente de Getúlio Vargas. Nessa perspectiva, a visão
de desenvolvimento identificava-se com a industrialização.

Assim, consolidou-se, nesse período, a visão de que ao Estado cabia o papel de


regulamentador da vida nacional. Criou-se, portanto, a idéia que os processos econômicos e
sociais deveriam ser objeto de intervenção estatal, por meio de políticas que visassem
encaminhá-los e controlá-los, no sentido de favorecer, na maior parte das vezes, o processo de
desenvolvimento industrial.

9
Ver NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. A ordem nacionalista brasileira. São Paulo: Humanitas, 2002, p. 28
e 29.
10
Ver FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. Vargas: o capitalismo em construção. São Paulo: Brasiliense, 1987,
p. 183 a 187.
19

Dessa maneira, é lícito imaginarmos que os deslocamentos populacionais passaram a


ser, também, alvo de políticas que procuravam controlá-los e encaminhá-los objetivando à sua
adequação às novas perspectivas de desenvolvimento e aos interesses defendidos pelo Estado
pós-1930. Nesse sentido, a existência de políticas de nacionalização da mão-de-obra, tanto no
campo quanto no meio urbano, instituída nesse período, nos oferece, a esse respeito, uma
pista valiosa11, na medida em que procuravam nacionalizar os processos de deslocamento
populacional que ocorriam no país.

Considerando que um dos objetivos principais deste trabalho é discutir a


intencionalidade do primeiro Governo Vargas - expressa por meio de políticas
propositalmente formuladas - em dirigir e controlar os deslocamentos populacionais e utiliza-
los como importante instrumento para se alcançar um desenvolvimento econômico baseado
no mercado interno, os procedimentos adotados na elaboração deste trabalho caminharam do
geral para o particular. Assim, o primeiro ponto a abordado foi, justamente, a tentativa de
explicitar a relação entre a estrutura capitalista que começou a emergir no pós 1930 e a
necessidade de construção de um novo padrão de deslocamentos populacionais no Brasil.

Procurou-se, para tal fim, discutir, num primeiro momento, a idéia de que o alcance do
desenvolvimento econômico brasileiro somente se tornou possível com o início do
rompimento com a tradicional divisão internacional do trabalho que fixava a economia
brasileira como exportadora de produtos primários e importadora de produtos
industrializados. Assim, a entrada do Brasil numa etapa de desenvolvimento econômico foi
induzida por um processo de industrialização que se apoiou em seu mercado interno, já que as
possibilidades oferecidas pelo mercado externo, como fator de desenvolvimento econômico,
eram limitadas.

Isto porque a especialização econômica na exportação de um pequeno número de


produtos primários, que se encontrava submetida a mecanismos monopolistas de mercado –
tanto no período colonial como após a consolidação do mercado mundial em meados do
século XIX -, implicou em dificuldades para a acumulação endógena de capital, retardando-a
drasticamente e reduzindo a sua intensidade. A participação subordinada da economia
brasileira na divisão internacional do trabalho foi a forma pela qual, historicamente, se deu
apropriação externa, pelas economias centrais, do excedente econômico aqui produzido.

11
Segundo PAIVA, Odair da Cruz. Brasileiros na hospedaria de imigrantes: a migração para o estado de
São Paulo (1888-1993). São Paulo: Memorial dos imigrantes, 2001, p. 25.
20

Simultaneamente, à existência de uma divisão internacional do trabalho, o


engajamento tardio da economia brasileira nos processos de industrialização12 impediu que o
mercado externo pudesse se comportar como fator favorável ao seu desenvolvimento, já que
este se encontrava totalmente monopolizado pelas potencias econômicas centrais. Assim,
países com desenvolvimento econômico tardio, como é o caso brasileiro, têm reduzidas
condições de se aproveitarem do mercado externo para promover a sua industrialização.

O ponto de partida aqui adotado, portanto, é que só podemos falar, verdadeiramente,


em desenvolvimento econômico quando a economia, superando os limites impostos pela
divisão internacional do trabalho e pela sua dinâmica primário-exportadora, fundamenta os
seus processos de acumulação na industrialização. Esse processo, para ocorrer no Brasil,
deveria necessariamente se basear no seu próprio mercado interno. Assim, a integração e
ampliação do mercado interno tornaram-se, pois, requisitos indispensáveis para o
desenvolvimento econômico brasileiro.

Neste sentido, as perspectivas brasileiras eram generosas. Teoricamente, o mercado


brasileiro possuía fortes possibilidades de crescimento devido às dimensões continentais de
seu território. Contudo, era necessário que esse território fosse povoado, integrado e
articulado ao centro de onde partiam os influxos do desenvolvimento industrial. Tal fato era
claramente compreendido à época de que estamos tratando, já que o recurso ao “nosso
imperialismo interno” era constantemente utilizado pelas autoridades e pelo círculo técnico e
intelectual que influenciava as políticas governamentais.

O início dessa mudança significativa na estrutura capitalista brasileira, não foi um


acontecimento fortuito. Foi fruto de uma série de processos econômicos, sociais e políticos
desenrolados ao longo dos últimos anos do século XIX e das três primeiras décadas do século
XX, acelerados, em seu final, pelos impactos da grande crise econômica mundial iniciada em
1929 e que se prolongou por toda a década de 1930; pela Revolução de 1930, que superou a
hegemonia liberal-oligárquica existente até então; e pelas mudanças institucionais e
econômicas levadas a efeito pelo novo governo que, no entendimento aqui preconizado,
possuía uma clara intencionalidade na implementação de políticas industrializantes.

São, portanto, pressupostos teóricos deste trabalho as idéias de que as contradições


econômicas, sociais e políticas existentes no Brasil, no período compreendido entre o final do
Império e a Primeira República, tornaram maduras as condições para a emergência de uma

12
Ver CANO, Wilson. O Brasil e a nova (des)ordem mundial. Rio de Janeiro: Campus, 1995, 1º. capítulo
21

estrutura capitalista de base industrial, sustentada pelo mercado interno e, também, de que as
ações do governo instituído pela Revolução de 1930, principalmente no período do Estado
Novo, procuraram, intencionalmente, favorecer esse processo.

Ora, se pressupomos que no período compreendido por este trabalho ocorreu o inicio
de uma mudança estrutural no capitalismo brasileiro; que essa mudança necessitava ser
apoiada no mercado interno; que esse mercado interno precisava ser integrado; e que essa
integração passava pelo povoamento e pela inserção de novas áreas nos circuitos econômicos;
consequentemente pressupomos, também, que o desencadeamento dessa nova situação
implicou em mudanças nas características que os deslocamentos populacionais haviam
conhecido até então.

Se agregarmos a isso a presença, nesse momento, de interesses em se encaminhar um


processo de industrialização sustentado no mercado interno e que o governo se engajou nessa
tarefa, podemos “especular” que esses deslocamentos populacionais, passaram a ser objetos
de preocupações governamentais e, por isso, tornaram-se alvos de novas políticas que
procuraram instrumentalizá-los na construção uma nova estrutura capitalista nacional.

Objetivamente, as transformações ocorridas na economia e sociedade brasileiras em


fins da década de 1920, já indicavam mudanças no padrão de deslocamentos populacionais. O
que supomos, e procuramos verificar, é que, no transcorrer do primeiro governo Vargas,
foram desenvolvidos instrumentos e instituições voltados a dirigir esses deslocamentos a
objetivos bem definidos e conscientes, que favorecessem o processo de desenvolvimento
econômico, como o de se garantir a integração do mercado nacional, inclusive o mercado de
trabalho.

Entendemos, portanto, que a formulação de políticas relativas aos deslocamentos


populacionais pelo governo brasileiro apresentava, à época, uma clara intencionalidade de se
alcançar a integração do mercado interno como base de um desenvolvimento econômico
nucleado pela industrialização, que se realizava de maneira concentrada no Centro-Sul,
principalmente em São Paulo e que o governo procurou, efetivamente, implantar essas
políticas.

O fato de muitas das medidas adotadas em relação ao assunto em pauta terem se


revelado inócuas, incompletas ou limitadas não desmente a interpretação acima apresentada.
Isso se deve, de acordo com o nosso entendimento, a duas ordens de fatores que se
apresentavam inter-relacionados. Em primeiro lugar, às alianças políticas entre grupos sociais
22

que foram sendo constantemente reorganizadas, provocando redefinições de prioridades;


segundo, às limitações de recursos financeiros e, principalmente, de tempo para que as
políticas alcançassem os objetivos almejados.

Devemos ter em mente que o Positivismo, que influenciava o pensamento e as ações


de Vargas, de vários membros do governo e de muitos intelectuais que apoiavam o regime,
defendia a presença de um Estado autoritário e centralizador. Segundo a visão positivista, um
governo racional, que aplicasse decisões técnica e cientificamente embasadas, voltadas a
preservar a harmonia, a unidade e a hierarquia do organismo social, deveria permanecer no
poder por um longo tempo. Acreditava, portanto, que uma “Ditadura Ilustrada” era o regime
de governo mais apropriado para o país e que, quando instalado, deveria continuar
indefinidamente.

Tal proposta levou o governo a estabelecer um horizonte político excessivamente


amplo para a sua permanência no poder, muito mais amplo do que efetivamente ocorreu, pois
acreditava na estabilidade das esferas de poder. Estabeleceu, assim, projeções de longo prazo,
com medidas ambiciosas que demandariam recursos vultosos e um tempo muito extenso para
a sua realização e maturação. Esse é caso de muitas das medidas aplicadas pelo governo nos
assuntos referentes aos deslocamentos populacionais, especialmente em sua vertente
colonizadora consubstanciada nas CANs (Colônias Agrícolas Nacionais).

Essas concepções políticas não eram, entretanto, necessariamente compartilhadas, em


sua totalidade, pelas classes dominantes brasileiras, especialmente, no caso que nos interessa,
pela fração que se vinculava mais diretamente aos interesses industrialistas. A sua debilidade
frente ao contexto de radicalização social e política ocorrido no início da década de 1930 e a
dependência de concessões e de intervenções econômicas que só poderiam ser decididas pelo
Estado, impuseram a aceitação, por certo tempo, do fortalecimento do executivo e o
enfeixamento de poderes e instrumentos em suas mãos. Tal fato ficará muito mais evidente a
partir do golpe de novembro 1937.

O apoio ao fortalecimento do executivo, contudo, atendeu, muito mais, a necessidades


práticas do momento do que a uma comunhão de visões de mundo e de concepções políticas.
As classes dominantes13, principalmente às vinculadas ao capital industrial, aceitaram que o

13
Tais atitudes não eram exclusividade dos grupos mais diretamente ligados aos interesses industrialistas. Foram
assumidas, também, por segmentos importantes do setor agrícola e exportador devido à dependência econômica
das políticas de proteção aos preços dos produtos agrícolas praticada pelo governo. Ver SOLA, Lourdes. O
golpe de 1937 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva. 20 ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2001, p. 262.
23

Estado se fortalecesse e assim pudesse tomar algumas medidas que julgavam necessárias e
que não podiam ser tomadas diretamente por elas próprias, em virtude de suas debilidades.
Apoiaram o fortalecimento paulatino do executivo em busca de proteção, favorecimentos ou
patrocínios14 .

Dentre as medidas que se julgavam necessárias, podemos citar as seguintes: a


pacificação política e social do país, com a conciliação e/ ou enquadramento dos participantes
do conflito de 1930; a superação da polarização entre os grupos mais organizados
politicamente, que ameaçavam a ordem capitalista - como era o caso da ANL - ou a
modernização – caso da AIB; a resolução da problemática da concentração estrangeira em
áreas importantes do território nacional; a eliminação de impostos e interestaduais e de
barreiras que se antepunham ao comércio interno; a instalação de indústrias de base e
extrativas que criariam as condições para o desenvolvimento de indústrias de bens de
consumo duráveis e de bens de capital; a organização da legislação e de tribunais,
principalmente, trabalhistas, que permitiriam maior controle sobre os trabalhadores urbanos e
novas formas de regulação de conflitos; e o estabelecimento de novos tipos de acordos e
relações internacionais 15.

A maior parte dessas medidas começou a ser implantada no período do Governo


Provisório, foram, contudo, intensificadas e aprofundadas no Estado Novo, principalmente
durante os seus seis primeiros anos. É evidente que nem todas puderam ser completadas no
intervalo de tempo correspondente ao primeiro governo Vargas, mas, em seu final, algumas
foram, efetivamente, alcançadas e várias outras se encontravam bem encaminhadas ou em
estágios próximos ao da maturação.

Assim, quando o Estado cumpriu ou pelo menos encaminhou e tornou de difícil


reversão a maior parte das medidas reclamadas pelas classes dominantes e também quando as
compatibilidades de interesses entre algumas de suas frações se tornaram mais perceptíveis,
essas começaram a retirar o apoio até então concedido. As frações beneficiadas pelas
mudanças, como é caso da burguesia industrial, passaram a ter interesses em assumir
diretamente o poder de Estado, sem a mediação de um governo que oscilava, constantemente,
entre formas burocráticas e personalistas de dominação.

O início da retirada do apoio ao governo, pela fração ligada aos interesses industriais,
permitiu, por outro lado, que as frações descontentes – geralmente identificadas com o capital

14
Esta análise encontra-se desenvolvida, de maneira bastante interessante, em SOLA, Lourdes. op. cit, p. 264.
15
Ver NASCIMENTO. op. cit. p. 28 a 31 e SOLA, Lourdes. op. cit. p. 266 a 277.
24

comercial e financeiro – também começassem a se movimentar, expressando a sua oposição


aos caminhos adotados.

Nesse sentido, o período que vai de meados de 1943 a 1945 foi de lenta desintegração
do regime, o que levou, inclusive, a uma mudança de orientação por parte do governo que
buscou maior aproximação com os trabalhadores urbanos, na procura de apoio político, o que
levou a um aprofundamento de suas características personalistas 16. Essa alternativa provocou
maior desgaste do Governo em relação aos grupos dominantes que passaram a criticar os
excessos de estatismo e a intensificar as manobras para sua retirada do poder.

Esse também foi o período em que a vitória dos aliados, ao lado de quem o Brasil
combateu na Segunda Grande Guerra, passou a ser evidente e no qual, também, os efeitos
econômicos do conflito, tais como racionamento e inflação, passaram a ser mais sentidos. O
desgaste político, provocado pela deterioração do ambiente econômico e pela vitória militar
de alguns países organizados politicamente em democracias de estilo liberal frente a regimes
considerados totalitários, além da pressão exercida pelos americanos, impactou a opinião
pública urbana e ampliou o isolamento do regime ditatorial. Dessa maneira, o regime foi
derrubado em outubro de 1945.

O processo descrito é um dos elementos que devemos levar em conta na avaliação das
propostas e das ações levadas a cabo no primeiro Governo Vargas, no campo econômico.
Enquanto algumas medidas encaminhadas pelo governo chegaram a se realizar, outras não se
materializaram ou tiveram um desenvolvimento bastante incipiente e várias permaneceram
inconclusas. Isto se deve, em parte, ao tempo de duração do governo, que apesar de extenso
para os padrões políticos ocidentais, foi curto para a realização de ações e propostas bastante
ambiciosas no campo econômico. Os recursos financeiros, apesar de terem se concentrado em
escala nacional foram, em virtude do ambiente crítico da economia e do pequeno grau de
desenvolvimento da acumulação capitalista do país, escassos e limitados para os projetos que
visavam financiar. Em suma, muitos dos projetos que o regime procurava implantar eram de
difícil execução dentro do tempo de duração que o próprio regime conheceu.

Mas, talvez, o mais importante é que as concepções que norteavam o grupo dirigente,
fortemente influenciadas pelo positivismo, conduziam o país ao início de um processo de
reconstrução por meio de um Estado centralizador e autoritário. Isto levava à crença de uma

16
Ver CORSI, Francisco Luís. Política econômica e nacionalismo no Estado Novo. In SUZIGAN, Wilson;
SZMRECSANYI, Tamás (orgs.). História econômica do Brasil contemporâneo. 2 ed. rev. São Paulo:
Edusp/Hucitec/Imprensa Oficial, 2002, p. 14 e 15.
25

maior permanência, em termos históricos, do regime instalado, principalmente a partir do


Estado Novo.

A própria concepção de que o Estado era criador da nação e de uma sociedade que se
basearia nos princípios do organicismo social levava à idéia de um futuro administrado, com a
possibilidade de controle das contradições sociais. Isto, no entanto, não foi assimilado pelas
diferentes classes que compunham a sociedade brasileira e a realidade histórica acabou por se
revelar muito mais complexa. O Estado, apesar de todo o desenvolvimento de seu
aparelhamento ideológico e da ampliação da capacidade de intervenção, não conseguiu
controlar a realidade social.

É fato que o Estado foi chamado para minimizar os conflitos entre as classes sociais.
Disso decorreu a aparência de relativa autonomia frente às diferentes frações das classes
dominantes e a procura de sua legitimidade junto aos trabalhadores, principalmente os
urbanos. Entretanto, a partir do momento em que os conflitos entre os grupos dominantes
começaram a ser melhor equacionados e as bases para o ulterior desenvolvimento capitalista
começaram a se estabelecer, passou a ocorrer um interesse na amenização do estatismo.
Novas formas de dominação puderam, então, se rearticular num regime de democracia
burguesa em moldes mais liberais.

Assim, o período do primeiro governo Vargas deve ser entendido como importante
interregno no processo de constituição de um capitalismo de novo tipo, de bases urbanas e
industriais, no Brasil. As políticas levadas a efeito por esse governo não devem ser avaliadas,
apenas, no que foi realizado no período de existência do próprio governo, mas principalmente
naquilo que estabeleceu como base para o posterior desenvolvimento do país.

Se aquilo que se alcançou em termos de desenvolvimento industrial do país não


permitiu que se adentrasse em um processo “completo” de industrialização, com o
estabelecimento de um processo endógeno de acumulação que se auto-sustentasse a partir da
articulação entre os departamentos produtores de bens de capital e de bens de consumo
adequadamente constituídos, o que foi alcançado permitiu, contudo, que se assentassem as
bases sobre as quais se daria o salto ocorrido no pós-guerra.

A questão relativa aos deslocamentos populacionais pode ser analisada de forma


semelhante. Os resultados alcançados por muitas das ações empreendidas pelo Estado no
assunto em questão também podem ser considerados incompletos em várias esferas, tais como
nas esferas da integração do mercado, da constituição de um mercado nacional de trabalho e,
26

principalmente, da política colonizadora. Exemplo disso pode ser verificado na única


experiência de colonização, do período, considerada bem sucedida: a do Norte do Paraná17.
Essa, ao contrário do que representou o programa de colonização oficial do Oeste brasileiro,
consubstanciado principalmente nas CANs, foi uma iniciativa privada, na qual o Estado teve
uma participação limitada e indireta.

Para compreendermos as razões do maior sucesso alcançado por uma experiência


colonizadora de caráter particular, temos de lembrar que a região do Norte do Paraná já era
uma região de avanço pioneiro estimulado pelo capital privado e que a ação do Estado, nos
mais diversos setores, não preconizava uma estatização da economia. O Estado intervinha em
áreas e atividades de pequeno ou nenhum interesse para o investimento particular. Assim, do
ponto de vista das ações relativas à colonização, havia, como praticamente em todos os outros
setores econômicos, uma espécie de divisão do trabalho: as áreas que eram objeto de ações
“espontâneas” do capital poderiam ficar a cargo da iniciativa privada, enquanto que as áreas
não interessantes ao investimento privado, consideradas “adormecidas” ou “relegadas ao
olvido”, eram atribuição ou objeto da ação do Estado18.

Por isso, o Estado, por meio de seu programa oficial de colonização, se preocupou
com a região Oeste, onde, historicamente, as marchas pioneiras conduzidas pela cafeicultura
não haviam chegado com grande intensidade; preocupava-se, também, com áreas
consideradas intocadas na parte norte da atual região Nordeste e com áreas limítrofes da
Amazônia ou razoavelmente próximas às capitais daquela região19.

Nestes casos, as distâncias a serem vencidas eram enormes, os investimentos em


transporte e infra-estrutura eram muito pesados para os recursos financeiros, e até mesmo para
os recursos humanos, disponíveis. Assim, as áreas de colonização oficial não vingaram em
sua totalidade ou permaneceram, por muito tempo, isoladas e distantes dos mercados. O
próprio contingente populacional dirigido a essas regiões dispunha de poucas condições
financeiras e maiores dificuldades do ponto de vista das condições de saúde, por isso,
necessitavam de formas de apoio muito mais intensas, que, por variados motivos, não
chegaram a se realizar. Daí, a diferença de resultados entre as experiências de colonização
privadas e oficiais, no período em questão.

17
Ver GRAHAM, Douglas. Algumas considerações econômicas para a política migratória no meio
brasileiro. In: Migrações internas no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1971. p. 22/23
18
GRAHAM, Douglas. op. cit., p. 23
19
Por isso a proposta inicial das CANs visava à instalação de 7 colônias situadas, nos Estados de Goiás, Mato
Grosso, Maranhão, Piauí, Amazonas, Pará e Paraná.
27

A construção de um mercado de trabalho efetivamente nacional, embora tenha sido


iniciada em tal período, somente se configurou em definitivo no pós-guerra, principalmente a
partir da década de 1950, quando o fluxo populacional às regiões industrializadas tornou-se
mais constante, regular e passou a assumir, praticamente, uma dinâmica própria. A questão
da qualificação profissional voltada a gerar técnicas e disciplinas típicas das formas
capitalistas de trabalho somente começou a se configurar nos últimos anos do período que nos
ocupa, ganhando, também, dimensão mais significativa nos anos de 1950.

As medidas tomadas em relação aos deslocamentos populacionais durante o primeiro


governo Vargas, seja na forma de intenções, de princípios, de legislação, ou de ações,
demonstraram, entretanto, que havia, indubitavelmente, uma preocupação em se utilizar os
movimentos populacionais como forma de integração do mercado interno, procurando, para
isso, articular as diferentes regiões do país por meio de especializações produtivas e pela
combinação dos seus graus diferenciados de desenvolvimento e, com isso, alavancar o
desenvolvimento econômico e o processo de industrialização.

Isto significa que os principais aspectos pertinentes à geração de condições para o


incremento de processos migratórios internos foram acionados no período. Definiram-se as
áreas de atração, que seriam aquelas que receberiam os efeitos propulsores do modelo de
desenvolvimento que se procurava implantar: a “região sujeito” da qual partiriam os influxos
econômicos articuladores do território e as “regiões objeto” 20 que se incorporariam à primeira
como regiões acessórias, voltadas a consumir mercadorias manufaturadas e a produzir
gêneros destinados à economia urbana. Definiram-se, também, as áreas de repulsão, que
sofreriam os efeitos de estagnação e, por isso, converter-se-iam em regiões fornecedoras de
excedentes populacionais e de força de trabalho.

Como representantes do primeiro caso, teremos as regiões que passavam por acelerado
crescimento urbano e industrial, exemplo específico de São Paulo, e das regiões que
necessitavam ser povoadas e incorporadas à economia nacional, exemplificadas pelo Oeste.
No segundo caso, o exemplo concreto se relaciona ao atual Nordeste, principalmente, em sua
parte sul, região considerada cronicamente atrasada 21.

20
Os termos região sujeito e região objeto foram utilizados por Vargas, para explicar a forma de relação e
integração entre o centro-sul industrializado e o Oeste brasileiro, em entrevista concedida à imprensa em 19 de
fevereiro de 1938. Ver Diretrizes da nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 194(?), p, 125.
21
Ver PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados: a migração para São Paulo e os dilemas da construção do
Brasil moderno. Universidade de São Paulo: FFLCH (Tese de Doutorado em História Social), 2000, p. 176/194.
Para esse autor tal visão acerca da região nordeste era estimulada pela construção de uma imagem do Nordeste
28

Mesmo que as medidas encaminhadas tenham, muitas vezes, alcançado apenas


resultados limitados, inócuos ou inconclusos, foram experiências que permitiram o
estabelecimento das bases para a efetiva ocupação do país no pós-guerra. Ocupação esta que
se daria em moldes diferentes22, na medida em que as características do desenvolvimento
também iriam se alterar, em virtude das mudanças na relação entre as diferentes classes
sociais e, destas, com o Estado.

Dessa maneira, é possível apontarmos um objetivo secundário deste trabalho, como


desdobramento de seu objetivo principal, e que se encontrará difuso em todo o seu desenrolar,
qual seja: o de contribuir para uma caracterização do primeiro governo Vargas como um
governo comprometido com os interesses do capital industrial.

Tal objetivo tem por suposição a idéia de que a análise das características dos
deslocamentos populacionais e das políticas relativas ao assunto impressas pelo governo pode
revelar o aprofundamento da subsunção dos movimentos migratórios ao desenvolvimento de
um novo padrão de acumulação urbano-industrial. A dinâmica da acumulação capitalista
urbana e industrial passou a subordinar as novas relações de trabalho no campo - introduzidas
nas regiões de avanço da fronteira econômica e nas novas atividades agrícolas, que ganharam
impulso em virtude da mudança na função da produção primária - e a reestruturação do
mercado de trabalho urbano.

Pretendemos demonstrar que os processos de deslocamento populacional e as


tentativas de controlá-los explicitam que se buscou uma integração do mercado e da nação
comandada pelo centro dinâmico da economia nacional. Isso não somente aprofundou os
desequilíbrios econômicos regionais, com a concentração do desenvolvimento econômico no
Centro-Sul do país, como representou, também, a introdução de novas formas de exploração
social, com a conversão dos trabalhadores em instrumentos da construção de uma nova ordem
econômica nacional, nucleada pelo desenvolvimento urbano e industrial; pois, como afirma
Robert de Moraes: o espaço não é o sujeito das transformações históricas e não se pode tomar
os “processos sociais como se fossem qualidades do espaço” 23, o que, de certa forma, vai ao
encontro do entendimento de Singer, segundo o qual a migração, antes de ser um fenômeno
individual, é um processo social. Quem migra não são indivíduos abstratos, mas indivíduos

como uma região “portadora de características culturais, sociais e econômicas negativas”, fortemente afetada
por flagelos naturais como a seca e na qual a “única saída para aquelas populações afetadas era a migração”.
22
Segundo Douglas Graham, a partir dos anos de 1950, a colonização do Oeste passou a se basear na grande
propriedade rural em detrimento da pequena propriedade. Ver GRAHAM, Douglas. op. cit. p. 25
23
MORAES, Antonio Carlos Robert de. Ideologias geográficas. 3 ed. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 107.
29

pertencentes a uma classe social: “a primeira e a mais atingida pelos processos de migração é
a que vive do trabalho e que, portanto, não possui, ou já possuiu, direito de propriedade
24
sobre o solo” .

Assim, os processos de deslocamento populacional consistiram na construção de uma


nova modalidade de exploração social, na qual os trabalhadores migrantes se converteram em
elementos importantes de constituição de um novo padrão de acumulação.

O trabalho procurará apresentar os seus resultados a partir de um ordenamento


dedutivo. Partir-se-á de uma caracterização mais geral a respeito das características
econômicas e políticas do período que nos ocupa, procurando demonstrar como a inserção do
Brasil em uma nova estrutura capitalista implicou na necessidade de mudança nos padrões de
deslocamentos populacionais dominantes até então. Posteriormente, procurará a elaboração
dos princípios que se encontram na base das políticas relativas aos deslocamentos
populacionais para, na seqüência, analisarmos a aplicação concreta desses princípios e os
resultados alcançados.

Dessa forma, o trabalho divide-se em três partes:

Na Primeira, após uma pequena digressão sobre desenvolvimento econômico e sobre


a importância do mercado interno na determinação deste desenvolvimento em países
subdesenvolvidos, como o Brasil, o trabalho versará sobre como a fixação do capitalismo no
Brasil, a partir de uma economia primário-exportadora, criou, por meio de um processo
contraditório, as condições para a emergência de um padrão de acumulação urbano e
industrial, sustentado endogenamente. Procuraremos discutir que o momento crucial para a
definição de tal processo se fez presente na virada das décadas de 1920 e 1930, em virtude do
impacto da grande crise mundial e das alterações institucionais alcançadas com o resultado da
Revolução de 1930. A inserção do Brasil em uma nova ordem levou a mudanças
significativas no padrão migratório e ao surgimento da preocupação do novo governo em criar
meios e instrumentos voltados a controlá-los e dirigí-los com objetivos claramente definidos,
ou seja, de utilizá-los como ferramenta importante, embora acessória, para o desenvolvimento
econômico nucleado pela industrialização. As fontes utilizadas nessa primeira parte foram,
principalmente, secundárias, advindas do intenso debate ocorrido no campo das ciências
humanas em relação aos assuntos em tela.

24
SINGER, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo. In: Economia política da
urbanização. 13 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 51.
30

A segunda parte visa discutir os elementos que estiveram na base da formulação de


políticas relativas aos deslocamentos populacionais, consoante com a preocupação em se dar
curso a um desenvolvimento sustentado internamente. Assim, versará sobre a relação entre a
conquista nacional do território e o processo de formação do mercado interno brasileiro,
inclusive o mercado de trabalho. Nesta parte foram privilegiados documentos oficiais da
época, principalmente artigos publicados em revistas e boletins e discursos feitos por Vargas,
consolidados em textos, tais como a Nova Política do Brasil e Diretrizes da Nova Política do
Brasil.

Na terceira parte, o trabalho procura verificar a aplicação concreta dos princípios


básicos da política migratória e os resultados alcançados pelas mesmas, procurando distinguir
o que foi possível realizar no momento e o que se consolidou como bases para uma política
ulterior relativa ao assunto em questão. Nesta parte, os recursos utilizados como fontes
também são artigos de época, acrescidos de instrumentos legais como decretos-lei, decretos e
portarias e de alguns processos produzidos pelo SIC, DTC e Secretaria da Agricultura do
Estado de São Paulo. Utilizar-se-á, também, a contribuição da extensa bibliografia produzida
em torno do assunto.
31

Parte I
O NOVO PADRÃO DE DESLOCAMENTOS POPULACIONAIS E A INTEGRAÇÃO
DO MERCADO
32

Seção 1

Novo modelo de desenvolvimento e a necessidade de um novo padrão de deslocamentos


populacionais
O desenvolvimento econômico pode ser conceituado como um processo histórico de
alteração qualitativa no sistema produtivo de uma nação. Alteração que se expressa por uma
importante diversificação econômica e por uma redivisão interna do trabalho, na qual a
participação relativa dos setores econômicos passa a pender favoravelmente ao crescimento
industrial e a exigir maior especialização dos fatores e dos recursos. Em suma, o
desenvolvimento econômico pode ser compreendido como um processo histórico de
transformação de economias primário-exportadoras em economias industrializadas25. Se
aceitarmos tal conceituação, podemos afirmar que o período compreendido por este trabalho
é, também, aquele no qual uma longa fase de mero crescimento econômico é substituída, no
Brasil, por uma etapa de real desenvolvimento econômico26.

Isto porque no período compreendido por este trabalho (1930-1945), a economia


brasileira passou por uma de suas mais significativas mudanças. Foi nesse momento que o
capitalismo brasileiro, cuja dinâmica se encontrava condicionada pela demanda externa por
alguns poucos produtos primários de exportação, principalmente café, começou a ter no
mercado interno e na indústria os fatores preponderantes de seu dinamismo e da acumulação
de capital.

Este novo panorama da economia brasileira permitiu a sua entrada em uma longa fase
expansiva, com taxas de crescimento muito maiores que as alcançadas por qualquer país
latino-americano ou mesmo da maioria das economias centrais27.

Ainda que se considere o mercado interno e a indústria como fatores indutores do


processo de desenvolvimento econômico que se iniciou no pós 1930, é importante lembrar
que o nascimento da indústria, no Brasil, remonta ao período precedente, quando a economia
brasileira se compartimentava em vários complexos econômicos regionais que possuíam o seu
centro dinâmico apenas no mercado externo. Isso explica o crescimento industrial mais
acelerado e a concentração da produção industrial em São Paulo. Foi o complexo cafeeiro que

25
Ver SINGER, Paul. Dinâmica populacional e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec, 1976, p. 28 e 29.
26
IANNI, Octávio. Estado e capitalismo. 2 ed., rev e amp. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 45 e 46.
27
Ver RANGEL, Ignácio. Crescimento, ciclos e tecnologia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, p. 20
e TAVARES, Maria da Conceição. op. cit. p. 59.
33

conheceu as transformações capitalistas de forma mais acelerada e no qual a indústria se


revelou como componente fundamental de seu desenvolvimento. Este aspecto, aqui somente
sinalizado, tem valor instrumental e será desenvolvido mais adiante quando tratarmos da
importância da concentração industrial paulista na ampliação e integração do mercado interno
nacional.

Embora a indústria tenha sido fortemente estimulada pela acumulação de capital que
ocorria no complexo exportador cafeeiro, a mesma ainda encontrava-se subordinada ao
capital cafeeiro. Essa proeminência do complexo cafeeiro nos processos de acumulação de
capital, por sua vez, condicionava a existência de um padrão de deslocamentos populacionais
que também se alterou com a emergência do desenvolvimento industrial, cujo centro se
localizou em São Paulo no pós 1930.

A dominância da atividade exportadora nos processos de formação de capital não


provocava, nem exigia um processo consistente de integração do mercado interno brasileiro.
A economia brasileira era constituída por variado número de complexos regionais
exportadores que se vinculavam diretamente aos mercados externos, o que dava à mesma um
caráter compartimentado. Esse fato explica também, por sua vez, a inexistência de um
mercado nacional de trabalho, o que ensejou, no complexo economicamente mais dinâmico,
uma grande procura por uma força de trabalho estrangeira. A maior parte desses imigrantes
originou-se de nações que passavam por acelerados processos de industrialização, que
possuíam grandes excedentes populacionais e grandes interesses em construir “colônias” em
outros países, como forma de ampliação do mercado externo para suas indústrias. Estes foram
os casos primeiramente da Alemanha, da Itália e, posteriormente, do Japão28. Tais processos
contribuem para o entendimento do fato do trabalhador estrangeiro ter sido priorizado nos
processos migratórios que se dirigiam às áreas mais dinâmicas da economia brasileira, no
período anterior a 1930.

Com as transformações econômicas que se iniciaram na década de 1930, com o início


do rompimento da antiga forma de participação do Brasil na divisão internacional do trabalho,
com a dinâmica do crescimento voltando-se “para dentro”, a integração e crescimento do
mercado interno passou a ser fundamental. Tal aspecto colocará em questão a necessidade de
construção de um novo padrão de deslocamentos populacionais que passarão a se constituir
em ferramentas fundamentais para a realização dessa tarefa. Esses deslocamentos passaram,

28
A utilização de imigrantes como parte de uma política comercial de favorecimento às indústrias nacionais teve
em G. F. List um dos seus principais propugnadores. Ver NASCIMENTO, Benedicto. op. cit. p. 29
34

então, a obedecer prioritariamente ao objetivo de favorecer a integração do mercado, em


benefício do desenvolvimento industrial que se deslanchava.

Os deslocamentos populacionais converteram-se em instrumento fornecedor de


recursos humanos indispensáveis à nova tarefa que estava sendo implementada;
comportaram-se como construtores de novas “periferias” que iriam se integrar ao centro
dinâmico, por meio de anexação de regiões anteriormente desconectadas dos circuitos
econômicos – num verdadeiro esforço de conquista territorial; possibilitaram a reorganização
das relações existentes entre as diferentes regiões do país; e participaram da formação de um
mercado nacional de trabalho, qualitativamente diferente, associado às novas exigências do
desenvolvimento industrial e urbano. Isso se deve ao fato de que o desenvolvimento
econômico de um país, como o Brasil, não pode ocorrer de outra forma que não seja a de ter
por base o seu próprio mercado interno.

1.1 A importância do mercado interno


A divisão internacional do trabalho, que prendia o Brasil à condição de nação
exportadora de produtos primários, iniciou-se com os processos europeus de expansão
marítimo-comercial no século XV e de colonização da América no século XVI. Ganhou uma
nova dimensão com a Revolução Industrial capitaneada pela Inglaterra, em finais do século
XVIII, adquirindo suas principais feições com a consolidação do comércio mundial em
meados do século XIX29.

Na configuração desse mercado mundial, as economias ricas puderam continuar


crescendo e se desenvolvendo economicamente devido à constante conquista de novos
mercados externos. Passaram a dominar a oferta de produtos industrializados às nações de
economias primário-exportadoras, que deveriam permanecer como produtoras de matérias-
primas ou gêneros alimentícios para a exportação, o que aprofundava o seu
subdesenvolvimento.

Isso ocorreu de tal maneira que as nações centrais, principalmente a Inglaterra,


passaram a difundir concepções econômicas que ressaltavam a importância e a excelência do
livre comércio. Tais concepções objetivavam a manutenção de arranjos institucionais nas
mais diferentes nações, que permitissem a manutenção do livre fluxo de mercadorias pelo
globo terrestre e a manutenção da divisão internacional do trabalho.

29
Ver CASTRO, Antonio Barros de. 7 ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1968, vol. 1, introdução.
35

Esses esforços foram bem sucedidos. Em finais do século XIX e no início do século
XX, o mercado mundial de produtos manufaturados era monopolizado por um pequeno
número de países industrializados, liderados pela Inglaterra e secundados por outros países
que conseguiram se engajar rapidamente nas transformações estruturais de suas economias,
rumo à industrialização30.

Esse monopólio no comércio de mercadorias industrializadas por parte das nações


lideres foi reforçado, ainda, pelo enorme crescimento do poderio econômico de suas empresas
e pela grande intensidade de inovações tecnológicas induzidas pelas transformações
econômicas no final do século XIX.

Isso implica afirmar que a única alternativa possível para que uma economia
subdesenvolvida, como a brasileira, alcançasse o desenvolvimento econômico seria a de um
processo de industrialização que tivesse por base o seu próprio mercado.

Por outro lado, muito já se conhece a respeito da insuficiência dos mercados externos
para promover o desenvolvimento de economias primário-exportadoras. Essa insuficiência é,
basicamente, explicada pela conjugação de alguns fatores. Primeiramente, devido à pequena
diversificação econômica, a rigidez na oferta de mercadorias torna o comércio internacional
desses países refém de uma pequena gama de produtos que necessitam de constantes
aumentos de volume de vendas para compensar ou contrabalançar o montante despendido
com importações de manufaturados. Além disso, o caráter reflexo de suas economias, que
dependem do comportamento de mercados externos, sofrendo com suas oscilações, e sobre as
quais a capacidade de interferência é reduzida, impede um controle totalmente nacional sobre
a atividade econômica. Por último, a contínua deterioração dos termos de intercâmbio
provoca a apropriação do excedente econômico pelas economias centrais e industrializadas.

A combinação desses elementos, o monopólio do mercado mundial de mercadorias


industrializadas pelas economias centrais e a insuficiência do mercado externo para a
produção primário-exportadora como fator indutor do desenvolvimento, indicam que o
desenvolvimento econômico e a industrialização brasileira, para ocorrerem, deveriam ter por
base o próprio mercado interno brasileiro, que, a partir do momento que nos ocupa, precisaria
ser mais firmemente integrado e constante expandido.

30
Como exemplo podemos citar alguns países europeus - França, Alemanha e Itália -, os Estados Unidos e o
Japão. É importante ressaltar que o desenvolvimento desses países não se baseou em um único modelo, pelo
contrário, explicitou a existência de diferentes vias para a consolidação do capitalismo. Ver CASTRO, Antonio
Barros de. Op. cit. introdução e MOORE Jr. Barrington. Origens sociais da ditadura e da democracia. São
Paulo: Martins Fontes, 1983, prefácio.
36

Foi isso que se sucedeu. A grande alteração da estrutura econômica brasileira foi o
“deslocamento de seu centro dinâmico” para o mercado interno. Mercado esse que, devido a
uma série de fatores internos e externos, tornou-se praticamente cativo de uma produção
manufatureira de bens de consumo produzida nacionalmente e que se concentrava
principalmente em São Paulo. Como já disse Wilson Cano:

“A crise de 1929 e sua recuperação provocariam o deslocamento do eixo dinâmico


da acumulação, do setor agroexportador para o industrial. Desarticulado o
comércio exterior, isto causaria forte reversão no abastecimento interno: as
restrições às importações forçariam a periferia nacional a importar, agora,
produtos manufaturados de São Paulo; este, por sua vez, deveria, crescentemente,
importar mais matérias-primas e alimentos de outros estados. Passava-se, portanto,
a integrar o mercado nacional sob o predomínio de São Paulo. À periferia, nada
mais restava do que se ajustar a uma função complementar da economia de São
Paulo, embora mantendo ainda sua antiga dependência do exterior, através de suas
exportações tradicionais”31.
Assim, a redução do comércio exterior brasileiro, fruto do impacto da grande crise
econômica iniciada em 1929, aliada à garantia da compra do café, permitiu que a produção
industrial brasileira passasse a atender as necessidades internas.

O atendimento das necessidades internas de mercadorias industrializadas pôde se dar,


primeiramente, pela capacidade ociosa das indústrias instaladas no país, principalmente
daquelas que se originaram a partir acumulação de capital ocorrida no complexo exportador
cafeeiro. Em seguida, pela possibilidade de importação de equipamentos industriais de
segunda mão e por meio do comércio de compensação que se desenvolveu com a Alemanha.
E posteriormente, ainda, pelo início da quebra das desvantagens relativas de se produzir
internamente bens de capital anteriormente importados32.

É claro que esse processo de industrialização, iniciado no momento estudado, era


ainda bastante incipiente: dependia, e muito, da manutenção da capacidade exportadora de
bens primários para a aquisição de equipamentos industriais e possuía bases financeiras e
tecnológicas bastante limitadas para encetar a industrialização mais completa do país. Por
outro lado, nesse período iniciava-se no país um novo ciclo de crescimento sustentado
internamente pela indústria.

Sem entrar nos pormenores da preponderância dos fatores internos e externos,


devemos ressaltar a importância decisiva do Estado nos processos de desenvolvimento que
tiveram início na década de 1930, no período do primeiro governo Vargas. O Estado

31
CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930-1970. São Paulo:
Global / Campinas: Editora da Unicamp, 1985, p. 64.
32
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Publifolha, 2000, cap. XXXII.
37

brasileiro passou, a partir desse período, por uma decisiva reestruturação que se notabilizou
pela sua maior capacidade de intervenção e de articulação de medidas econômicas. Essas
novas características do Estado brasileiro, sem sombra de dúvidas, pavimentaram o percurso
para o desenvolvimento econômico, via o estabelecimento de condições para a defesa,
ampliação e integração do mercado interno. Como veremos mais adiante, tais intervenções
também se relacionaram ao estabelecimento de políticas relativas aos deslocamentos
populacionais, que naquele momento já adquiriam novas características, procurando dirigi-los
e controlá-los para o alcance de objetivos prévia e claramente definidos.
38

Seção 2: OS DESLOCAMENTOS POPULACIONAIS COMO OBJETO DE


POLÍTICAS DE ESTADO
É praticamente consensual que no período pós-1930, o Estado brasileiro passou por
importantes transformações tanto no que diz respeito à sua organização institucional quanto
em sua relação com à economia e à sociedade. Transformações essas que se expressaram por
meio da centralização do poder, do maior aparelhamento burocrático e pelo intervencionismo.

Do ponto de vista político, tais transformações decorreram dos desdobramentos das


crises que se abateram em sua restrita e excludente estrutura oligárquica, principalmente
durante a década de 1920, e que desembocaram no conflito armado de 1930.

Do ponto de vista social, essas transformações caracterizam-se pela emergência de


novos grupos sociais, que passaram a representar novos interesses, numa sociedade que, por
força de um desenvolvimento capitalista, ainda que limitado pelas suas características
primário-exportadoras, tornava-se mais complexa. O desenvolvimento de um setor urbano,
como decorrência do desenvolvimento de atividades acessórias à atividade exportadora, tais
como o setor de serviços e industrial, deu origem a uma classe média mais numerosa, a um
proletariado urbano e, até mesmo, a frações da burguesia que não se encontravam
contempladas nos arranjos institucionais, na definição de prioridades e nos encaminhamentos
do Estado existente na chamada República Velha.

Do ponto de vista econômico, que é o que nos interessa mais diretamente neste
trabalho, as transformações conhecidas pelo Estado relacionam-se com as novas
características assumidas pelo desenvolvimento econômico brasileiro que passaram a se
assentar sobre o mercado interno e a indústria, como seus centros dinâmicos. É importante
lembrar que se a maior ênfase no mercado interno como fator dinâmico da economia
brasileira passou a exigir uma maior centralização de poderes na esfera federal de governo, a
recíproca também é verdadeira, ou seja, a centralização do Estado nacional brasileiro foi
fundamental para que esse mercado interno se consolidasse, unificasse e ampliasse. É o que
procuraremos demonstrar.

2.1 Estado centralizado como resultado, e simultaneamente, como indutor da integração


do mercado interno.
A organização inicial do Estado republicano no Brasil obedeceu aos fortes imperativos
do momento em que se estabeleceu. A República brasileira foi implementada após uma série
de transformações ocorridas no país ao longo da segunda metade do século XIX. Dentre essas
transformações, podemos apontar o processo de transição do trabalho escravo para o trabalho
39

livre, encaminhado nos processos paralelos de abolição e de imigração, que ocorreu de forma
concomitante à ascensão de São Paulo como importante pólo econômico nacional, a partir do
avanço da economia cafeeira ao oeste paulista; a acelerada urbanização da cidade do Rio de
Janeiro, para qual contribuíram os capitais que se ligavam à prática do tráfico de escravos,
liberados após a proibição do mesmo em 1850; e a ascensão dos militares como expressão
política no Brasil, a partir da Guerra do Paraguai.

Os aspectos, aqui assinalados, tiveram importante participação na definição da


estrutura política do país durante, e imediatamente após, os processos que culminaram com a
mudança de sua forma de governo. Permitiram que dois fortes grupos disputassem a liderança
política e a influência na definição das características do Estado republicano brasileiro: a
burguesia cafeeira, fortemente fincada economicamente no Sudeste brasileiro, principalmente
São Paulo, e os Militares, majoritariamente concentrados na capital do país33.

Esses dois grupos, que se unificaram pelo interesse comum em derrubar a Monarquia,
tinham objetivos distintos no que tange à organização do Estado Brasileiro. Os Militares, em
sua grande maioria, influenciados pela doutrina positivista, preconizavam um Estado
centralizado, enquanto a burguesia cafeeira, acompanhada por outras oligarquias
exportadoras, cujos interesses econômicos encontravam-se no mercado externo, propunha um
estado hiper federativo, com forte autonomia às diferentes unidades da federação para que
essas pudessem estabelecer seus contatos econômicos com o exterior.

Após turbulento período de indefinição política, que ficou conhecido na História


Nacional como o período da “República da Espada” (1889-1894), a forma republicana de
governo consolidou-se no Brasil com a vitória dos interesses exportadores, liderados pela
burguesia oligárquica cafeeira. Para tal, contribuíram a constituição promulgada em 1891,
inspirada no modelo norte-americano, a implementação da política dos governadores pelo
governo Campos Sales e o malogro do Golpe de Estado, tentado por militares, deputados e
intelectuais de influência positivista, por ocasião da Revolta da Vacina, já no Governo
Rodrigues Alves (1902-1906).

É possível afirmar que, além da maior capacidade e habilidade política dos setores
oligárquico-exportadores, a estrutura fortemente descentralizada e hierarquizada da República
Velha expressou, com grande coerência, as características econômicas do país. O processo de
transição do trabalho escravo para o trabalho livre, da forma como ocorreu, isto é, de maneira

33
Ver CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. São
Paulo: Companhia das Letras, p. 32.
40

mais acelerada no sudeste cafeicultor e substituindo os trabalhadores escravos por imigrantes


de origem européia, cortou, por um bom tempo, como disse Maria do Carmo Campelo de
Souza, o último liame que unia as diferentes regiões do país, ou seja, o comércio inter-
regional de escravos.

“O Brasil, marcado pelas características de seu desenvolvimento como colônia


exportadora de matérias-primas, apresentava-se como um ajuntado de unidades
primário-exportadoras em vários estágios de evolução, dependente cada uma dos
embalos da demanda externa para a determinação de seu peso e importância na
economia do país. Cada unidade produtora atrelava-se ao mercado internacional,
indiferente à sorte da demais, independente delas. Quando o elo que as ligava – o
mercado nacional de escravos – se desfez, resultou o país composto de pequenas
seções justapostas, que conservavam entre si alguns frágeis vínculos, suficientes
apenas para que a nação não se desintegrasse totalmente” 34.
Dessa forma, sem o tráfico inter-regional e o comércio interno de trabalhadores
escravos, que não foram substituídos pela formação de um mercado nacional de trabalho, e
com a existência de um variado número de complexos econômicos exportadores regionais,
que se relacionavam diretamente com o exterior, a participação do mercado interno brasileiro,
no que se reporta aos assuntos econômicos, passou a ter um papel próximo ao da
insignificância. Tal situação foi ainda intensificada pela instituição de uma série de impostos
interestaduais e pela ausência de um sistema nacional de transportes, que dificultavam a
circulação de mercadorias em território nacional. Todos esses aspectos podem, sem dúvida,
ser considerados como importantes elementos para a definição de uma estrutura política
fortemente descentralizada.

Sem querer reforçar uma abordagem de cunho economicista, uma vez que outros
aspectos relevantes devem ser considerados35, podemos afirmar que os aspectos acima
indicados se refletiram na organização do Estado republicano. Durante as primeiras décadas
do século XX, o Estado brasileiro comportou-se como uma República de hegemonias
regionais, bem ao estilo compartimentado da economia nacional. A ausência de maior
intercâmbio entre as regiões favoreceu o estabelecimento de um pacto oligárquico de poder,
constantemente negociado entre lideranças políticas que tinham em sua base acordos
regionais e locais.

Devido, também, às influências econômicas, esse Estado, embora descentralizado,


apresentava, contudo, um caráter fortemente hierarquizado. Foi a oligarquia da região mais

34
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na Primeira República. In: MOTA,
Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva. 20 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 164.
35
Os aspectos técnicos, financeiros, políticos também exerceram fortes influências na dificuldade de
centralização de poder no Brasil. Ver BALAN, Jorge (org.). Centro e Periferia no desenvolvimento brasileiro.
Rio de Janeiro: Difel, p. 15.
41

poderosa economicamente que logrou a direção da esfera federal de poder. Era a oligarquia
cafeeira, que mesmo cedendo poderes às oligarquias regionais e locais, quem dirigia o Estado
brasileiro.

Com essa articulação política e com a construção de sólidas bases de apoio em níveis
regionais e locais, a burguesia cafeeira e as oligarquias regionais e locais associadas puderam,
no início da República, neutralizar as forças políticas centralizadoras e constituir um modelo
de Estado fortemente coerente com seus interesses vinculados ao mercado externo.

Tal estrutura estatal, embora bastante coerente com o quadro econômico brasileiro,
revelou-se limitada para expressar o caráter cada vez mais complexo da sociedade brasileira.
O crescimento do setor econômico externo provocou a expansão do mercado interno para lhe
dar suporte. Esse setor interno, desde cedo, passou a ter uma base social e territorial urbana e
começou a assumir características modernas, com novos agentes sociais e políticos, como a
classe média e o proletariado.

Os novos agentes sociais eram os que mais sentiam os efeitos das práticas de
socialização dos prejuízos que se desdobravam, como efeito colateral, das políticas de
valorização cafeeira, instituídas desde 1906. O aumento constante dos produtos importados,
as dificuldades de transporte e habitação em metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro que
cresciam aceleradamente, e os problemas de abastecimento eram muitos mais sentidos pelos
novos sujeitos sociais urbanos. A ausência de uma institucionalidade voltada a receber e a
encaminhar as suas reivindicações de forma mais direta tornaram esses grupos,
principalmente as classes médias, um público cativo às pregações tenentistas que, embora
pouco substanciais, ao se expressarem no binômio Justiça e Representação, indicavam que a
mudança das estruturas estatais, ou pelo menos dos homens na política, era um dos meios
disponíveis para a superação dos dilemas urbanos enfrentados.

O próprio capital cafeeiro, responsável pela saliência política do grupo dirigente em


nível nacional, diversificou-se e começou a dar origem a novas frações de classe que
começaram a expressar interesses não contemplados na limitada estrutura estatal existente até
então. Uma boa indicação disso pode ser observada no processo de organização, pelos
interesses industrialistas, de associações e centros industriais, como o Centro das Indústrias de
Fiação e Tecelagem de São Paulo (CIFTSP), em 1921, e o Centro das Indústrias de São Paulo
(CIESP), Em 1928. O surgimento dessas associações classistas pelo capital industrial, mesmo
que, inicialmente, muito próximas dos grupos políticos tradicionais, expressa a articulação de
um poderoso instrumento urbano de pressão sobre o Estado e o seu organismo oficial, o PRP.
42

A isso devem ser somadas outras situações decorrentes das vicissitudes do jogo
político da Primeira República, que deram origem importantes dissidências no seio do próprio
grupo oligárquico. Tais dissidências foram provocadas, primeiramente, pela consolidação, no
PRP, de uma burocracia partidária pouco permeável à influência de alguns setores ligados aos
36
próprios interesses cafeeiros . Posteriormente, pela resistência da oligarquia paulista em
permitir uma maior participação de outras oligarquias estaduais, como a gaúcha, que
pretendiam exercer maior influência na política nacional e, também, pela decisão do Governo
Federal de não promover o tradicional rodízio oligárquico entre paulistas e mineiros nas
eleições de 1930. Tais fatos levaram a várias fraturas nos grupos politicamente dominantes e
explicam o surgimento do Partido Democrático em São Paulo, em 1926, e a aliança entre a
oligarquia gaúcha e o Partido Republicano Mineiro, logo após a imposição de Júlio Prestes,
como candidato presidencial, por Washington Luís.

Paralelamente à participação de novos sujeitos políticos, a economia brasileira


também conhece razoáveis mudanças que implicarão a inadequação do aparelho estatal
brasileiro para dar continuidade ao processo de acumulação no Brasil. A economia brasileira,
mesmo funcionando em moldes compartimentados, passou a conhecer, ainda que de modo
sutil, um impulso integrador. Tal fato deriva do maior dinamismo do complexo cafeeiro que,
devido ao seu desenvolvimento mais acelerado, começa a ocupar espaços econômicos em
outras regiões do país.

O complexo cafeeiro produziu uma grande possibilidade de diversificação econômica.


Várias atividades complementares se desenvolveram com maior rapidez, em comparação com
os outros complexos econômicos exportadores regionais, em virtude do crescimento mais
acelerado do seu mercado interno e de sua urbanização mais intensa. Dentre essas
possibilidades de diversificação podemos apontar a indústria e a agricultura, produtora de
alimentos e matérias primas:

“O café exigiu a montagem de uma rede urbana no estado de São Paulo,


compreendendo um sistema de transportes e uma rede de comércios e serviços para
uma grande massa de trabalhadores. (...) Esse complexo envolvia, além da
atividade principal, o café, uma série de outros importantes componentes, como a
agricultura produtora de alimentos e de matérias-primas; o sistema de transporte
ferroviário; o sistema bancário; as atividades do setor público e atividade
industrial” 37.

36
Esse é principalmente o caso da chamada juventude cafeeira que reclamava do fechamento de espaços para a
ocupação de cargos na estrutura partidária e no aparelho de Estado.
37
NEGRI, Barjas. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo (1880 -1990). Campinas:
Editora da Unicamp, 1996, p.33.
43

Simultaneamente, a desorganização dos fluxos de comércio internacional, provocada


pela Primeira Guerra Mundial, implicou a redução das exportações e importações. Nessa
ocasião, a produção paulista, principalmente a industrial, ocupou parte do mercado nacional
possibilitado pelo estrangulamento na oferta de produtos industrializados estrangeiros. Com o
final da Guerra e a retomada da atividade econômica dos países centrais, a indústria paulista
consegue, mais uma vez, destacar-se na concorrência que se estabeleceu entre as indústrias
das diferentes regiões brasileiras.

“Com o advento da I Grande Guerra, evidencia-se um sério estrangulamento no


comércio externo do Brasil, com reduções tanto nas importações como nas
exportações. Nesse momento, São Paulo, possuidor de uma indústria e de uma
agricultura que se expandiam e se diversificavam, foi o maior beneficiário,
abastecendo com seus produtos parte da demanda de diversos estados. Com o
término da guerra e com a reabertura do comércio externo na década de 1920, São
Paulo adianta-se de novo em relação às demais regiões, no que diz respeito à
acumulação industrial: a onda de inversões industriais na década de 1920 vai
provocar uma superinversão e, conseqüentemente, o aumento da concorrência entre
indústrias de vários estados, em que o capitalismo industrial paulista leva
vantagem”. 38
Esse esboço de desenvolvimento de um mercado interno, que começava a se sediar em
São Paulo, encontrava-se obstado pela estruturação fortemente federativa do Estado
brasileiro. Por isso, não é exagerado afirmar que as transformações ocorridas no período
vieram demonstrar que as características do Estado brasileiro, forjadas na virada dos sécs.
XIX e XX, quando o capitalismo brasileiro era extremamente incipiente, não condiziam mais
com as condições econômicas, sociais e políticas originadas do seu maior desenvolvimento e
impediriam, caso fossem mantidas, a manutenção da velocidade que haviam conhecido até
então.

Nesse sentido, é que podemos afirmar que a revolução de 1930, ou pelo menos o
espaço aberto pelo movimento em questão, representa uma resposta à situação anteriormente
descrita.

Assim, se é verdade que a mesma não significou a ocorrência de um movimento de


características classistas, no qual uma classe tomou o poder com objetivos claros de
estabelecer o seu projeto de sociedade, não é menos verdade que a sua eclosão demonstrou
como eram apertados os anéis institucionais da república brasileira. Demonstrou como a
limitada estrutura estatal exercia uma função de barreira ao pleno desenvolvimento capitalista
nacional. Os seus espaços tinham de ser alargados e o movimento de 1930 foi fundamental
para isso.

38
. NEGRI, Barjas. op. cit., p.33.
44

A crise de 1929 provocou um grave desajuste no comércio de exportação brasileiro. Já


é sabido e bastante comentado que a acumulação de capital no Brasil dependia do
desempenho exportador de nossos produtos primários, principalmente o café, que no
momento em questão, respondia por, aproximadamente, dois terços da pauta brasileira de
exportações39. Também, já é conhecido que o café brasileiro, após uma fase de grande
expansão na segunda metade do século XIX, quando praticamente alcançou o monopólio do
comércio internacional, encontrava-se em crise crônica de superprodução desde 189640 e que
seus preços internacionais só se mantinham à custa de planos artificiais de valorização,
praticados desde 1906.

Esses planos, apesar de algumas alterações, mantinham os preços em bases


satisfatórias aos exportadores por meio do equilíbrio entre a oferta e consumo, com a compra
da produção excedente financiada por créditos internacionais. A evasão de recursos
financeiros do país, as perdas de suas reservas financeiras e do crédito internacional,
provocados pela crise, impediram a continuidade dos mecanismos tradicionais de valorização.
A conseqüência foi que os grandes estoques represados invadiram os mercados41, provocando
uma brutal redução dos preços do café42.

Como uma recuperação de monta na demanda pelo café no mercado internacional não
era esperada no curto prazo, tal fato acabou por demonstrar os limites do mercado externo
como agente indutor do processo de acumulação de capital. O que significa dizer que o
capitalismo primário-exportador já se aproximava de uma situação de esgotamento no que
concerne às suas possibilidades de induzir ao desenvolvimento, ou até mesmo ao crescimento,
econômico no Brasil.

De acordo com visão de mundo das frações agrário-mercantis que dirigiam o país à
época, alheio a essa questão, Washington Luís ainda procurou aprofundar uma política
monetária restritiva, recusou-se a acatar os reclamos dos grupos ligados aos interesses
cafeeiros. Tal fato que normalmente é utilizado para explicar o seu empenho em impor a
candidatura Julio Prestes, em detrimento da candidatura mineira de Antonio Carlos de
Andrada, rompendo com o rodízio tradicional de oligarquias, amplificou os efeitos da crise

39
Segundo NEGRI, Barjas. op. cit. p. 31 e FONSECA, Pedro Cezar Dutra da Fonseca. op. cit. p.150
40
FURTADO, Celso. op. cit. p. 186
41
Some-se a isso as plantações recordes de café no biênio 1927-1928, que fariam prever uma safra recorde nos
anos de 1932 e 1933, momentos que seriam os mais graves da fase depressiva. Ver FURTADO, Celso. op. cit. p.
199 e FONSECA, Pedro Cezar Dutra da Fonseca. op. cit. p.151
42
Ver FURTADO, Celso. op. cit. p.199 e FONSECA, Pedro Cezar Dutra da Fonseca. op. cit. p.151
45

internacional sobre a economia brasileira e, ainda, conseguiu provocar uma postura de


indiferença política entre os seus possíveis e principais apoiadores. Embora esses ainda
tenham feito funcionar a máquina eleitoral em favor da candidatura oficial, não tomaram
posturas mais aguerridas quando o processo encaminhou-se para o conflito armado.

A crise econômica mundial, ao fragilizar, ainda mais, a situação econômica do país,


colaborou para aprofundar o descolamento do governo de sua base política tradicional de
apoio e para enfraquecer a sua capacidade de reação frente às pressões dos grupos alijados de
uma participação política mais efetiva e, também, aos interesses das oligarquias dissidentes.

Por outro lado, a eclosão da crise internacional passou a ser cada vez mais creditada às
práticas políticas e econômicas liberais dominantes até então, tanto no que respeita às ações
concretas dos governos quanto no que se refere ás teorias econômicas vigentes. Tais questões
que se tornarão mais visíveis durante o desenrolar da década de 1930, refletiram-se no Brasil,
à época, numa expectativa de uma resposta mais decisiva do governo frente à gravidade da
situação. Uma ação nesse sentido, com maior ênfase interventora, todavia, não era algo que se
colocava na tradição política brasileira, marcada por forte liberalismo. Assim, a emergência
de uma nova estrutura estatal, que apresentasse maior capacidade de intervenção, passou a ser
aceita por uma ampla parcela da sociedade. Essas concepções, já anteriormente difundidas
pela intelectualidade modernista, foram sendo incorporadas pelas classes médias urbanas, que
passaram, com isso, a ampliar as suas posturas cada vez mais simpáticas a um desenlace de
força que pusesse fim à antiga situação.

Desta maneira, a Revolução de 1930 não encerra em si mesma o seu significado. não
deve ser entendida apenas em seu aspecto episódico. Representou um momento chave na
História do país ao estabelecer-se como convergência de uma série de questões estruturais e
conjunturais que se aceleraram com o desencadeamento das eleições presidenciais num
momento de eclosão de uma crise econômica mundial de fortíssima intensidade. Notabilizou-
se, muito mais, pelas transformações que desencadeou do que pela perspectiva imediata de
seus protagonistas. Como afirma Otávio Ianni:

“No entanto, ocorreu a Revolução em 1930. [...] como os donos do poder não
tiveram a flexibilidade indispensável à adoção progressiva de inovações, deu-se a
revolução. [...] antes que houvessem amadurecido internamente as condições
estruturais, revolucionários atônitos tomaram o poder de um presidente atônito.
Sem programa definido, salvo os vagos ideais de democratização de algumas
instituições. [...].Mas os acontecimentos históricos são irreversíveis. [...] o processo
revolucionário foi ganhando novas dimensões com o correr do tempo. Explicitaram
suas virtualidades também ao nível econômico-social, bem como no âmbito do
aparelho estatal. Pouco a pouco tornou-se o que não era de inicio. Adquiriu o
caráter de uma revolução burguesa definida, apesar de não sê-lo inicialmente [...].
46

Lentamente, as transformações internas do poder público reintegravam-no à


complexidade das forças econômicas e sociais em desenvolvimento” 43.

É certo, contudo, que a Revolução de 1930 não representou o total deslocamento das
antigas oligarquias das instâncias de poder nem representou a transferência automática de
poder a uma burguesia industrial. A ascensão de novos grupos com interesses diversos e,
portanto, de forças políticas heterogêneas no comando do aparelho de Estado levou a que não
se constituísse uma nova hegemonia que substituísse a anterior. Nesse sentido, o Estado se
tornou palco de disputas, ou de compromissos, entre diferentes projetos de desenvolvimento
para o país e, por isso, assumiu um papel importante no que se refere ao processo de
desenvolvimento e de constituição de um novo padrão de acumulação capitalista.

Devido à existência de projetos diferenciados, muito dos quais até antagônicos, o


Estado foi se aparelhando, ao longo do período que nos ocupa, com a criação de novos
organismos: ministérios, autarquias, conselhos, diretorias, que passaram a ser ocupadas por
uma burocracia que, também, foi se capacitando para arbitrar, por meio de uma série de
instrumentos legais, interesses divergentes, a partir de uma concepção técnica e científica.
Dessa maneira, a centralização e o intervencionismo estatal destacam como os aspectos mais
aparentes, conforme se constata na seguinte afirmação:

“[...] É indubitável que entre os aspectos mais consensuais das análises está o
reconhecimento da ampliação das tarefas do Estado no campo econômico. A
extensão e o aprofundamento do intervencionismo evidenciam-se na
burocratização, racionalização e centralização da tomada de decisões, tendo como
pólo impulsionador o governo federal. Estas vão facilitando mudanças –
econômicas, políticas e sociais – que se constituem verdadeiro processo de
transformação capitalista” 44.
O fato de o Estado se aparelhar para dar conta de um complexo processo de
conciliação entre forças políticas heterogêneas que expressavam interesses diversos não
significa, no entanto, que o mesmo pode ser caracterizado como neutro. É evidente que nesse
processo os grupos ligados aos interesses voltados à indústria e ao mercado interno foram
conquistando várias vitórias. De tal maneira é possível afirmar que nesse processo o Estado
passou, cada vez mais, a refletir o interesse desses grupos e a encaminhar, com certa
intencionalidade, um processo de industrialização.

Pretende-se dizer com isso que o Estado brasileiro ampliou suas esferas de ação para
dar curso a um processo de industrialização centrado nas indústrias que se concentravam

43
IANNI, Octávio. Estado e capitalismo. 2 ed. rev. e amp. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 123 e 124.
44
FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit. , p. 183
47

naquele momento na região centro sul, mais precisamente em São Paulo. Como já foi dito, é
evidente que tal processo tinha, necessariamente, que se basear no mercado interno nacional.
Assim, o processo de integração e ampliação do mercado interno nacional, inclusive o
mercado de trabalho, foi um dos principais objetos de intervenção estatal no período.

As ações do Estado, portanto, no pós 1930 passam a se encaminhar no sentido da


integração do mercado nacional. O paulatino processo de centralização estatal foi testemunha
do processo de integração do mercado interno nacional e da preocupação em torná-lo cativo à
indústria brasileira, do mesmo modo que a descentralização republicana do pré 1930
expressava, entre outros fatores, a fragmentação econômica brasileira em diversos complexos
econômicos regionais.

“Como bem destacou Cano, ‘para prosseguir com o desenvolvimento do capitalismo


brasileiro havia, necessariamente que integrar o mercado nacional e, para tanto,
não mais poderia o Estado permitir a supremacia de interesses especificamente
regionais sobre os nacionais’. Durante 1930/55, O Estado passaria cada vez mais a
converter determinados problemas regionais em questões nacionais e as propostas
para as suas soluções também passariam a ser de âmbito nacional. Assim, a
questão da industrialização brasileira passou a ser considerada uma prioridade
nacional e, consequentemente, as medidas adotadas para o desenvolvimento
industrial brasileiro passaram a ser centralizadas pelo Governo Federal. [...] Estes
são aspectos importantes para que se possa avaliar o significado do
desenvolvimento da indústria de São Paulo. Já não se tratava simplesmente de um
crescimento industrial subordinado à dinâmica cafeeira e sim à lógica da expansão
da economia nacional, que tinha em São Paulo seu centro dominante e onde se
concentrariam os principais resultados da industrialização” 45.
A ação estatal no sentido de integrar o mercado nacional, além de favorecer a
industrialização, também se articulou a uma série de elementos presentes e expressivos do
contexto da época, tais como a forte tendência de autarquização econômica, provocada pela
crise econômica mundial, e a existência de um pensamento autoritário no Brasil, que
vinculava a reconstrução nacional com a defesa de sua integridade territorial, o que estava na
base de políticas de avanço da fronteira. Assim, é possível afirmar que o Estado que começou
a se configurar no pós 1930 foi assumindo compromissos cada vez mais evidentes com a
construção de uma estrutura capitalista urbana industrial que tivesse por base o seu próprio
mercado interno.

45
NEGRI, Barjas. op. cit., p. 63. a citação presente no trecho de texto acima é de CANO, Wilson.
Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930 -1970. São Paulo: Global / Campinas:
Editora da Unicamp, 1985, p. 185.
48

Seção 3

A centralização e o intervencionismo
O paulatino processo de centralização e de intervencionismo estatal que se tornou
bastante visível no pós 1930 teve por base uma série de necessidades imediatas, tais como: a
de responder rapidamente à crise econômica e diminuir a sua intensidade; a de acolher novos
grupos sociais no aparelho de Estado; a de pacificar o país após um conflito armado de
grandes proporções; a de responder a problemas de ordem política, como o Movimento
paulista, e “natural”, como a seca nordestina, ambos de 1932; e, até mesmo, a de alcançar
maior legitimidade política46. Entendemos, contudo, que o fator fundamental, quiçá o mais
importante, tenha sido o objetivo de impulsionar um novo tipo de desenvolvimento no Brasil,
calcado na industrialização e no mercado interno.

É verdade que várias interpretações acerca do período em questão ressaltam a


inexistência de uma ação deliberada por parte do novo governo em fomentar a
industrialização no país, afirmando que a participação da indústria e do mercado interno na
recuperação econômica, ocorrida a partir de 1933, ocorreu de forma inconsciente, muito mais
como subproduto da política de defesa do café, que era a verdadeira preocupação do início do
governo. Isso é o que, por exemplo, encontramos na clássica análise de Celso Furtado que,
embora reconhecendo a importância da política anticíclica para o “deslocamento do centro
dinâmico” da economia nacional, afirma:

“... a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-
se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil,
inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha
sequer preconizado em qualquer dos países industrializados. [...] Explica-se, assim,
que já em 1933 tenha recomeçado a crescer a renda nacional no Brasil [...]. O
impulso de que necessitava a economia para crescer já havia sido recuperado.
É, portanto, perfeitamente claro que a recuperação da economia brasileira, que se
manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo e sim à política de
fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa
dos interesses cafeeiros..”47

Esta interpretação é corroborada, ainda, por outras que afirmam que o governo
procurava praticar, de início, políticas econômicas ortodoxas, que só foram abandonadas
devido às crises do ano de 1932 – movimento constitucionalista paulista e a grande seca
nordestina; que o governo não representava interesses industrialistas, pelo contrário, estava
voltado a atender os interesses dos setores exportadores e que mudanças nesses

46
Ver FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p.187 e NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p. 26
47
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 205 e 206
49

encaminhamentos só podem ser observadas a partir de 1935, sob o efeito do aprofundamento


das disputas entre os blocos imperialistas. Como podemos observar abaixo:

“A política econômica seguida [...]. Procurou sempre o equilíbrio orçamentário,


reduzindo despesas; adotou a contração dos meios de pagamento como remédio à
depressão, e conteve a desvalorização cambial [...]. Não fosse a ocorrência de
eventos inesperados que fizeram aumentar grandemente a despesa do governo em
1932, talvez os efeitos da Grande Depressão tivessem sido mais profundos no
Brasil.
A partir de 1933, a ênfase da política econômica voltou a ser colocada sobre o
equilíbrio orçamentário e estabilidade monetária e cambial” 48.

“O Governo provisório, a exemplo de outros governos, procurou enfrentar a crise


implementando uma política que visava ao equilíbrio na contas públicas, a
estabilização do câmbio e a contenção da base monetária. Ou seja, de início, o
governo Vargas procurou seguir as receitas da ortodoxia econômica 49.

Entretanto, em 1934 observam-se indícios de uma mudança na postura do governo


Vargas no tratamento das contas externas. Nesse ano, foi celebrado um novo
acordo acerca da dívida externa, o chamado “esquema Aranha”[...]. Apesar das
mudanças representadas pelo esquema Aranha, as medidas referentes ao câmbio e
á dívida externa sugerem que Vargas, nessa época, ainda não apostava na
industrialização como uma possibilidade de desenvolvimento para o país. Parece
que o governo acreditava que a superação da crise e o futuro do Brasil dependiam
sobretudo da sorte das exportações de produtos primários” 50.

“Enfim, até meados dos anos 30, a política econômica do governo brasileiro,
particularmente a política econômica externa, não expressava um projeto
industrializante. Mudanças nesse sentido só seriam observadas, de forma mais
nítida, a partir de 1935, quando por um lado, aprofundaram-se a disputas entre os
blocos imperialistas e, por outro, as profundas transformações econômicas e sociais
em curso na sociedade brasileira se fizeram mais visíveis. A partir desse momento,
nota-se a necessidade de o Brasil desenvolver suas indústrias”51.

Nas afirmações acima, encontra-se expressa a visão de que o desenvolvimento


industrial decorreu de situações objetivas, muitas vezes originárias de desequilíbrios ou de
situações externas adversas, que não demonstram nenhuma intencionalidade do novo
governo, instituído no pós 1930, em favorecer o deslanche industrial, pelo menos até 1937,
quando a partir do golpe de Estado se instala o Estado Novo. Essa visão, entretanto, é
criticada por outros analistas do período.

Para Francisco de Oliveira, o Estado brasileiro, a partir do momento que nos ocupa,
foi “capturado” por uma burguesia industrial, “levando-o a implementar sistematicamente

48
SUZIGAN, Wilson; VILLELA, Annibal V. Política do governo e crescimento da economia brasileira
(1889-1945). Rio de Janeiro: IPEA, 1973, p. 47 e 51
49
CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo: política externa e projeto nacional. São Paulo: UNESP/FAPESP,
2000, p. 38
50
CORSI, Francisco Luiz . op. cit., p. 44 e 45
51
CORSI, Francisco Luiz . op. cit., p. 49
50

políticas econômicas cujos objetivos eram o reforço da acumulação industrial e cujos


resultados, em grau surpreendente, corresponderam àqueles objetivos” 52.

Theotônio dos Santos compreende o desenvolvimento industrial do pós 1930 como


resultado de ações levadas a cabo por uma liderança industrialista capaz de pressionar o
Estado no sentido do alcance de seus interesses, ou seja, o da implementação de um
capitalismo industrial no Brasil, ainda que dependente: “a realidade é que nesse período
tomaram-se todas as medidas que permitiram a uma burguesia dependente criar as bases de
uma nova sociedade industrial” 53. Segundo o autor, posições opostas a esse ponto de vista se
baseiam em dois grandes erros de interpretativos: o primeiro é o de não perceber que a
liderança da burguesia industrial lutava contra o liberalismo que impedia o seu
desenvolvimento; o segundo é o de não se atentar para o fato de que, embora a burguesia
industrial não demonstrasse como um todo uma clara consciência de seus objetivos, Vargas,
Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi conseguiram liderar a classe, criando um aparelho
institucional capaz de dar-lhe representação, inclusive ao pequeno e médio industriais: “a elite
industrial brasileira soube mobilizar com grande sutileza a sua classe em defesa dos seus
interesses e manipulou muito bem o Estado e as debilidades das outras classes, sobretudo
depois de 1937” 54.

Uma crítica mais direta àquelas concepções anteriores pode ser observada em Pedro
Cezar Dutra da Fonseca55. Esse autor defende a intencionalidade da política industrializante
conduzida pelo Estado no pós 1930, a partir da análise das instituições criadas no período.
Afirma que a não identificação dessa intencionalidade, pelas interpretações que vêm o
desenvolvimento industrial como subproduto ou reflexo inconsciente e imediato da política de
proteção ao setor cafeeiro e que enfatizam a prática de políticas econômicas ortodoxas pelo
Governo Vargas56, deve-se ao fato de que essas teses enfocam a política instrumental do

52
OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma re(li)gião: Sudene, Nordeste, planejamento e conflito de classes. 4
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 83
53
SANTOS, Theotônio dos. Evolução Histórica do Brasil: da Colônia à crise da “Nova República”. Petrópolis:
Vozes, 1995, p. 50.
54
SANTOS, Theotônio dos. op. cit., 51.
55
FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. Sobre a intencionalidade da política industrializante do Brasil na
década de 1930. Revista de Economia Política, volume 23, no. 1 (89), janeiro-março de 2003. São Paulo:
Editora 34, p. 133 a 148.
56
Em seu texto, o autor comenta as interpretações de Celso Furtado. Entretanto, suas observações podem
também ser dirigidas a outros autores, uma vez que o mesmo critica a tentativa de se compreender a ação do
Estado por meio, apenas, de políticas instrumentais (políticas cambiais, monetárias e fiscais), que são políticas
próprias e inerentes a objetivos imediatos de estabilização econômica e, por isso, não são as mais apropriadas
para se perceber intencionalidades que se realizam no longo prazo.
51

governo (políticas cambiais, monetárias e fiscais) e que tais políticas não são as mais
apropriadas para se perceber intencionalidades:

“Entende-se que, se nem sempre estas políticas instrumentais são capazes de


evidenciar intencionalidades, dificultando que de sua formulação ou execução se
possam depreender claramente as intenções de seus formuladores, o mesmo não
ocorre com instituições criadas, extintas ou alteradas. O exame destas pode
mostrar-se valioso metodologicamente ao permitir, com maior facilidade e
precisão, que sejam empiricamente reveladas intenções, planos e projetos,
porquanto em geral resultam de atos deliberados, que precisam ser materialmente
expressos não só “fisicamente” (caso de órgãos, institutos, ministérios,
associações), como pela escrita (caso de leis, códigos e alguns símbolos) ou pela
linguagem oral (caso de discursos e entrevistas, por exemplo)” 57.
Aplicando uma visão ampla e histórica ao conceito de instituição, associando o mesmo
a “estruturas, organizações ou conjunto de leis, abarcando, portanto, por exemplo, a moeda,
o sistema jurídico, as corporações, o sistema financeiro e os organismos econômicos
58
internacionais” , o autor conclui que uma observação detalhada sobre o conjunto de
instituições criadas no primeiro governo Vargas, desde o seu início, não deixa dúvidas de que
esse governo procurou intencionalmente criar as condições para o desenvolvimento de um
capitalismo industrial no Brasil, que teria por sua base de realização o seu mercado interno.
Embora ressaltando que se é verdade que esse projeto não nasceu pronto e acabado logo após
a Revolução de 1930 foi se fortalecendo ao longo dessa década e, mais ainda, durante o
Estado Novo.

Afirma que várias leis, órgãos, ministérios institutos que visavam ao longo prazo
tinham por fim, direta ou indiretamente, o favorecimento consciente da industrialização no
país:

“[...] a industrialização brasileira na década de 1930 não pode ser reduzida a mero
subproduto da defesa dos interesses cafeeiros, ou da política de valorização do café.
Ao centrar-se nas políticas econômicas instrumentais – monetária, cambial e fiscal
– Furtado não explorou a ação estatal em um sentido mais amplo, englobando a
criação e/ou alteração de leis, códigos, órgãos ministérios, regulamentação de
relações de propriedade, enfim, toda uma rede que pressupõe regras, normas e
comportamentos que passaram a caracterizar toda uma época, em fim, instituições,
que revelam a consciência e a intencionalidade do governo de direcionar a
economia para o mercado interno, sob a liderança do setor industria" 59.
Assim, embora existam correntes que compreenderam o período inicial do primeiro
governo Vargas como um período no qual não havia um claro projeto e uma tendência
industrializante, é possível, inversamente, notar a existência de uma outra tradição de
pensamento, que observa nesse governo a preocupação em reorientar a economia e dar curso,

57
FONSECA, Pedro Cesar Dutra da. op. cit. , p. 134
58
FONSECA, Pedro Cesar Dutra da. op. cit. , p. 135
59
FONSECA, Pedro Cesar Dutra da. op. cit. , p. 147
52

via maior aparelhamento estatal, a um processo de construção de um padrão de acumulação


urbano e industrial, sustentado em seu mercado interno.

O fato de algumas interpretações enfatizarem a prática de uma política econômica


ortodoxa e a inexistência de objetivos industrializantes nos períodos iniciais do primeiro
Governo Vargas relaciona-se, no nosso entendimento, fundamentalmente, a duas questões: as
características do conflito armado que conduziu Vargas à Presidência da República e a
subestimação do impacto das crises econômicas e políticas do período sobre as ações do
governo em seus primeiros anos.

Se é verdade, como foi dito anteriormente, que a Revolução de 1930, não representou
um movimento classista de tomada do poder por parte da Burguesia Industrial, isso não quer
dizer que a mesma se alijou do processo após a definição do resultado do conflito armado. A
inexistência de uma clara hegemonia política entre as classes e frações de classes gerou uma
situação na qual o Estado passou a ser um palco de disputas entre diferentes grupos, que
expressavam diferentes modelos de desenvolvimento para o país60.

Assim, o fato da burguesia industrial não ter se comportado como um agente


destacado na luta pela tomada do poder não impediu que esta fosse se infiltrando no aparelho
de Estado, chegando a ocupar cargos chaves na composição do novo governo. É indubitável
que, no contraditório e complexo processo que se seguiu à instauração do novo governo, os
grupos ligados à indústria e à produção para o mercado interno se organizaram61, alcançaram
algumas vitórias e conseguiram fazer valer seus interesses.

Por isso, a tendência industrializante, que o Estado passou a encampar não quer dizer
que o mesmo assumiu características clarividentes e todo-poderosas. As disputas e os
conflitos de interesses que se estabeleceram no seu interior impuseram a necessidade de que
as medidas a serem tomadas fossem constantemente negociadas e regulamentadas. Disso
decorreu, a necessidade, também, de seu maior aparelhamento mediante a criação de
instâncias burocráticas voltadas a administrar interesses conflitantes.

60
Ver DRAIBE, Sônia Mirian. Rumos e metamorfoses: as alternativas de industrialização no Brasil, 1930-
1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 50.
61
Como exemplo disso podemos indicar a organização do empresariado industrial em uma série de associações e
a participação de lideranças industriais em diferentes instancias de poder e governamentais. Stanley Stein
observa que, já em 1.931, os industriais Jorge Street e Manuel Guilherme da Silveira ocuparam importantes
cargos no governo: no Banco do Brasil e na Divisão de Indústria do Ministério do Trabalho, respectivamente.
Ver STEIN, Stanley. Origens e evolução das indústrias têxteis no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro:
Campus, 1979, p. 140.
53

Tal situação torna-se ainda mais evidente se contextualizarmos as disputas que


ocorriam: estas se davam num momento de grave crise econômica, cuja magnitude obrigou ao
governo a definir instrumentos e encaminhamentos destinados a domesticá-la e a impedir o
seu aprofundamento. Nesse sentido, é compreensível que, primeiramente, se pensasse e se
implementassem medidas de estabilização de curto prazo. Isso, associado à tensão política
existente, dificultava que as ações tomadas tivessem um encaminhamento linear,
caracterizando-se, muitas vezes, por uma série de “idas e vindas” e obrigando Vargas a ter um
comportamento extremamente conciliatório. É normal, portanto, que uma grande quantidade
de medidas, algumas até mesmo inócuas e desconexas, tenham sido apresentadas, enquanto
outras foram postergadas, à espera de uma maior definição das classes e alianças de classes
que se estabeleceriam no controle do Estado e na definição dos rumos impressos à
economia62.

Em relação ao próprio Vargas, se é verdade que o seu comportamento era o de não se


antecipar aos conflitos, aguardar os resultados e somente tomar um encaminhamento quando
o rumo já tivesse se definido, não é menos verdade que é possível afirmar que o mesmo
também era adepto de um projeto industrializante para o país calcado em seu mercado interno
e conduzido por um Estado interventor. Devemos lembrar que, apesar de ser originário de
uma família de estancieiros sulistas, sua carreira intelectual e política esteve ligada ao
Positivismo gaúcho. Na teoria positivista encontramos uma forte identificação entre
modernização, diversificação econômica e industrialização e, ainda, uma ênfase no Estado
como agente harmonizador da sociedade e condutor do progresso, sempre identificado com a
industrialização. Por outro lado, o Rio Grande do Sul era um estado tradicionalmente voltado
para a produção destinada ao mercado interno, não é por acaso que os sulistas, da geração de
Vargas, advogavam constantemente a revogação dos obstáculos que impediam a unificação
do mercado nacional.

Tal avaliação da posição de Vargas é corroborada pelo depoimento de sua sobrinha, a


socióloga Celina Vargas, a seguir transcrito, citando o caderno de anotações introdutório do
Diário de Vargas:

“Getúlio tinha um projeto nacional. Um projeto nítido, claro, que foi colocado no
programa da Aliança Liberal, em textos manuscritos deles e que até hoje não foram
divulgados. Estavam num caderno introdutório do diário que nos convencionamos
não divulgar para não tirar a unidade do diário. Nesses textos, ele coloca muito

62
Ver CAMARGO, Aspásia A. A questão agrária: crise de poder e reformas de base (1930-1964), In
FAUSTO, Bóris (org.). História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1981, t. III, vol. 3, p.
128.
54

claramente a sua importância, num programa de governo que deveria fortalecer o


mercado interno do país. Getúlio era gaúcho, Getúlio via o país do pampa, vamos
dizer assim, de trás para frente. Dos rios para o mar, e não do mar para o interior.
É uma visão completamente diferente do Brasil. Acho que foi com essa visão e com
conjunto de pessoas que vieram com ele – Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e João
Neves da Fontoura que eram homens altamente preparados intelectualmente e
tinham um modelo de país que foi institucionalizado nesses 15 anos. Então, havia a
necessidade de fortalecer o mercado interno, a necessidade de capitalizar o Estado,
para que você pudesse intervir na economia – foi o período do capitalismo de
Estado, como diz o professor Hélio Jaguaribe. Quando foi possível tomar medidas
de sustentação, de passagem de uma economia agrícola para uma economia
industrial [...] “63.
Se, em relação aos períodos iniciais do primeiro governo Vargas, existem divergências
acerca do caráter industrializante da ação dos novos dirigentes do Estado brasileiro e do seu
compromisso com a construção de uma nova ordem capitalista no Brasil, sustentada pelo seu
mercado interno, em relação ao período do Estado Novo estas divergências praticamente se
dissipam. É praticamente consenso que, a partir desse momento, a direção imposta aos
assuntos econômicos se encaminhava no rumo da industrialização, a partir da ampliação da
centralização política e da capacidade de intervenção do Estado, sob forte nacionalismo.

É interessante observar que, apesar das polêmicas existentes sobre a intencionalidade


da política industrializante no período anterior, muitos analistas enxergam o regime instituído
pelo golpe de novembro de 1937, como o aprofundamento da Revolução de 193064. Segundo
vários analistas, foi nesse período, sob um regime ditatorial, que o Estado consolidou a sua
capacidade de intervenção nos assuntos políticos, administrativos, econômicos, sociais,
jurídicos e internacionais a partir da instituição de várias órgãos e instrumentos legais65,
exacerbou a centralização estatal, sendo “considerado como implementador e construtor de
uma política econômica nacionalista industrializante” 66.

Dessa maneira, é possível afirmar, com convicção, que o processo de centralização e


intervencionismo estatal, que se inicia em 1930 e se aprofunda em 1937, esteve
profundamente relacionado com os objetivos de construção de um novo modelo de
capitalismo no Brasil, de características industriais, baseado na constante ampliação e
integração de seu mercado interno. Assim, criou-se nesse período a visão de que ao Estado
cabia o papel de regulamentador da vida nacional. É lícito, pois, imaginarmos que os
deslocamentos populacionais passassem a ser, também, objeto de políticas que procurassem
63
Entrevista de Celina Vargas in: DINES, Alberto; FERNANDES Jr., Florestan; SALOMÃO, Nelma (orgs.).
Histórias do poder: 100 anos de política no Brasil. Volume 3: visões do executivo. São Paulo: Editora 34, 2000,
p.36
64
NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p. 46
65
SOLA, Lourdes. op. cit., p. 266.
66
NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p. 43
55

controlá-los e encaminhá-los no sentido de se adequarem às novas perspectivas de


desenvolvimento.

O Estado, neste sentido, envolveu-se, também, na organização de novas políticas


relativas aos deslocamentos populacionais, via criação de novos instrumentos legais,
instituições e programas numa perspectiva racionalizadora e planificada, e como
procuraremos demonstrar, mais adiante, voltada a integrar e ampliar o mercado interno e a
construir um mercado de trabalho verdadeiramente nacional.
56

Seção 4

A nova organização institucional: planificação, racionalização e estímulo à


industrialização.
De acordo com algumas perspectivas teóricas que analisam a questão do
desenvolvimento econômico de países que adentraram ao capitalismo pela chamada via
colonial e que se estabeleceram, desta forma, como países exportadores de produtos
primários, o Brasil só poderia alcançar esse mesmo desenvolvimento com base em seu
mercado interno, rompendo, por meio de uma certa planificação e racionalização da atividade
econômica, com as políticas econômicas vinculadas à tradição liberal.

Assim, se consideramos o momento que nos ocupa como o momento em que o país dá
um salto em direção ao desenvolvimento, contando, para tal com o efetivo apoio do Estado,
devemos considerar, também, que a integração e a ampliação do seu mercado interno se
colocavam como necessidades precípuas. Essas são, portanto, tarefas fundamentais que
orientaram parcelas importantes das ações do governo Vargas no processo de reorganização
institucional e definição dos seus métodos de intervenção.

Esse momento pode ser considerado como de desencadeamento de um processo


histórico de desenvolvimento econômico, pois representou a entrada da economia brasileira
num novo padrão de acumulação, no qual a produção destinada ao mercado interno passou a
ser o setor dinamizador da economia. Essa idéia de processo histórico de desenvolvimento é
bastante importante, pois implica considerarmos que nesse momento temos o encerramento de
uma etapa do desenvolvimento brasileiro e o início de outra e, também, porque esse processo
ocorreu num intervalo de tempo significativo, obedecendo a etapas determinadas.

A viragem da atividade econômica para o mercado interno possibilitou sua


diversificação, maior especialização e produtividade. Contudo, apesar do grande crescimento
da atividade industrial, a partir do início da recuperação econômica em 1933, o estágio de
desenvolvimento alcançado no período estudado foi pequeno.

Nesse período, o desenvolvimento alcançado foi uma industrialização substitutiva de


importações extensiva ou restringida. Aí a produção industrial se concentrou no setor de bens
de consumo, necessitando, portanto, da importação de bens de capital e intermediários, o que,
por sua vez, dependia da manutenção da capacidade de importação, obtida com exportação de
produtos primários. Esse setor industrial não exigia alta tecnologia , pois as máquinas e
equipamentos necessários eram facilmente encontráveis no mercado mundial, enquanto a
57

mão-de-obra não precisava ser altamente qualificada e nem o investimento inicial de capital
era grande.

Esse modelo de industrialização pôde deslanchar com indústrias que foram se


constituindo ao longo do período exportador e que, a partir desse momento, deixaram de se
desenvolver como setor subordinado à agricultura de exportação. O mercado brasileiro
praticamente cativo, em decorrência dos estrangulamentos do mercado internacional,
possibilitou que a industrialização ganhasse autonomia e passasse a constituir-se na atividade
econômica que iria ditar o ritmo de acumulação no país.

Se é verdade que essas indústrias alcançaram, com as condições políticas e


econômicas da época, os meios necessários para dar início a um processo histórico de
desenvolvimento econômico no Brasil, a tecnologia e o capital incipientes se comparado às
indústrias dos paises centrais, implicavam imperativo de um constante ganho de escala para
que seus preços continuassem vantajosos em relação aos produtos industrializados
importados, mesmo com toda a restrição existente para a sua importação. Isso implicava
considerar a questão do tamanho e da disponibilidade do mercado interno brasileiro

Embora, em tese, o mercado interno pudesse ser considerado coincidente com os


limites geográficos do país e com a população existente, ele não era unificado. Encontrava-se
compartimentado por uma variedade de complexos exportadores regionais, o que lhe dava a
67
característica de um verdadeiro “arquipélago econômico” . Essa desintegração econômica
originou, por sua vez, uma grande desintegração física na medida em que não existia uma
rede de transporte que interligasse, de forma racional, as diferentes regiões do país e
facilitasse a circulação de mercadorias. Além disso, o aproveitamento do seu generoso
tamanho também era obstado pela existência de grandes áreas despovoadas, devido à
concentração da atividade nas faixas litorâneas e à desigualdade na distribuição da população.

Os aspectos acima apontados colocavam na ordem do dia, não só a questão da


disponibilidade do mercado interno para a produção nacional, como também a sua integração
e constante ampliação. A disponibilidade do mercado exigia o estabelecimento de medidas
protecionistas, que basicamente se encontravam garantidas pelo estrangulamento do comércio
externo, e a existência de um setor industrial que pudesse concorrer, com poucas
desvantagens, com a produção estrangeira.. Isso explica o caráter restrito ou extensivo da
produção industrial e sua concentração no setor de bens de consumo, já que esse possuía um

67
VARGAS, Getúlio. Diretrizes. op. cit., p. 285.
58

desenvolvimento prévio e possibilidade de acesso a tecnologias bastante difundidas no


mercado mundial e pouco intensivas em capital.

A integração do mercado necessitava da eliminação de barreiras econômicas à livre


circulação de mercadorias exigindo a constituição de uma rede de transportes que interligasse,
de maneira mais consistente, as diferentes regiões do país, apesar da existência de uma malha
ferroviária que atendia as necessidades dos setores exportadores, principalmente o cafeeiro.

A ampliação do mercado, por sua vez, implicava a necessidade de se transformar as


frentes de expansão em regiões produtoras e consumidoras de mercadorias, anexando-as ao
desenvolvimento capitalista e, ao mesmo tempo, de se coordenar esses movimentos de
maneira que permitissem a conquista de novas áreas, incorporando-as definitivamente ao
mercado nacional. O tamanho do mercado interno nacional, por isso, indicava a preocupação
com a integridade do território e, consequentemente, com a defesa e a segurança nacional.
Tais elementos impuseram às políticas colonizadoras uma importância fundamental.

As políticas colonizadoras, juntamente com um processo de industrialização limitado


ao setor de bens de consumo, por isso dependente da importação de máquinas, de
equipamentos e de matérias-primas industriais, ressaltam o papel que começou a ser atribuído
à agricultura que, como produtora de mercadorias exportáveis, continuou a desempenhar uma
função relevante na obtenção das divisas necessárias à manutenção da capacidade de
importação brasileira, cada vez mais a se voltada para bens de capital e intermediários.

Outro aspecto relevante, foi o fato da agricultura aprofundar a sua importância como
produtora de gêneros alimentícios e de primeira necessidade para o abastecimento das
populações urbanas e de matérias-primas para as indústrias68.

As preocupações aqui apresentadas: disponibilidade e proteção do mercado para a


produção nacional; sua integração econômica e física, por meio da derrubada de barreiras que
se antepunham à circulação de mercadorias e da apresentação de planos viários e de
transporte; políticas de colonização; agricultura como componente fundamental do
desenvolvimento capitalista industrial, estiveram presentes na definição e no encaminhamento
das instituições criadas no período. Instituições em seu sentido amplo, expressas por leis,
órgãos e comportamentos. O maior aparelhamento do Estado brasileiro, no período do
primeiro Governo Vargas está, portanto, relacionado com a necessidade de amparar o

68
Tal situação já ocorria no modelo precedente, mas, a partir desse momento, tais preocupações aumentaram, e
em muito, de intensidade.
59

processo de desenvolvimento em curso. A verificação dos órgãos instituídos e de alguns


instrumentos legais nos permite argumentar neste sentido.

Nos três lustros do 1º. Governo Vargas, foram criados 37 órgãos ligados aos objetivos
de intervir e coordenar a atividade econômica no país. Alguns desses órgãos estiveram
voltados a algum ramo específico da economia, enquanto outros procuravam coordenar
diferentes atividades e ramos econômicos, tais como a agricultura e a indústria, incentivando a
69
formação de indústrias naturais . Embora não se cogitasse, ainda, na prática, de um
planejamento econômico, verificamos que já existia na época a preocupação em induzir e
dirigir setores econômicos para além das forças de mercado e coordenar esforços no sentido
de se alcançar objetivos determinados.

Uma rápida observação nesses órgãos criados pode nos mostrar isso:

QUADRO 2
INSTITUIÇÕES, VOLTADAS A FOMENTAR O DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO,
CRIADAS NO 1º. GOVERNO VARGAS

Número Órgão Criado


1930
1 Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
1933
2 Departamento Nacional do Trabalho
3 Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA
1934
4 Conselho Federal de Comércio Exterior – CFCE
5 Plano Geral de Viação Nacional
6 Comissão de Similares
1937
7 Conselho Técnico de Economia e Finanças
Após o Estado Novo
1938
8 Conselho Nacional do Petróleo – CNP
9 Departamento Administrativo do Serviço Público

69
FONSECA, Pedro Cesar Dutra da. Sobre a intencionalidade .op. cit. , p. 144. Segundo esse autor, indústrias
naturais era o outro nome dado à época ao que conhecemos hoje, também, por agroindústrias.
60

10 Instituto Nacional do Mate


11 Instituto Nacional de Estatísticas – Futuro IBGE
12 Conselho de Colonização e Imigração – CIC
1939
13 Plano Nacional de obras públicas e Aparelhamento de defesa
14 Conselho de Águas e energia
1940
15 Comissão de defesa Nacional
16 Instituto Nacional do Sal
17 Fábrica Nacional de Motores
18 Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional
1941
19 Companhia Siderúrgica Nacional
20 Instituto Nacional do Pinho
21 Comissão de Combustíveis e Lubrificantes
22 Conselho Nacional de Ferrovias
1942
23 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI
24 Banco de Crédito da Borracha
25 Comissão do Vale do Rio Doce
1943
26 Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT
27 Companhia Nacional de Álcalis
28 Comissão de Financiamento da Produção
29 Coordenação de Mobilização Econômica
30 Fundação Brasil Central
31 Serviço Social da Indústria - SESI
32 Plano Nacional de Obras e Equipamentos
1944
33 Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial
34 Serviço Nacional do Trigo
35 Instituto Nacional do Pinho (reorganização)
36 Comissão de Planejamento Econômico
61

1945
37 Superintendência da Moeda e do Crédito - SUMOC
Fontes: FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. Vargas: o capitalismo em construção. São
Paulo: Brasiliense, 1987, p.144 e NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. A ordem nacionalista
brasileira. São Paulo: Humanitas, 2002, p. 84-94.

Como é possível perceber desde o seu início, o governo procurou criar organismos
voltados a intervir nas atividades e assuntos econômicos, embora o número tenha aumentado
significativamente após 1937. A maioria dos órgãos criados voltava-se a apoiar o
desenvolvimento econômico calcado no mercado interno e na produção industrial substitutiva
de importações ou mesmo a criar as bases para um desenvolvimento industrial ulterior mais
vigoroso. Mesmo aqueles mais específicos e ligados ao setor primário não visavam a um
retorno à situação anterior, articulavam-se às novas funções atribuídas a esse setor: o
abastecimento interno das cidades e das indústrias, em franco crescimento, e à exportação
visando à obtenção de divisas necessárias para a criação, ou manutenção, da capacidade de
importação de máquinas e equipamentos. A preocupação com a defesa do mercado e da
produção nacionais também é patente em vários destes organismos.

Alguns dos órgãos mais importantes do período, que aparentemente não se vinculavam
à defesa de um desenvolvimento econômico baseado na produção e no mercado internos,
assumiam algumas atribuições que favoreciam o alcance desses objetivos. Estes são os casos
do CFCE e do DASP. O primeiro devido à sua preocupação em discutir problemas relativos
às trocas internacionais, em promover o aumento das exportações e do consumo interno da
produção nacional, definia medidas protecionistas a serem tomadas. O segundo, ao procurar
criar uma burocracia estatal de âmbito nacional, que superasse as influencias oligárquicas na
gestão do Estado, aprofundando o caráter técnico na administração pública, acabou,
juntamente com suas filiais estaduais conhecidas por “daspinhos”, por centralizar a estrutura
administrativa, facilitando a superação de barreiras interestaduais, anteriormente existentes.

Por outro lado, podem ser observados órgãos voltados a defender a integridade
territorial brasileira e a estabelecer políticas de ocupação desse território por meios da
migração e da colonização, tais como o CIC e a Fundação Brasil Central, sem os quais não
seria possível realizar a ampliação do mercado interno brasileiro.

Os mesmo princípios que nortearam a criação dos vários órgãos governamentais acima
indicados estiveram presentes na definição de uma série de instrumentos legais. Já no início
do governo provisório, os estados sofreram intervenção federal, os impostos interestaduais
62

foram abolidos e os estados perderam a autonomia de contraírem empréstimos no exterior.


Essas duas últimas medidas foram consagradas, posteriormente, pela Constituição
promulgada de 1934 e pela constituição outorgada de 1937.

A reforma tributária de 1934, atendendo a interesses e pressões industrialistas,


estabeleceu uma tarifa agregada de 15% voltada especificamente à produtos industriais e, por
isso, converteu-se em importante medida protecionista.

Alguns tratados e acordos comerciais expressaram claramente o objetivo de se utilizar


a exportação de produtos primários como forma de se alcançar a importação de máquinas,
equipamentos e matérias-primas industriais. Exemplos disso podem ser observados na
assinatura do tratado de comércio com os EUA, em 1935, no qual produtos como café, cacau
e borracha possibilitavam uma redução variável, de 20% a 60%, na aquisição de máquinas,
equipamentos e aço70 e na prática do comércio de compensação com a Alemanha, em que o
algodão era “trocado” por bens de capital e armamentos para as forças armadas.

Durante o Estado Novo, com a iminência da deflagração da Segunda Grande Guerra e


a sua eclosão, a política externa brasileira adotou princípios ainda mais evidentes de avançar
um projeto de desenvolvimento nacional71. Os acordos estabelecidos com os EUA, visando o
financiamento da implantação da Usina Siderúrgica de Volta Redonda e da Companhia Vale
do Rio Doce, são, indubitavelmente, as suas maiores expressões.

Há que se ressaltar, ainda, a forte ação do governo no sentido de se criar uma


consciência social favorável ao processo de desenvolvimento em curso. Indicações nesse
sentido já são perceptíveis em Vargas, que desde o lançamento de sua candidatura
presidencial pela Aliança Liberal, em 1929, afirmava:

“Uma política estritamente financeira não poderá vingar, se não houver,


paralelamente, a política de desenvolvimento econômico. É preciso examinar o
ambiente da nossa atividade, o balanço de nossas possibilidades, os obstáculos a
transpor, para determinação do rumo a seguir. O problema do nosso
desenvolvimento se resume em produzir, produzir muito e barato. Para abastecer
nossos mercados internos e exportar o sobejo às nossas necessidades”72.

70
FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p.141.Segundo este autor, tal tratado concedeu vantagens à entrada
desses produtos agrícolas brasileiros no mercado norte-americano em troca de uma redução de 20% a 60% nas
tarifas de importação sobre máquinas, equipamentos e matérias-primas industriais norte-americanos. Embora
essa iniciativa tenha sido objeto de críticas por parte de alguns industriais brasileiros, ao permitir a entrada de
alguns bens de consumo, para o autor, ela privilegiou a importação de bens de capital e intermediários
necessários ao desenvolvimento industrial brasileiro e, por isso, demonstrou efetivamente a intenção
governamental em aprofundar a industrialização.
71
CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo... op. cit., p. 54
72
VARGAS, Getúlio. Diretrizes... op. cit., p.
63

Encontramos, em outras passagens de discursos de Vargas, a defesa do mercado


interno e da indústria nacional como as bases da garantia da soberania e do progresso
nacional, termo esse que foi sendo substituído, paulatinamente, por desenvolvimento
econômico, cuja necessidade de alcance explicava e legitimava as novas formas de ação
estatal, bem como o arcabouço jurídico, político e administrativo que estava sendo
instituído73.

Nesses termos, muito mais que necessidade prática, frente ao contexto de crise
econômica ou que uma conseqüência não intencional das políticas de combate à mesma, o
desenvolvimento econômico, calcado no mercado interno, configurou-se como uma ideologia.
De tal forma, que grupos intelectuais e políticos defensores desses princípios passaram a
gozar de enorme prestígio, a exercer influências no aparelho de Estado e a encontrar
receptividade na difusão de suas idéias, principalmente durante o Estado Novo, por meio dos
instrumentos de divulgação instituídos pelo DIP74.

Intelectuais como Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos, Cassiano


Ricardo, Nelson Werneck Sodré, que, apesar das diferenças entre eles, partilhavam da visão
da necessidade de um Estado forte e interventor como forma de se alcançar a modernização, a
soberania nacional e a construção da nacionalidade eram presenças constantes nos debates
sobre os rumos do país, encontraram terreno fértil para divulgação de suas idéias e exerceram
fortes influências na determinação das políticas que foram encaminhadas.

Dessa forma, os interesses ligados ao desenvolvimento econômico sustentado no


mercado interno encontraram forte guarida no arranjo institucional formulado durante o
primeiro governo Vargas. Muito mais que apoio, receberam do governo a possibilidade de
interferência direta na definição dos encaminhamentos necessários à construção de uma nova
ordem capitalista no Brasil.

É importante ressaltar, contudo, que apesar da grande quantidade de medidas


implementadas pelo Estado, por meio de organismos oficiais, instrumentos legais e
ideológicos, destinadas a favorecer o desenvolvimento sustentado no mercado interno, não se
cogitou, em momento algum, na estatização da economia. O compromisso do Estado se
estabeleceu com o capital privado. O Estado só intervinha diretamente onde o investimento

73
Ver FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p. 142 e 143
74
Exemplos nesse sentido podem ser encontrados nas revistas Cultura Política e Ciência Política, bem como na
influência que muitos intelectuais exerceram sobre vários ministérios, principalmente sobre o Ministério da
Educação. Ver SCHWARTZMAN, Simon et al. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo:
Edusp, 1984, apêndice.
64

privado fosse de impossível ou de difícil realização, seja por insuficiência ou desinteresse do


capital privado. Procurou-se agir indiretamente, criando meios para que o Brasil se
desenvolvesse.

O caráter limitado das medidas, a insuficiência de muitos dos resultados alcançados


não devem, portanto, ser creditados ao alheamento do governo ou à sua inconsciência em
relação aos objetivos de desenvolvimento ou, ainda, ao fato de que esse desenvolvimento
tenha resultado de um subproduto não intencional de uma política de defesa do setor
exportado, mas às fortes disputas que se estabeleciam no Estado, como expressão de conflitos
de interesses divergentes, da ausência de uma tradição de planejamento e, sobretudo, do
caráter inicial de uma preocupação nacional desenvolvimentista, que se desdobrava na
ausência de quadros e de maiores referências teóricas e intelectuais.

Mesmo assim, embora nesse momento, as práticas e um pensamento


desenvolvimentista de cunho nacional estivessem em estágio inicial, algumas questões foram
encaminhadas e se tornaram a base sobre a qual se encaminhou desenvolvimento ulterior da
industrialização, no período pós-guerra.

Os empresários, cujos interesses se vinculavam ao mercado interno, alcançaram, com


a ampliação de sua influência ou participação direta em várias arenas decisórias, a criação de
canais de contato com as instâncias burocráticas e um favorecimento por parte do Estado. Os
trabalhadores ganharam uma razoável quantidade de medidas legais, destinadas ao
atendimento de suas reivindicações, ao mesmo tempo que foram tomadas ações para controlá-
los e utilizá-los como instrumentos de construção de um novo espaço econômico nacional.
Por meio dos fluxos migratórios, os trabalhadores passaram a cumprir as funções de abastecer
o mercado de trabalho, em suas vertentes urbana e rural, e de introduzir novas áreas nos
circuitos econômicos.

Foi na confluência desses dois processos: o favorecimento aos processos de


integração do mercado interno, inclusive o de trabalho, de maneira a favorecer a acumulação
industrial, e a conversão dos trabalhadores em instrumentos da realização desses objetivos,
que as políticas relativas aos deslocamentos populacionais, que foram sendo elaboradas e
implementadas no período, procuraram efetivamente exercer o seu papel.
65

Seção 5

O predomínio da cidade sobre o campo


Outro aspecto importante e que indica o compromisso com a construção de uma nova
ordem capitalista, urbana e industrial, no período que estamos analisando, é o claro
predominio das concepções de mundo expressas pelo meio urbano sobre aquelas oriundas do
meio rural. O novo ritmo do desenvolvimento e a ênfase na produção industrial como fator
dinâmico da economia nacional fizeram com que as cidades, principalmente os centros
urbanos que cresciam mais aceleradamente como São Paulo, fossem identificadas como o
moderno e que as regiões tradicionais da produção agrícola, ou as frentes de expansão
econômica, passassem a ser consideradas atrasadas. Tais elementos que já se encontravam no
período anterior ganharam a partir dos anos de 1930 e 1940, uma nova e intensa expressão.

O modernismo, ao procurar enfatizar a modernidade, sob um viés nacionalista, desde o


início se deparou com o paradoxo de defender esses princípios em um país atrasado e
dependente. Entendia que essa situação de atraso e dependência era fruto da dominação
política e econômica de uma oligarquia rural e exportadora, a quem passou denominar de
“carcomidos” e que possuía no campo, por meio das relações personalistas e clientelistas, as
bases de seu prestígio. Por isso, e devido à sua base urbana, o modernismo passou a
identificar o campo brasileiro como um lugar de ausência de dinamismo e no qual os impulsos
modernizadores eram muito fracos. Tal visão também se estendia às áreas de expansão
econômica, principalmente àquelas que haviam ficado à margem do explosivo crescimento
provocado pela marcha pioneira do café, que passaram a ser identificadas como “regiões
adormecidas”, “Sertão”, “Amazônias”75.

Dessa maneira, criou-se uma visão de que a modernização do campo brasileiro deveria
ser resultado de uma ação externa, preferencialmente levada a cabo por um governo forte e
interventor, por meio de medidas técnicas, ou seja, por medidas que permitissem “a
76
intervenção das instituições urbanas” sobre a problemática do campo, no sentido de sua
dinamização.

75
É interessante notar que as regiões do Vale do Ribeira e do Sudoeste Paulista que haviam ficado à margem da
marcha pioneira do café eram denominadas por técnicos da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo
como “Amazônia Paulista”. A própria denominação dessas regiões vinculadas a elementos naturais ou cardeais,
em oposição às outras regiões do estado cuja denominação ficou vinculada às companhias ferroviárias (como por
exemplo: Paulista, Alta Paulista, Mogiana) que as integraram economicamente, nos dá a dimensão de seu
relativo atraso.
76
MARTINS, José de Souza. Capitalismo... op. cit, 1975, p. 4
66

Além da preocupação com a modernização de campo brasileiro, o nacionalismo, como


outra face do modernismo que impregnava a atmosfera intelectual urbana, também esteve
presente. A preocupação com a falta de integração econômica e com a presença de um grande
número de trabalhadores e famílias estrangeiras, atuando nas áreas mais dinâmicas do interior
do país, o que poderia indicar o risco da fragmentação do território, levou a que se optasse
pelo trabalhador nacional como o agente dessa empreitada.

Assim, a idéia de modernização do campo, vinculava-se à idéia da defesa da


integridade da nação e de sua reconstrução como parte de uma expansão da ordem capitalista
em todo o território nacional

“[...] Um governo forte era tacitamente esperado e, quando concretizado, foi bem
aceito por amplos setores da intelectualidade. [...] Tal ambiência cultural
possibilita que, na segunda metade dos anos 30, sob a Égide do Estado, se leve às
últimas conseqüências a ideologia organicista e antiliberal que, forte na tradição
brasileira, desde os anos 20 vinha se radicalizando pela crise da ordem oligárquica
e pelas críticas ao caráter excludente do liberalismo consagrado pela constituição
de 1891. [...] cria – à esquerda e à direita – enorme consenso entre a
intelectualidade quanto à necessidade de unificação do país, além de radicalizar a
perspectiva de que somente o Estado, sobrepondo-se ao particularismo, ao
clientelismo e ao caráter “clânico” da sociedade, poderia realizar a construção da
nação e a modernização da sociedade (ainda que em algumas versões como o
integralismo, a construção da nação se fizesse numa obra contrária à
modernização)” 77.
Um aspecto, entretanto, permanecia “em aberto”: os trabalhadores rurais brasileiros
encontravam-se muito marcado por visões pejorativas. Eram, principalmente o pequeno
proprietário e o posseiro, identificados com aspectos negativos da cultura caipira, como
pessoas que se contentavam em viver em uma economia de subsistência, cultivando a terra
com técnicas extremamente rudimentares, próximas das influências indígenas78. Eram
portanto, considerados como indisciplinados, arcaicos e incapazes de produzir para o
mercado.

Tais concepções se vinculam à problemática migratória do período, pois se inserem


num processo de reflexão acerca do papel que deveria ser reservado às políticas colonizadoras
como fator de modernização do campo e de construção de um novo tipo de trabalhador rural
brasileiro. A questão colonizadora era encarada por técnicos do Ministério da Agricultura e de
estudiosos do problema migratório na época como forma de se criar o novo trabalhador rural
brasileiro:

77
LAHUERTA, Milton. Os intelectuais e os anos 20: moderno, modernista, modernização. In: COSTA,
Wilma Peres da e LORENZO, Helena Carvalho de (orgs.). A década de 1920 e as origens do Brasil moderno.
São Paulo: UNESP/FAPESP, 1997, p. 100 e 101.
78
Tal visão se encontra expressa nas análises feitas por WAIBEL, Leo. Capítulos de Geografia Tropical. Rio
de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia, 1979, p. 260.
67

“A marcha para Oeste, com seu projeto de implantar colônias agrícolas com
trabalhadores nacionais, vai por esta razão, dar-se por tarefa discipliná-los e
educá-los para o trabalho. [...]Somente saneado e educado poderia o trabalhador
nacional cumprir as grandiosas tarefas civilizatórias a que estava
destinado.[...]Mas tal objetivo dependia de um projeto centralizado, racionalizado,
científico, que submeteria à tutela do Estado a trajetória – migratória e moral - do
trabalhador feito colono”79.
A construção do novo homem rural, mais produtivo e disciplinado ao trabalho era,
portanto algo que para se realizar dependia da interferência e da planificação, que só poderia
ocorrer pela intervenção das concepções de mundo urbanas. Aspecto esse que ressalta a
afirmação de que, nesse momento, estávamos enfrentando um processo de construção de uma
nova ordem capitalista, cujo “lócus” da acumulação se deslocava do campo para as cidades.

Segundo Martins80, esse processo reflete a necessidade de fazer com que o mundo
rural converta-se em produtor e consumidor de mercadorias, ou seja, de inseri-lo como parte
constituinte do mercado nacional, mesmo que em tal processo, a produção rural assuma uma
característica fortemente extensiva, aspecto favorecido pelos enormes fundos territoriais
brasileiros:

“[...] só existe o problema agrário na medida em que o mundo urbano está na


dependência do mundo rural, seja quanto às necessidades crescentes do mercado,
seja quanto às necessidades de preços baixos no item alimentação, para ampliar a
faixa de suas disponibilidades financeiras, que condiciona a sua participação no
consumo dos itens de origem industrial. Assim, o mundo rural só se configura
historicamente como integrante do mercado nacional e apenas na medida em que é
capaz de suportar a constituição real e ideal do mundo urbano ou de não perturbá-
la. [...] a tônica desses programas é a produtividade (em geral, maior produto por
unidade de área); raramente fala-se em rentabilidade do capital empenhado na
produção agrária (lucro por unidade de capital). [{...}.] o produtor não pode valer-
se de um conhecimento prévio do que vai receber para fixar os custos e, assim,
associar a produtividade e rentabilidade” 81.
Fica evidente, portanto, que o campo e a produção rural passaram a ocupar papéis
subordinados, embora importantes, aos processos de desenvolvimento em curso. Sua
estruturação passou a responder aos imperativos de um modelo centrado na produção urbana e
industrial, a partir de sua integração ao mercado interno, inclusive, como veremos, ao
mercado de trabalho. Dessa maneira, a questão agrária passou a ser colocada nos seguintes
termos:

“Entre as questões (relativas a um novo tipo de desenvolvimento capitalista)


assinala-se ‘a questão agrária’(mudança ou não da estrutura fundiária, sua
adequação para fornecer alimentos matérias primas para a indústria e para as
populações urbanas, liberação de mão de obra para a industrialização) [...]. As
atividades exportadoras, por outro lado, continuaram a desempenhar relevante

79
VAINER, Carlos B. Estado e migrações no Brasil: anotações para uma História das políticas migratórias in
Travessia: revista do migrante. no. 36, janeiro-abril, 2000.
80
MARTINS, José de Souza. Capitalismo...op. cit, p. 5
81
MARTINS, José de Souza. Capitalismo... op. cit p. 5 e 6
68

papel no sistema econômico, mas foram deixando de ser a variável essencial da


manutenção da renda interna para cumprir o papel de gerador de divisas, estas
essenciais para garantir as importações. Além da geração de divisas, coube ao
setor primário, via diversificação, fornecer matérias primas industriais e alimentos
às populações urbanas, embora isto já fosse encontrado no período precedente
(anterior a 1930)” 82.
Esses aspectos, de predomínio do urbano sobre o rural, procurando fazer com que o
campo se convertesse em consumidor, produtor de mercadorias e fornecedor de excedentes
populacionais para as migrações no sentido campo-cidade, dentro de um quadro de não
intervenção direta na estrutura de propriedade agrária, também estiveram na base das políticas
colonizadoras e migratórias que seriam gestadas no período em foco.

82
. FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p. 184 e 185
69

Parte II
Princípios de uma política relativa aos deslocamentos populacionais
70

A integração do mercado interno brasileiro fazia parte dos principais objetivos


perseguidos pelo novo governo que se constituiu no pós-1930. Colaborava para legitimar a
ação intervencionista que se procurava imprimir em relação à economia brasileira por meio de
uma série instituições estatais. A expansão e a integração do mercado interno brasileiro,
incluindo o mercado de trabalho, eram, pois, a forma de como se entendia tornar possível o
alcance do desenvolvimento econômico que, naquele momento, se identificava com a
industrialização.

Nessa empreitada, os deslocamentos populacionais assumiram importância


significativa, pelo simples fato de que a construção de um mercado interno, bem como a sua
integração dependiam de pessoas e de pessoas que estabelecessem relações econômicas num
espaço econômico mais amplo, de características cada vez mais nacionais. Assim pode-se
inferir que a formulação de políticas relativas aos deslocamentos populacionais se revestiu de
grande importância, assumindo um papel verdadeiramente estratégico.

Não é possível afirmar que, em seus momentos iniciais, o novo governo já tivesse uma
política claramente definida em relação aos deslocamentos populacionais. Objetivamente,
antes mesmo de qualquer medida oficial, a realidade econômica do momento já havia
começado a provocar mudanças significativas nas características dos movimentos
populacionais. A crise do capitalismo primário-exportador e o início da consolidação de uma
nova estrutura capitalista no Brasil, com a emergência de um novo padrão de acumulação
centrado na industrialização e no mercado interno, implicou mudanças nas dinâmicas
populacionais que podem denotar a introdução dos movimentos migratórios em uma nova
fase83. Essa nova fase se constituiu como uma nova modalidade de deslocamentos
populacionais, que começava a atender as novas atividades e regiões dinâmicas da economia
nacional, bem como as novas áreas que passariam a se integrar, sob sua influência, nos
processos de reprodução econômica.

Uma das novas características dos movimentos populacionais no período se expressou


por meio da supremacia numérica dos trabalhadores nacionais – vindos, em sua maioria, do
norte do estado de Minas Gerais e da região Nordeste - em relação aos estrangeiros, na
direção dos centros urbanos, principalmente São Paulo. Outra característica assumida pelos
deslocamentos populacionais é que estes voltaram-se, ainda, ao atendimento de novas
atividades agrícolas que ganharam impulso no interior paulista e das novas áreas para onde se

83
PAIVA, Odair da Cruz. Brasileiros...op. cit., p. 31
71

avançava a fronteira econômica. Nesse caso, o trabalhador nacional também passava a ser o
elemento numericamente majoritário.

O que vai pautar a ação do Estatal no período é a opção por tomar uma série de
medidas que procuravam controlar e dirigir os movimentos populacionais a objetivos voltados
para a busca do desenvolvimento econômico. A política relacionada aos deslocamentos
populacionais foi, assim, sendo construída de forma paulatina. Para a sua formulação
contribuíram uma série de elementos que foram se tornando mais claros a partir da
identificação crescente das necessidades da economia brasileira em desenvolvimento e,
também, dos vários diagnósticos acerca da realidade brasileira efetuados pelo próprio governo
e por intelectuais que o apoiavam, debatendo e indicando medidas a serem tomadas.

Apesar do caráter processual da formulação da política migratória do primeiro


governo Vargas, alguns pontos que nortearam a sua formulação, em consonância com a
preocupação em utilizá-la como instrumento fomentador do desenvolvimento, podem ser
claramente percebidos.

Um dos pontos de partida vinculava-se à perspectiva das grandes potencialidades


oferecidas pelo território brasileiro, o que colocava em pauta a preocupação com a
manutenção de sua integridade, com o seu controle nacional e com a ampliação da capacidade
da sociedade brasileira de dar encaminhamento a um processo de desenvolvimento que,
realizando-se sobre o território nacional, se mostrasse condizente com as reais necessidades
brasileiras, uma vez que o contexto nacional e internacional haviam tornado o mercado
brasileiro praticamente cativo da produção nacional.

Assim, alguns elementos se tornaram a base sobre a qual se procurou construir as


políticas relativas aos deslocamentos populacionais. Políticas essas que foram sendo gestadas
e amadurecidas com o desenrolar dos acontecimentos e cujos postulados só foram se tornando
mais claros a partir do acúmulo de reflexões, que ao mesmo tempo em que eram utilizadas
para indicar medidas a serem tomadas, serviam, também, para avaliá-las e justificá-las,
exaltando a correção das ações governamentais e seu empenho na conquista das condições
necessárias ao alcance do desenvolvimento.

A partir do exposto, podemos, dessa maneira, apontar que os elementos atuantes na


construção das políticas migratórias do período foram:

·A interdependência entre a defesa da integridade territorial brasileira, o mercado


interno e a industrialização.
72

· O Nacionalismo e a construção da nacionalidade, que por sua vez, vinculavam-se à:

· A preocupação com os estrangeiros

· A ênfase na utilização do trabalhador nacional

· A construção de um mercado Nacional de trabalho


73

Seção 1

A interdependência entre a defesa da integridade territorial brasileira, o mercado


interno e a industrialização
Como já foi apresentado anteriormente neste trabalho, o desenvolvimento brasileiro no
pós 1930, fincou-se, cada vez mais, na produção industrial brasileira. Fato esse provocado
pelos impactos da crise econômica mundial que, ao provocar uma certa desarticulação do
comércio internacional e a redução da capacidade de importação, a partir da perda de
dinamismo do setor exportador, principalmente o cafeeiro, permitiu a emergência de um novo
padrão de acumulação urbano-industrial e tornou o mercado interno brasileiro praticamente
cativo às indústrias nacionais84, com destaque para aquelas que se concentravam em São
Paulo.

É evidente que esse processo passou a reclamar a constante integração e o crescimento


do mercado interno nacional o que, por sua vez, realçam a importância da distribuição
populacional, do território brasileiro e de sua extensão continental. O território nacional
passou a assumir uma importância significativa, pois a extensão do mercado nacional
corresponderia, em tese, potencialmente à dimensão territorial da nação e ao seu efetivo
povoamento.

O Brasil, no entanto, era à época uma nação irregularmente povoada, com fracos
vínculos regionais e pequenos estímulos integradores. Dessa maneira, o potencial
representado pela generosa extensão territorial brasileira não era plenamente aproveitado
como fator de construção e ampliação de um mercado interno verdadeiramente nacional, tanto
no que respeita à circulação e ao consumo de mercadorias quanto no que se refere ao
aproveitamento de suas riquezas naturais. Era urgente, pois, que as vastas dimensões
consideradas vazias desse território fossem ocupadas e integradas aos circuitos econômicos.

Assim, a ocupação e a integração do território nacional apresentavam-se como


necessidades estratégicas para o desenvolvimento econômico. Tal questão implicou a
necessidade da organização de políticas migratórias e colonizadoras consoantes com as
preocupações acima indicadas.

Por outro lado, na visão do núcleo do poder, bem como para um grande número de
técnicos e intelectuais que apoiavam o governo, a integridade do território brasileiro
encontrava-se ameaçada. Essa ameaça era considerada como o resultado de heranças do

84
CANO, Wilson. Op. cit., p. 29.
74

regime anterior. Na caracterização dessas heranças, três aspectos ganhavam relevância: a


questão política; a estruturação econômica; e a opção imigrantista.

“Não será exagero colocar que a possibilidade de um esfacelamento do território


nacional, ao lado da ação subversiva de grupos portadores de ideologias
“alienígenas”, foram eleitas pelo Estado Novo como as duas grandes ameaças que
teriam tornado absolutamente necessário o regime de força implantado em 1937. Já
no discurso de inauguração do regime, proferido no mesmo dia em que o golpe foi
desfechado, Getúlio Vargas descrevia uma situação dramática, identificando o
separatismo e o imperialismo como fatores de desagregação nacional agindo
interna e politicamente”85.
Do ponto de vista político, avaliava-se que a Primeira República havia se
caracterizado por um ultra-federalismo no qual os interesses locais e regionais, incorporados
por diferentes frações oligárquicas, se sobrepunham às reais necessidades nacionais.

“O Estado Nacional surgiu da Constituição de 1937, consagrando os princípios


básicos da Revolução de 1930, em forma adaptada à sociedade civil brasileira e às
exigências da época que atravessamos. Esses princípios são: reconstrução política
consagrando o centralismo como método próprio de impulsão progressista, em vez
dos particularismos federalistas, porta aberta a todos os vírus de desagregação,
capazes de ameaçar a unidade e a soberania nacionais”86.

No que se refere à estrutura econômica da República Velha, considerava-se que a


ênfase na atividade exportadora como núcleo dinâmico da economia, havia prendido o país
numa relação direta com exterior e dado origem a complexos econômicos ou a economias
regionais que conviviam num espaço nacional compartimentado, como uma espécie de
“arquipélago econômico”. Tal fato era, ainda, agravado pela existência de impostos
interestaduais, que dificultavam a circulação de mercadorias em território nacional. Assim, a
estrutura econômica exportadora fazia com que as diferentes regiões brasileiras tivessem
vinculações externas muito mais importantes do que as que se estabeleciam internamente.

A opção imigrantista anterior também era considerada um fator de estímulo à


fragmentação territorial brasileira, pois, ao ter se fundamentado no imigrante estrangeiro,
além de não ter criado vínculos mais consistentes entre as diferentes regiões do país, permitiu
a constituição de núcleos homogêneos de imigrantes, que estabeleciam ligações profundas
com os seus países de origem, mantendo seus hábitos de consumo e o idioma estrangeiro.

Tais ocorrências, imaginava-se, criavam dificuldades. Primeiro, porque permitiram o


surgimento dos chamados enquistamentos étnicos (de comunidades estrangeiras que não se
integravam à nacionalidade brasileira e, portanto, não se identificavam com o país), que num
contexto de fortes pressões expansionistas, por parte de algumas nações centrais, poderiam
85
DINIZ FILHO, Luís Lopez. op.cit., p. 58.
86
VARGAS, Getúlio. op. cit., p. 63
75

converter-se em elementos de apoio para que essa expansão se realizasse sobre o território
nacional, favorecendo sua fragmentação. Devemos lembrar que as nações com fortes
tendências expansionistas, Alemanha, Itália e Japão, eram aquelas que possuíam tradicionais
comunidades de imigrantes no Brasil e que, na época, existiam ações políticas desses países
sobre os imigrantes aqui estabelecidos87. Segundo, porque a manutenção dos hábitos de
consumo havia feito desses núcleos homogêneos de imigrantes um mercado cativo para as
mercadorias de seus países de origem, dificultando assim a inserção ativa desses núcleos no
mercado nacional 88.

Tais considerações acerca das heranças do regime anterior e dos problemas


provocados por elas à integridade territorial brasileira explicam-se da seguinte forma: o
processo de desenvolvimento econômico sustentado pelo mercado interno e a manutenção da
integridade territorial configuravam-se como elementos interdependentes. O desenvolvimento
industrial reclamava a integridade territorial na medida em que só poderia se desenvolver se
essa fosse mantida e representasse a possibilidade de conquista de novos mercados internos.
Simultaneamente, ao se desenvolver, integrando novos mercados e regiões nacionais, o
desenvolvimento industrial possibilitava a superação das tendências fragmentadoras que
atuavam sobre o território. Podemos afirmar, portanto que a defesa da integridade territorial
era pré-requisito para o deslanche da industrialização, ao passo que, reciprocamente, a
industrialização também favorecia a manutenção da integridade do território nacional.

Essas reflexões não escapavam à percepção dos ocupantes do aparelho de Estado e de


muitos observadores do período que possuíam fortes influências na formulação de políticas da
época. Isto pode ser observado a partir da análise de uma série de textos produzidos e
publicados em boletins oficiais e em textos de debate sobre a realidade brasileira que eram
utilizados como pontos de reflexão e de elaboração de políticas propostas e encaminhadas.

Como exemplos desses textos podemos indicar os boletins do SIC (Serviço de


Imigração e Colonização), das Secretarias Estaduais de Agricultura e de Revistas publicadas
pelo governo. Nesses casos, um destaque deve ser feito às Revistas Cultura Política e Ciência

87
Ver NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p. 31
88
Esse foi, inclusive, um dos motivos que animaram a formulação e a implementação, na segunda metade do
século XIX e início do século XX, de uma verdadeira política de transferência populacional por parte de alguns
países europeus, como a Itália e a Alemanha. Ver IANNI, Constantino. Homens Sem Paz. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1974, cap. 1 e NASCIMENTO, Benedicto Heloiz, op. cit, p. 27/ 30. É verdade
também que algumas indústrias surgiram no Brasil procurando produzir sucedâneos para produtos importados
pelas colônias de imigrantes e que no momento a importação encontrava-se dificultada, mas a prática de
consumo de produtos industriais estrangeiros por imigrantes e seus descendentes continuava a preocupar o
governo.
76

Política que passaram a ser publicadas pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), a
partir de 1941.

Essas revistas, principalmente a primeira, procuravam se colocar como um fórum de


debates acerca dos problemas nacionais. Na revista Cultura Política, organizada pelo próprio
diretor do DIP, Almir de Andrade, um dos principais intelectuais do Estado Novo, discutia-se,
em tom apologético, as realizações do governo Vargas, desde a sua chegada pelo movimento
de 1930. Embora enfatizassem o período posterior ao golpe de novembro de 1937, faziam um
balanço das alterações desencadeadas pelo governo e acentuavam as mudanças de direção que
se estabeleceram em relação ao período anterior; sugeriam diretrizes para a ação
governamental; estabeleciam interpretações históricas acerca de acontecimentos e processos
da vida nacional. Era uma revista destinada a um público mais restrito e abrigava os
intelectuais de maior porte que apoiavam o governo. Enfim, funcionava como um instrumento
de articulação e difusão política, em consonância com os objetivos do Estado Novo.

A revista Ciência Política apresentava características semelhantes, possuía, entretanto,


um caráter mais amplo, procurando atingir um público mais popular e uma intelectualidade
“média”. Apesar de seu nome, não tinha pretensões científicas e pelo fato de seus artigos
serem, na maior parte das vezes, transcrição de textos destinados a palestras, apresentava um
caráter mais pragmático.

Nessas revistas, que procediam a uma análise da realidade brasileira e, ao mesmo


tempo, avaliavam as ações do governo brasileiro e a execução de suas políticas, em
praticamente todos os números publicados, aparecem textos relativos à problemática da
integridade territorial brasileira e sua relação com a política migratória89.

Um bom exemplo de como a integridade territorial era considerada um fator


fundamental para o desenvolvimento econômico, e de como essa integridade poderia ser
alcançada por meio do estímulo e do controle migratório, aparece de maneira bastante clara na
análise de Nelson Werneck Sodré em um artigo, denominado Fronteira, publicado no número
2, abril de 1941, na Revista Ciência Política.

Nesse artigo, analisando a realidade concreta de uma parte do território nacional


localizado nos limites Sul do Mato Grosso, do Noroeste do Paraná e do Paraguai, nas
proximidades da região de Sete Quedas, o autor relata a importância da ação governamental

89
Isto pode se exemplificado a partir da série de textos, elaborada por Arthur Heil Neiva, versando sobre a
História dos movimentos imigratórios no Brasil.
77

na sua manutenção ao território nacional. Para ele, a própria natureza conspirava para que
essa área se separasse do território brasileiro, já que o seu relevo e a corrente das águas a
empurravam diretamente à região do Prata90. Após a algumas interessantes experiências de
ocupação realizadas durante a colônia, por meio do bandeirismo, na extração mineral, tal
região havia adentrado o século XX, com o permanente problema de sua integração ao
território nacional.

Segundo o autor, três fatores históricos haviam sido responsáveis por tal fato: a
regressão da ocupação após a primeira experiência bandeirante, em virtude da falência da
mineração; a sua posterior ocupação por uma atividade econômica pecuarista que implicava
forte dispersão humana, em agrupamentos rarefeitos e nômades e dava origem à edificação de
uma forma de organização política localista expressa por um regime municipal de pouca
articulação política e econômica com outras regiões; a sua ocupação posterior por meio da
colonização efetuada por estrangeiros em grandes propriedades. Assim, o grande problema
para a incorporação dessa área ao território nacional esteve, desde cedo, ligado às atividades
econômicas que haviam sido desenvolvidas e ao fator humano91.

As atividades econômicas anteriormente desenvolvidas não estabeleciam vínculos


econômicos e políticos com o restante do corpo nacional. Inicialmente, a pecuária, voltada à
exportação, impunha ameaças pela dispersão humana – que corresponde a um aspecto típico
da organização de seu sistema produtivo - e pelo fato de sua produção não se vincular
diretamente a outras regiões do território nacional. A conjugação desses dois elementos criou
condições para o estabelecimento de uma organização política fortemente localista, expressa
por uma organização municipal que fugia à possibilidade de controle e do exercício da
autoridade por parte do governo central: “... a organização municipal teve um princípio
impreciso. [...] demasias estranhas, descomedimento, a impossibilidade prática da
92
autoridade” . Dessa forma, a atividade econômica pecuarista implicava uma incapacidade
de indução ao desenvolvimento:

“Encontrando, em suas origens, já o regime municipal em sua fase de positivo e


irreparável declínio, as comunas fronteiriças não puderam fugir aos imperativos
característicos do momento e do local, não tiveram forças para articular um

90
Devemos lembrar que, a partir do início da década de 1930, a histórica rivalidade com a Argentina ganhou
grande intensidade, a ponto de se constituir como um dos principais problemas territoriais do período, uma vez
que a Argentina implementava uma política de fortalecimento de suas forças armadas e de ampliação das
influências sobre os países vizinhos. Ver CORSI, Francisco Luiz. op. cit., p. 54
91
SODRÉ, Nelson Werneck. Fronteira. In Cultura Política. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e
Propaganda. Ano 1, Número 2, abril de 1941, p. 25/26.
92
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 26
78

processo de desenvolvimento que marcasse a fonte de uma energia nova, capaz de


operar transformações fundamentais”93.
Assim, a atividade econômica pecuarista voltada à exportação e a dispersão
populacional daí decorrente, colaboravam para a forte tendência separatista desta região do
restante do território nacional, expressa pela “ânsia autônoma da grande propriedade
pastoril” 94.

Se estes eram “os problemas da grande propriedade pastoril” 95, sua solução poderia
se dar pela introdução da agricultura. Essa introdução se deu, entretanto, posteriormente, pela
grande propriedade em mãos estrangeiras, a partir de movimentos imigratórios e
colonizadores, apenas aparentemente, voltados a assegurar a posse dessas regiões. Nesse caso,
a situação se agravou:

“Se a grande propriedade de srs. nacionais foi uma espécie de mal necessário,
oriunda da formação e da conquista de terras que, no passado, tenderam sempre a
fugir ao todo nacional, a grande propriedade estrangeira soma, a esses males, o de
suas origens espúrias, o de seu caráter estático, o de seu “anti-nacionalismo
precípuo” 96.
O autor critica a colonização baseada na propriedade e em elementos estrangeiros, pois
estes:

“Se colocavam sobre grandes vias de comunicação, rios e vias férreas,


[representando] ‘ameaças nas encruzilhadas propícias’. Municípios houve que
viram entregues à mão estrangeira extensões formidáveis. [...] além da grande
propriedade pastoril nômade, no panorama da fronteira, quasi não havia
proprietários nacionais e [...] por parte dos trabalhadores o panorama fronteiriço
era de deserção e pobreza”97.
Dessa forma, a propriedade estrangeira na região fronteiriça catalisou a tendência
separatista da região, impedindo e ameaçando a sua efetiva integração com o restante do
território nacional e, ao mesmo tempo, implicando a incapacidade da realização de seu
desenvolvimento.

Diagnosticando o problema da região, Sodré faz um comentário positivo acerca da


ação do governo, no sentido da garantia da manutenção dessa região ao território brasileiro e
do impulso que essa manutenção possibilitou ao seu desenvolvimento, ao articulá-la ao
mercado interno. Tal comentário é bastante importante, pois nos denota claramente como a
necessidade da defesa da integridade territorial nacional era um elemento fundamental na
formulação de políticas relacionadas aos deslocamentos populacionais no período em questão.

93
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 26/27
94
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 27
95
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 27
96
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit.,p. 27
97
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 28/29
79

Segundo o referido o autor, os deslocamentos populacionais deveriam assegurar a


manutenção da integridade territorial, por meio da introdução de elementos nacionais na
fronteira, em pequenas propriedades de caráter familiar, voltadas á produção agrícola,
vinculada ao abastecimento interno:

“O problema está, pois, em admitir o processo mais compatível com a inevitável


alteração a introduzir. O país precisa fixar elementos nacionais na fronteira, por
meio de atividade destinada à agricultura. [...] só a posse da terra confere tais
horizontes. Só a civilização da agricultura permite uma perspectiva tão expressiva,
indispensável” 98.
Segundo Sodré, era isso que o governo deveria fazer, fez e continuava fazendo.
Avaliava, portanto, de maneira positiva a política e a ação governamentais em relação aos
deslocamentos populacionais que foram sendo definidas ao longo dos anos de 1930. Para ele,
em março de 1939, “o governo decidiu intervir” 99, por meio do Decreto-Lei 1.164 de 18 de
março de 1939 100.

O caráter positivo da intervenção governamental e do Decreto-Lei se expressava pelo


fato de que o mesmo previa a constituição de uma faixa de fronteira de 150 km dentro da qual
só poderia haver posse de nacionais; a concessão de terras e a transferência de pessoas para as
regiões de fronteiras se transformavam em matérias a serem tratadas pelo Conselho de
Segurança Nacional; a concessão de lotes seria feita a brasileiros natos, com capacidade para
o trabalho agrícola; e as concessões de terras, nas faixas fronteiriças, seriam limitadas a dois
mil hectares 101.

Dessa maneira, o Decreto-Lei, ao garantir a transferência de brasileiros às regiões


fronteiriças e a sua fixação a partir da posse da terra, permitia uma ação contrária aos
principais fatores que ameaçavam a integridade do território nacional, pois se colocava contra
a grande propriedade exportadora, contra o nomadismo e contra a posse estrangeira em partes
importantes do território nacional, que se encontravam desligadas do corpo econômico da
nação. Por outro lado, o referido Decreto-Lei, também estabelecia garantias a princípios caros
à manutenção do território nacional, na medida em que defendia a produção e a organização

98
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 29
99
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 29/30
100
Esse Decreto-Lei trata do encaminhamento e da fixação de trabalhadores nacionais nas regiões de fronteira
101
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit, p.30. Devemos lembrar que a produção possível em pequenas propriedades,
que seriam a maioria na região, destinar-se-ia à produção familiar e ao abastecimento interno e que essa região
possuía relativa proximidade do local onde foi instalada a CAN do Paraná, a CAN General Osório, que
conservou o caráter de uma colônia militar.
80

familiar, a posse efetiva por trabalhadores nacionais e a sua fixação. Segundo o autor, a
“tarefa nacionalizadora teria sido iniciada” 102.

Se a análise do texto de Werneck foi prolongada, isto se deve à clareza com que
demonstra como a preocupação com a integridade do território brasileiro se constituiu numa
das bases da elaboração de novas políticas e de novas práticas relativas aos processos de
deslocamento populacional no pós 1930. O texto possibilita a percepção de como a
integridade do território era considerada um elemento fundamental para o estabelecimento de
um modelo de desenvolvimento calcado no mercado interno; permite perceber, também,
como, na visão do autor, a integridade territorial encontrava-se ameaçada pelas práticas
políticas, econômicas e migratórias do pré 1930 e como, essas avaliações se articularam numa
política colonizadora e migratória, que tinha por fim precípuo, dar curso a uma tarefa que se
considerava nacionalizadora e modernizadora.

É importante lembrar que, apesar de ter sido publicado em 1941, o texto em questão
procura compreender o processo de constituição de aspectos importantes da política
migratória do governo Vargas, estabelecendo justificativas históricas para a sua
implementação. Devemos acrescentar, ainda, que tal texto foi publicado numa revista que se
comportava como um porta-voz das visões governamentais, dando-lhe, por isso um caráter
quase oficial.

Os aspectos que foram claramente alinhavados por Werneck Sodré, de como a


manutenção da integridade territorial representava um fator primordial para o
desenvolvimento brasileiro, de como tal integridade esteve fortemente ameaçada pelas
práticas anteriores e de como os movimentos migratórios poderiam ser compreendidos como
fator de superação desses problemas, encontram-se em outros artigos publicados no mesmo
número da Revista Ciência Política. Ao defender o programa de ocupação do interior
consubstanciado no Programa “Marcha para o Oeste”, Cassiano Ricardo, considerado um dos
principais expoentes do pensamento “capitalista autoritário” do período afirma, em seu texto
intitulado “Estado Novo em seu sentido bandeirante”:

“O litoral continua sendo a antítese do Oeste. [...] Anuncia-se a nova marcha. É o


Brasil organizado que novamente caminha para o oeste, realizando seu
imperialismo interno. [...] Em qualquer hipótese, ainda tudo indica que o poder
público será o primeiro a organizar ou amparar bandeiras que ponham em

102
SODRÉ, Nelson Werneck. op. cit., p. 30
81

permanente contacto a civilização do litoral com os centros rurais e sertanejos que


necessitam de assistência e benefícios técnicos” 103.
Temos, nessa citação, três elementos interessantes a serem observados. Em primeiro
lugar, a valorização do interior em detrimento da civilização do litoral, constantemente
associada, no “pensamento capitalista autoritário”, às práticas econômicas exportadoras que
faziam do mercado externo, o mercado prioritário da produção nacional. Em segundo, a figura
do imperialismo interno, expressando a necessidade de unificação das fronteiras políticas e
econômicas, o que, de certa forma, expressa o objetivo da integração de novas áreas aos
circuitos econômicos e, portanto, da conquista de novos mercados, consumidores e ou
produtores de matérias-primas e produtos primários, vinculando, inclusive, os enormes fundos
territoriais brasileiros como um sucedâneo das conquistas territoriais externas empreendidas
pelas potencias capitalistas centrais. E, por último, a identificação dos movimentos
populacionais do período, rumo ao interior, induzidos e incentivados pelos programas estatais,
com a experiência histórica das bandeiras, construtoras do território nacional, na visão do
referido autor.

A apresentação desses movimentos populacionais rumo ao oeste, estimulados e


conduzidos pelo Estado e compostos majoritariamente por nacionais, como uma forma de
combate às tendências fragmentadoras que atuavam sobre o território nacional, que se
constituíam como uma herança da política e das praticas migratórias do regime anterior, fica
patente a partir das seguintes considerações:

“O Estado moderno combate os quistos étnicos e outra coisa não fez a bandeira
contra o quisto negro dos Palmares e contra o quisto vermelho do recôncavo.
Falamos em nacionalização das fronteiras, mas estamos apenas repetindo o gesto
dos nossos maiores que marcaram as fronteiras geográficas dentro dos quais se
processaria o nosso destino de povo e de nação”104.

Percebe-se, portanto, a crítica às práticas imigratórias do regime anterior que, ao


permitir a fixação de nacionalidades homogêneas em partes significativas do território
nacional, havia criado os chamados enquistamentos étnicos, que, naquele momento,
precisavam ser combatidos para que se garantisse a integridade territorial e a real construção
da nacionalidade105. Entretanto, a referência, na passagem acima, à ação das bandeiras no

103
RICARDO, Cassiano. Estado Novo e seu sentido bandeirante. In Cultura Política. Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa e Propaganda. Ano 1, Número 1, março de 1941, p. 128.
104
RICARDO, Cassiano. op. cit., p. 131
105
Segundo Moniz Bandeira, em 1938, o embaixador brasileiro em Berlim, Moniz de Aragão, chegou a
denunciar um plano alemão visando separar os três estados brasileiros do sul e colocá-los sobre o seu domínio.
Os elementos desencadeadores de tal ação seriam os imigrantes que viviam em colônias homogêneas nesses três
82

combate aos quilombolas e na assimilação dos índios, indica que, apesar do forte
nacionalismo aparente, a integridade nacional não estaria vinculada a um tipo qualquer de
sociedade. Não se cogitava a construção de formas societárias alternativas ou de
características comunitárias. Apesar da defesa do intervencionismo estatal e da crítica ao
estrangeiro, o que se evidencia é o compromisso com uma integração nacional de caráter
capitalista. O anti-liberalismo e o anti-estrangeirismo não distanciam o pensamento
autoritário, em geral - e o de Cassiano Ricardo, em particular - da defesa de uma ordem
capitalista, o que se pretendia é a construção de um capitalismo nacional, ou, pelo menos, de
um capitalismo que fosse dinamizado internamente.

Além disso, devemos lembrar que Cassiano Ricardo era paulista e a maior parte da sua
atuação intelectual e política esteve baseada em São Paulo106, por isso é legítimo supor que a
idealização e a apologia em relação às bandeiras estivessem ligadas a outros aspectos menos
perceptíveis, tais quais a defesa de uma integração nacional liderada por São Paulo com a
conseqüente garantia de mercado para as indústrias que ali estavam se concentrando. A
própria idéia de realização do “nosso imperialismo interno” evidencia e reforça a idéia de
conquista territorial, ou seja, a visão de que a incorporação e a permanência da parte situada a
oeste do território brasileiro dependeriam do avanço paulista. Assim, a integração dessa área
seria garantida, pois, pela sua inserção no mercado brasileiro como consumidora das
manufaturas paulistas e como fornecedora de gêneros agrícolas e matérias-primas para São
Paulo, daí a defesa intransigente que faz da ocupação dessa região com base na pequena
propriedade.

Tais considerações de Ricardo acerca da necessidade da efetiva integração do oeste


brasileiro, com a consequentemente manutenção de sua integridade, a partir do avanço das
novas bandeiras paulistas indica-nos o seu compromisso com a construção de uma nova
ordem capitalista no Brasil sustentada pelo desenvolvimento industrial. Não se trata, apenas,
como diz Guilherme Otavio Velho107, de um excesso de regionalismo ou de uma tentativa de
reconciliação de São Paulo com o Estado Novo ou com o Regime Varguista, mas de um
compromisso com a indústria que naquele momento se desenvolvia de maneira concentrada
em São Paulo.

estados. Ver: BANDEIRA, Moniz. O milagre alemão e o desenvolvimento do Brasil. São Paulo: Ensaio, 1994,
p. 46.
106
Cassiano Ricardo foi o Diretor da seção paulista do DIP durante um período importante do Estado Novo
107
VELHO, Guilherme Otavio.
83

É verdade, todavia, que existem interpretações que afirmam que Ricardo não estava
comprometido com a defesa do desenvolvimento industrial no Brasil, e que o mesmo
preconizava, como modelo para o Brasil, uma sociedade agrícola baseada na existência de
pequenas propriedades, o que o caracterizava como um agrarista moderado. É o que
encontramos, por exemplo, em Diniz Filho:

“Cassiano Ricardo não parece contrapor categoricamente os espaços rural e


urbano. Em primeiro lugar, porque não seria correto ver esse autor como um
agrarista radical, já que ele em momento algum parece propor um retorno da
população urbana ao campo. Em segundo lugar, porque seria um erro caracteriza-
lo como defensor de um projeto urbano-industrial para o Brasil, posto que sua obra
da muito pouca atenção à indústria, mesmo que de um ponto de vista histórico. Num
dado momento, Ricardo elogia as atividades industriais que cresceram nas áreas
mineradoras descoberta pelo bandeirantismo, mas isso tão somente em relação à
forma como estas teriam apressado a abolição da escravatura, e não como a
antecipação de um inexorável Brasil industrial. [...] Ricardo não parece encarar o
desenvolvimento industrial como uma condição necessária para o desenvolvimento
futuro do país, permanecendo, pois, numa posição de agrarismo moderado” 108.
Entretanto, outras interpretações convergem no sentido de apresentá-lo como um
intelectual comprometido com a liderança econômica de São Paulo e com o projeto de
industrialização que se desenvolvia em solo paulista.

“É preciso assinalar que, no pensamento de Ricardo, pequena propriedade está


intimamente associada a desenvolvimento industrial. [...] Ocorre que a bandeira de
Ricardo, estruturada economicamente à base da pequena propriedade, é, também, a
geradora da mineração do café e, consequentemente, da industrialização. [...] A
transformação do oeste conquistado era também apreciada como suporte de
sustentação para o “novo” implantado nas cidades, e sua extensão para o campo
era tida como movimento natural e inerente de acabamento da nova ordem
estabelecida.”109
É interessante observarmos que, apesar de o referido autor preconizar a integração do
oeste, como forma de garantir a sua manutenção ao território nacional a partir da liderança
paulista, recorrendo ao mito das bandeiras, não seria de São Paulo que sairiam os recursos
humanos necessários para a execução dessa empreitada. Os trabalhadores que se destinariam a
essa experiência colonizadora deveriam ser nacionais, mas de outras regiões do país,
sobretudo do Nordeste. É evidente, portanto, a percepção do autor da necessidade de
combinação dos diferentes níveis regionais de desenvolvimento para a viabilização da
integração econômica do país, para a realização da conquista de seu território e para a garantia
de sua integridade.

São Paulo seria a faixa de onde sairiam os estímulos integradores pelo fato de ser a
região produtora de manufaturas e consumidora da produção agrícola e das matérias-primas

108
DINIZ FILHO, Luiz Lopes. op. cit., p. 119
109
LENHARO, Alcir. A conquista do corpo geográfico do país. Campinas: Unicamp. Capítulo não publicado
de: A sacralização da política. Campinas: Papirus. 1986. p. 93/95.
84

produzidas no oeste, ou seja, seria a região ativa da economia nacional, onde se processava o
desenvolvimento industrial e que, por isso, não possuía excedentes populacionais. O Oeste,
inversamente, ao ser povoado e integrado economicamente, converter-se-ia numa região
produtoras de gêneros agrícolas e de matérias-primas e consumidora de manufaturas. O
Nordeste fecharia o círculo, ao contribuir para esse esforço integrador, com os seus
excedentes populacionais, originários de sua economia adormecida, baseada em latifúndios
praticamente “auto-suficientes”. Uma economia pouco adequada à modernização, à
industrialização e à absorção de mão-de-obra e, portanto, geradora de excedentes
populacionais.

É possível perceber como, na análise do autor, a idéia de imperialismo interno ganha


um significado expressivo. A conquista e a integridade territorial seriam asseguradas pela
ampliação e integração do mercado nacional, tanto do ponto de vista da produção, da
circulação e do consumo de mercadorias como do ponto de vista do trabalho. A reconstrução
da nação estaria assegurada pela superação do arquipélago econômico e pelo povoamento das
áreas ditas vazias. Para tal se articulariam, num novo espaço realmente nacional, diferentes
regiões do Brasil, capitaneadas pelas novas bandeiras, pela nova Marcha para o Oeste,
impulsionada por São Paulo.

Se no passado, o avanço ao interior fora possível pela união e harmonização étnica


entre o branco, o índio e o negro, agora, na reedição dessa epopéia bandeirante, deveriam se
conjugar o esforço modernizador de São Paulo, as potencialidades oferecidas pelo Oeste e o
elemento humano nordestino. O avanço seria possível pela harmonização das diferenças
regionais: São Paulo moderno, Oeste despovoado e Nordeste atrasado.

Assim como as primeiras bandeiras geraram o primeiro ímpeto construtor do território


nacional e o Estado “larvar” brasileiro, a nova Marcha para o Oeste daria e asseguraria ao
território nacional seus contornos definitivos, configurando o verdadeiro e definitivo Estado
Nacional.

“Falamos em nacionalização das fronteiras, mas estamos apenas repetindo o gesto


dos nossos maiores que marcaram as fronteiras geográficas dentro das quais se
processaria o nosso destino de povo e nação. [...] Não haverá mesmo surpresa em
se dizer que o Estado Novo é várias vezes bandeirante. Bandeirante no apelo às
origens brasileiras; na defesa das nossas fronteiras espirituais contra quaisquer
ideologias exóticas e dissolventes da nacionalidade; no espírito unitário, um tanto
anti-federalista; na soma de autoridade conferida ao chefe nacional; na Marcha
para o Oeste que é também sinônimo de nosso imperialismo interno e no seu
próprio conceito; isto é no seu conceito dinâmico de Estado.”110.

110
RICARDO, Cassiano. op. cit, p. 131 e 132.
85

Podemos entender, assim, que o retorno ao passado por Ricardo não se limitou a uma
mera mitificação das bandeiras e do papel de São Paulo na História do país, mas à defesa de
uma nova ordem econômica, política e social que para se desenvolver necessitaria da
constante conquista de mercados, o que implicaria a constante preocupação com a integridade
do nosso território. Por outro lado somente a uniformização capitalista, induzida pelo núcleo
mais dinâmico do país, poderia assegurar a manutenção dessa integridade nacional, contra as
tendências dissolventes. Isso, por sua vez, impôs ao Estado a necessidade de conduzir uma
política relativa aos deslocamentos populacionais consoante com os novos tempos, nos quais
a ameaça de quistos estrangeiros estivesse superada e que se voltasse, por meio de elementos
nacionais, a se produzir para o consumo interno. Como afirmou Lenharo:

“O redirecionamento político e suas modulações encontram-se gravados no


discurso da proclamação da “Marcha para o Oeste”. Na virada de 1937 para 38,
Vargas anuncia a que ela veio: consolidar, definitivamente, os alicerces da nação;
“mais do que uma simples imagem, é uma realidade urgente e necessária...”. Não
surpreende o modo como quer alicerçar a nação: dos seus “vales férteis e vastos”,
de suas riquezas culturais e naturais seriam extraídos os recurso com que “forjar os
instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial. [...] O verdadeiro
sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste”. A criação da brasilidade
repousava, pois, numa nova proposta que combinava colonização e
industrialização” 111.

111
LENHARO, Alcir. op. cit., p. 99/100. As partes entre aspas são citações de discursos de Vargas, extraídos de
NEIVA, Arthur Hehl. Getúlio Vargas e o problema da imigração e colonização. In: Revista de Imigração e
Colonização, 3(1): abril 1942, p. 50 e VARGAS, Getúlio. A Nova política do Brasil, volume V, Rio de Janeiro:
José Olympio Editores, 1938, p. 124
86

Seção 2

O Nacionalismo e a construção da nacionalidade


É evidente que o processo de desenvolvimento posto em curso no primeiro governo
Vargas, que propunha o deslanche industrial com base no crescimento e na integração do
mercado nacional, se deu com base numa ideologia fortemente nacionalista. Tal ideologia, no
entanto, apresentava uma séria limitação, pois entendia-se que a nação brasileira encontrava-
se constituída de maneira irregular. A visão dominante preconizada por Vargas e por muitos
intelectuais era a de que, no Brasil, as fronteiras políticas não coincidiam com as fronteiras
econômicas. Nesse sentido, a figura do arquipélago é novamente levantada, não se podia
afirmar a existência de uma nação consolidada quando poucas áreas com expressiva
densidade demográfica conviviam com enormes espaços vazios, impossibilitando a sua
integração definitiva. A construção da nacionalidade passava, efetivamente, pela integração
econômica do território:

“Após a reforma de 10 de novembro de 1937, incluímos essa cruzada no programa


do Estado Novo, dizendo que o verdadeiro sentido de brasilidade é o rumo ao oeste.
Para bem esclarecer a idéia, devo dizer-vos que o Brasil, politicamente, é uma
unidade. Todos falam a mesma língua, todos têm a mesma tradição histórica e todos
seriam capazes de se sacrificar pela defesa do seu território. Considerando-a uma
unidade indivisível, nenhum brasileiro admitiria a hipótese de ser cedido um palmo
desta terra, que é o sangue e a carne de seu corpo. Mas se politicamente o Brasil é
uma unidade, não o é economicamente. Sob este assemelha-se a um arquipélago
formado por algumas ilhas, entremeadas de espaços vazios. As ilhas já atingiram
um alto grau de desenvolvimento econômico e industrial e as suas fronteiras
políticas coincidem com as fronteiras econômicas. Continuam, entretanto, os vastos
espaços despovoados, que não atingiram o necessário clima renovador, pela falta
de densidade da população e pela ausência de toda uma série de medidas
elementares cuja execução figura no programa do Governo e nos propósitos da
administração, destacando-se, dentre elas, o saneamento, a educação e os
transportes. No dia em que dispuserem todos esse elementos, os espaços vazios se
povoarão. Teremos densidade demográfica e desenvolvimento industrial. Deste
modo, o programa de “Rumo ao Oeste” é o reatamento da campanha dos
construtores da nacionalidade, dos bandeirantes e dos sertanistas, com a integração
dos modernos processos de cultura. Precisamos promover essa arrancada, sob
todos os aspectos e com todos os métodos, afim de suprimirmos os vácuos
demográficos do nosso território e fazermos com que as fronteiras econômicas
coincidam com as fronteiras políticas. Eis o nosso imperialismo. Não ambicionamos
um palmo de território que não seja nosso, mas temos um expansionismo, que é o de
crescermos dentro das nossas próprias fronteiras” 112.
A existência de espaços despovoados representava fortes obstáculos para a construção
nacional, pois eram nessas zonas, de pouca ou nenhuma ocupação, que se desenvolviam as
forças dissolventes da nacionalidade. Era nesses espaços que os poucos trabalhadores rurais

112
Discurso, de improviso, realizado, em 08 de agosto de 1940. In VARGAS, Getúlio. Diretrizes... op. cit., p.
284 e 285
87

viviam entregues à sua própria sorte, à morbidez, longe dos benefícios da civilização e
desenvolvendo hábitos distantes da disciplina do trabalho produtivo.

Era, também, nesses espaços que vingavam as condições para a reprodução de práticas
autonomistas e municipalistas, distantes da autoridade central, que davam vazão a poderes
locais. Situação claramente representada pelas imagens de feudalismo improdutivo113 e
personalista, desintegrado da vida econômica do país. Em relação a isso, Vargas veiculou uma
de suas afirmações mais contundentes e radicais acerca da realidade agrária do país, ainda
quando candidato pela Aliança Liberal:

“Em não poucas das regiões mais próprias para a agricultura, impera ainda o
latifúndio, causa comum do desamparo em que vive, geralmente, o proletariado
rural, reduzido à condição de escravo da gleba. Nessas regiões, seria conveniente,
para os seus possuidores e para a coletividade, subdividir a terra, a fim de colonizá-
la, fazendo-se concessões de lotes a estrangeiros, como a nacionais, a preços
módicos, mediante pagamento a prestações, além do fornecimento de máquinas
agrícolas, mudas e sementes”114.
Nesse sentido, além da aplicação de importantes medidas educacionais e culturais115, a
construção da nacionalidade também deveria passar por uma solução de caráter econômico:
era preciso integrar o país, articular as diferentes zonas despovoadas e desconectadas do
circuito econômico com as regiões dinâmicas do país. Tal avaliação deixa evidente que havia,
por parte das autoridades e dos intelectuais que apoiavam o regime, uma clara compreensão
acerca da capacidade de uniformização imposta pelo avanço do capitalismo construído
internamente e estendido às mais diferentes regiões, por meio do “nosso imperialismo”.

Assim, a correta expressão do nacionalismo e a construção da nacionalidade brasileira


passavam, necessariamente, pela adoção de algumas medidas básicas, tais como:

- a superação da situação de atraso e de abandono do trabalhador do campo, localizado


além das fronteiras econômicas, e das características autônomas e localistas possibilitadas
pelas grandes propriedades rurais improdutivas ou subaproveitadas economicamente;

- a padronização, não apenas das características culturais, como a língua e os


costumes, mas, também, das relações sociais de produção.

Tais aspectos vão estabelecer conexões com a formulação de políticas relacionadas aos
deslocamentos populacionais, na medida em que para se alcançar tais objetivos, era

113
Essa é uma imagem particularmente bastante utilizada por Oliveira Vianna para caracterizar o caráter
localista das grandes latifúndios brasileiros e a existência de um forte poder local nos mesmos.
114
VARGAS, Getúlio. Diretrizes... op. cit., p. 297.
115
Ver VARGAS, Getúlio Diretrizes... op. cit., p. 311 a 343. Esses assuntos encontram-se analisados de
maneira bastante interessante em: SCHWARTZMANN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA,
Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: Edusp, 1984.
88

imprescindível articular as regiões de sertão, como eram conhecidas, aos processos de


reprodução econômica, como consumidoras e produtoras de mercadorias, estabelecendo
nexos das mesmas com a produção industrial que, naquele momento, se concentrava em São
Paulo. É nesse sentido que as imagens referentes ao “nosso imperialismo” interno ganham
suas mais expressivas significações.

2.1 A Importância da Pequena Propriedade


Adotando posturas próximas às dos modernistas e às dos grupos tenentistas reunidos
no “Clube 3 de outubro”, o governo considerava que nas regiões isoladas do país o impulso
modernizador era extremamente débil, impossibilitando que essas regiões pudessem vir a
alcançar uma forma autônoma de desenvolvimento. Assim, como aparece evidente na
afirmação de Vargas, citada acima, se nas regiões já desenvolvidas, ou naquelas que já se
encontravam integradas a elas, o progresso poderia se dar de forma autônoma, nas regiões
isoladas e consideradas atrasadas se faziam necessárias intervenções estatais enérgicas e
decisivas.

Os trabalhadores brasileiros dessas regiões, em sua grande maioria posseiros ou


remanescentes de antigas atividades econômicas que regrediram a formas de produção de
subsistência, identificados com os aspectos negativos da cultura caipira, eram considerados
como trabalhadores que se contentavam em viver numa economia de subsistência, utilizando
a terra como fator de sobrevivência e não como fator de produção de excedentes
intercambiáveis no mercado, cultivando-a com técnicas rudimentares e num ritmo próprio,
dissociado da disciplina necessária à produção capitalista. Era, portanto, entendido como
arcaico, indisciplinado e incapaz de produzir para o mercado. Resumindo, era um trabalhador
pré-capitalista. Por ser, também, um trabalhador distante das conquistas da civilização e dos
hábitos básicos de higiene, era bastante propenso a contrair enfermidades, o que inibia, ainda
mais, a produtividade de seu trabalho. Não é à toa que Vargas afirmava que a ação do Estado,
deveria:

“[...] Atender à sorte de centenas de milhares de brasileiros que vivem nos sertões
sem instrução, sem higiene, mal alimentados e mal vestidos, tendo contacto com os
agentes do poder público, apenas através dos impostos extorsivos que pagam.
É preciso grupá-los, instituindo colônias agrícolas; investi-los na propriedade da
terra, fornecendo-lhes os instrumentos de trabalho, o transporte fácil para a venda
da produção excedente às necessidades do seu sustento; despertar-lhe, em suma, o
interesse, incutindo-lhes hábitos de atividade e economia. Tal é a valorização
básica, essa sim, que nos cumpre iniciar quanto antes a valorização do capital
89

humano, por isso que a medida da utilidade social do homem é dada pela sua
capacidade de produção” 116.
A ação do Estado, e do expansionismo induzido por ele, no processo de construção da
nacionalidade também é ressaltado por Cassiano Ricardo ao atribuir, à Marcha para o Oeste, o
sentido de uma reedição da epopéia bandeirante. Segundo o autor, as bandeiras se constituem
no fator genético da nacionalidade brasileira e legitimador do Estado forte, centralizador e
interventor, já que as bandeiras, baseando-se nos princípio da “Democracia Racial e Social”,
conseguiram articular todos os elementos constituintes da sociedade brasileira – o negro, o
índio e o branco – no esforço de conquista e construção do país. Entretanto, apesar da
colaboração entre as três raças , as bandeira não eram destituídas de comando, pois haviam se
configurado no “Estado larvar brasileiro” justamente pelo fato de terem unido o comando do
branco, a mobilidade do índio e a força de trabalho do negro.

Ao enfatizar a idéia do comando do branco, ao mitificar as bandeiras e ao identificá-


las com a Marcha para o Oeste, Ricardo deixou claro que se pretendia uma ocupação de
caráter capitalista e procurou, também, por meio de metáforas, exaltar a ação ordenadora do
Estado na conquista do interior e na construção de um novo trabalhador rural brasileiro. Sob o
comando do Estado, a integração do interior do país ao mercado nacional daria origem a um
novo tipo de trabalhador rural, disciplinado, produtor de excedentes comercializáveis e
consumidor de mercadorias.

Com a identificação entre as bandeiras e a Marcha para o Oeste, Ricardo também


procurou fazer a defesa do povoamento do interior mediante um programa de colonização
baseado na pequena propriedade. Segundo esse autor, nas bandeiras, “a pequena propriedade
ao invés de embaraçar o expansionismo favoreceu-o. [...] A pequena propriedade fazia, por
assim dizer, parte de uma técnica de vida e economia cujo principal objetivo dependia da
117
absoluta liberdade de movimento” . A pequena propriedade não acomodava e não
paralisava os senhores ciosos de seus grandes domínios, pelo contrário, impunha a
necessidade de constante movimentação.

Não é difícil imaginar os porquês da defesa da pequena propriedade num programa


de colonização do oeste. Esse programa não poderia se basear no latifúndio. Primeiramente,
por que o latifúndio, ao ter uma alta capacidade de auto-abastecimento, não permitiria o
incremento das trocas entre diferentes regiões. Segundo, por possuir um domínio de caráter
tradicional, local e privatista, aproximando-se daquilo que poderíamos chamar de uma
116
VARGAS, Getúlio, A nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1938, Volume I, p. 28.
117
RICARDO, Cassiano. Marcha para o oeste. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1970, p. 71.
90

situação de extraterritorialidade, o latifúndio seria gerador do caos, da anarquia e da injustiça.


Em relação a isso, Vargas já se pronunciava em 1933;

“O problema das comunicações tem, no Norte, papel preponderante, como elemento


civilizador e até mesmo de fraternização nacional. O cangaço é fruto do sertão
áspero, sem administração e sem justiça, isolado por falta de contacto com os
centros irradiadores de progresso. Ligar pro meio de boas estradas o Nordeste
baiano à Capital da República será estabelecer o mais sólido traço de união entre
Norte e Sul, criando um fator preponderante para a consolidação de nossa unidade,
capaz de extinguir, de vez, quaisquer veleidades regionalistas. Assim aparelhado,
tornar-se-á fácil localizar no Nordeste vasta colonização rural, composta de
elementos autóctones, que necessitarão, apenas, para progredir, de assistência
técnica, agronômica e financeira” 118.
Outros pontos importantes na defesa do povoamento do Oeste sustentado pela pequena
propriedade relacionam-se ao fato de que essa forma de colonização diluiria a influência do
latifúndio na economia e sociedade brasileiras119, mas, principalmente, porque o
estabelecimento de núcleos de colonização implicaria a venda dos lotes em prestações anuais.

A necessidade de pagamento dessas prestações seria a forma de obrigar a conversão


dos pequenos proprietários em produtores para o mercado. O débito da dívida só seria
possível com a venda de parte de sua produção. A colonização baseada na pequena
propriedade seria, assim, a forma de integração do interior do país ao mercado nacional. Faria
do pequeno proprietário um produtor de gêneros destinados aos centros urbanos e de
matérias-primas para as indústrias e, ao aumentar a exigência de sua especialização como
produtor agrícola, torná-lo-ia um consumidor de mercadorias industriais.

Não é por acaso, portanto, que na defesa de um projeto colonizador sustentado na


pequena propriedade, tenham se somado personalidades e entidades ligadas aos interesses
industrialistas, tais como Roberto Simonsen e o IDORT. Roberto Simonsen ao criticar a
existência de pequenas propriedades no interior do país, voltadas à produção de subsistência,
afirmava:

“Condições autárquicas [...] reduzem extraordinariamente o poder de 2/3 da


população. [...]. Só pelo intercambio interno é que poderemos alcançar o poder
aquisitivo de que havemos mister. [...] A indústria deseja um mercado interno rico
para a necessária expansão de sua produção. Tanto vale dizer que anseia pela
formação de capitais nacionais, pela união cada vez mais intensa de todas as
regiões do país, pela crescente liberdade nas intercomunicações dos Estados; enfim,
pela unidade e grandeza cada vez maiores de nossa pátria ”120.
O IDORT, por sua vez, avaliava:

118
VARGAS, Getúlio. Diretrizes da nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 194(?), p.
180.
119
LENHARO, Alcir. op. cit., p. 98.
120
SIMONSEN, Roberto. A indústria em face da Economia Nacional. p. 27/28.
91

“Ao julgar pelo andamento da coisa, ao acompanhar a situação econômica actual –


no Brasil – e particularmente no Estado de São Paulo, é permitido prever, para
muito breve a formação em grande escala de pequena propriedade – única salvação
aliás possível para a lavoura – capaz de resolver – no nosso modesto parecer – sem
convulsões, a economia e a estabilidade social do Estado”121.
Não devemos, contudo, interpretar que a defesa de um projeto de povoamento do
interior brasileiro, por meio de projetos de colonização que se baseassem em pequenas
propriedades produtoras para o mercado, significasse um questionamento contundente ao
latifúndio. Não se cogitava uma reforma na estrutura do país, uma vez que os interesses do
capital agro-exportador e das oligarquias eram, ainda, vigorosos. Muitas vezes a tese da
pequena propriedade no campo apareceu nos discursos de Vargas, principalmente no período
anterior ao Estado Novo, como forma de atenuar a problemáticas do desemprego urbano,
122
acenando aos trabalhadores com a possibilidade de seu retorno ao campo . Por outro lado,
era também utilizada como forma de conciliar o discurso modernizador com os interesses dos
latifundiários e da burguesia rural, já que a existência de generosos fundos territoriais no
interior do país permitiria apontar para uma mudança na estrutura fundiária brasileira sem a
necessidade de reforma agrária, nos espaços já consolidados de longa data. A expansão
sustentada na pequena propriedade apresentaria, dessa forma, um caráter bastante conciliador.

Devemos lembrar, ainda, que a permanência do latifúndio na região do atual nordeste


brasileiro era instrumental para o desencadeamento de movimentos populacionais, uma vez
que o monopólio da terra e o atraso da região permitiriam a existência de fatores de expulsão
de excedentes populacionais que seriam absorvidos pelas regiões dinâmicas ou por aquelas
que estavam se integrando aos processos expansionistas. Tal aspecto ficará mais evidente
quando tratarmos das medidas destinadas a padronizar as relações sociais – e o papel dos
deslocamentos populacionais neste processo - como forma de construção da nacionalidade.

Assim, a utilização dos deslocamentos populacionais como forma de construção da


nacionalidade, por meio da superação da situação de atraso e de abandono do trabalhador do
campo, localizado além das fronteiras econômicas, e das características autônomas e
localistas, possibilitadas pelas grandes propriedades rurais improdutivas ou subaproveitadas
economicamente, estabelecem um forte ponto de contato com a necessidade de se padronizar
as relações sociais no país.

121
citação extraída de LENHARO, Alcir. op. cit., p. 108
122
Ver FONSECA, Pedro César Dutra. op. cit., p. 236.
92

Tudo demonstra que a defesa de povoamento do interior do país, por meio da pequena
propriedade, ordenada e supervisionada pelo Estado, era um projeto de expansão do mercado
para o interior do país, que incorporava o objetivo de padronização das relações de produção,
já que a anexação das regiões de sertão à fronteira econômica desencadearia o surgimento de
novas frentes pioneiras. Dessa forma, a ação colonizadora estatal teria como função a
introdução de novas regiões aos processos econômicos, transformado os trabalhadores e
pequenos proprietários em produtores e consumidores de mercadorias.

Até então, o Oeste caracterizava-se por ser, em sua maioria, uma zona de expansão, ou
seja, seu sujeito típico era o posseiro. Elemento que poderia ser fruto dos excedentes
populacionais que haviam se originado na faixa situada aquém da fronteira econômica e que
poderia, também, eventualmente, produzir excedentes. Contudo, o que caracterizava a região
oeste como uma frente de expansão é o fato de que as relações sociais não se encontravam
determinadas pela produção para o mercado, a apropriação da terra não se fazia como
empreendimento econômico. Seria um caso de uso privado de terras devolutas, mas que não
se relacionava em termos de mercado com a economia nacional.

Era necessário transformá-la em uma frente pioneira, numa região em que a posse da
terra fosse substituída pela propriedade privada da mesma e em que a terra fosse comprada,
obrigando o pequeno proprietário a dispor de sua produção no mercado. A aquisição de um
lote significaria o estabelecimento de um empreendimento econômico.

“O ponto chave da implantação da frente pioneira é a propriedade privada da terra.


Na frente pioneira a terra não é ocupada, é comprada [...] A Terra passa a ser
equivalente de capital e é através da mercadoria que o sujeito trava as suas
relações sociais. Essas relações não se esgotam mais no âmbito do contato pessoal.
O funcionamento do mercado é que passa a ser o regulador da riqueza e da
pobreza”123.
Embora com base na pequena propriedade de trabalho familiar, a anexação capitalista
por meio da colonização do oeste, realizar-se-ia na medida em que a produção fosse voltada
ao mercado. Como tal região não era fruto de um processo “espontâneo” de inversão do
capital privado, como a que ocorria com a experiência coetânea de colonização no Norte do
Paraná, a ocupação dessa região deveria ser fruto da ação estatal. O Estado deveria organizar
uma política migratória que fosse controlada, centralizada e planificada por ele, como dizia
Beneval de Oliveira, em artigo para a revista Cultura Política:

“Enfraquecido pelas endemias, o nosso caboclo não tem disposição para o


trabalho e, desajustado, fracassa em qualquer iniciativa que toma. Impõe-se,

123
MARTINS, José de Souza. Op. cit., p. 47.
93

portanto, a adoção sistemática de uma política imigratória e colonizadora,


econômica e financeira; sanitária e educativa” 124.
A preocupação em se introduzir relações sociais de caráter capitalista na região por
meio de sua integração ao mercado, deveria ser objeto da ação estatal a partir do impulso
modernizador possibilitado pelo desenvolvimento industrial que ocorria em São Paulo. Ainda
que se vislumbrasse uma outra possibilidade de desenvolvimento futuro para a região a ser
anexada aos circuitos econômicos, entendia-se que, num primeiro momento, a região deveria
ser introduzida no capitalismo como uma região subordinada ao centro dinâmico da economia
nacional, ou seja, São Paulo.

Tal entendimento evidencia que se pretendia criar um mercado integrado no Brasil,


porém, com diferentes especializações produtivas entre regiões, estabelecendo uma divisão
interna do trabalho entre regiões que deveriam se comportar com produtoras de matérias
primas e gêneros de agrícolas de abastecimento às populações urbanas e regiões produtoras de
manufaturados.

Portanto, a integração do interior ao mercado e à economia nacional se daria, num


primeiro momento, com a sua satelitização ao centro dinâmico da economia nacional que se
localizava nas regiões de rápida industrialização. A ocupação do interior deveria torná-lo
numa região que favorecesse a acumulação de capitais que ocorria de maneira concentrada.
Mais uma vez, a idéia de imperialismo interno ganha forte significação, daí a necessidade de
seu povoamento e de sua “conquista capitalista”. Vargas parece expressar isto com bastante
clareza:

“As nações novas, formadas pela expansão colonizadora, apresentam, entre os


fenômenos específicos do seu crescimento, a mobilidade de fronteiras. Não
coincidem, nos primórdios da formação, as linhas de demarcação política e a
extensão de apropriação econômica. Dessa diferenciação decorre a existência da
fronteira móvel, que traduz a expansão do território integrado nos sistema nacional
de produção dentro da área política.
O Brasil é, na atualidade, um dos países em que se registra o fato, e, por isso
mesmo, a sua expansão tem um caráter puramente interno, como processo de dar
substância econômica ao corpo político e fazer coincidirem as duas fronteiras.
Antes dessa integração necessária, todo o país sofre uma fragmentação nítida em
que as etapas do desenvolvimento econômico são assinaladas de modo evidente.
Uma faixa é agente e sujeito da economia nacional; a outra é, apenas, objeto
servindo como mercado de consumo de manufaturas, em troca de matérias primas
ou produtos extrativos. Naturalmente, a conseqüência mais imediata do fato é que
uma parte dos brasileiros vive em condições de vida peculiares à fase colonial,
enquanto a outra mostra uma evolução econômica acelerada. Exemplos exatos dos
dois tipos encontramos nas unidades federais de São Paulo e Mato Grosso. O Brasil
mostra, assim, dentro das suas divisas, regiões metropolitanas e regiões coloniais.
O imperialismo brasileiro consiste, portanto, na expansão demográfica e econômica

124
OLIVEIRA, Beneval. As populações brasileiras e seus movimentos. In Cultura Política. Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa e Propaganda. Ano 3, Número 33, outubro de 1943, p. 73.
94

dentro do próprio território, fazendo a conquista de si mesmo e a integração do


Estado, tornando-o de dimensões tão vastas quanto o país.
Com as imensas reservas territoriais que dispomos, será possível formar um grande
mercado unitário, de capacidade bastante para absorver a produção das zonas
industrializadas e desenvolver a industrialização das zonas de recente ocupação”
125
.
Nesse sentido pode se entender, também, porque a necessidade da padronização das
relações sociais, como forma de construir uma nacionalidade brasileira, não passava por um
questionamento incisivo aos latifúndios. A existência de latifúndios seria um fator de geração
e de expulsão de excedentes populacionais, uma vez que a superpopulação e o desemprego no
campo não seriam resultados de uma excessiva densidade demográfica, mas da distribuição
desigual da terra e do constante processo de concentração de sua propriedade. Tal situação era
muito mais explicita no Nordeste, onde o papel do latifúndio como gerador de excedentes
populacionais e como fator de expulsão dos mesmos, seria amplificado pelas condições
naturais de uma região constantemente ameaçada pelas secas e pelo secular processo de
estagnação econômica de seus complexos econômicos regionais.

Já são clássicas as análises de Celso Furtado sobre o complexo econômico açucareiro


nordestino que, após um período de mais de um século de crescimento econômico extensivo,
entrou em situação de letargia após sua crise em finais do século XVII126. Nessa longa crise, o
complexo açucareiro, por se sustentar no latifúndio e no trabalho escravo e por ter
desenvolvido a pecuária como uma atividade acessória de baixa produtividade em sua
periferia pôde se manter mesmo com uma redução brutal em sua capacidade de geração de
renda, sem desencadear uma crise de conseqüências socialmente explosivas. O preço a pagar
por isso foi uma involução a uma situação econômica próxima à da economia de subsistência,
só superada em momentos limitados de prosperidade do açúcar no mercado internacional e à
constituição de uma sociedade de fortes características tradicionais, na qual a definição de
riqueza dependia muito mais da propriedade imobiliária e do status do que de valores
monetários. A racionalidade econômica e a impessoalidade cediam espaços para relações
personificadas e estabelecidas de longa data e, assim, uma possível mobilidade social
vinculava-se mais às trocas de favores do que ao mérito pessoal.

Mesmo nas regiões não subordinadas ao complexo açucareiro, os problemas de


subsistência do pequeno proprietário também foram historicamente se avolumando. As
sucessivas partilhas familiares que resultaram em minifúndios economicamente impraticáveis,

125
VARGAS, Getúlio. Entrevista à imprensa a 19 de fevereiro e 22 de abril de 1938. In Diretrizes...op. cit., p.
125.
126
FURTADO, Celso. op. cit., capítulos VIII a XII.
95

mesmo em regime de subsistência, aliadas às dificuldades de acesso a cursos d’água, causadas


por essas partilhas, tornaram-se fatores de expulsão de pequenos proprietários, de sua
vinculação política e social aos latifundiários e de concentração agrária.

Essa tendência plurissecular da economia nordestina, associada ao processo de


desarticulação de seus complexos econômicos regionais e à maior facilidade de comunicação,
alcançadas pelo desenvolvimento das ferrovias, fizeram do nordeste uma região com alto
potencial de oferta de mão-de-obra migrante.

O governo, ao não intervir na estrutura tradicional da economia e sociedades


nordestinas e ao sustentar a sua produção de açúcar, ao mesmo tempo em que não gerou
descontentamentos entre os seus grupos dominantes, estabeleceu, também, uma relação de
complementaridade entre o “arcaico” e o “moderno”127. Possibilitou, por meio dessa
combinação de graus e ritmos desiguais de desenvolvimento, que o nordeste cumprisse a
função de fornecedor de uma abundante força de trabalho que poderia atender às exigências
migratórias das regiões necessitadas de trabalhadores. Esse é o caso do Oeste, pois:

“Entre os setores da população que seriam direcionados para a política do


povoamento estavam trabalhadores pobres, flagelados, retirantes das secas e ex-
reservistas, que seriam direcionados para as grandes áreas de assentamento
agrícolas, expandindo as fronteiras internas”128.
O que leva alguns autores a apontar que, desse modo, a ocupação do interior, via a
idéia de fronteira em expansão, fora “a garantia da perversa aliança entre a burguesia
industrial e o latifúndio” 129.

Isso porque, a ocupação das áreas vazias do interior brasileiro, por um novo tipo de
trabalhador rural, produtor e consumidor de mercadorias, originário das áreas historicamente
estagnadas e que possibilitavam a geração de excedentes populacionais, estabeleceu relações
de complementaridade entre as regiões brasileiras, sustentadas nos ritmos e nos graus
diferentes de desenvolvimento econômico.

Assim, se por um lado, a construção da nacionalidade brasileira, do ponto de vista


cultural, pensava na homogeneização da identidade nacional, procurando preservar e valorizar

127
O aprofundamento dessa questão pode ser encontrado em OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista.
Petrópolis: Vozes, 1981.
128
BESCOW, Gabriela Carames. A construção do homem rural: intelectualidade e diagnósticos sobre a a
nacionalidade brasileira. Disponível em www.nead.gov.br/tmp/encontro/cdrom/gt/6/Gabriela_Beskow.pdf .,
p. 10. Acessado em 15/01/2007, 15:30 h.
129
SILVA, José Graziano. A modernização dolorosa - Estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais
no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Extraído de BESCOW, Gabriela Carames. op. cit., p. 9.
96

as diferentes características culturais de cada região, por outro lado, a construção da


nacionalidade pelo viés econômico, também visava à integração do mercado nacional e a
criação de nexos entre as diferentes regiões, para isso, também era necessária, combinação
das especificidades das diferentes regiões e a combinação de suas desigualdades de
desenvolvimento. A região “sujeito” deveria comandar as articulações econômicas, contando
com a colaboração das regiões “objeto”, tais quais as mesmas aparecem no discurso de
Vargas acima citado.

2.2 erradicação do perigo estrangeiro.

A existência de espaços poucos povoados e desarticulados da vida econômica


nacional, com a conseqüente necessidade de seu povoamento, como forma de manter a
integridade do território nacional e de favorecer a construção da nacionalidade, aponta, ainda,
para uma forte preocupação que também esteve presente na definição dos elementos
constituintes de uma política relativa aos deslocamentos populacionais: a preocupação com o
perigo estrangeiro e a necessidade de sua neutralização. Tal preocupação tem origem numa
avaliação crítica da política imigrantista levada a cabo pelo regime anterior ao instituído pela
Revolução de 1930.

A política imigrantista anterior era considerada um fator de estímulo à fragmentação


territorial brasileira, pois, havia privilegiado o imigrante estrangeiro. Este havia sido elemento
prioritário da ocupação e povoamento de partes importantes do território nacional e de
composição da força de trabalho nas regiões mais dinâmicas da economia nacional. O
isolamento e a presença numericamente majoritária de estrangeiros em algumas áreas
favoreceram a constituição de núcleos homogêneos de imigrantes que não se ligaram à
sociedade brasileira e, por isso, preservaram seus costumes, a utilização do idioma estrangeiro
e permaneceram profundamente ligados economicamente aos seus países de origem por meio
do consumo de produtos e pelas remessas em dinheiro. Tal situação era agravada pelo caráter
exportador da economia brasileira que não integrava o mercado e impedia a criação de
vínculos consistentes entre as diferentes regiões do país e favorecia, ainda, o liberalismo
econômico e político. Tais críticas às práticas imigratórias anteriores a 1930 é bastante
perceptível em Vargas:

“Há noventa anos passados chegava no vale do Itajaí a primeira colônia dos
povoadores alemães. Decerto, no meio de imensas florestas, foram deixados ao
abandono. Abateram a mata, lavraram a terra, lançaram a semente, construíram
suas casas, formaram as lavouras e ergueram o edifício de sua prosperidade. Dir-
se-á que custaram muito a assimilar-se à sociedade nacional, a falar a nossa
língua. Mas a culpa não foi deles, a culpa foi dos governos que os deixaram
97

isolados na mata, em grandes núcleos sem comunicações. Aquilo que os colonos de


então pediam era o binômio de cuja resultante deveria sair a sua prosperidade. Só
pediam duas coisas: escolas e estradas, estradas e escolas. No entanto, a população
que prosperava isolada, devido somente ao seu próprio esforço, só tinha uma
impressão de existência do governo. Era quando este se aproximava dela como
algoz para cobrar-lhes impostos, ou como mendigo, para solicitar-lhes o voto. O
governo que se aproximava somente quando precisava dos votos perdia a
respeitabilidade, porque vivia de transigências. E à troca desses votos, não vacilava
em desprezar os próprios interesses da nacionalidade”130.
O isolamento do imigrante estrangeiro em relação à sociedade brasileira havia, dessa
forma, dado origem aos chamados enquistamentos étnicos. Segundo o entendimento do
governo, de seus técnicos e de intelectuais comprometidos com o regime, esses espaços,
refratários à vida nacional, desenvolviam e aprofundavam características autárquicas,
comportando-se como corpos estranhos ao corpo social e econômico nacional.

Tal fato gerava situações problemáticas. Primeiro, porque os chamados


enquistamentos étnicos, num contexto de fortes pressões expansionistas, por parte de algumas
nações centrais, poderiam converter-se em elementos de apoio para que essa expansão se
realizasse sobre o território nacional, o que, obviamente, implicaria em sua fragmentação. Isso
adquire grande importância se lembrarmos que esses imigrantes, concentrados, sobretudo, no
sul e sudeste do país, possuíam a nacionalidade, ou descendência, de Estados nacionais que,
no momento, apresentavam fortes tendências expansionistas e desenvolviam conquistas
territoriais externas - casos da Alemanha, Itália e Japão - e que esses Estados procuravam
organizar e instrumentalizar tais imigrantes na defesa de seus interesses131. Além disso, a
manutenção dos hábitos de consumo dos países de origem fazia dos núcleos homogêneos de
imigrantes um mercado cativo para as exportações desses países, transformando-os em
agentes difusores do consumo de produtos importados132.

A presença de colônias homogêneas ameaçava, portanto, a integridade territorial do


país, a unificação do seu mercado e a construção de uma nacionalidade brasileira, na medida
em que se comportavam como encraves estrangeiros, refratários à cultura e aos produtos
nacionais, onde ocorria o iminente perigo do expansionismo externo. A presença estrangeira e
a sua resistência à integração à sociedade brasileira haviam se transformado num obstáculo à

130
VARGAS, Getulio. Relatório da comissão de nacionalização ao Ministro Capanema. Outubro de 1940.
Arquivo Lourenço Filho, FGV / CPDOC, p. 6. citação extraída de SCHWARTZMAN, p. 157/158
131
Ver NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p. 31.
132
Esse foi, inclusive, um dos motivos que animaram a formulação e a implementação, na segunda metade do
século XIX e início do século XX, de uma verdadeira política de transferência populacional por parte de alguns
países europeus, como a Itália e a Alemanha. Ver IANNI, Constantino. Homens Sem Paz. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1974, cap. 1 e NASCIMENTO, Benedicto Heloiz, op. cit, p. 27/ 30
98

realização do imperialismo interno brasileiro, tornando estrangeiras partes significativas do


território nacional.

Assim, no contexto das décadas de 1930/1940, a visão dominante em relação ao


imigrante estrangeiro, que anteriormente era positiva, passou a ser negativa. De elementos
prioritários para o povoamento do território e para a formação da força de trabalho, passaram
a ser encarados com desconfiança e considerados como assunto de segurança nacional.
Portanto, a política em relação a eles necessitava ser modificada, principalmente no que se
referia à sua utilização em políticas colonizadoras. O posicionamento de técnicos da
Secretaria da Agricultura de São Paulo é bastante evidente em relação a esse assunto:

“A antiga colonização oficial do Estado, que facilitava a predominância de


determinadas nacionalidades [...] necessitava ser completamente modificada
evitando-se que núcleos oficiais se constituíssem em organismos à parte da
comunidade paulista. Isolavam-se. Representavam um verdadeiro prolongamento
das pátrias de origem dos colonos estrangeiros, predominantes. A pequena
assistência prestada pelo Estado não conseguia enfraquecer os vigorosos vínculos
sentimentais que continuavam a prendê-los à terra natal, facilitando a formação dos
quistos raciais. A colonização familiar veio corrigir essas falhas. Ela procura criar,
em torno do colono estrangeiro, um ambiente que, tanto quanto possível, o ensine
viver à maneira brasileira. [...] É mister integrar o quanto antes à vida nacional”
133
.
Dentre as diferentes nacionalidades situadas no Brasil, a maior preocupação ocorria
em relação aos imigrantes alemães, apesar do intenso intercâmbio comercial estabelecido
entre os governos desses dois paises134. Além da importante presença da propaganda e da
agitação nazista entre os imigrantes, e descendentes, radicados no Brasil, essa preocupação
decorria da avaliação, feita pelo exército e por outros membros do governo, de que o
expansionismo alemão era bastante agressivo. Tal avaliação estava embasada numa
concepção de nacionalismo expressa pelo pangermanismo, que defendia a idéia de que a
manutenção da lealdade e da tradição germânica, por nacionais alemães, em qualquer parte do
planeta, era a forma de tornar também alemão os espaços por eles habitados.

“Se o sentimento de nacionalidade ganha prioridade sobre o interesse de Estado,


ele pode se desprender de barreiras territoriais, unificando em torno desse ideário
as populações dispersas em outras regiões que não pertencem ao país de origem.
Esse movimento de unificação funciona ao mesmo tempo como elo de ligação e
expansão do sentimento nacionalista nas mais distantes regiões do globo. [...] o que
permitia a permanência da nacionalidade qualquer que fosse a contingência
histórica.
Desta forma, manter uma tradição comunitária e cultural germânica fora da
Alemanha era mais do que simplesmente conservar hábitos e valores culturais; era
a forma de tornar alemão o espaço ocupado por esses grupos” 135.

133
Processo da Secretaria da Agricultura número 6866 de 24/5/1938. Citação extraída de PAIVA, Odair da Cruz.
P, 41.
134
No ano de 1938, a Alemanha se colcou como o primeiro lugar no comércio internacional brasileiro.
135
SCHWARTZMAN, Simon et al. op. cit., p. 168.
99

Embora o temor em relação aos alemães fosse o mais disseminado, havia também
avaliações negativas contra a imigração japonesa considerada de difícil assimilação. Os
japoneses, segundo interpretações correntes, apresentavam hábitos completamente distantes
dos brasileiros. Devido à sua cultura oriental e à sua disciplina, mostravam-se avesso a uma
maior abertura em relação à sociedade brasileira. Tal avaliação ganhava maior amplitude em
virtude dos japoneses insistirem na utilização de livros produzidos no Japão na educação de
seus descendentes e realizarem constantes embarques de membros de sua colônia para cursos
no Japão136. As características físicas dos japoneses, dominantes em casos raros de
miscigenação, eram outros elementos considerados perigosos, pois ameaçavam a morfologia
brasileira:

“Não se deve aplicar o mesmo critério assimilador a asiáticos e europeus. Por


maior que seja a nossa boa vontade, por mais profundo que seja o nosso instinto de
cordialidade internacional, cumpre-nos defender os caracteres morfológicos do
povo brasileiro, preservar as suas possibilidades de aproximação com os tipos
europeus iniciadores, mantendo à parte os grupos asiáticos e impedindo o seu
desenvolvimento. Destarte, o problema japonês fica desde logo definido como um
problema de política imigratória. A nacionalização, neste caso, não deve significar
assimilação étnica” 137.
Os italianos, embora considerados, pela sua origem latina, muito mais próximos à
cultura nacional e mais adaptáveis, também passaram a ser vistos com certa desconfiança.
Tais desconfianças relacionam-se, basicamente, a alguns aspectos fundamentais. No sul do
país, a utilização de imigrantes italianos, em finais do século XIX, em políticas de
povoamento, e a sua concentração em núcleos homogêneos, havia dado origem a
comunidades pouco permeáveis a uma integração com a sociedade brasileira.
Simultaneamente, a grande presença numérica, como força de trabalho, nas regiões mais
dinâmicas da economia nacional também havia permitido o surgimento de associações de
caráter nacional italiano, tanto no campo quanto nas cidades138. Por outro lado, a concentração
numérica no mercado de trabalho urbano, principalmente em São Paulo, onde formaram um
grande contingente dos operários e tiveram uma significativa participação em movimentações
de caráter trabalhista, fez com que tais imigrantes fossem identificados, muitas vezes, como
adeptos de visões revolucionárias e anarquistas, ou seja, como elementos de ideologias de
caráter revolucionário e internacionalista.

136
SCHWARTZMAN, Simon et al. op. cit., p. 150
137
. Relatório da comissão de nacionalização ao Ministro Capanema. Outubro de 1940. Arquivo Lourenço Filho,
FGV / CPDOC, p. 6. citação extraída de SCHWARTZMAN, Simon et al. op. cit., p. 150
138
Exemplo disso foi o famoso caso da obrigatoriedade, em 1942, da mudança de denominações de organizações
esportivas cujo nome era “Palestra Itália”. Casos dos atuais clubes Palmeiras e Cruzeiro, em São Paulo e Belo
Horizonte, respectivamente.
100

A presença de ideologias revolucionárias internacionalistas também passou a ser


associada aos imigrantes oriundos do leste europeu, devido ao fato de que essa região passara
por conflitos políticos e processos revolucionários recentes, nos quais o bolchevismo havia
tido participação importante. Diante disso, os imigrantes estrangeiros, efetivamente, passaram
a representar ameaças por expressarem duas grandes características que se antepunham à
consolidação de um capitalismo brasileiro, construído pela integração do mercado nacional,
inclusive o mercado de trabalho: por um lado, o nacionalismo exacerbado e a lealdade dos
imigrantes aos seus países de origem; por outro, o internacionalismo, relacionado ao
comunismo.

“O imigrante tem de ser, entre nós, fator de progresso e não de desordem e


desagregação. Somos coerentes. Assim como procuramos destruir os excessos de
regionalistas e o partidarismo faccioso dos nacionais, com maior razão, temos de
prevenir-nos contra a infiltração de elementos que possam transformar-se,
fronteiras a dentro, em focos de dissenções ideológicas ou raciais” 139.
Entretanto, a preocupação com os imigrantes de nacionalidade ou descendência,
japonesa, italiana e, principalmente, alemã, a partir dos anos de 1930 e 1940, possuía, ainda,
uma explicação menos aparente. O desenvolvimento histórico e a realidade contemporânea
desses países apresentavam algumas semelhanças com o que ocorria com o Brasil no período,
por isso, seus interesses, naquele momento, apresentavam contradições com o projeto
brasileiro de desenvolvimento de capitalismo industrial de base nacional.

A Itália, o Japão e a Alemanha eram países centrais, que, no entanto, alcançaram o


desenvolvimento industrial de maneira retardatária. Isso impôs algumas características para os
seus processos de desenvolvimento. Foram paises que se desenvolveram rapidamente e a
industrialização teve que contar com uma importante e decisiva participação do Estado. O
caráter e o momento de seus processos de industrialização provocaram, também, um atraso na
participação desses paises nos processos de expansão colonial, ocorridos na segunda metade
do século XIX, que foram liderados pela Inglaterra e, em menor escala, pela França.

Ao mesmo tempo, esses países possuíam um grande excedente populacional. que não
podiam ser absorvidos pelas conquistas coloniais. Como possuíam extensões territoriais
medianas, onde praticamente não existiam “vazios demográficos”, os excedentes
populacionais também não puderam ser utilizados em processos internos de conquista, pois os
seus territórios já estavam completamente integrados à atividade econômica.

139
VARGAS, Getúlio. Entrevista à imprensa em 10 de novembro de 1938. In Diretrizes...op. cit., p. 292.
101

Assim, os excedentes populacionais transformaram-se em um contingente de


trabalhadores a ser dirigido a países carentes de população e/ou força de trabalho. Por isso,
esses países notabilizaram-se, no século XIX e início do século XX, por possuírem um alto
potencial emigratório.

As necessidades de mercado para as suas indústrias, o grande potencial migratório e a


prática intervencionista desses países, levaram à formulação de políticas de emigração que se
comportassem como sucedâneas às colônias afro-asiáticas. Para tal, a formação de colônias
nacionais homogêneas em países receptores de imigrantes passou a ser considerada como a
possibilidade de construção de uma nova modalidade de colonização, diferente da que era
assegurada pela ocupação militar dos paises europeus na África e na Ásia. Ou seja,
trabalhando em outros países, esses emigrantes poderiam ter acesso a uma determinada renda;
preservando suas características culturais e seus hábitos de consumo, transformar-se-iam em
consumidores cativos de mercadorias de seus países de origem e por manterem ligações e
parte da família em seus países de origem, remeteriam, ainda, renda que ajudaria a irrigar a
sua economia nacional. A emigração, portanto, permitiria que esse excedente populacional se
convertesse em elementos nacionais economicamente ativos em outras partes do mundo,

De fato, a emigração estimulada para paises americanos como o Brasil, a Argentina e


os EUA, principalmente, passou a ser parte importante das políticas econômica, externa e
comercial desses paises, substituindo, muitas vezes com vantagens, as colônias militares,
inglesas, francesas e belgas na Ásia e África.

Isso demonstra que a utilização de imigrantes como fator de desenvolvimento


econômico e industrial não era novidade na política externas desses paises. Entretanto, tal
situação tornar-se-ia mais contundente no período pós-Primeira Grande Guerra. A derrota
alemã e a não colheita dos frutos da vitória, por parte da Itália, fomentou o desenvolvimento,
nesses paises de forças políticas e de ideologias que defendiam a retomada de políticas
fortemente nacionalistas e expansionistas, conduzidas pelo Estado, como forma de
recuperação do atraso na disputa pela liderança no mundo. Isso foi utilizado primeiramente
na Itália, com a ascensão do fascismo, já na década de 1920.

A grande crise iniciada em 1929, cuja eclosão foi bastante associada ao Liberalismo,
aprofundou tais concepções e culminou, na Alemanha, com a ascensão do nazismo. Assim, no
início da década de 1930, houve um novo acirramento dos conflitos interimperialistas, com a
emergência e a consolidação de regimes antiliberais, nacionalistas, expansionistas e
militaristas que pregavam abertamente a expansão territorial como forma de ampliar as suas
102

áreas de influência e com isso conquistar a liderança internacional. Exemplos disso podem ser
encontrados na disposição italiana de alcançar possessões na África e na disposição alemã de
reconquistar o seu espaço vital na Europa. O Japão, por seu turno, também apontava para
avanços no sudeste asiático e no Pacífico.

É verdade que houve uma diminuição no número de imigrantes oriundos desses países
na década de 1930140. Entretanto, de acordo com a avaliação do governo brasileiro tal situação
não eliminou o interesse em se continuar utilizando os imigrantes como possibilidade de
construção de espaços políticos e econômicos extraterritoriais. Pelo contrário, avaliava-se que
o novo contexto havia redimensionado tal prática dando-lhe um novo caráter, quiçá, mais
agressivo. Segundo o governo brasileiro, os imigrantes, e seus descendentes, passaram, então,
a ser potencialmente encarados, pelos governos desses países, como potenciais instrumentos
de expansão sobre o território brasileiro. Tal situação se tornou muito mais preocupante
quando se observou a inevitabilidade do conflito mundial, o estabelecimento de alianças entre
esses países e se tornaram mais evidentes com as notícias sobre um projeto nazista de se criar
uma Alemanha Antártica, a partir das colônias do sul do Brasil.

Assim, se por um lado as experiências italiana, alemã e japonesa, em procurar


encaminhar e aprofundar os seus processos de desenvolvimento industrial por meio da
intervenção estatal e da utilização de deslocamentos populacionais, como forma de anexar
territórios e ampliar o mercado de suas indústrias nacionais, serviram de modelo e inspiração
ao governo brasileiro no pós 1930, as agressivas políticas expansionistas, procurando ampliar
as suas áreas influência, na tentativa de conquistar a liderança no planeta, numa conjuntura
internacional de crise econômica e de acirramento das disputas interimperialistas, provocaram
enormes receios nas autoridades brasileiras.

É possível, então, afirmar que as experiências desses paises, apresentaram-se ao


Brasil, ao mesmo tempo, como modelo e como limite. A ênfase no caráter antiliberal,
autoritário, expansionista e nacionalista foi reinterpretada, ligando-se à idéia da necessidade
de conquistas e de ampliações do território como forma de ampliar, também, o mercado para a
sua produção industrial. Num país, como o Brasil, de vastos territórios intocados, tais práticas
foram interpretadas como necessidade de se conquistar e integrar esses espaços à atividade
econômica por meio de conquistas e colonizações internas. Entretanto, a possibilidade latente
de que o expansionismo desses países se desse com base no território brasileiro, a partir das

140
Essa diminuição era muito maior entre os imigrantes italianos e menos evidente em relação aos imigrantes
alemães.
103

colônias aqui instaladas, que possuíam um histórico de lealdade nacional aos seus países de
origem, justificavam a adoção de medidas voltadas a estabelecer um forte controle sobre os
estrangeiros.

Uma ação expansionista estrangeira, principalmente, por meio de um avanço do


Estado alemão que se constituía em um importante parceiro econômico e comercial do Brasil,
era constantemente aventada, em meados da década de 1930. A afirmação abaixo, embora
deliberadamente alarmista por ter sido feita em uma publicação americana, não deixa dúvidas
em relação a isso:

“O que ela (a Alemanha) cobiça é a imensa riqueza natural brasileira. A sua posse
resolveria completamente todos os problemas que a sua política de militarismo
econômico origina. A conquista por assalto não seria uma política prática, mas o
domínio efetivo dos recursos brasileiros poderia ser obtido infiltrando-se no Brasil
como um “aliado ideológico”, para, por essa forma, converter o Brasil num vassalo
econômico e político da Alemanha. As possibilidades econômicas brasileiras são
tão ilimitadas que o domínio delas pela Alemanha significaria uma realização
rápida do objetivo expansionista da hegemonia germânica através do mundo. Em
resumo, este é o escopo das ambições germânicas no Brasil”141.
Assim, a prática e a ideologia nazi-fascistas, também, eram consideradas, tais como o
bolchevismo, como concepções internacionalistas, estranhas à realidade nacional e que, por
isso, ameaçavam a construção de um projeto de desenvolvimento capitalista nacionalista no
Brasil.

Era inconcebível, por isso, que os imigrantes estrangeiros continuassem a ter o papel
ativo e preponderante que haviam tido até então nos movimentos migratórios no Brasil. Era
temeroso que os mesmos continuassem a ser o elemento numericamente preponderante nos
processos de conquista e de colonização das novas áreas que seriam integradas ao mercado
nacional, pois isso implicava um possível favorecimento ao expansionismo externo e,
portanto, em riscos à integridade territorial brasileira.

Era temeroso, também, que continuassem a ter forte peso sobre o proletariado urbano,
uma vez que, embora ainda pequena, a combatividade operária era atribuída à sua
contaminação por ideologias estranhas como o bolchevismo e o anarquismo, personificadas
nos estrangeiros. Essa questão adquire maior importância se relembrarmos que, no momento
que nos ocupa, a formação de um mercado de trabalho urbano, abundante, que não exercesse
pressões sobre a taxa de salários, também se colocava como adequada e fundamental para o
desenvolvimento. Não é de se estranhar, portanto, que se pensasse em substituir, na formação

141
HANLOCH, Ernesto. In: Arquivo Gustavo Capanema, 18 de maio de 1939, p. 6 e 7. Pasta I-11, série g.
citação extraída de SCHWARTZMAN, Simon et al. op. cit., p. 169
104

desse mercado de trabalho urbano, os trabalhadores estrangeiros por trabalhadores nacionais,


oriundos do interior, sem problemas de adaptação à sociedade nacional, além de menos
organizados politicamente e sem controle de firmas ou autoridades estrangeiras.

Era necessário, portanto, diluir a influência estrangeira sobre a sociedade e, assim,


diminuir os riscos de sua presença em solo brasileiro. Isso conduz a um outro elemento
constituinte da política relativa aos deslocamentos populacionais: a valorização do trabalhador
nacional nos processos de deslocamento populacional. Essa valorização se deu tanto nos
movimentos que tinham o sentido campo-campo, quanto nos que tinham o sentido campo-
cidade. Entretanto, como esses deslocamentos populacionais visavam à integração do espaço
brasileiro e o trabalhador brasileiro era um trabalhador a ser construído, tornava-se
interessante aproveitar a disciplina demonstrada pelos estrangeiros. Tal visão levou o
governo a adotar de programas de assimilação e controle dos imigrantes, simultaneamente a
um processo de educação e disciplinamento do trabalhador brasileiro.

2.3 A valorização do trabalhador nacional nos processos de deslocamento populacional.


O que foi desenvolvido no item anterior explica a preocupação existente em relação
aos estrangeiros, que no modelo econômico anterior, primário-exportador, haviam sido os
elementos privilegiados nas áreas dinâmicas da economia e daquelas que a elas se articularam
em virtude do avanço das frentes pioneiras, e porque se passou a valorizar o trabalhador
nacional.

Essa opção pelo trabalhador nacional é compreensível por uma série de elementos
apontados anteriormente, além da preocupação em se manter a integridade territorial
brasileira, de se construir a nacionalidade e de se afastar o perigo estrangeiro, a valorização do
trabalhador nacional nos processos relativos aos deslocamentos populacionais também se
relaciona com o modelo de sociedade que se procurava alcançar naquele momento e o tipo de
Estado que deveria dirigir esse processo.

Já comentamos bastante acerca da relação entre os deslocamentos populacionais e da


importância que lhes fora atribuída como forma de se modernizar o país. Modernização essa,
muita vezes, utilizada como eufemismo para a industrialização. Também já se comentou que
esse processo, para ser encaminhado, necessitava de um rompimento com as práticas
econômicas liberais e precisava ser encaminhado por um Estado interventor.

A emergência desse Estado de novo tipo no Brasil foi fortemente influenciado por
concepções teóricas que, originárias de uma vertente do modernismo, eram encampadas por
105

vários pensadores conhecidos como “capitalistas autoritários”. Esses pensadores, embora com
diferentes influências e nuances, concordavam com o fortalecimento do Estado Nacional, com
a eliminação dos poderes locais e com a supremacia do executivo frente aos outros poderes, o
que, por sua vez, fazia com que também defendessem a adoção de medidas técnicas em
substituição às medidas políticas, uma vez que essas expressariam interesses de parcelas da
sociedade e não da sociedade como um todo142. Assumiam a defesa da ordem capitalista,
como se observa no trecho abaixo:

“A crítica era ao tipo de desenvolvimento capitalista anterior a 1930, à sua


sustentação política e à sua ideologia, mas não às instituições básicas do
capitalismo enquanto tal. Como afirma Eli Diniz “não há antagonismo entre o
antiliberalismo radical, expresso por esses autores, e o apoio aos aspectos básicos
da ordem capitalista. Ao contrário, existe uma aceitação dos pressupostos do
funcionamento do sistema burguês”. Mostra ainda Diniz a convergência entre o
pensamento autoritário e os interesses da burguesia industrial da época,
principalmente no que tange à integração do mercado interno, obstada pela
autonomia tributária e administrativa estadual assegurada pela constituição de
1891”143.
Em suma, em oposição ao capitalismo individualista preconizado pelo liberalismo,
uniam-se atributos na defesa de um coletivismo capitalista, muito próximo das visões de um
organicismo social, no qual a sociedade deveria se caracterizar, tal qual um corpo social, pela
unidade e indivisibilidade, pela hierarquia e pela harmonia social. Os referidos atributos para
se realizarem e possibilitarem o encaminhamento ao progresso e ao desenvolvimento,
necessitavam da ação construtora do Estado. É preciso reafirmar que Vargas, devido à sua
origem política e intelectual no Positivismo gaúcho, possuía visão de mundo bastante próxima
a essa.

Nesse sentido, o ponto de união entre os diferentes indivíduos e grupos sociais seria a
Nação, como afirmava Azevedo Amaral: “no organismo social todos os indivíduos e grupos
sociais estão integrados com ele como parte integrante que são da coletividade nacional” 144.
Assim, a difusão da ideologia nacionalista era o fator que tornaria possível chamar a harmonia
e a unidade social em prol do desenvolvimento, afastando todo tipo de concepções e práticas
que enfatizassem a divisão e a luta entre os diferentes segmentos sociais.

Isso é um outro fator que nos leva à compreensão da valorização do trabalhador


brasileiro como agente prioritário dos deslocamentos populacionais. Justamente por não estar
pronto e necessitar ser construído, esse trabalhador era considerado como não contaminado

142
ver FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p. 191
143
FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p. 192
144
AMARAL, Azevedo. O Estado autoritário e realidade nacional. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, p.
285
106

por influências alienígenas e dissolventes da nacionalidade, como eram os casos da elite


política exportadora e das lideranças trabalhistas estrangeiras, contaminadas por elementos
internacionalistas como o liberalismo, o bolchevismo e o anarquismo, respectivamente. Não
era também um trabalhador que poderia se converter em quinta coluna ao avanço estrangeiro,
tanto em seu aspecto cultural quanto, efetivamente, físico.

Ora, se os movimentos populacionais, ao integrarem o mercado brasileiro, inclusive o


mercado de trabalho, eram entendidos como um dos fatores da construção nacional,eram
entendidos, também, como fatores de construção de um trabalhador brasileiro de novo tipo.
Pretendia-se, também, a partir da ação disciplinadora do Estado, construir e moldar um
trabalhador nacional que pudesse ser incorporado aos esforços de construção nacional e de
preservação da ordem e da harmonia social. O Estado, dessa forma, emergiria como
construtor de novo trabalhador nacional, adequado às novas necessidades, tanto em sua
vertente rural com em sua vertente urbana. É a isso que Vargas já se referia, quando do
lançamento da Aliança Liberal:

“Tanto o proletário urbano como o rural necessitam de dispositivos tutelares,


aplicáveis a ambos, ressalvadas as respectivas peculiaridades. Tais medidas devem
compreender a instrução, educação, higiene, alimentação, habitação; a proteção às
mulheres, às crianças, à invalidez e à velhice; o crédito, o salário e, até, o recreio,
como os desportos e a cultura artística. É tempo de se cogitar da criação de escolas
agrárias e técnico-industriais, da higienização das fábricas e usinas, saneamento
dos campos, construção de vilas operárias, aplicação da lei de férias, lei do salário
mínimo, cooperativas de consumo, etc.”145.
Dessa forma, a opção pelo trabalhador nacional deveu-se, entre outros fatores,
justamente por que esse novo trabalhador seria aquele que contribuiria para a formação de um
coletivismo solidário, orgânico. O rompimento com o liberalismo, mas não com o
capitalismo, levava à necessidade de construção de uma sociedade baseada nos princípios da
colaboração e da solidariedade de classes.

“As leis de amparo às classes trabalhadoras e de satisfação de suas justas


reivindicações refletem o sentido superior de harmonia social, em que o Estado se
coloca como supremo regulador e em que, sob sua égide, são mutuamente,
assegurados os direitos e impostos os deveres nas relações entre as classes. O
Estado não compreende, nem permite, antagonismos de classes nem explosões
violentas de luta; para esse fim, criou órgãos reguladores que não só coordenam as
relações, como dirimem divergências e conflitos entre as diferentes classes sociais.
[...] O programa de realizações levado a efeito, em matéria de trabalho e
previdência, deve constituir, para nós, motivo de justo orgulho, pelos resultados já
obtidos na sua execução. Nesse programa, não se limitou o Estado Novo a
desenvolver a política de proteção social, em boa hora iniciada em 1930.
Ampliando as diretrizes anteriores, promove, deliberadamente, a valorização do
trabalhador nacional, preocupando-se não somente com as questões jurídicas

145
VARGAS , Getúlio. Diretrizes, op. cit. p 223/224
107

inerentes ao contrato de trabalho, mas, sobretudo com os aspectos sociais e


políticos do problema”146.
Isso também vem demonstrar a estrita ligação do governo do período com os
interesses da acumulação industrial. Tal aspecto fica ainda mais evidente em relação aos
trabalhadores que se movimentavam no sentido dos centros urbanos, uma vez que esses
poderiam ser introduzidos em uma forma de estrutura sindical, colaboracionista e diferente
das anteriores que aplicavam o princípio das lutas de classes, que eram consideradas nocivas à
unidade e ao organismo nacional.

Tais fatos seriam fundamentais para que a organização operária pudesse ser controlada
e deixasse de representar uma ameaça ao desenvolvimento de um capitalismo industrial
nacional. Isso associado ao processo de formação de um mercado urbano de trabalho super
abundante representaria a possibilidade de rebaixamento da taxa de salários, fator altamente
estimulante para o desenvolvimento da cumulação industrial.

Assim, aparecendo como construtor de um trabalhador nacional de novo tipo, o Estado


criou terreno fértil para o surgimento de uma ideologia na qual o governo, principalmente, seu
chefe, seriam os interlocutores diretos dos interesses dos trabalhadores junto às classes
proprietárias. A legislação trabalhista apareceria, portanto, como uma forma de se acenar aos
interesses dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que procurava controlá-los. Tal fato
permitiu a emergência de uma nova forma de dominação baseada num forte personalismo,
que se imbricou à dominação burocrática que se procurava imprimir aos assuntos de Estado,
dando origem também ao que ficou conhecido como populismo. Assim, o populismo pode ser
compreendido como uma forma de dominação constituída:

“no contexto do processo de desenvolvimento das relações de produção capitalistas


[...] nos países latino-americanos e, ao mesmo tempo, como uma modalidade
particular de organização e desenvolvimento das relações e contradições de classe
na América Latina” 147.
Por outro lado, o trabalhador brasileiro, tanto o rural como o urbano, encontrava-se
marcado por visões fortemente pejorativas e por fortes identidades negativas oriundas das
seculares relações escravistas que haviam se desenvolvido no Brasil, precisava ser educado.
Como já foi dito, em afirmações do próprio Vargas, era “necessário incutir-lhes hábitos de
disciplina e economia”. Nesse sentido, os estrangeiros tinham com o que colaborar.

Do ponto de vista dos trabalhadores rurais, era necessário que, nas experiências
colonizadoras, o trabalhador brasileiro também absorvesse o conhecimento e a disciplina dos

146
VARGAS , Getúlio. Diretrizes, op. cit. p, p. 228/229
147
IANNI, Octávio. A formação do Estado populista na América Latina. São Paulo: Ática, 1989, p. 9
108

estrangeiros, por isso, ao relatar uma experiência colonizadora que ocorria no sudoeste
paulista, o Boletim do SIC afirmava:

“O NCBA (Núcleo Colonial Barão de Antonina) é uma mostra inteligente e


persuasiva de assimilação. A personalidade do colono não se anula ao contacto
com o brasileiro. Ao contrário, o que se desejou no, NCBA, é que precisamente o
colono estrangeiro não perca seus traços culturais, para que estes possam
contribuir para melhorar o ambiente em que vive o nacional [...] o trabalhador
brasileiro vivendo lado a lado de operários agrícolas estrangeiros, sabendo
aproveitar e trabalhar melhor a terra, em pouco tempo é senhor de uma soma de
conhecimentos agrícolas que o habilitarão a obter melhor compensação e
rendimento de seu esforço” 148.
Assim, a colonização oficial poderia se tornar o elemento de formação do trabalhador
rural brasileiro, ordeiro e disciplinado, como dizia José Guimarães Duque:

“O colono irrigante (sic) precisa ser moldado, trabalhado, formado nas minúcias de
qualidades morais e nos conhecimentos técnicos para a nova vida. O posto deve ser
a verdadeira escola profissional agrícola, o quartel da disciplina do trabalho e a
igreja da formação espiritual capaz de transformar o elemento inútil – flagelado –
em célula produtiva – colono irrigante”149.
As escolas profissionais, a ideologia do trabalho, o combate à malandragem e a
introdução da carteira de trabalho seriam a versão urbana da formação desse novo trabalhador
brasileiro.

2.4 A construção de um mercado Nacional de trabalho


Tudo leva a crer, também, que a opção pelo trabalhador brasileiro estivesse ligada à
necessidade de se formar, decisivamente, um mercado de trabalho verdadeiramente nacional,
não só possibilitando a circulação, mas também ampliando a oferta de trabalhadores nacionais
para as regiões mais dinâmicas da economia. Trabalhadores que se dirigissem às áreas
urbanas que passavam por acelerado processo de industrialização e que substituíssem outros
de algumas regiões do interior paulista que estavam se transferindo para os centros urbanos e
para algumas frentes pioneiras com as do norte do Paraná.

Os deslocamentos populacionais, tanto no rumo da capital paulista quanto da frente


pioneira do norte do Paraná, contaram com importante participação de trabalhadores
anteriormente estabelecidos no interior do Estado de São Paulo, principalmente os do antigo
oeste (região situada no eixo Campinas – Ribeirão Preto).

Essas novas características dos movimentos migratórios indicavam a construção de


uma nova relação de complementaridade entre as diferentes regiões do país, a partir de uma

148
A colonização oficial em São Paulo e o Núcleo Colonial Barão de Antonina. In Boletim do SIC, São
Paulo, outubro de 1940, p. 16.
149
DUQUE, José Guimarães. O fomento da produção agrícola. In Boletim do IFOCS. Vol. II, n. 2, 1939.
109

combinação de seus diferentes graus e ritmos de desenvolvimento. As regiões mais dinâmicas


da economia brasileira, estimuladas pela industrialização, ou pela nova marcha do café,
passaram a atrair, com maior intensidade, contingentes populacionais de outras regiões do
país, estagnadas ou menos dinâmicas150.

Tal situação não deixou de ser uma novidade, já que no modelo anterior os
movimentos migratórios para as regiões dinâmicas da economia brasileira, basearam-se, em
sua maioria, na atração de imigrantes originários de países que passavam por processos
rápidos de desenvolvimento. Este foi o caso de países como a Itália e o Japão, cujos
imigrantes aqui chegaram em grande número, respectivamente, em finais do século XIX e nas
primeiras décadas do século XX. Isso demonstra que o mercado mundial de trabalho formou-
se mais rapidamente que o mercado de trabalho no Brasil. A escassez de mão-de-obra nas
áreas dinâmicas no processo de formação do capitalismo primário-exportador brasileiro pôde
ser suprida com o excedente populacional estrangeiro.

Isso não se deveu à escassez populacional no Brasil, mas, sobretudo, ao fato de que a
liberação da mão-de-obra brasileira, necessitaria de gastos e, até mesmo de esforços, muito
maiores do que aquele necessário para o uso mão-de-obra disponível em outros países. A
mão-de-obra nacional não se encontrava totalmente liberada, pois, além do fato do processo
de abolição ter sido longo, lento e descontínuo, os homens livres pobres, não se encontravam
totalmente disponíveis no mercado. Permaneciam vinculados à produção de subsistência ou
atrelados aos grandes latifundiários151.

Dessa maneira, a sua arregimentação só poderia ser feita com o concurso dos grandes
proprietários de terras das regiões estagnadas, o que, obviamente, não lhes era interessante,
pois enfraqueceria os seus poderes políticos e sociais locais, ou por meio de problemas
naturais, como a ocorrência de secas152. Além disso, outro fator que obstava a utilização dos
trabalhadores nacionais na formação do mercado de trabalho era a sua dispersão espacial, que
dificultava a sua arregimentação. Devemos lembrar as dificuldades de comunicação e as
distâncias existentes entre as regiões do país

Essa situação começou a se modificar no período precedente, durante a década de


1920. A maior penetração da economia paulista em outras regiões do país acelerou o processo
150
Ver MOTA, Antonio Carlos Casulari Roxo da. Análise de fatores determinantes das migrações em São
Paulo. In: Informe demográfico, no. 06. São Paulo: Fundação SEADE, 1981.
151
Ver SZMRECSANYI, Tamás. Pequena história da agricultura no Brasil. São Paulo: Contexto, 1998, p.
41-45
152
As secas do início da década de 1870 explicam a vinda de um razoável número de migrantes cearenses para a
cafeicultura em São Paulo, no mesmo período.
110

de desestruturação de outros complexos econômicos, tornando mais elástica a oferta de mão-


de-obra nacional. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento mais acelerado da economia paulista
teve como resultado o maior incremento de seu sistema de transporte, se comparado ao de
outras regiões do país. Assim, o desenvolvimento ferroviário vinculado à economia cafeeira,
mesmo voltado à ligação de regiões produtoras com os portos, favoreceu o deslocamento de
trabalhadores nacionais para São Paulo e para outras áreas que estavam se articulando ao seu
desenvolvimento. De tal maneira que a utilização da ferrovia se revelou como uma importante
alternativa de transporte de trabalhadores brasileiros no pós 1930153.

É importante lembrar que as ferrovias tiveram importância significativa na integração


de mercados e no desenvolvimento de concorrências inter-regionais que acabaram
favorecendo o complexo econômico paulista em detrimento de outros complexos regionais.
Assim, quando nos referimos à integração do mercado, a partir da década de 1930, não nos
referimos apenas à sua face comercial, mas também ao mercado nacional de trabalho. Ou seja,
a partir desse momento, esse mercado necessitaria ser cada vez mais integrado, para que a
força de trabalho pudesse se reproduzir endogenamente, sem o necessário recurso a fontes
externas e que esses trabalhadores estivessem disponíveis para serem utilizados nas áreas
onde as novas atividades dinâmicas estivessem florescendo.

Até aqui estivemos comentando os princípios que estiveram na base da formação de


uma política migratório no primeiro governo Vargas. As próximas seções procurarão verificar
como esses princípios foram aplicados na prática.

153
Ver PAIVA, Odair da Cruz, op. cit., p. 88
111

Parte III
POLÍTICAS MIGRATÓRIAS, DESENVOLVIMENTO E NOVO PADRÃO DE
ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
112

Seção 1

O processo de ampliação das tarefas e da intervenção do Estado sobre as políticas


migratórias:
Por ter sido, por um lado, um país marcado, desde o início, como um território a ser
conquistado, pois resultado de um processo colonização, “uma área criada como economia
complementar” e “como soma de fundos territoriais ao território português” e, por outro
lado, por ser um país que se encontra, ainda atualmente, em pleno processo de ocupação e
conquistas internas154, as questões relativas aos deslocamentos populacionais, como formas de
ocupação populacional e de desenvolvimento de atividades produtivas, tiveram constante
presença na História do Brasil.

Por ter herdado um vasto território de dimensões continentais, o Estado Nacional


Brasileiro, logo no início de seu processo de formação, já se preocupava, por meio de
iniciativas do Governo Imperial, em atrair populações para povoar determinadas regiões do
país. Isso explica a política de atração de imigrantes para a região sul, particularmente de
alemães, que foram estabelecidos na região do Vale dos Sinos, já a partir de 1824 até a década
de 1870. Tal iniciativa, que repetia a experiência de atração de açorianos, na segunda metade
do século XVIII, no período colonial, continuou com a fixação de italianos, oriundos da
Província do Veneto, a partir da década de 1870, na região que ficou conhecida como Serra
Gaúcha. Processo semelhante ocorreu, também, na Região de Nova Friburgo, atual Rio de
Janeiro, onde imigrantes alemães se estabeleceram, a partir, também de 1824, seguindo a
experiência de fixação de imigrantes suíços, em 1819. Houve, também, a criação de alguns
núcleos coloniais já no ano de 1829155. Posteriormente, tal experiência continuou com a
criação, pelo governo imperial, de núcleos em outras regiões do país como os de Pariquera-
Assu e Cananéia em São Paulo, no início da década de 1860. A política de atração de
imigrantes e a criação de alguns núcleos coloniais, nesse momento, tinham como objetivos
primordiais a ocupação territorial.

A preocupação com a atração de trabalhadores imigrantes, contudo, começa a ganhar


dimensões diferentes a partir de 1850, quando se inicia, de forma mais evidente, o processo de
transição do trabalho escravo para relações de trabalho formalmente livres156. A partir desse

154
Ver MORAES, Antonio Carlos Robert de. Ideologias geográficas. 3 ed. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 94
155
O exemplo dessa iniciativa na província de São Paulo é o Núcleo de Santo Amaro criado em 1829.
156
Duas questões demonstram de maneira exemplar essa preocupação: a promulgação da lei de proibição do
tráfico de escravos, a Lei Eusébio de Queiroz, logo seguida pela lei de Terras. Outras iniciativas, ocorridas no
mesmo ano, também são vinculadas a essa problemática, tais como a Reestruturação da Guarda Nacional e a
113

momento, passou a fazer parte das preocupações a necessidade de se encontrar sucedâneos


para a força de trabalho escravo nos complexos econômicos exportadores, mormente o
cafeeiro, que iniciava a incorporação do Oeste Paulista onde o maior dinamismo econômico
convivia com a maior carência de trabalhadores.

Já são bastante estudadas as tentativas de atração de trabalhadores imigrantes para essa


região157. Dentre essas tentativas, podemos citar desde iniciativas privadas, tais como a
parceria, aplicada inicialmente pelo Senador Vergueiro, em 1847, antes mesmo, portanto, da
lei de proibição do tráfico de escravos, passando pela instalação de colônias particulares, até
iniciativas de caráter estatal, como o início da subvenção à imigração, inicialmente pela
colonização oficial, a partir de 1870, a decisiva solução com a generalização do colonato e a
criação da Hospedaria dos imigrantes, na segunda metade da década de 1880. O processo teve
continuidade com a criação de núcleos coloniais voltados a favorecer o processo de
acumulação cafeeira, principalmente a partir de sua primeira grande crise de superprodução,
pós 1896158.

Os processos acima descritos denotam que o Estado nunca esteve ausente das questões
relativas ao deslocamento populacional, embora tivesse, em diferentes momentos e espaços,
preocupações distintas. Inicialmente, as preocupações vinculavam-se à ocupação e
povoamento de partes do território, principalmente das mais conflitantes no que concerne às
disputas de limites nacionais como é o caso específico do Sul, depois se vinculou à
problemática da mão-de-obra, já que no caso paulista, a busca da imigração só pode ser
compreendida em sua relação com o desenvolvimento da economia cafeeira.

O que singulariza o período que nos ocupa em relação aos anteriores decorre de alguns
fatores, como os abaixo discriminados:

1. O inicio da ocorrência objetiva de algumas modificações no padrão de


deslocamentos populacionais que vigia desde finais do século XIX.;

2. A emergência e o paulatino processo de consolidação da preocupação em se utilizar


dos movimentos migratórios como instrumentos importantes, embora acessórios, na

introdução do Código Comercial. Ver SCHWARCZ, Lilia. As barbas do Imperador. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998, p. 102.
157
Dois textos bastante interessantes, pois detalhados em relação a essa questão são MARTINS, José de. O
cativeiro da terra. 2 ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1981, 1ª. Parte, cap. II e SZMERCSANYI, Tamás.
Pequena História da agricultura no Brasil. São Paulo: Contexto, 1998, cap. 3.
158
Ver GADELHA, Regina Maria D’ Aquino Fonseca. Os núcleos coloniais e a acumulação cafeeira (1895 -
1920): contribuição ao estudo da colonização. (Tese de Doutoramento). São Paulo: Universidade de São Paulo,
1982, p. 134 - 157.
114

alavancagem de um novo padrão de acumulação no país, por meio da criação de um espaço


econômico nacional, com a integração do mercado. Isso, por sua vez, implicará o
estabelecimento de uma nova função para a atividade agrícola e o surgimento de uma nova
onda pioneira, destinada a inserir novas regiões no circuito econômico;

3. A federalização dos assuntos referentes aos deslocamentos populacionais e da


formulação de políticas referentes a eles, uma vez que a ação estatal no regime anterior estava
subordinada a ações e políticas levadas a efeito pelos Estados, principalmente pelo Estado de
São Paulo;

4 A procura de criar um mercado nacional de trabalho equilibrado onde a força de


trabalho pudesse se reproduzir endogenamente, sem a necessidade de recurso, nas áreas mais
dinâmicas ou nas áreas a elas subordinadas, a acréscimos populacionais externos e que
também pudesse minimizar os problemas de ordem social e segurança nacional provocados
pela imigração estrangeira159;

5 A preocupação em controlar e dirigir os processos de deslocamento populacional,


tanto no sentido campo-campo, quanto no sentido campo-cidade;

6 O “refinamento” do processo com a criação de uma espécie de divisão do trabalho


entre iniciativas privadas e oficiais de colonização;

7 O aumento da intensidade na intervenção sobre o processo e na sua reflexão


expressas pelo aumento da criação de organismos e da publicação de textos, o que nos indica
a institucionalização da questão.

Objetivamente, os processos relativos aos deslocamentos populacionais começaram a


apresentar novas características, no final dos anos de 1920, e principalmente no início dos
anos de 1930, diferenciando-os do que ocorria anteriormente. Uma dessas novas
características se expressou pelo aumento numérico da movimentação de trabalhadores
nacionais – vindos, em sua maioria, do norte do Estado de Minas Gerais e da região Nordeste
- na direção dos centros urbanos, principalmente São Paulo, em relação ao número de

159
Os itens 3 e 4 podem ser evidenciados no fato de que de 1830 a 1920, o governo Federal lançou poucos
instrumentos legais relacionados à imigração. Em 1921 vai introduzir o decreto 4.247, que não possuia nenhuma
medida restritiva ao desembarque e à fixação de imigrantes. Entretanto, no primeiro Governo Vargas, no espaço
de 15 anos foram apresentados 13 decretos ou decretos leis voltados à questão do desembarque, permanência e
trabalho dos imigrantes. Todos eles, embora variando de intensidade, com aspectos restritivos. Ver: Relatório
do Conselho de Imigração e Colonização referente a 1945. Revista de Imigração e Colonização, Ano VII, no.
1, março de 1946, p. 11.
115

trabalhadores estrangeiros. Embora decorrente de fatores objetivos160, tal fato já indicava o


processo de configuração de um mercado de trabalho urbano de novo tipo.

Talvez mais evidente, num primeiro momento, é que os deslocamentos populacionais


voltaram-se, ainda, ao atendimento de novas atividades agrícolas que passaram a ganhar
impulso no interior paulista e nas novas áreas para onde se avançava a fronteira econômica,
principalmente após os primeiros indícios de recuperação econômica, a partir de 1933. Nesses
casos, o trabalhador nacional também foi passando, paulatinamente, a ser o elemento
numericamente majoritário.

Temos que lembrar, ainda, que os deslocamentos populacionais, tanto no rumo da


capital paulista quanto da frente pioneira do norte do Paraná, contaram com importante
participação de trabalhadores anteriormente estabelecidos no interior do estado de São Paulo,
161
principalmente os do “antigo oeste” . Isso gerou fortes reclamações, por parte dos
proprietários rurais, acerca da faltas de braços para a lavoura e, conseqüentemente, serviu de
argumento para que se intensificasse a substituição desses trabalhadores por novas levas de
imigrantes nacionais oriundos de outros Estados162. A necessidade de mão-de-obra na
agricultura paulista se evidencia pela produção cafeeira que se manteve em virtude da política
de proteção praticada pelo Governo e pelo aumento constante da produção algodoeira no
interior do Estado que saltou de 13.114T em 1930, para 1.315.668T em 1944163. Esse
aumento de produção ocorreu de forma continua, mesmo no momento mais baixo da
atividade econômica, entre os anos de 1930 e 1932.

A entrada dos deslocamentos populacionais em uma nova fase, no período que nos
ocupa, e que já se prenunciava no período imediatamente anterior, é, objetivamente, resultado
do processo complexo e contraditório de desenvolvimento do capitalismo brasileiro no
chamado período de “crescimento para fora” que permitiu a emergência de um novo padrão
de acumulação capitalista a partir do início da recuperação da economia brasileira, após o
impacto da grande crise mundial. A emergência desse novo padrão de desenvolvimento
encontra-se na base da entrada da economia brasileira numa longa fase de crescimento.

160
Nesse momento já é sensível a diminuição do fluxo tradicional de imigrantes originários da Europa
Mediterrânica.
161
Região situada no eixo Campinas - Ribeirão Preto. Devido ao caráter histórico das fronteiras e das
localizações baseadas nos pontos cardeais, essa região é atualmente a região Nordeste do Estado.
162
Ver HOLANDA FILHO, Sérgio Buarque de; GRAHAM, Douglas H. op. cit., p. 61 e PAIVA, Odair da Cruz.
op. cit., p. 15
167
Ver ALBUQUERQUE, Rui H. P. L. de . Capital comercial, indústria têxtil e produção agrícola: as
relações de produção na cotonicultura paulista, 1920-1950. São Paulo: Hucitec; Brasília: CNPq, 1983, p. 173
116

Tal fase de crescimento e de desenvolvimento econômico164 só pode ser compreendida


se relacionadas à significativa alteração que a estrutura econômica brasileira conheceu a partir
da década de 1930, quando a produção interna, principalmente a industrial, passou a ser mais
atuante no dinamismo econômico brasileiro. Ou seja, quando a produção industrial, voltada ao
atendimento do mercado interno, começou a substituir a agricultura exportadora cafeeira
como atividade central da acumulação capitalista no Brasil e passou a ter um importante papel
na integração do mercado nacional.

Se partirmos da análise de Wilson Cano165, veremos que a indústria paulista, centro


dinâmico da economia brasileira no pós 1930, se desenvolveu como um dos principais
componentes do complexo capitalista cafeeiro, que ganhou notável impulso no último quartel
do século XIX, principalmente após 1886. A indústria paulista pôde se beneficiar de
elementos utilizados pelo complexo cafeeiro para ampliar o excedente econômico, a
diversificação dos investimentos e dos mercados e para diminuir os custos de produção.
Dentre esses, encontra-se o movimento migratório166 que, ao garantir o crescimento da
população e mão-de-obra, permitiu que se iniciasse a constituição de um mercado local, ainda
que incipiente para a indústria crescente.

Após um período de grande expansão, a procura externa do café brasileiro


praticamente se estabilizou em finais do século XIX. Apesar dessa diminuição, a marcha
pioneira do café permaneceu com significativas inversões na ampliação das plantações. Isso
se explica pela grande oferta de terras e de mão-de-obra, ocorridas a partir da grande
imigração e pela penetração do café em novas zonas do oeste paulista167.

Como a expansão cafeeira foi muito mais provocada pela oferta de terras e mão-de-
obra do que pelo aumento da procura internacional, o resultado foi uma crise crônica de
superprodução, que iniciada em 1896, se estendeu, com algumas oscilações, pelas quatro
primeiras décadas do século XX.

Já é bastante sabido que a crônica superprodução do café e a tendência de baixa que a


mesma colocava aos seus preços internacionais foram sendo contornadas com as sucessivas
políticas de valorização do café iniciadas em 1906, que, com exceção do período da primeira

164
Os conceitos de crescimento e de desenvolvimento econômico são diferentes. O primeiro indica apenas as
alterações de ordem quantitativa, já o segundo expressa as alterações qualitativas de uma economia, enfatizando
a diversificação de atividades econômicas e a supremacia da produção industrial sobre os outros setores
econômicos.
165
Ver: CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977, cap. I
166
Voltado, nesse momento, principalmente a atração de trabalhadores estrangeiros.
167
Ver FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 191/192
117

década do século XX, implicaram a continuidade das inversões em plantações. Portanto, as


políticas de valorização do café não resolviam a situação. Apenas empurravam o problema
para frente, concorrendo para a continuidade e o agravamento da superprodução e da pressão
sobre os preços internacionais, uma vez que esses problemas somente eram superados
artificialmente168.

Essa situação tem o seu limite colocado pela crise internacional, iniciada em 1929, que
impediu a continuidade dos fluxos de créditos internacionais que financiavam a retenção da
produção excedente. Isso resultou na impossibilidade de se permanecer represando os
enormes estoques retidos, que, a partir desse momento, invadiram o mercado, provocando
uma enorme queda nos preços internacionais do café. Segundo Furtado, a baixa, entre
setembro de 1929 e setembro de 1931, foi de 22,5 centavos de dólar para 8 centavos de dólar
por libra/peso, respectivamente169.

O Brasil, ao optar por uma política de defesa interna da renda, mediante práticas
econômicas heterodoxas170, logo superou a crise, apresentando um índice de crescimento
superior a vários países.

Assim, aproveitando a política anticíclica desenvolvida pelo governo no pós-1930, o


capital industrial, principalmente o sediado em São Paulo, pôde continuar a crescer
utilizando-se de faixas de demanda anteriormente atendidas por importações. Ao mesmo
tempo, iniciou-se uma maior integração do mercado interno com a abolição de impostos, de
taxas interestaduais e uma preocupação com a ampliação e melhoria do sistema de
transportes.

A integração do mercado interno brasileiro iria atender alguns requisitos básicos para
o processo de acumulação: por um lado garantiria a manutenção da oferta de matérias-primas
para as indústrias e de alimentos para a população urbana; por outro, levaria outras regiões do
país a tornarem-se consumidoras das mercadorias industriais produzidas internamente,
principalmente em São Paulo.

A ampliação do mercado, via inserção de novas áreas e o aprofundamento da


integração de antigas nos processos econômicos, representou uma grande inovação. Foi este o

168
FURTADO, Celso. op. cit., p. 194
169
FURTADO, Celso. op. cit., p. 200
170
A expressão dessa política foi a compra do excedente de produção, por meio da criação de créditos internos, e
sua destruição, o que evitou que o equilíbrio entre a oferta e a procura do café fosse alcançada pelos mecanismos
de mercado, que teriam provocado o abandono, puro e simples, das plantações, com o conseqüente aumento do
desemprego. Tal atitude impediu que os efeitos da crise do setor cafeeiro se multiplicassem pelos setores por ele
influenciados.
118

fator capaz de reorientar a economia e, com isso, gerar uma longa fase de crescimento na
economia brasileira.

Isso se fez com a superação das barreiras que dificultavam a unificação do mercado
nacional, inclusive a do mercado de trabalho. Ora, tal situação coloca em questão os
deslocamentos populacionais como um elemento fundamental do novo padrão de acumulação
urbano-industrial que conhecia um forte impulso no momento.

Os deslocamentos populacionais converteram-se em instrumento fornecedor de


recursos humanos indispensáveis à nova tarefa que estava sendo implementada.
Comportaram-se como construtores de novas áreas de expansão que iriam se integrar ao
centro dinâmico, por meio de anexação de regiões anteriormente desconectadas dos circuitos
econômicos. Possibilitaram a eclosão de um verdadeiro esforço de “conquista territorial”, da
diversificação de atividades agrícolas e a formação de um mercado de trabalho,
qualitativamente diferente. Esses processos estiveram, indubitavelmente, associados às novas
exigências do desenvolvimento industrial e urbano.

Entendemos que as características do novo padrão migratório, com o aumento


significativo da participação de trabalhadores nacionais, podem estar associadas ao contexto
mundial da década de 1930, com o esgotamento de alguns dos fluxos migratórios
estrangeiros, com a crise econômica e com o tenso ambiente político existente entre as nações
capitalistas centrais. Entretanto, entendemos que o aspecto principal na explicação dessa
situação relaciona-se, sobretudo, ao fato de que, anteriormente, a agricultura e a indústria
paulista ocuparam o mercado de outras regiões e ampliaram a estagnação de alguns
complexos econômicos regionais, principalmente no Nordeste171. A perda do dinamismo de
alguns complexos econômicos regionais, comparativamente ao paulista, com a conseqüente
incapacidade de diversificação econômica dos mesmos, permitiu maior elasticidade na oferta
de mão-de-obra nacional, permitindo maior deslocamento desses trabalhadores em território
nacional, tanto no sentido campo-cidade quanto no sentido campo-campo.

A existência de complexos econômicos funcionando, no Brasil, com relações sociais


baseadas em forte dependência pessoal, aliada à existência de um certo número de pequenos
proprietários produzindo em regime de subsistência, tornava a oferta de trabalhadores
nacionais bastante enrijecida172. A existência de um pequeno mercado interno no Brasil

171
NEGRI, Barjas. op. cit., p. 29 a 33
172
O complexo econômico açucareiro nordestino, apesar da crise crônica que se abateu sobre o mesmo desde o
ultimo quartel do séc. XVII, permaneceu com a capacidade de se reproduzir econômica e populacionalmente
119

refletiu-se, assim, no próprio mercado de trabalho. Não é, coincidência, portanto, que, no final
da década de 1920, quando ocorreu a diminuição da oferta de imigrantes tradicionais para o
complexo cafeeiro, a chegada de brasileiros de outras regiões tenha se tornado mais
importante173. É que malgrado a ainda incompleta integração do mercado nacional, a
produção paulista, tanto a industrial quanto a agrícola, já havia alcançado destaque e ocupado
significativas parcelas de mercado de outras regiões. Some-se a isso o fato de que a década de
1920 foi testemunha da falência de outros complexos econômicos, como o da borracha no
norte país, o que impediu que o mesmo “disputasse” mão-de-obra com São Paulo. Tais
acontecimentos ampliaram o fluxo de migrantes para o Centro-Sul do país.

Tal processo que já se revelava de maneira objetiva continuará a ganhar impulso, no


primeiro governo Vargas, a partir da adoção de uma política econômica visando à
constituição de uma nova estrutura urbano-industrial. A partir de então, os vínculos entre as
diferentes regiões do país seriam aprofundados e ganhariam uma nova dimensão, acelerando a
acumulação industrial, cujo centro se localizava em São Paulo e aprofundando a necessidade
da continuidade do desenvolvimento dessa nova modalidade de deslocamentos populacionais
e a ação, também diferenciada do Estado, em relação aos mesmos.

1.1 O ponto de partida: a construção do mercado interno e do mercado de trabalho


nacional
Esse novo processo de organização do espaço econômico brasileiro, testemunha de um
novo fluxo de mercadorias em partes do território nacional, demonstra claramente o papel da
indústria paulista como fomentadora de impulsos propulsores sobre algumas regiões
brasileiras, que se tornaram, por isso, pólos de atração populacional174. Explicita, ainda, o
papel dessa mesma indústria na intensificação de efeitos regressivos ou de estagnação
econômica sobre outras, o que vai possibilitar que essas se convertam em fornecedoras de
recursos humanos e, portanto, em regiões de origem de importantes fluxos migratórios

mesmo sem aumento significativo da renda. Porém, tal situação significou a preponderância da propriedade da
terra sobre a posse do capital na definição das hierarquias econômicas e sociais. Assim, as relações sociais
encontraram-se por muito tempo baseadas em critérios fortemente personificados e tradicionais, o que concorreu
para o seu enrijecimento, dificultando a formação de um mercado de trabalho, mesmo por ocasião da crise do
escravismo. Para um maior aprofundamento no complexo econômico açucareiro nordestino e suas tendências
estruturais e dinâmicas de desenvolvimento ver FURTADO, Celso, op. cit., cap. XII.
173
Ver CANO, Wilson, op. cit. p. 48
174
Estes são os casos, já mencionados, do Norte do Paraná – região típica de avanço da fronteira, no pós 1930 - e
do interior paulista – onde, em algumas regiões, a cotonicultura substituiu a produção cafeeira em crise ou, no
caso de regiões que passaram a ser incorporadas à atividade econômica, tornou-se a responsável pelo avanço das
frentes pioneiras.
120

destinados às áreas mais diretamente articuladas ao processo de desenvolvimento industrial175.


Dessa forma, o território e o mercado interno brasileiro reorganizaram-se, também, no sentido
de permitir um fluxo populacional, cujas características começavam a se adequar às novas
exigências econômicas colocadas pelo momento, ou seja, de um processo de desenvolvimento
que procurava combinar internamente regiões com graus desiguais de desenvolvimento
capitalista.

Podemos com isso afirmar que a supremacia de um centro dinâmico, que comandava a
integração do mercado brasileiro, permitiu o início da constituição de um mercado de trabalho
verdadeiramente nacional, que pudesse se reproduzir endogenamente sem ter que recorrer a
acréscimos externos. Tal fato apresenta coerências com o modelo de desenvolvimento que se
procurava implantar no momento e que se baseava numa concepção organicista de sociedade,
que deveria se organizar sob os princípios da paz social, com fortes colorações nacionalistas.

Isso se torna evidente já nas primeiras preocupações que surgem por parte de
elementos do novo governo, de alguns segmentos sociais e de alguns intelectuais ao tratarem
do assunto mercado de trabalho. Essas preocupações se manifestaram, primeiramente, sob
dois ângulos: o problema dos “sem-trabalho” e a rediscussão sobre o papel dos imigrantes nas
sociedade brasileira.

O impacto da crise sobre a economia brasileira, numa sociedade que se urbanizava


rapidamente, revelou de forma dramática a dimensão da problemática do desemprego. A
defesa da produção agrícola não foi imediata, o que resultou na diminuição da atividade
econômica. Isso gerou aumento significativo de desemprego e redução nos níveis de
rendimento, num momento em que, devido às desvalorizações cambiais, os preços,
principalmente de produtos industriais que abasteciam os centros urbanos, se elevavam e em
que, também, devido aos conflitos políticos as mobilizações populares se intensificavam.

Em São Paulo, por exemplo, onde a situação se expressava num grau de tensão
bastante forte, muitos desempregados ou subempregados eram identificados como base de
sustentação de lideranças que buscavam dirigir os processos políticos no sentido de uma
maior radicalidade nas mudanças institucionais. Tais interpretações acirravam a mobilização
de setores da elite paulista que começava a apresentar descontentamentos em relação aos
rumos do movimento de 1930, na medida em que, além de não terem sido alçados ao

175
Este é o caso da Região Nordeste, na qual o processo de desenvolvimento industrial concentrado em São
Paulo provocou uma aceleração na desestruturação de seus complexos econômicos regionais.
121

comando político do Estado, tiveram de conviver com um interventor oriundo do movimento


tenentista e pernambucano, no caso João Alberto176.

Por outro lado, encontrava-se ainda fresca a memória das mobilizações de


trabalhadores ocorridas por ocasião das greves do final dos anos de 1910 e da Revolução de
1924, nas quais a participação mais ativa e, até mesmo a liderança, havia sido atribuída aos
estrangeiros.

1.2 As primeiras medidas


Dessa maneira, as primeiras discussões acerca da relação entre movimentos
migratórios e mercado de trabalho voltaram-se a uma tentativa de afrouxamento dos conflitos
sociais. Não é fortuito, portanto, que se pense a introdução de políticas de colonização como
forma de emprego aos “sem-trabalho” e que inicie um importante movimento de discussão
sobre a conveniência de se continuar recebendo levas de estrangeiros naquele momento de
crise177, ainda mais que a diminuição da imigração mediterrânica e mesmo de outras
nacionalidades mais tradicionais havia levado à introdução de novos grupos considerados de
difícil assimilação.

A necessidade de emprego dos sem-trabalho foi a justificativa encontrada para a


continuidade de uma proposta colonizadora, que foi a do NCBA, que havia sido instaurada
momentos antes da eclosão do movimento de 1930, após um interregno de 19 anos na criação
de núcleos coloniais no Estado de São Paulo e que fora, também, a justificativa para o
deslanche da iniciativa de introdução de áreas de colonização no Vale do Ribeira e na
indicação do estabelecimento de outros núcleos coloniais no Estado de São Paulo, como os de
Prainha e de Alecrim, que não chegaram a se formalizar.

Em relação a isso, é bastante significativa a existência de uma correspondência do Sr.


José Lacerda, em janeiro de 1931, ao então interventor em São Paulo, Sr. João Alberto. Nesta
correspondência, o Sr. José Lacerda, que se dizia um estudioso dos problemas brasileiros
argumenta da importância da criação de núcleos coloniais. Para o autor da missiva, os núcleos
coloniais teriam o mérito de oferecer emprego aos desempregados pela crise e, ainda, o de
possibilitar a diversificação da nossa produção agrícola, para o mercado externo e interno e,

176
Num primeiro momento o maior receio da mobilização popular estava focada na Liderança de Miguel Costa e
seu grupo político a LR (Legião Revolucionária), transformada, em seguida, em PPP (Partido Popular Paulista),
que eram a linha de frente da pregação radical tenentista em São Paulo. Ver BORGES, Vavy Pacheco.
Tenentismo e revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1992, cap. 1. Posteriormente, após o movimento de
1932, tal receio passou a incorporar, não apenas em São Paulo, as duas organizações mais polarizadas
politicamente, ou seja ANL (Aliança Nacional Libertadora) e AIB (Ação Integralista Brasileira).
177
Ver PAIVA, Odair da Cruz. Colonização e (des)povoamento. São Paulo: Pulsar, 2002, p. 36-44
122

também, o de impulsionar o desenvolvimento das regiões atrasadas do Estado de São


Paulo178.

Com o início da recuperação econômica, datada tradicionalmente no ano de 1933, a


questão dos “sem-trabalho” passou a um segundo plano do ponto de vista das cogitações
relativas aos processos migratórios, muito embora não tenha desaparecido completamente. A
preocupação com a construção de um mercado de trabalho urbano equilibrado, no qual o
número de trabalhadores fosse razoavelmente flexível para não pressionar as taxas de salário e
não adquirisse uma intensidade tal que pudesse provocar tensões sociais, permaneceu presente
durante todo o período. Um exemplo disso pode ser verificado na construção de campos de
contenção ou de barreiras à movimentação populacional que procuravam impedir a chegada
de retirantes, fugidos das secas que se abateram sobre o Nordeste nas décadas de 1930 e 1940,
a centros urbanos pouco industrializados ou pouco diversificados economicamente, como as
capitais ou algumas cidades médias do interior nordestinos179. Tal política, que procurava
evitar a chegada de flagelados às cidades e a ocorrência de saques a feiras e armazéns, foi
praticada no Estado do Ceará, nas proximidades de Fortaleza e de Crato, na seca de 1932:

“Um amplo programa de criação de campos de concentração, em que retirantes


fossem induzidos a entrar e proibidos de sair, foi implementado com total apoio da
Interventoria Federal do Ceará. A fim de prevenir a “afluência tumultuária” de
retirantes famintos a Fortaleza, cinco campos localizavam-se nas proximidades das
principais vias de acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas
colheitas e se viam à mercê da caridade pública ou privada. [...] os campos,
portanto, pretendiam impedir a mobilidade física e política dos retirantes através da
concessão de rações diárias e de assistência médica. O controle dessa imensa
população – o maior campo, na cidade de Crato, chegou a abrigar quase 60 mil
pessoas – representou um gigantesco esforço de organização, que tinham seu
contraponto nas ações violentas das multidões de retirantes que ameaçavam tomar
em suas mãos a resolução de suas aflições”180 .
Tal atitude foi repetida na seca de 1942, acrescida, no entanto, da utilização dos
retirantes na construção de obras públicas promovidas pelo DNOCS, seguida da pressão e da
propaganda para emigração ao Oeste e aos seringais amazonenses181, como forma de
resolução definitiva dos problemas provocados pela seca.

A questão relativa à discussão sobre o papel dos imigrantes revestiu-se, contudo, de


um caráter mais complexo. Além das problemáticas iniciais relativas ao desemprego, à

178
Hospedaria dos Imigrantes. Processo no. 20 de 26 de fevereiro de 1931.
179
Ver NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas. Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Humanitas Publicações, vol. 21, no. 40, 2001
180
NEVES, Frederico de Castro. op. cit., p. 109
181
NEVES, Frederico de Castro. op. cit., p. 120
123

participação e à liderança dos mesmos nos movimentos operários e políticos, houve uma
retomada das discussões de caráter eugênico, simultâneas às cogitações da existência de certo
risco da desnacionalização da sociedade e da cultura brasileiras, devido à existência, em solo
brasileiro, dos chamados enquistamentos étnicos.

O impacto da crise econômica e o desemprego provocado serviram de ponto de partida


para a reavaliação do papel exercido pelos imigrantes sobre a sociedade e a economia
brasileiras. De uma posição razoavelmente positiva em relação ao imigrante na melhoria
étnica brasileira, passou-se, paulatinamente, a uma posição crítica. Começaram a se avolumar
reclamações acerca da chegada de imigrantes, com sérios problemas de saúde ou de aptidão
para o trabalho e, portanto, pouco habilitados para atividades produtivas que, por isso,
engrossavam o contingente dos “sem-trabalho”, ampliando o número de desclassificados e
miseráveis.

Por outro lado, a entrada de novas nacionalidades, diferentes das tradicionais oriundas
da Europa do Norte e Mediterrânica, durante as primeiras décadas do século XX, levou a um
acirramento de posições eugênicas no início dos anos de 1930, pois muitas dessas
nacionalidades foram consideradas inassimiláveis e/ou pouco produtivas para o trabalho
agrícola, o que ampliava, ainda mais, o crescimento desordenado da população e do mercado
de trabalho urbanos.

Desta forma, passou-se a exigir uma maior seletividade em relação aos imigrantes
estrangeiros. Um artigo, publicado no jornal “Diário Popular”, em 11 de abril de 1933,
demonstra de forma direta as preocupações acima destacadas. Nele, o articulista afirma:

“como se vê, a imigração em São Paulo se tem procedido com grande


heterogeneidade, pois si 50% dos que ficam são imigrantes que já constituem o
nosso fundamento ethnico ( portuguezes e espanhóis) Há mais de 40% de raças
difficilmente assimiláveis como os japoneses, etruscos, besarábios, chinezes, árabes,
polacos e outros de longa enumeração. [...] Isto quer dizer que as raças menos afins
com a nossa é que possuem um grau de instrução mais elevado. E como os
immigrantes analfabetos se destinam aos serviços brutos da agricultura, isolando-se
nas fazendas, ficam as nossas cidades infestadas de extrangeiros do mais extranhos
tyhpos raciaes que preferem os misteres urbanos” 182.
Se a isso somarmos o fato de os estrangeiros serem considerados como lideranças e
agitadores dos movimentos sindicais e trabalhistas e como base de apoio para vários
movimentos contrários à ordem estabelecida nas primeiras décadas do século XX, podemos
afirmar que a questão estrangeira ocupava o primeiro lugar no rol das preocupações com a
necessidade de formação de um mercado de trabalho urbano equilibrado, que não

182
Diário Popular de 11/04/1933, apud: PAIVA, Odair da Cruz. Colonização..., op. cit., p 37
124

desencadeasse pressões no sentido de uma ameaça à ordem social. Tal fato explica, ainda, a
mudança de orientação em relação ao assunto migratório com o início da concessão de
prioridade ao trabalhador brasileiro, nos processos de redimensionamento do mercado urbano
de trabalho e de deslocamento populacional. Esse aspecto foi ganhando maior dimensão à
medida que as preocupações com os enquistamentos étnicos foram se amplificando.

Assim, as preocupações relativas ao equilíbrio do mercado de trabalho foram o ponto


inicial da formulação dos primeiros instrumentos e iniciativas ligadas a questões migratórias
no período que nos ocupa. Em relação aos desempregados pela crise, cogitou-se da
continuidade e da criação de práticas colonizadoras voltadas a encaminhá-los a regiões
consideradas adormecidas. Em São Paulo, tais iniciativas estiveram na base da justificativa
oficial inicial da continuidade da instalação do Núcleo Colonial Barão de Antonina183, das
áreas de colonização no Vale do Ribeira184 e de uma possível instalação dos núcleos coloniais
de Prainha e Alecrim e também a criação de um programa, criado pela Secretaria da
Agricultura, denominado “Rumo aos Campos” 185.

Em relação aos estrangeiros, tal preocupação se evidenciou na publicação de decretos


visando a um maior controle e seleção do elemento estrangeiro que pretendia entrar no país.
Tais decretos enfatizavam a necessidade de verificação de suas condições de saúde, moral,
criminal e de renda, a fim de se evitar a entrada de imigrantes pobres que pudessem fomentar
o processo de desclassificação social nos centros urbanos bem como suas opções políticas e
ideológicas, por meio da ampla redação “conduta nociva à ordem pública ou segurança
nacional”. Exemplos disso podem ser observados nos Decretos 19.482, de 12 de dezembro de
1930, 24.215, de 9 de maio de 1934, e 25.258, de 16 de maio de 1934.

O primeiro instrumento legal, o Decreto 19.482186, é bastante significativo, pois, uma


de suas considerações iniciais, que aparece na seqüência de uma série de outras de ordem
social, econômica e administrativa, estabelece claramente que uma das causas do desemprego
se deve à “entrada desordenada de estrangeiros, nem sempre úteis que, frequentemente,
contribuem para aumento da desordem econômica e da insegurança social”. Por isso, seu
artigo primeiro limita o desembarque de imigrantes estrangeiros transportados em terceira
classe.

183
Este núcleo colonial, localizado na região sudoeste do Estado de São Paulo foi criado em 16/07/1930, mas só
foi instalado efetivamente no primeiro semestre de 1931.
184
Ver PAIVA, Odair da Cruz. Colonização...op. cit, p. 46-53
185
PAIVA, Odair da Cruz. Colonização...op. cit, p. 53
186
ver a integra deste decreto nos anexos.
125

Esse decreto também impõe, em seu artigo 3º, a obrigatoriedade das empresas terem,
no mínimo, dois terços de trabalhadores brasileiros e, em seu artigo 4º., a obrigatoriedade de
apresentação de desempregados nacionais e estrangeiros em delegacias do trabalho ou de
polícia para verem a possibilidade de encaminhamento a trabalhos agrícolas. Em relação a
esse decreto, assim comentou Paulo Poppe, técnico do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio:

“Logo após o triunfo da Revolução de 1930, procurou o Governo Provisório


seriamente do fenômeno dos desempregados e, entre outros, consideramos o
Decreto 19.482 que limitou a entrada em nosso território, durante um anno, de
passageiros de 3ª. Classe, salientava-se o que o atribuía á entrada desordenada de
estrangeiros que viriam aumentar a desordem econômica e a insegurança social.
Entravamos, pois, no regime claro da legislação defensiva em prol dos
trabalhadores nacionais” 187.
O Decreto 24.215188 é mais direto na seleção dos imigrantes em virtude de questões
relativas às suas condições de saúde, opção política e ideológica. Repetindo parte das
considerações do decreto 19.482, inclusive a aduzida anteriormente que versava sobre a não
necessária utilidade dos imigrantes e a freqüência com que estes contribuem para a
insegurança social e à desordem, impede, nos vários incisos de seu segundo artigo, o
desembarque de imigrantes, de ambos os sexos, que fossem aleijados, mutilados, cegos,
surdos-mudos ou toxicômanos; que possuíssem afecção mental ou enfermidades nervosas,
doenças contagiosas, lesão orgânica e insuficiência funcional. Limitava, ainda, a entrada de
menores de 18 e maiores de 60 anos; de ciganos ou pessoas nômades; daqueles que não
provassem o exercício de profissões lícitas, bem como a posse de bens suficientes para se
manter; de analfabetos; de pessoas que praticassem ou explorassem a prostituição e,
finalmente, de pessoas de conduta manifestamente nociva à ordem pública ou á segurança
nacional.

Já o Decreto 24.258, que regulamenta o anterior, enfatiza o caráter rural e agrícola


da imigração, limitando, e em muito, a mesma para atividades não agrícolas, exigindo,
contudo, para a autorização de qualquer imigração, a expedição de autorização via cartas de
chamada e de comprovação da capacidade econômica, se não dos imigrantes, pelo menos por
parte de seus empregadores189.

Em relação a esses decretos, Carlos Vainer avalia:

187
POPEE, Paulo. Leis imigratórias. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. No. 3,
novembro de 1934, p. 240.
188
ver a integra deste decreto nos anexos
189
ver a integra deste decreto nos anexos
126

“Após um período em que praticamente se suspendeu emergencialmente a


imigração em vista do desemprego e da crise urbana e rural, importantes alterações
foram feitas na legislação, sendo de destacar que, no campo das migrações como
em tantos outros, assistiu-se a uma dramática concentração de competências no
governo central.
A nova legislação veio, porém, consagrar a preocupação com a criação de um forte
e centralizado aparato legal manifestamente voltado para a seleção eugênica,
moral e política dos imigrantes. Assim, os Decretos-lei190 no. 24.215, de 9/5/1934, e
no. 24.258, de 16/5/1934, determinarão normas bem mais rigorosas que a
legislação até então vigente (Decreto no. 4.247, de 6/1/1921) na definição dos
indesejáveis: ficaram proibidos de imigrar os cegos, aleijados, portadores de
doenças incuráveis ou contagiosas, bem como os portadores “de conduta
manifestamente nociva à ordem pública ou à segurança nacional” Igualmente
rígidos e detalhistas eram os dispositivos através dos quais se tentava assegurar que
os imigrantes se dirigiriam para a agricultura, reiterando desta forma o já referido
agrarismo característico da estratégia imigrantista” 191.
No entendimento aqui proposto, as menores limitações impostas à imigração dirigida à
agricultura não se relacionavam ao “agrarismo da estratégia imigrantista”, mas à procura de
se evitar uma maior tensão nas condições sociais dos centros urbanos e à perspectiva de
povoamento do interior do país, no sentido da integração dos mercados, num momento em
que a problemática dos enquistamentos étnicos e dos riscos de fragmentação e
desnacionalização de partes do território preocupava as autoridades brasileiras.

Tais aspectos demonstram que a preocupação com a redução da tensão social e do


alcance do equilíbrio no mercado de trabalho urbano estiveram na base dos primeiros
encaminhamentos no que tange ao controle dos movimentos sociais no país. Isso possui
grande importância na medida em que demonstra, também, a expressão de uma concepção de
desenvolvimento baseada em princípios muito próximos a uma concepção capitalista, porém
antiliberal e organicista de sociedade, na qual a ordem, a harmonia e a hierarquia social
deveriam se fazer presentes, por meio de ação regulamentadora do Estado.

Por outro lado, as considerações estabelecidas no início do Decreto 24.215 e a citação


acima, de Carlos Vainer, denotam que, a partir de 1934, a questão imigrantista passou a ser
objeto de uma maior preocupação institucional. As primeiras medidas e decretos que tiveram
um caráter geral visavam responder a situações emergenciais começaram a ser substituídas
por outras, mais detalhadas, e que passaram a expressar intencionalidades mais evidentes, tais
como a prioridade ao trabalhador nacional.

Além dos decretos acima, como exemplos, podemos indicar que nesse ano de 1934, na
assembléia constituinte, fortes debates acerca da problemática da imigração e dos riscos

190
Na verdade, os instrumentos legais aos quais o autor de refere são Decretos e não Decretos-Lei
191
VAINER, Carlos B. Estado e migrações no Brasil: anotações para uma História das políticas
imigratórias. In: Travessia. CEM (Centro de Estudos migratórios), no.36, janeiro-abril de 2000, p. 20
127

inerentes de desnacionalização do território e da sociedade brasileiros se estabeleceram e que


a Constituição, promulgada expressou de forma evidente a prioridade concedida ao elemento
nacional nos processos de deslocamento populacional. Na seqüência, o ano de 1935, vai
marcar a introdução de um elemento fundamental na definição da política migratória do
governo Vargas: a retomada dos subsídios à mão-de-obra, na economia mais dinâmica do
país, a paulista, a partir daí voltada exclusivamente à atração do trabalhador nacional192.

A consolidação, da política de deslocamento populacional ocorreu, contudo, no


período subseqüente ao Golpe do Estado Novo, sendo que os anos de 1938 e 1939 podem ser
considerados como anos-chaves. Foram nesses anos que os princípios que norteariam a ação
do governo tornaram-se mais explícitos e que este conseguiu efetivamente concentrar meios e
instrumentos para promover uma ação ordenadora sobre o processo de movimentação
populacional a fim de procurar atingir objetivos previamente definidos.

No ano de 1938, somente em relação a questões que envolviam diretamente a


problemática dos estrangeiros, foram publicados 10 Decretos e 11 Decretos-Lei, sendo que os
mais importantes, segundo o Major Euclides Sarmento, em comunicação ao Ministro Gustavo
Capanema193, haviam sido os Decretos-Lei 383 de 18 de abril, 406 de 04 de maio, 868 de 18
de novembro e 948 de 13 de dezembro, que tratavam da proibição de atividades políticas por
parte de estrangeiros, da entrada e permanência destes no Brasil, da nacionalização do ensino
nos núcleos estrangeiros e da centralização no CIC das medidas destinadas a promover a
assimilação dos estrangeiros, respectivamente.

Outros aspectos interessantes presentes no Decreto-Lei 406 é que ele impedia, pelo
seu artigo 39, a criação de Núcleos Coloniais de uma única nacionalidade estrangeira,
determinava, no primeiro parágrafo do artigo 40 que seria mantido um mínimo de trinta por
cento (30%) de brasileiros e o máximo de vinte e cinco por cento (25 %) de cada
nacionalidade estrangeira e que na falta de brasileiros, este mínimo, mediante autorização do
Conselho de Imigração e Colonização, poderia ser substituído por portugueses e impedia, pelo
artigo 42, que qualquer núcleo, centro ou colônia, ou estabelecimento de comércio ou
indústria ou associação neles existentes, pudesse ter denominação em idioma estrangeiro.

Além disso, o referido Decreto-Lei, criava, em seu artigo 73, o Conselho de


Imigração e Colonização (C.I.C). Este Conselho, ligado diretamente ao Gabinete da
Presidência da República, representou a centralização, no nível federal, da definição das

192
Ver PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados... op. cit., p. 92 – 98.
193
Citado por SCHWARTZMAN, Simon et al. op. cit., p.152.
128

diretrizes e da fiscalização dos assuntos relativos à imigração e à colonização. O CIC,


inicialmente, tinha por incumbências: determinar as quotas de admissão de estrangeiros no
território nacional; julgar os recursos interpostos dos atos praticados pelas autoridades
incumbidas da execução do Decreto-Lei 406; deliberar sobre os pedidos dos Estados, relativos
à introdução de estrangeiros; decidir a respeito dos pedidos das empresas, associações,
companhias e particulares que pretendam introduzir estrangeiros. Com o passar do tempo, o
CIC passou também a centralizar as políticas destinadas à assimilação dos estrangeiros e a
sugerir e aprovar iniciativas de colonização.

O Decreto 3010 de 20 de agosto, que regulamenta o Decreto-Lei 406 também se


destaca pela sua extensão e detalhamento, bem como pelo fato de citar explicitamente, no
inciso II do artigo 113 a proibição de entrada de anarquistas, extremistas e terroristas.

De posse dos instrumento legais e das instituições acima discriminados, o Governo


Federal passou a encaminhar, de forma mais consistente e regular, medidas destinadas a
estimular, controlar e dirigir os movimentos populacionais. São exemplos disso, a criação de
uma nova legislação sobre a criação de Núcleos Coloniais em 09 de fevereiro de 1940, o
Decreto-Lei 2009 e o Decreto-Lei 3059, que dispõe sobre a criação de Colônias Agrícolas
Nacionais, as CANs.

O primeiro Decreto-Lei estabelece uma série de obrigações comuns aos núcleos,


independentemente do fato deles terem sido criados pelo Governo Federal, Estados,
Municípios, ou associações ou empresas particulares e impõe a inspeção direta do Ministério
da Agricultura sobre qualquer um dos Núcleos Coloniais criados.

O decreto de criação das CANs, por sua vez, é bastante claro em dizer, em seu
primeiro artigo, que essas colônias agrícolas nacionais destinavam-se prioritariamente a
receber e fixar trabalhadores brasileiros reconhecidamente pobres e, excepcionalmente,
trabalhadores estrangeiros qualificados.

Em 1939, é criada, em São Paulo, a Inspetoria dos Trabalhadores Migrantes, ligada à


Secretaria Estadual da Agricultura. Essa inspetoria passará a assumir todas as atividades
necessárias para recolher, encaminhar e introduzir trabalhadores migrantes nacionais em São
Paulo, substituindo as antigas companhias particulares. A criação dessa inspetoria representou
o definitivo estágio no processo de estatização das questões relativas à atração de
trabalhadores migrantes para São Paulo.
129

A criação da ITM encontrou-se fortemente vinculada às políticas migratórias do


Governo Federal, embora tenha sido uma iniciativa estadual, uma vez que, nesse momento, o
Estado encontrava-se sob intervenção federal, as ações e políticas da Secretaria da Agricultura
já haviam passado por um processo de federalização e ocorria uma forte confluência de
interesses entre o Ministro da Agricultura do período, Fernando Costa, que já tinha sido
interventor em São Paulo, com o interventor Federal do período, Adhemar de Barros194.

O fato da ITM ter se vinculado principalmente à atração de migrantes para o setor


agrícola também não significa que boa parte desses trabalhadores não tenha sido aproveitada
no incremento do mercado de trabalho urbano, pois como demonstra Odair da Cruz Paiva, por
meio de sua pesquisa, a documentação oficial é omissa quanto ao destino desses trabalhadores
após o seu encaminhamento ao trabalho agrícola. O próprio autor afirma, por meio de
entrevistas realizadas com alguns desses migrantes, que após um pequeno estágio em
atividades rurais, muitos se deslocaram para São Paulo, Capital, e foram reaproveitados em
atividades industriais que se encontravam em grande expansão no período.

O fato dos anos finais da década de 1930 e os iniciais da década de 1940 terem sido o
momento de consolidação de uma política voltada a favorecer uma nova modalidade de
acumulação sustentada pela industrialização pode ser explicada pela maturação das condições
objetivas para que tal processo ocorresse. Por um lado, o governo federal havia,
indubitavelmente, enfeixado fortes poderes após a deflagração do Golpe de novembro de
1937 que instaurou o Estado Novo. Por outro lado, podemos afirmar que, nesse momento, a
percepção da importância do papel da indústria no crescimento da economia já era
perceptível: a mesma, que ampliou a sua concentração em São Paulo, crescia a taxas médias
anuais superiores a 11% e os lideres industriais haviam conseguido alcançar forte influência
junto ao governo e à burocracia estatal.

Nesse momento, também, já era possível avaliar com maior grau de confiabilidade o
resultado de algumas experiências colonizadoras que, mesmo tendo sido, em alguns casos,
propostas anteriormente a 1930, foram efetivadas nos início da década. Algumas dessas
experiências voltaram-se à tentativa incorporar economicamente regiões consideradas
adormecidas do sul e sudoeste paulista, como é o caso do Núcleo Colonial Barão de Antonina,
e revelaram-se, apesar de seu caráter espacialmente limitado, como bastante adequadas ao
favorecimento da industrialização que se desenvolvia em São Paulo. Gerou um pequeno
incremento no mercado local, anteriormente vinculado à economia de subsistência e,
194
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados...op. cit. p. 116.
130

principalmente, mostrou que a produção algodoeira do núcleo poderia, devido aos


mecanismos de mercado e de necessidade de pagamento dos lotes por parte de seus
concessionários, ser comercializada a preços inferiores à media praticada no Estado de São
Paulo.

O rápido crescimento econômico da região Norte do Estado do Paraná, em virtude do


programa privado de Colonização e da inserção dessa região como uma área de forte
influência econômica de São Paulo, também pode ser considerado como a demonstração da
possibilidade de implementação de um programa oficial de povoamento do Oeste brasileiro,
que se voltaria à integração do mercado brasileiro e ao estímulo de seu desenvolvimento
industrial.

Esses dois últimos elementos, a avaliação de resultados da colonização privada e


oficial, demonstram a redefinição do papel da agricultura na construção de uma nova estrutura
capitalista no país. A necessidade da sua diversificação, para que no nível interno ela
assegurasse a oferta de matérias-primas e o abastecimento dos setores urbanos em expansão e
que no setor externo continuasse assegurando a capacidade de importação, principalmente, de
bens intermediários e de capital. O início da reorganização agrícola levou a uma preocupação
com a constância no abastecimento de mão-de-obra.

Assim, fortalecimento do poder central claramente comprometido com o deslanche


industrial do país, rápido crescimento industrial “puxando” a recuperação econômica,
maturação de experiências colonizadoras e reorganização do papel da agricultura são os
elementos que explicam a consolidação de uma nova política relativa aos deslocamentos
populacionais no Brasil, que visava, justamente, favorecer o desenvolvimento de um novo
padrão de acumulação industrial no país.
131

Seção 2

O novo papel da agricultura e o movimento para o campo:


A transformação mais evidente no novo padrão de desenvolvimento que se iniciou
com o deslanche autônomo da industrialização a partir de 1933, talvez, tenha sido o do papel
e do caráter da agricultura. Essa transformação, por sua vez, foi mais visível, num primeiro
momento em São Paulo.

O novo panorama do desenvolvimento capitalista teve a partir de 1933, o seu núcleo


no desenvolvimento da indústria, no que foi favorecido pela ação ativa do Estado na
economia. Assim várias questões se colocaram como necessárias para dar curso a esse novo
padrão de desenvolvimento:

“Entre as questões assinala-se “a questão agrária” (mudança ou não da estrutura


fundiária, sua adequação para fornecer alimentos matérias primas para a indústria
e para as populações urbanas, liberação de mão de obra para a industrialização).
[...] As atividades exportadoras, por outro lado, continuaram a desempenhar
relevante papel no sistema econômico, mas foram deixando de ser a variável
essencial da manutenção da renda interna para cumprir o papel de gerador de
divisas, estas essenciais para garantir as importações. Além da geração de divisas,
coube ao setor primário, via diversificação, fornecer matérias primas industriais e
alimentos às populações urbanas, embora isto já fosse encontrado no período
precedente” 195.
O novo quadro, portanto, implicou a necessidade de alterações substantivas no que se
refere à agricultura. A esta caberia, então, a intervenção em pontos de estrangulamento que a
nova dinâmica de desenvolvimento apresentava, ou seja, era preciso cuidar do abastecimento
dos centros urbanos por gêneros agrícolas de primeira necessidade, com a conseqüente
diminuição dos custos de manutenção e reprodução da força de trabalho urbano-industrial e,
assim, de sua remuneração. Caberia à agricultura, também, a função de abastecer com
matérias-primas os centros industriais, onde as indústrias basilares do processo em curso eram
as têxteis e as alimentícias.

No que se refere à exportação, a agricultura teria um papel importante, pois da


agricultura de exportação dependeria, em boa medida, por meio da obtenção de divisas, a
manutenção da capacidade de importação de peças e equipamentos industriais. Era preciso,
então, que aqui se encontrassem outras mercadorias para exportar, pois o café era um produto
em crise de superprodução.

Neste sentido, num primeiro momento, apoiadas pelas autarquias, pelas agências e
institutos de fomento à produção que foram surgindo como resultado da ação mais consistente

195
FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p. 184.
132

do Estado sobre a economia, várias tentativas foram feitas, como, por exemplo, as de
substituição do café pelas frutas de mesa196 e pelo mate. No entanto, aproveitando a
conjuntura favorável, pois essa se apoiava na política de proteção aos preços praticada pelo
governo norte-americano197, foi o algodão quem logrou um grande salto de produção e
converteu-se em um dos principais elementos da agricultura e da pauta de exportações
brasileiras. Como podemos observar pelos quadros abaixo:

QUADRO 3
PRODUÇÃO DO ALGODÃO NO BRASIL – EM PLUMA (T)
ANO PRODUÇÃO ANO PRODUÇÃO ANO PRODUÇÃO
1929(1) 124.842 1935 296.306 1941 503.120
1930 126.445 1936 349.853 1942 376.954
1931 101.652 1937 405.024 1943 496.695
1932 76.400 1938 436.628 1944 610.002
1933 147.684 1939 428.523 1945 362.660
1934 284.504 1940 468.695 1946 315.934
Fonte: ALBUQUERQUE, Rui H. P. L. de. Capital Comercial, Indústria Têxtil e Produção Agrícola. São
Paulo: Hucitec/CNPq, 1982, p. 173
(1) Fonte: NOSSO SÉCULO. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. XVIII

QUADRO 4
EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DE ALGODÃO – EM PLUMA (T)
ANO EXPORTAÇÃO ANO EXPORTAÇÃO ANO EXPORTAÇÃO

1929 48.728 1935 138.630 1941 288.274


1930 30.417 1936 200.313 1942 153.954
1931 20.779 1937 236.181 1943 77.962
1932 515 1938 268.719 1944 107.640
1933 11.693 1939 323.599 1945 164.456
1934 126.548 1940 224.265 1946
Fonte: NOSSO SÉCULO. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. XXI

O algodão, por sua vez, apresentava outros fatores favoráveis à expansão de sua
cultura. Era também importante matéria prima para as indústrias de alimentos, na produção de
óleos comestíveis, margarina e ração animal, e por excelência, a matéria prima da indústria
têxtil. Ele, ainda, converter-se-á em apoio fundamental do comércio externo brasileiro ao

196
PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. 21 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 292.
197
PRADO JR., Caio. op. cit., p. 293.
133

sustentar o comércio de compensação com a Alemanha198. Esse país tinha dificuldade em ser
abastecido de algodão pela produção norte-americana por lhe faltarem divisas.

Por meio do comércio de compensação, o algodão era trocado por equipamentos


industriais e bélicos alemães, o que garantia a continuidade da industrialização. O algodão,
assim, não somente contribuiu para o processo de industrialização, ao atender a necessidade
de matérias-primas por parte das indústrias, mas também ao servir como forma de garantir a
aquisição do próprio equipamento industrial: “O movimento era grande. Entre 1934 e 1935
ocorreu um aumento de mais de 100% no volume e no valor da maquinaria alemã vendida no
Estado de São Paulo” 199.

Como não é difícil perceber, o estabelecimento de um novo padrão de


desenvolvimento acabou por provocar um “boom” algodoeiro no interior paulista. Essa
ocorrência, sem dúvida, foi gerada pela necessidade de tornar menos graves os gargalos do
processo de industrialização, ou seja, o abastecimento alimentar da população urbana, o
fornecimento de matérias-primas à indústria e a capacidade de importação de equipamentos
industriais.

Dessa forma, nas décadas de 1930 e 1940, a partir da região de Itapetininga,


denominada, naquela época, na divisão regional do Estado de São Paulo, como 4º distrito, e
que era uma região tradicional na produção algodoeira do Estado de São Paulo, o algodão
avançou e passou a ser a principal atividade econômica de outras regiões: o 5º Distrito (de
Avaré até Presidente Prudente), o 9º Distrito (com sede em Lins, entre os rios do Peixe e
Tietê, passando por Marília e Araçatuba) e o 10º Distrito (com sede em Catanduva, passando
por Rio Preto e Tanabi).

Um destaque aqui deve ser dado ao 5o distrito, que nessa época era parte da zona nova
de avanço da marcha pioneira, para onde já se percebia a movimentação da produção
algodoeira em meados da década de 1920 e era servida pela companhia de Estrada de Ferro
Sorocabana:

“Pode-se notar inicialmente que no período de ocupação de 1920 a 1930 ocorreu


essencialmente uma ocupação intensiva dos estabelecimentos agrícolas. (...) Esse
dinamismo da década de 1920 manteve - se na década de 1930, não obstante a
crise, dando origem a um acréscimo ainda maior na ocupação da área do Estado
por estabelecimentos agropecuários, da ordem de 17%, com uma ampliação da
área cultivada de 26%. E neste caso observa-se novamente o comportamento
determinante da Zona Nova: tanto a apropriação de terra, como a área cultivada

198
Outras mercadorias eram “trocadas” com a Alemanha nesse comércio de compensação, tais como couro,
borracha, carnes, frutas, café, mas a primazia cabia, sem dúvida, ao algodão.
199
NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. op. cit., p, 116.
134

cresceram 40%. Esta ‘marcha para o Oeste’, que já vinha da década anterior,
apoiou-se, um pouco no café (...) e principalmente no algodão, que em 1937-38 já
200
estava ocupando mais de 500.000 hectares” .
Por outro lado, o algodão não se limitou a influenciar na forma de ocupação
econômica e no desenvolvimento de uma nova atividade em algumas regiões do Estado de
São Paulo. Impactou, também, na mudança de relações de trabalho na própria agricultura.

O algodão é reconhecidamente uma produção de pequenos proprietários e, em São


Paulo, a sua produção encontrou-se a cargo deste tipo de produtor:

“...O plantador de algodão é essencialmente um sitiante, um homem que reside no


local, que cultiva ele mesmo solo, seja ou não proprietário. (...) A vantagem do
algodão sobre o café é que não imobiliza nem exige capital e que produz em alguns
meses”201.
É verdade que muito exagero tem sido estabelecido a partir desta máxima. Existem
afirmações de que a cultura de algodão contribuiu para uma democratização do acesso à terra
em São Paulo, o que não é correto. O algodão possibilitou, isto sim, a mudança das relações
de trabalho no campo, com a criação de novas práticas e a retomada de antigas. Este é o caso
das novas formas de arrendamentos e da parceria. No entanto, a concentração da propriedade
agrária permaneceu e até se ampliou 202.

O fato de que o algodão não foi responsável por uma mudança na estrutura agrária
paulista, com a democratização do acesso à terra, não pode, contudo, obscurecer a questão de
que esta era uma cultura que tornava possível o estabelecimento de pequenas propriedades ou
de formas de produção baseadas na exploração de pequenas áreas.

Isso resultou, principalmente nas novas zonas algodoeiras, na partilha de algumas


grandes propriedades em pequenos lotes e seu arrendamento a trabalhadores, geralmente
migrantes brasileiros. Assim, além de fomentar a ampliação da característica rentista da
grande propriedade, a produção algodoeira provocou o estabelecimento de um novo fluxo
migratório, agora eminentemente nacional, para o interior paulista.

Devemos lembrar que a produção algodoeira era comercializada com maquinistas de


beneficiamento que representavam o interesse de grandes corporações estrangeiras, como a
Anderson Clayton e a Sanbra, e nacionais, como a Matarazzo. Esse aspecto é bastante

200
Ver ALBUQUERQUE, Rui H. P. L. De. Capital comercial, indústria têxtil e produção agrícola. São
Paulo: Hucitec/CNPq , 1982 p, 149/151.
201
MONBEIG, 1984. Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. 2 ed. São Paulo: Pólis/Hucitec, 1.994., p,
281/283
202
Ver: ALBUQUERQUE, Rui H. P. L. de . op. cit., caps. III e IV.
135

interessante, pois demonstra, de maneira clara, a subordinação dessa atividade agrícola ao


capital industrial.

Esses pontos, o desenvolvimento da atividade agrícola em pequenas propriedades,


trabalhadas por pequenos proprietários, arrendatários ou parceiros e a sua subordinação aos
circuitos de acumulação nucleados pelo capital industrial, implicam outro aspecto a ser
tratado, ou seja, a características do avanço das fronteiras econômicas a partir de São Paulo,
por meio de ações colonizadoras e migratórias, como veremos mais adiante.

2.1 Subsídios para mão de obra agrícola


A manutenção da produção cafeeira, em virtude da política de defesa do setor cafeeiro,
e as transformações que foram ocorrendo de forma paulatina, mas constante, na agricultura,
durante o período, fizeram com que as lideranças da agricultura paulista passassem a reclamar
da escassez de braços para a lavoura, colocando em questão a manutenção da oferta de
trabalhadores para o setor agrícola paulista. Essa situação agravava-se, ainda, em virtude do
deslocamento de muitos pequenos proprietários e de trabalhadores agrícolas paulistas para a
frente pioneira que se abria com a colonização do Norte do Paraná e para os centros urbanos,
principalmente São Paulo, cujo desenvolvimento industrial atraía grandes contingentes de
trabalhadores e, também, pela diminuição da imigração estrangeira e pelo aumento das
restrições à entrada dos mesmos no país.

Isso levou à necessidade de atrair trabalhadores nacionais, oriundos de outros Estados,


principalmente da região Nordeste e de Minas Gerais, para a substituição e o incremento da
mão-de-obra agrícola. A medida para se alcançar esse objetivo foi a reintrodução de uma
política de subsídios ao recrutamento de mão-de-obra. Em relação a isso, é interessante
observar dois aspectos importantes: o primeiro é que a reintrodução dessa política, que antes
se voltava a atrair imigrantes estrangeiros, passou, a partir desse momento, a se dirigir aos
trabalhadores nacionais, e, o segundo, é que a mesma coincidiu com o início da recuperação
econômica, puxada pelo expressivo crescimento da produção industrial para o mercado
interno, ocorrido a partir de 1933, uma vez que a iniciativa de retomada dos subsídios à mão-
de-obra se deu efetivamente em 1935.

Essa política obedeceu, segundo Odair da Cruz Paiva203, a dois momentos bastante
precisos: um primeiro momento em que se configurou com a participação de empresas
privadas que faziam a seleção e o encaminhamento de trabalhadores nacionais para São

203
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados.. op. cit., p. 87
136

Paulo. Tal prática se estendeu até 1939, quando foi substituída pela criação da Inspetoria dos
Trabalhadores Migrantes (ITM). Esse segundo momento representou a efetiva estatização dos
processos de atração migratória para o esforço de desenvolvimento centrado em São Paulo.

A reintrodução dos subsídios ao recrutamento de mão-de-obra representou um efetivo


programa de fomento à atração de trabalhadores para São Paulo, a região mais dinâmica da
economia brasileira no período. Por meio de contratos celebrados entre a Secretaria Estadual
da Agricultura de São Paulo, empresas privadas comprometiam-se a trazer grandes
quantidades de trabalhadores, principalmente dos estruturados em famílias, oriundos do
Nordeste – principalmente Bahia – e Minas Gerais para trabalho na agricultura paulista. A
cifra de trabalhadores projetada era de aproximadamente 50 mil por ano204.

Tal ação foi complementada pela utilização das dependências da Hospedaria dos
Imigrantes para a acomodação dos trabalhadores que passaram a ser dirigidos a São Paulo. É
importante lembrar que a Hospedaria apresentava características interessantes para a recepção
e distribuição dos trabalhadores: situava-se na confluência de duas importantes ferrovias que
ligavam São Paulo ao litoral (a São Paulo Railway) e ao Rio de Janeiro (a Central do Brasil);
possuía, também, uma estação própria, que a ligava com as outras ferrovias que se dirigiam ao
interior do Estado; encontrava-se a poucos metros de distância da Estação Roosevelt, que
ficou conhecida posteriormente, pela grande quantidade de migrantes ali desembarcada, como
Estação do Norte; possuía um setor de colocações que triava e encaminhava trabalhadores às
fazendas que os solicitavam.

Essa iniciativa de reintroduzir os subsídios à atração de mão-de-obra , embora tenha


sido desencadeada pelo Governo Paulista, em 1935, na Gestão de Armando de Salles
Oliveira, encontrava-se em sintonia com aquilo que era preconizado em nível federal. Isso se
explica pelo fato do Governador paulista, apesar de ter se lançado como candidato de
oposição nas eleições ao Governo Central, previstas para 1938, haver sido Interventor em São
Paulo, durante o governo provisório, mas, principalmente, pela concordância de objetivos
existente entre a Secretaria Estadual e o Ministério da Agricultura. Essa concordância
encontra-se referenciada em análises que foram feitas sobre Secretaria da Agricultura paulista,
que observam a existência de um paulatino processo de “federalização” de suas ações e
políticas:

“As transformações conformadas na Revolução de 30, alterando o equilíbrio das


forças políticas nacionais, representaram a perda de poder relativo por parte do

204
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados. .op. cit,, p. 92
137

complexo cafeeiro. Da mesma forma, iniciou-se um processo de centralização das


decisões na esfera federal, com perda de autonomia pelo poder publico paulista.
[...] o governo estadual, reduzido a instrumentos de ordem técnica, reestruturou-se
para sustentar o avanço da diversificação” 205.
O distanciamento do governador paulista do Governo Federal pode, entretanto,
explicar o caráter um pouco mais liberal dessa iniciativa, que estabelecia parcerias com
empresas privadas, se comparadas com a ITM, que foi instituída em 1939. Essa sim, foi uma
iniciativa que se notabilizou pela estatização dos assuntos relativos à atração de trabalhadores
migrantes para o Estado de São Paulo. Neste outro momento, já sob o Estado Novo, a
convergência entre as políticas estaduais e federais nos assuntos relativos à agricultura e às
questões migratórias foi quase total.

É interessante observar, por outro lado, que duas das empresas contratadas pelo
governo paulista para a introdução de trabalhadores migrantes em São Paulo, não se
encontravam distantes de interesses ligados à indústria ou à produção de matérias-primas
voltadas às indústrias, embora, num primeiro momento, o destino dos trabalhadores fosse o
trabalho agrícola.

Uma dessas companhias a CAIC – Companhia Agrícola de Imigração e Colonização


– era ligada à Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que tinha entre seus principais
acionistas pessoas, como os representantes da família Prado, que estiveram bastante
vinculadas a diferentes formas de diversificação do capital cafeeiro e no início da década de
1930 desenvolvia uma ação privada de colonização, por meio de retalhamentos de Fazendas
de café atingidas pela crise, na Região de Ribeirão Preto. Essa prática colonizadora resultou
na criação de 304 pequenas e médias propriedades, cuja média era de 68,34 alqueires. Essa
mesma companhia desenvolveu uma outra ação colonizadora, baseada em médias
206
propriedades, na Alta Paulista e no Extremo Norte do Estado . Nessas propriedades, a
produção principal vinculou-se ao algodão e à cana.

A outra companhia, a Cia Itaquerê, foi criada, em 1924, por Nhonhô Magalhães,
considerado como um dos precursores da agroindústria paulista e que esteve na origem na
formação de um setor industrial voltado a produzir máquinas de beneficiamento de algodão e
implementos agrícolas em Matão, região de Araraquara.

205
GONÇALVES, José Sidnei. A Agricultura paulista: a ação estatal na construção da modernidade. IN: São
Paulo em perspectiva: o agrário paulista. Revista da Fundação SEADE, vol. 7, no. 3, julho/setembro de 1993,
p. 102.
206
GONÇALVES, José Sidnei. op. cit., p. 103
138

A criação da ITM, em 1939, aprofunda a estatização das ações relativas à introdução


de trabalhadores migrantes em São Paulo. As empresas privadas foram substituídas por
funcionários públicos e pela criação de dois postos avançados para o encaminhamento de
trabalhadores, estabelecidos nas cidades mineiras de Pirapora e Montes Claros.

A criação da ITM, na interventoria de Adhemar de Barros, insere-se num período em


que já havia uma forte influência das políticas desenvolvidas pelo Ministério da Agricultura
sobre a Secretaria da Agricultura de São Paulo207 e, também expressa uma afinidade de
interesses entre as esferas de governo estadual e federal. Tal afirmação encontra-se
desenvolvida por Odair da Cruz Paiva ao observar que a interventoria de Adhemar de Barros
em São Paulo, praticamente coincidiu com a gestão de Fernando Costa no Ministério da
Agricultura208 e que o segundo, ao substituir Adhemar de Barros na interventoria paulista, deu
continuidade da iniciativa adotada pela ITM.

A existência de dois postos avançados, em território mineiro, também denota a


influência das medidas de centralização política efetuadas pelo Estado Novo na formação de
um mercado de trabalho nacional. A ITM, órgão paulista, pôde, a partir desse momento,
ultrapassar a divisa estadual e exercer a sua ação de recrutamento de trabalhadores, a serem
encaminhados a São Paulo, em um outro Estado da Federação. Tal fato só pode ser entendido
no contexto da supressão da autonomia dos Estados e da extrema concentração de poderes no
nível federal, levadas a cabo após novembro de 1937.

Esses postos avançados possuíam, ainda, localização estratégica para alcançar


trabalhadores oriundos do Nordeste. Pirapora era um importante porto fluvial do São
Francisco, para onde se dirigiam trabalhadores de regiões nordestinas acessíveis pelo mesmo
rio, principalmente via Juazeiro e Petrolina209. Montes Claros, situada ao Norte de Minas,
tinha fácil ligação rodoviária com o interior baiano e, assim como Pirapora, pela central do
Brasil, com o Rio de Janeiro e, na seqüência com São Paulo.

207
Para tal ver: GONÇALVES, José Sidnei. op. cit. e DULLEY, Richard Domingues. Políticas Estaduais para
a agricultura: São Paulo, 1930-1980. São Paulo: IEA, 1995 (Coleção Estudos Agrícolas, 3)
208
O primeiro foi interventor em São Paulo entre abril de 1938 e junho de 1941, enquanto o segundo esteve à
frente do Ministério da Agricultura entre novembro de 1937 e junho de 1941, quando substituiu Adhemar de
Barros na interventoria paulista
209
Não é por acaso, portanto, que o rio São Francisco é sempre lembrado como o rio da integração nacional.
Nesse caso, comportou-se como o rio da Integração do mercado nacional de trabalho. Em artigo para o Boletim
do SIC, Honório de Silos ao procura explicar os fatores de transferência de trabalhadores baianos para São Paulo
relaciona tal processo ao Rio São Francisco: “A Bahia tem apenas 8,37 (hab/km2) e, no entanto, é o Estado que
sofre o maior desfalque. Culpa, talvez, do São Francisco que leva a Pirapora os que sonham viver melhor e se
aventuram a São Paulo”. Ver SILOS, Honório de. Sampauleiros. Boletim do SIC, no. 3, março de 1941, p. 181.
139

Grupo de trabalhadores nordestinos em frente do posto imigratório de Montes Claros.

Extraído de CARVALHO, Péricles Melo. A concretização da “Marcha para o


Oeste”. In: Cultura Política. Rio de Janeiro: DIP, Ano I, no. 8, outubro de 1941.
140

Sem dúvida, portanto, a criação da ITM vinculou-se ao processo de maior intervenção


e controle por parte do Estado Novo sobre os movimentos migratórios e denota, também, a
preocupação em dirigí-los a regiões claramente definidas.

Assim, a política de reintrodução dos subsídios à mão-de-obra, a partir de 1935, e


principalmente em 1939, com a criação da ITM , expressa a intencionalidade de se construir
uma modalidade de deslocamentos populacionais consoante com o novo modelo de
desenvolvimento, cujo núcleo da acumulação deslocava-se para a indústria e para os centros
urbanos, principalmente São Paulo.

2.2 Migração para atividades agrícolas e industriais


Pode-se argumentar que a perspectiva da retomada de subsídios à mão-de-obra era a
de se obter trabalhadores para atividades agrícolas, mantendo, portanto a estratégia agrarista
desse empreendimento. Nesse momento, contudo, como procuramos indicar anteriormente, a
agricultura passava por um processo de reestruturação, isto é, estava deixando de ser a
atividade principal da geração da renda interna, começando a se constituir como elemento
fundamental para a garantia de importações de bens de capital e intermediários e também para
a garantia de abastecimento das indústrias e dos trabalhadores urbanos, atividades essas
ligadas efetivamente com a problemática da acumulação do capital industrial210.

Tal situação pode ser evidenciada pelos quadros e afirmações abaixo, pois
demonstram o maior dinamismo da produção industrial frente à agricultura e o crescimento da
produção agrícola voltada ao abastecimento interno:

210
Ver FONSECA, Pedro Cezar Dutra da. op. cit., p. 184-185
141

QUADRO 5
TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO DA ECONOMIA
1920-1945

1920-29 1929-33 1933-39 1940/45


(%) (%) (%) (%)
A - Setores Produtivos
a – Produção Agrícola 4,1 2,4 2,0 1,7
a1 – Agricultura de Exportação 7,5 3,1 1,2
b – Produção Industrial 2,8 1,3 11,2 5,4
c - Produto Físico 4,4 1,4 5,0 3,2
B – Composição do Produto Físico 100 100 100
Agricultura 79 57 55
Indústria 21 43 45
Fonte: SUZIGAN, Wilson; VILELA, Aníbal V. Política do governo e crescimento da economia brasileira
(1889 – 1945). Rio de Janeiro: IPEA/INPES, p. 180.e GRAHAM, Douglas H.; HOLLANDA FILHO, Sérgio
Buarque de. Migrações internas no Brasil (1872-1970). São Paulo, SP: Instituto de Pesquisas Econômicas;
[Brasília]: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1984, p. 57
.

QUADRO 6
VALOR DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA – PRINCIPAIS CULTURAS

Produtos Percentagem Média dos Períodos


1925/29 1932/36 1939/43
Algodão (em caroço) 5,9 14,0 21,6
Arroz 5,2 6,7 11,0
Cacau 1,4 1,8 2,2
Café 48,0 29,5 16,1
Cana-de-açúcar 3,5 5,7 7,5
Feijão 5,4 3,8 5,5
Fumo 2,8 2,6 2,2
Mandioca 4,7 6,8 7,0
Milho 16,3 15,9 16,0
Trigo 0,9 0,8 1,3
Outros 5,8 12,4 9,6
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: SUZIGAN, Wilson; VILELA, Aníbal V. Política do governo e crescimento da economia
brasileira (1889 – 1945). Rio de Janeiro: IPEA/INPES, p. 189.

“Nos anos 1933-1939, i. e., no período pós-depressão até a II Guerra Mundial, a


renda per capita do país manteve-se praticamente estagnada, ao nível de 1928[...].
Se a produção industrial não tivesse substituído a agricultura de exportação como o
setor dinâmico da economia teria havido queda da renda per capita ao invés de
apenas estagnação. [...] Nota-se, pois que no final da década dos 30, apesar de
142

agricultura ainda representar cerca de 57% do produto físico, o setor industrial


ganhara bastante importância” 211.

“O surgimento do algodão como o segundo principal produto de exportação reduziu


os efeitos da crise cafeeira sobre o comércio exterior.[...]Nesse período (também)
ocorreu um aumento extraordinário na importância relativa das culturas para o
mercado interno (arroz, feijão, cana-de-açúcar, mandioca, milho, trigo, etc.) que
passaram a representar 58% do valor das lavouras”212.
Por outro lado, é notório que atração de trabalhadores agrícolas de outros estados
nacionais, principalmente do Nordeste e de Minas Gerais, vinha ao encontro da necessidade
de resolver o problema das migrações intra-estaduais que se ampliava bastante nesse
momento. Muitos dos trabalhadores agrícolas do interior do Estado de São Paulo,
principalmente de suas regiões Nordeste e Central (a antiga região cafeeira: eixo Campinas-
Ribeirão Preto- Araraquara) estavam sendo atraídos pelo acelerado crescimento industrial da
capital paulista e do seu entorno213. Outro aspecto importante é que a abertura da frente
pioneira do Norte do Paraná também atraiu uma boa quantidade de trabalhadores rurais,
principalmente, dessas mesmas regiões. Devemos acrescentar ainda, nesse sentido, que o
“boom” algodoeiro ocorrido no interior paulista intensificou a necessidade de força de
trabalho.

Há que se considerar, ainda, que se o encaminhamento tomado pela agricultura,


notadamente a paulista, foi o da diversificação da produção, objetivando a manutenção da
capacidade de importação, o abastecimento de matérias-primas para as indústrias em
crescimento e da população urbana de gêneros de primeira necessidade, o preço das
mercadorias agrícolas, cuja produção se expandia, foi mantido em bases reduzidas graças,
entre outros fatores, à continua oferta de mão-de-obra. Como afirma Richard Dulley:

“ nesse período (de 1930 ao fim da II Guerra Mundial) o referencial de preços dos
produtos agrícolas ao agricultor era dado pelo mercado, exceto nos casos do café e
da cana-de-açúcar. Para compensar as flutuações desses preços. Os agricultores
desfrutavam de uma série de condições favoráveis: a possibilidade de redução de
custos operacionais, seja pela manutenção do relativo baixo nível dos salários,
devido à facilidade existentes para o constante crescimento da oferta de mão-de-
obra, seja pela não obrigatoriedade de pagamento em dinheiro dos salários, via

211
SUZIGAN, Wilson; VILELA, Aníbal V. Política do governo e crescimento da economia brasileira (1889
- 1945). Rio de Janeiro: IPEA/INPES, p. 180. Vemos nos dados acima que a participação da indústria na
economia mais que dobrou no período. A importância setorial da indústria continuaria a aumentar em virtude do
seu crescimento muito mais acelerado em comparação com a agricultura.
212
Fonte: SUZIGAN, Wilson; VILELA, Aníbal V. op. cit., p. 189-190. Todos esses produtos, embora com
redução no ínicio dos anos de 1930 tiveram, com exceção do milho e do feijão, crescimento de sua produção na
agricultura paulista. Conf. NEGRI, Barjas. op. cit., p. 74
213
HOLANDA FILHO, Sérgio Buarque de; GRAHAM, Douglas H. op. cit., p. 61
143

todas as formas de meação ou cessão de terras para o plantio, ou plantio intercalar


de culturas anuais de alimentação, nas culturas permanentes em formação”214.

Talvez mais importante que tudo isso seja o fato de que não há garantias de que esses
trabalhadores atraídos, inicialmente, para o trabalho agrícola tenham permanecido no meio
rural. Aliás, é bem plausível que isso não tenha ocorrido. É possível que a experiência de
atração de trabalhadores nacionais tenha reproduzido o que ocorreu com os estrangeiros na
virada dos séculos XIX e XX, quando muitos trabalhadores após um estágio inicial em
fazendas do interior passaram, na seqüência, a dirigir-se aos centros urbanos.

Neste sentido, o trabalho de Odair da Cruz Paiva nos é bastante revelador, pois ele
demonstra que a documentação é omissa em relação aos migrantes nacionais após a sua
chegada em São Paulo. Demonstra, ainda, por uma série de entrevistas realizadas com alguns
migrantes que se empregaram na indústria Nitroquímica, localizada em São Miguel Paulista,
que boa parte dele conheceu a trajetória de primeiro se empregar em fazendas do interior para
depois se fixar em atividades industriais em São Paulo. Aliás, afirma, por meio da analise da
dinâmica populacional do Estado, que havia uma grande instabilidade na fixação do migrante
no interior paulista, o que se refletiu numa importante mobilidade da mão-de-obra e que o seu
destino, em boa parte, foram as regiões mais industrializadas do Estado, concluindo que a
dinâmica migratória do período não deve ser considerada apenas na vertente rural-rural, mas,
também, no sentido rural-urbano:

“Percebemos que algumas regiões cuja evolução percentual [da população] foi
bastante significativa – à exceção de Bauru e Araçatuba – foram aquelas mais
próximas à Capital, como a Grande São Paulo, Santos e Campinas; regiões que
tradicionalmente concentram boa parte do processo de industrialização no Estado.
A questão da mobilidade da mão-de-obra migrante inserida no campo vem reforçar
nosso argumento sobre a dinâmica do processo migratório que, em nosso ponto de
vista, tinha dois aspectos interrelacionados: num primeiro momento ele porta uma
dinâmica rural-rural e em seguida, na saturação ou na inviabilidade da
continuidade no campo, estes trabalhadores migram para a cidade”215.
Outro elemento, a ser considerado nessa mesma direção, é ao aumento populacional
significativo da Cidade de São Paulo, que passou de 570.000 habitantes em 1920, para
887.000 em 1930, 1.347.000 em 1940 e 2.227.560 em 1950. E na própria cidade de São Paulo
é bastante significativo observar que o crescimento populacional explosivo de bairros e
distritos até hoje identificados como local de estabelecimentos de migrantes, tais como São
Miguel Paulista, Guaianases, Santo Amaro, Tucuruvi, Freguesia do Ó, Casa Verde. A

214
DULLEY, Richard Domingues. op. cit. P. 79
215
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados...op. cit., p.149/150
144

população dessas áreas cresceu entre 150% e 450% no período situado entre 1940 e 1950,
sendo que os crescimentos mais expressivos, ocorreram em São Miguel Paulista, à época um
distrito do Município de São Paulo, e na Casa Verde.

Assim, podemos concluir que boa parte da população migrante, embora tenha
adentrado ao Estado para o trabalho agrícola, deslocou-se em seqüência para os centros
urbanos, principalmente São Paulo, engrossando o contingente de trabalhadores urbanos.
Sabemos, também, que a maior oferta de trabalhadores no mercado de trabalho urbano é um
fator decisivo para a diminuição da taxa de salários pagos na indústria, o que contribui
decisivamente para acelerar o seu processo de acumulação.

Portanto mesmo que, em princípio, a estratégia migrantista, baseada na retomada dos


subsídios à vinda de mão-de-obra estivesse aparentemente voltada ao atendimento da
agricultura, ela acabou por favorecer o processo de desenvolvimento industrial que tinha o
mercado interno brasileiro como seu mercado cativo e como seu elemento dinâmico. Em
reforço a isso podemos utilizar a afirmação:

“A efetivação da política migratória abriu-nos um amplo espectro de questões. [...]


Também auxiliou na montagem de um processo de modernização conservadora, no
qual a emergência do modelo de substituição de importações, como alternativa mais
eficaz para a reprodução do capital no país, necessitou da arquitetura de uma
complexa rede de relações políticas que adequassem antigos e novos interesses
políticos e econômicos, como também mantivessem cativos ou sob controle a
população trabalhadora no campo e na cidade.
O tema da industrialização surgiu com força no período, catalisando para a região
centro-sul – particularmente São Paulo – a prerrogativa da modernização. Sua
efetivação impulsionava novas necessidades, dentre elas a recomposição do perfil
da mão-de-obra urbana” 216.

216
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados...op. cit., p. 247.
145

Seção 3 As políticas colonizadoras: a importância da fronteira econômica

3.1 Novas Formas de Integração Econômica


Como já foi afirmado em outras passagens desta tese, o ponto de partida estabelecido é
que o avanço das fronteiras econômicas, a partir dos anos de 1930, foi provocado pela
necessidade de integração do mercado interno. Esse objetivo encontra-se claramente expresso
em inúmeras declarações de Vargas e de outros intelectuais que apoiavam o novo governo e o
regime instituído a partir do movimento armado de 1930.

Isso é, sem dúvida, um fator distintivo desse processo em relação às experiências


anteriores ocorridas no Brasil. Desde a colônia quando a ocupação econômica do território
brasileiro se fixou, majoritariamente, na produção de alguns poucos produtos voltados ao
mercado externo, a atividade econômica havia se concentrado, fundamentalmente, em seu
litoral. É bastante evidente que a produção dominante era a destinada ao mercado externo,
embora seja possível afirmar a existência de intensos fluxos comerciais internos nesse
período.

Assim, as iniciativas de interiorização foram limitadas e vincularam-se, normalmente,


ao desenvolvimento de atividades econômicas extrativas ou pecuárias, também,
prioritariamente, voltadas, respectivamente, ao mercado externo ou a subsidiar as atividades
econômicas exportadoras dominantes. Outras vezes, ligavam-se às práticas de apresamento
dos indígenas, de procura de metais preciosos e gemas, ou ao estabelecimento de economias
de subsistência, cujos exemplos mais significativos foram as desenvolvidas pelos habitantes
da capitania de São Vicente.

Tal fato não se alterou, de forma significativa, com o processo de independência e de


formação do Estado Nacional. É verdade que após esse período, o desenvolvimento de
algumas outras atividades tornou o quadro um pouco mais complexo. Como exemplo,
podemos apontar a produção do mate em parte do Mato Grosso e no sul do país - mas que
também se voltavam ao mercado externo, por meio do complexo fluvial do Paraná; a
produção do charque no Rio Grande do Sul e a estratégia de colonização com objetivos
povoadores.

Os processos mais evidentes de avanço na fronteira econômica no período anterior a


1930 estiveram presentes na frente pioneira da economia cafeeira paulista, a marcha do café, e
na economia da borracha no Norte do país. Tais atividades econômicas, contudo, deram
146

origem à formação de complexos econômicos regionais cujo centro dinâmico também se


encontrava no mercado externo.

A economia cafeeira provocou um explosivo processo de inserção de novas áreas à


atividade econômica no Oeste paulista, beneficiando-se, num primeiro momento, do domínio
brasileiro e do quadro favorável dos preços desse produto no mercado mundial.
Posteriormente, quando da sua primeira crise de superprodução, a marcha pioneira do café
manteve-se devido à elasticidade da oferta de terras e mão-de-obra, alcançada com o sucesso
da política de atração de trabalhadores imigrantes que substituíram a mão-de-obra escrava. A
política de valorização dos preços do café, instituída em 1906, permitiu a continuidade e o
aprofundamento do processo de interiorização da produção cafeeira217. A economia da
borracha também teve o seu auge sustentado pelo aumento da procura e dos preços
internacionais, em virtude do aumento da demanda provocado pela generalização de sua
utilização industrial.

Por ter conhecido o aumento de sua produção e o deslocamento geográfico das


plantações num contexto de importantes transformações econômicas e sociais, tais como a
introdução do transporte ferroviário e do trabalho livre, a economia cafeeira teve a
possibilidade de desenvolver o seu mercado interno e, com isso, alcançar uma maior
diversificação econômica218, por meio do desdobramento do capital cafeeiro em outras
“formas” de capital como o comercial, o industrial e o bancário219. Esse processo pode ser
considerado o embrião processo de integração do mercado interno nacional, que passou a
ocorrer no período subseqüente a 1930 e que foi impulsionado pela sua região mais dinâmica,
a paulista 220.

O avanço das fronteiras nas economias cafeeira e da borracha esteve, portanto,


influenciado pelo sucesso das mesmas, durante um certo período, no mercado internacional e,
por isso, não se vinculou a estratégias de unificação do mercado interno brasileiro. Tampouco
estimulou a criação de um mercado nacional de trabalho, visto que a economia cafeeira

217
Ver FURTADO, Celso. op. cit. cap. XXX
218
Esse processo não ocorreu na economia da borracha em virtude da utilização do transporte fluvial e,
principalmente, pelo aviamento como forma dominante das relações de produção, o que implicou na
permanência da dependência pessoal entre os seringueiros e os seus agenciadores, inibindo, portanto, o
desenvolvimento de relações de características mais marcantemente capitalistas e a construção de um mercado
de maiores proporções.
219
Ver SILVA, Sérgio. op. cit. cap. 3
220
Ver CANO, Wilson. op. cit., p. 62-63 e NEGRI, Barjas. op. cit. p. 34
147

pautou-se na atração prioritária de trabalhadores estrangeiros221 e a economia da borracha,


mesmo utilizando majoritariamente o trabalhador nacional, baseou-se em relações de trabalho
de forte dependência pessoal, o que, por si só, já caracteriza a inexistência de um mercado
mais livre de trabalho

Assim foi, objetivamente, no período que nos ocupa que a necessidade de integração
do mercado nacional, inclusive o de trabalho, respondeu pelos processos de avanço da
fronteira econômica, conduzindo a novas formas de integração num espaço econômico muito
mais amplo, de características nacionais. As constantes afirmações de Vargas, ressaltando a
necessidade de superação do “arquipélago econômico” brasileiro, constituem-se como uma de
suas mais importantes evidências.

“Alguns comparam o nosso país a uma ilha ou a um arquipélago. Há regiões ricas,


intensamente povoadas e industrializadas, e há regiões pobres, onde falta densidade
demográfica e onde a escassez de população e de transportes ainda não
proporciona os meios necessários à formação de suas riquezas. Não que essas
zonas sejam áridas: é que a civilização ainda não chegou até lá, com a intensidade
dos seus meios de produção. De modo que o sentido legítimo de nosso imperialismo
é crescer dentro de nós mesmos e levar as nossas fronteiras econômicas até ao
limite das fronteiras políticas, fazendo com que todo o Brasil prospere
harmonicamente 222.

A melhor situação econômica não coincide, como é sabido, com os núcleos de


maior densidade demográfica, demonstrando isso, portanto, que há defeitos do
sistema produtivo a corrigir. O deslocamento da mão-de-obra é feito sem método,
por processos francamente rotineiros e, mesmo, nocivos. O governo irá sem perda
de tempo, visto já estar em funcionamento e trabalhando com eficiência o Conselho
de Imigração e Colonização, promover os meios de regular o assunto em relação às
populações nacionais, criando o povoamento e organizar a exploração racional de
faixas do Centro e do Oeste e estabelecendo núcleos novos de expansão das nossas
energias produtoras. [...] É, aliás, no sentido de promover a colonização interior
que o Governo dirige, atualmente, as suas vistas, com o intuito de fixar em zonas
mais produtivas e menos propícias a flagelos os excedentes de população de certa
regiões do país” 223.
A necessidade de conquista do interior amplificou a importância da política
colonizadora. As práticas e as políticas colonizadoras sofreram a influência de uma série de
reflexões que procuravam reorientar as funções exercidas pela colonização, principalmente as
de caráter oficial. Expressão disso é que após um interregno de aproximadamente 16 anos, a
Secretaria da Agricultura de São Paulo retomou, com a criação do Núcleo Colonial Carlos de
Campos – no ano de 1927, no município de Cananéia - a idéia de instalação de novos Núcleos

221
Embora tenha utilizado trabalhadores nacionais, esses foram numericamente inferiores aos estrangeiros
durante todo o período em que ela se comportou como a economia mais dinâmica do país, tal quadro somente
começou a se alterar em finais da década de 1920. Ver CANO, Wilson. op. cit., p. 49 e PAIVA, Odair da Cruz.
Brasileiros...op.cit., p.16
222
VARGAS, Getúlio. Discurso proferido em 18 de novembro de 1938. Diretrizes...op. cit., p. 131-132.
223
VARGAS, Getúlio. Diretrizes.. op. cit.; p. 282-283 e 299. Entrevista concedida à imprensa em 10 de
novembro de 1939.
148

Coloniais. Após a criação dos Núcleos Coloniais Boa Vista, Conde de Parnaíba , Martinho
Prado Jr. e Visconde de Indaiatuba (todos localizados em regiões de tradicional produção
cafeeira), em 1911, se estabeleceu na Secretaria da Agricultura paulista um debate a respeito
da real conveniência de se manter a criação de Núcleos Coloniais no Estado224. Ao mesmo
tempo, dizia-se que a criação de novos núcleos coloniais deveria ficar a cargo da iniciativa
privada, com o Estado afastando-se ou reduzindo, em muito, a sua participação nesse
processo.

A criação dos Núcleos Coloniais Carlos de Campos, em 1927, Barão de Antonina, em


1930, Prainha e Alecrim, em 1933,225 representa uma inflexão na política da Secretaria de
Agricultura, colocada em prática nos anos anteriores. Entretanto, a localização desses últimos
núcleos demonstra que houve uma mudança de orientação da Secretaria Estadual da
Agricultura de São Paulo em relação aos objetivos dos núcleos coloniais oficiais. Se os
criados até 1911, principalmente no período situado entre 1900 e 1911, tiveram o objetivo de
colaborar para o desenvolvimento da acumulação de capital no complexo cafeeiro226, os que
foram criados em finais dos anos de 1920 e início dos anos de 1930 passaram a ter como
objetivo o despertar de regiões não anteriormente tocadas pela marcha do café e que, por isso,
eram consideradas como “regiões adormecidas” 227.

Essa mudança de orientação assume maior significação, se atentarmos para o fato de


que esses novos objetivos conferidos aos núcleos coloniais aproximavam-se bastante das
concepções defendidas pelo pensamento modernista e pelo setor mais radical do tenentismo.
O modernismo, tanto em suas tendências “à esquerda” como “à direita”, defendia
abertamente, em finais dos anos de 1920, a intervenção do Estado nos locais onde não parecia
haver a possibilidade de um impulso modernizador próprio. O “Clube 3 de Outubro”, que
aglutinava a ala mais radical do tenentismo, passou a reivindicar a instalação de núcleos de

224
PAIVA, Odair da Cruz. Colonização...op. cit., p. 49 e COSTA, Julio César Zorzenon. Política colonizadora,
industrialização e desenvolvimento regional e o Núcleo Colonial Barão de Antonina. . Universidade de São
Paulo: FFLCH (Dissertação de Mestrado em História Econômica), 2000, p. 6-8.
225
Dos Núcleos Coloniais citados, somente o Núcleo Colonial Barão de Antonina atingiu em seu processo de
efetivação as característica próprias de um Núcleo Colonial, a instalação dos outros não prosperou, ou foram
abandonados, com é o caso do Núcleo Colonial Carlos de Campos, que não consta da relação oficial da
Secretaria (ver Anexos), ou não evoluíram no sentido de se configurar como um Núcleo Colonial, podendo ser
mais bem classificados como áreas de colonização, que possuem uma infra-estrutura material e humana mais
simples.
226
Ver GADELHA, Regina Maria D’ Aquino Fonseca. op. cit., p. 134
227
Ver MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. 2 ed. São Paulo: Polis/Hucitec, 1994, p. 161
e FERLINI, Vera Lúcia Amaral; FILLIPINI, Elizabeth. Os núcleos coloniais em perspectiva historiográfica.
In: Revista Brasileira de História, São Paulo: Marco Zero, nos. 25/26, 1993, p. 121.
149

colonização, principalmente, nas áreas mais atrasadas economicamente228. Uma observação


atenta das posteriores propostas de colonização oficial, encaminhadas no período do primeiro
Governo Vargas, demonstra que os princípios acima indicados estiveram presentes ao longo
de todo o período.

Podemos inferir com isso, que houve, no período que nos ocupa, uma reorientação e
uma evidente definição a respeito do papel da colonização. Essa nova orientação se expressou
por meio de uma espécie de “divisão do trabalho colonizador”. As áreas que pudessem ser
inseridas de maneira “espontânea” nos circuitos econômicos, seguindo dinâmica própria do
capital privado, e que conseguissem atrair um contingente de trabalhadores e/ou pequenos
proprietários já “disciplinados” para uma produção agrícola de excedentes, poderiam, e
deveriam, ser objetos de uma colonização privada. As áreas consideradas adormecidas e não
interessantes à inversão privada de capitais, e para as quais seriam dirigidos os trabalhadores
menos disciplinados para uma produção para o mercado, deveriam ficar a cargo de programas
oficiais de colonização. Por isso, a colonização oficial, durante o período, foi se tornando,
paulatinamente, resultado de propostas e ações planificadas, com alto grau de controle sobre
os colonos, processo esse que chegará ao seu auge com a criação das Colônias Agrícolas
Nacionais, em 1943.

Por outro lado, embora a colonização, oficial ou privada, estivesse ligada ao


desenvolvimento de atividades agrícolas, ela não se encontrava distante dos objetivos de
integração do mercado nacional e do desenvolvimento de um novo padrão de acumulação,
pelo fato de que a agricultura estava, como já foi dito, passando a assumir um novo e
importante papel. A produção agrícola foi se modificando no período para atender de forma
mais direta as necessidades de matéria-prima, por parte das indústrias que desenvolviam e
para o atendimento das populações urbanas. Acreditava-se que a colonização, ao se basear na
pequena propriedade, imporia a necessidade dos colonos tornarem-se consumidores de
mercadorias industriais.

O novo papel assumido pela colonização baseada na pequena produção agrícola pôde
se vincular ao novo tipo de desenvolvimento que se procurava implementar no país, já que o
desenvolvimento industrial, estimulado endogenamente, passou a necessitar de ampliações
constantes do mercado interno. Na medida do possível, as mais diferentes regiões deveriam
ser introduzidas no processo econômico. Era necessário, portanto, integrar aos circuitos do

228
CAMARGO, Aspásia Alcântara. A Questão agrária: crise de poder e reformas de base (1930-1964). In:
FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1981, p. 134.
150

capital as regiões consideradas não produtoras e não consumidoras de mercadorias.

A colonização tornou-se, assim, uma forma privilegiada de integração econômica,


permitindo que a conquista territorial interna desse curso à expansão capitalista. A conquista
interna, subordinando novas áreas aos centros dinâmicos da atividade econômica, comportou-
se como fator fundamental para a integração econômica e para a manutenção da integridade
territorial do país e, dessa maneira, para a formação de um mercado potencial de grandes
proporções:

“Como superar a vulnerabilidade da economia brasileira calcada em exportações


de produtos primários e em economias regionais estanques, que punham em questão
a viabilidade e a unidade do país?
A política de desenvolvimento acelerado, além de galvanizar apoio de setores
fundamentais, parecia ser a resposta mais eficaz ao problema da fragmentação do
país em economias regionais pouco integradas. Embora o programa de Vargas não
contivesse medidas efetivas visando um desenvolvimento mais equilibrado entre
regiões do país e a redistribuição da renda, o discurso e as medidas implementadas
no sentido de criar um verdadeiro mercado nacional sugerem que o programa de
crescimento acelerado, consistia em um verdadeiro projeto de consolidação da
nação a partir da hegemonia do capitalismo industrial”229.
A expansão territorial necessária ao desenvolvimento capitalista, com a criação de
entornos e anexação de áreas satélites que impulsionaram o processo de acumulação, pôde,
aqui, realizar-se internamente, devido à abundância de fundos territoriais no Brasil. A
colonização, baseada na pequena propriedade apresentou-se, assim, compatível com o
processo de diversificação econômica e com o desenvolvimento industrial. Isso se vinculava
também à idéia de reconstrução do país, à superação de seu “arquipélago econômico”230
provocado pelas práticas econômicas do regime, vigente no pré-1930, por meio do
“imperialismo interno”.

A divisão do trabalho colonizador a que nos referimos anteriormente se evidencia no


fato de que no período conviveram simultaneamente experiências e propostas colonizadoras
de caráter privado e oficial que apresentaram grande visibilidade. O exemplo mais
significativo para o primeiro caso é o da colonização do Norte paranaense. O segundo caso
pode ser verificado, ao lado das práticas de colonização desenvolvidas no Sudoeste paulista e
no Vale do Ribeira, na grande solenidade com que foi apresentado o programa marcha para o
Oeste que visava integrar, principalmente, os Estados de Goiás e Mato Grosso à atividade
econômica.

229
CORSI, Francisco Luiz. Política econômica e nacionalismo no Estado Novo. In: SUZIGAN, Wilson;
SZMRECSÁNYI, Tamás (orgs.). História econômica do Brasil contemporâneo. 2 ed rev. São Paulo:
Hucitec/ABPHE/Edusp/Imprensa Oficial, 2002. p, 6.
230
VARGAS, Getulio. Diretrizes...op. cit., p, 285
151

3.2 A divisão do trabalho Colonizador – A colonização Privada


Embora tenha ocorrido uma experiência coetânea desenvolvida pela CAIC que
encaminhou um processo de colonização na antiga região cafeeira da situada entre os leitos
das estradas de ferro Paulista e Mogiana, por meio de retalhamento de antigas fazendas de
café, e, também, na região da alta Paulista, onde desenvolveu um novo programa de
colonização privada no Estado, o Norte do Paraná é o caso considerado como exemplar desse
processo de integração econômica, gerado pelo avanço da fronteira, por meio da colonização,
baseada em pequenas e médias propriedades: “no norte do Paraná podem ser observadas
fazendas que se aproximam dos 1.000 alqueires ou mesmo os ultrapassam. Mas aqui elas têm
nas vizinhanças, milhares de pequenas propriedades com uma dezena de alqueires, uma
trintena no máximo” 231.

A colonização efetuada no Norte do Paraná, pela Companhia de Terras do Norte do


Paraná, CTNP, empresa, inicialmente de capital inglês e, posteriormente nacionalizada, foi o
mais destacado exemplo de iniciativa privada de colonização do período. Essa experiência foi
responsável pela inserção econômica de uma área, até então, pouco tocada pelo
desenvolvimento econômico.
232
O Norte do Paraná, ou melhor, a região do “novo norte paranaense” , resultou da
ação colonizadora da Companhia de Terras do Norte do Paraná, que foi substituída, a partir de
1944, por uma companhia de capital nacional (basicamente paulista e ligada ao capital
industrial), a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP). Esta ocupação, que se
deu sob forma de colonização dirigida, envolveu uma área superior a 500.000 alqueires
paulistas e teve como centro irradiador o município de Londrina.

Nesta área foi estabelecido, o que podemos denominar, um complexo colonizador,


com a construção de aproximadamente 4.000 km de estradas de rodagem e com a aquisição
de uma estrada de ferro que atingiu Londrina em 1935 e Apucarana em 1937233. Envolveu,
também, a construção de usinas Hidrelétricas e de Cimento (que se localizava no Estado de

231
MONBEIG, Pierre. op. cit., p, 214.
232
O Norte do Paraná já havia sido resultado de ocupação pelo avanço das frentes pioneiras do café, na década
de 1920, principalmente em sua parte Leste. Ocupação baseada na grande propriedade cafeicultora. Não é desta
que se procura tratar no trabalho. Este procura enfocar a região que ficou conhecida como “Novo Norte”, melhor
identificado pelo desenvolvimento de municípios hoje bastante importantes como Londrina e Maringá, que se
caracterizaram, em suas origens, pelo estabelecimento de pequenas e médias propriedades, produtoras de café.
233
MONBEIG, Pierre. Op. cit. P, 207
152

São Paulo, mais precisamente em Itapeva) e Indústrias de Cerâmica e fazendas de engorda de


gado 234.

A organização das propriedades, tanto no que diz respeito à sua localização e à sua
aquisição pelos colonos, quanto ao sistema produtivo, que envolvia a constituição de redes de
produção, distribuição, circulação e consumo, demonstra a existência de uma planificação do
processo de ocupação demográfica e produtiva da região.

A venda dos lotes foi financiada. Para garantir o pagamento das prestações, o colono
recebia orientação e acompanhamento técnico durante as primeiras plantações. Os lotes eram
interligados por meio de estradas de rodagem que também procuravam ligá-los aos
patrimônios235 e às cidades menores que distavam não mais do que 18 km uns dos outros.
Esses, por sua vez, interligavam-se a centros urbanos maiores, que foram planejados como
pólos regionais, e estavam situados a uma distância aproximada de 100 km. Tais pólos teriam
fácil acesso ao transporte ferroviário e seriam servidos de estradas que os ligariam
diretamente ao Estado de São Paulo e, daí, com a capital paulista 236.

“Graças a essa rede, que era excepcional não só pela densidade, mas também pela
quantidade, não existe um lote sequer que não tenha articulação por um bom
caminho e não há um só colono muito afastado de um centro comercial. [...] O
sistema rodoviário do Norte do Paraná foi concebido de maneira a facilitar as
relações entre os sítios e as cidades e do campo com as casas de comércio e as
estações ferroviárias. Sua amplitude e sua qualidade são um bom exemplo de ação
dos loteadores para proteger o pioneiro contra o isolamento e para amparar a
economia totalmente orientada para o comércio” 237.
O tamanho das propriedades variava de acordo com a proximidade dos patrimônios ou
das cidades. As mais próximas, voltadas a atender o mercado local tinham extensão de
aproximadamente três alqueires. As mais distantes, que produziam para o mercado paulista ou
para a exportação, embora pudessem variar de tamanho, tinham, em média 20 alqueires238.

234
Para tal, ver: AUGUSTO, Maria Helena Oliva. Intervencionismo estatal e ideologia desenvolvimentista.
São Paulo: Símbolo, 1977, pp. 36 a 40 e JARRETA, Maria Helena. Contribuição para a análise de um espaço
norte paranaense: a área colonizada pela Companhia de Terras do Norte do Paraná. São Paulo:
Associação dos Geógrafos Brasileiros (Anais do 4o. Congresso da AGB), julho de 1984, pp. 83 a 93
235
Segundo Ana Maria Chiarotti de Almeida, os patrimônios “são pequenos núcleos populacionais planejados e
implantados pela CTNP, onde se localizavam a igreja, a escola, o salão de festas, o campo de futebol, o campo
de bocha, a escola, a venda e a máquina de beneficiamento de cereais. Circundados pelos sítios, além de
constituírem espaços para as atividades lúdico-religiosas dos habitantes rurais, cumpriam a função de
intermediar as relações sócio-econômicas entre campo e cidade”. Ver ALMEIDA, Ana Maria Chiarotti de. A
morada do vale, sociabilidade e representações: um estudo sobre as famílias pioneiras do Heimtal.
Londrina: Editora UEL, 1997, p. 43.
236
ALMEIDA, Ana Maria Chiarotti de. op cit., p. 94.
237
MONBEIG, Pierre, p. 232
238
ALMEIDA, Ana Maria Chiarotti de. op. cit., p. 95.
153

A opção pela pequena propriedade é normalmente explicada pelo fato de que esse era
o melhor meio de se garantir o rápido povoamento e o suprimento de mão-de-obra, uma vez
que se acreditava que as condições econômicas do período, marcadas pela forte crise,
impediam que os mesmos fossem alcançados pelo regime de grandes propriedades. Também,
pelo interesse de se estabelecer uma atividade econômica regional com alto grau de
dinamismo próprio, que possibilitasse o consumo de mercadorias e serviços oferecidos por
empresas criadas pela própria companhia colonizadora, como é o caso das já citadas
companhias: a usina hidrelétrica e a fábrica de cimento. Mas, é importante destacarmos o que
afirma Maria Helena Oliva Augusto:

“Também, a companhia agia como intermediária, adquirindo a preços


compensadores a produção cafeeira das diversas propriedades; nesse sentido, a
impossibilidade de pequenos proprietários dispersos se colocarem no mercado do
produto em condições de defender seus interesses conduzia a que tivesse condições
(a Cia.) de auferir lucros também dessa forma. Fica claro, então, que a colonização
é levada a efeito ‘como empreendimento econômico: empresas imobiliárias,
ferroviárias, comerciais, bancárias etc., loteiam terras, transportam mercadorias,
compram e vendem, financiam a produção e o comércio (...)’ 239. Surge, assim,
como resultado direto da necessidade de reprodução da sociedade capitalista”240.
Assim, o processo de Colonização do Norte do Paraná, nas décadas de 1930 e 1940
representou a incorporação da região pela expansão do capitalismo brasileiro, no estágio de
desenvolvimento que este começava a assumir no momento, ou seja, quando a agricultura
passava a se subordinar em relação à industrialização. A experiência privada do Norte do
Paraná parece ter seguido o encaminhamento “natural” do capital agrário e comercial no
período. Entretanto, muito mais do que isso, esse encaminhamento encontrava-se relacionado
com as novas exigências colocadas pelo novo padrão de acumulação que se processou no pós
1930, que subordinava esses mesmos capitais a uma nova lógica de acumulação. Para lá
dirigiram-se as frentes pioneiras paulistas baseadas no café. E, nesse momento, a agricultura
de exportação conservava o aspecto instrumental de alcançar divisas para a importação de
equipamentos industriais.

“O café alcançou o Paraná num momento em que já não se encontrava nele a base
da acumulação capitalista no Brasil; entretanto, persistia na cafeicultura uma fonte
de recursos essencial para a capitalização de um outro setor – o industrial – que
havia assumido a dominância. [...] No momento em que se intensifica no estado (do
Paraná) a cafeicultura, ao setor exportador – apoiado no café – ainda cabia
importante função no sentido de propiciar divisas para a industrialização que se
expandia” 241.

239
a passagem citada é de MARTINS, José de Souza. Frente pioneira: contribuição para uma caracterização
sociológica. Estudos Históricos, no. 10. Departamento de Educação, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
de Marília, 1971.
240
AUGUSTO, Maria Helena Oliva. op. cit., p. 38-39.
241
AUGUSTO, Maria Helena Oliva. op. cit., op. cit., p. 39.
154

A opção pelo café se explica pelo fato, já aduzido anteriormente, que a


comercialização do café, por meio de pequenos proprietários, levaria, necessariamente à
intermediação da companhia colonizadora, que compraria a produção, a preços
compensadores em regime de monopsônio e poderia revendê-la a preços mais compensadores
ainda, catalisando, assim, a acumulação de capital mediante o controle dos mecanismos de
fixação dos seus preços. Por outro lado, na década de 1930 apresentava, ainda, uma outra
grande vantagem, que era a não restrição à produção cafeeira que vigorava sobre São
Paulo242. Afora, o seu caráter altamente ufanista, a citação que se segue ilustra bem o caso:

“Na verdade, a afluência de imigrantes para o Paraná nesse período de quarenta


anos representou a mais importante experiência de migração e colonização bem
sucedida neste século no Brasil. Mais uma vez, teve basicamente o caráter de um
movimento do campo para o campo, animando-o a finalidade de desenvolver a
lucrativa cultura do café nas terras férteis das zonas norte e oeste do Paraná. [...] é
interessante notar que o sistema de posse da terra nas regiões norte e oeste do
Paraná resultou em numerosas propriedades pequenas e médias, nas quais famílias
independentes de agricultores deram sadia base social ao meio rural.[...] O Paraná
foi essencialmente colonizado por paulistas, com participação insignificante de
imigrantes de outros Estados. Com isto, o Estado beneficiou-se muito ao receber
uma estirpe promissora de capital humano do Estado mais avançado do país. Alem
disso, os mais bem treinados paulistas não foram tanto empurrados do meio onde
viviam como atraídos para empreendimentos mais lucrativos no Paraná,
contribuindo, no processo, com apreciável espírito empresarial e um volume
243
razoável de capital físico” .
Era, portanto, uma nova área a serviço da inversão privada de capitais. Aí o processo
de integração econômica poderia se dar de forma “espontânea” com pouca necessidade de
intervenção estatal, já que o capital, pela sua própria dinâmica, para lá se dirigia:

“[...] pouco financiamento público direto e planejamento foram necessários desde


que a lucratividade de uma cultura comercial de exportação como o café era
suficiente alta para que forças e organizações privadas de mercado pudessem
244
estimular, financiar e dirigir este grande movimento migratório” .
A região, ao ser conectada de forma mais consistente aos circuitos de reprodução
econômica, pôde, ainda, responder a outras exigências do novo padrão de acumulação, tais
como a de se tornar uma região consumidora de mercadorias, além de colaborar na produção
de gêneros de primeira necessidade como alimentos e matérias-primas a baixo custo,
reduzindo, dessa maneira, os custos da produção industrial, pelo rebaixamento dos montantes
destinados a cobrir o capital constante e o capital variável.

242
AUGUSTO, Maria Helena Oliva e JARRETA, Maria Helena, op. cit. 34
243
GRAHAM, Douglas. Algumas considerações econômicas para a política migratória no meio brasileiro.
In: Migrações internas no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, Monografia no. 5, 1971, p, 23 - 25.
244
GRAHAM, Douglas. op. cit., p. 23
155

A facilidade de comunicação com o mercado tanto local como o interestadual e a


relativa proximidade com o centro dinâmico da economia nacional, de onde partiam os
influxos de integração econômica, explicam o rápido desenvolvimento econômico e
populacional da região a partir da experiência da colonização, de tal sorte que a população
triplicou nas três primeiras décadas, atingindo 48,6% da população paranaense em 1960245 e a
sua produção cafeeira atingiu a cifra de 48% da produção brasileira no mesmo período246, a
metade de todo o estado.

Não se pense, contudo, que as razões para esse explosivo processo de transformação
capitalista e de crescimento econômico, bem como o aparente sucesso na atividade
colonizadora reside no simples fato de que essa experiência originou-se de uma iniciativa
privada. Essas se encontram, sobretudo, no fato de que a iniciativa privada pôde incorporar
um processo que já se encontrava em curso pela própria dinâmica do desenvolvimento
capitalista. Não se tratou de um empreendimento privado com objetivo de introduzir a região
nos processos de desenvolvimento, mas o seu contrário, o de capturar para o capital uma
oportunidade de inversão em atividades imobiliárias, agrícolas e comerciais de uma região
que se tornava atraente para o investimento privado e que seguia os influxos da economia
dominante no período, a paulista. Era uma área que se anexava ao processo de expansão
paulista que, naquele momento, já era marcado pelo desenvolvimento industrial. Foi
incorporada como área subordinada, mas integrante do desenvolvimento econômico que se
processava de maneira centralizada em São Paulo.

A justificativa oficial para a venda de terras do Norte do Paraná à CTNP foi o objetivo
de se evitar a posse ilegal das terras. Entretanto, a CTNP não encontrou a terra tão vazia como
se afirmava, ela era, embora pouco densamente, ocupada, por posseiros, safristas e por
população indígenas. Personagens esses que impuseram alguns problemas que tiveram, de
uma maneira ou outra, que ser resolvidos para não impedirem o desenvolvimento da atividade
colonizadora..

Não tardou também que se tivesse vez na região o surgimento de mecanismos de


exploração do pequeno proprietário pela CNTP, como afirma Almeida:

“[...] os migrantes, ao se tornarem, no Norte do Paraná, pequenos proprietários


não capitalizados, produtores de mercadorias e de seus meios de subsistência,
vivenciaram uma situação inovadora e contraditória determinada pelo modo
específico pelo qual se integraram às atividades agrícolas da região. Apesar de se
transformarem em proprietários de terra e assumirem a condição de trabalhadores

245
ALMEIDA, Ana Maria Chiarotti de. op. cit., p. 22
246
AUGUSTO, Maria Helena Oliva. op. cit., p. 40
156

independentes, conviviam com a possibilidade de proletarização virtual, caso não


conseguissem pagar as terras para a CNTP, enfrentar as oscilações do mercado e
as possíveis crises da cafeicultura. Consequentemente, na prática, foram obrigados
a incorporar a maioria dos membros da família na produção e em funções
assalariadas, utilizando o sobretrabalho, cujos resultados revertiam em dinheiro
para o pagamento das terras” 247.
Muito além de uma estirpe promissora de capital humano do Estado mais avançado do
país, o pequeno proprietário, premido pela necessidade de pagamento das prestações do lote,
com dificuldades de colocar a sua produção no mercado, teve que aceitar a venda de sua
produção a preços condicionados pela companhia e, com isso incorporar todos os membros da
família na atividade produtiva na pequena propriedade, aumentar jornada de trabalho familiar
e empregar alguns membros em trabalho assalariado em outras atividades, possibilitando um
sobretrabalho apto a ser apropriado, em forma de pagamento das prestações do lote. Como
vemos, o pequeno proprietário esteve submetido a mecanismos de apropriação do excedente,
que reproduzem as formas clássicas de formação de capital, nas áreas de avanço da fronteira
econômica.

Não nos parece aleatório, portanto, que no processo de nacionalização da companhia,


ocorrido em 1944, essa tenha sido adquirida por capitais paulistas que vislumbravam
importantes investimentos no setor de bens de capital, ligado ao setor ferroviário. Entendemos
que a significativa atividade econômica alcançada na região permitia que se projetasse um
interessante mercado para a inversão em equipamentos de transporte ferroviário, além de se
comportar como um grande elemento de formação de capital num setor nascente, que somente
nesse momento começava a superar a desvantagem comparativa de sua produção interna.

A colonização do Norte do Paraná esteve, desde o seu início, ligada ao dinamismo da


economia paulista, a integração da região se deu de forma muito mais estreita com São Paulo
do que com qualquer parte do território nacional, inclusive o próprio Paraná. O sistema de
transporte procurava ligá-la com São Paulo, onde uma parte considerável de sua produção
seria exportada ou consumida. De São Paulo chegavam os principais produtos manufaturados
e insumos industriais, assim como o principal contingente migratório.

A relação do Norte do Paraná com a economia paulista seria posteriormente


confirmada pelas próprias autoridades paranaense na década de 1960, com a Criação da
CODEPAR. Nessa instituição que procurou desenvolver políticas estaduais para o
desenvolvimento do Paraná, com a unificação econômica das regiões que compunham o

247
ALMEIDA, Ana Maria Chiarotti de. op. cit., p. 25 e 26
157

Estado, as autoridades políticas e econômicas sempre aludiam ao fato de que a maior parte do
excedente econômico norte paranaense era desviado e apropriado pela economia e pelos
grupos empresariais paulistas. Tratava-se, segundo essas autoridades, de mudar o sentido
dessa integração econômica, fazendo com que a economia do norte do Estado viesse a
“beneficiar” a economia paranaense248. Nessa avaliação, o Norte do Paraná era entendido
como uma região periférica ao desenvolvimento econômico paulista.

Mas, é importante, nesse aspecto, ressaltar, ainda, de acordo com Maria Helena Oliva
Augusto, para além de uma incorporação periférica, puramente espacial, é preciso reconhecer
que o caráter subordinado da economia norte paranaense aos influxos econômicos paulistas
representou a sua incorporação por uma atividade econômica agrícola e por os pequenos
proprietários que estavam se subordinando ao processo de acumulação industrial, que tinha
São Paulo como seu centro dinâmico.

É necessário reconhecer que a expansão econômica não se restringe aos limites


administrativos estaduais. Esse é mais um elemento que reafirma que no momento todos os
esforços encontravam-se canalizados para a construção de um espaço econômico nacional,
com a integração do mercado interno, inclusive do mercado de trabalho. A centralização
política conduzida pelo Estado, no primeiro governo Vargas, que se ampliou durante o Estado
Novo, quando a autonomia dos Estados foi fortemente reduzida, serviu, indubitavelmente, de
elemento facilitador para o encaminhamento do processo de articulação da economia do Norte
do Paraná à economia paulista, que marchava rumo à industrialização.

Por último, é importante frisar que a colonização do Norte paranaense também


contribuiu diretamente para a industrialização, no período pós-segunda guerra, como se pode
observar na seguinte passagem:

“Além de melhorar as condições para absorção de mão-de-obra, o rápido


crescimento econômico do Paraná também contribuiu diretamente para o
financiamento da industrialização de São Paulo Isto ocorreu devido a alta taxação
sobre os lucros da exportação do café no pós-guerra (através de uma
supervalorização das taxas de câmbio). Esta renda foi posta à disposição, a taxas
de câmbio subsidiadas, da importação de bens de capital para o setor industrial”249.

3.3 A colonização oficial


Situação semelhante, pelo menos no que diz respeito à intensidade do processo, não
poderia ocorrer nas regiões para onde se dirigiram os programas oficiais de colonização,
embora seja possível inferir que o exemplo da colonização do norte do Paraná possa ter se

248
Ver AUGUSTO, Maria Helena Oliva. op. cit., p. 42.
249
GRAHAM, Douglas; HOLANDA Filho. op. cit., p. 72.
158

tornado um modelo a ser perseguido, numa vertente oficial, na colonização de outras áreas do
território nacional.

A colonização oficial, como já foi dito, passou a se destinar ao despertar de regiões


consideradas adormecidas, que não haviam sido tocadas pelo avanço de frentes pioneiras e
que também não eram consideradas interessantes para a inversão privada. Nesse caso,
também, parece que se reproduziu a tônica presente em todas as outras manifestações
econômicas do período. Apesar da forte intervenção econômica, o Estado brasileiro e o
governo Vargas nunca preconizaram a estatização da economia. Agiam direta ou
indiretamente onde os investimentos privados fossem insuficientes ou desinteressantes do
ponto de vista econômico. Esse é o caso do processo que se consolidou na colonização do
Oeste brasileiro, principalmente naquilo que ficou conhecido como Marcha para o Oeste.

Cumprindo basicamente o que se esperava dele nesse momento, que interferisse


diretamente nas regiões e atividades econômicas que não apresentavam um impulso próprio
no sentido da modernização, o Estado passou a encaminhar e a substituir a ação privada no
processo de conquista do interior brasileiro, nas regiões de Mato Grosso e Goiás, num
processo colonizador que se basearia também no estabelecimento de pequenas propriedades
de caráter familiar.

Esse papel reservado ao Estado como elemento dinamizador do interior brasileiro fica
evidenciado na afirmação expressa em um artigo do Professor João Villas-Boas, publicado na
Revista Ciência Política:

“Que representa, porém todo esse esforço progressista, limitado a tão minguados
recursos financeiros, diante da vastidão do Estado e das distâncias consideráveis
que medeiam entre os agrupamentos de população reduzida.
Como a grande maioria dos Estados brasileiros, Mato-Grosso não pode atender às
necessidades dos seus habitantes, nem promover o próprio desenvolvimento com a
exploração das suas fabulosas riquezas naturais, utilizando-se apenas dos seus
exíguos recursos orçamentários.
Só a União poderá fazê-lo. E é o que já está fazendo, desde o momento em que o Sr.
Presidente da República, numa visão superior dos mais vitais interesses do Brasil,
traçou o programa de realizações práticas, que sintetizou na fórmula – “Marcha
para o Oeste”250 .
Como veremos esse processo não apresentou os mesmos resultados da atividade
colonizadora empreendida no Norte do Paraná, pois a incorporação da região não conheceu a
mesma velocidade e não alcançou os objetivos que, segundo João Vilas-Boas, no mesmo
artigo, haviam sido anunciados por Vargas:

250
VILLAS-BOAS, João. O sertão e a política construtiva do presidente Getulio Vargas. In: Revista Ciência
Política. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Ciência Política/DIP, no. 5, 1941, p.26.
159

“[...] É necessário à riqueza pública que o nível de prosperidade da população


rural aumente para absorver a crescente produção industrial; é imprescindível
elevar a capacidade aquisitiva de todos os brasileiros, o que só pode ser feito
aumentando o rendimento do trabalho agrícola. Com esse intuito é que se empenha
o Governo Nacional em fixar no campo os brasileiros animosos, reunindo-os em
núcleos de colonização”251.
É evidente, contudo, que havia o interesse em incorporar a região Centro-Oeste à
economia nacional e também que essa incorporação devia ocorrer principalmente pelo
desenvolvimento de atividades agrícolas, baseadas em pequenas propriedades, cuja produção
deveria voltar-se ao mercado, possibilitando, assim, que o pequeno proprietário se convertesse
em um consumidor de mercadorias industriais.

A necessidade de incorporação da região Centro-Oeste vinculou-se a uma série de


avaliações presentes no momento em questão como um verdadeiro caso de segurança
nacional. O Oeste brasileiro, principalmente Mato Grosso, era considerado como uma região
em eminente perigo de desmembramento do Território Nacional. Na região ainda estava
presente a memória da ocupação militar efetuada pelo Paraguai, na segunda metade da década
de 1860, que, segundo as avaliações feitas pelo Dr. João Villas-Boas, em seu artigo, só pôde
ocorrer não apenas pela segregação da região em relação ao restante do país, mas também em
virtude do seu despovoamento e das longas distâncias.

Tal situação teria sido amenizada pela ação posterior do governo imperial em fortificar
a região; mas, apesar da aparente segurança da região possibilitada pela presença militar, a
situação econômica do Norte Mato-grossense permaneceu em estado de letargia: “Toda a
região do Norte e do Centro do Estado definha”. Tal situação contrastava com a pujança do
sul do Estado que se beneficiou de seu contato econômico com São Paulo durante as duas
primeiras décadas do século XX: “Em contraposição o Sul entra numa fase de franca
prosperidade. O intercâmbio com o Estado de São Paulo, facilitado pela Noroeste, atrai para
ali uma população heterogênea de comerciantes, agricultores, artesões e aventureiros de
toda a casta” 252.

Segundo esse mesmo autor, o surto desenvolvimentista no Sul do Mato Grosso, havia
possibilitado inclusive um aumento da segurança na fronteira paraguaia, às custas, no entanto,
de um maior descuido com a segurança na fronteira boliviana253. Esse breve surto econômico
e povoador do Sul, todavia, refluiu no período coincidente com o termino da primeira Grande

251
Discurso de Vargas no dia primeiro de maio de 1941. Citado por VILLAS-BOAS, João. Idem, p. 28.
252
VILLAS-BOAS, João. op. cit., p. 23
253
É interessante observar que a região fronteiriça com a Bolívia havia sido o local de exílio de uma parte
significativa de combatentes da Antiga Coluna Miguel Costa - Prestes.
160

Guerra, fazendo com que todo o Estado entrasse novamente “no ritmo monótono da sua vida
regular”254. Assim, na conclusão do referido autor, a defesa militar não seria suficiente para
assegurar a presença do Estado no território Nacional; era necessário, pois, cuidar de sua
defesa econômica.

Ainda segundo o autor, isto só começara a ocorrer com a ascensão de Vargas, que teria
alcançado o mérito de superar os “golpes profundos de retardamento, em conseqüência das
lutas partidárias,... [que] perturbavam o comércio, sacrificavam indústrias, arrasavam
propriedades e despovoavam cidades” 255. A ação do governo teria começado com um plano
de transportes para a região e teria sido coroada, logo após a chegada do Estado Novo, com o
estabelecimento de um importante plano povoador e colonizador baseado em pequenas
propriedades256.

Percebe-se, por meio da avaliação acima resumida, que a colonização oficial no Oeste
brasileiro inscrevia-se numa preocupação relativa à segurança nacional e à possibilidade de
enfrentamento dos riscos de desmembramento dessa região do território brasileiro. Tais
riscos, contudo, só seriam verdadeiramente solucionados se a referida região se integrasse de
forma mais efetiva à atividade econômica nacional. A colonização baseada na pequena
propriedade seria o fator que asseguraria a manutenção dessa parte do território, superando os
custos e a ineficiência de uma defesa apenas militar.Infere-se que a colonização não teria
apenas o efeito de assegurar a manutenção de parte significativa, de aproximadamente 1/5 do
território brasileiro, mas seria elemento fundamental para o desenvolvimento do mercado
interno nacional e para a exploração de sua riqueza natural, o que serviria de alavanca para o
desenvolvimento industrial, fim real de toda ação integradora da região.

A ocupação do Oeste, apesar de se basear em atividades primárias, representava, na


visão de alguns contemporâneos, um efetivo programa de fomento industrial. Nesse sentido,
as afirmações apresentadas pelo Dr. Djacir Menezes, membro do Conselho Nacional do
Trabalho, em conferencia denominada “O Nacionalismo econômico no pensamento do
Presidente Vargas” e realizada no Instituto Nacional de Ciência Política, transcrita na Revista
Ciência Política, assumem grande importância instrumental.

O autor inicia, este artigo, criticando o liberalismo como doutrina elaborada pelos
países centrais, para justificar a sua expansão imperialista e como elemento de sustentação de

254
VILLAS-BOAS, João. op. cit.,, p. 24
255
VILLAS-BOAS, João. op. cit.,, p. 24
256
VILLAS-BOAS, João. op. cit.,, p. 29
161

uma Democracia fictícia e formal, que havia se instalado no Brasil, no período anterior a
1930. Em seguida defende o regime instaurado no pós 1930, principalmente com a instalação
do Estado Novo, como uma Democracia realista e funcional.

Seguindo esse percurso, o autor afirma que esse regime e o seu chefe se
caracterizavam por expressar um verdadeiro nacionalismo, cuja meta era superar a ação da
finança internacional que impedia o alcance de “soluções dos problemas sociais que, por sua
vez, só podem ter soluções nacionais condicionadas às particularidades geográficas, étnicas,
257
históricas econômicas de cada povo” . Segundo o autor, a única solução possível
encontrava-se “na defesa autárquica das nações, consultando, não os desígnios desumanos
da finança internacional, mas os interesses legitimamente brasileiros” 258.

Dessa maneira, o presidente e o novo regime conseguiram dar passos a dois


encaminhamentos necessários ao desenvolvimento brasileiro: a neutralização do problema da
formação de núcleos homogêneos de imigrantes estrangeiros, que só chegaram a apresentar
algum risco em virtude da “imprevidência política dos governos da primeira Republica,
259
distraídos com os sucessos eleitorais” ; e a industrialização brasileira, simbolizada pelo
programa de construção da grande siderúrgica. Essas duas atitudes haviam possibilitado a
emergência do imperialismo brasileiro, que, na visão do autor, citando Vargas, “era pacífico:
visava à conquista do próprio país, para dilatar suas fronteiras econômicas até as lindes de
suas fronteiras políticas”260. A decisiva opção pela conquista interna, ao permitir o
aproveitamento de nossas riquezas naturais, representaria a possibilidade de desenvolvimento
industrial:

“Acelera-se a conquista de nossas próprias riquezas naturais. As fronteiras


econômicas se dilatam dentro do território afim de coincidir com suas fronteiras
políticas. No estabelecimento da coincidência dessas duas fronteiras está o mais
luminoso programa de desenvolvimento industrial, livrando assim nossa economia
de influencias estranhas dotando o Estado dos meios necessários para exploração e
aproveitamento os nossos recursos naturais”261.
Finalmente, o autor defende a industrialização como fator de desenvolvimento ao
criticar uma pretensa vocação agrícola brasileira, afirmando que tal visão se prende a teorias
estranhas à realidade brasileira, como por exemplo, o liberalismo, e que se comportam como
expressões de interesses externos, dos países centrais.

257
MENEZES, Djacir. O nacionalismo político no pensamento do Presidente Vargas. In: Revista Ciência
Política. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Ciência Política/DIP, no. 5, 1941 p. 63
258
MENEZES, Djacir. op. cit.,, p. 64
259
MENEZES, Djacir. op. cit., p. 65
260
MENEZES, Djacir. op. cit., p. 65
261
MENEZES, Djacir. op. cit., p.66
162

“O velho chavão, que o acacianismo nacional repercutiu para nos convencer de que
o “Brasil é um país essencialmente agrícola”, foi forjado pelas nações
industrializadas, que estavam interessadas no nosso agrarismo eterno. Elas
exportaram para nós seus artigos maquinofaturados e levaram nossa matéria
prima, beneficiando-se, ainda por cima, com o mecanismo parasitário de uma
política de padrão ouro desangradora da nossa economia. Ainda nos escravisaram
habilmente a teorias que exprimem interesses alheios e não os nossos. A título de
ciência, se impuzeram doutrinas contrárias aos interesses nacionais, realejados nas
escolas superiores, onde formaram elites afeitas às sutilezas da especulação
juriforme, mas alheias, frequentemente, à gravidade dos problemas econômicos,
encarados com a facilidade literária da oratória parlamentar”262.

A avaliação acima mostra-se extremamente interessante, pois expressa que o processo


de conquista do interior brasileiro, consubstanciado no programa “Marcha para o Oeste”,
mesmo que fundamentada em atividades ligadas ao setor primário da economia seria
fundamental, a partir da expansão capitalista e da integração do mercado, para o
desenvolvimento industrial do país.

O Imperialismo interno brasileiro estaria, sem duvida, contribuindo para a emergência


de um novo padrão de acumulação, que para ocorrer necessitaria de uma ação estatal que
procurasse intervir na economia, ultrapassando o livre jogo das forças de mercado. Ou seja, a
industrialização deveria ser estimulada de maneira clara e eficaz pelo Estado. Dentre esses
estímulos, estava a conquista do Oeste por elementos majoritariamente brasileiros, para que
não se repetissem os riscos à soberania nacional que chegaram a ser aventados pelos
imigrantes que haviam se estabelecido em núcleos homogêneos.

Assim segurança nacional, preservação do território, mercado para o desenvolvimento


industrial do país eram aspectos que se encontravam correlacionados na expectativa do
processo de colonização do interior brasileiro. A percepção de que esse processo de
integração e de consolidação da unidade nacional estava sendo conduzido pela
industrialização que se concentrava no Centro-Sul, especialmente, São Paulo apareceu de,
forma clara, nas interpretações de R. P. Castelo Branco, escritor e jornalista piauiense,
difundidas nas páginas da Revista Cultura Política, da qual ele era um assíduo colaborador:

“As principais metrópoles do país transformaram-se em vivos focos de irradiação,


não só econômica como cultural. O Rio de Janeiro e São Paulo, sobretudo, erguem
parques industriais de 1ª. grandeza, exercendo sobre o resto do país, dia a dia mais,
esta dualidade de forças peculiar aos corpos em movimento: uma centrípeta,
alargando-a mais e mais; outra centrifuga prendendo os demais centros em seus
elos econômicos e sociais.
Com seu desenvolvimento e a especialização das economias regionais, integram-se
todas elas, cada vez mais fortemente, num poderoso organismo homogêneo,

262
MENEZES, Djacir. op. cit., p. 66
163

revitalizado pela circulação interna do pensamento e da riqueza. O estimulo deste


intercâmbio [...] é assim obra do mais puro nacionalismo” 263.
Podemos observar que o autor acima trabalha com razoável clareza em relação ao
processo de integração do mercado interno. Para ele, essa integração era comandada pelo
processo de industrialização que se encontrava concentrado nas principais metrópoles
brasileiras, particularmente São Paulo, chegando, inclusive a abordar a constituição de
economias regionais especializadas integradas pelo centro, num organismo homogêneo. Esse
seria o caso do Oeste brasileiro, que povoado e integrado economicamente à base da pequena
propriedade, especializar-se-ia na produção de gêneros destinados aos centros urbanos e no
consumo de mercadorias industriais.

Essa é também uma das interpretações presentes na historiografia, Alcir Lenharo, ao


analisar o processo de Marcha para o Oeste, como importante elemento de constituição da
ideologia Estado-novista, chega a afirmar que:

“[...] a mudança da paisagem social da Amazônia, de Mato Grosso e de Goiás se


amarra na idéia de ampliação do mercado interno de consumo para absorver a
crescente produção industrial. Isto através da irradiação da pequena propriedade,
tomada como o meio de se aumentar o rendimento do trabalho agrícola”264.
Existem interpretações que trabalham com a idéia de que o processo de ocupação do
Oeste, por meio de um projeto colonizador baseado na pequena propriedade, estaria voltado,
no longo prazo, a homogeneizar as condições de desenvolvimento do país, única forma de se
garantir a manutenção de sua integridade territorial. Isto é o que considera Luis Diniz Lopes
Filho, ao analisar a política territorial de Vargas como expressão de uma ideologia geográfica
que procurava identificar a construção da nacionalidade brasileira como resultado da
construção de seu território, observa que a manutenção da integridade do território nacional
era o objetivo máximo do processo de conquista territorial, empreendida pela Marcha para o
Oeste. Essa manutenção da integridade territorial só seria alcançada, na visão de Vargas e dos
ideólogos do regime, se os desequilíbrios econômicos regionais fossem atenuados. Por isso, as
colônias agrícolas previstas seriam pólos irradiadores de desenvolvimento regional:

“A integração proposta pelo presidente consiste, pois, numa modernização da


estrutura produtiva em toda a extensão territorial do país, objetivo este que exigiria
a montagem de um setor de bens de produção (para difundir o progresso técnico
por todos os setores produtivos e por todas as regiões do país), e um
desenvolvimento da atividade mineradora, capaz de mobilizar os recursos ainda

263
BRANCO, R. P. Castelo. A unidade brasileira e suas causas determinantes. In: Revista Cultura Política.
Rio de Janeiro: DIP, abril de 1941, ano 1, no. 2 p. 90.
264
LENHARO, Alcir. A conquista do corpo geográfico... op. cit. , p. 97
164

inaproveitados do território nacional para a implantação das indústrias de base”


265
.
Esse mesmo autor afirma, no entanto, que, para tal, seria necessária uma etapa
anterior, em que a indústria nacional tivesse assegurado a sua dinâmica própria, a partir do
favorecimento daquelas indústrias que, no momento em questão, encontravam-se
espacialmente concentradas.

“Mas, antes que o progresso técnico se irradiasse por todo o território, o Brasil
continuaria marcado por uma profunda heterogeneidade, expressa na existência do
que Vargas denominou de “regiões geo-economicas”. Até o dia em que o Brasil
pudesse finalmente constituir “um corpo econômico homogêneo”, O Estado deveria
ajustar suas prioridades segundo as características de cada região, tal como segue:
“no centro, a carência de transportes, o aproveitamento das vias fluviais, os meios
de acesso às riquezas do sub-solo, serão as prioridades dominantes, conjugadas
com os esforços para acelerar o povoamento. No Norte, o reagrupamento das
populações, o combate às endemias, a valorização e industrialização dos produtos
nativos, com a melhoria das comunicações e transportes, constituirão núcleo do
esforço geral da União, dos Estados e Municipalidades. No Nordeste, onde já são
vultosas inversões de dinheiro publico em obras de fixação da população, é preciso
prosseguir nos rumos traçados – açudagem, irrigação, estradas e policultura. No
sul, onde se acham localizadas as maiores lavouras e cerca de 80% das indústrias,
persistiremos na obra encetada, de apoio aos empreendimentos produtivos” 266.
Nesse sentido, o processo de integração econômica do Oeste serviria como base de
apoio para o desenvolvimento industrial paulista, mesmo que se cogitasse, no futuro, uma
possível desconcentração dessa atividade. Tal consideração pode ser pertinente, se atentarmos
que ela reflete uma postura bastante presente na concepção de mundo e de sociedade,
influenciada, entre outras tendências, pelo Positivismo que impregnava Vargas, ou seja, a
idéia de que todo processo deve seguir etapas bem definidas.

As etapas a serem seguidas, bem como a defesa da industrialização como sinônimo de


progresso e modernização, são um elemento presente e importante no pensamento e na prática
positivista. Assim, antes de generalizar-se por todo o território brasileiro, a industrialização
deveria ter uma base sólida a ser constituída pelo favorecimento do setor industrial que se
apresentava no momento e que se concentrava em São Paulo. Não entendemos, portanto, ser
fortuita a afirmação de Vargas na existência de duas economias: uma “sujeito” – caracterizada
por São Paulo - e outra “objeto” – o Oeste - do imperialismo brasileiro. Podemos, dessa
forma, compreender que a proposta de colonização do Oeste, no momento que nos ocupa,
voltava-se, sim, a favorecer a acumulação urbano-industrial, cujo centro estava localizado em
São Paulo. Só posteriormente, a partir dessa concentração inicial é que poderíamos pensar

265
DINIZ FILHO, Luís Lopes. op. cit., p. 91.
266
DINIZ FILHO, Luís Lopes. op. cit.,, p. 91.
165

numa desconcentração industrial e na homogeneização do desenvolvimento. Nesse momento,


os graus de desenvolvimento deveriam ser desiguais para que a industrialização tivesse curso.

Outra interpretação interessante é a que sustenta a tese de que o processo de


colonização por meio de pequenas propriedades, entre outros atributos, significaria uma
estratégia cautelosa de enfrentamento ao latifúndio, por tudo o que ele representava em
termos de atraso, auto-suficiencia, poder local e ênfase na atividade exportadora. Na medida
em que um enfrentamento direto aos interesses representados pelo latifúndio poderia ter um
resultado politicamente catastrófico, o governo preferiu aparentemente conciliar com os
mesmos e não enfrenta-los diretamente, mas enfraquecê-los paulatinamente pelo crescimento
da produção familiar destinada ao mercado interno. O enfrentamento ao latifúndio dar-se-ia
pela consolidação de uma classe de pequenos proprietários, numericamente significativa, que
poderia contrabalançar a influência política e econômica dos grandes proprietários de terra:

“Delineia-se, assim, a estratégia de colonização: armar um cerco ao latifúndio, de


fôlego longo. Apoiar a pequena propriedade de modo a que ela, lentamente,
corroesse a velha ordem latifundiária, e, aos poucos, instaurasse a nova realidade
agrícola que o desenvolvimento industrial do país exigia”267.
Essa visão é presente em pensadores do período, dentre os quais Oliveira Vianna, para
quem, a pequena propriedade era fundamental para a efetiva constituição da sociedade
brasileira. Segundo esse autor, enquanto a grande propriedade continuasse hegemônica, o
Brasil estaria sem “quadros sociais completos; sem classe média; sem classe industrial; sem
classe comercial” 268.

Essa perspectiva é bastante generosa e tentadora, pois efetivamente pode sugerir a


hipótese de que o processo de colonização oficial do oeste teria como referência dois
exemplos históricos: o avanço das fronteiras ocorrido nos Estados Unidos, no século XIX, e o
processo brasileiro que se desenvolvia simultaneamente, a colonização do Norte do Paraná.

A relação com o ocorrido nos Estados Unidos, no século XIX, é bastante interessante e
realmente apresenta razoáveis similitudes com o que se pretendia alcançar no Brasil,
ressalvando, evidentemente, que lá o avanço das fronteiras econômicas rumo ao oeste serviu,
de acordo com a tradicional tese de Turner269, como fator legitimador da democracia liberal e
aqui, ao contrário, era utilizado para justificar e legitimar o regime autoritário270.

267
LENHARO, Alcir. op. cit., p. 98
268
PAIVA, Odair da Cruz. Colonização....op.cit., p. 34
269
Ver VELHO, Otavio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo: Difel, 1976, cap. 1.
270
VELHO, Otavio Guilherme. op. cit., cap. 1.. Ver também: RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste. 4 ed.
Rio de janeiro: José Olympio, 1970 e LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986
166

O avanço norte-americano ao Oeste, sustentado na pequena propriedade de caráter


familiar, permitiu ao mesmo tempo a construção de um mercado interno para as indústrias
concentradas no Nordeste daquele país e a construção de uma espécie de parceria entre as
duas regiões que isolou econômica, mas principalmente politicamente, o sul latifundiário271. É
verdade que tal situação levou ao risco de secessão, mas esta pôde ser evitada com a
superioridade material do Norte e, levou, no final das contas, ao estabelecimento de uma
hegemonia industrialista sobre a economia e a política norte-americanas. No caso brasileiro,
ainda, o controle de todo o processo por um Estado interventor tenderia a afastar de forma
mais efetiva qualquer risco posterior de secessão.

A experiência coetânea que se desenvolvia no Norte do Paraná também pode


demonstrar, pelo explosivo crescimento populacional da região, que o pequeno proprietário
poderia se transformar em um agente numericamente importante e que tal dimensão
acarretaria uma ampliação de sua participação política, num futuro razoavelmente próximo.

Ao mesmo tempo, a não interferência direta, num primeiro momento, ao poder do


latifúndio se revelava instrumentalmente importante para o processo de povoamento do Oeste,
de acordo com as características que se pretendia imprimir a ele, ou seja, um povoamento que
articulasse tal região não só ao mercado brasileiro, mas também o fizesse com a garantia de
seu controle nacional.

Vargas por varias vezes se referiu ao esforço do governo em garantir a fixação da


população no Nordeste, no entanto, esse esforço limitava-se, apenas, à realização de obras que
procuravam amenizar as causas naturais que geravam fatores de expulsão da população
nordestina, tais como as obras de combate à estiagem272. As questões relativas ao combate às
causas sociais de expulsão populacional mereceram prudência muito maior. Nesse sentido, as
críticas em relação aos latifúndios, como fator de geração de excedentes populacionais e de
sua expulsão, não encontraram a mesma ênfase nos discursos presidenciais.

Pode-se argumentar que uma intervenção na estrutura fundiária era algo que fugia às
possibilidades do período, pois corresponderia a uma espécie de suicídio político, na medida
em que, com tal atitude, o governo desencadearia fortes pressões dos grupos dominantes do

271
MOORE, Barrington. Origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Matins Fontes, 1983,
p.116-119.
272
Ver citação na página 152 desta tese. Mesmo esses esforços eram considerados insuficientes por autoridades
locais como fator de fixação populacional. Odair da Cruz Paiva apresenta, em seu trabalho, uma série de
telegramas enviados por prefeitos nordestinos reclamando da demora em se concluir obras de combate à seca.
Nesses telegramas, os prefeitos são enfáticos em afirmar que a não realização de tais obras acarretava como
conseqüência a fuga de população e a formação de um enorme contingente de retirantes.
167

Nordeste, num momento em que precisava constituir bases de apoio. Essa questão, contudo,
explicita o fato de que a política migratória, que foi se elaborando, apresentava um caráter
refinado no que se refere à idéia de política como administração de conflitos e interesses, com
o propósito de alcançar objetivos definidos.

Assim, ao assumir a posição de não intervir na estrutura tradicional da economia e


sociedade nordestinas, e ao passar a subsidiar a produção e a distribuição do açúcar, o
governo, ao mesmo tempo em que não gerou descontentamentos entre os grupos dominantes
da região, permitiu que o nordeste cumprisse a função de fornecedor de uma abundante força
de trabalho que poderia atender às novas exigências migratórias.

A manutenção da tradicional estrutura da propriedade nordestina pode ser considerada


uma importante face da política migratória do período e ajuda-no a compreender como essa
política foi sendo elaborada não apenas no sentido de dirigir os movimentos populacionais
para determinadas regiões, mas também de como “produzir” esses mesmos movimentos
populacionais.

Tratava-se, ainda, de um “tipo” de deslocamento populacional que se vinculava aos


objetivos de ocupação do interior com segurança nacional. Se a ocupação do Oeste permitiria
a sua ligação, via mercado, com as regiões mais industrializadas, situadas ao Sul,
principalmente São Paulo, o seu povoamento com contingentes populacionais nacionais,
vindos do nordeste garantia a sua ocupação com um elemento humano menos contaminado
por influencias externas e, portanto, mais expressivo de uma identidade e de uma cultura
efetivamente nacionais. A caracterização do nordestino, como um “tipo” humano que
preservou mais diretamente as características nacionais, é encontrada nesta passagem de R.P.
Castelo Branco:

“Enquanto o sul, com a imigração intensiva, enveredava por estradas novas em sua
civilização [...] o norte se conservava fiel ao bloco original [...] no Setentrião todos
os elementos culturais gravitaram em torno de Salvador e Recife cuja influencia se
irradiava avassaladora, favorecendo a unidade espiritual, ao contrário do sul. [...]
Isolado do contato externo, exceção feita da influência espiritual francesa, recebida
mais ou menos indiretamente, o nortista elaborou uma mentalidade muito mais
nativista e una.
Deste modo, segregado de qualquer corrente migratória ponderável, isento de
fatores estranhos que perturbassem a elaboração de sua sólida unidade e
conservando, na formação racial, unicamente os elementos primitivos, o nortista é,
em geral, um brasileiro de várias gerações, por todos os costados, radicalmente
nativista [...]. E graças a isto, cabe sem dúvida, a ele, ou mais precisamente, ao
nordestino, o grande papel de guardião da unidade brasileira
[...] Animados desta extraordinária força centrífuga, os nordestinos desempenham,
modernamente, o papel que os bandeirantes desempenharam no passado, em
relação à unidade nacional, espalhados pelo Brasil como uma teia defensora contra
168

a desagregação, que a diferença de progresso e de migração, os erros políticos e a


trama oculta dos imperialismos já teriam, sem ela, realizado” 273.
Assim, a colonização por meio da pequena propriedade no Oeste brasileiro seria fator
de união das características do Sul e do Nordeste, do mesmo modo que a sua realização seria
resultado dessa união. Do Sul, identificado com a modernização e com a industrialização,
viriam os influxos econômicos que permitiriam a incorporação dessa região, ao mercado
brasileiro, como produtora e consumidora de mercadorias. Essa região, entretanto, não
dispunha de excedentes populacionais significativos, uma vez que parte de sua população já
estava sendo atraída pelo crescimento industrial dos centros urbanos e pela frente pioneira que
estava se abrindo no Norte do Paraná, de tal sorte que a sua própria agricultura já reclamava
da ausência de braços que eram buscados, inclusive, no próprio Nordeste ou em Minas Gerais.

É do Nordeste, portanto, que deveriam vir os recursos humanos necessários à tarefa de


povoamento e colonização. Elementos humanos que, além de excedentes em seus lugares de
origem, apresentariam a vantagem de não se encontrarem contaminados por culturas e
ideologias estranhas, nem representarem interesses de firmas e governos estrangeiros e que
não gerariam “quistos étnicos” em uma parte do território potencialmente ameaçada de
desmembramento. Mais ainda, era um contingente populacional que poderia ser convertido à
economia de mercado e a relações sociais mais próximas das exigidas pelo avanço capitalista,
bastando para tal que nele fossem incutidos, como afirmou Vargas, “hábitos de atividade e
274
economia” . Daí a necessidade de agrupá-los, controlá-los e discipliná-los em colônias
agrícolas regidas por forte hierarquia e controle.

A colonização do Oeste responderia, dessa forma, aos imperativos de integração do


mercado sobre a égide do novo padrão de acumulação e permitiria certa garantia de
nacionalização do território. Tal processo permite vislumbrar que a integridade do território
ao mesmo tempo em que seria garantida pelo desenvolvimento do mercado e da
industrialização seria, reversamente, um fator de impulsão ao desenvolvimento industrial, na
medida em que representaria a construção de um novo mercado para a produção brasileira.

Paralelamente à formulação do programa de integração, colonização e povoamento do


Oeste, que ficaria conhecido como Marcha para o Oeste, já se desenvolviam, em São Paulo,
experiências oficiais de colonização em regiões não tocadas pelas frentes pioneiras do café,
consideradas adormecidas e denominadas como “sertão” ou “Amazônia Paulista”. São os

273
BRANCO, R. P. Castelo. Imigração e nacionalismo. In: Cultura Política. Rio de Janeiro: DIP, Ano II, no.
15, maio de 1942, p. 28 -30.
274
VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil...op. cit., vol. 1, p. 28.
169

Trabalhadores nortistas encaminhados rumo Oeste por iniciativa do Governo

Extraído de CARVALHO, Péricles Melo. A concretização da “Marcha para o


Oeste”. In: Cultura Política. Rio de Janeiro: DIP, Ano I, no. 8, outubro de 1941.
170

casos do Núcleo Colonial Barão de Antonina, localizado em Itaporanga, e das áreas de


colonização do Vale do Ribeira, localizados, respectivamente, nas regiões Sudoeste e Sul do
estado.

Nesses casos, principalmente no caso do Núcleo Colonial Barão de Antonina, as


autoridades preocupavam-se em afirmar que estava se construindo uma nova experiência
colonizadora: “O NCBA seria o ponto inicial de uma nova política de colonização para o
estado de São Paulo”275. Segundo essas mesmas autoridades, seria o NCBA “uma mostra de
uma política inteligente e persuasiva de assimilação”276 e uma “colméia de trabalho e
nacionalização em pleno sertão paulista”277. Isso permite observar que nesse núcleo já se
imprimiam características da política colonizadora que se objetivaria implementar no Oeste, a
ênfase na produção em pequenas propriedades voltadas ao mercado e a nacionalização dessa
produção, pela priorização do elemento nacional e assimilação do estrangeiro. Em relação a
essa situação, ao comentar a posição de técnicos, que pautados na experiência concreta do
NCBA, defendiam a ampliação da instalação de núcleos coloniais, Odair da Cruz Paiva
observou:

“O Núcleo colonial emergia como a concretização de uma ação mais efetiva e


moderna do Estado no fomento à pequena produção. O Estado criava, nesses
núcleos, uma organização mais complexa. [...] Neste sentido, o Núcleo Colonial, na
perspectiva dos técnicos, representava uma ação modelo, onde o Estado assumiria,
de forma efetiva, parcela importante da responsabilidade no fomento à pequena
produção” 278.
Neste sentido, é possível inferir que na virada das décadas de 1930 e 1940, a
experiência colonizadora do NCBA permitiu que se formasse, do ponto de vista técnico, uma
evidência concreta de que a estratégia oficial de colonização de regiões consideradas
adormecidas e não atraentes à inversão privadas poderia ser estendida ao Oeste, como
interessante à realização de um novo tipo de colonização adequado aos processos de
desenvolvimento em curso no período. Isso ganha mais destaque, se observarmos que a
experiência paulista do NCBA começava a demonstrar que era possível produzir e

275
A colonização oficial em São Paulo e o Núcleo Colonial Barão de Antonina. Boletim do SIC. São Paulo,
no. 2, outubro de 1940, p. 13
276
A colonização oficial em São Paulo e o Núcleo Colonial Barão de Antonina. Boletim do SIC. São Paulo,
outubro de 1940, p. 16
277
Nome de um filme a respeito do NCBA, produzido pelo DPDC (Departamento de Produção e Difusão
Cultural), antecessor do DIP, em 1938.
278
PAIVA, Odair da Cruz. Colonização...op. cit., p. 79-80.
171

comercializar um importante insumo agrícola, como o algodão, a preços inferiores à média do


mercado279, como pode ser observado no quadro abaixo:

QUADRO 7
PREÇO MÉDIO DO ALGODÃO – Bruto por Arroba em Cr$

Ano Preço Médio por Preço Médio por Proporção do Preço Médio por Arroba do NCBA
Arroba – NCBA Arroba - Est. de em relação ao Preço Médio por Arroba do estado
(1) S. Paulo (2) de S. Paulo.

1942 17,37 19,2 90,46%


1943 22,00 25,7 85,60%
1944 20,00 27,5 72,72%
1945 19,25 27,8 69,24%
Fontes: (1) Relatórios da Agricultura do NCBA (1942, 1943 e 1945) Hi: 4184/04 de janeiro de 1943;
4272a/03 de dezembro de 1943; 5204a/20 de novembro de 1945
(2) ALBUQUERQUE, Rui H. P. L. de. Op. Cit. , p. 173.

Uma possível influência da experiência concreta do NCBA com a consolidação da


política de colonização do Oeste pode ser sugerida pela participação do Sr. Henrique Doria de
Vasconcelos na composição do CIC, após 1938. Ele havia sido o chefe do Departamento de
Terras e Colonização (DTC) paulista, no início da década de 1930 e o responsável pela efetiva
instalação do NCBA, após 1931. Embora num primeiro momento, tenha participado do CIC
como observador indicado do Estado de São Paulo, a participação paulista era tida como
fundamental devido à experiência acumulada por esse estado nos assuntos relativos à
colonização. Talvez esse fato não possa ser encarado apenas como uma coincidência, já que o
NCBA era visto, como já afirmado anteriormente, como um laboratório de novas experiências
colonizadoras.

279
Ver COSTA, Julio César Zorzenon. op. cit., p. 140-141.
172

3.4 A colonização do Oeste e a Nacionalização


De acordo com os interesses e as influências, descritos anteriormente, o governo
procurou empreender, de forma mais decisiva, a colonização do Oeste com a criação das
Colônias Agrícolas Nacionais, as CANs, por meio do Decreto-Lei no. 3.059 de 14 de
fevereiro de 1941. A criação das CANs que se destinavam a ser a “espinha dorsal da Marcha
para o Oeste” foi precedida por uma nova organização dos núcleos coloniais estabelecida no
Decreto-Lei no. 2009 de 09 de fevereiro de 1940, de tal sorte que esses dois instrumentos
legais encontram-se relacionados280.

O Decreto-Lei 2.009, por sua vez, reitera princípios formulados nos instrumentos
legais, acerca da colonização e da assimilação dos estrangeiros, instaurados em 1938. Além
de reforçar o direito de inspeção, pelo governo federal, de qualquer núcleo colonial, seja ele
privado ou oficial, explicita as condições para a localização dos núcleos, para a sua
organização produtiva e administrativa e também para a aquisição dos lotes e para a
concessão de favores aos colonos. Em relação a esse último aspecto, reafirma o Decreto
3.010 de 20 de agosto de 1938, ao dispor que “serão cassados os favores estabelecidos neste
decreto aos colonos, que nos núcleos coloniais transgredirem ou deixarem de cumprir” as
suas disposições. O Decreto 3.010 é o que regulamenta o Decreto-Lei 406 de 04 de maio de
1938, que versa sobre a entrada de estrangeiros no Brasil. O Decreto 3.010, entre as suas
várias disposições, apresenta um de seus títulos voltado à questão da concentração dos
estrangeiros e de sua assimilação.

Nesta parte o texto dispunha, no artigo 165, que nenhum núcleo colonial poderia ser
constituído por estrangeiros de uma só nacionalidade; que o Governo Federal, por meio da
DTC, fiscalizaria os núcleos coloniais estaduais, municipais e, até mesmo particulares; que
essa fiscalização seria exercida com o objetivo de impedir a criação de núcleos coloniais com
estrangeiros de uma só nacionalidade, de evitar que neles ocorresse a preponderância ou
concentração de estrangeiros de uma nacionalidade e de evitar, ainda, que os colonos
estrangeiros deixassem, nos primeiros quatro anos, a profissão com a qual foram admitidos no
país. Previa, em seu artigo 166, que em qualquer núcleo colonial fosse mantido um mínimo de
30 % de brasileiros natos e um máximo de 25 % de estrangeiros de cada nacionalidade; que

280
O Decreto-Lei de criação das CANs faz várias referencias ao Decreto-Lei que dá nova organização aos
núcleos coloniais, tais como em seu primeiro artigo, indicando as CANs como uma outra possibilidade de
colonização e no artigo 16 que trata sobre os lotes urbanos e rurais. Os artigos que tratam das condições para a
criação das colônias, das áreas dos lotes, das benfeitorias, dos auxílios aos colonos, bem como dos fatores que
poderiam levar à sua reclusão reproduzem, de forma praticamente literal, os artigos do Decreto-Lei anterior.
173

na falta de brasileiros, o CIC poderia autorizar a fixação de imigrantes portugueses; que


nenhum colono poderá tomar posse do lote sem apresentar prova de que está inscrito no
Registro de Estrangeiros; que para os colonos já localizados será exigida a prova de registro
perante a autoridade policial e que para cômputo, dessas percentagens seriam considerados os
maiores de 12 anos, de ambos os sexos. No artigo 167, dispunha que o CIC receberia,
semestralmente, uma relação dos estrangeiros localizados nos núcleos coloniais. No artigo
168, que as escolas dos núcleos coloniais deveriam ser em número suficiente, que nelas a
direção e o ministério das aulas, no ensino primário, fossem exclusividade de brasileiros
natos. No artigo 169, que nenhum núcleo colonial, estabelecimento de comércio, indústria ou
associação nele existente poderia ter denominação em idioma estrangeiro. Por ultimo,
afirmava que, em caso de inobservância dos dispositivos legais, o CIC poderia tomar as
providências administrativas que julgasse conveniente. Sobre essas providencias poderia
caber recurso, porém, sem efeito suspensivo.

Nesse “emaranhado” de instrumentos legais, como Decretos e Decretos-Lei, verifica-


se que as CANs foram introduzidas como elementos necessários à conquista nacional do
interior brasileiro, nos vários sentidos possíveis atribuídos a este termo: por basear-se no
elemento brasileiro; por procurar disciplinar o trabalho do migrante brasileiro; por controlar a
presença e a atuação estrangeira e, consequentemente, por evitar a formação de colônias que
ameaçassem a integridade territorial. Uma integridade territorial que só seria assegurada pela
integração econômica da região e que só teria sentido, caso se voltasse também à expansão do
mercado, que se tornaria cativo da produção nacional.

Para esse fim, a criação das CANs incorporava, indubitavelmente, elementos presentes
nos instrumentos legais, que forjavam uma política relativa aos problemas migratórios, e nas
experiências colonizadoras coevas, tanto as de caráter privado, como oficial. Das colônias
oficiais, incorporava a centralização e a hierarquização burocrática, o controle administrativo
sobre os colonos, a produção em pequenas propriedades dirigidas ao abastecimento industrial
e urbano e a preocupação com a nacionalização da iniciativa. Questões como as referidas,
principalmente as três primeiras, em certa medida, encontravam-se presentes também nas
iniciativas particulares. Mas, destas, principalmente da que ocorria no Norte do Paraná, a
criação das CANs incorporou a preocupação com a formação de um grande complexo
colonizador voltado a transformar-se num espaço irradiador de desenvolvimento preenchendo
o vazio demográfico.
174

Esse era o fator que diferenciava a proposta oficial de colonização do oeste da


experiência colonizadora privada: a colonização oficial voltava-se a regiões desinteressantes
ao investimento privado. Ela não estava capturando um processo em curso, uma oportunidade
de desenvolvimento oferecida pelo avanço do capital, pelo contrário, deveria ser o
instrumento de impulsão desse desenvolvimento capitalista na região de sua instalação:

“[as CANs foram armadas como] “um rosário de colônias”, pontos avançados de
penetração, impulsionadores da “Marcha para o Oeste” e de conquista da
Amazônia. Do modo como foram planejadas, as colônias funcionariam como
cidades-indústrias lançadas no vazio. [...]A criação das colônias agrícolas
nacionais constitui um momento de uma escalada da política colonizadora, que
começou a ser pensada após a famosa proclamação da “marcha para o Oeste” 281”
Daí o caráter estratégico de sua localização e a preocupação em alcançar,
efetivamente, a conversão dos colonos a um novo tipo de relações sociais. Dentre as CANs
projetadas, pelo menos duas, as de Dourados, em Mato Grosso282, e a de Goiaz283, em Goiás,
“teriam o mercado paulista em mira”284. As outras, do Pará, Amazonas, Maranhão, Piauí e
Paraná visavam, mais diretamente incentivar o desenvolvimento local e regional, vinculando-
se aos mercados mais próximos, como os das capitais dos estados. Mesmo nessas CANs, no
entanto, a preocupação com a nova ordem capitalista em curso encontrava-se expressa no fato
de que o artigo 5 do Decreto-Lei dispunha o seguinte:

“Fixada a região onde a colônia deverá ser fundada, será projetada a sua futura
sede, escolhendo-se para isso a zona que oferecer melhores condições.
Parágrafo único. No projeto da sede serão observadas todas as regras urbanísticas,
visando a criação de um futura núcleo de civilização no interior do país”.
Dessa maneira, é lícito inferir que se os objetivos em relação às sedes das CANs eram
transformá-las em postos avançados de civilização e modernização no interior do país, isso
objetivaria, também, a transformação das mesmas em centros consumidores de mercadorias
industriais. Por isso, mesmo vinculando-se mais diretamente a uma economia regional, as
outras CANs, que não a do Mato Grosso e a de Goiás, também procuravam transformar o
interior do país em centros consumidores de mercadorias produzidas nas regiões
industrialmente mais dinâmicas do pais.

281
LENHARO, Alcir. A conquista do corpo geográfico...op.cit., p. 125.
282
A CAN de Dourados, criada pelo Decreto-lei 5941 de 28 de outubro de 1943, havia sido instalada, em
realidade, no recém criado Território Federal de Ponta-Porã. Tal território, criado juntamente com outros, pelo
Decreto-lei 5812 de 13 de setembro de 1943, tinha por objetivo garantir maior controle federal sobre as áreas de
fronteira. Isto mostra a relação existente entre colonização e garantia da segurança e da integridade territorial,
uma vez que a CAN de Dourados não deveria ter uma área inferior a 300.000 hectares. Tal território, entretanto,
teve existência efêmera, deixou de existir com a constituição de 1946.
283
A CAN goiana foi criada pelo Decreto no. 6.882 de 19 de fevereiro de 1941, no município de Goiaz.
Entretanto, tal CAN deu origem ao Município de Ceres.
284
LENHARO, Alcir. A conquista do corpo geográfico...op.cit., p. 122.
175

Por outro lado, estavam previstas em todas as CANs uma série de medidas destinadas
a amparar os colonos. Medidas essas que demonstram o esforço de padronização das relações
sociais e da atividade produtiva no interior das CANs. O artigo 6 em seu Decreto-Lei de
criação (3059/41) previa “a fundação de um aprendizado agrícola destinado a ministrar aos
filhos dos colonos instrução rural adequada, dotado de oficinas para trabalhos de ferro,
madeira, couro, etc., onde os colonos e seus filhos farão aprendizagem desses misteres
necessários ao homem rural”.

O artigo 8 indicava a manutenção de “escolas primárias para a alfabetização de


todas as crianças em idade escolar” e o artigo 9 que os “colonos serão reunidos em
cooperativas de produção venda e consumo”.O artigo 13 previa, ainda, a possibilidade de
“assistência médica e farmacêutica e serviços de enfermagem até a emancipação da
colônia”; “trabalho a salário ou empreitada em obras ou serviços da colônia”; “empréstimos
de máquinas e instrumentos agrícolas e animais de trabalho”; “transporte da estação
ferroviária, porto marítimo ou fluvial até a sede da colônia”. Os três últimos auxílios citados
ocorreriam durante o primeiro ano de estada dos colonos, a partir de sua instalação.

O artigo 12 informava que os lotes, casas e benfeitorias nele existentes seriam


concedidos gratuitamente, embora a ligação desse Decreto-Lei com o Decreto-Lei 2009
abrisse a possibilidade de cobranças de prestações anuais.

A concessão e a permanência nos lotes, contudo, estariam subordinadas a uma série de


condições. O artigo 11 estabelecia a preferência, na concessão dos lotes, “aos elementos
locais e dentre esses os de prole numerosa, assim considerados os chefes de família que
tenham, no mínimo, cinco filhos menores que vivam sob a sua dependência”. A primeira parte
desse artigo é o que se pode considerar como letra morta, uma vez que a justificativa das
CANs era a de povoar regiões consideradas vazias do ponto de vista demográfico. O próprio
artigo 1º. do Decreto-Lei afirmava que as CANs destinavam-se “a receber e fixar, como
proprietários rurais, cidadãos brasileiros reconhecidamente pobres que revelem aptidão
para o trabalho agrícola e, excepcionalmente, agricultores qualificados estrangeiros”.
Parece ser uma situação que procurava resolver problemas oriundos da expropriação de
posseiros, que, por ventura, habitassem a região, onde a colônia fosse instalada285. A sua

285
Este parece ser o caso das colônias do Pará e do Paraná, visto que a primeira se instalou em um local onde já
existia uma ocupação previa um pouco mais numerosa e a segunda onde haveria uma colônia militar de defesa
das fronteiras. No caso das colônias de Mato Grosso e Goiás, não há indicações de que no local haveria, nem
proximamente, o numero de famílias que as colônias procuravam atender, ou seja cerca de cinco mil. Devemos
lembrar que Dourados, quando foi transformado em Município, em 1935 tinha uma população de menos de
176

segunda parte, no entanto, caracteriza o empenho em tornar o lote produtivo, ao procurar


assegurar uma força de trabalho familiar razoavelmente numerosa. No próprio artigo 12, em
sua alínea b encontra-se disposto que seria dado aos concessionários de lote um prazo
determinado para tornar o lote produtivo “em condições satisfatórias de técnica e extensão”.

Assim, o artigo 24 determinava que fosse excluído do lote o colono que deixasse de
“cultivá-lo dentro dos prazos estabelecidos para cada colônia, salvo motivo de força maior,
devidamente comprovado, a juízo da administração da colônia”. Além disso, previa a
exclusão se o colono desvalorizasse “o lote, explorando matas sem o imediato aproveitamento
agrícola do solo e o respectivo reflorestamento, em desacordo com o plano previamente
aprovado” e se “por sua má conduta tornar-se elemento de perturbação para a colônia”.

Segundo Lenharo - citando o sr. José de Oliveira Marques, no seu relatório de visita
às colônias encaminhado ao Ministro da Agricultura - o conceito de má conduta incluía um
espectro razoavelmente amplo que iria desde a rebeldia da mentalidade nômade, avessa à
“disciplina aos hábitos de sedentaridade que a agricultura exige”, ao consumo de bebidas
alcoólicas. Em relação a esse fato, Lenharo observa que os estabelecimentos comerciais
possuíam licença para funcionamento em caráter precário e só poderiam funcionar até às 18
horas.

Pelo exposto, podemos observar que com a criação das CANs, O Estado objetivava
integrar as regiões onde elas se instalariam no esforço de formação de um mercado interno de
características nacionais. Para tal, além de planificar a sua localização numa perspectiva de
irradiação do desenvolvimento era necessário, em conjunto, forjar o elemento humano
viabilizador dessa empreitada. Daí, a preocupação em privilegiar o trabalhador nacional
“cidadãos brasileiros reconhecidamente pobres”, que seriam aqueles que se disporiam,
efetivamente, a migrar para uma nova área de avanço da fronteira, de pequeno interesse
econômico num primeiro momento.

Para tal, seria necessário também que se mantivessem abertos os fatores de oferta
desse trabalhador; daí decorre a manutenção dos fatores de repulsão no Nordeste brasileiro
por meio da estratégia de convivência da pequena propriedade com o latifúndio. Tal
diagnóstico partia da idéia de que a generosidade dos fundos territoriais permitiria a reforma

20.000 habitantes, dispersos em 21.250 km2 e que área total da colônia quando entrasse em pleno funcionamento
seria de menos de 10% dessa extensão territorial. É que a população do município de Ceres foi calculada em
19.000 em 2004.
177

da propriedade da terra sem uma reforma agrária, nos locais onde a grande propriedade se
encontrava estabelecida de longa data.

Assim, o trabalhador com tal perfil teria o mérito de assegurar a integração econômica
da região sem riscos à segurança nacional. Era um trabalhador menos influenciado por visões
estranhas à cultura brasileira e disponível a uma migração onde se pudesse vislumbrar acesso
à propriedade familiar e a melhores condições de vida. Seria um caso distinto do que estava
ocorrendo com o Norte do Paraná, que recebia pequenos proprietários portadores de uma
pequena poupança e interessados em utilizá-la na aquisição de pequenas propriedades. Essa
diferença foi ressaltada por Douglas Graham ao comparar as características dos trabalhadores
envolvidos nessas duas experiências de colonização

“O Paraná foi essencialmente colonizado por paulistas, com participação


insignificante de imigrantes de outros Estados. Com isto, o Estado beneficiou-se
muito ao receber uma estirpe promissora de capital humano do Estado mais
avançado do país. Alem disso, os mais bem treinados paulistas não foram tanto
empurrados do meio onde viviam como atraídos para empreendimentos mais
lucrativos no Paraná, contribuindo, no processo, com apreciável espírito
empresarial e um volume razoável de capital físico. Goiás, porém, não teve idêntica
sorte. A maioria dos imigrantes que entrou em Goiás, nas décadas de 1950 e 1960,
era constituída de camponeses sem terra, expulsos do Leste e do Nordeste pelas
secas, miséria rural e excesso de população. Foi mínimo o estoque de capital físico
e humano que lhes acompanhou o êxodo”286.
Nesse sentido, diferentemente da maioria daqueles que rumaram em direção ao Norte
paranaense, o trabalhador que seria dirigido ao Oeste precisava ser organizado e disciplinado
para que se tornasse produtivo. A esse papel deveria se voltar a colonização oficial. Esse era o
seu outro objetivo, que não se encontrava claramente expresso nos instrumentos legais, mas
que é facilmente perceptível nas falas dos técnicos e autoridades governamentais, daí o misto
de planejamento, de controle e de paternalismo que caracterizariam a relação entre o Estado e
os colonos e estariam sustentando esses projetos colonizadores

Apesar, ou talvez por causa de seus ambiciosos objetivos, durante o primeiro governo
Vargas, as CANs quase não saíram do papel, ou como afirmou Lenharo: “o Estado Novo não
conseguiu explorar como queria o investimento político que fizera sobre sua colonização na
Amazônia e no Oeste. Até 1945 os trabalhos pouco avançaram”287.

De fato, a CANs do Piauí e do Maranhão não foram efetivamente instaladas, as outras


obedeceram a um ritmo muito lento de instalação e povoamento. A CAN de Dourados,

286
GRAHAM, Douglas. op. cit., p. 25. A referencia aos anos 1950 e 1960 em relação à migração para Goiás
deve-se ao fato de que a CAN goiana só foi instalada de maneira irregular, e passou a funcionar efetivamente,
num modelo já distante daquele que havia sido planejado, nos últimos anos da década de 1940. Ver a página
seguinte.
287
LENHARO, Alcir. op. cit. p. 132.
178

embora tenha sido encarada como colônia modelo e sobre a qual “a propaganda do Estado
Novo operou sem cessar” 288, somente teve a sua demarcação definitiva em 1948 e a de Goiás,
a primeira a ser criada por decreto, teve ocupação irregular e passou por constantes processos
de venda, transferência e alienação de terras. Ainda, ambas conheceram, a partir dos anos de
1950, um processo de concentração e especulação fundiária que provocaram a emergência de
grandes propriedades baseadas no trabalho assalariado.

Muitas razões podem ser evocadas para explicar o insucesso da colonização oficial do
Oeste, pelo menos no que respeita aos seus objetivos iniciais. A primeira, e a mais aparente, é
que esse programa se apresentava como algo muito superior às reais capacidades do Estado
brasileiro. A magnitude das distancias a serem vencidas e dos espaços a serem ocupados
impunha uma quantidade de recursos financeiros e, até mesmo humanos, superiores aos
existentes e eram inexeqüíveis em curto prazo.

Sobre esse tipo de avaliação, contudo, devemos ter em mente que o regime, quando da
formulação de suas políticas migratórias e colonizadoras, não vislumbrava a sua queda, em
1945. Como já foi dito, o Governo Vargas, principalmente após a instalação do Estado Novo,
imaginava a sua continuidade por um prazo historicamente dilatado. Por outro lado, e
relacionado a isso, o governo tinha clareza de que o alcance de resultados com a colonização
do Oeste só ocorreria em longo prazo:

“Na realidade, o período do Estado Novo constituiu apenas uma fase dentro de um
processo de reestruturação do espaço nacional que, iniciando-se por volta de 1930,
só chegou a atingir uma configuração mais integrada a partir de meados da década
de 1950.
Isto, porem, não implica que o Estado Novo tenha fracassado completamente na
execução de suas políticas territoriais, pois, apesar da grandiosidade dos objetivos
propostos, o regime estava consciente de que a transformação expressiva do
território só poderia ser alcançada a longo prazo. No que diz respeito às políticas
de colonização, Otávio Guilherme Velho considera que Getúlio Vargas dificilmente
poderia ter imaginado que seria possível povoar e explorar uma área tão grande
num curto período de tempo, apesar de seus discursos sugerirem o contrário. [...]
Com efeito, é preciso considerar que as políticas territoriais do Estado Novo não
poderiam chegar a uma reestruturação ampla do território nacional a curto e médio
prazo – aliás, deve-se notar que a ocupação plena do território não foi atingida
mesmo nos dias atuais” 289.

Assim, seria um forte anacronismo atribuir ao governo a não realização de um


programa que ele não teve tempo de viabilizar, uma vez que o mesmo terminou antes do que
ele próprio supunha. Podemos, ainda, inferir que a preocupação em ocupar o interior por meio

288
LENHARO, Alcir. op. cit. p. 132.
289
DINIZ FILHO, Luis Lopes. op. cit., p. 200-201
179

de pequenas propriedades como forma de integrar o mercado e favorecer a industrialização


era, sim, um objetivo das políticas colonizadoras do primeiro governo Vargas.

Outra razão que pode ser aventada para a não realização total dos propósitos da
colonização do Oeste é a de que aqueles espaços que se consideravam vazios, na realidade
não eram assim tão vazios. Embora com uma pequena densidade demográfica, o Oeste já se
encontrava atravessado por várias relações de propriedade que implicavam na permanência de
alguns interesses que, por isso, impuseram algumas resistências à sua ocupação nos moldes
em que esta era intentada.

No caso do Mato Grosso, segundo Lenharo, algumas formas pretéritas de organização


baseadas na grande propriedade, como usinas de açúcar, fazendas de exploração do mate,
principalmente as pertencentes à Cia. Matte Larangeira, e fazendas de criação de gado,
funcionando com base em relações sociais próximas a formas compulsórias de trabalho,
continuaram, mesmo pressionadas pelo Governo Federal, a possuir certo grau de influência
sobre as autoridades regionais290. Havia ainda problemas relacionados à existência de áreas de
garimpo, de exploração da borracha e de drogas do sertão, além de regiões ocupadas por
índios. Todas essas atividades acarretavam “pelo menos dois sérios dilemas para a política
colonizadora: como ficariam suas terras e como eles participariam da empreitada da
colonização através de seu trabalho?” 291.

Sem dúvida, a existência de tais interesses e os conflitos por eles originados teriam
capacidade de influenciar as características e atrasar os processos de instalação da
colonização. Nesse sentido, a razão para o insucesso das CANs parece ser mais profunda que
a anteriormente apresentada. Mostrava a permanência, no próprio aparelho de Estado, de
interesses de classes que este entendia haver superado, como construtor da harmonia do
organismo social que imaginava ser. Ou seja, o Estado mesmo com sua capacidade de
intervenção e a pretensão de, mediante suas práticas orientadas tecnicamente, superar os
interesses de classe, não conseguia impedir a continuidade de conflitos sociais, mesmo que

290
Segundo Lenharo, a Cia. Matte Larangeira contribuía com grande parte das rendas, ao mesmo tempo em que
adiantava empréstimos ao governo estadual. A companhia também havia sido responsável por obras de infra-
estrutura, tais como organização do transporte fluvial e abertura de trechos auxiliares de estrada de ferro. Por
isso, o seu papel na economia e colonização do estado era ressaltado por autoridades locais. Entretanto, a atitude
da companhia em utilizar a violência para a preservação de suas imensas posses, submeter os trabalhadores e,
principalmente, em exportar a sua matéria-prima para ser industrializada na Argentina eram focos constantes de
tensão com o Governo Federal, que tencionava intervir nos negócios da companhia, impedindo a renovação de
seus contratos e utilizando suas terras para a colonização.
291
LENHARO. op. cit, p. 136-137
180

esses se expressassem em um programa considerado importante, como a colonização do Oeste


brasileiro.

Essa também parece ser a razão para que o programa encontrasse, também,
resistências por aqueles que viabilizariam a empreitada, ou seja, os trabalhadores. A
colonização da região Oeste não exerceu a atração que pretendia sobre o trabalhador
nordestino. A prática de uma pequena agricultura familiar, disciplinada e produtora para o
mercado não respondia exatamente aos seus interesses de mobilidade:

“O trabalhador ’nacional’ escolhido como matéria-prima da nova colonização não


respondia exatamente como dele se esperava. Desde o momento de sua saída do
ponto de origem, passando por roteiros improvisados de instalação e produção
material, o migrante não se apresentava como o tipo adequado do colono em busca
da compra de um pedaço de terra previamente demarcado e produtor de bens
estipulados por uma administração burocratizada, a intervir no seu cotidiano, no
seu estilo de trabalho, na direção de sua vida. [...] As razões que motivavam a
evasão do migrante não coincidiam exatamente com as intenções de mobilidade e
localização levantadas pela política estatal. Impunha-se ganhar o migrante para
uma causa que não era a sua”292.
Tal fato não quer dizer que não houve, nesse período, movimentação de migrantes
293
nordestinos para a região Oeste. Essa movimentação ocorreu , mas, os migrantes parecem
ter preferido outras oportunidades que lhes eram possibilitadas, como a prática do garimpo, à
aquisição da pequena propriedade colonizadora em empreendimentos oficiais.

Por outro lado, sob a aparência de recrutamento de migrantes para a colonização da


Amazônia ocorreu a prática de sua mobilização para formação do batalhão da borracha,
principalmente após 1942, em virtude das necessidades da “economia de guerra”. A
insalubridade e a violência das condições de trabalho ali presentes, impostas por companhias
extrativas ou seringalistas ávidos de lucros facilmente alcançáveis pelas condições do
mercado da borracha presentes no momento, tiveram como subproduto a inviabilidade da
utilização desses trabalhadores como elementos de construção de uma ulterior experiência
colonizadora, caso esses a desejassem.

Assim, a ação governamental em instituir um programa racional de colonização foi


limitada por forças as quais o Estado era incapaz de responder, mesmo com a ampliação de
sua capacidade de intervenção nos assuntos econômicos e sociais no período em questão. O
Estado, apesar de se colocar como o ente articulador da unidade nacional e o responsável pela

292
LENHARO. op. cit, p. 135/136
293
No período entre 1940 e 1950 a população do Estado de Goiás aumentou em 47,01% sendo menor apenas
que a do Estado do Maranhão e do Território de Rondônia. Em Mato Grosso, a taxa de migração no período foi
negativa, mas isso deve-se fundamentalmente, à desmobilização dos batalhões da borracha em 1945. No final da
década o movimento migratório para o Estado passou a aumentar e ganhou forte impulso no início dos anos de
1950.
181

preservação da harmonia do organismo social, não conseguiu impedir que os diferentes


interesses sociais se expressassem e se impusessem. Acabou, por isso, sucumbindo às
condições impostas pelo estágio em que o desenvolvimento capitalista nacional se encontrava.
É válido afirmar que as condições para a integração total da região oeste ao mercado nacional
não se encontravam totalmente maduras, naquele momento, pois demandavam um maior
aprofundamento do processo de desenvolvimento econômico, o que ainda estaria por
acontecer.

“As políticas de colonização não lograram induzir movimentos expressivos de


ocupação do interior, ou mesmo alterar a organização do espaço rural, devido a
influencia dos setores oligárquicos junto ao Estado e do próprio conservadorismo
da ideologia do regime. O movimento de unificação do mercado, por sua vez
alcançou resultados sensíveis, como a extinção dos impostos interestaduais e a
melhoria das condições de planejamento e financiamento do setor de transportes.
Apesar disso, a expansão da rede viária não foi suficiente para estimular um amplo
movimento de ocupação dos oeste ou para integrar todas as regiões do país num
sistema efetivamente nacional, pois isso exigiria superar as limitações próprias da
industrialização restringida e da forma espacialmente concentrada pela qual a
indústria se expandiu” 294.
No que se refere aos processos de avanço da fronteira econômica, o Estado não
conseguiu refrear os conflitos que deles se originaram. Sabemos que as regiões de fronteira se
caracterizam por serem historicamente convulsionadas, pois os novos interesses e os novos
grupos de ocupação passam a se confrontar com interesses e grupos anteriormente
estabelecidos. No caso do Oeste, muito além dos índios, que, na maior parte das vezes, foram
vítimas de violências e expropriações, o processo colonizador encontrou interesses vinculados
à grande propriedade extrativa e pecuária, que exerciam, no próprio dizer da época, ações de
exploração natural e social que se aproximavam do banditismo.

Assim, embora o plano de ocupação do interior tenha sido planificado e racionalmente


elaborado pelo Estado, ele permaneceu como um caráter fortemente abstrato. Não foi
totalmente “comprado” pelas forças sociais envolvidas. O Estado não dispunha, por isso, de
mecanismos institucionais, nem mesmo políticos, para assegurar a sua rápida consecução.
Não tinha como “engessar” a sociedade e garantir que seus propósitos fossem realizados de
acordo com sua idealização. As forças sociais exerceram resistências e conseguiram escapar
da ação normativa do Estado, por mais que esse pudesse se colocar como “construtor da
nacionalidade”. Aquela parte do território nacional não se comportou como um espaço inerte
ou como um objeto à espera de sua moldagem pela ação racional do Estado, revelou-se, isto

294
DINIZ FILHO, Luis Lopes. op. cit., p. 202.
182

sim, como espaço eivado de contradições sobre o qual a ação do Estado não teve domínio
absoluto, seja pela inércia exercida pelos interesses da grande propriedade, seja pela visão dos
trabalhadores que para lá se objetivava encaminhar.

Se a isso somarmos o fato de que os migrantes nordestinos também eram atraídos e


estimulados a se dirigirem para os centros urbanos, em franco processo de industrialização e
para a agricultura paulista, em processo de reestruturação, veremos que essa força de trabalho
era bastante disputada e não tão disponível assim. Tal situação demonstra que a necessidade
de recursos humanos para a viabilização dos projetos colonizadores do Oeste brasileiro
superava a sua disponibilidade, por mais que esses continuassem a ser “produzidos” pela
existência de um excedente populacional gerado pela permanência do latifúndio e pela
eclosão de “causas naturais” como a seca e a fome295. Assim, tais projetos colonizadores
também sofreram o imperativo da consideração de sua efetiva prioridade, nos processos de
desenvolvimento em curso naquele momento.

Pretendemos afirmar com isso, que o processo de formação de um mercado nacional


de trabalho impunha a adoção de prioridades que precisavam ser elencadas. O Estado
participou, efetivamente, na definição da ordem dessas prioridades, canalizando os fluxos
populacionais e dirigindo pessoas para várias regiões necessitadas de acréscimos numéricos
em sua força de trabalho. Algumas dessas regiões possuíam necessidades mais urgentes,
naquele momento, do que a região Oeste, onde o processo de ocupação era recente e
vislumbrava-se um longo prazo para a sua real consecução. Talvez aí, resida a explicação para
a lentidão da implantação da colonização.

Coloca-se, dessa forma, em evidência outra razão, talvez a mais importante para que a
política de colonização do Oeste brasileiro, alinhavada pelas CANs, não fosse rapidamente
viabilizada. A tentativa de uniformização da região, tanto no que diz respeito àquilo que seria
produzido quanto das relações sociais que deveriam presidir essa produção, não foi
acompanhada na mesma intensidade pela participação e interesse direto do capital. Os
processos de desenvolvimento de um novo padrão de acumulação, de características urbano-
industriais, não precisaram capturar a região na mesma velocidade imaginada pelo governo,
ou pelo menos, durante o período de duração do governo. O Estado se antecipou à própria

295
Neste aspecto é interessante observar o que afirma Jacques Lambert acerca do excedente populacional
nordestino, o que se constitui, evidentemente, numa grande idealização: “O Nordeste é um centro de emigração
intensa, não o bastante para lhe diminuir a população, pois a fecundidade é lá tão grande que a pressão se
renova constantemente e está sempre superpovoado”. LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. 6 ed. São Paulo:
Nacional, 1970, p. 76.
183

dinâmica do processo de integração do mercado nacional, procurando conduzir essa dinâmica.


Parafraseando Douglas Graham, poderíamos afirmar que a ação do Estado configurou-se
“como um caso clássico de construção da infra-estrutura antes da procura”296.

Tal situação somente ocorreria, alguns anos depois, quando o processo de aceleração
da industrialização tornou imperativa a sua incorporação. Por isso, a sua efetiva incorporação
pôde esperar mais um pouco e os recursos humanos, necessários para a sua consecução no
momento que nos ocupa, puderam ser canalizados para outras necessidades mais urgentes,
tais como o abastecimento de mão-de-obra para os setores agrícola, industrial e de serviços
paulistas, que se encontravam em grande expansão e, durante o período da Segunda Guerra,
para a extração da borracha no Norte do País.

Mesmo assim, a ação do Governo Vargas, na colonização da região Oeste, não pode
ser considerada um caso fracassado ou que se desviou de seus objetivos iniciais. Com esse
programa, o Governo Vargas deixou bem claro o que desejava: um processo de povoamento
nacional do interior, baseado na pequena propriedade, que possibilitasse a sua ocupação com
segurança, favorecendo a manutenção da integridade territorial do país, e procurando
construir, por meio das potencialidades desse território, um amplo mercado nacional,
integrando aos processos econômicos. Em suma, procurou, não só, transformar a região em
produtora de mercadorias e consumidora cativa de produtos industriais brasileiros, mas
também impôs o necessário reconhecimento de que a ocupação e integração do interior seriam
fundamentais para a integração do mercado interno brasileiro e para o desenvolvimento da
produção industrial. Permitiu, dessa forma, o estabelecimento de uma das bases necessárias
para o avanço do desenvolvimento industrial do país.

Avaliação semelhante, de que tal política visava à construção das bases para o
desenvolvimento nacional, foi feita logo na seqüência do primeiro Vargas. O Sr. Renato
Barbosa, Cônsul-Geral do Brasil em Santiago do Chile, em um artigo da Revista de Imigração
e Colonização, publicada pelo CIC, em junho de 1946297, procura defender a política relativa
aos deslocamentos populacionais desenvolvida ao longo do Governo Vargas, pleiteando a sua

296
GRAHAM, Douglas. op. cit., p. 24. Graham faz essa afirmação em relação às tentativas de colonização de
Goiás na década de 1950. Entretanto, o processo analisado pelo autor é, em parte, desdobramento do processo
iniciado na década de 1940.
297
BARBOSA, Renato. Normas gerais sobre a migração, imigração e colonização. Revista de Imigração e
Colonização, Ano VII, no. 2, junho de 1946.
184

continuidade, num momento em que ela começava a sofrer uma série de modificações
importantes298.

Neste artigo, o autor começa demonstrando sua preocupação com um dos principais
problemas do período, que em sua opinião poderia diminuir o ritmo de crescimento industrial
alcançado pelo Brasil, ou seja, o aumento do custo de vida nos centros urbanos, atribuído ao
desequilíbrio entre o grande crescimento industrial e o menor crescimento da produção
agrícola, por isso advoga a realização da proposta colonizadora:

“O encarecimento do custo de vida nas grandes capitais não pode ser unicamente
atribuído aos custos do transporte. [...] só a imigração ou migração sob técnica
colonizadora poderia, se não desfazer, pelo menos atenuar esse desequilíbrio entre
produção agrícola e industrial”299.
Afirma, ainda, que tal intento estava sendo corretamente buscado pela política do
governo Vargas, expressa na Marcha para o Oeste: “O Brasil tem 80% de sua população na
faixa litorânea [...]. A sábia compreensão disso deu origem a um programa político sob o
título de ‘Marcha para o Oeste’, por isso que imensas e ricas terras estão a exigir de nós
ocupação e trabalho”300.

Para que, contudo, tal processo de ocupação favorecesse o desenvolvimento urbano e


industrial, o autor considerava necessária a manutenção da prioridade ao trabalhador
brasileiro nos processos de ocupação do interior, por meio da colonização. Só assim se
poderia, efetivamente, garantir a posse nacional do território, valorizar as tradições culturais
brasileiras e, ao mesmo tempo, corrigir as distorções econômicas e assegurar a continuidade
do desenvolvimento econômico. Por isso argumenta sobre a vantagem da migração de
trabalhadores nacionais sobre a imigração estrangeira nos processos de colonização. Para tal,
salienta que as migrações internas eram mais antigas que a imigração estrangeira e que as
primeiras, desde tempos mais remotos, tinham sido o fator de conquista da integridade
territorial brasileira:

“Se a imigração foi um dos fatores do nosso desenvolvimento econômico, a


migração bem mais antiga, tem significado maior, pois a ela devemos a garantia
das proporções geográficas do território nacional e a nossa política integrada
profunda e indiscutivelmente na sublimada espiritualidade do cristianismo. [...]
Julgamos ser para nós a migração uma tese tão importante quanto a imigração,
chegamos mesmo a considerá-la de maior valia, não só porque nos oferece um

298
Essas modificações relacionam-se à diminuição das restrições sobre a entrada de estrangeiros, visando
estabelecer uma nova fase expansiva da imigração para o Brasil. Ver Relatório do Conselho de Imigração e
Colonização. Revista de Imigração e Colonização, Ano VII, no. 1, março de 1946.

299
BARBOSA, Renato. op. cit., p. 233.
300
BARBOSA, Renato. op. cit., p. 234.
185

excelente recurso para corrigirmos tanto quanto possível a nossa antieconômica


Geografia Humana, como também na técnica da colonização que estabelecemos o
núcleo brasileiro familiar brasileiro deve figurar”301.
O autor, portanto, evidencia, neste artigo, uma avaliação da política implementada
pelo governo Vargas como fator que uniria a ocupação do interior brasileiro pelo trabalhador
brasileiro com o desenvolvimento industrial que ocorria nos centros urbanos, daí a
necessidade de sua continuidade.

Outrossim, o programa de colonização do Oeste permitiu ao Governo Vargas, ao


modelo de Estado que ele procurava implementar no país, a elaboração de uma formidável
teia ideológica na qual aparecem como elementos construtores da nacionalidade e de uma
nova estrutura capitalista. Criou um ambiente ideológico que permitiu a aceitação da idéia de
que cabia ao Estado se tornar o elemento forjador da sociedade e do progresso material da
nação. Possibilitou, ainda, a identificação entre a “conquista” nacional de territórios com a
construção da nação. Serviu, portanto, como uma representação social legitimadora da
política de colonização e de integração de novas áreas aos circuitos econômicos.

O governo procurou encaminhar as medidas necessárias que permitissem a construção


de uma base material para a expressão dessa ideologia. Assim, a lentidão da incorporação do
Oeste, por meio da sua colonização, não se deveu apenas a atuação do governo, mas,
sobretudo, ao próprio processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, aos ritmos
ditados pelas condições do processo de acumulação e à definição, pelo capital, de seus
interesses mais urgentes. Processos sobre os quais o Estado não possuía total controle.

A incorporação da região dar-se-ia, de forma mais efetiva com a aceleração do


desenvolvimento a partir da década de 1950. Só que aí, as condições históricas serão outras, o
que implicou outras características para o seu processo de incorporação por meio de políticas
de colonização e de imigração dirigida.

Assim, a diferença de resultados na ocupação da região Oeste, em comparação com o


norte do Paraná, não pode ser explicada pelos simples fato de que a primeira foi resultado de
uma ação oficial e a segunda de uma ação privada. Deve ser entendida no interior do processo
de participação do Estado na integração do mercado brasileiro, inclusive do mercado nacional
de trabalho, e de acordo com o ritmo ditado pela acumulação capitalista, num país que
procurava instituir um novo modelo de desenvolvimento.

301
BARBOSA, Renato. op. cit., p. 237.
186

A proposta de colonização do Oeste, ao estabelecer um ponto de contato entre os


interesses industriais concentrados no Centro-Sul e os interesses presentes na manutenção da
estrutura latifundiária do Nordeste, não deixou de reproduzir as características históricas das
políticas territoriais brasileiras, quais sejam: a de servir de fator de coesão aos grupos
dominantes e de permitir aos trabalhadores a sua participação, apenas, como “instrumentos da
construção do território nacional", como se encontra expresso nessas afirmações de Robert
de Moraes:

“A imagem da terra a ocupar é bastante cara às classes dominantes, a população


sendo vista como um instrumento desse processo [...]. Observa-se, então que as
classes dominantes forjam sua identidade tendo a concepção de conquista
territorial como um de seus componentes fortes de solidariedade. A idéia do
nacional tem, assim, forte conotação cartográfica. Não é sem motivo que na
ensaística autoritária brasileira seja bastante recorrente a avaliação “do povo com
que contamos para construir o país”. Esta temática vai aparecer, notadamente, nos
momentos de reordenamento institucional, quando assumem novas facções das
classes dominantes no comando do aparelho de Estado”302.
Se é verdade, portanto, que o processo histórico de integração do mercado interno
brasileiro, para qual concorreram de forma importante os processos de deslocamentos
populacionais, permitiu a entrada do país numa longa fase de crescimento econômico e
provocou a ampliação das desigualdades regionais do país também permitiu que se
aprofundassem novas formas de exploração social. A subsunção das diferentes atividades
econômicas à dinâmica da acumulação de capital, que a partir desse momento começou a ser
comandada pelas atividades urbanas e industriais, explicitou muito mais que apenas o
aprofundamento das desigualdades regionais. Evidenciou a construção de novas formas de
subordinação das relações de trabalho e de apropriação do excedente pelo capital

Esse aspecto merece ser destacado, pois muito se fala acerca do caráter concentrado do
desenvolvimento econômico no Brasil, o que denotaria a exploração e o imperialismo da
região sudeste industrializada sobre as outras regiões agrícolas do país, mormente a região
nordeste que passou a se articular como uma nova região periférica do centro industrializado.
Esse discurso regionalista, entretanto, encobre a questão de que nem todos saíram perdendo
nesse processo de desenvolvimento industrial concentrado. Tal processo não atingiu, com a
mesma intensidade, toda a sociedade nordestina. Como afirmou Robert de Moraes:

“A construção das identidades regionais é uma manifestação [...] das ideologias


geográficas. O estabelecimento de laços entre os indivíduos tendo como referencia
os locais de origem ou residência atua no sentido de criar falsas comunidades de

302
MORAES, Antonio Carlos Robert de. Ideologias geográficas. 3 ed. São Paulo:Hucitec, 1996, p. 98-99.
187

interesse, veiculando uma ilusão sem referencia objetiva. As desigualdades de


classe diluem-se na identidade regional”303.
A manutenção e o aprofundamento da concentração fundiária no nordeste brasileiro
foram fatores importantes para a geração dos deslocamentos populacionais. Não foram os
grandes proprietários que migraram, pelo contrário, os processos migratórios e colonizadores
permitiram a distensão da problemática da terra, pelo simples fato de que se afirmava que a
generosidade dos fundos territoriais brasileiros permitiria a mudança na estrutura de
propriedade fundiária sem a necessidade da reforma agrária304. O avanço da fronteira
econômica funcionaria como fator de inserção de novas áreas nos circuitos econômicos e
também serviria como válvula de escape para tensões sociais advindas da concentração
fundiária. A fronteira econômica pôde, pois, unificar interesses dos grupos dominantes do
Sudeste industrializado aos do Nordeste agrário.

O próprio movimento migratório serviu como elemento de alcance de concessões


governamentais aos grupos dominantes do Nordeste. Ao associar a migração somente a
“causas naturais”, como o flagelo das secas, os dirigentes políticos e grandes proprietários de
terras conseguiam investimentos governamentais para a construção de açudes e outras obras
contra a seca305. Muito desses investimentos, muito mais do que a resolução dos problemas,
serviram para aumentar o poder pessoal do grande proprietário, pelo controle de algo
fundamental como a água.

Sobre os trabalhadores nordestinos, os que migraram primeiramente e continuaram a


migrar, é que, efetivamente, recaíram os problemas e a exploração. Foram esses trabalhadores
que, permitindo o avanço da fronteira econômica ou alimentando o mercado de trabalho
urbano, se transformaram em instrumentos da construção de uma nova estrutura econômica
no país. No caso do avanço da fronteira, o que se pretendia era que eles produzissem para o
mercado. Tal produção poderia ser alcançada se, além dos meios de subsistência, esse mesmo
trabalhador pudesse produzir, em moldes tradicionais, um excedente intercambiável, o que só
seria possível com o aumento da jornada de trabalho, aumentando o caráter penoso do próprio
trabalho. Ao se subordinar à esfera da circulação, dominada pelo capital, esse pequeno
proprietário seria, sem dúvida, pressionado e expropriado de certa quantidade de
sobretrabalho.

303
MORAES, Antonio Carlos Robert de. op. cit., p. 101.
304
Alguns autores do período, como Oliveira Vianna, afirmavam a impossibilidade de luta de classes no Brasil
devido a abundancia de terras. Ver DINIZ FILHO, Luís Lopes. op. cit., p. 214.
305
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados... op. cit., p. 108-111
188

Era esse o modelo que se pretendia construir na fronteira Oeste, baseando-se na


mística da construção de pequenas propriedades em terras devolutas. Isso é mais uma
expressão de como o Estado estaria mobilizando pessoas e recursos próprios no
desenvolvimento de um novo padrão de acumulação no país.
189

Seção 4:

A Reorganização do mercado urbano de trabalho:


O desenvolvimento de uma nova estrutura econômica no Brasil centrada na
acumulação industrial, mesmo que restrita, e voltada à produção para o mercado interno,
implicou a necessidade de reorganização do mercado de trabalho urbano, com a necessidade
de atração de um grande contingente de trabalhadores destinados a proporcionar uma força de
trabalho superabundante. Esse processo, já bastante discutido pela historiografia brasileira, é
tradicionalmente relacionado a dois objetivos primordiais: o de se garantir uma oferta de
trabalhadores que impedisse a pressão sobre a massa de salários, o que poderia travar o
processo de acumulação de capital; e o de desmobilizar a organização de trabalhadores.

Esses dois aspectos, presentes na preocupação de reorganização do mercado urbano de


trabalho, apresentavam fortes interdependências, uma vez que uma maior oferta de
trabalhadores provoca, ao mesmo tempo, baixa de salários e desmobilização. Por outro lado,
as movimentações operárias fabris, no início do século, contaram, em sua organização e
encaminhamento, com importante participação de trabalhadores estrangeiros, muitos dos
quais adeptos de posturas revolucionárias. Ora, a formação de um mercado de trabalho
urbano, abundante e adequado ao novo padrão de acumulação, voltava-se fundamentalmente a
favorecer e a acelerar a própria acumulação industrial. Não é de se estranhar, portanto, que se
pensasse em substituir, na formação desse mercado de trabalho urbano, os trabalhadores
estrangeiros por trabalhadores nacionais, oriundos do interior, submetidos anteriormente a
formas tradicionais de dominação e, por isso, considerados menos organizados.

Além do mais, alguns fatores objetivos impunham e favoreciam a reorganização do


mercado de trabalho urbano, já a partir dos primeiros anos da década de 1930: nesse momento
já era sensível a diminuição do fluxo tradicional de imigrantes originários da Europa,
principalmente da Europa do Norte e Mediterrânica, processo este que se intensificou durante
a década de 1920. O avanço da produção industrial e da agrícola “não café” paulista, já no
período anterior dominado pela acumulação cafeeira, havia acelerado a desestruturação de
complexos econômicos regionais no Nordeste e em Minas Gerais306 e possibilitado uma certa
integração, mesmo que limitada, pois voltada prioritariamente aos portos, através do sistema
de transporte ferroviário. Tais fatos, tornaram mais elástica a oferta de trabalhadores
nacionais. Além desses processos, a crise da economia da borracha nos anos de 1920 impediu

306
Conforme NEGRI, Barjas. op. cit. p. 29
190

que essa continuasse disputando trabalhadores nacionais com as regiões dinamizadas pela
produção industrial.

Nesse sentido, se somarmos às questões acima o fato de que a década de 1930


conheceu uma aceleração dos processos migratórios intra-estaduais e intra-regionais no
sentido campo-cidade, principalmente em direção a São Paulo e ao Distrito Federal307 ,
podemos afirmar que nesse período, efetivamente, inicia-se a consolidação de um mercado de
trabalho urbano com características nacionais, “transformando as classes sociais
regionalizadas em classes sociais nacionais 308”.

O início desse processo de nacionalização do mercado de trabalho urbano encontra-se


marcado, já nos primeiros momentos do governo provisório, pela instalação do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio. Não nos parece ser apenas coincidência que o trabalho
apareça, nesse primeiro momento, em um Ministério que também se preocuparia com
atividades econômicas tipicamente urbanas, como a indústria e o comércio. Parece-nos indicar
que a preocupação com o trabalho e sua regulamentação, voltar-se-iam às atividades
econômicas urbanas. A própria organização da legislação trabalhista, vinculada, apenas, aos
trabalhadores urbanos, veio, posteriormente, reforçar essa intenção.

Um dos primeiros atos do Ministério do Trabalho foi a implementação da “lei dos


dois terços”, pelo decreto 19.482 de 12 de dezembro de 1930. Esse instrumento legal é o
mesmo que impedia o desembarque no Brasil de estrangeiros que tivessem viajado em 3ª.
classe e, como já foi dito neste trabalho309, voltavam-se a preocupações emergenciais com o
mercado de trabalho urbano em virtude do desemprego provocado pelos impactos da crise
econômica. Entretanto, o seu artigo 3º. era bem claro no que se refere à necessidade de que os
empregadores, em qualquer atividade econômica, tivessem em seu quadro de funcionários 2/3
de trabalhadores brasileiros natos:

“Art. 3º Todos os indivíduos, empresas, associações, companhias e firmas


comerciais, que explorem, ou não, concessões do Governo federal ou dos Governos
estaduais e municipais, ou que, com esses Governos contratem quaisquer
fornecimentos, serviços ou obras, ficam obrigadas a demonstrar perante o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, dentro do prazo de noventa dias,
contados da data da publicação do presente decreto, que ocupam, entre os seus
empregados, de todas as categorias, dois terços, pelo menos, de brasileiros natos”.

307
HOLANDA FILHO, Sérgio Buarque de; GRAHAM, Douglas. op. cit., p. 61.
308
CHAUI, Marilena. Apontamentos para uma crítica da ação integralista brasileira. In: CHAUÍ, Marilena e
FRANCO, Maria Sílvia de Carvalho. Ideologia e mobilização popular. São Paulo/Rio de Janeiro: Cedec/Paz e
Terra, 1978, p. 20.
309
Ver página 114 desta tese
191

É verdade que o parágrafo único, desse mesmo artigo, previa exceções no caso da
inexistência de trabalhadores brasileiros natos, para o exercício de funções rigorosamente
técnicas. Mesmo nesses casos, a lei dispunha, entretanto, que deveriam ser privilegiados os
trabalhadores naturalizados e, somente, após esses, os estrangeiros. De todo modo, essa
mudança na proporção de empregados deveria ter a aquiescência do Ministério do Trabalho:

“Parágrafo único. Somente na falta, de brasileiros natos, e para serviços


rigorosamente técnicos, a juízo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
poderá ser alterada aquela proporção, admitindo-se, neste caso, brasileiros
naturalizados, em primeiro lugar, e, depois, os estrangeiros”.
Parece-nos evidente, todavia, que tal dispositivo legal teria muitas dificuldades para
ser cumprido imediatamente. Deve ser lembrado que esse decreto surgiu há apenas dezessete
dias após a criação do próprio Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e que, portanto, o
Ministério deveria ter enormes dificuldades materiais e pessoais de fiscalizar o seu
cumprimento.

Por outro lado, o decreto previa, em seu artigo 4º, que os desempregados, brasileiros
ou estrangeiros, deveriam comparecer às delegacias de recenseamento do Ministério do
Trabalho ou, na ausência destas, às Delegacias de Polícia para verificação da tomada de
medidas convenientes acerca de sua ocupação, principalmente, em atividades agrícolas.

Dessa forma, é evidente que se estavam tomando, primeiramente, medidas destinadas


a diminuir a tensão em relação às questões sociais nos centros urbanos, mas é evidente,
também, que tal decreto já demonstrava a intenção de se criar um mercado de trabalho urbano
de novo tipo: formado majoritariamente por trabalhadores nacionais, que não favorecesse o
aguçamento de tensões sociais e trabalhistas e sobre o qual o governo dispusesse de maiores
possibilidades de controle.

Por isso é interessante observar que o governo agia, nesse processo inicial de
nacionalização do mercado de trabalho urbano, com extrema cautela. Se por um lado, o
governo agia no sentido de amenizar a problemática do desemprego, impedindo o
desembarque de trabalhadores estrangeiros não qualificados e procurando dirigir os “sem-
trabalho” para o campo; por outro, o fato de permitir que, na ausência de brasileiros, as
atividades estritamente técnicas, necessárias à continuidade das atividades econômicas,
pudessem continuar a ser desempenhadas por trabalhadores estrangeiros, demonstra que o
governo também se precavia contra as pressões salariais originárias da falta de trabalhadores
especializados em setores específicos.
192

Assim, parece evidente que o governo se preocupava com a formação de um mercado


de trabalho urbano que não tornasse mais agudas as tensões sociais; que não favorecesse uma
queda ainda maior nos salários, dificultando, assim, o consumo urbano; e, ao mesmo tempo,
que não provocasse pressões salariais advindas da pequena oferta de trabalhadores em
algumas atividades necessárias à indústria, o que certamente, dificultaria a acumulação de
capital nesse setor.

Quando se afirma que, nesse momento, estava se iniciando um processo de


nacionalização do mercado de trabalho urbano, devemos atentar para os sentidos desses
termos. É um processo por que, realmente, tal questão teria que estender no tempo, não seria
possível resolvê-la num curto espaço de tempo, diante da aguda situação que as crises do
início da década de 1930 provocavam. Nacionalização do mercado urbano de trabalho, pois o
elemento priorizado seria o trabalhador nacional e porque se procuraria, enfim, construir um
mercado de trabalho urbano de dimensões verdadeiramente nacionais, que se reproduzisse
endogenamente, sem acréscimos constantes de força de trabalho externa. Esse trabalhador
urbano nacional, entretanto, também deveria ser formado, qualificado e disciplinado para o
exercício de funções que exigiam qualificações específicas.

Nesse sentido, a formação de um mercado nacional de trabalho urbano voltava-se sem


dúvida a favorecer o desenvolvimento do novo padrão de acumulação que deslanchava. Por
isso, oferta abundante de força de trabalho, desmobilização política e trabalhista, controle
sobre a organização dos trabalhadores, disciplinamento e formação dos trabalhadores foram
aspectos que nortearam a ação estatal na construção desse mercado urbano de trabalho.

Compreendem-se, assim, os motivos que levaram o “combate” aos estrangeiros e a


aceleração na introdução e consolidação de uma legislação trabalhista voltada,
exclusivamente, aos trabalhadores urbanos a se tornarem os primeiros elementos da ação
governamental na reorganização do mercado de trabalho urbano. O combate aos estrangeiros
relaciona-se ao fato de que esses eram, muitas vezes, identificados como elementos
articuladores das mobilizações trabalhistas ocorridas nas primeiras décadas do século XX e
como portadores de ideologias exóticas, fomentadoras dos conflitos de classe que poderiam
comprometer a harmonia social e, posteriormente, como representante de firmas e governos
estrangeiros. A legislação trabalhista, por seu turno, servia, ao mesmo tempo, como fator de
atração dos trabalhadores e como importante peça de disciplinamento e controle dos mesmos.
Vejamos, separadamente, esses dois movimentos.
193

4.1 A Questão dos Estrangeiros:


Já foi relatado, anteriormente, que a imigração estrangeira passou a ser questionada no
período em estudo neste trabalho. Nesses questionamentos, estavam incluídas a ação dos
imigrantes no sentido de criar núcleos nacionais homogêneos, responsáveis pelos
enquistamentos étnicos, que chegavam, na opinião dos ocupantes da esfera de poder a
ameaçar a integridade territorial do país, pela participação dos estrangeiros na direção e pela
organização de mobilizações trabalhistas. O primeiro aspecto explica, em parte, a
preocupação com a participação desses trabalhadores nos processos de conquista territorial. O
segundo ajuda a compreender a tentativa de minorar a sua influência na reorganização do
mercado urbano de trabalho.

Se observarmos a ação restritiva do Estado em relação aos imigrantes, no mercado


urbano de trabalho, veremos que, num primeiro momento, a argumentação se voltou ao
combate e ao controle sobre aqueles que manifestavam uma posição próxima ao que
poderíamos denominar de esquerda. São esses os mais visados num primeiro momento. A
preocupação com aqueles que foram identificados como adeptos de visões à direita, como o
fascismo e o nazismo, passou a ocorrer, mais tarde, principalmente, após o golpe do Estado
Novo.

De certa maneira, tais ações em relação aos imigrantes reproduzem a postura do


Governo Vargas frente à polarização política organizada ocorrida nos seus anos iniciais.
Frente às tendências políticas mais organizadas, que representavam a polarização existente,
casos da Aliança Nacional Libertadora (ANL), de tendências comunista ou nacionalista de
esquerda, e Ação Integralista Brasileira (AIB), de tendências fascistas, o Governo,
inicialmente, reprimiu muito mais duramente a primeira organização. Serviu-se, inclusive da
AIB, aproximando-se em parte da mesma, para isolar e atingir a ANL sendo que a Revolta
dos comunistas, em 1935, foi utilizada, como justificativa para o Golpe de 1937. Somente
após a revolta dos integralistas, em 1938, após a proibição de partidos políticos organizados, o
governo passou a reprimí-los, principalmente porque, além do caráter organizado e partidário
do movimento, identificou que os mesmos, apesar de defensores do Estado autoritário, eram
contrários à modernização e aproximavam-se, e em muito, das visões dos regimes
imperialistas da Alemanha e da Itália310.

310
O movimento integralista era apoiado pela Itália e encontrava respaldo da Embaixada desse país para ações
no Brasil. Ver: SEINTEFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo do envolvimento brasileiro na Segunda
Guerra Mundial. 3 ed. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 97-98
194

A repressão aos imigrantes estrangeiros, considerados como adeptos de visões


revolucionárias, não era novidade. Desde o regime, anterior quando ficaram famosas as
afirmações de que “a questão social era um caso de polícia”, os militantes políticos e
sindicais estrangeiros eram um dos alvos prioritários do regime. Como exemplo pode ser
citada a lei Adolfo Gordo, que previa a expulsão de imigrantes que se integrassem em lutas
sindicais, e que foi amplamente utilizada na década de 1910. Esse princípio foi incorporado,
posteriormente, na Constituição Brasileira, após a reforma de 1926. Assim:

“No início do século XX, o estrangeiro representava o trabalhador urbano, ligado


ao incipiente desenvolvimento industrial e elemento constituinte da classe operária
que emergia ameaçadora. Assim, ele era visto pelas elites oligárquicas da época
como indesejável, perigoso e responsável pela disputa de classes, pela incitação aos
movimentos políticos e sociais. Além desses elementos, também viam nele o detentor
de ideologias adversas à ordem constituída, como por exemplo, anarquismo e
comunismo e mais tarde fascismo e nazismo”311.
No início do Governo Vargas, tal situação não sofreu grande mudanças nesse sentido,
o foco da repressão ao movimento sindical autônomo, continuou sendo as tendências que se
situavam à esquerda. Como os trabalhadores estrangeiros eram considerados os mais
organizados, é evidente que a repressão a esse movimento tivesse o controle e a restrição aos
imigrantes estrangeiros portadores de visões subversivas como um de seus focos principais:

“[...] de 1930 a 1937[...] as idéias liberais, conservadoras, comunistas, fascistas,


integralistas, circulavam concomitantemente, tendo seus adeptos certa “liberdade
de ação”. Ou melhor, mais liberdade para aqueles cujas correntes tendiam para o
lado do conservadorismo cristão, do Estado centralizador e da contenção dos
movimentos operários, uma vez que, em 1933, o governo criara a Delegacia
Especial de Segurança Pública e Social, que tinha nos seus primeiros planos a
repressão ao operariado identificado com a ameaça comunista. O aparelho policial
do Estado, articulado por Vargas na caça aos comunistas, contou também com a
função da vigilância constante junto à DESPS, pois a aparelhagem da Policia
Especial, ou Polícia Política, estava voltada para a repressão dos subversivos” 312.
Assim, num primeiro momento, pode-se dizer que a idéia de nacionalização do
mercado de trabalho urbano esteve ligada à permanência e ao aprofundamento da
preocupação com a organização política e sindical dos imigrantes adeptos de posturas de
esquerda, em suas vertentes anarquistas e/ou comunistas e à procura de minimizar os seus
efeitos no que concerne à ampliação da luta de classes e aos impactos que a organização dos
trabalhadores pudesse ter sobre os custos da produção industrial. Tais posições ficam
evidentes no decreto 19770 de 19 de março de 1931, que versava sobre a organização dos
sindicatos. Tal decreto prescrevia, nas alíneas c e f de seu primeiro artigo, que para o seu
funcionamento, os sindicatos deveriam observar as seguintes condições:
311
PERAZZO, Priscila Ferreira. O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo. São Paulo: Arquivo
do Estado, 1999, p. 42.
312
PERAZZO, Priscila Ferreira. op. cit., p. 42-43.
195

c) exercício dos cargos de administração e de representação, confiado à maioria de


brasileiros natos ou naturalizados com 10 anos, no mínimo, de residência no país,
só podendo ser admitidos estrangeiros em número nunca superior a um terço e com
residência efetiva no Brasil de, pelo menos, 20 anos;
f) abstenção, no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer propaganda de
ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso, bem como de
candidaturas a cargos eletivos, estranhos à natureza e finalidade das associações.
Por outro lado, a nova dinâmica do capitalismo brasileiro, cada vez mais assentada na
acumulação urbana e industrial, colocava em pauta a necessidade de formação de um mercado
urbano de trabalho abundante, na qual a oferta de trabalhadores não implicasse na existência
de pressões salariais. Isso explica, em parte, a preocupação em se privilegiar o trabalhador
brasileiro e ampliar a sua participação na constituição desse mercado, uma vez que o
trabalhador brasileiro, oriundo do interior era considerado menos impregnado por essas visões
internacionalistas que estimulavam a luta política e sindical, como forma de conquistas de
melhores salários e condições de trabalho.

Entendia-se, assim, que a chegada de trabalhadores nacionais aos centros urbanos mais
dinâmicos da produção industrial teria como desdobramento um processo de desmobilização
trabalhista, aspecto bastante interessante para a continuidade da própria acumulação de
capital313.

A partir de 1938, após o golpe e a desmobilização dos agentes políticos, nacionais e


estrangeiros, identificados como comunistas, o processo de controle sobre os imigrantes
estrangeiros assumiu outras características. Voltou-se ao perigo dos portadores de ideologias
nazi-fascistas, principalmente aos de origem alemã, embora as preocupações com a presença
comunista entre os imigrantes não tenham sido colocadas de lado, como afirma Vargas em
1940:

“No mundo contemporâneo há clima propicio a todas as ideologias. Não devem


procurar o Brasil os que professam convicções em desacordo com as nossas, os que
pretendem infiltrar no espírito brasileiro o falso cômodo internacionalismo que
dissolve as energias patrióticas e pode servir a tudo e a todos, conforme o prelo e as
ocasiões. Esses não terão mais entrada no país” 314.
No entanto, “o combate” aos imigrantes identificados com posturas nazi-fascistas e
que se dirigiu principalmente aos de origem alemã315, está relacionado a aspectos diferentes

313
Não quero afirmar com isso que estão corretas as avaliações de que o grau de mobilização e consciência de
classe dos trabalhadores brasileiros eram inferiores ao dos estrangeiros, aspecto esse, inclusive, que não é
objetivo desse trabalho e demandaria outros tipos de investigação. Pretendemos apenas afirmar que tal visão era
corrente na avaliação do governo e de muitos dos intelectuais que lhes davam apoio.
314
VARGAS, Getúlio. op. cit., p. 293. Discurso pronunciado em 31 de dezembro de 1940.
315
Embora os imigrantes italianos, identificados com a propaganda e a agitação fascista, também fossem alvos
da preocupação governamental, os mesmos eram considerados pelas autoridades policiais e militares como bem
196

daqueles que haviam sido dirigidos aos imigrantes considerados subversivos de esquerda. Não
se tratava, como é claro, de uma preocupação com o acirramento das relações trabalho-
capital, mas da ameaça que esses imigrantes poderiam representar à soberania nacional e à
integridade territorial brasileira.

A consolidação, com a instauração do novo regime em 1937, da ideologia nacionalista


que fora gestada nas primeiras fases do Governo Vargas, em conjunto com o afastamento da
ameaça comunista, criaram as condições para que se voltasse a um problema colocado em
segundo plano, embora já denunciado anteriormente316, ou seja a possibilidade de que um
segmento importante dos imigrantes alemães estivesse, como passou a se dizer na época,
servindo de quinta-coluna para uma possível anexação alemã de partes significativas do
território nacional por meio de uma invasão militar317 ou para a implementação, por meio do
Estado alemão, de um plano de desmembramento do território brasileiro318.

Essa preocupação marca, efetivamente, o início das medidas de controle dos


imigrantes identificados com as posições nazi-fascistas. Essas medidas acabaram por se
generalizar para todas as comunidades de imigrantes dos países do eixo, principalmente a
alemã, mesmo em relação àqueles que não comungavam de tais visões e encontram-se na base
dos vários decretos nacionalizadores editados principalmente em 1938 e, também, em 1939.

Dois aspectos devem ser salientados em relação à introdução dessa nova preocupação
com os imigrantes estrangeiros. O primeiro é que eles explicitam e iniciam um enfrentamento
político do Brasil com os países do Eixo, principalmente a Alemanha. Segundo, é que eles
demonstram o interesse em utilizar a problemática dos imigrantes estrangeiros como fator de
difusão da ideologia nacionalista do Estado que, em plena elaboração desde os primeiros
momentos do primeiro governo Vargas, fortalece-se a partir de 1937.

A Alemanha, durante boa parte da década de 1930, era tida e imaginada por membros
do governo e por uma parte da intelectualidade que o apoiava como exemplo de modernidade,
embora, como já foi dito, havia uma grande preocupação com a dificuldade de assimilação de
seus imigrantes e descendentes e com a tendência em construirem “enquistamentos étnicos”.
Até o golpe de 1937, o relacionamento dos dois países era razoavelmente amistoso. Em 1935

menos organizados que os imigrantes e descendentes de origem alemã. Ver: SEINTEFUS, Ricardo. op. cit., p.
115.
316
SEINTEFUS, Ricardo. op. cit,, p. 30-32
317
PERAZZO, Priscila Ferreira. op. cit. p. 49-50
318
SEINTEFUS. Ricardo. op. cit, p. 109. Segundo o autor, em março de 1938 o embaixador alemão no Brasil,
passa a assumir a opinião de Fritz Plugge, cidadão alemão e membro do NSDAP (Partido Nacional-Socialista
Alemão do Trabalho), que aconselha Berlim a “separar o três estados do Sul do resto do Brasil”.
197

e 1936, os dois países haviam se associado no combate ao comunismo e do ponto de vista


econômico, o comércio brasileiro com a Alemanha, impulsionado comércio de compensação,
cresceu 465%, sendo que, nesse período, o Brasil, também se torna o primeiro exportador de
algodão para a Alemanha, superando os EUA319.

A partir do golpe de 1937, entretanto, com o aprofundamento da orientação


nacionalista do governo e a pressão desencadeada pela Alemanha contra as tentativas de
maior controle brasileiro sobre os imigrantes alemães, os incidentes diplomáticos entre os dois
países se multiplicaram. Para isso, também, contribuiu a tentativa de golpe levada a efeito
pelos integralistas em maio de 1938, ainda que o governo alemão não apoiasse, ao contrário
da Itália, esse movimento.

Em 1938, com os decretos nacionalizantes outorgados pelo governo brasileiro,


principalmente o Decreto-Lei 383, de 19 de abril, que vedava a participação e a propaganda
política por parte de estrangeiros no país, as relações políticas com a Alemanha se tornaram
tensas. A embaixada alemã reagiu agressivamente a esses decretos, principalmente em relação
ao acima indicado, e o embaixador alemão, Karl Ritter, na pressão para a revogação dos
decretos e da prisão de alguns líderes da NSDAP, envolveu-se em um incidente diplomático
com o Ministro brasileiro das relações exteriores, Oswaldo Aranha. Tal incidente provocou
séria crise política entre os dois países.

Essa crise política não chegou é, verdade, a implicar a diminuição significativa e


imediata na atividade comercial entre os dois países, mas serviu para que, a partir do final de
1938, por meio de negociações visando à pacificação política, o Brasil conseguisse
encaminhar as relações diplomáticas entre os dois países para objetivos voltados,
fundamentalmente, para a “cooperação econômica” 320.

Tal fato permitiu que o país retomasse a uma posição pendular frente à Alemanha e os
Estados Unidos, o que seria de enorme importância para a manutenção de uma certa
neutralidade frente ao conflito militar que já se prenunciava, mas também para a estratégia de
encontrar parceiros estrangeiros para o financiamento do projeto siderúrgico. Isto demonstrou
que, embora tivessem um conteúdo político específico, as atitudes do governo brasileiro em
relação aos imigrantes do eixo, principalmente os alemães, e sua firmeza na condução da crise
diplomática frente às exigências alemãs, renderam boas perspectivas econômicas,

319
SEINTEFUS, Ricardo. op. cit, p. 21
320
SEINTEFUS, Ricardo. op. cit, p. 149.
198

principalmente no que diz respeito à estratégia da criação e instalação de indústrias base no


país.

Paralelamente, e relacionadas ao processo rapidamente descrito anteriormente, as


novas atitudes governamentais frente aos imigrantes estrangeiros representaram um reforço
do nacionalismo brasileiro e da prática de se utilizar essa ideologia como uma forma de tentar
estabelecer a unidade e a harmonia do corpo social brasileiro. O perigo alemão foi fortemente
amplificado para reforçar a idéia de que tal harmonia não era alcançada devido à existência de
elementos estranhos e nocivos no corpo nacional. A problemática alemã e o suposto risco que
ela oferecia à soberania nacional foram, portanto, mais um instrumento utilizado para a
ampliação do controle sobre a sociedade brasileira.

Essa questão, contudo, não quer dizer que a ameaça não existia e que não era
compreendida pelo governo, o serviço secreto brasileiro sabia da existência de um projeto de
se utilizar os imigrantes e os descendentes alemães presentes no Brasil como possibilidade de
construção de uma “Alemanha Antártica” no Brasil321. Tal receio ampliou-se ainda mais por
ocasião dos processos de anexação da Áustria e Tchecoslováquia pelo regime nazista alemão.
Assim, embora o perigo alemão, como aponta a historiografia, estivesse sendo
superestimado322, era um fato que assumia certa concretude para a época,

Dessa maneira, devido à concepção de que a propaganda nazista teria muito mais
eficiência e agilidade se concentrando nas principais capitais e cidades do país, a política de
controle e de repressão aos imigrantes alemães, e italianos e japoneses em menor escala,
passou a ser desencadeada principalmente nos centros urbanos323. Assim, a política em
relação aos imigrantes e descendentes do eixo, no período pós 1938, acabou por provocar
impactos no mercado de trabalho urbano.

Podemos observar, portanto, que a mudança de orientação nas políticas relativas ao


elemento estrangeiro foi um fator importante na reorganização do mercado de trabalho
urbano, que passou por um processo paulatino de nacionalização a partir do período que nos
ocupa. Num primeiro momento, essa política atingiu os que eram considerados como
portadores de ideologias subversivas e internacionalistas e, posteriormente, principalmente

321
BANDEIRA, Moniz. Op. cit., p. 46-47.
322
O número de militantes ativos do NDASP no Brasil foi estimado em um número não superior a três mil,
porcentagem razoavelmente insignificante diante da colônia de origem alemã existente no país. Entretanto há
que se considerar que para um país com pequena tradição de organização política e que procurava naquele
momento congelar a participação política da sociedade, mesmo essa pequena porcentagem poderia ser
considerada expressiva.
323
PERAZZO, Priscila Ferreira. op. cit. p. 21.
199

após 1938, aqueles que eram considerados representantes de interesses de governos e firmas
estrangeiras, principalmente alemãs.

Como o crescimento industrial - que atingiu a cifra de 11,25%, em média, entre os


anos de 1933 e 1939, e 5,4 % entre os anos de 1940 e 1945324 - provocou a ampliação da
demanda por trabalhadores, estes passaram a ser procurados entre os trabalhadores de origem
nacional. Em São Paulo, onde esse crescimento foi mais acelerado, os trabalhadores
recrutados eram, principalmente, migrantes oriundos do próprio interior paulista, das regiões
Norte e Nordeste do Estado de São Paulo. Essa migração intra-estadual só se tornou possível
e mais elástica devido à possibilidade de recrutamento de migrantes nordestinos que os
substituíram na atividade agrícola e que também passaram a ser utilizados no avanço da
fronteira agrícola Oeste de Estado. Entretanto, isso não quer dizer que uma boa parte desses
migrantes nordestinos não tenha ajudado, também, a alimentar diretamente esse novo
mercado urbano de trabalho.

A mudança no perfil da força de trabalho urbana, na cidade de São Paulo, que era onde
se concentrava o processo de desenvolvimento industrial, pode ser demonstrada pelo quadro
abaixo:

QUADRO 8
BRASILEIROS E ESTRANGEIROS ENTRADOS NA CIDADE DE SÃO
PAULO – 1921/39
Anos Brasileiros Estrangeiros
1921 6.923 32.678
1922 7.354 31.281
1923 14.578 45.240
1924 12.076 56.065
1925 15.906 57.429
1926 19.366 76.796
1927 30.806 61.607
1928 55.431 40.847
1929 50.218 53.262
Total 212.658 455.205
1930 8.720 30.924
1931 10.174 16.216
1932 18.345 17.420
1933 30.330 33.680
1934 37.824 30.757
1935 50.849 21.131
1936 57.643 14.854
1937 74.085 12.384
1938 47.755 8.549
1939 100.139 12.207
Total 435.864 198.122

324
GRAHAM, Douglas; HOLANDA FILHO, Sérgio Buarque de op. cit., p. 57
200

Fonte: Boletim do Departamento Estadual de Estatística. São Paulo, no. 9, setembro de


1940. In PAIVA, Odair da Cruz. Brasileiros na Hospedaria dos Imigrantes. São Paulo:
Memorial dos Imigrantes, 2001, p. 16. e PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados...op.
cit., p. 226

4. 2 A Legislação Trabalhista: Atração e Controle dos Trabalhadores


A legislação trabalhista também exerceu importante papel no processo de
reorganização do mercado de trabalho urbano, no sentido de adequá-lo aos interesses do novo
padrão de acumulação que deslanchava. Por um lado, serviu como fator de atração de
trabalhadores; por outro como fator de controle e disciplinamento dos mesmos.

Devemos ter em conta que a substituição de trabalhadores estrangeiros, ou melhor, a


primazia concedida aos trabalhadores brasileiros nos processos de deslocamento
populacional, no sentido campo-campo e também, nesse caso, na formação do mercado
urbano de trabalho, portanto, no deslocamento sentido campo-cidade, gerava uma situação
nova. Ao contrario do que havia ocorrido anteriormente, quando a maior parte dos
trabalhadores urbanos, das regiões mais dinâmicas, como a da capital paulista e seu entorno,
induzida pela economia cafeeira, era constituída por estrangeiros, a partir desse momento, o
mercado urbano de trabalho passou a ser alimentado por trabalhadores nacionais, oriundos de
regiões menos desenvolvidas ou industrializadas. Nesse sentido, a existência ou a
consolidação de uma legislação trabalhista, que garantia alguns direitos - como a definição de
uma jornada de trabalho, períodos de férias, da possibilidade de apresentação de reclamações
às juntas de conciliação e julgamento e, posteriormente, o salário mínimo - passaria a
funcionar como um forte atrativo.

Não é de se estranhar que a legislação trabalhista, apontada pelo governo, como uma
de suas maiores realizações, não tenha sido estendida ao campo. Isto é mais um elemento que
indica a existência e a fixação de graus desiguais de desenvolvimento entre diferentes regiões
e espaços, fator importante na determinação das condições de movimentação populacional de
trabalhadores 325.

Assim, além da impossibilidade de política de se confrontar diretamente com os


grandes proprietários de terra; do interesse em se estabelecer atitudes conciliatórias com
algumas oligarquias regionais; e da extrema cautela numa possível mudança da estrutura
fundiária do país, a constituição de uma legislação trabalhista que dissesse respeito apenas aos
trabalhadores urbanos tem a ver com a estratégia de utilizá-la como um mecanismo de atração

325
PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados...op. cit., p. 242
201

de trabalhadores. Tal fato é percebido pelo Sr. Péricles Melo Carvalho, que antes de exaltar a
ações governamentais do governo Vargas na implementação da Marcha para o Oeste,
demonstra preocupação com o papel da legislação trabalhista na atração de trabalhadores para
os centros urbanos:

“A legislação social de amparo e proteção ao trabalhador brasileiro havia de


produzir os benefícios de que está eivada logicamente, nos centros urbanos, antes
de cristalizar-se na extensão dos meios rurais. E assim acontecendo concorreu para
drenar ainda mais para o litoral a grande massa de trabalhadores dos campos que
buscavam nas cidades o bafejo da proteção prodigalizada aos operários urbanos.
[...] A assistência médica e os ambulatórios de que por intermédio dos institutos
desfrutam os trabalhadores urbanos; a assistência técnica de escolas profissionais,
acessíveis; o ensino gratuito, e a assistência educacional; as garantias de
assistência policial e a segurança da propriedade; o cooperativismo político,
econômico e sindical, com o perfeito equilíbrio da comunidade e o congraçamento
das classes para o beneficio individual e coletivo; as vias de comunicação e acesso,
permitindo-lhes o comércio mais rápido e maior ativação da riqueza; a assistência
social com a proteção da família, a proteção das mulheres e dos menores; os
seguros sociais aos acidentados; o amparo à velhice; a higiene do lar, com a
construção de moradias baratas para os operários; a alimentação sadia e acessível,
com refeitórios públicos, orientados e dirigidos pelo governo; a condenação dos
locais insalubres e a regulamentação do horário de trabalho, para não falar ainda
no salário mínimo e na legislação de previdência que estabeleceu os seguros
doenças, acidentes, à gestante, à invalidez e a possibilidade do fomento da
economia com os recursos de empréstimo, pensões e aposentadorias, lastreados nas
organizações para-estatais dos Institutos; tudo isso constitui uma soma ponderável
de desequilíbrio na balança do urbanismo com o ruralismo”326.
É possível afirmar que a exclusividade da legislação trabalhista no meio urbano
funcionava como um sucedâneo da concessão de lotes de terra aos trabalhadores que se
dirigiriam ao avanço Oeste da fronteira econômica. Era um fato que poderia ser vislumbrado
pelos migrantes como uma melhoria nas condições de vida.

Por outro lado, se a chegada de pessoas oriundas de regiões interioranas favorecia o


recrutamento de trabalhadores que haviam sofrido formas de dominação marcadas por
relações personalistas, próximas ao que poderíamos denominar como uma dominação de
cunho tradicional, por isso, menos propensos, naquele momento, para organização trabalhista,
isto, em contrapartida, impunha a necessidade de uma nova disciplina, diferente da exigida no
trabalho do campo. O trabalho em atividades fabris exige um controle muito mais rígido do
que aquele exigido pelo trabalho no campo em aspectos relativos a horários, assiduidade e
produtividade. Por isso, a legislação trabalhista deveria cumprir um papel também
disciplinador. Deveria cumprir nas cidades uma função semelhante a dos administradores e
burocratas dos núcleos de colonização estabelecidos no campo. Não é fortuito, portanto, que a

326
CARVALHO, Péricles Melo. A concretização da “Marcha para o Oeste”. In: Cultura Política. Rio de
Janeiro: DIP, Ano I, no. 8, outubro de 1941, p. 18.
202

denominação da supervisão operária nas fábricas, ao lado das de mestre e contramestre,


englobava, também a categoria de capataz.

Nesse processo, um instrumento passou a ter um significado bastante importante: a


carteira de trabalho. Esse instrumento, ao garantir a adesão do trabalhador a um contrato de
trabalho, regulado pela legislação trabalhista, permitia, ao mesmo tempo, o controle sobre a
vida e o desempenho profissional desse trabalhador, transformando-se em mecanismo de
controle sobre ele. A esse respeito, não deixam dúvidas, e são bastante interessantes, as
palavras do Ministro do Trabalho, por ocasião da outorga da CLT, Alexandre Marcondes
Filho, inscritas nas próprias carteiras profissionais:

“Por menos que pareça e por mais trabalho que dê ao interessado, a carteira
profissional é um documento indispensável à proteção do trabalhador.
Elemento de qualificação civil e de habilitação profissional, a carteira profissional
representa também título originário para a colocação, para a inscrição sindical e,
ainda, um instrumento prático do contrato individual de trabalho.
A carteira, pelos lançamentos que recebe, configura a história de uma vida. Quem a
examina, logo verá se o portador é um temperamento aquietado ou versátil; se ama
a profissão escolhida ou ainda não encontrou a própria vocação; se andou de
fábrica em fábrica, como uma abelha, ou permaneceu no mesmo estabelecimento,
subindo a escala profissional. Pode ser um padrão de honra. Pode ser uma
advertência” 327
A carteira profissional, portanto, é a expressão de como a legislação trabalhista teve
uma grande importância na reorganização do mercado urbano de trabalho, na medida em que
era um instrumento de acesso a direitos não presentes no trabalho rural, dominado pelas
relações e pelos mecanismos de controle pessoal. Por essa via funcionava como elemento de
atração populacional; por outro lado, ao mesmo tempo, gerava a possibilidade de um controle
direto sobre o trabalhador, convertendo-se em fator de disciplinamento e de inculcação dos
princípios de obediência à ordem estabelecida. Atuando, pois, como fator de atração e de
disciplinamento a legislação trabalhista desempenhava um importante papel na reorganização
e nacionalização do mercado de trabalho urbano:

“Os benefícios oferecidos pelo Estado atuavam como armadilhas de envolvimento e


enquadramento dos trabalhadores, fato de alta significação para uma classe que
ampliava rapidamente os índices de sua proletarização. São Paulo, por exemplo,
receberia somente entre os anos de 1936-1940 mais de 295 mil imigrantes de outros
estados, principalmente nordestinos. Ao comentar o aparecimento dos sucessivos
decretos que foram introduzindo a carteira profissional como documento de
identificação do trabalhador, um funcionário do governo não escondeu a malha do
seu envolvimento para ter acesso às “regalias” trabalhistas. As férias remuneradas
e o direito de apresentar reclamações perante as Juntas de Conciliação e
Julgamento ficavam adstritos somente aos trabalhadores sindicalizados. E, sem
carteira, não era permitido sindicalizar-se. Já anteriormente ao decreto de 21 de
março de 1932, afirma o autor, o uso da carteira não respeitava a divisão entre a

327
Alexandre Marcondes Filho. Apresentação da Carteira Profissional. Página 4 do documento.
203

vida civil do cidadão e sua vida profissional; o patrão ao anotar a data da dispensa
do trabalhador, também considerava sobre sua conduta e aptidões profissionais”
328
.
A legislação estava também voltada a legitimar o papel dos sindicatos como a forma
de representação dos trabalhadores e os sindicatos passaram a ser pelo decreto n. 19.770, de
19 de março de 1931, organismos tutelados pelo governo, de tal forma que passaram a ser
considerados elementos fundamentais na construção de relações solidárias entre as classes
sociais e o Estado.

Dessa forma, o processo de reorganização e de nacionalização do trabalho urbano


procurou, por meio da construção de seu novo agente, o trabalhador e operário nacional
solidificar a concepção harmônica e organicista de sociedade e estabelecer uma paz social e
uma unidade nacional que provocasse mais que um relaxamento, um anestesiamento dos
conflitos sociais. Procurou forjar um novo tipo de trabalhador que se comportasse, dentro das
visões da época, como pacífico, ordeiro; como parte constituinte e harmônica do corpo social
nacional.

Entretanto, apesar da aparência e da ideologia de neutralidade, tal preocupação que


norteou a formação do mercado de trabalho urbano, ao tentar evitar e reprimir a organização
trabalhista, atuava, indubitavelmente, como catalisadora da nova modalidade de acumulação
urbana e industrial. Isso nos permite afirmar que a reorganização do mercado urbano de
trabalho, por meio da construção de uma nova modalidade de deslocamentos populacionais,
também apresentava uma intencionalidade em contribuir com o deslanche de um novo
modelo de desenvolvimento econômico para o Brasil.

Dessa maneira, ao tomar medidas iniciais visando evitar acirramentos da tensão social,
em virtude do desemprego provocado pela crise; ao procurar controlar e assimilar os
estrangeiros; ao buscar a criação de condições de atração de trabalhadores nacionais para o
trabalho nos centros urbanos; e, ainda, ao estabelecer elementos legais no objetivo de
controlar e disciplinar esse trabalhador nacional em construção, o governo procurou criar
condições para a formação de um mercado de trabalho urbano equilibrado. Um mercado de
trabalho que, ao mesmo tempo, não implicasse pressões demasiadas sobre a taxa de salários e
impedisse também, pela ampliação do número de desclassificados, um aviltamento no
consumo urbano, que, de outra maneira, obstaria a própria produção industrial.

328
LENHARO, Alcir. Sacralização da política... op. cit., p. 26
204

Nesse sentido, a última questão a ser enfrentada deveria ser a formação profissional
desse trabalhador urbano. Para tal, em consonância com o Ministério da Educação e entidade
empresariais, o governo instituirá, em 1942, uma ampla reforma na formação e na educação
técnica e industrial, com a introdução das Escolas Técnicas Federais e do Senai.
205

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese procurou contribuir para a compreensão do período do primeiro governo


Vargas (1930-1945), no tocante à participação desse governo nos processos de
desenvolvimento, enfocando, neste sentido, as funções reservadas aos processos de
deslocamento populacional e a elaboração e aplicação, por parte do governo, de políticas
referentes a esse assunto.

Para tal, partiu-se do pressuposto de que o desenvolvimento econômico, conhecido a


partir da década de 1930, originou-se da ênfase na substituição da estrutura anterior, baseada
na produção de produtos primários destinados ao mercado externo, por uma nova, baseada no
mercado interno e na produção industrial. Isso foi provocado por fatores objetivos, como o
impacto da grande crise econômica mundial de 1929/30, pela crise do antigo sistema de
dominação política e de estruturação estatal, desencadeada pelo movimento de 1930 e,
também, pela decisiva definição do novo governo brasileiro em encaminhar esse processo. O
fio condutor desta tese baseou-se no pressuposto de que havia uma intencionalidade do novo
governo em criar as condições necessárias para o país voltar-se para o mercado interno e para
a industrialização.

Dessa maneira, a integração do mercado interno e a necessidade de torná-lo disponível


para uma produção nacional, principalmente industrial, que começara a atender faixas de
procura anteriormente supridas por produtos importados, tornaram-se metas importantes, cujo
alcance passou a ser constantemente perseguido pelo novo Governo.

A realização desses objetivos, num país como o Brasil, naquele contexto histórico, não
era uma tarefa de fácil consecução. Devemos lembrar que o Brasil, além de possuir um
território de dimensões continentais, se apresentava como uma economia compartimentada
em diferentes complexos econômicos regionais. Ao mesmo tempo, durante a década de 1930,
o país encontrava-se marcado por uma conjuntura econômica crítica e atravessado por crises e
polarizações políticas que indicavam um processo de redefinição da participação dos
diferentes segmentos sociais nas estrutura de poder.
A magnitude da empreitada a ser encaminhada influiu decisivamente na reestruturação
do Estado brasileiro. De um Estado de características liberal-oligárquicas, sustentado por
arranjos políticos de bases regionais e locais e, por isso, fortemente federalista, onde
dominavam as oligarquias dos Estados mais poderosos, passou-se a um processo de mudança
206

para um Estado centralizado, equipado por novas instâncias burocráticas que procuravam,
simultaneamente, administrar interesses divergentes e intervir mais diretamente nos assuntos
econômicos e sociais.

A ampliação das tarefas do Estado, dos seus instrumentos e de suas instituições de


intervenção, levaram à pratica da constante regulamentação de aspectos relativos aos assuntos
econômicos e sociais da nação. Nesse sentido, os mais variados processos tornaram-se objetos
de políticas específicas, buscando controlá-los e dirigí-los a objetivos mais ou menos
definidos.

Dessa maneira, a hipótese presente neste trabalho vinculou-se à idéia de que a


necessidade e a procura da integração do mercado interno brasileiro levaram, também, à
implementação de novas políticas relativas à problemática dos deslocamentos populacionais
que ocorriam sob o território nacional e à tentativa de fazer com que eles se adequassem às
exigências colocadas pela nova estrutura econômica que estavam surgindo no país.

As características dos deslocamentos populacionais já estavam sofrendo modificações


que demonstravam a ocorrência de um processo de mudanças da estrutura capitalista nacional.
O propósito deste trabalho foi demonstrar que o governo no pós 1930 procurou, por meio de
instituições e instrumentos legais, criar políticas que interferissem diretamente, controlassem
e dirigissem esses deslocamentos populacionais a fins claramente definidos. O entendimento
aqui preconizado foi, portanto, o de que as políticas relativas aos deslocamentos,
gradualmente construídas ao longo do período, subordinaram-se aos objetivos de favorecer a
integração do mercado interno, inclusive do mercado de trabalho, no sentido de torná-lo
efetivamente disponível à produção industrial brasileira que crescia de com maior velocidade.

Como a intencionalidade no sentido da construção de uma nova estrutura capitalista no


Brasil tornou-se mais evidente a partir da emergência do Estado Novo, em finais do ano de
1937, a utilização das políticas migratórias, voltadas aos objetivos acima descritos, também se
tornou mais evidente a partir desse período. Tais políticas, contudo, foram caudatárias de
vários princípios que foram sendo amadurecidos e implementados nos períodos precedentes
do primeiro governo Vargas. Dessa forma, se as políticas relativas aos deslocamentos
populacionais, objetivando a integração do mercado, foram intensificadas e aprofundadas a
partir do Estado Novo, elas, no entanto, não se limitaram, apenas, a esse período. A
intencionalidade em encaminhar um novo padrão de deslocamentos populacionais,
condizentes com uma nova estrutura econômica, esteve presente em todo o primeiro governo
207

Vargas, mormente a partir de 1933 quando atividade industrial, que passou a crescer, até
1939, a uma taxa média de 11,25% , comandou a recuperação da economia brasileira.

Outra idéia, também presente neste trabalho, é a de que a passagem para uma estrutura
econômica sustentada na produção para o mercado interno e a integração desse mercado
foram os fatores que permitiram a entrada do Brasil numa longa fase de crescimento e
desenvolvimento econômicos. Tal vigor econômico (expresso no fato de que a economia
brasileira foi uma das que mais cresceram mundialmente, no período situado entre 1930 e
1980) por ter se baseado, contudo, na combinação de graus desiguais de desenvolvimento
entre as diferentes regiões, originando e aprofundando a reorganização da economia e do
espaço econômico brasileiros, processou-se de maneira a intensificar as distorções e os
chamados desequilíbrios regionais.

Além disso, e talvez mais importante, é que esse crescimento se deu pela subordinação
das novas atividades e das novas relações de trabalho, introduzidas na produção agrícola e nas
regiões de avanço da fronteira, aos processos de acumulação industrial que, naquele
momento, já se concentravam no Centro-Sul, principalmente em São Paulo. Isso, associado ao
processo de formação de um mercado de trabalho urbano de características nacionais e
condizentes com as novas exigências do novo modelo de desenvolvimento, significa dizer que
esse crescimento econômico se constituiu a partir, também, de novas formas de apropriação
do excedente econômico pelo capital industrial.

Tal situação torna-se evidente se observarmos algumas questões desenvolvidas neste


trabalho. O avanço das frentes pioneiras, sustentadas em projetos colonizadores baseados na
pequena propriedade transformariam trabalhadores familiares anteriormente excedentes, ou
produtores de subsistência, em sua região de origem, em trabalhadores familiares produtores
de mercadorias destinadas aos centros urbanos e consumidores de mercadorias industriais.
Isto só poderia ocorrer com o aumento de sua produtividade, principalmente por meio da
ampliação da jornada de trabalho. Como a reprodução da força de trabalho familiar seria
assegurada por uma parcela da produção do próprio lote, o aumento de produtividade,
mediante aumento da jornada de trabalho, não seria incorporado aos preços finais da
mercadoria. O resultado seria que o preço da mercadoria encontrar-se-ia abaixo dos custos
reais de produção.

O movimento migratório para atividades agrícolas no interior paulista ilustra situações


nas quais o capital industrial pôde, também, se beneficiar, mesmo indiretamente, do
desenvolvimento de novas atividades econômicas. Como a produção agrícola não diminuiu
208

sensivelmente durante o período e a agricultura aprofundou as suas funções de produtora de


matérias-primas industriais, de gêneros voltados a abastecer a população urbana e de geradora
de divisas para a importação de bens de capital e intermediários329, a manutenção da oferta
regular de trabalhadores recrutados em outros estados da federação, impediu uma pressão
altista sobre os salários pagos no campo. Tal fato contribuiu para que os preços das
mercadorias destinadas às cidades não se elevassem e que as exportações se mantivessem.
Esses aspectos representam fatores estimulantes para o crescimento do país.

Ao mesmo tempo, as migrações no sentido dos centros urbanos mantiveram, e até


ampliaram, a oferta de trabalhadores no mercado urbano de trabalho. Dessa forma, também,
contribuíram para rebaixar, ou pelo menos não elevar, os salários industriais.

Dessa maneira, é possível afirmar que o grande impulso econômico conhecido, a


partir do momento em foco neste trabalho, não encontrou correspondência em uma
significativa melhora nas condições de vida de uma importante parcela da sociedade
brasileira. Nesse processo, os deslocamentos populacionais tiveram uma atuação decisiva: se
de um lado, garantiram a oferta de trabalhadores necessários à integração do mercado
nacional, por outro, as formas pelas quais se desenvolveram não possibilitaram, contudo, que
esses trabalhadores colhessem todos os frutos do desenvolvimento econômico.

Assim, as características assumidas pelos deslocamentos populacionais no período,


bem como das políticas aplicadas em relação a eles, reproduziram práticas tradicionais na
sociedade, na política e na economia brasileiras, permitindo que alguns segmentos dos grupos
dominantes estabelecessem formas de conciliação e combinação de interesses, enquanto a
uma parcela importante do povo e dos trabalhadores continuaram sendo vistos como
instrumentos da construção de um novo espaço econômico nacional.

Por isso, a análise empreendida acerca dos elementos constituintes da política relativa
aos deslocamentos populacionais, bem de sua efetiva aplicação, revela que, malgrado a
preocupação com o desenvolvimento e com a garantia da soberania e da integridade
nacionais, o Governo Vargas, mesmo não representando diretamente os interesses
industrialistas, atuou de forma a favorecer o processo de acumulação do capital industrial.

Ao mesmo tempo, a identificação dos ideais de progresso, modernização e


desenvolvimento com a industrialização, presentes no pensamento de Vargas, bem como no
de vários técnicos e intelectuais que o apoiaram, aproximou o seu governo dos interesses

329
O avanço da cotonicultura no interior paulista é um caso exemplar dessa situação.
209

defendidos pelas mais destacadas lideranças industriais. O próprio processo de constituição de


um Estado cada vez mais centralizado e intervencionista foi um importante elemento de
favorecimento a um processo endógeno de desenvolvimento industrial, que não poderia se
realizar, simplesmente pelo livre jogo das forças de mercado.

A sociedade e a economia brasileiras passaram por um acelerado processo de


modernização marcado por um forte nacionalismo. Esse processo procurou modificar as
características da economia brasileira e a sua participação na divisão internacional do
trabalho. Como a industrialização não poderia ser alcançada com base no mercado externo e
como o Brasil dispunha de um mercado interno de grandes potencialidades, esse processo de
desenvolvimento procurou reproduzir internamente os processos de conquista e anexação de
novos mercados. Os generosos fundos territoriais brasileiros passaram, então, a ser encarados
como sucedâneos dos mercados externos das nações lideres do capitalismo mundial.

Esse processo também esteve baseado em idéias e práticas opostas às defendidas pelo
Liberalismo econômico. Esse rompimento com o Liberalismo não significou, todavia, um
rompimento com o capitalismo. Assim, é possível perceber que se pretendeu construir no
Brasil uma estrutura econômica e social que é tradicionalmente denominada como
“capitalismo autoritário”. A superação do laissez-faire se deu, dessa maneira, com a
construção de uma ordem política social e econômica influenciada por visões próximas ao
Positivismo, com a necessária implantação de um modelo econômico e social baseado nos
princípios do organicismo social.

Desta maneira, a intenção clara em se avançar na construção de uma nova estrutura


capitalista, nucleada pela produção industrial voltada ao mercado interno, levou ao
estabelecimento de uma institucionalidade que ao mesmo tempo em que procurava
impulsionar a industrialização, procurava, também, controlar e dirigir os movimentos da
sociedade. A política relativa aos deslocamentos populacionais, ao ser um importante
componente desse processo, expressou, assim, de forma clara, os elementos nele presentes. A
política relativa aos deslocamentos populacionais obedeceu aos princípios da planificação e
racionalização, expressou a nova visão de desenvolvimento, na qual havia o predomínio da
cidade sobre o campo e incorporou a preocupação estatal com o controle do território e da
sociedade nacionais.

A plena disponibilidade do mercado para a produção industrial brasileira impunha a


necessidade de manter a integridade territorial do país. Acreditava-se que essa integridade
corria sérios riscos em virtude da desnacionalização de partes expressivas do território
210

nacional por meio da fixação de colônias homogêneas de estrangeiros, pela existência de


vastos territórios intocados e desconectados da atividade econômica e pelo caráter autárquico
e localista do latifúndio exportador. A política relativa aos deslocamentos populacionais
esteve baseada, por isso, desde os seus primeiros momentos de elaboração, na preocupação
em manter a integridade territorial do país, por meio do povoamento nacional e da
incorporação produtiva das áreas vazias, utilizando-se para tal das pequenas propriedades de
caráter familiar.

Essas pequenas propriedades teriam ainda o mérito de permitir a produção de


matérias-primas e gêneros alimentícios para os centros urbanos em franca expansão e,
simultaneamente, ampliar o consumo de mercadorias urbanas. Tal situação seria alcançada
com a conversão dos pequenos proprietários para uma economia de mercado. À pequena
propriedade e ao processo de povoamento e de colonização do interior brasileiro foram
atribuídos, portanto, importantes funções: serviriam para favorecer a padronização das
relações sociais brasileiras, por meio da construção de um novo trabalhador do campo e,
simultaneamente, para iniciar um combate ao caráter autárquico do latifúndio localista e
exportador.

Ao se voltarem, também, à tarefa de integração e ampliação do mercado interno


brasileiro, as políticas relativas aos deslocamentos populacionais visavam também formar um
mercado de trabalho de dimensões verdadeiramente nacionais, tanto no campo quanto nas
cidades, no qual a força de trabalho pudesse ser recrutada internamente. Dessa maneira, as
regiões dinâmicas da economia nacional não teriam necessidade do recurso a trabalhadores
estrangeiros, que, por serem, muitas vezes, considerados como portadores de ideologias
internacionalistas ou, então, como representantes de interesses de firmas e governos
estrangeiros, eram considerados, também, como ameaças potenciais à harmonia social, à
integridade territorial e ao desenvolvimento brasileiro.

Os deslocamentos populacionais deveriam, dessa forma, ser o fator de fornecimento


de uma força de trabalho nacional que permitisse atender à nova situação da agricultura e às
novas relações de trabalho nela presentes e, ao mesmo tempo, favorecesse a formação de um
mercado de trabalho urbano mais elástico e condizente com o novo panorama e
desenvolvimento do país.

Podemos afirmar que o governo procurou aplicar vários desses propósitos no controle
e na direção dos movimentos populacionais. O governo permitiu e favoreceu a reintrodução e
a reorganização dos subsídios à atração de mão de obra para os centros mais dinâmicos da
211

economia. Ao facilitar o acesso, a seleção e o recrutamento de trabalhadores agrícolas fora


das fronteiras do Estado de São Paulo, favoreceu a sua agricultura no processo de
readequação frente às exigências do novo padrão de acumulação. Ao mesmo tempo, propiciou
a substituição dos trabalhadores e pequenos proprietários que se dirigiam às frentes pioneiras
do Norte do Paraná e daqueles que rumavam à capital paulista, que se encontrava em pleno
processo de crescimento urbano e industrial. Assim, a reintrodução dos mecanismos de
subsídios à atração de mão-de-obra também possibilitou a ampliação da oferta de
trabalhadores urbanos.

O governo também procurou utilizar as políticas colonizadoras como fator de


integração de novas regiões aos circuitos econômicos. Favoreceu tal prática por meio da
iniciativa particular onde a expectativa de lucratividade permitia e favorecia o investimento
privado: o caso exemplar dessa atitude é o norte do Paraná. Experimentou e tomou a iniciativa
colonizadora oficial onde o capital privado não se interessava ou era insuficiente. Este foi o
caso da proposta colonizadora articulada às CANs.

Essas alternativas colonizadoras, comandadas pelas iniciativas privadas ou estatais


expressaram um divisão do trabalho colonizador. Ao Estado coube, efetivamente, a tentativa
de por meio de políticas colonizadoras, acelerar a conexão de novas regiões aos circuitos
econômicos, regiões essas pouco atrativas à inversão privada. A ação colonizadora estatal foi,
pois, caudatária de vários dos elementos presentes na definição da política relativa aos
deslocamentos populacionais. O processo de colonização do Oeste foi pensado como uma
forma de integrar tal região à economia nacional a partir dos influxos que partiam de sua
região mais dinâmica, ou seja, o Centro-Sul industrializado. Assim, embora voltada a práticas
agrícola, a colonização do período procurava favorecer o desenvolvimento do novo padrão de
acumulação urbano-industrial.

A colonização oficial, consubstanciada pelas CANs, não apresentou os resultados


pretendidos. Serviu, porém, para galvanizar um sentimento nacionalista e permitir a expressão
ideológica que apresentava o Estado como construtor da nacionalidade. Além disso, e talvez
mais importante, a proposta de colonização do Oeste permitiu a percepção da necessidade de
efetiva integração do território nacional como aspecto imprescindível do desenvolvimento
industrial. Tal fato constituiu-se assim no estabelecimento das bases que permitiriam a
aceleração do processo de industrialização ocorrido no pós-Segunda Grande Guerra, embora,
a partir daí, em bases distintas do que havia sido planejado.
212

O governo também procurou construir um mercado de trabalho urbano condizente


com as novas necessidades e que também se baseasse nos princípios do organicismo social e,
por isso, na defesa da harmonia, hierarquia e do controle social. Isso se expressou na procura
da própria nacionalização desse mercado urbano de trabalho, por meio da diminuição da
influencia estrangeira, a partir de uma legislação restritiva. Somado a isso, o governo
procurou utilizar a legislação trabalhista como forma de atração, de construção e de controle
de um novo trabalhador urbano nacional que precisaria ser formado.

Dessa forma, este trabalho procurou demonstrar que o governo Vargas possuía uma
forte intencionalidade em se utilizar os deslocamentos populacionais como ferramenta
importante no deslanche de um novo padrão de acumulação no Brasil. Procurou, ainda,
mostrar que esses deslocamentos populacionais, ao permitirem a integração do mercado
nacional, criaram as bases para a entrada da economia brasileira numa longa fase expansiva.
Devido, entretanto, ao fato ter beneficiado a aceleração da acumulação do capital industrial
que se concentrava no Centro-Sul, tal processo acabou por gerar e ampliar fortes distorções e
desequilíbrios na sociedade brasileira.

Por ter colaborado para aprofundar a desigualdade regional no país; por ter
vislumbrado o trabalhador migrante apenas como um instrumento da construção de uma nova
territorialidade e como parte de um corpo social, que deveria manter-se coeso e harmônico, as
políticas relativas aos processos de deslocamento populacional, implementadas no primeiro
Governo Vargas favoreceram, sem dúvida, a criação de novas formas de controle e de
exploração social desses trabalhadores.

Assim, se, de um lado, a intencionalidade em estimular o desenvolvimento econômico,


por meio da integração do mercado interno possibilitou a entrada da economia brasileira numa
longa fase de crescimento e modernização; por outro, a maneira como tal processo se
encaminhou impediu que o problema da desigualdade social fosse efetivamente combatido.

As problemáticas dos desequilíbrios regionais e da desigualdade social brasileiras


ganharam uma intensidade ainda maior nos anos subseqüentes ao primeiro Governo Vargas,
quando a concentração do desenvolvimento ampliou-se de maneira desmedida.

Por isso, este trabalho também teve por objetivo o estabelecimento de uma
interlocução com a realidade brasileira contemporânea. Procurou, por meio da reflexão
histórica, reafirmar o principio de que um real e verdadeiro desenvolvimento deve basear-se
em nossas potencialidades internas, na defesa e na ampliação do mercado interno brasileiro.
213

Procurou, contudo, também reafirmar que o verdadeiro desenvolvimento não pode se desligar
dos aspectos sociais que lhes são correlatos. Este trabalho buscou, enfim, refletir também a
idéia de desenvolvimento econômico e apontar que ele não é um fim que se encerra em si
mesmo, mas, também, um meio para assegurar o alcance de conquistas sociais.
214

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222

ANEXOS
223

DECRETO 19482 - 12 DE DEZEMBRO DE 1930

ADVERTÊNCIA
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textos originais, publicados sem atualização ou consolidação, úteis apenas para pesquisa.

Senado Federal
Subsecretaria de Informações

DECRETO N. 19.482 - DE 12 DE DEZEMBRO DE 1930

Limita a entrada, no território nacional, de passageiros estrangeiros de terceira classe, dispõe sobre
a localização e amparo de trabalhadores nacionais, e dá outras providências

O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:

Considerando que as condições financeiras em que a revolução encontrou o Brasil reclamam medidas
de emergência, capazes de, melhorando a situação, permitir o prosseguimento da sua obra renovadora e
reconstrutiva;

Considerando que a situação econômica e a desorganização do trabalho reclamam a intervenção do


Estado em favor dos trabalhadores;

Considerando que uma das mais prementes preocupações da sociedade é a situação de desemprego
forçado de muitos trabalhadores, que, em grande número, afluiram para a Capital da República e para
outras cidades principais, no anseio de obter ocupação, criando sérios embaraços à pública administração,
que não tem meios prontos de acudir a tamanhas necessidades;

Considerando que somente a assistência pelo trabalho é recomendada para situações dessa natureza,
porquanto não vexa nem desmoraliza os socorros;

Considerando, tambem, que uma das causas do desemprego se encontra na entrada desordenada de
estrangeiros, que nem sempre trazem o concurso util de quaisquer capacidades, mas frequentemente
contribuem para aumento da desordem econômica e da insegurança social;

Considerando, ainda, que os recursos financeiros ordinários não permitem ao Governo praticar, por si
só, a aludida assistência;

Considerando, mais, que, se em qualquer regime político se impõe o respeito ao princípio da


solidariedade humana, corolário da interdependência de todos os membros de uma coletividade social,
com maior vigor esse respeito se impõe no regime democrático:

DECRETA:

Art. 1º Fica, pelo prazo de um ano, a contar de 1 de janeiro de 1931, limitada a entrada, no território
nacional, de passageiros estrangeiros de terceira classe.

Parágrafo único. As autoridades consulares só visarão os passaportes nas seguintes condições:


224

a) quando se tratar de estrangeiros domiciliados no Brasil, portadores de passaportes expedidos pelas


autoridades nele acreditadas;

b) quando se tratar de estrangeiros cuja vinda tiver sido solicitada pelos interventores federais ao
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por exclusiva necessidade dos serviços agrícolas ou
atendendo aos "bilhetes de chamada" emitidas por parentes a famílias de agricultores com colocação
certa;

c) quando se tratar de estrangeiros agricultores, constituidos em famílias regulares, ou artífices


introduzidos ou chamados por indivíduos, associações, empresas ou companhias, que safisfizerem a todos
os requisitos constantes do art. 6º, § 1º, do decreto número 16.761, de 31 de dezembro de 1924, e
respectiva portaria de 30 de junho de 1925.

Art. 2º Salvo o disposto no artigo anterior, a nenhum estrangeiro que pretenda, vindo para o Brasil,
nele permanecer por mais de 30 dias, será permitida a entrada sem provar que possue, no mínimo, quantia
correspondente, em moeda nacional, a dois e três contos de réis, tratando-se, respectivamente, de
indivíduos até doze anos e maiores de doze anos de idade.

§ 1º A condição de posses pecuniárias poderá ser satisfeita por fiança idônea.

§ 2º À chegada do navio, deverão os estrangeiros declarar desde logo, às autoridades policiais, o tempo
de sua permanência e os fins que os trouxeram a este país.

Art. 3º Todos os indivíduos, empresas, associações, companhias e firmas comerciais, que explorem, ou
não, concessões do Governo federal ou dos Governos estaduais e municipais, ou que, com esses Governos
contratem quaisquer fornecimentos, serviços ou obras, ficam obrigadas a demonstrar perante o Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, dentro do prazo de noventa dias, contados da data da publicação do
presente decreto, que ocupam, entre os seus empregados, de todas as categorias, dois terços, pelo menos,
de brasileiros natos.

Parágrafo único. Somente na falta, de brasileiros natos, e para serviços rigorosamente técnicos, a juizo
do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, poderá ser alterada aquela proporção, admitindo-se,
neste caso, brasileiros naturalizados, em primeiro lugar, e, depois, os estrangeiros.

Art. 4º Todos os desempregados, nacionais e estrangeiros, deverão apresentar-se nas delegacias de


recenseamento do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e, na falta destas, nas delegacias de
polícia, fazendo declarações acerca de sua identidade, profissão e residência, afim de serem tomadas as
medidas convenientes sobre sua ocupação, principalmente em serviços agrícolas.

§ 1º Os desempregados, nacionais ou estrangeiros, que, no prazo de noventa dias, contados da data


deste decreto, não tenham feito as declarações a que alude este artigo, obtendo o documento
comprobatório de sua apresentação àquelas delegacias, ficam sujeitos a processo por vadiagem, nos
termos das leis penais em vigor.

§ 2º Ficam sujeitos às penas de que trata o art. 8º os indivíduos que, já estando empregados, fizerem
declarações falsas, com o intuito de conseguir melhoria de colocação.

Art. 5º Fica instituido, durante o exercício de 1931, um imposto de emergência, sobre os vencimentos
de todos os funcionários da União, civís e militares, quer sejam titulados, comissionados, contratados,
mensalistas ou diaristas, na proporção de 1/2 % (meio por cento) para os vencimentos, gratificações,
mensalidades ou salários até 500$0; 1 % (um por cento) para os de mais de 500$0 até 1:000$0 e 2 % (dois
por cento) para os de 1:000$0 para cima.

§ 1º Não estão isentos do imposto os magistrados federais, de qualquer categoria.


225

§ 2º O desconto das importâncias relativas ao imposto será consignado nas folhas de pagamento.

Art. 6º O produto do imposto, mensalmente descontado em cada repartição pagadora, será depositado,
em fundo especial, no Tesouro Nacional, à disposição do Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio,
para ser empregado no serviço de localização de trabalhadores nacionais, em primeiro lugar, e de
estrangeiros já residentes no país; em segundo, na forma dos decretos ns. 9.081, de 3 de novembro, e
9.214, de 15 de dezembro de 1911, em quaisquer unidades da Federação, inclusive no Distrito Federal e
no Território do Acre.

Art. 7º Os auxílios até agora dados nos núcleos coloniais aos imigrantes agricultores passarão a ser
concedidos aos trabalhadores constituidos em família a que aludem os decretos ns. 9.081, de 3 de
novembro, e 9.214, de 15 de dezembro de 1911.

Parágrafo único. Esses auxílios são as seguintes:

a) alimentação gratuita, durante os três primeiros dias de chegada ao núcleo;

b) trabalhos e salário, ou empreitada, em obras ou serviços do núcleo, fazendo-se a distribuição dos


serviços de sorte que a cada adulto de uma família correspondam, pouco mais ou menos, a juizo da
administração, quinze dias de trabalbo por mês;

c) medicamentos e dieta gratuitamente, em caso de moléstia, durante o primeiro ano, a contar do dia
em que o imigrante chegar ao núcleo;

d) assistência médica gratuita, enquanto o núcleo não for emancipado;

e) plantas, sementes e as seguintes ferramentas de trabalho: pá, alvião, machado e foice;

f) transporte gratuito em estradas de ferro e companhias de navegação, até à última estação ou porto de
destino;

g) transportes da estação da via férrea, porto marítimo ou fluvial, até à sede do núcleo;

h) fornecimento, por empréstimo, de instrumentos e máquinas agrícolas, para serem utilizados durante
os primeiros seis meses.

Art. 8º Nos regulamentos que o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio expedir para a execução
das medidas constantes deste decreto serão estabelecidas multas de 2:000$0 a 20:000$0 e prisão até 30
dias, conforme a natureza da infração.

§ 1º Das penas impostas haverá recurso, sem efeito suspensivo, dentro do prazo de sessenta dias, para o
ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.

§ 2º Caso o pagamento das multas não se efetue amigavelmente, serão elas cobradas por executivo
fiscal.

§ 3º Os autos de infração, depois de julgados definitivamente, contra o infrator, constituem títulos de


dívida certa e líquida.

§ 4º O produto das multas será incorporado ao fundo especial a que se refere o art. 6º para que tenha a
aplicação alí prevista.
226

Art. 9º Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1930, 109º da Independência e 42º da República.

GETULIO VARGAS.

Lindolfo Collor.

J. F. de Assis Brasil.
227

ADVERTÊNCIA
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Senado Federal
Subsecretaria de Informações

DECRETO N. 24.215 - DE 9 DE MAIO DE 1934 (*)

Dispõe sôbre a entrada de estrangeiros em território nacional

O Chefe do Govêrno Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, na conformidade do art. 1º
do decreto número 19.398, de 11 de novembro de 1930; e

Considerando que ainda subsistem os motivos determinantes da expedição dos decretos ns. 19.482, de
12 de dezembro de 1930, 20.917, de 7 de janeiro de 1932, e 22.453, de 10 de fevereiro de 1933;

Considerando que tais decretos não constituíram legislação completa sôbre o assunto;

Considerando que, dada a grande extensão territorial do país, é de imprescindível necessidade o


povoamento de seu solo e conseqüente incremento da sua agricultura;

Considerando, por outro lado, que uma das mais prementes preocupações da sociedade é a situação de
desemprêgo forçado de muitos trabalhadores que, em grande número, afluíram para a Capital da
República e para outras cidades principais, na ânsia de obter ocupação, criando sérios embaraços à pública
administração, que não tem meios prontos de acudir a tamanhas necessidades;

Considerando, finalmente, que uma das causas do desemprêgo se encontra na entrada desordenada de
estrangeiros, que nem sempre trazem o concurso útil de quaisquer capacidades, mas freqüentemente
contribuem para o aumento da desordem econômica e da insegurança social;

Resolve:

Art. 1º A entrada de estrangeiros no Brasil regular-se-á pelas disposições da presente lei.

Art. 2º Não será permitida a entrada de estrangeiro imigrante, sem distinção de sexo, estando em
alguma das condições seguintes:

I - Aleijado ou mutilado, salvo si tiver íntegra a capacidade geral de trabalho, admitida, porém, uma
redução desta até vinte por cento, tomando-se por base o gráu médio da tabela de incapacidade
para indenização de acidentes no trabalho, verificada nos moldes dos dispositivos legais sôbre o assunto;

II - Cego ou surdo-mudo;

III - Atacado de afecção mental, nevrose ou enfermidade nervosa;

IV- Portador de enfermidade incurável ou contagiosa grave, como lepra, tuberculose, tracoma,
228

infecções venéreas e outras referidas nos regulamentos de saúde pública;

V - Toxicômano;

VI - Que apresente lesão orgânica com insuficiência funcional, verificada conforme preceitua a
legislação em vigor;

VII - Menor de 18 anos e maior de 60;

VIII - Cigano ou nômada;

IX - Que não prove o exercício de profissão lícita ou a posse de bens suficientes para se manter e às
pessoas que o acompanhem na sua dependência, feitas tais provas segundo os preceitos do regulamento
que será expedido para melhor execução da presente lei;

X - Analfabéto;

XI - Que se entregue á prostituïção, ou a explore, ou tenha costumes manifestamente imorais;

XII - De conduta manifestamente nociva à ordem pública ou á segurança nacional;

XIII - Já anteriormente expulso do Brasil, salvo si o ato de expulsão tiver sido revogado;

XIV - Condenado em outro país por crime de natureza que determine a sua extradição segundo a lei
brasileira.

§ 1º Para os efeitos da presente lei, considera-so imigrante todo estrangeiro que pretenda, vindo para o
Brasil, nêle permanecer por mais de trinta dias com o intuito da exercer a sua atividade em qualquer
profissão lícita e lucrativa que lhe assegure a subsistência própria e a dos que vivam sob sua dependência.

§ 2º A simples circunstância de viajar desacompanhada não constitue presunção de estar a estrangeira


compreendida na condição XI dêste artigo.

§ 3º A enumeração das condições constantes dêste artigo não exclue o reconhecimento de outras que se
verifique serem igualmente impeditivas da entrada de estrangeiro imigrante.

Art. 3º O desembarque de imigrantes por via marítima será permitido sómente pelos portos de Belém,
Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, São Francisco do Sul e Rio Grande e pelos que venham a ser
considerados, por fôrça de lei, portos de desembarque para imigrantes.

§ 1º A entrada de imigrantes por via terrestre, aérea ou fluvial será permitida pelos pontos de fronteiras
em que estiverem instaladas Inspetoria Federais de Imigração e seus postos de fiscalização, e obedecerá ás
mesmas exigências impostas á entrada por via marítima; mas aos nacionais dos países limítrofes que, por
essa fronteiras, queiram imigrar para o Brasil será permitida, mediante apresentação de carteira de
identidade, expedida por autoridade competente do país de origem, independentemente do "visto"
consular.

§ 2º A concessão de que trata a segunda parte do parágrafo anterior só vigorará no caso de aceitarem os
referidos países, para o mesmo fim, documento idêntico ou análogo, expedido por autoridades brasileiras.

§ 3º Nas estações de estrada de ferro e outros pontos de embarque, existentes nas fronteiras terrestres ou
fluviais, não é permitida a venda de bilhetes de passagem para o interior do país aos nacionais dos países
limítrofes que não tiverem o "visto" das Inspetorias Federais de Imigração lançado na respectiva carteira
de identidade.

Art. 4º Os consulados brasileiros no país ou na região de procedência do imigrante deverão verificar,


229

por todos os meios ao seu alcance, a autenticidade dos documentos exigidos no regulamento a que se
refere o art. 2º, condição IX, exigindo também o atestado de vacinação antivariólica, antes de visá-lo, de
modo que se torne mais fácil aos consulados dos pontos de embarque, a aposição do "visto" regulamentar
no respectivo passaporte.

Art. 5º O passaporte e demais documentos, devidamente visados, estabelecem a favor da seus


portadores a presunção de que se acham em condições de entrar no território nacional.

Art. 6º Não estão sujeito a fiscalização da Imigração, ficando subordinados apenas á da Saúde Pública e
da Polícia, os estrangeiros não imigrantes que se destinem ao Brasil.

Art. 7º O serviço de fiscalização de entrada e desembarque de estrangeiros em território nacional será


feito pelas autoridades sanitárias, policiais e imigratórias, conforme preceituar o regulamento a que se
refere a condição IX do art. 2º.

Art. 8º O transporte dos imigrantes agricultores constituídos, ou não, em famílias, por vias férreas e
marítimas, até ao ponto do destino, correrá por conta do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Art. 9º O transporte em estradas de ferro ou de rodagem, desde a estação da via férrea, pôrto marítimo
ou fluvial de desembarque, até ao núcleo colonial, ou localidade de destino, será facilitado pelos orgãos do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, si o núcleo estiver sob a administração federal, e à custa
dos Estados, emprêsa, associação ou interessados, em caso contrário.

Art. 10. Nenhuma empresa, associação ou companhia poderá promover a introdução de imigrantes no
país, sem prévia autorização do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, de conformidade com o
regulamento a que se refere a condição IX do art. 2º.

Art. 11. Qualquer estrangeiro que entre em território brasileiro, e não possua os documentos exigidos
pela presente lei e respectivo regulamento, será considerado clandestino.

Parágrafo único. Os clandestinos são passíveis de expulsão e serão processados de acôrdo com o
regulamento e as disposições penais em vigor.

Art. 12. Fica o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio autorizado a providenciar acêrca da
tradução da presente lei e respectivo regulamento nas línguas estrangeiras de maior divulgação, conforme
convier à administração pública.

Art. 13. O presente decreto entrará em vigor na data da sua publicação.

Art. 14. Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 9 de maio de 1934, 113º da Independência e 46º da República.

GETULIO VARGAS.

Joaquim Pedro Salgado Filho.

Felix de Barros Cavalcanti de Lacerda.

Francisco Antunes Maciel.

______________

(*) Decreto n. 24.215, de 9 de maio de 1934. - Retificação publicada no Diario Oficial de 4 de agosto de
1934:
230

Art. 3º, § 1º - Em vez de - Inspetoria - leia-se- Inspetorias.

Art. 6º - Onde se lê - sujeito a - diga-se - sujeitos á.

Art. 9º - Em vez de - sua - leia-se - a - e em vez de - direta - leia-se - federal.


231

ADVERTÊNCIA
Informamos que os textos das normas deste sítio são digitados ou digitalizados, não sendo, portanto, "textos oficiais". São reproduções digitais de
textos originais, publicados sem atualização ou consolidação, úteis apenas para pesquisa.

Senado Federal
Subsecretaria de Informações

DECRETO N. 24.258 - DE 16 de MAIO DE 1934

Aprova o regulamento da entrada de estrangeiros em território nacional

O chefe do Govêrno Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, de acôrdo com o art. 1º do
decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, e para melhor execução do de n. 24.215, de 9 de maio de
1934,

decreta:

Art. 1º Fica aprovado o regulamento que a êste acompanha, da entrada de estrangeiros em território
nacional, pelo Ministro de Estado dos Negócios do Trabalho, Indústria e Comércio.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 16 de maio de 1934, 113º da Independência e 46º da República.

Getulio Vargas

Joaquim Pedro Salgado Filho.

Oawaldo Aranha.

Francisco Antunes Maciel.

Felix de Barros Cavalcanti de Lacerda.

Regulamento da entrada de estrangeiros em território nacional, a que se refere o


decreto n. 24.258, de 16 de maio da 1934

CAPÍTULO I

DA ENTRADA DE ESTRANGEIROS IMIGRANTES

Art. 1º Para os efeitos do presente regulamento, considera-se imigrante todo estrangeiro que pretenda,
vindo para o Brasil, nêle permanecer por mais de trinta dias, com o intuito de exercer a sua atividade em
qualquer profissão lícita e, lucrativa que lhe assegure a subsistência própria a dos que vivam sob sua
dependência.
232

Parágrafo único. Os imigrantes dividem-se em duas categorias: agricultores e não agricultores.

Art. 2º Os imigrantes agricultores ou jornaleiros rurais. constituídos, ou não, em famílias, só poderão


entrar em território nacional si, além de não se acharem compreendidos em algum dos incisos do art. 2º do
decreto n. 24.215, de maio de 1934, estiverem incluídos em qualquer das hipóteses, seguintes :

I - Quando sua vinda tiver sido solicitada pelos Governos Estaduais ao Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, para atender à exclusiva necessidade de serviços agrícolas.

II - Quando contratados por qualquer sociedade, emprêsa, associação ou proprietário de terras incultas,
sempre que seja provada, em relação às pessoas assim contratadas :

a) a existência de contrato de locação de serviços agricolas, para localidades certas e determinadas do


território nacional, onde devam ir exercer suas atividades, pelo prazo minimo de três anos;

b) si constituídos em familias, a existência de duas pessoas, no mínimo, maiores de 12 anos e menores


de 60, aptas para o trabalho agricola.

III - Quando venham a chamado de agricultor já domiciliado no país, semrpre que seja provado :

a) em relação aos imigrantes, a existencia de contrato de locação de serviços agrícolas, no local de


domicílio da pessoa que os chame, pelo prazo minimo de um ano;

b) em relação à pessoa que os chama, a efetividade, sua profiessão e uma situação que permita
responder, em qualquer eventualidede, pelo repatriamento dos imigrantes que chamou;

c) si constituídos em famílias, a existência, no mínimo,de duas pessoas, maiores de 12 anos e menores


de 60, aptas para o trabalho agrícola.

Art. 3º Os imigrantes não agricultores, constituídos, ou não, em famílias, só poderão entrar em território
nacional si, além de não estarem compreendidos em algum dos incisos

Art. 4º A entrada de imigrantes no território nacional deverá preceder, obrigatoriamente, o processo de


"cartas de chamada", emitidas na forma dos arts. 9 a 13 do presente regulamento.

CAPÍTULO II

A ENTRADA DE ESTRANGEIROS NÃO IMIGRANTES

Art. 5º São considerados estrangeiros não imigrantes, para os efeitos do presente regulamento, todos
aquêles que não estiverem compreendidos nas disposições do art. 2º, § 1º', do decreto n. 24.215, de 9 de
maio de 1934, e do art. dêste regulamento.

Art. 6º Os estrangeiros não imigrantes só poderão entrar em território nacional si, além de não estarem
incluídos em algum dos incisos III, IV, V, VIII, XI, XII, XIII e XIV do art. 2º do decreto n. 24.215, de 9
de maio de 1933, preecherem as condições dos incisos I, e suas alíneas a ou b, e II do art. 3º dêste
regulamento.

Art. 7º À entrada de estrangeiros não imigrantes no território nacional deverá preceder o processo de
"cartas de chamada", emitidas na forma do art. 14, e seus parágrafos, dêste regulamento.

Art. 8º Estão excetuados do processo de "cartas de chamada" de que trata o capítulo III os seguintes
estrangeiros não imigrantes :

a) funcionários ou agentes diplomáticos ou consulares de Govêrno Estrangeiro, bem como os membros


233

de sua família;

b) domésticos a serviço das pessõas a que se refere a alínea anterior, desde que satisfaçam as exigências
do art. 23;

c) turistas, excursionistas, peregrinos, estrangeiros que venham a passeio, jornalistas, esportistas,


enxadristas, jogadores de bilhar e congêneres desde que satisfaçam as exigências constantes do art. 24, e
seus parágrafos 1º e 2º;

d) membros de congregações religiosas, missionários e sacerdotes, desde que satisfaçam as exigências


do art. 25; preliminarmente, por si ou por intermédio de seus representantes legais nos Estados, resolverá
acérca da conveniêcia, ou não, da sua vida.

e) estrangeiros não imigrantes que procurem o nosso pais para fins de estudo, ensino, cultura científica,
literária ou artística, desde que satisfaçam as exigências do art. 26 ou do seu parágrafo único;

f) estrangeiros não imigrantes que vierem, temporàriamente, em viagem de negócios, ou como


representantes de firmas comerciais estrangeiras, pelo prazo máximo de seis meses, contados da data do
desembarque, uma vez satisfeitas as exigências do art. 27;

g) estrangeiros não imigrantes, e em trânsito, desembarcados para prosseguir viagem mais tarde, uma
vez satisfeitas as exigências do art. 28;

h) estranseiros não imigrantes que procurem o país para nêle aplicar capitais, desde que preencham as
exigèncias do art. 29.

Parágrafo único. Estão isentos de certas formalidades, embora não excetuados do processo de "cartas de
chamada", os estrangeiros não imigrantes que sejam artistas teatrais, concertistas, conferencistas,
circenses, pugilistas, lutadores, pelotários, ilusionistas e outros congêneres, desde que satiafaçam as
exigências do art. 30.

§ 1º Aceita a proposta, o interessado, emprêsa ou companhia deverá, perante a repartição referida nêste
artigo ou seus representantes legais nos Estados, declarar o número nacionalidade dos imigrantes e o
número de famílias por êles formadas e de pessoas avulsas que as acompanhem, e, bem as sim, satisfazer
as prescrições seguintes :

a) provar que se acha autorizada a funcionar no Brasil devidamente registada, tratando-se de companhia
ou sociedade anônima, de associação ou carporação qualquer;

b) indicar localidades a que se destinam os imigrantes;

c) especificar os trabalhos que aos imigrantes são oferecidos e as vantagens e obrigações recíprocas, nos
têrmos do inciso II, alinea a, do art. 2º;

d) provar que dispõe de recursos que lhe garantam levar a bom têrmo a introdução dos imigrantes;

e) exibir prova de propriedade, planta e localização das respectivas terras, tratando-se de proprietário de
terras incultas.

§ 2º Preenchidas as formalidades previstas nêste artigo e seu § 1º a repartição a que os mesmos se


referem, por si ai por intermédio de seus representantes legais nos Estados, lavrará, em livro próprio, um
têrmo de responsabilidade global, que será assinado pelo interessado, emprêsa ou companhia, em garantia
dos imigrantes agricultores para cuja introdução houver sido requerido licença, e do qual,
obrigatòriamente constará :
234

a) o nome do interessado, emprêsa ou companhia requerente;

b) número dos imigrantes que pretenda introduzir;

c) as nacionalidades dêsses imgrantes;

d) as localidades a que êles se destinam;

e) a responsabilidade do ínteressado, emprêsa ou companhia requerente pela manutenção e


repatriamento, caso os imgrantes venham a ficar desocupados ou infrinjam quaisquer dispositivos legais,
conforme preceituam os arts. 40 a 47.

§ 3º Do têrmo de responsabilídade a que se refere o parágrafo anterior será extraída, em duas vias, uma
certidão, assinada pela autoridade competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
entregando-se a primeira via ao requerente, para ser apresentada á autoridade consular, que, á vista dêsses
documentos e preechidas as demais formalidadss legais, visará os respectivos passaportes, e enviando-se a
segunda Chefatura de Polícia do Estado em que estiver situado o ponto de desembarque.

§ 4º A autoridade policial competente, de posse da segunda via da certidão de que trata o parágrafo
anterior, procederá na

CAPÍULO III

DOS PROCESSOS DE "CARTAS DE CHAMADA"

Art. 9º É de exclusiva competência do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio promover a


introdução de imigrantes agrícolas, nos têrmos do inciso I do art. 2.º dêste regulamento, em território
nacional.

§ 1º Pelos seus órgãos autorizados, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio obterá a relação dos
imigrantes agricultores e respectivas familias que deverão embarcar, e enviará uma via dessa relação à
autoridade consular brasileira da região de procedência e outra ao Chefe de Polícia do Estado onde se dará
o desembarque, comunicando a êste, ao mesmo tempo, as localidades de destino.

§ 2º A autoridade consular brasileira, de posse da relação a que se refere o parágrafo anterior, agirá de
acôrdo com o que preceitua o art. 4º do decreto n. 24.215, de 9 de maio de 1934, sendo visados os
passaportes dos imigrantes pela autoridade consular brasileira do ponto de embarque, na forma das leis em
vigor.

§ 3º A policia do local de desembarque, de posse da relação e da comunicação relativa ao destino dos


imigrantes, auxiliará as autoridades imigratórias na fiscalização, prestando-lhes todo o concurso
necessário ao perfeito encaminhamento dos imigrantes ao local de destino.

Art. 10 As propostas de introdução em território brasileiro de imigrantes agricultores, nos têrmos do


inciso II do art. 2º dêste regulamento, serão feitas, pelos interessados, emprêsas ou companhias,
diretamente á repartição competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que, art. 2º do
decreto n. 24.215, de 9 de maio de 1934, prencherem as seguintes condições :

I - Possuir meios de subsistência para sua manutenção, provada a posse na conformidade do art. 21, e
seu § 1º, do presente regulamento e arbitrada a importancia em :

a) 2:000$ (dois contos de réis), em moeda nacional, para os menores de 12 anos de idade; e,

b) 3:000$ (três contos de réis), em moeda nacional, para os maiores de 12 anos.

II - Apresentar; além da prova do inciso I, pessôa idônea , que, mediante tèrmo, assinado perante a
235

autoridade policial , competente, se responsabilize, durante cinco anos, pela sua , conduta, manutenção e
repatriamento (modelo n, 1 anexo).

forma do § 3º do art, 9º .

Art. 11. Os imigrantes agricultores introduzidos no país, conforme o artigo anterior, que procurarem, de
qualquer modo burlar o presente decreto e seu regulamento serão considerados clandestinos, podendo-se-
lhes aplicar a lei de expulsão .

Art. 12. Os pedidos de introdução em território brasileiro de imigrantes agricultores nos têrmos do
inciso III do art. 2º serão feitos, pelos interessados, ao Chefe de Policia, no Distrito Federal e nas capitais
dos Estados, e á autoridade policial local, no interior dos Estados.

§ 1º O interessado instruirá sua petição :

a) com a prova de terem sido satisfeitas as exigências das alíneas a, b e c do inciso III do art. 2º;

b) com prova de que reside na localidade há mais de dois anos e está ocupado em mistéres agricolas.

§ 2º Nos Estados, a autoridade policial local remeterá o processo e o têrmo de responsabilidade, de que
tratam os parágrafos 2º e 3º do art. 10 ao respectivo Chefe de Polícia ou á autoridade por êle designada,
para decisão final.

§ 3º Deferido o pedido, expedir-se-á, em três vias, uma autorização de livre embarque e desembarque,
assinada pelo Chefe de Polícia ou autoridade por êle designada, contendo especificadamente (modêlo n. 2
anéxo) :

a) a qualificação de ambas as partes;

b) a relação dos documentos constantes do processo;

c) a transcrição do tèrmo de responsabilidade;

d) o ponto de desembarque dos imigrantes.

§ 4º A primeira e terceira vias da autorização de livre embarque e desembarque serão remetidas, pela
Chefatura de Polícia que a expedir, á repartição a que se refere o art. 10 ou seus representantes legais nos
Estados, afim de que, guardando em seu poder a terceira via, aponha seu "visto" na primeira.

I - A repartição a que se refere o art. 10 e seus representantes legais nos Estados poderão recusar o
"visto" a que alúde o presente parágrafo, devendo, porém, nêste caso, declarar expressamente no
documento o motivo da recusa.

,II - A primeira via, em qualquer caso, deverá ser de volvida á Chefatura de Poícia expedidora, para
ulterior entrega á parte interesada.

III - A segunda via será remetida, dirètamente, pela Chefatura de Polícia á delegacia de origem, derpois
de observadas as formalidades previstas neste parágrafo.

Art. 13 Os pedidos de introdução, em territóriò brasileiro, de imigrantes não agricultores, nos têrmos do
art. 3º dêste regulamento, serão feitos pelos interessados ao Chefe de Policia, na Distrito Federal e nas
capitais dos Estados e á autoridade policial local, no interior dos Estados.

§ 1º O interessado deverá instruir sua petição com documentos que provem :

a) sua qualidade de ascendente, descendente, ou das pessôas por êle chamadas, que poderão vir
236

acompanhadas das respectivas familias, constituidas estas pelo cônjuge e filhos do casal;

b) sua capacidade econômica;

c) o motivo da chamada;

d) sua identidade e boa conduta;

e) a satiafação das exigêcias contidas nos incisos I e do art. 3º, na forma da art, 21, seus parágrafos e
alíneas, relação a tôdas as pessôas chamadas, sem exceção;

§ 2º O processo de "cartas de chamada" seguirá exatamente as normas fixadas nos §§ 2º a 4º do art. 12.

§ 3º Tratando-se de técnicos contratados, ficam os introdutores dispensados da prova da alinea a do § 1º


dêste artigo, que será substituída pela da existência de contrato de locação de serviços por tempo
determinado.

§ 4º A permanência, no pais, dos estrangeiros a que alúde o parágrafo anterior não poderá exceder do
prazo estipulado no contrato, que poderá, entretanto, ser prorrogado, dêsde que se comunique essa
prorrogação á autoridade policial competente.

Art. 14 Os pedidos de introdução, em território brasileiro, de estrangeiros não imigrantes, a que se


refere o artigo 7º dêste regulamento, serão feitos pelos interessados ao chefe de Polícia, no Distrito
Federal ou nas capitais dos Estados, e á autoridade policial local, no interior dos Estados.

§ 1º Na sua petição deverá o interessado provar :

a) seu parentesco com os estrangeiros por êle chamados (ascendentes ou descendentes, irmãos, tios ou
sobrinhos) ;

b) sua capacidade econômica;

c) o motivo justificado da chamada;

d) sua identitade e bôa conduta;

e) a satisfação das exigências contidas no inciso I do art. 3º;

f) a satisfação da exigência constante do inciso II do art 3º.

§ 2º Estão isentos da apresentação da prova da alínea e do parágrafo anterior os cônjuges, filhos


menores, mãe viúva e filhas solteiras maiores da pessôa que chama, provado quanto ás filhas solteiras
maiores, que estas vivem sob a proteção paterna.

§ 3º Os estrangeiros radicados no país, por serem casados com brasileiras, ou terem filhos brasileiros ou
bens imóveis no Brasil, e aqueles que durante cinco anos ininterruptos tenham residido no Brasil, sem
nota que os desabone, serão, uma vez aprovada essa qualidade, dispensados das provas a que se refere o §
1º, alíneas a, b, c e e.

§ 4º Tratando-se de noivos, será dispensada apenas a prova de parentesco, constando do têrmo de


responsabilidade a declaração de que a noiva se hospedará, até à data do casamento, em casa de família
idônea, e que o enlace se realizará ao ponto máximo de trinta diais, contados da data do desembarque.

§ 5º O processo das "cartas de chamada" será o mesmo de que tratam os §§ 2º a 4º do art. 12,
diversificando, porém, quanto ao têrmo de livre embarque e desambarque, que será, extraído apenas em
duas vias, excluídas a remessa da terceira via e ao Ministério do Trabalho e a obrigatoriedade do
237

respectivo "visto" na primeira via.

§ 6º Em se tratando de estrangeiros incluídos no parágrafo única do art. 8º, o processo de "cartas de


chamada" obedecerá ao disposto no parágrafo anterior, ficando o introdutor dispensado da exibição das
provas exigidas nas alíneas a e e do § 1º do art. 14, mas abrigado a apresentar :

1º, certidão ou pública-forma do contrato de locação de serviços artísticos;

2º; documento comprobativo de que é empresário legalmente constituído.

Art. 7 A permanência de estrangeiros nas condiçõe do parágrafo anterior não poderá exceder do prazo
estabelecido nos contratos de locação de serviços artísticos, que poderão ser renovados, comunicada,
porém, a renovação á autoridade policial competente.

Art. 15. Os pedidos de autorização de livre embarque e desembarque, nos têrmos dos arts. 12 a 14,
deverão sempre concernir a uma só pessoa, salvo em se tratando de cônjuge e filhos da pessoa chamada.

CAPÍTULO IV

DAS PROVAS E DOCUMENTOS

Art. 16 Tratando-se de imigrantes agricultores introduzidos na conformidade do inciso II do art. 2º,


observar-se-ão, quanto à produção de provas, as disposições seguintes :

I. A prova a que se refere a alínea b do inciso II do artigo 2º será feita, perante a autoridade consular
brasileira na região de procedência, mediante atestado médico, na conformidade do art. 74 do
Regulamento de Passaportes, e, quando os imigrantes estiverem constituídos em famílias, por certidão de
idade dos respectivos membros aptos para o trabalho agricola.

II. A prova exigida pela alínea a, do § 1º do art. 10 será feita mediante a apresentação das seguintes
documentos: certidão do registro da emprêsa ou companhia requerente, certidão de so achar quite do
pagamentos dos respectivos impostos, certidão ou pública-forma do ato governamental que a autorizou a
funcionar e atestado, fornecido pela autoridade local, de que está em pleno funcionamento.

III. A prova a que se refere a alínea c do § 1º do art. 10 será feita mediante a apresentação de
instrumentos de contrato dè locação de serviços agrícolas para localidade certa e deteiminada do território
nacional onde devam os imigrantes exercer suas atividades pelo prazo mínimo de três anos, celebrado
entre o interessado, companhia ou emprêsa e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

IV. A prova exigida pelas alíneas b, c e d será produzida da, maneira indicada no inciso anterior.

V. A exigência contida na alínea e do § 1º do art. 10 será satisfeito por meio de documento hábil que
prove domínio e posse da propriedade, planta a localízação das terras, pelas formas legais.

§ 4º A guia para o resgate do valor de saque emitido a favor de menores será expedida à vista de
documentos que provem :

a) a idade do menor;

b) achar-se êle matriculado em qualquer estabelecimento de ensino federal ou estadual;

c) si maior de 14 anos e não matriculado seguado a alínea anterior, estar exercendo um emprêgo ou
ofício, prova que será feita mediante apresentação da caderneta de férias, ou pelo modo que a legielação
estabelecer;
238

d) sua boa conduta.

§ 5º Tratando-se de obtenção de guia para o resgate do valor de saque de imigrante maior de 65 anos,
deverá êste provar que vive exclusivamente a expensas do fiador, além de apresentar os documentos
exigidos pelas alineas a, c e d do § 2º dêste artigo.

§ 6º Nenhuma emprêsa de navegação efetuará a venda de passagens a imigrantes sem que nos
passaportes dêstes constem as anotações relativas ao saque a que se refere o § 1º dêste artigo, devidamente
feitas pelo consulado que os visar.

Art. 22. Os estrangeiros a que se refere o art. 8º, alínea a, do presente regulamento, provarão sua
condição pela simples apresentação do passaporte diplomático.

Art. 23. Os estrangeiros a que se refere o art. 8º, alínea b, deverão apresentar uma declaração escrita da
autoridade a cujo serviço se acham, responsabilizando-se por sua manutenção enquanto estiverem em
território brasileiro e pelo seu repatriamento no caso de virem a ser dispensados do serviço.

Art. 24 Os estrangeiros a que se refere a alínea c do artigo 8º, para a obtenção do "visto" no seu
passaporte, deverão apresentar à autoridade consular brasileira, no ponto de embarque, qualquer dos
seguintes documentos :

a) titulo comprobatório de que é comerciante estabelecido;

b) carta de banco declarando ser correntista e pessoa idônea, conhecida da respectiva gerência ou
diretoria;

c) carta de apresentação ou recomendação de qualquer entidade oficial de turismo, tais como Touring
Clubs, Automóve1 Clubs, Rotary Clubs, e associações congêneres;

d) carta oficial do jornal ou agremiação a que pertencerem, da qual constará, sem prejuízo do disposto
no § 1º dêste artigo, a qualidade e o fim a que vêm ao Brasil, e que substituirá o documento da alínea c,
quando se tratar de jornalistas, esportistas, enxadristas, jogador de bilhar e congêneres.

§ 1º Os documentos enumerados neste artigo devem declarar expressamente que a viagem do seu
portador ao Brasil tem o carater atribuído a alguma das classes previstas na, alínea c do art. 8º.

§ 2º A permanência, no Brasil, dos estrangeiros a que se refere a alínea c do art. 8º não deverá exceder
de noventa dias, contados da data do respectivo desembarque, podendo êsse prazo, entretanto, ser
prorrogado por periado igual, pela

Art. 17 A prova de parentesco será feita por meio de documentos oficiais, dos quais se possa inferir,
categoricamente, o parentesco alegado.

Art. 18 O requisito de capacidade econômica, no qual se compreendem as exigências contidas nas


alíneas b do inciso IIl do art. 2º, do § 1º do art. 14 e do § 2º do art. 21, será satisfeito mediante a
apresentação de documento hábil em que fique provada a renda ou funções exercidas pelo interessado.

Art. 19 A prova de identidade, em qualquer caso, será feita mediante a apresentação de carteira de
identidade ou profissional, brasileira, civil ou militar.

Art. 20 A boa conduta será provada mediante a apresentação de qualquer dos seguintes documentos :

a. folha corrida ou atestado de bons antecedentes;


b. atestado firmado por dois negociantes idôneos da localidade.

Art. 21 A prova de posse, exigida pelo inciso I do artigo 3º e pela alínea e do § 1º da art. 13 será
239

produzida com observância das disposições; contidas neste artigo.

§ 1º O estrangeiro deverá exibir à autoridade consular brasileira do ponto de embarque, por ocasião da
aposição do "visto" no respectivo passaporte, um saque, de caráter nominal, da quantia correspondente à
sua pessoa, emitido em duas vias, por estabelecimento bancário local, sôbre estabelecimento bancário no
Brasil,

I. Por ocasião do desembarque, a autoridade imigrátoria aporá, ao saque de que trata êste parágrafo, o
carimbo de "Resgate Condiciona!" estampado no modêlo anexo número 3.

II. É condição imprescindivel, para o resgate do valor do saque, a apresentação de uma guia, conforme o
modêlo anexo n. 5, expedida pela autoridade policial.

III. A autoridade imigratória comunicará ao estabelecimento bancário sacado a data do dessebargue do


estrangeiro proprietário do saque, para os efeitos da contagem do prazo a que se refere o § 1º do art. 40.

IV. O valor do saque será resgatado pessoalmente, ou pelo rapresentante legal do seu proprietário, em
caso de incapacidade civil.

§ 2º As condições de obtenção da guia a que se refere o inciso II do parágrafo anterior consistem na


apresentação, pelo estrangeiro imigrante, de :

a) carteira de identidade ou profissional, brasileira, civil ou militar;

b) Prova de renda e colocação;

c) prova de boa conduta;

d) prova de domicilio e residência;

e) passaporte e documentos que dêle façam parte integrante.

§ 3º Tratando-se do caso de noiva, previsto no § 4º do art. 14, serão exigidas as provas das alíneas a, c e
d do parágrafo anterior, sendo a da alínea b substituída pela apresentação obrigatória da certidão de
casamento. autoridade policial competente, que, mediante a apresentação documento de que trata êste
artigo, fará, no passaporte, assinando-a, a declaração: "Prorrogado por .......... dias".

Art. 25 Os estrangeiros compreendidos na alínea d do art 8º deverão apresentar à autoridade consultar


do ponto de embarque :

a) uma declaração do superior da ordem a que pertençam, da qual conste o motivo expresso da sua
vinda ao Brasil, si forem membros de congregação religiosa on missionários;

b) uma declaração, firmada por autoridade eclesiástica brasileira, da religião ou seita a que pertençam,
autorizando-os a vir exercer seu ministério em diocese ou província eclesiástica determinada do território
nacional, si forem sacerdotes.

Art. 26. Os estrangeiros compreendidos na alínea e do art. 8º deverão assinar, no consulado do ponto de
embarque, uma declaração, da qual conste o motivo a que vêm ao Brasil e o compromisso de exibir à
autoridade policial competente, no prazo de quinze dias, contados da data do desembarque, em documento
em que se confirme a sua declaração anterior, assinado pelo diretor da instituição a que vierem
recomendados.

Parágrafo único. Os estrangeiros, não imigrantes, que venham ao Brasil para organizar ou realizar
expedições ou excursões científicas pelo interior do país deverão satisfazer as exigências dêste decreto,
como incluídos na alínea e do art. 8º, e observar, para consecução do seu. objetivo, os dispositivos do
240

decreto n. 22.698, de 11 de maio de 1933.

Art. 27 Os estrangeiros compreendidos na alínea f do art. 8º deverão apresentar a autoridade consular


do ponto de embarque, se vierem em viagem de negócios, documentos hábeis que provem sua qualidade
de comerciantes, industriais, banqueiros ou de interessados em realizações concernentes aos ramos de
atividade dessas classes.

Art. 28 Os estrangeiros compreendidos na alínea a do art. 8º deverão apresentar, para o "visto" do


Consulado brasileiro no ponto de embarque, o passaporte já visado pela autoridade consular do país a que
se destinam.

Art. 29 Os estrangeiros compreendidos na alínea h, do art. 8º deverão provar à autoridade consular do


ponto de embarque, por meio de título de crédito, a transferência, para estabelecimentos bancários no
Brasil, dos capitais que desejarem empregar no país.

Art. 30 Os estrangeiros compreendidos no parágrafo único do art. 8º deverão apresentar à autoridade


consular brasileira do ponto de embarque uma autorização de livre desembarque, processada nos tèrmos
do § 6º do art. 14.

Art. 31 Os documentos que êste regulamento exige e forem apresentados às autoridades consulares
brasileiras nos pontos de embarque, serão por elas visados nos têrmos do art. 69 do Regulamento de
Passaportes, e entrêgues às partes, afim de serem oportunamente exibidos.

1º Farão parte integrante do passaporte os documentos a que alude êste artigo, devendo ser apresentados
às autoridades policiais competentes sempre que forem exigidos.

§ 2º Excetua-se do parágrafo anterior, a primeira via da autorização de livre embarque o desembarque,


quando se tratar de estrangeiros que a tenham recebido, de conformidade com o que preceituam o § 4º do
art. 12, o § 2º do art. 13 e o § 5º do art. 14, caso em que será arrecadada pelas autoridades policiais do
ponto de desembarque e por elas enviadas à autoridade policial que a. houver expedido, para servir de
prova no desembarque do estrangeiro chamado.

§ 3º Na fôlha de identificação, emitida pela autoridade do lugar de procedência, serão mencionados os


documentos que o estrangeiro deverá apresentar no ato do desembarque.

Art. 32 Os documentas apresentados no Brasil, para se obter uma autorização de livre embarque e
desembarque de estrangeiros devem estar revestidos de tôdas as formalidades legais, e acompanhados de
traducção, feita por intérprete comercial brasileiro, os que não forem escritos no idioma nacional.

Art. 33 No passaporte do estrangeiro, em todos os casos previstos no art. 8º, a autoridade consular
brasileira lancará o "visto" e aporá o carimbo estampado no modêlo anexo n. 4.

CAPÍTULO V

Art. 34. Os comandantes de vapores procedentes de qualquer pôrto estrangeiro ficam obrigados a
entregar cada uma das autoridades de visita a bordo, logo que o navio tenha fundeado, uma lista
organizada, segundo os modêlos anexos, ns. 6 a 8, contendo os nomes e prenomes, de todos os
passageiros que forem desembarcar no respectivo pôrto, seu sexo, idade, nacionalidade, profissão, grau de
parentesco com o chefe de familia que porventura acompanhem, religião, grau de instrução, localidade, e
país de sua última residência, pôrto de procedência e lugar de, destino, assim como a lista dos passageiros
em trânsito, de todas os classes.

§ 1º 4 lista destinada às autoridades policiais marítimas conterá três colunas de observações,


obedecendo ao modêlo anexo n 8.

§ 2º Além das listas a que se refere êste artigo, deverão os comandantes de navios apresentar às
autoridades policiais a lista nominal dos respectivos tripulantes, cujo número será declarado, por extenso,
241

pela autoridade consular brasileira, ao lançar-lhe o "visto", não podendo dela constar, em hipótese alguma,
nomes de pessoas estranhas à tripulação.

Art. 35. Às autoridades sanitárias incumbe verificar, na ocasião do desembarque de estrangeiros


compreendidos no presente regulamento, se os mesmos estão em alguma das condições constantes dos
incisos I a VI do art. 2º do decreto n. 24.215, de 9 de maio de 1934, e se possuem o atestado de vacinação
antivarió1ica, visado pela Consulado brasileiro competente, consoante o art. 4º do referido decreto.

Parágrafo único. Estando o estrangeiro em algumas das condições referidas neste artigo, farão as
autoridades sanitárias as declarações necessárias, ao lado do respectivo nome, tanto na lista de
passageiros, que fica em seu poder, como na primeira coluna de observações da lista destinada à
autoridade policial, a que se refere o § 1º do artigo anterior, lançando em ambas seu "visto".

Art. 36. As autoridades imigratórias verificarão, entre os estrangeiros a desembarcar, e pelo exame dos
documentos que trouxerem, quais os que se encontram nas condições das alíneas I e II do art. 2º dêste
regulamento, e lhes darão o destino conveniente, depois de fazê-los identificar.

§ 1º As anotações relativas aos serviços imigratórios, serão feitas, tanto na lista que ficar em poder das
respectivas autoridade, como na segunda coluna de observações da que se destina às autoridades policiais,
já visada pelas autoridades sanitárias, sendo esta última, depois de receber aquelas anotações, igualmente
visada pelas autoridades imigratórias, que a entregarão às autoridades policiais marítimas.

§ 2º A ficha de identificação será feita em duplicata e uma das vias se remeterá à Chefatura de Polícia
do Estado em que estiver situada a localidade ou núcleo colonial a que se destinem os imigrantes, afim de
que ela verifique, oportunamente, se se acham efetivamente localizados no ponto do seu destino,
cumprindo à mesma Chefatura comunicar, imediatamente à repartição competente do Ministério do
Trabalho. Indústria e Comércio, qualquer infração verificada, depois de tomar as providências exigíveis
no caso, de acôrdo com o presente; regulamento.

§ 3º O serviço de fiscalização do desembarque de estrangeiros e o de identificação de imigrantes, de que


trata êste artigo e seus parágrafos, competem, nos Estados, às inspetorias federais de imigração.

§ 4º Enquanto não estiver organizado o serviço de identificação a cargo das inspetorias federais de
imigração, a que se refere o parágrafo anterior; caberá ao Chefe de Polícia do Estado em que
desembarcarem os imigrantes destacar, para executá-lo junto às referidas inspetorias, funcionários do
respectivo gabinete de identificação.

§ 5º Nenhum imigrante poderá desembarcar sem que o respectivo passaporte tenha recebido o "visto"
das autoridades imigratórias de serviço a bordo, sendo indispensável essa formalidade para a retirada de
sua bagagem das repartições aduaneiras.

Art. 37. As autoridades policiais marítimas, de posse da lista visada pelas autoridades sanitárias o
imigratórias, tornarão efetivos os impedimentos nela, porventura, registados por essoutras autoridades.

§ 1º Os documentos dos estrangeiros incluídos no inciso III do art. 2º e no art. 3º serão examinados e
visados conjuntamente pelas autoridades imigratórias e policiais marítimas do ponto de desembarque.

§ 2º As autoridades imigratórias procederão à, identificação dos estrangeiros referidos no parágrafo


anterior, observando as prescripções do art. 36.

Art. 38. Os documentos dos estrangeiros não imigrantes à que se refere o capítulo II dêste regulamento
serão examinados e visados pelas autoridades policiais marítimas do ponto de desembarque, cumprindo às
autoridades aduaneiras só entregar as respectivas bagagens, quando lhes for exibido o passaporte visado
por aqueloutras autoridades.

§ 1º Quaisquer impedimentos que opuzerem as autoridades policiais marítimas serão anotados na


terceira coluna de observações da lista que fica em seu poder, cabendo-lhes tomar as providências
necessárias para tornar efetivos quer os impedimentos da sua iniciativa, quer os da alçada das autoridades
242

sanitárias e imigratórias.

§ 2º Os motivos dos impedimentos a que se refere o parágrafo anterior, tal como consta da lista que fica
em poder das autoridades policiais, serão por elas anotados nos passaportes dos estrangeiros impedidos.

Art. 39. Nenhum tripulante poderá desembarcar, sob pretesto algum, sem apresentação da respectiva
caderneta de identidade profissional, que ficará em poder da autoridade policial a bordo, até seu regresso.

CAPÍTULO VI

DAS PENALIDADES

Art. 40. O infrator de qualquer dispositivo do presente regulamento está sujeito à pena de repatriamento
ou à de, expulsão do território nacional.

§ 1º Não sendo resgatado dentro do prazo de 90 dias, contados da data do desembarque do imigrante, o
valor do saque a que se refere o § 1º do art. 21, o estabelecimento bancário contra o qual êste for sacado
fará o depósito judicial da respectiva quantia, nos têrmos da legislação em vigor e observado o § 2º dêste
artigo, com citação da autoridade que tiver expedido a autorização de livre embarque e desembarque, afim
de ser a mesma quantia levantada por quem de direito.

§ 2º As despesas exclusivamente judiciais se deduzirão do valor do saque, sendo depositado somente o


saldo, cuja importância ficará em juízo até serem ultimadas as diligências para a captura e repatriamento
do estrangeiro proprietário do saque.

§ 3º Se ultimadas as diligências a que o parágrafo anterior alude, e pronto para se repatriar o estrangeiro,
conforme o art. 47, for, contudo, julgada procedente a defesa por êle promovida, a autoridade policial
autorizará o levantamento do depósito, e, na hipótese contrária, lançará mão dêste, para fazer face às
despesas de repatriamento.

§ 4º O saldo, porventura, existente, do saque, depois de feitas as despesas de repatriamento do


estrangeiro, será restituído a êste, mediante recibo, lavrado, por têrmo, no processo da "carta de chamada",
e, no caso de insuficiência do saldo para custear as aludidas despesas, será o deficit coberto pelo fiador do
estrangeiro, de acôrdo com o têrmo de responsabilidade.

Art. 41. As despesas efetuadas com o repatriamento ou a expulsão dos estrangeiros que infringirem o
presente regulamento depois de levantarem o valor do saque a que se refere o § 1º do art. 21 correrão por
conta do respectivo fiador, de acôrdo com o têrmo de responsabilidade por êste assinado.

Art. 42. O repatriamento ou a expulsão de estrangeiro que, viajando como tripulante, deserte de bordo
ou abandone o navio, permanecendo em território nacional, far-se-á por conta da empresa proprietária do
navio de cuja guarnição fazia êle parte.

Parágrafo único. A pena de repatriamento do estrangeiro que se achar nas condições dêste artigo
prescreverá no fim de um ano, contado da data da saída do navio do pôrto em que o tripulante o tenha
abandonado ou haja desertado.

Art. 43. As emprêsas de navegação que transportarem estrangeiros com infração de qualquer das
exigências dêste regulamento, emitirem bilhetes de passagem de ou para portos do território nacional que
não sejam os declarados no art. 3º do decreto n. 24.215, de 9 de maio de 1934, ou venderem passagens
sem que os estrangeiros hajam cumprido todas as exigências legais, ficam obrigadas a manter tais
passageiros a bordo e a reconduzi-los aos portos de procedência.

Parágrafo único. Em caso de reincidência, serão as emprêsas de que êste artigo trata passíveis da multa
do réis 2:000$000 (dois contos de réis) a 10:000$000 (dez contos de réis), imposta pelas autoridades
imigratórias no pôrto do Rio de Janeiro e nos Estados.
243

Art. 44. As multas em que incorrerem as emprêsas de navegação serão pagas no Tesouro Nacional, ou
nas suas Delegacias Fiscais e repartições aduaneiras, nos Estados, mediante guia das autoridades de
imigração.

Parágrafo único. Da decisão que impuser a multa haverá recurso para o Ministro do Trabalho, Industria
e Comércio, na, fórma do decreto n. 23.121, de 23 de novembro de 1932.

Art. 45. Não será permitido a qualquer estabelecimento bancário, sob pena de multa de 10:000$000
(dez contos de réis) em cada caso, elevada ao dôbro nas reincidências, o pagamento do saque de que trata
o § 1º do art. 21 sem a apresentação da guia policial a que se refere o inciso II do mesmo parágrafo, à qual
ficará em poder do aludido estabelecimento, para justificar o resgate do saque.

Parágrafo único. A multa a que se refere o presente artigo será cobrada executivamente pela Fazenda
Nacional, bastando para início do respectivo processo a comunicação do fato pela autoridade policial
competente, e, escriturada no Tesouro Nacional, ao qual será recolhida, à conta do Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, servirá, para o custeio das despesas de repatriamento do estrangeiro, se da parte do
fiador dêste se verificar insolvência.

Art. 46. A pena de repatriamento se cominará ao estrangeiro que a Justiça brasileira, durante o primeiro
ano de sua permanência em território nacional, condenar por crime infamante.

Parágrafo único. Só depois de cumprida a pena se fará o repatriamento, à custa do fiador.

Art. 47. O repatriamento do estrangeiro infrator de alguma das disposições do decreto n. 24.815, de 9
de maio de 1934, ou dêste regulamento será, ordenado pelo chefe de Policia do Distrito Federal ou de
qualquer dos Estados, por despacho nos autos do processo da "carta de chamada", sendo concedido o
prazo de dez dias ao infrator, depois de preso e identificado, para a defesa a que allude o § 3º do art. 40 do
presente regulamento.

CAPÍTULO VII

DAS CUSTAS E EMOLUMENTOS

Art. 48. Os processos de introdução de imigrantes agricultores obedecendo aos têrmos do inciso I do
art. 2º dêste regulamento ficam isentos de quaisquer custas e emolumentos.

Art. 49. Estão sujeitos às taxas do Regulamento do Sêlo Federal os processos do introdução de
estrangeiros feita nos têrmos do inciso II do art. 2º, sendo o têrmo de responsabilidade assinado na
repartição competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e selado proporcionalmente.

§ 1º Para os fins dêste artigo, fica arbitrado o valor do têrmo de responsabilidade por pessoa, em
2:000$000 (dois contos de réis), ou 3:000$000 (três contos de réis), conforme o estrangeiro chamado seja
menor ou maior de 12 anos.

§ 2º Sob nenhum pretexto e de forma alguma poderão as sociedades, empresas, associações e


particulares, introdutores de imigrantes agrícolas, descontar nos salários dêstes qualquer despesa feita com
a sua introdução.

Art. 50. Os processos de introdução de estrangeiros cujas categorias não se achem referidas nos arts. 48
e 49 estão sujeitas não só ao sêlo federal proporcional ao valor da responsabilidade, fixado na forma do §
1º do art. 49, mas também nos regimentos de custas dos Estados onde tiverem andamento.

Parágrafo único. As vias da autorização de livre embarque e desembarque estão isentas de qualquer sêlo
ou emolumento, bem como os respectivos "vistos".
244

CAPÍTULO VIII

DAS EMPRÊSAS DE NAVEGAÇÃO

Art. 51. Só as emprêsas de navegação autorizadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
poderão efetuar o desembarque de imigrantes em portos nacionais, se abertos ao tráfego internacional de
imigração, conforme o art. 3º do decreto n. 24.215, de 9 de maio de 1934.

Parágrafo único. No pedido de autorização, as emprêsas deverão declarar:

a) o número e os nomes dos seus vapores;

b) os portos habituais de sua escala;

c) a lotação de cada vapor, discriminada por classe.

Art. 52. As emprêsas que houverem obtido a autorização na forma do artigo anterior, são obrigadas :

a) a estabelecer uniformemente a classificação dos seus passageiros ;

b) a avisar, por escrito, com a antecedencia de dois dias às autoridades imigratórias, nos diversos portos,
a data da chegada dos respectivos vapores, sob pena de poderem ser compelidas a conservar os
estrangeiros a bordo até vinte e quatro horas após a chegada do navio.

Parágrafo único. Na classificação a que se refere a alinea a dêste artigo, qualquer classe intermediaria
abaixo da primeira e, bem assim, a classe única serão sempre consideradas, respectivamente, como
segunda e terceira classes.

Art. 53. Para fins estatísticos, deverão as emprêsas de navegação entregar às autoridades imigratórias,
no dia da saída dos seus vapores, a lista minuciosa dos passàgeiros embarcados com destino a portos do
exterior.

Art. 54. Os tripulantes de navios estrangeiros, dando baixa do serviço, poderão desembarcar em portos
nacionais, como imigrantes não agricultores, observado o que dispõe o art. 3º dêste regulamento.

Parágrafo único. Em caso de enfermidade, devidamente comprovada, o desembarque de qualquer


tripulante estrangeiro poderá ser permitido, mediante solicitação do respectivo consulado, ficando a
emprêsa a que pertencer o navio obrigada, logo que se verifique seu restabelecimento, a repatriá-lo, ou a
regularizar sua situação como imigrante não agricultor, nos têrmos do art. 3º.

Capítulo IX

Disposições gerais

Art. 55. Os casos omissos no presente regulamento serão resolvidos, se se tratar de estrangeiros
imigrantes, por despacho, irrecorrível do ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, e se interessarem a
estrangeiros não imigrantes, por despacho do chefe de Polícia do Distrito Federal ou do Estado em que
ocorrem, cabendo á parte, nesta última hipóteses, recorrer para o ministro da Justiça e Negócios
Interiores, cuja decisão será definitiva.

Art. 56. As repartições federais e estaduais a que incumba a execução de disposições do decreto n.
24.215, de 9 de maio de 1934, e deste regulamento organizarão, dentro dos seus moldes administrativos,
os serviços necessários para o seu fiel cumprimento.

Art. 57. Serão reconhecidos como válidos, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data da
publicação dêste regulamento, os "vistos'" lançados anteriormente à mesma publicação, pelas autoridades
245

consulares, no passaporte e respectivos documentos de estrangeiros destinados ao Brasil.

Art. 58. Todo o estrangeiro que, residindo no território nacional, dele se ausentar por prazo não superior
a um ano, contado da data da publicação do presente regulamento, estará isento de qualquer formalidade
ou exigência neste consignada para o "visto" consular no passaporte, por ocasião do seu regresso, uma vez
que, do "visto" policial de saída, a que se referem os arts. 48 e 51 do regulamento de passaportes, conste a
declaração de que tenciona voltar ao Brasil no aludido prazo.

Parágrafo único. Para obter a declaração referida no final dêste artigo o interessado deverá apresentar á
autoridade policial encarregada de visar o passaporte :

a) atestado de sua residência;

b) atestado de bom comportamento.

Art. 59. Revogam-se às disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 16 de maio de 1934.- Joaquim Pedro Salgado Filho.


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Senado Federal
Subsecretaria de Informações

DECRETO-LEI N. 383 - DE 18 DE ABRIL DE 1938

Veda a estrangeiros a atividade política no Brasil e dá outras providências

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,

decreta:

Art. 1º. Os estrangeiros fixados no território nacional e os que nele se acham em carater temporário
não podem exercer qualquer atividade de natureza política nem imiscuir-se, direta ou indiretamente, nos
negócios públicos do país.

Art. 2º. E'-lhes vedado especialmente:

1 - Organizar, criar ou manter sociedades, fundações, companhias, clubes e quaisquer estabelecimentos


de carater político, ainda que tenham por fim exclusivo a propaganda ou difusão, entre os seus
compatriotas, de idéias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem. A mesma
proibição estende-se ao funcionamento de sucursais e filiais, ou de delegados, prepostos, representantes e
agentes de sociedades, fundações, companhias, clubes e quaisquer estabelecimentos dessa natureza que
tenham no estrangeiro a sua sede principal ou a sua direção.

2 - Exercer ação individual junto a compatriotas no sentido de, mediante promessa de vantagens, ou
ameaça de prejuízo ou constrangimento de qualquer natureza, obter adesões a idéias ou programas de
partidos políticos do país de origem.

3 - Hastear, ostentar ou usar bandeiras, flâmulas e estandartes, uniformes, distintivos, insígnias ou


quaisquer símbolos de partido político estrangeiro.

Essa proibição será estendida, a critério do ministro da Justiça e Negócios Interiores, a quaisquer sinais
exteriores de filiação política, ainda que não constantes de disposições legais ou estatutárias.

4 - Organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, e qualquer seja o número
de participantes, com os fins a que se referem os incisos ns. 1 e 2.

5 - Com o mesmo objetivo manter jornais, revistas ou outras publicações, estampar artigos e
comentários na imprensa, conceder entrevistas; fazer conferências, discursos, alocuções, diretamente ou
por meio de telecomunicação, empregar qualquer outra forma de publicidade e difusão.
247

Parágrafo único. Excetuam-se da proibição contida no inciso 3º as bandeiras que sejam reconhecidas
como símbolos de nações estrangeiras.

Art. 3º. E' lícito aos estrangeiros associarem-se para fins culturais, beneficentes ou de assistência,
filiarem-se a clubes e quaisquer outros estabelecimentos com o mesmo objeto, bem assim reunirem-se
para comemorar suas datas nacionais ou acontecimentos de significação patriótica.

§ 1º. Não poderão tais entidades receber, a qualquer título, sub-venções, contribuições ou auxílios de
governos estrangeiros, ou de entidades ou pessoas domiciliadas no exterior.

§ 2º. As reuniões autorizadas neste artigo não serão levadas a efeito sem prévio licenciamento e
localização pelas autoridades policiais.

Art. 4º. As proibições contidas nos artigos anteriores alcançam as escolas e outros estabelecimentos
educativos mantidos por estrangeiros ou brasileiros, e por sociedades de qualquer natureza, fim,
nacionalidade e domicílio.

Parágrafo único. Fica-lhes, contudo, ressalvado o direito ao uso de uniforme escolar e às reuniões para
aulas e outros fins de ordem didática.

Art. 5º. Das entidades a que se refere o art. 3º não podem no entanto fazer parte brasileiros, natos ou
naturalizados, e ainda que filhos de estrangeiros.

Os que infringirem o disposto neste artigo perderão, ipso facto, os cargos públicos que possuirem e
ficarão inhabilitados, pelo prazo de cinco anos, para exercer cargo dessa natureza, alem de incorrerem nas
penas constantes da primeira parte do art. 10.

Art. 6º. As entidades referidas nos arts. 3º e 4º não poderão funcionar sem licença especial e registo
concedido pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores, na forma do decreto-lei n. 59, de 11 de
dezembro de 1937, e do regulamento aprovado pelo decreto n. 2.229, de 30 de dezembro de 1937, cujas
disposições lhes são aplicáveis.

Art. 7º As entidades, cujo funcionamento é proibido no art. 2º, ficam dissolvidas na data da publicação
desta lei, sendo-lhes concedido o prazo de trinta dias para o encerramento de quaisquer negócios e
operações.

Art. 8º. O Ministro da Justiça e Negócios Interiores poderá ordenar a interdição das sedes e de todos os
locais em que se exerçam as atividades que ficam vedadas por esta lei, bem como, a qualquer momento,
vetar a realização de reuniões, conferências, discursos e comentários, e o emprego de qualquer meio de
propaganda ou difusão, desde que os considere infringentes das disposições desta lei. Pelo mesmo motivo,
poderá suspender, temporária ou definitivamente, quaisquer jornais, revistas e outras publicações, e fechar
as respectivas oficinas gráficas.

Parágrafo único. Nos Estados e no Território do Acre, a faculdade conferida neste artigo poderá ser
delegada, ainda que por via telegráfica, aos respectivos governos.

Art. 9º. O Ministério da Justiça e Negócios Interiores exercerá fiscalização permanente sobre as
entidades mencionadas nesta lei. Para esse fim, o Ministro de Estado designará, dentro dos quadros do
Ministério, os funcionários que se fizerem necessários, podendo delegar essa atribuição, nos Estados e no
Território do Acre, a funcionários indicados pelos respectivos governos.

Esses funcionários exercerão gratuitamente a fiscalização, sendo-lhes apenas abonadas diárias e ajudas
de custo, fixadas pelo Ministro e a critério deste.
248

Art. 10. Os que infringirem as prescrições desta lei incorrerão nas penas constantes do art. 6º do
decreto-lei n. 37, de 2 de dezembro de 1937, ou serão passíveis de expulsão, a juízo do governo.

Parágrafo único. As penalidades cominadas neste artigo aplicam-se aos diretores das sociedades,
companhias, clubes e outros estabelecimentos compreendidos nas proibições desta lei, bem como a
quaisquer responsáveis pelos mesmos, seus sócios, contribuintes ou não, e empregados remunerados ou
gratuitos.

Art. 11. Esta lei entrará em vigor na data em que for publicada, e o seu texto será remetido, para este
fim, aos governos dos Estados e do Território do Acre; revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, em 18 de abril de 1938, 117º da Independência e 50º da República.

Getulio Vargas.

Francisco Campos.
249

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Senado Federal
Subsecretaria de Informações

DECRETO-LEI N. 406 - DE 4 DE MAIO DE 1938

Dispõe sobre a entrada, de estrangeiros no território nacional

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição,

decreta:

CAPÍTULO I

DA ENTRADA DE ESTRANGEIROS

Art. 1º - Não será permitida a entrada de estrangeiros, de um ou outro sexo:

l - aleijados ou mutilados, inválidos, cégos, surdos-mudos;

II - indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres;

III - que apresentem afecção nervosa ou mental de qualquer natureza. verificada na forma do
regulamento, alcoolistas ou toxicomanos;

IV - doentes de moléstias infecto-contagiosas graves, especialmente tuberculose, tracoma, infecção


venérea, lepra e outras referidas nos regulamentos de saúde pública;

V - que apresentem lesões orgânicas com insuficiência funcional;

VI - menores de 18 anos e maiores de 60, que viajarem sós, salvo as exceções previstas no
regulamento;

VII - que não provem o exercício de profissão lícita ou a posse de bens suficientes para manter-se e às
pessoas que os acompanhem na sua dependência;

VIII - de conduta manifestamente nociva à ordem pública, è segurança nacional ou à estrutura das
instituições;

IX - já anteriormente expulsos do país, salvo si o ato de expulsão tiver sido revogado;

X - condenados em outro país por crime de natureza que determine sua extradição, segundo a lei
250

brasileira;

XI - que se entreguem à prostituição ou a explorem, ou tenham costumes manifestamente imorais.

Parágrafo único - A enumeração acima não exclue o reconhecimento de outras circunstâncias


impeditivas, não se aplicando aos estrangeiros que vierem em caráter temporário o disposto nos incisos I,
V e VI.

Art. 2º - O Governo Federal reserva-se o direito de limitar ou suspender, por motivos econômicos ou
sociais, a entrada de indivíduos de determinadas raças ou origens, ouvido o Conselho de Imigração e
Colonização.

Art. 3º - O passaporte e demais documentos, visados pelas autoridades consulares brasileiras,


estabelecem a favor de seus portadores a presunção de que se acham em condições de entrar no território
nacional.

Art. 4º - Ao desembarcar ou passar a fronteira, o estrangeiro exibirá às autoridades encarregadas da


fiscalização, para o necessário visto, o passaporte e a ficha consular de qualificação, com recurso à
autoridade superior no caso de impedimento. Nesse caso, a entrada poderá ser autorizada provisoriamente
na forma do regulamento.

Art. 5º - As autoridades brasileiras do país ou região de procedência dos estrangeiros, antes de apor o
visto nos passaportes, deverão verificar, por todos os meios ao seu alcance, as condições de legalidade e
autenticidade dos documentos exigidos por esta lei e respectivos regulamentos.

Parágrafo unico - Os atestados relativos às condições físicas e de saúde dos estrangeiros, serão
passados por médicos de confiança dos consulados.

Art. 6º - Não será aposto o visto:

a) se a autoridade consular verificar que o estrangeiro é inadmissivel no território nacional;

b) se a autoridade consular tiver conhecimento de fatos ou razoavel motivo para considerar o


estrangeiro indesejavel.

Art. 7º - O visto é válido pelo prazo de noventa (90) dias contados da data de sua aposição, podendo
ser prorrogado por igual prazo, desde que a quota respectiva não esteja esgotada.

Art. 8º - Todo estrangeiro receberá do Consulado ao qual couber a concessão do visto um documento
que reúna os dados referentes ao portador, contendo: nome, sobrenome, filiação, nacionalidade, lugar e
data do nascimento e profissão.

Art. 9º - A entrada de estrangeiros será permitida:

a) por via marítima, unicamente pelos portos de Belem, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, São
Francisco do Sul ou Florianópolis e Rio Grande;

b) por via terrestre, fluvial ou aérea, nos pontos onde houver Inspetorias Federais de Imigração ou
posto do Departamento de Imigração.

CAPÍTULO II
251

CLASSIFICAÇÃO DE ESTRANGEIROS

Art. 10 - Os estrangeiros que desejarem entrar no território nacional serão classificados em duas
categorias, conforme pretendam vir em carater permanente ou temporário.

Art. 11 - São considerados como vindos em carater permanente os que tencionem permanecer no
território nacional por prazo superior a seis (6) meses.

Art. 12 - Os estrangeiros vindos para o Brasil em carater temporário compreendem as seguintes


categorias:

a) turistas e visitantes em geral e estrangeiros em trânsito;

b) representantes de firmas comerciais estrangeiras e os que vierem em viagem de negócios;

c) artistas, conferencistas, desportistas e congêneres.

Parágrafo único - Os estrangeiros classificados neste artigo, poderão tornar permanente sua estada no
território nacional, satisfeitas as exigências que forem estabelecidas no regulamento da presente lei.

Art. 13 - O desembarque dos estrangeiros em trânsito que tenham de demorar no país mais de uma
semana, só será permitido se apresentarem à autoridade consular brasileira, para o visto, o passaporte já
legalizado pela autoridade consular do país a que se destinam. Quando a demora for inferior a esse prazo,
o visto será dispensado.

CAPÍTULO III

QUÓTAS DE ENTRADA

Art. 14 - O número de estrangeiros de uma nacionalidade admitidos no país em carater permanente,


não excederá o limite anual de 2 por cento (2%) do número de estrangeiros da mesma nacionalidade
entrados no Brasil nesse carater no período de 1 de janeiro de 1884 a 31 de dezembro de 1933.

§ 1º - Quando se tratar de nacionais de Estado constituido depois de 1 de janeiro de 1914, o cálculo da


quota terá por base o número dos entrados em carater permanente daquela data até 31 de dezembro de.
1933, admitido o acréscimo de vinte por cento (20% ) por período decenal ou fração, anterior à existência
do Estado.

§ 2º - Ao domínio, possessão ou colônia não caberá quota própria.

§ 3º - Os brasileiros naturalizados em outros países estão sujeitos à quota.

§ 4º - Quando um dos conjuges tiver nacionalidade diferente da do outro, prevalecerá a nacionalidade


daquele, cuja quota não estiver esgotada.

§ 5º - Quando a quota de uma nacionalidade não alcançar tres mil (3,000) pessoas, o Conselho de
Imigração e Colonização poderá elevá-la até esse limite.

Art. 15. Ficam excluídos da quota:

a) os estrangeiros vindos para o Brasil em carater temporário;


252

b) a estrangeira casada com Brasileiro ou viúva de brasileiro, ainda que apátrida, e o estrangeiro casado
com brasileira, quando esta vier com paasaporte brasileiro, e respectivos filhos menores;

c) os menores de um ano;

d) os estrangeiros domiciliados no tarritório nacional, que dele se ausentarem por prazo não superior a
dois (2), anos, contados da data do visto de retorno na forma do art. 43.

Art. 16. Oitenta por cento (80 %) de cada quota serão destinados a estrangeiros agricultores ou
técnicos de indústrias rurais.

Art. 17. O agricultor ou técnico de indústria rural não podera abandonar a profissão durante o período
de quatro (4) anos consecutivos, contados da data do seu desembarque, salvo autorização do Conselho.

Art. 18. Quando entender conveniente as necessidades econômicas do País, o Conselho de Imigração e
Colonização poderá permitir que o saldo das quotas seja aproveitado na introdução de agricultores de
nacionalidade, cuja quota já se tenha esgotado.

Parágrafo único. A disposição contida neste artigo aplica se aos tratados bilaterais celebrados com os
países de imigração.

CAPÍTULO IV

TRATADOS BILATERAIS

Art. 19. A União celebrará tratados bilaterais de imigração e colonização com o fim de atrair para o
País o nele fixar trabalhadores agrícolas.

§ 1º Os governos dos Estados poderão propor ao Governo Federal a celebração desses tratados, ficando
responsáveis perante a União pelas obrigações decorrentes dos mesmos.

§ 2º Ao Conselho de Imigração e Colonização caberá proceder aos estudos prévios para a celebração
desses tratados, emitindo parecer fundamentado.

CAPÍTULO V

DA FISCALIZAÇÃO

Art. 20. A visita a bordo, para o efeito da fiscalização e desembarque de passageiros, será feita
conjuntamente pelas autoridades da Saúde Pública, da Imigração e da Polícia. A esta última caberá, opor
seus próprios impedimentos e os requisitados pelas duas primeiras, incumbindo-lhe tambem torná-los
efetivos.

Art. 21. Cabe à Polícia levantar os impedimentos ao desembarque de passageiros, sendo que os
requisitados pela Saúde a Imigração não serão levantados sem prévio consentimento das respectivas
autoridades.

Art. 22. Dentro do limite da quota, não havendo prejuízo à saúde pública ou à segurança nacional, e
para a fim de legalização de documentos, poderá a Polícia autorizar, excepcionalmente, o desembarque de
estrangeiros, mediante caução em dinheiro, correspondente ao preço da passagem de volta.

Parágrafo único. Findo o prazo concedido pela Polícia e não satisfeitas as exigências, será o estrangeiro
253

repatriado, correndo a 'respectiva despesa por conta da caução.

Art. 23. Durante a visita das autoridades competentes, fica o navio interdictado a outros visitantes,
excetuados os representantes diplomáticos ou consulares e autoridades.

Art. 24. As autoridades em serviço terão livre entrada a bordo e no cais.

Art. 25. Será impedida a entrada do estrangeiro que não houver satisfeito os requisitos desta lei e do
seu regulamento.

Parágrafo único. O comandante da embarcação é obrigado a reconduzir ao porto de procedência o


passageiro impedido, prestando, perante o Departamento de imigração, uma caução, pecuniária ou
fideijussória, de cinco a quinze contos de réis (5 a 15:000$000), que será levantada mediante prova de
desembarque autenticada pelo consul brasileiro do porto de procedência.

Art. 26. A fiscalização do estrangeiro após sua entrada compete à Polícia, salvo os casos de
competência do Conselho de Imigração e Colonização, que serão por ele mesmo solucionados.

CAPÍTULO VI

IDENTIFICAÇÃO E REGISTRO

Art. 27. Os estrangeiros destinados ao território nacional não poderão desembarcar ou transpor as
fronteiras senão depois de identificados pelo Departamento de Imigração, segundo as normas que o
regulamento desta lei estabelecer, excetuados os restantes do art. 12.

Art. 28. Dentro do prazo de trinta (30 ) dias, contados da data de seu desembarque, o estrangeiro
deverá apresentar-se, para registro, à autoridade policial do lugar de destino.

§ 1º Durante o prazo de quatro (4) anos, contados da data do desembarque ou entrada no território
nacional, qualquer mudança de trabalho, emprego ou domicílio importará novo registro perante a
autoridade policial, que dará ciência devida ao Conselho de Imigração e Colonização.

§ 2º Se não houver mudança de trabalho ou emprego, o registro será apenas revalidado anualmente, até
que se esgote o prazo.

Art. 29. Nenhum estrangeiro poderá permanecer por mais de seis (6) meses no território nacional, sem
obter a carteira de identidade fornecida pelos serviços policiais de identificação.

Parágrafo único. A. carteira não poderá ser fornecida sem exibição dos passaportes dos estrangeiros,
visados pelas autoridades imigratórias. comprovando sua permanência legal no País, nos termos da
legislação vigente na época de sua entrada.

Da carteira constará a declaração de que o estrangeiro tem permanência legal no País.

Na falta de passaportes, deverão os interessados exibir certidões do Departamento de Imigração.

Art. 30. Ficam dispensados das exigências relativas ao registro os estrangeiros a que se refere o art. 12,
letra a

Art. 31. Os estrangeiros do sexo masculino, maiores de dezoito (18) anos, atualmente residentes no
Brasil, terão o prazo de um ano para o cumprimento do disposto no art. 28.
254

Art. 32. Os serviços de identificação civil ou militar do País enviarão ao Departamento de Imigração e
à Polícia Civil do Distrito Federal cópia de todas as individuais dactiloscópicas de estrangeiros.

Art. 33. Os empregadores farão constar do livro de registro dos empregados, se forem estrangeiros,
além do outras informações que o regulamento desta lei estabelecer:

a) data de desembarque ou entrada no País, constantb do passaporte;

b) nacionalidade, carater da admissão no território nacional.

Art. 34. Nenhum estrangeiro admitido em carater temporário poderá empregar-se no Pais, ressalvado o
caso da letra c do art. 12.

O admitido como agricultor ou técnico de indústrias rurais não poderá empregar-se em zona urbana
antes de decorrido o prazo de quatro (4) anos a que se refere o art. 17

Parágrafo único. Para os fins deste artigo, todo estrangeiro apresentará ao empregador seu passaporte,
visado pelo Departamento de Imigração.

Art. 35. As repartições públicas federais, estaduais e municipais, institutos e caixas de aposentadoria e
pensões e congêneres, antes da decisão final dos requerimentos de licenças comerciais, registro do
comércio, alvarás, carteiras profissionais, concessões, favores e análogos, exigirão que os estrangeiros
provem entrada e permanência regular.

CAPÍTULO VII

HOSPEDAGEM E ENCAMINHAMENTO

Art. 36. Os serviços de Hospedagem e encaminhamento de estrangeiros agricultores ou técnicos de


indústrias rurais serão efetuados, no ponto do rio de Janeiro pelo Governo Federal e, nos demais portos de
desembarque de estrangeiros, pelo Governos estaduais, sociedades, empresas ou particulares que
houverem promovido sua introdução.

Art. 37. Nenhumo serviço será prestado ao estrangeiro, na ocasião da sua entrada, por qualquer
sociedade, empresa ou particular, sem prévia autorização do Departamento de Imigração.

Art. 38. Sómente depois da inspeção pelo Departamento de Imigração poderão os Estados, sociedades,
empresas e particulares, prestar aos estrangeiros serviços de hospedagem, encaminhamento e quaisquer
outros.

Quando se tratar de estrangeiros vindos espontaneamente ou introduzidos pelo Governo Federal, o seu
transporte, bem como o das respectivas bagagens, poderá correr por conta da União, dos Estados ou dos
particulares. A estes últimos e aos Estados caberá esse encargo quando a introdução for por eles
promovida.

CAPÍTULO VIII

CONCENTRAÇÃO E ASSIMILAÇÃO

Art. 39. Nenhum núcleo colonial, centro agrícola ou Colônia, será constituída por estrangeiro de uma
só nacionalidade.

Art. 40. O Conselho de Imigração e Colonização poderá proíbir a concessão, transferência ou


255

arrendamento de lotes a estrangeiros da nacionalidade cuja preponderância ou concentração no núcleo,


centro ou colônia, em fundação ou emancipados, seja contrária à composição étnica ou social do povo
brasileiro.

§ 1º Em cada núcleo ou centro oficial ou particular, será mantido um mínimo de trinta por cento (30%)
de brasileiros e o máximo de vinte e cinco por cento (25 %) de cada nacionalidade estrangeira. Na falta de
brasileiros, este mínimo, mediante autorização do Conselho de Imigração e Colonização, poderá ser
suprido por estrangeiros, de preferência portugueses.

§ 2º O Conselho agirá nesse caso na forma do presente artigo.

Art. 41. Nos núcleos, centros ou colônias, quaisquer escalas, oficiais ou particulares, serão sempre
regidas por brasileiros natos.

Parágrafo único. Nos núcleos, centros ou colônias é obrigatório o estabelecimento de escolas primárias
em número suficiente, computadas as mesmas no plano de colonização.

Art. 42. Nenhum núcleo, centro ou colônia, ou estabelecimento de comércio ou indústria ou associação
neles existentes, poderá ter denominação em idioma estrangeiro.

CAPÍTULO IX

VISTO DE RETORNO

Art. 43. O estrangeiro que tenha entrado no Brasil legalmente em carater permanente, e que dele se
ausentar por prazo não superior a um ano, poderá regressar mediante simples autorização da Polícia,
constante de documento especial na forma do regulamento.

§ 1º A validade desse visto de retorno poderá ser prorrogada por mais de um ano pela autoridade
consular.

§ 2º A prova de entrada legal para os efeitos deste artigo será feita pelo passaporte e, na falta deste,
mediante certidão do Departamento de Imigração, sem prejuízo das sindicâncias julgadas necessárias.

Art. 44. Voltando o estrangeiro ao país, o documento será arrecadado pela Polícia Marítima.

Parágrafo único. Em casos especiais, previstos no regulamento, o documento não será arrecadado
senão depois de findo o prazo nele fixado.

CAPÍTULO X

LICENÇA DE IMIGRAÇÃO COLETIVA

Art. 45. Os Estados, sociedades, empresas e particulares que pretenderem introduzir estrangeiros,
solicitarão licença prévia ao Conselho de Imigração e Colonização, declarando:

a) número e nacionalidade dos estrangeiros que pretendam introduzir durante o ano;

b) pontos de embarque no exterior e localidades a que se destinem.

§ 1º As sociedades, empresas ou particulares provarão ainda que se acham registrados na forma da lei e
dispõem de recursos financeiros.
256

As sociedades provarão tambem que se acham autorizadas a funcionar no Brasil.

Em qualquer caso serão apresentados os contratos de locação de serviço, dispensadas destas exigências
as companhias de colonização, que provarão, no entanto, o cumprimento do disposto no decreto-lei n. 58,
de 10 de dezembro de 1937.

§ 2º Na petição de registro serão especificados os trabalhos oferecidos aos estrangeiros e as garantias


para sua fixação na agricultura ou indústrias rurais.

Art. 46. Concedida a licença, será a mesma registrada e comunicada, para os devidos fins, ao
Ministério das Relações Exteriores.

Art. 47. O Departamento de Imigração podera manter, junto às autoridades consulares, funcionários
técnicos para cooperar in loco no serviço de selecionamento.

Parágrafo único. Para o mesmo fim os Estados, sociedades, empresas ou particulares, autorizados na
forma do art. 45 poderão manter no exterior agentes ou prepostos de nacionalidade brasileira e acreditados
na Departamento de Imigração.

CAPÍTULO XI

EMPRESAS DE NAVEGAÇÃO

Art. 48. Só as empresas de navegação registradas no Departamento de Imigração poderão transportar


estrangeiros para os portos nacionais e pontos de fronteiras e desembarque a que se refere o art. 9 desta
lei.

§ 1º O registro será renovado anualmente, constando do pedido respectivo:

a) número e nome das embarcações,

b) pontos habituais da escala;

c) lotação, discriminada por classes;

Art. 49. As mesmas empresas ficam obrigadas a:

a) estabelecer classificação uniforme dos passageiros;

b) avisar, com a necessária antecedência, ao Departamento de imigração e às autoridades policiais, e de


saúde, a data de chegada das embarcações;

c) entregar às autoridades da Imigração e da Polícia:

1) a lista nominal, visada pela autoridade consular brasileira, dos estrangeiros destinados a cada um dos
portos nacionais;

2) a lista dos passageiros embarcados nos portos nacionais com destino ao exterior;

3) a lista nominal da equipagem, visada pelo Consul brasileiro, dela não podendo constar pessoas
estranhas.
257

Art. 50. Nenhuma empresa venderá passagens a estrangeiros destinados ao Brasil sem que estes
apresentem, visados pela autoridade consular brasileira, os passaportes e fichas consulares de qualificação
exigidos por esta lei e seu regulamento.

Art. 51 Às embarcações que aportarem ao Brasil, é vedada a superlotação da terceira classe ou


semelhante.

Art. 52. Os comandantes de embarcações que transgredirem as disposições desta lei e seu regulamento
ficam sujeitos às penalidades e multa constantes da capítulo 13.

Parágrafo único. As embarcações, com seus acessórios, constituirão garantia das multas.

Art. 53. Os capitães dos portos, mediante requisição do Departamento de Imigração, impedirão a saída
dos navios que, transportando estrangeiros, tiverem questões pendentes por infração das disposições
legais e regulamentares.

Parágrafo único. De modo análogo se procederá quanto às aeronaves.

Art. 54. Aos comandantes ou responsáveis pelas embarcações incumbe:

a) entregar à autoridade competente a lista de passageiros devidamente assinada;

b) prestar à autoridade as informações exigidas e executar as providências requisitadas;

c) fazer respeitar a bordo as autoridades em serviço;

d) transportar para os portos de procedência os passageiros impedidos.

CAPÍTULO XII

FISCALIZAÇÃO DE AGÊNCIAS DE NAVEGAÇÃO E COLOCAÇÃO

Art. 55. Fica instituído no Departamento de Imigração, para os fins de fiscalização de suas relações
com os operários urbanos e rurais, o registro das agências e sub-agências de companhias de navegação e
agências particulares de colocação.

Art. 56. O registro dos estabelecimentos já existentes deverá ser requerido dentro do prazo de seis (6)
meses a contar da data da publicação da presente lei, e o daqueles que forem instalados posteriormente,
antes de iniciadas suas operações.

Art. 57. O registro constará do seguinte:

a) para as agências e sub-agências das companhias de navegação:

1) denominação e sede da companhia;

2) nome, nacionalidade e domicílio dos agentes sub-agentas e vendedores ambulantes de passagens,


mencionando, quanto aos últimos, as circunscrições onde operam;

3) as demais informações a que se refere o art. 45, § 1º,


258

b) para as agências particulares de colocação:

1) firma comercial ou nome do proprietário;

2) nome, nacionalidade e domicílio dos sócios, bem como o capital;

3) sede da empresa, sucursais, filiais e respectivos endereços;

4) nome, nacionalidade e domicílio dos prepostos, representantes e empregados ambulantes,


discriminadas as circunscrições onde operam.

Parágrafo único. Quaisquer alterações serão comunicadas imediatamente ao Departamento de


Imigração.

Art. 58. As operações de câmbio só poderão ser efetuadas por bancos e casas bancárias.

Parágrafo único. As atuais casas de câmbio cessarão seu funcionamento até 31 de dezembro do
corrente ano.

Art. 59. A venda de passagens para viagens aéreas, marítimas ou terrestres só poderá ser efetuada
pelas respectivas companhias, armadores, agentes, consignatários, e pelas agências autorizadas pelo
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, na forma desta lei.

Parágrafo único. Estas agências não poderão funcionar com menos de duzentos e cincoenta contos de
réis (250:000$000) de capital realizado e com depósito de cem contos de réis (100:000$000) no Tesouro
Nacional, em moeda corrente ou apólices da dívida pública federal.

Art. 60. s companhias de navegação e agências particulares de colocação, que tiverem quaisquer
pretensões junto aos poderes públicos federais, estaduais ou municipais, deverão provar o implemento de
todas as obrigações desta lei e do seu regulamento.

CAPÍTULO XIII

PENALIDADES

Art. 61 É possível de expulsão o estrangeiro que:

a) não satisfaça as condições do art. 83;

b) introduza ou procure introduzir estrangeiro sob falsa qualidade;

c) não se registre na forma do art. 28.

Art. 62. As sociedades de qualquer espécie e firmas comerciais que incidirem no disposto na letra b
será cancelado o respectivo registro ou autorização para funcionar, sem prejuizo das penalidades a que
ficam sujeitos seus administradores.

Art. 63. Os nacionais incursos na alinea b do art. 61 serão punidos com pena de prisão celular de 2 a 4
anos.

Art. 64. A Polícia promoverá a imediata retirada do país do estrangeiro que exceder o prazo de sua
etada legal conforme as letras a, b, e c do art. 12, salvo os casos previstos no parágrafo único do referido
259

artigo.

Parágrafo único. O prazo concedido ao estrangeiro para a sua retirada não poderá exceder de quinze
(15) dias improrrogáveis a partir da data de notificação. Pena de expulsão.

Art. 65. Ao estrangeiro entrado nos termos da letra a do artigo 12, é vedado o exercício de qualquer
atividade remunerada no país. Pena prisão celular de seis (6) mêses a um (1) ano e expulsão.

Parágrafo único. Ficam sujeitos à multa de um conto de réis a dez contos de réis (Rs. 1:000$000 a
10:000$000), todos quantos empregarem em seus serviços os estrangeiros a que se refere este artigo.

Art. 66. O estrangeiro agricultor ou técnico de indústria rural que exerça profissão estranha à sua
categoria, dentro do prazo de quatro (4) anos, a contar da data de seu embarque, perderá o direito de
permanência, procedendo-se à sua retirada na forma do art. 64.

Art. 67. O empregador estabelecido em zona urbana, que admitir empregado estrangeiro sem a
exibição de passaporte visado pelo Departamento de Imigação, fica sujeito à multa de quinhentos mil réis
a dois contos de réis (Rs. 500$000 a 2:000$000), e ao dobro na reincidência.

Art. 68. O funcionário público que deixar de cumprir ou fazer cumprir as disposições desta lei e seu
regulamento, é passivel de pena de suspensão até trinta (30) dias, dobrada na reincidência, em caso de
culpa e demissão havendo dólo, sem prejuizo da responsabilidade criminal.

Art. 69. As companhias de transporte, firmas comerciais ou particulares, que transgredirem esta lei e
seu regulamento, ficam sujeitas à multa de quinhentos mil réis a cinco contos de réis (500$000 a
5:000$000), dobrada na reincidência.

Art. 70. As multas serão impostas pelo Diretor do Departamento de Imigração e seus representantes
legais, com recurso, sem efeito suspensivo, e interposto dentro de quinze (15) dias, para o Conselho de
Imigração e Colonização.

CAPÍTULO XIV

SELO DE IMIGRAÇÃO

Art. 71. Fica criado o selo de imigração, que será cobrado na forma da tabela anexa.

Art. 72. Os encargos criados para a União pela execução desta lei serão custeados pela receita oriunda
das seguintes fontes:

a) selo de imigração;

b) multas constantes desta lei;

c) venda de terras devolutas da União;

d) prestações pagas pelos colonos nos núcleos, centros e colônias mantidos pela União.

CAPÍTULO XV

CONSELHO DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO


260

Art. 73. Fica creado o Conselho de Imigração e Colonização, constituido de sete (7) membros
nomeados pelo Presidente da República, que dentre êles designará o presidente e os seus substitutos nas
faltas e impedimentos.

Parágrafo único. O presidente em exercício terá voto de desempate.

Art. 74. Os Governos dos Estados poderão designar observadores junto ao Conselho.

Art. 75. A falta a tres (3) sessões consecutivas ou a dez (10) interpoladas durante o ano importará
renúncia.

Art. 76. Incumbe ao Conselho:

a) determinar as quotas de admissão de estrangeiros no território nacional, tendo em vista o disposto no


capítulo III.

b) organizar seu regimento interno;

c) julgar os recursos interpostos dos atos praticados pelas autoridades incumbidas da execução desta
lei;

d) deliberar sobre os pedidos dos Estados, relativos à introdução de estrangeiros;

e) decidir a respeito dos pedidos das empresas, associações, companhias e particulares que pretendam
introduzir estrangeiros.

Art. 77. O Conselho de Imigração e Colonização reunir-se-á ordinariamente, uma vez por semana, e
extraordinariamente, sempre que se tornar necessário ou quando convocado pelo presidente.

Art. 78. Para as deliberações do Conselho é necessária a presença, pelo menos, de quatro (4) membros,
sendo as resoluções tomadas por maioria de votos.

Art. 79. Os observadores poderão discutir os assuntos, não tendo, porém, direito ao voto.

Art. 80. Servirá, em comissão, nas funções de secretário do Conselho, um funcionário do


Departamento de Imigração, designado pelo seu diretor.

Art. 81. Cada membro do Conselho de Imigração e Colonização perceberá, a título de representação, a
importância de cem mil réis (100$000) por sessão a que comparecer.

CAPÍTULO XVI

DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 82. São excluídos das disposições da presente lei:

a) os agentes diplomáticos e consulares de governos estrangeiros, os membros de suas famílias e


domésticas a seu serviço; e os que vierem ao Brasil a serviço de seus governos;

b) os membros ofciais de congressos ou conferências internacionais.

Art. 83. Todo estrangeiro deverá apresentar à autoridade policial competente, quando exigida, prova
261

da legalidade de sua permanência.

Art. 84. Os estrangeiros que se encontrarem irregularmente no território nacional por ocasião da
publicação do regulamento da presente lei, poderão legalizar sua permanência dentro do prazo
improrrogavel de 120 dias, satisfeitas as exigências desta lei e do seu regulamento.

Art. 85. Em todas as escolas rurais do pais, o ensino de qualquer matéria será ministrada em português,
sem prejuízo do eventual emprego do método direto no ensino das línguas vivas.

§ 1º As escolas a que se refere este artigo serão sempre regidas por brasileiros natos.

§ 2º Nelas não se ensinará idioma estrangeiro a menores de quatorze (14) anos.

§ 3º Os livros destinados ao ensino primário serão exclusivamente escritos em línguas portuguesa.

§ 4º Nos programas do curso primário e secundário é obrigatório o ensino da história e da geografia do


Brasil.

§ 5º Nas escolas para estrangeiros adultos serão ensinadas noções sobre as instituições políticas do
país.

Art. 86. Nas zonas rurais do país não será permitida a publicação de livros, revistas ou jornais em
línguas estrangeira, sem permissão do Conselho de Imigração e Colonização.

Art. 87. A publicação de quaisquer livros, folhetos, revistas, jornais e boletins em língua estrangeira
fica sujeita à autorização e registro prévio no Ministério da Justiça.

Art. 88. As polícias estadoais e a do Distrito Federal organizarão dentro de seus quadros, um serviço
destinado a cumprir o disposto ao art. 29 desta lei.

Art. 89. As atribuições conferidas à polícia quanto à fiscalização de entrada de estrangeiros serão
exercidas, no Distrito Federal, pela Polícia Civil do Distrito Federal, e, nos Estados, pelas polícias locais,
enquanto não for federalizada a Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, na forma da Constituição.

Art. 90. O Governo expedirá dentro de sesenta (60) dias os regulamentos necessários à execução desta
lei. Enquanto não foram baixados esses regulamentos caberá ao diretor de imigração desolver os casos
omissos, excetuados os que se refiram ao desembarque e à fixação de estrangeiros, que ficarão a cargo,
respectivamente, da Polícia e do Serviço de Colonização.

Art. 91. A União organizará o plano de exploração econômica da Amazônia e sua colonização, de
preferência com elementos nacionais.

Art. 92. O Governo abrirá os necessários créditos para a execução desta lei e de seu regulamento.

Art. 93. Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 4 de maio de 1938, 117º da Independência e 50º da República.

Getulio Vargas.

Francisco Campos.
262

A. de Souza Costa.

Oswaldo Aranha.

Eurico G. Dutra.

Henrique A. Guilhem.

João de Mendonça Lima.

Fernando Costa.

Gustavo Capanema.

Valdemar Falcão.

TABELA PARA COBRANÇA DO SELO DE IMIGRAÇÃO, A QUE SE REFERE


O ART. 71

1) Visto consular em passaporte de estrangeiros que se destinam ao Brasil, por pessoa - 200$000, ouro.

Observação - Estão isentos do emolumento os agricultores, os técnicos de indústrias rurais, e, havendo


reciprocidade, os turistas.

2) Certidões expedidas pelo Departamento de Imigração - 20$000 papel.

3) Registros anuais de companhias de navegação, empresas e sociedades de colonização - 1:000$000


papel.

4) Idem, de agências de passagens, agências particulares de colocação e semelhantes - 500$000 papel.

5) Visto de retorno - 20$000 papel.

6) Visto especial de retorno - 100$000 papel.

7) Revalidação consular de visto de retorno - 20$000 ouro.

8) Alteração da classificação nos termos do art. 12, parágrafo único - 1:000$000 papel.

9) Licença para a publicação de livros e boletins em língua estrangeira, por edição - 100$000 papel.

10. Licença para a publicação de jornais e revistas em língua estrangeira, por ano - 500$000 papel.

Observações:

1) O selo a que se referem os incisos 1 e 7 será cobrado nas Consulados. O dos incisos 2, 3, 4 e 8 no
Departamento de Imigração; e o dos incisos 5 e 6 na Polícia, e o dos incisos 9 e 10 no Ministério da
Justiça;

2) As sub-agências de sociedade ou firmas referidas nos incisos 3 e 4 pagarão a metade do selo;


263

3) A prorrogação do visto, a que se refere o inciso 1, nos termos do art. 7, importa pagamento de novo
selo.
264

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DECRETO N. 3.010 - DE 20 DE AGOSTO DE 1938

Regulamenta o decreto-lei n.406, de 4 de maio de 1938, que dispõe sobre a entrada de estrangeiros
no território nacional

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe conferem o art. 74, letra a, da Constituição e o
art. 90 do decreto-lei n. 406, de 4 de maio de 1938,

decreta:

Art. 1º Este regulamento dispõe sobre a entrada e a permanência de estrangeiros no território nacional,
sua distribuição e assimilação e o fomento do trabalho agrícola. Em sua aplicação ter-se-à em vista
preservar a constituição étnica do Brasil, suas formas políticas e seus interesses econômicos e culturais.

Art. 2º O número de estrangeiros de qualquer nacionalidade admitidos anualmente no Brasil em


carater permanente não poderá exceder a quota fixada neste regulamento.

Art. 3º A quota a que se refere o artigo anterior corresponde à dois por cento (2%) do número de
estrangeiros da mesma nacionalidade que entrarem no país, com o mesmo carater, no periodo de 1º de
Janeiro de 1884 a 31 de dezembro de 1933.

Art. 4º Quando a quota de uma nacionalidade não atingir três (3.000) pessoas; o Conselho de
Imigração e Colonização (C; I. C.) deverá elevá-la até esse limite.

Art. 5º Poderá igualmente o C. I. C. permitir que o saldo real anual das quotas não utilizadas por uma
nacionalidade seja aproveitado em favor de agricultores de outra nacionalidade cuja quota real já se tenha
esgotado.

§ 1º Nas decisões que tomar com fundamento neste artigo, o Conselho terá em vista a necessidade de
assegurar a integridade étnica, social, econômica e moral da Nação.

§ 2º Entende-se por saldo real a diferença entre a quota calculada na forma do art. 3º (quota real) e a
parte dessa quota que tiver sido utilizada.

Art. 6º A critério do C. I. C., os saldos reais anuais das quotas poderão, outrossim, ser transferidos para
o ano seguinte, em benefício do respectivo país, quando este tiver necessidade de aproveitá-los; vedada a
transferência e o acúmulo de saldo de mais de um triênio.
265

CONCENTRAÇÃO E ASSIMILAÇÃO

Art. 165. Nenhum núcleo colonial será constituído por estrangeiros de uma só nacionalidade.

§ 1º O Governo Federal, por intermédio da D. T. C., fiscalizará os núcleos coloniais, fundados pelos
Estados, Municípios, empresas ou particulares, gozem ou não os seus fundadores de auxílio oficial.

§ 2º A fiscalização será exercida com o fim de:

a) evitar que sejam creados núcleos coloniais com estrangeiros de uma só nacionalidade;

b) evitar a preponderância ou concentração de estrangeiros de uma nacionalidade, em conflito com a


composição étnica e social do povo brasileiro;

c) evitar que o colono estrangeiro deixe, nos primeiros quatro anos, a profissão para a qual foi admitido
no país, salvo autorização do Conselho de Imigração e Colonização.

Art. 166. Afim de evitar a concentração de estrangeiros em núcleos coloniais, emancipados ou não,
fundados quer pela União, quer pelos Estados ou Municípios, quer por empresas ou particulares, a D.T.C.
velará para que seja mantido um mínimo de 30 % de brasileiros natos e um máximo de 25 % de
estrangeiros de cada nacionalidade.

§ 1º Na falta de brasileiros a D.T.C. solicitará autorização do Conselho de Imigração e Colonização,


para localizar estrangeiros, de preferência de nacionalidade portuguesa.

§ 2º Nenhum colono poderá tomar posse do lote sem apresentar prova de que está inscrito no Registro
de Estrangeiros.

§ 3º Para os colonos já localizados será exigida a prova de registro perante a autoridade policial.

§ 4º Nos atuais núcleos coloniais, fundados pela União, Estados, Municípios, empresas ou particulares,
e cujas percentagens não satisfaçam os limites mínimo de 30 % para brasileiros e máximo de 25 % para
cada nacionalidade estrangeira, as transferências só serão permitidas desde que não contrariem este
dispositivo.

§ 5º Para cômputo, dessas percentagens serão considerados os maiores de 12 anos, de ambos os sexos.

§ 6º O cômputo será feito à vista da prova do registro de estrangeiros.

Art. 167 Semestralmente a D.T.C. enviará ao Conselho de Imigração e Colonização uma relação dos
estrangeiros que se localizarem nos núcleos coloniais.

Art. 168. Nos núcleos coloniais quaisquer escolas, oficiais ou particulares, serão sempre regidas por
brasileiros natos, e neles é obrigatório o estabelecimento de escolas primárias em número suficiente,
computadas as mesmas no plano de colonização.

Parágrafo único. No provimento do cargo de professor primário exigida do candidato a prova, por
266

documento habil, da qualidade de brasileiro nato, alem dos demais documentos legais.

Art. 169. Nenhum núcleo colonial ou estabelecimento de comércio ou indústria ou associação nele
existente poderá ter denominação em idioma estrangeiro.

Parágrafo único. A D. C. T., no caso de inobservância deste dispositivo, tomará as providências


administrativas que julgar conveniente; cabendo do seu ato recurso, sem efeito suspensivo, para o
Conselho de Imigração e Colonização, dentro do prazo de 15 dias contados da entrada do recurso na
chefia do núcleo.

Art. 170. Para cumprimento dos dispositivos a que se refere este capítulo, os Estados, Municípios,
empresas e particulares são localizar aqueles que procurem a lavoura, especificados a capacidade de
colonização e o Índice de concentração;
267

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DECRETO-LEI N. 868 - DE 18 DE NOVEMBRO DE 1938

Cria no Ministério da Educação e Saude a Comissão Nacional de Ensino Primário.

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º Fica criada, no Ministério da Educação e Saúde, a Comissão Nacional de Ensino Primário, que
se comporá de sete membros, escolhidos pelo Presidente da República, dentre pessoas notoriamente
versadas em matéria de ensino primário e consagradas ao seu estudo, ao seu ensino ou à sua propagação.

Art. 2º Compete à Comissão Nacional de Ensino Primário:

a) organizar o plano de uma campanha nacional de combate ao analfabetismo, mediante a cooperação


de esforços do Governo Federal com os governos estaduais e municipais e ainda com o aproveitamento
das iniciativas de ordem particular;

b) definir a ação a ser exercida pelo Governo Federal e pelos governos estaduais e municipais para o
fim de nacionalizar integralmente o ensino primário de todos os núcleos de população de origem
estrangeira;

c) caraterizar a diferenciação que deve ser dada ao ensino primário das cidades e das zanas rurais;

d) estudar a estrutura a ser dada ao currículo primário bem como as diretrizes que devam presidir a
elaboração dos programas do ensino primário;

e) opinar sobre as condições em que deve ser dado nas escolas primárias o ensino religioso;

f) indicar em que termos deve ser entendida a questão da obrigatoriedade do ensino primário;

g) estudar a questão da gratuidade do ensino primário, opinando sobre as contribuições com que as
pessoas menos necessitadas são obrigadas a concorrer para as caixas escolares, bem como sobre o destino
a ser dado ao produto destas contribuições;

h) estudar a questão da preparação, da investidura, da remuneração e da disciplina do magistério


primário de todo o país.

Art. 3º A Comissão Nacional de Ensino Primário escolherá o seu presidente, o qual lhe dirigirá os
268

trabalhos, como delegado do Ministro da Educação e Saude, nas sessões a que este não comparecer.

Art. 4º A Comissão Nacional de Ensino Primário terá carater permanente e se reunirá obrigatoriamente
pelo menos uma vez em cada mês.

Parágrafo único. Até que, a juizo do Ministro da Educação e Saude, estejam concluídos os trabalhos de
preliminar definição de todos os pontos consignados nos itens do art. 2 desta lei, reunir-se-á a Comissão
Nacional de Ensino Primário duas vezes por semana quando menos.

Art. 5º Aos membros da Comissão Nacional de Ensino Primário, si residentes no Distrito Federal, se
pagarão diárias de trinta mil réis. Aos que residirem fora do Distrito Federal serão pagas diárias de cem
mil réis, além de ajudas de custo equivalentes aos preços das passagens.

Parágrafo único. Aos membros que forem funcionários públicos, não serão contadas, para nenhum
efeito, as faltas que derem ao seu serviço, por motivo de comparecimento aos trabalhos da Comissão
Nacional de Ensino Primário,

Art. 6º O Ministro da Educação e Saúde designará um dos funcionários efetivos do seu Ministério para
executar o expediente da Secretaria da Comissão Nacional de Ensino Primário.

Art. 7º O dia das sessões, a duração delas e a ordem de seus trabalhos constituirão matéria regimental.

Art. 8º As despesas decorrentes da execução desta lei, no corrente exercício, correrão por conta dos
recursos constantes da sub-consignação 41 da verba 3 do vigente orçamento do Ministério da Educação e
Saude.

Art. 9º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em
contrário.

Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1938, 117º da Independência e 50º da República.

GETULIO VARGAS

Gustavo Capanema.
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DECRETO-LEI N. 948 - DE 13 DE DEZEMBRO DE 1938

Centraliza no Conselho de Imigração e Colonização as medidas constantes de diversos decretos em


vigor, tendentes a promover a assimilação dos alienígenas

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição Federal, e

Considerando que são complexas e exigem a cooperação de vários orgãos da administração pública as
medidas capazes de promover a assimilação dos colonos de origem estrangeira e a completa
nacionalização dos filhos de estrangeiros, medidas constantes dos decretos-lei n. 383, de 18 de abril de
1938, n. 406, de 4 de maio de 1938, n. 639, de 20 de agosto de 1938, n. 868, de 18 de novembro de 1938 e
decreto n. 3.010, de 20 de agosto de 1938;

Considerando a necessidade de centralizar e dirigir a aplicação dessas medidas;

DECRETA:

Art. 1º As medidas tendentes a promover a assimilação dos alienígenas, constantes dos decretos-lei n.
383, de 18 de abril de 1938, e seu regulamento; n. 406, de 4 de maio de 1938; completado pelo de n. 639 e
regulamentado pelo de n. 3.010, ambos de 20 de agosto de 1938; e decreto-lei n. 868, de 18 de novembro
de 1938, serão dirigidas e centralizadas pelo Conselho de Imigração e Colonização, que designará para
essa função especial um de seus vice-presidentes.

Art. 2º Ficam revogadas as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1938, 117º da Independência e 50º da República.

GETULIO VARGAS.

Francisco Campos.

A. de Souza Costa.

Eurico G. Dutra.

Henrique A Guilhem.
270

João de Mendonça Lima.

Oswaldo Aranha.

Fernando Costa.

Gustavo Capanema.

Waldemar Falcão.
271

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DECRETO-LEI N. 1.164 - DE 18 DE MARÇO DE 1939

Dispõe sobre as concessões de terras e vias de comunicação na faixa da fronteira, bem como sobre
as indústrias aí situadas

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição,

decreta:

Art. 1º As concessões de terras na faixa de cento e cinqüenta quilômetros ao longo da fronteira do


território nacional com os países estrangeiros não se farão sem prévia audiência do Conselho de
Segurança Nacional.

Art. 2º As terras públicas compreendidas nos primeiros trinta quilômetros contados da linha da
fronteira serão divididas em lotes a serem distribuídos nas condições e de acordo com as restrições do
Decreto-Lei n. 893, de 26 de novembro de 1938.

Parágrafo único. Essa distribuição incumbe ao Ministério da Agricultura, que para esse efeito
organizará um plano de loteamento e colonização.

Art. 3º A distribuição das terras poderá ser feita a título gratuito :

a) a praças de pret que tenham tido baixa das fileiras do Exército e da Marinha, ou das polícias
militares;

b) a militares reformados ou funcionários públicos aposentados.

Art. 4º Os lotes a que se refere o art. 2º só poderão ser concedidos a chefes de família que satisfaçam
as seguintes condições:

a) sejam brasileiros natos, casados com brasileiras natas;

b) tenham aptidão para os trabalhos agrícolas.

Art. 5º As terras não poderão ser transferidas, a título oneroso ou gratuito, a quem não satisfaça as
mesmas condições.

Art. 6º Em qualquer caso, é indispensável que os beneficiados fixem residência nas terras e aí se
272

dediquem efetivamente à agricultura ou a indústrias do campo. Pena de caducidade da concessão, caso a


exploração agrícola não seja iniciada dentro do prazo de seis meses, ou seja paralisada.

Art. 7º Caducará ainda a concessão sempre que de qualquer modo se verificar o desvirtuamento do seu
objetivo.

Art. 8º Ao conceder a autorização a que se refere o art. 1º o Conselho terá em vista :

a) que os concessionários sejam brasileiros e se achem constituídos em famílias, considerando-se


brasileira a família cujo chefe for brasileiro ou tiver filhos brasileiros vivos, respeitada a restrição dos arts.
2º e 4º, sempre que a concessão se destinar à exploração agrícola ou de indústrias de campo;

b) o aproveitamento racional e imediato das terras, que não deverão constituir latifundios inexplorados
ou deficientemente explorados;

c) a predominância de brasileiros natos nos núcleos de população, na razão de 8O % ; observado,


quanto à localização de estrangeiros, o disposto no Decreto n. 3.010, de 20 de agosto de 1938;

d) que o ensino de qualquer matéria seja dado em lingua brasileira, e que nenhuma lingua estrangeira
seja ensinada a menores de 14 anos;

e) a exclusividade do pequeno comércio e do comércio ambulante a brasileiros natos.

Art. 9º Quando a concessão for dada a empresas, na organização destas serão observadas, ainda, as
condições do art. 13.

Art. 10. Na distribuição de lotes de terras a que se refere esta lei, ter-se-à em vista a preferência
absoluta para os brasileiros que, não sendo proprietários rurais ou urbanos, se acharem na posse efetiva de
trecho de terra até dez hectares, e efetivamente o cultivem. A concessão do lote será, neste caso, gratuita,
e feita administrativamente, não dependendo de sentença declaratória.

Art. 11. Nenhuma concessão de terras na faixa da fronteira compreenderá mais de dois mil hectares.

Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo consideram-se uma só unidade as concessões feitas a
indivíduos da mesma família (até o 4º grau, consangüíneos ou afins), ou a empresas que contem e
administradores comuns.

Art. 12. Nenhuma concessão relativa a vias de comunicação, dentro da mesma faixa, se efetivará sem
prévia audiência do Conselho de Segurança Nacional.

Art. 13. Apreciando a conveniência da concessão, do ponto de vista da segurança e defesa da Nação, o
Conselho exigirá ainda:

a) que a administração da empresa esteja confiada a brasileiros natos, ou naturalizados ha mais de dez
anos;

b) que essa administração esteja investida de plenos poderes;

c) que o quadro do pessoal da empresa seja formado pelo menos de 2/3 de brasileiros natos, ou
naturalizados ha mais de dez anos;

d) que a proporção estabelecida na alínea anterior seja observada com referência ao número de
273

empregados da mesma categoria;

e) que da administração faça parte um representante do Governo Federal, com direito de livre exame
sobre os negócios e de veto a qualquer decisão, cabendo recurso para o Presidente da República.

Art. 14. Toda empresa industrial que se localize na faixa da fronteira (art. 1º), ou nela exerça sua
atividade principal, deverá ter na administração e no quadro de empregados 2/3, pelo menos, de
brasileiros.

Parágrafo único. O Conselho de Segurança Nacional poderá, contudo, exigir que para determinadas
indústrias, a seu critério sejam observadas as condições do artigo anterior.

Art. 15. As empresas de serviços públicos deverão observar, nos seus quadros de administradores e
empregados, o disposto no artigo 13.

Art. 16. Deverá ser brasileiro mais de metade do capital das empresas alcançadas pelas disposições
desta lei. Pena de interdição do seu funcionamento.

§ 1º Si dentro de seis meses não se tiverem efetuado as transferências de ações que forem necessárias
para a redução do capital estrangeiro à proporção deste artigo, a administração da empresa promoverá a
venda das mesmas, por ordem da numeração respectiva, e depositará em juízo o que for apurado em
dinheiro, deduzidas as despesas.

§ 2º A venda será feita em bolsa, quando a ação tiver cotação oficial; caso contrário, em leilão público.

§ 3º Cancelada a inscrição, será emitida segunda via da ação em favor do adquirente.

Art. 17. As empresas agrícolas e industriais que se acham em atividade na faixa da fronteira deverão
adaptar-se as exigências desta lei.

Parágrafo único. O disposto neste artigo estende-se às quedas d'água já aproveitadas industrialmente a
10 de novembro de 1937.

Art. 18. Dentro da faixa da fronteira, referida no art. 1º, é verdade impressão ou a circulação de
jornais, revistas, anuários, boletins e outras publicações periódicas em língua estrangeira. Pena de
apreensão dos exemplares e fechamento da tipografia e prisão celular do responsáveis por um a três
meses.

Art. 19. As concessões de terras até agora feitas pelo governos estaduais ou municipais na faixa da
fronteira ficam sujeitas à revisão por uma comissão especial que para esse efeito será nomeada pelo
Presidente da República. Até que este as confirme é vedada qualquer negociação sobre as mesmas.

Rio de Janeiro, 18 de marco de 1939, 118º da Independência e 51º da República.

Getulio Vargas

F. Negrão de Lima

A. de Souza Costa

Eurico G. Dutra
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Henrique A. Guilhem

C. de Freitas Valle

João de Mendonça Lima

Fernando Costa

Gustavo Capanema

Waldemar Falcão
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DECRETO-LEI N. 2.009 - DE 9 DE FEVEREIRO DE 1940

Dá nova organicação aos núcleos coloniais

O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o artigo 180 da Constituição.

decreta:

Artigo 1º Núcleo Colonial é uma reunião de lotes medidos e e demarcados, formando um grupo de
pequenas propriedades rurais.

Artigo 2º A formação de núcleos coloniais poderá ser promovida :

a) pela União ;

b) pelos Estados e Municípios;

c) por empresas de viação férrea ou fluvial, companhias, associações ou por particulares.

Artigo 3º O Ministério da Agricultura reserva para si o direito de inspecionar os núcleos coloniais


fundados pelos Estados, Municípios, empresas de viação férrea ou fluvial, companhias, associações e
particulares, embora os fundadores gozem ou não dos auxílios oficiais, de acordo com o Decreto n. 3.010,
de 20 de agosto de 1936.

Artigo 4º Os núcleos coloniais serão estabelecidos em zonas rurais, desde que reunam as seguintes
condições :

a) situação climatérica e condições agrológicas exigidas pelas culturas da região;

b) constituição física e composição natural que representem os tipos principais de terras apropriadas às
culturas da região;

c) localização em ponto próximo de centro de população servida por estrada de ferro, rodovia ou
companhia de navegação;

d) salubridade;

e) existência de cursos permanentes dágua ou sistema de acudagem para irrigação e outros mistéres
276

agricolas;

f) área nunca inferior a mil hectares de terras de culturas ou cultiváveis, salvo casos especiais em que
seja conveniente o aproveitamento de terras da União.

Paragrafo único. Nenhum núcleo colonial poderá ser estabelecido sem que tenha sido demarcado no
todo ou na parte destinada à divisão em lotes.

Artigo 5º Escolhida a localidade para o núcleo e organizados e submetidos à aprovação do Ministro o


plano geral e orçamento provavel dos trabalhos, serão as terras divididas em lotes e executadas as
respectivas obras.

Parágrafo único. A fundação de núcleos coloniais federais será feita por decreto.

Artigo 6º Si a posição e importância do núcleo exigirem a formação de uma sede, será reservada, para
isso, área suficiente, bem situada, na parte mais plana da zona e que preencha as condições necessárias de
salubridade, realizando-se o preparo local e as construçõea e obras indispensaveis, de acordo com o
projeto aprovado pelo diretor da Divisão de Terras e Colonização. (D. T. C.)

Parágrafo único. A sede será o ponto de convergência das principais estradas do núcleo. No caso de já
existir, em terras onde se leve a efeito a fundação de um núcleo colonial, povoação que satisfaça as
exigências constantes deste Decreto será a mesma considerada como sede do núcleo.

Artigo 7º Os núcleos coloniais, além das casas destinadas à, residência do pesaoal técnico,
administrativo e operário e de trabalhadores, terão :

a) um campo de demonstração destinado às culturas próprias da região ou de outras economicamente


aconselháveis:

b) escolas para ensino rural, de acordo com os programas estabelecidos pela Superintendência do
Ensino Àgricola;

c) pequenas oficinas para o trabalho do ferro e da madeira;

d) serviço médico e farmacêutico;

e) cooperativas de venda, consumo e crédito.

Artigo 8º Além do que refere o artigo anterior, o núcleo colonial poderá manter ;

a) estações de monta, com reprodutores selecionados e aconselhados à região;

b) instalação para beneficiamento dos produtos agricolas;

c) postos meteoro-agrários;

d) animais de trabalho;

e) máquinas, instrumentos e utensílios agrícolas, sementes, adubos, inseticidas e fungicidas, para venda
aos colonos, pelo preço do custo.

Art. 9º Fundado o núcleo colonial, a D. T. C. entrará em acordo com o governo da localidade para ser
277

estabelecida, no ponto mais conveniente, uma feira livre.

Art. 10. No progeto de organização do núcleo ficarão reservados os lotes :

a) em que existirem riquesas naturais exploraveis ou quedas d'agua utilizaveis em beneficio coletivo;

b) que não possuirem condições essenciais para serem habitados, podendo, neste caso, ser
oportunamente aproveitados ou ahenados.

Art. 11. Satisfeitas as exigências previstas no art. 23 e a legislação de entrada de estrangeiras, os lotes
rurais dos núcleos coloniais serão distribuidos individuaimente a:

a) nacionais que queiram se dedicar à agricultura ;

b) estrangeiros agricultores.

Art. 12., O Governo Federal entrará em acordo com os do Estado e Município em que se encontre
situado o núcleo colonial, no sentido de ficarem isentos os concessionárioa de lotes rurais, durante os
cinco primeiros anos de sua localização no núcleo, de todos os impostos e taxas, que incidam ou venham
incidir sobre seus lotes, culturas, veiculos destinados ao seu transporte e instalação de beneficiamento de
seus produtos, inclusive o imposto territorial para os lotes rurais integralmente pagos.

Art. 13. O produto da venda dos lotes, nas nucleos coloniais da União, pertencerá ao Governo Federai
e constituirá o fundo especial a que se refere o art. 72 do Decreto-lei n. 406, de 4 de maio de 1938.

Art. 14. Os Lotes, nos núcleos coloniais, serão classificados em :

a) rurais, destinados à lavoura e criação, cujo limite variara entre 10 e 50 hectares, salvo casos
especiais, devidamente justificados e

submetidos à aprovação do Presidente da República.

b) urbanos, situados na sede do núcleo, destinados a formar a futura povoação, tendo a sua frente
voltada para ruas e praças e com uma área maxima de 3.000 metros quadrados, salvo se destinados a fins
especiais.

Art. 15. Os lotes serão vendidos mediante pagamento a vista ou a prazo, na forma prevista no art. 22 e
seus parágrafos.

Art. 16. Os lotes urbanos serão vendidos ao possuidor de lote rural mantido bem cultivado ou
beneficiado e ao estrangeiro ou nacional que, dispondo de recursos, se obrigue a construir imediatamente
a casa para residência, estabelecimenta de comércio, indústria ou oficina de trabalho, de acordo com a
planta aprovada pela administração do núcleo.

§ 1º Os lotes urbanos serão cercados pelo adquirente, pelo menos na frente, voltada para ruas e praças,
de acordo com o sistema de cercas aprovado pela administração do núcleo.

§ 2° Dentro do prazo máximo de seis meses, a partir da data da expedição do título provisório de
propriedade, deverá o adquirente de lote urbano satisfazer a exigência do parágrafo anterior e concluir a
construção da respectiva casa, estabelecendo-se multas de 100$0 a 500$0 pela falta de cumprimento
dessas obrigações.

§ 3º Para garantia das obrigações estabelecidas nos parágrafos anteriores, será expedido o titulo
278

provisório de propriedade, o qual será substituido pelo definitivo, depois de satisfeitas as referidas
obricações.

$ 4º Ao adquirente de lote urbano caberá a conservação das ruas e praças da sede, bem como a limpeza
das valas que existirem no lote,

§ 5º Quando o lote urbano for pretendido por mais de uma pessoa, será posto em concorrência
administrativa e adjudicado a quem maiores vantagens oferecer.

Art. 17. O preço de venda será estabelecido, por uma comissão de avaliação, composta de três
funcionários designados pelo diretor da D. T, C., para cada grupo de lotes componentes do núcleo
coloniai, antes de sua distribuição a colonos, por proposta da D. T. C. e aprovação do Ministro de Estado,
observados os seguintes fatores:

a) situação em relação aos mercados consumidores;

b) distància média da sede do núcleo;

c) vias de comunicação;

d) salubridade;

e) sistemas hidrográfico e orográfico, de forma a ser verificada a possibilidade da irrigação e do


trabalho mecânico da terra;

f) constituição física e composição natural, de maneira a caracterizar os principais tipos de terras


apropriadas ás culturas da região;

g) florestas;

h) culturas adaptaveis economicamente à região;

i) preço médio dos terrenos limitrofes;

j) finalidade social da colonização.

§ 1º Tal preço poderá ser alterado periodicamente, de acordo com o valor das terras.

§ 2º Ao preço do lote será adicionado, quando houver, o valor venal de casas, bemfeitorias e culturas,
salvo quando estas,já pertencerem ao respectivo concessionário, que terá preferência para a aquisição do
lote que ocupar.

§ 3º O valor venal, referido no parágrafo anterior, será avaliado de acordo com as instruções baixadas
pela D. T. C., lavrando-se o respectivo termo.

§ 4º O ocupante de casa, já habitada por terceiro, poderá requerer, dentro do prazo de 30 dias, vistoria
para nova avaliação.

§ 5º As culturas e bemfeitoriaa, existentes no lote a ser vendido, serão avaliadas pelo menor preço
local, pela administração do núcleo, com aprovação do diretor da D. T. C. preco que será adicionado ao
valor do lote.
279

Art. 18. É permitido ao côlono adquirir, a prazo, segundo lote rural, de preferência contíguo ou
próximo, desde que obtenha o título definitivo do primeiro e tenha desenvolvido a cultura ou
beneficiamento do mesmo, a juizo do Diretor do D.T.C.

Art. 19. Enquanto dever ao núcleo, o ocupante do lote não poderá, sem prévia autorização, vender,
hipotecar, transferir, alugar, dar em anticrese, permutar ou alienar, de qualquer modo, direta ou
indiretamente o lote, a casa e as benfeitorias, ficando vedado aos notários e escrivães passar escrituras e
procurações de qualquer natureza, desde que os concessionários não exibam o respectivo titulo definitivo
de propriedade.

§ 1° Enquanto dever ao núcleo não poderá o colono, sem prévin autorização, dispôr de benfeitorias,
matas ou quaisquer bens no lote existentes.

§ 2º Os atos referidos neste artigo e seu parágrafo 1º serão reguralos em instruções especiais baixadas
pelo Diretor da D.T.C.

Art. 20. Ao colono, a partir de um ano após a sua localização no núcleo, caberá a limpeza das valas e
valetas, até dois metros, inclusive, de largura e a conservação das estradas de rodagem e caminhos, com
menos de sete metros úteis de plataforma, que atravessarem as respectivas terras.

Art. 21. Nos núcleos coloniais poderão ser mantidos armazens ou depósitos de gêneros alimentíeios e
outros, de primeira necessidade, para garantia do abastecimento da população, a preços módicos, por meio
de cooperativas.

Art. 22. Os preços dos lotes, com ou sem casa, quando comprados a prazo, bem como quaisquer
auxílios, quando não sejam remuneração de trabalho ou classificados como gratuitos, constarão de
cadernetas entregues ao devedor, organizadas em forma de conta corrente, e constituirão débito dos
colonos levado à conta do chefe da família.

§ 1º A amortização do débito do concessionário do lote rural ou urbano será feita em dez prestações
iguais e anuais, vencendo-se a primeira no último dia do terceiro ano e a última no fim do décimo
segundo ano de seu estabelecimento. Em falta de pagamento, cobrar-se-á o juro de mora à razão de 5 %
ao ano sobre as prestações vencidas, não sendo permitido atrazo superior a dois anos, quando se fará a
cobrança executiva, na forma da legislação em vigor, a juizo da D.T.C.

§ 2º O concessionário de lote, que solver seus débitos antecipadamente, ter á direito á bonificação,
calculada à razão de 1 % ao mês se o respectivo prazo for inferior a um ano; e no caso de ser igual ou
superior a um ano o prazo do vencimento, ou a venda se efetuar à vista, o desconto será de 12 % sobre a
soma a ser paga na ocasião.

§ 3º Até o pagamento da primeira prestação anual, o colono será considerado ocupante do lote a título
precário.

Art. 23. Só poderão adquirir lotes rurais :

a) quem, sendo maior de 18 anos, não for proprietário rural na região em que estiver localizado o
núcleo colonial;

b) quem se comprometer a passar a residir com sua família no lote rural que 1he for concedido;

c) quem, satisfazendo as exigências da letra a, se obrigar a trabalhar e dirigir, no local, os trabalhos


agricolas do lote;

d) quem, satifazendo as condições exigidas pelas letras a, b e c não exercer função pública, quer, quer
280

como funcionário, quer como extranumerário.

Parágrafo único. Serão respeitadas as concessões já outorgadas, bem como aquelas que decorrerem das
legalizações e regularizações previstas no Decreto-lei n. 893, de 26 de novembro de 1938.

Art. 24. Aos colonos adquirentes de lotes serão expedidos os seguintes títulos :

a) provisório, ou de designação do lote rural ou urbano, que será entregue ao concessionário em


seguida ao seu estabelecimento no lote;

b) definitivo, ou de propriedade do lote, que será expedido depois de haver o concessionário liquidado
integralmente a sua dívida, quer seja o lote adquirido à vista ou à prazo, ou quando nas condições
expressas no art. 30.

Art. 25. O título de propriedade do lote urbano será conferido quando o respectivo adquirente houver
satisfeito todas as exigências deste Decreto.

Art. 26. Os títulos provisórios e difinitivos serão passados pela D.T.C., de acordo com os elementos
técnicos as existentes.

§ 1º Do título provisório passado ao adquirente de lote deverão constar o preço total do lote e as
principais condições para obtenção do título definitivo.

§ 2º No verso do talão do título definitivo, tanto do lote rural como do urbano, serão anotados os
números e as datas dos recibos de pagamento, o nome e a sede da estação fiscal arrecadadora, designação
do livro e folha de escrituração do núcleo, onde foram lançados os pagamentos, bem como um esboço do
lote extraído da planta do núcleo, com indicação dos azimutes verdadeiros e comprimento dos lados do
polígono de divisas.

§ 3° Quando ocorrerem os casos previstos no art. 30, serão os mesmos anotados, igualmente, no verso
do talão do título.

§ 4° As anotações referidas nos parágrafos anteriores serão assinadas pelo funcionário encarregado da
escrituração da dívida colonial e visadas pelos chefes de secção.

Art. 27. Os pagamentos de lotes, Casas e benfeitorias serão feitos na estação arrecadadora mais
próxima do núcleo, mediante guia do administrador ou zelador do núcleo na qual será marcado o prazo
máximo de quinze dias para o recolhimento da importância respectiva.

§ 1º Os recibos expedidos pela estação arrecadadora serão registrados em livro próprio, no núcleo,
designando-se o nome de quem efetuou o pagamento, importâncias pagas, discriminadamente, número e
data dos recibos. nome e sede da estação arrecadadora.

§ 2º É expressamente vedado aos administradores ou zeladores dos núcleos coloniais receberem as


importâncias relativas às prestações dos lotes, ou quaisquer outras, salvo casos especiais, autorizades pelo
Diretor da D.T.C.

Art. 28. Aos colonos agricultores, serão dadas as seguintes vantagens :

a) alimentação gratuita, durante três primeiros dias da chegada ao núcleo;

b) trabalho a salário ou empreitada, em obras ou serviços do núcleo, durante o primeiro ano a partir do
281

dia da chegada do colono ao núcleo ;

c) assistência médica gratuita até a emancipação do núcleo:

d) dieta e medicamentos. plantas, sementes. adubos, insetícidas, fungícidas e ferramentas agricolas,


gratuitos. durante o primeiro ano a contar da data da chegada do colono ao núcleo.

e) empréstimo, durante o primeiro ano da chegada ao núcleo, de máquinas e instrumentos agrícolas e


de animais de trabalho:

f) transporte da estação ferroviária, porto marítimo ou fluvial até a séde do núcleo.

§ 1º Após o primeiro ano, os fornecimentos especificados nas allineas d e e poderão ser feitos medianta
pagamento ou levados à, conta corrente do colono até o limite estabelecido pelo Diretor da D.T.C.

§ 2º Os colonos que derem grande desenvolvimento ás culturas dos lotes, a,juizo da administração, si
estrangeiros, poderão ser creditados do valor correspondente às passagens pagas do exterior para o Brasil,
e si nacionais, poderão receber reprodutores ou máquinas agricolas. a juizo do Ministro.

Art. 29. Serão cassadas os favores estabelecidos neste decreto aos colonos que nos núcleos coloniais
transgredirem ou deixarem de cumprir as disposições do Decreto n. 3.010 na fórma de seu artigo 265.

Art. 30. Falecenrdo o chefe da famflia, em cujo nome houver sido expedido o titulo provisório de
propriedade. o lote passará aos herdeiros ou legatários, nas mesmas condições em que fôra possuido.

Parágrafo único. Si o núcleo ainda não estiver emancipado, a transferência será feita
administrativamente, por ordem oficial, sem iptervençãon judiciária.

Art. 31. Qualquer débito que, por ventura, haja contraido com o núcleo o chefe da familia que falecer.
deixando viuva e orfãos. Será considerado extinto, salvo o proveniente da compra do lote, casa e
benfeitorias a prezo.

Art. 32. Si o lote, casa e benfeitorias tiverem sido comprados a prazo e falecer o adquirente. deixando
pagas. pelo menos, 3 prestações, serão dispensadas. em favor da viuva e orfãos. as demais prestações
ainda não vencidas, expedindo-se título definitiva de propriedade.

Paragrafo único. A requerimento dos herdeiros dos concessionários de lotes. depois da verificada a
extrema pobreza, poderá o Ministro relevar a dívida total contraida, pela aquisição do lote, casa e
benfeitorias, determinando a expedição do titulo definitivo.

Art. 33. Será excluido do lote em que estiver localizado, o colono que :

a) deixar de cultivar o seu lote por espaco de três meses, salvo motivo de força maior, a juizo da
administração do núcleo;

b) deixar de cultivar a área mínima dentro do prazo máximo, estabelecido pela administração, de
acordo com as propostas aprovadas pelo Diretor da D.T.C., salvo justa causa, reconhecida pela
administração.

e) desvalorizar o lote, explorando matas sem o imediato aproveitamento agrícola do sólo e o respectivo
reflorestamento, de acordo com o plano previamente aprovado, bem como deixar de cumprir as
exigências constantes do artigo 20.
282

d) por sua má conduta tornar-se elemento de perturbação cara o núcleo ;

§ 1º. a exclusão, por motivo das alineas c, b e c, deste artigo, será feita depois de intimado o colono e
de praceder-se vistoria no lote, de que se lavrará um termo.

§ 2°. No caso da alínea d), será feito inquérito administrativo.

§ 3°. Cabe ao diretor da D.T.C., de acordo com os documentos comprobatórios, autorizar a expulsão
do colono, com recurso ao Ministro de Estado.

§ 4°. Autorizada a expulsão será o colono notificado administrativamente para, no prazo de dez dias, a
partir da notificação, desocupar o lote respectivo. Si não fôr encontrado o colono, depois de procurado em
dois dias consecutivos, será feita a notificação por edital publicado no "Diário Oficial", com o mesmo
prazo de dez dias.

§ 5º. Si, decorrido o prazo estabelecido no parágrafo anterior, não fôr o lote desocupado pelo colono, a
União reocupá-lo-á adminiatrativamente, caso a situação do colono seja a prevista no § 3º do artigo 22. Si,
porém, o colono já honver pago, pelo menos, a primeira prestação anual a que se refere o § 1º do artigo
22, a União promoverá judicialmente a reintegração de posse do respectivo lote, para o que o Ministério
da Agricultura enviará à Procuradoria da República da competente Região os documentos comprobatórios
que instruirão o pedido de reintegração e dispensarão a sua justificação prévia.

§ 6°. Ao colono que fôr oxcluido caberá tão sómente a restituição das importâncias que haja recolhido
aos cofres públicos, como pagamento. parcial ou total, das terras. casas e outras benfeitorias.

§ 7º. Do ato da exclusão do colono e da execução da respectiva decisão não caberá ação possessória,
aplicando-se este dispositivo aos processos em curso em quaisquer instâncias e fases.

Art. 34. Será considerado abandonado o lote rural cujo concessionário deigar da cultivá-lo. na fórma
estipulada neste decreto.

As benfeitoriae existentes nos lotes revertidos á União, salvo caso de expulsão, serão avaliadas por
uma comissão técnica, designada pelo Diretor da D.T.C., procedendo-se á respectiva venda em
concorrência administrativa aprovada pelo Diretor da D.T.C.

§ 2º. Do produto da venda dos lotes e benfeitorias em concorrência, entregar-se-á aos concessionários o
que exceder da importância de sua dívida.

Art. 35. A partir dos pontos marginais de estradas de rodagem, em tráfego ou em construção, ou de
rios em que houver navegação, podem ser estabelecidaa linhas coloniais.

Parágrafo único. A linha colonial a que se refere este artigo é uma estrada de rodagem ladeada de lotes,
medidos e demarcados, seguidamente, ou próximos uns dos outros.

Art. 36. As linhas coloniais deverão estar situadas em zonas que satisfaçam as condições exigidas para
os núcleos.

Art. 37. A emancipação do núcleo colonial será declarada pelo Governo, quando houver sido expedido
a todos os concessionários de lotes os títulos definitivos de propriedade ou antes, si conveniente.

Parágrafo único. A emancipação dos núcleos coloniais se dará por


283

decreto.

Art. 38. Emancipado o núcleo, poderá o Governo ceder, à cooperativa agrícola organizada entre os
colonos do núcleo, as instalaçães, instrumentos, máquinas agrícola, animais de trabalho, reprodutores e
material dispensavel.

Art. 39, Emancipado o núcleo, ficará este integrado na vida autônoma do respectivo município.

Art. 40. Os lotes vagos nos núcleos emancipados serão vendidos separada ou englobadamente, em
concorrência administrativa, bem como as terras que forem requeridas e que estiverem por medir e
demarcar, sendo as condições de venda estipuladas pelo Ministro.

Art. 41. Aos colonos do núcleo emancipado e que se encontrem em dia com as prestações de seus lotes
será concedida uma redução sobre as prestações restantes, desde que pagas de uma só vez, nas condicões
seguintes :

25% si liquidadas dentro de 3 meses;

20% si liquidadas dentro de 6 meses;

15% si liquidadas dentro de 12 meses.

Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo são contados da data do ato da emancipação.

Art. 42. Quaisquer edifícios disponiveis e existentes em núcleos que forem emancipados poderão ser
utilizados pelos Estados ou Municípios, com prévia autorização do Ministro de Estado, ou vendidos em
concorrência pública.

Art. 43. Emancipado o núcleo, ficará o mesmo a cargo de um zelador e dos trabalhadores estritamente
neeessários ao cumprimento das obrigações que 1hes forem determinadas pela D. T. C., inclusive a
cobranca da divida colonial.

Art. 44. Havendo terras devolutas no núcleo emancipado, o Governo poderá, guando entender
conveniente, mandar dividi-las em lotes, promovendo para isso os necessários meios.

Art. 45. Os atuais centros agrícolas passam a denominar-se núcleos coloniais.

Art. 46. Os casos omissos deste decreto serão resolvidos por portaria baixada pelo Ministro de Estado.

Art. 47. O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se todas as leis e
disposições em contrário.

Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1940, 119º da Independência e 52º da República.

Getulio Vargas.

Fernando Costa.
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ADVERTÊNCIA
Informamos que os textos das normas deste sítio são digitados ou digitalizados, não sendo, portanto, "textos oficiais". São reproduções digitais de
textos originais, publicados sem atualização ou consolidação, úteis apenas para pesquisa.

Senado Federal
Subsecretaria de Informações

DECRETO-LEI N. 3.059 - DE 14 DE FEVEREIRO DE 1941

Dispõe sobre a criação de Colônias Agrícolas Nacionais

O Presidente da República, usando da atribuição que Ihe confere o Art. 180 da Constituição,

decreta:

Art. 1º Alem dos núcleos coloniais a que se refere o decreto-lei nº 2.009, de 9 de fevereiro de 1940, o
Governo Federal, em colaboração com os Governos estaduais e municipais e todos os órgãos da
administração pública federal e por intermédio do Ministério da Agricultura, promoverá a fundação e
instalação de grandes Colônias Agrícolas Nacionais, as quais serão destinadas a receber e fixar, como
proprietários rurais, cidadãos brasileiros reconhecidamente pobres que revelem aptidão para os trabalhos
agrícolas e, excepcionalmente, agricultores qualificados estrangeiros.

Parágrafo único. Todas as despesas decorrentes da fundação, instalação e manutenção das colônias,
inclusive construção e conservação das vias principais de acesso, serão custeadas pela União, dentro dos
créditos que forem destinados a esse fim.

Art. 2º As colônias serão criadas por decreto executivo e fundadas em grandes glebas de terras que
deverão reunir as seguintes condições:

a) situação climatérica e condições agrológicas exigidas pelas culturas da região:

b) cursos permanentes dágua ou possibilidade de açudagem para irrigação.

Art. 3º Na escolha da região para a fundação da colônia, ter-se-á em vista a existência de quedas dágua
para a produção de energia hidroelétrica.

Art. 4º Escolhida a região para a colônia, proceder-se-á à elaboração do plano geral de colonização e
orçamento dos respectivos trabalhos, os quais deverão ser submetidos à aprovação do Presidente da
República.

§ 1º A área do lote variará de 20 a 50 hectares.

§ 2º Tratando-se de regiões de florestas naturais, em cada lote será mantida uma reserva florestal não
inferior a 25 % da sua área total.

§ 3º Sempre que possivel será mantida uma grande reserva florestal típica da região, em torno da
285

colônia.

§ 4º Na elaboração do plano geral de colonização, serão respeitadas as belezas naturais da região, bem
como cuidar-se-á da proteção à sua flora e fauna.

Art. 5º Fixada a região onde a colônia deverá ser fundada, será projetada a sua futura sede,
escolhendo-se para isso a zona que melhores condições oferecer.

Parágrafo único. No projeto da sede serão observadas todas as regras urbanísticas, visando a criação de
um futuro núcleo de civilização no interior do pais.

Art. 6º Na sede da colônia será fundado um aprendizado agrícola destinado a ministrar aos filhos dos
colonos instrução rural adequada, dotado de oficinas para trabalhos de ferro, madeira, couro, etc., onde os
colonos e seus filhos farão aprendizagem desses misteres necessários ao homem rural.

Parágrafo único. Poderão ser instituídos cursos rápidos, para menores e para adultos com carater
eminentemente prático.

Art. 7º Serão mantidos postos de monta com reprodutores selecionados; instalação para
beneficiamento dos produtos agrícolas florestais, agrícolas e de origem animal.

Art. 8º Serão mantidas ainda escolas primárias para alfabetização de todas as crianças em idade
escolar.

Art. 9º Os colonos serão reunidos em cooperativas de produção, venda e consumo.

Art. 10. Em cada lote será construída pequena casa para residência do colono e sua família, do tipo
mais conveniente à região.

Art. 11. Aprovado o plano geral de colonização e executados os respectivos trabalhos, será organizada
a relação dos candidatos aos lotes, dando-se preferência, na distribuição, aos elementos locais e dentre
estes os de prole numerosa assim considerados os chefes de família que tenham, no mínimo, cinco filhos
menores que vivam sob a sua dependência.

Art. 12. Os lotes casas e quaisquer bemfeitorias nele existentes, serão concedidos gratuitamente,
observadas as seguintes condições:

a) o colono terá, o domínio útil do lote, nele residindo e recebendo, para a sua exploração agrícola,
sementes e material agrário mais urgente;

b) de acordo com a região e possibilidade de escoamento da produção agrícola para os centros de


consumo, será marcado o prazo em que o lote deverá ser utilizado agriculamente em condições
satisfatórias de técnica e extensão;

c) findo o prazo a que, se refere o item anterior e preenchidas as demais condições constantes deste
decreto-lei, o colono receberá em plena propriedade o lote a casa e o material agrícola em seu poder,
independentemente de qualquer pagamento.

Art. 13. Aos colonos serão facultados os seguintes auxílios, a partir da data de sua localização no
núcleo:

1) trabalho a salário ou empreitada em obras ou serviços da colônia, pelo menos durante o primeiro
286

ano;

2) assistência médica e farmacêutica e serviços de enfermagem até a emancipação de colônia;

3) empréstimo, durante o primeiro ano de localização na colônia de máquinas e instrumentos agrícolas


e de animais de trabalho;

4) transporte da estação ferroviária, porto marítimo ou fluvial até a sede da colônia.

Art. 14. Na região em que for fundada a colônia, os lotes em que estiverem riquezas naturais
exploráveis ou quedas dágua utilizáveis em benefício coletivo, não serão concedidos.

Art. 15. Na área em que for fundada a colônia, transferida por qualquer título ao domínio da União, os
Estados e Municípios não poderão praticar atos que importem na cobrança de impostos e taxas sobre o
lote, culturas veículos destinados ao transporte de colono e o de sua produção, instalação para
beneficiamento dos produtos agropecuários, bem como sobre o valor da terra, enquanto a colônia não
houver sido emancipada.

Art. 16. Os lotes serão rurais e urbanos, segundo a definição do Art. 14 do decreto-lei 2.009, de 9 de
fevereiro de 1940.

Art. 17. Os lotes urbanos serão concedidos gratuitamente ou vendidos mediante condições
estabelecidas para cada colônia e submetidas à aprovação do Presidente da República.

Art. 18. até a expedição do título definitivo de propriedade o ocupante do lote não poderá vender,
hipotecar, transferir, alugar, dar em anticrese, permutar ou alienar, de qualquer modo, direta ou
indiretamente, o lote, a casa e as bemfeitorias, ficando vedado aos escrivães passar escrituras e
procurações de qualquer natureza, desde que os concessionários não exibam o respectivo título definitivo
de propriedade.

Art. 19. ao colono, a partir de um ano da sua localização na colônia, caberá a limpeza das valas e
valetas, até dois metros, inclusive, de largura e a conservação das estradas de rodagem e caminhos, com
menos de sete metros de plataforma, que atravessarem as referidas terras.

Art. 20. Os lotes rurais serão concedidos a cidadãos brasileiros maiores de 18 anos, que não forem
proprietários rurais e reconhecidamente pobres, desde que revelem aptidão para os trabalhos da
agricultura e se comprometam a residir no lote que lhes for concedido.

§ 1º Excepcionalmente, poderão ser concedidos lotes a agricultores estrangeiros qualificados que, por
seus conhecimentos especiais dos trabalhos agrícolas, possam servir como exemplo e estímulo aos
nacionais.

§ 2º E' vedada a concessão de lotes a quem quer que exerça função pública federal, estadual no
municipal.

Art. 21. Os títulos definitivos de propriedade serão passados pela Divisão de Terras e Colonização,
deles constando os elementos indispensáveis à sua individuação, e serão assinados pelo Presidente da
República.

Art. 22. No caso de falecimento do chefe de família ocupante de lote, este passará aos herdeiros ou
legatários, nas mesmas condições em que fora possuído.

Art. 23. Qualquer débito que, porventura, haja contraído o chefe de família que falecer, deixando viuva
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e orfãos, será considerado extinto.

Art. 24. Será excluído do lote que ocupar, o colono que:

a) deixar de cultivá-lo dentro dos prazos estabelecidos para cada colônia, salvo motivo de força maior,
devidamente comprovado, à juizo da administração da colônia;

b) desvalorizar o lote, explorando matas sem o imediato aproveitamento agrícola do solo e o respectivo
reflorestamento, em desacordo com o plano previamente aprovado;

c) por sua má conduta tornar-se elemento de perturbação para a colônia.

§ 1º A exclusão por motivo das alíneas a e b, deste artigo, será feita depois de intimado o colono e de
proceder-se à vistoria no lote, de que se lavrará o termo.

§ 2º No caso da alínea c será feito inquérito administrativo.

§ 3º Cabe ao Diretor da Divisão de Terras e Colonização, do Departamento Nacional da Produção


Vegetal, do Ministério da Agricultura, de acordo com os documentos comprobatórios, autorizar a
exclusão, de cujo ato caberá recurso, ao Ministro de Estado.

§ 4º Autorizada a exclusão, será o colono notificado administrativamente para, no prazo de dez (10)
dias, a partir da notificação, desocupar o lote respectivo. Não sendo encontrado depois de procurado dois
dias consecutivos, será feita a notificação por edital publicado no Diário Oficial e em jornal editado na
região, mais próxima com o mesmo prazo de dez dias.

§ 5º Se decorrido o prazo estabelecido no parágrafo anterior, não for o lote desocupado pelo colono, a
União reocupa-lo-á administrativamente.

Art. 25. Ao colono excluído nenhuma indenização caberá pelas benfeitorias acaso existentes no lote.

Art. 26. A emancipação da colônia será declarada pelo Governo, mediante decreto executivo, quando
houver sido expedido a todos os concessionários de lotes os títulos definitivos de propriedade, ou antes, se
conveniente.

Art. 27. Emancipada a colônia, o Governo cederá à cooperativa organizada pelos colonos, as
instalações, máquinas agrícolas, animais de trabalho e reprodutores nela existentes.

Art. 28. A concessão dos remanescentes das colônias emancipadas será regulada por instruções
baixadas pelo Ministro da Agricultura.

Art. 29. Os edifícios existentes na sede das colônias emancipadas poderão ser transferidos para os
Estados ou Municípios, mediante prévio acordo com o Governo da União. ou vendidos em concorrência
pública.

Art. 30. Emancipada a Colônia, a cooperativa nela existente tomará a seu cargo o estipêndio do
agrônomo encarregado da assistência técnica aos colonos.

Art. 31. As Colônias Agrícolas Nacionais, fundadas em observância às disposições deste decreto-lei,
serão administradas por agrônomos de reconhecida capacidade profissional e reputação ilibada, nomeados
em comissão, com o vencimento que for fixado.
288

Art. 32. Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1941, 120º da Independência e 53º da República.

GETULIO VARGAS.

F. Negrão de Lima.

A. de Souza Costa.

Eurico G. Dutra.

Henrique A. Guilhem.

João de Mendonça Lima.

Oswaldo Aranha.

Fernando Costa.

Gustavo Capanema.

Waldemar Falcão.

J. P. Salgado Filho.
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