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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ– UFPI


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS - DECON

WILLIAM SOUSA VILANOVA

DISCUSSÃO SOBRE A NOVA CLASSE MÉDIA NO BRASIL (2003-2010): NOVOS


“RICOS” OU NOVOS POBRES?

TERESINA - PIAUÍ
2017
1

WILLIAM SOUSA VILANOVA

POLÍTICAS ECONÔMICAS E MOBILIDADE SOCIAL NO BRASIL (2003-2010): UMA


DISCUSSÃO SOBRE A NOVA CLASSE MÉDIA

Monografia apresentada ao curso de Ciências


Econômicas da Universidade Federal do Piauí-UFPI,
como requisito à obtenção do título de Bacharel em
Ciências Econômicas.

Orientador: Prof. Me. Francisco Eduardo de Oliveira


Cunha.

TERESINA – PI
2017
2

WILLIAM SOUSA VILANOVA

POLÍTICAS ECONÔMICAS E MOBILIDADE SOCIAL NO BRASIL (2003-2010):


UMA DISCUSSÃO SOBRE A NOVA CLASSE MÉDIA

Monografia apresentada ao curso de Ciências


Econômica da Universidade Federal do Piauí-
UFPI, como requisito à obtenção do título de
Bacharel em Ciências Econômica.

Data da aprovação: _______/_______/________


Nota: _____________

BANCA EXAMINADORA

Prof. Me. Francisco Eduardo de Oliveira Cunha (DECON/UFPI)


Orientador

Prof.
Universidade Federal do Piauí (DECON/UFPI)

Prof.
Universidade Federal do Piauí (DECON/UFPI)
3

AGRADECIMENTOS

Está pesquisa é resultado da faina e da colaboração de muita gente. Não fosse a


compreensão e o incentivo das pessoas que citarei aqui, este trabalho não teria se
concretizado.
Agradeço a Deus por ter me facultado saúde e disposição para superar as
dificuldades na construção desse trabalho.
À Universidade Federal do Piauí, minha segunda casa, a qual me acolheu
generosamente. Ao Departamento de Ciências Econômicas (DECON) e a Coordenação
de Ciências Econômicas, juntamente com sua equipe de funcionários competentes.
Agradeço ao meu estimado orientador, professor Eduardo Oliveira, por sua
paciência, estimulo e compromisso acadêmico e profissional. Obrigado pelos
ensinamentos e pelo respeito profissional e pessoal, ao longo do processo de elaboração
desta pesquisa. Não poderia deixar de expressar minha gratidão ao meu primeiro
orientador: professor Samuel Costa Filho. Suas recomendações foram vitais para este
trabalho.
Agradeço a todos os professores do Departamento de Ciências Econômicas não
somente pela formação acadêmica e profissional, mas também pela formação humana
que me proporcionou e tem proporcionado a todo o seu alunado. Neste sentido, eu
afirmo, sem medo de errar, que o curso de economia é um dos cursos mais completos de
ciências humanas da UFPI, pela sua pluralidade teórica.
Expresso minha gratidão e amor a minha família – tronco dos meus valores –
que foi fundamental para a minha vida acadêmica, desde a fase inicial até o presente
momento de conclusão do curso de Economia, e espero que faça parte sempre ao longo
tempo de outras conquistas as quais almejo concretizar. Nunca me esquecerei daquela
que é minha fortaleza e auxiliadora nos mais importantes momentos de minha trajetória
– a minha mãe, Maria Roza de Souza Vilanova. Também ao meu pai, Henrique Gomes
Vilanova, que sempre me incentivou e estimulou na minha trajetória acadêmica.
Agradeço às minhas queridas irmãs – Welma e Welda Vilanova –, que sempre me
apoiaram em minhas lutas e conquistas.
Agradeço à minha esposa, Joyce Alves, pela paciência, compreensão e
companheirismo, pois foram marcantes nos instantes decisivos desta pesquisa. Também
ao meu filho, Samuel Henrique, cujo sorriso sempre foi um estimulo para mim.
4

Ademais, agradeço, com grande apreço a todas as belas pessoas que conheci no
universo acadêmico e pelos laços de amizade que foram construídos ao longo dessa
trajetória, tanto nos momentos de alegrias como nos de aflições. Como diz o escritor
Mario Quintana: “a amizade é um amor que nunca morre”.
Agradeço o incentivo de muito amigos. Devo dizer que o resultado deste
trabalho se deve pela construção de importantes amizades. Assim, não posso deixar de
mencionar minha gratidão ao meu amigo de todas as horas: Marcio Stanley. Você foi
extremamente fundamental para a construção desse trabalho. Muito obrigado por tudo.
Agradeço ao meu amigo Yuri Borges pela sua disponibilidade e paciência. A Maria
Teresa Flor pelo carinho e incentivo. Aos meus amigos Herbert Andrade e João Victor
que sempre nos estimularam ao longo da jornada acadêmica. Agradeço pelos laços de
amizades com pessoas especiais como a Aryadne Dantas, João Paulo, David Machado,
Patrícia Leal, Évilly Carine, Marcia Campelo e Pâmella Bárbara. Ao meu revisor e
amigo Elizamar Rodrigues pela prontidão e pelo excelente trabalho técnico.
Por fim, gostaria de agradecer a todos aqui não citados, mas que foram e são
muito especiais para mim. Muitíssimo obrigado a todos.

.
5

RESUMO

O presente trabalho discute o recente (2003-2010) processo de mobilidade social no país


o qual se denominou na ascensão de uma nova classe média. A temática tem sido um
campo fértil para uma serie de análises e controvérsias, principalmente por causas de
questionamentos quanto as suas características, dado o fato de que este é um grupo
heterogêneo e difícil definição. Ademais, valer ressaltar a sustentabilidade desse
processo de ascensão social, pois o aumento do consumo e a evolução das camadas
sociais, que podem ser observados empiricamente, permitem distintas conceituações e
interpretações. Nesta pesquisa, será analisada a política econômica (através da geração
de empregos formais, valorização do salário mínimo, controle da inflação, crédito farto
e crescimento das políticas de transferência de renda) tiveram um efeito positivo na
mobilidade social na primeira década do século XXI. Com base nos dados do Ministério
da Fazenda, do IPEADATA, do Tesouro Nacional, Banco Central e do Centro de
Pesquisas Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), será analisado como se
deu esse processo de mobilidade social e essa formação desta nova classe média. Além
disso, serão mostradas as diferentes interpretações, de acordo com as diversas literaturas
que tratam sobre a “nova classe média”.

Palavras-chave: mobilidade social, nova classe média, classe trabalhadora, estrutura


social
6

ABSTRACT

This paper discusses the recent (2003-2010) process of social mobility in the country
which was called the rise of a new middle class. The theme has been a fertile field for a
series of analyzes and controversies, mainly because of questions about its
characteristics, given the fact that this is a heterogeneous group and difficult to define.
In addition, it is important to emphasize the sustainability of this process of social
ascension, since the increase in consumption and the evolution of the social layers,
which can be observed empirically, allow different conceptualizations and
interpretations. In this research, economic policy (through the generation of formal jobs,
valuation of the minimum wage, control of inflation, large credit and growth of income
transfer policies) will have a positive effect on social mobility in the first decade of the
21st century. Based on data from the Ministry of Finance, the IPEADATA, the National
Treasury, the Central Bank and the Center for Social Research (FPS) of the Getúlio
Vargas Foundation (FGV), it will be analyzed how this process of social mobility
occurred and the formation of this new middle class. In addition, the different
interpretations will be shown, according to the different literatures that deal with the
"new middle class".

Keywords: social mobility, new middle class, working class, social structure
7

LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Índice de Gini........................................................................................... 46


Tabela 02: Evolução do PIB, do salário mínimo real no Brasil................................ 49
Tabela 03: Saldo do balanço comercial (FOB) de 2002 a 2010. (Antiga
Metodologia -BPM)................................................................................................... 51
Tabela 04: Variação da taxa Selic Nominal (%)........................................................ 52
Tabela 05: Evolução dos gastos com juros nominais (em bilhões) no período de
2002 à 2010................................................................................................................ 55
Tabela 06: Taxa de formalização (%)........................................................................ 58
Tabela 07: Taxa geral de desemprego........................................................................ 60
Tabela 08: Reajuste do salário mínimo (2003/2010)................................................. 64
Tabela 09: População beneficiada e valor per capita dos benefícios referente ao
Programa Bolsa Família, período de 2004 a 2010..................................................... 67
Tabela 10: Taxa de crescimento real do produto e e do consumo das famílias – em
variação (%) no período de 2003 a 2010.................................................................... 68
Tabela 11: Taxa de crescimento real do produtoe e do investimento (FBCF –
Formação Bruta do Capital Fixo) – em variação (%) no período de 2003 à 2010..... 70
Tabela 12: Evolução do crédito livre: pessoa física e jurídica no Brasil de dez.
2002/ dez. 2010 (em % do PIB)................................................................................. 72
Tabela 13: Gasto social do governo central (% do PIB) – Gastos diretos e
tributários................................................................................................................... 74
Tabela 14: Evolução dos gastos sociais do governo central no Brasil de 2002 a
2010 (%do PIB).......................................................................................................... 75
Tabela 15: Visão de longo prazo da desigualdade (GINI)......................................... 94
Tabela 16: Definição das classes econômicas. Renda domiciliar total de todas as
fontes Limites (preços 2011)...................................................................................... 97
Tabela 17: Evolução da participação das classes econômicas................................... 98
Tabela 18: Diferença e evolução da população por classes sociais de 2011 à 2003. 99
Tabela 19: Evolução do gasto social (% PIB)............................................................ 113
8

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 01: PIB - variação percentual de 2001 a 2010.............................................. 47


Gráfico 02: Evolução do salário nominal e real (R$) no Brasil de 2000 à 2010....... 48
Gráfico 03: Resultado primário do Setor Público - % do PIB................................... 53
Gráfico 04: Evolução das receitas e despesas primárias - % do PIB......................... 54
Gráfico 05: Geração líquida de empregos formais celetistas no Brasil de 2000 á
2011............................................................................................................................ 57
Gráfico 06: Contribuição dos trabalhadores para previdência social........................ 59
Gráfico 07: Queda no tempo de procura por trabalho – Em semanas........................ 59
Gráfico 08: Variação do IPCA (Inflação % )............................................................. 61
Gráfico 09: Taxa de crescimento médio da renda domiciliar no Brasil de 2001 a
2009............................................................................................................................ 66
Gráfico 10: Consumo das famílias na composição do PIB brasileiro 2002 a 2010... 69
Gráfico 11: Participação dos investimentos no PIB do Brasil de 2002 a 2010.......... 70
Gráfico 12: Operação de crédito consignado para pessoas física no Brasil de 2004
a 2011 (em % do PIB)................................................................................................ 73
Gráfico 13: Evolução das Classes Sociais (% da população) ................................... 76
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LISTA DE ABREVIATIURAS E SIGLAS

BACEN – Banco Central do Brasil


CPS – Centro de Políticas Sociais
FBCF – Formação Bruta de Capital Fixo
FBKF – Formação Bruta de Kapital Fixo
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FOB – Free on Board
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PIB – Produto Interno Bruto
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio
SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas – SP
10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 11
2 ECONOMIA POLÍTICA DAS CLASSES SOCIAIS: UMA
APRESENTAÇÃO DA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO
ECONÔMICO........................................................................................... 15
2.1 Uma abordagem sobre as classes sociais no pensamento econômico:
Da Escola Fisiocrática a Clássica ............................................................ 15
2.2 A Análise marxista sobre a sociedade de classes.................................... 22
2.3 A escola neoclássica ou marginalista: da ausência de classes sociais à
visão individualista da economia............................................................. 29
2.4 A contribuição teórico-política de Keynes: desemprego, intervenção
do Estado e taxação dos ricos................................................................... 33
2.5 Classe Média: (para além de uma) análise conceitual e histórica......... 37
3 POLÍTICAS ECONÔMICAS RECENTES E MOBILIDADE
SOCIAL...................................................................................................... 46
3.1 O papel do Estado nas mudanças recentes............................................. 80
4 A NOVA CLASSE MÉDIA BRASIL: CONSUMIDORES,
TRABALHADORES E BATALHADORES.......................................... 86
4.1 Da classe média tradicional à nova classe média.................................... 86
4.2 As diversas visões e compreensões acerca da nova classe média
brasileira.................................................................................................... 93
4.2.1 Para uma caracterização da chamada “nova classe média” brasileira, por
Neri.............................................................................................................. 93
4.2.2 Souza e Lamounier: uma contestação weberiana à análise estatística de
Neri.............................................................................................................. 103
4.2.3 Pochmann e a ascensão da nova classe trabalhadora (e a perda do
significado de classe trabalhadora)............................................................. 106
4.2.4 Chauí e sua contribuição filosófica sobre a nova classe média brasileira... 114
4.2.5 Jessé Souza e os “batalhadores” brasileiros............................................... 116
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 122
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................... 127
11

1 INTRODUÇÃO

O estudo das classes sociais sempre fez parte do debate econômico. A maneira
como as classes sociais se comportam, na estrutura social, é fundamental para ser ter
uma compreensão holística das relações sociais. Devido à desigualdade social ser uma
característica marcante e inerente do processo de acumulação capitalista, a ciência
econômica ou economia política apresenta várias e conflitantes teorias sobre a
repartição funcional da renda, ou seja, entre as rendas do capital (lucro, juro), do
trabalho (salário) e da terra (aluguéis, renda da terra). Com efeito, a repartição da renda
(pessoal disponível) reflete, sobretudo, os níveis de consumo dos indivíduos e famílias.
Contudo, o critério renda, embora relevante, não é o fator suficiente e exclusivo para a
classificação das classes sociais. “Determinar o tamanho das classes é mais do que
cruzar certo número de variáveis para obter uma estratificação social” (SINGER, 1981,
p.17).
Conforme Singer (1981), a importância das classes sociais provém, sobretudo,
da dinâmica que sua luta imprime ao movimento histórico. Se não fosse à luta de
classes, a “classe”, como categoria, não passaria de um recorte peculiar, de natureza
predominantemente econômica, na hierarquia social. Assim, analisar o papel das classes
sociais, compreendendo as suas diversas nuances e facetas, é fundamental para se
depreender como as pessoas estão inseridas no tecido social, considerando os aspectos
distributivos da renda e da riqueza. Neste aspecto, embora Piketty (2014) considere que
os economistas do século XIX devam ser louvados por terem colocados a questão
distributiva no cerne do debate econômico, contudo, é preciso observar que a temática
da desigualdade e das classes sociais não fazem parte do arcabouço teórico de algumas
escolas do pensamento econômico, colocando tais questões em segundo plano.
Em se tratando de estudar as classes sociais, é preciso compreender como se dá a
mobilidade social, mormente no Brasil que apresenta uns maiores indicadores de
concentração e desigualdade de renda. A nação brasileira apresenta uma grande
mobilidade social, mesmo mantendo as mesmas dificuldades de acesso às novas e
melhores oportunidades sociais (PASTORE E SILVA, 2000).
Neste sentido, o presente trabalho tem como a sua grande questão norteadora
analisar como se deu o recente processo de mobilidade no país, sobretudo no período de
2003 a 2010, configurando naquilo que se convencionou chamar de nova classe média
brasileira. Na perspectiva de outros analistas, o que houve foi a formação de uma nova
12

classe trabalhadora. Segundo Pochmann (2014), o começo do século XXI no Brasil foi
marcado por uma recomposição da classe trabalhadora em novas bases de consumo.
Ademais, é preciso compreender quais os elementos determinantes que
contribuíram para essa mobilidade social e constituição dessa nova classe social. Neste
aspecto, o sociólogo André Singer (2012) considera a recente mobilidade social no país
repousa em quatro pilares: crescimento do emprego formal, valorização real do salário
mínimo, ampliação e democratização do crédito e aumento dos programas de
transferência de renda. Foi a partir dessas políticas econômicas e sociais que se
viabilizou o fenômeno da ascensão social. A recuperação da economia brasileira a partir
de 2004 e a influência de importantes políticas públicas tiveram peso significativo na
estrutura social do país a qual se traduziu na redução do número de miseráveis e no
aumento do emprego formal. (POCHMANN, 2014).
Foi, a partir dessas políticas econômicas, que houve uma mobilidade social a
qual se denominou de nova classe média ou nova classe C. Tomando como base essas
mudanças ocorridas na estrutura social do país, faz-se necessário uma análise profunda
sobre o real significado e as limitações dessa nova classe média. Como assinala Chauí
(2013 p.128): “Sabemos, entretanto, que há outra maneira de analisar a divisão social de
classes”.
Neste sentido, a nova classe média é alvo de várias discussões tanto no plano
acadêmico como no plano político e jornalístico. Em rigor, diversos intelectuais
brasileiros, tanto na área econômica como nas áreas sociológica e filosófica, possuem
visões diferenciadas - e até divergentes -, quanto à abordagem da ascensão dessa nova
classe média no Brasil. Portanto, trata-se de um tema que ainda é motivo de profundos
debates e controvérsias e que merece cada vez mais estudos mais acurados.
Com o objetivo de lançar luzes a esta temática, no primeiro capítulo, buscar-se-á
analisar a contribuição da ciência econômica para o estudo das classes sociais,
perpassando pelas principais escolas do pensamento econômico. Neste aspecto, nota-se
que o estudo das classes sociais e da desigualdade são temas caros a economia política,
desde a sua formação como ciência. Sendo assim, não se pode desvincular a temática
das classes sociais da economia política.
Logo em seguida, o foco de análise consiste em fazer uma breve investigação
conceitual e histórica da classe média ao longo do capitalismo, considerando que tal
estrato social está concatenado as mudanças que o capitalismo atravessou. Daí a
complexidade em definir este segmento social. Como destaca Pochmann (2014) trata-se
13

de um fenômeno histórico determinado por acontecimentos díspares, porém conectados


ao desenvolvimento do capitalismo. “Na realidade a classe média seria expressão da
própria burguesia nascente, constituindo-se por industriais e comerciantes capitalistas
emergentes” (POCHMANN, 2014, p.21).
Para efeito de compreensão, no terceiro capitulo, entramos, de chofre, na análise
das principais variáveis da política econômica (crescimento econômico, valorização do
salário mínimo, controle inflacionário, oferta de crédito e programas de transferência de
renda), implementadas no primeiro decênio do século XXI, as quais foram
determinantes no processo de mobilidade social recentes no país. Ademais, neste
mesmo, capitulo pretende-se mostrar o papel do Estado nas mudanças sociais recentes,
desvelando que a ação do poder público foi fundamental para o combate a extrema
pobreza e para a redução do número de miseráveis. Como destaca Chauí (2013), essa
nova classe média surgiu após a catástrofe neoliberal no Brasil implementada na última
década do século passado e por um novo modelo econômico e de inclusão social
fomentado primeira década deste século o qual o Estado teve um papel significativo na
consolidação dos direitos sociais.
No último capítulo, buscar-se-á tratar sobre as diversas compreensões sobre a
nova classe média brasileira, considerando as diferentes perspectivas. Levando em conta
a trajetória ascendente pela qual passou o país recentemente na sua estratificação social,
faz-se necessário um estudo, de forma plural, sob a mobilidade social no país, sobretudo
sob a constituição da nova classe média. Neste sentido, por meio das diferentes
literaturas, depreende-se que o estudo da mobilidade social recente não deve considerar
apenas os aspectos estatísticos ou numéricos. Muitas vezes, os números escondem mais
do que revelam. É preciso observar o aspecto relacional dessas classes sociais. Ou seja,
é preciso analisar as posições que os indivíduos ocupam dentro dessas relações sociais,
a saber, como as pessoas estão inseridas no tecido social do país.
Este trabalho caracteriza-se fundamentalmente por ser uma pesquisa
bibliográfica uma vez que é desenvolvido com base em material já elaborado
constituído de livros e artigos. A presente pesquisa utiliza-se também de uma análise
descritiva de dados estatísticos que estão relacionados às variáveis econômicas que
contribuíram para essa mobilidade social recente.
Evidentemente, lançando mão de dados quantitativos que indicam que houve o
processo de mobilidade social recente no país, as principais fontes utilizadas nessa
pesquisa estão ligadas aos dados do Ministério da Fazenda, Banco Central do Brasil,
14

Tesouro Nacional, IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e CPS/ FGV


(Centro de Pesquisas Sociais/ Fundação Getúlio Vargas).
Esses dados nos permitem observar o acesso aos bens de consumo duráveis, a
valorização do salário mínimo, a taxa de inflação, a formalização do emprego, gasto
social e etc. Portanto, a utilização de dados estatísticos não limita a necessidade de se
contextualizar, historicamente, promovendo um diálogo desses números com as
diversas visões e correntes teóricas que explicam a temática.
Partindo dessa análise, a presente pesquisa se assenta na concepção de que a
noção de classe média não é unívoca, mas heterogênea, pois sua realidade e seu sentido
se modificam ao longo das transformações que ocorrem no modo capitalista de
produção. Neste aspecto, a discussão sobre a mobilidade social é mais rica,
multifacetada e com diferentes abordagens e vieses. É por essas razões que o presente
trabalho busca contribuir, sem a pretensão de esgotar o assunto, desvelando sobre as
mudanças ocorridas estrutura social do país.
15

2 ECONOMIA POLÍTICA DAS CLASSES SOCIAIS: UMA


APRESENTAÇÃO DA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO

“A História da sociedade até os nossos dias é a história da


luta de classes” (Karl Marx)

O presente capítulo aborda sobre a contribuição teórica das diversas correntes do


pensamento econômico para o estudo das classes sociais. A ciência econômica, na
condição de pensamento sistematizado, nasce com uma preocupação de dar respostas
aos problemas sociais e políticos. Neste sentido, ao longo da história do pensamento
econômico, as mais diversas escolas deram relevantes e profícuas contribuições para os
mais pertinentes temas sociais, mormente para o estudo das classes sociais e da
desigualdade. Tratam-se de temas caros à ciência econômica. Ao abordar sobre a
configuração das classes sociais, remete-se a questão da distribuição da riqueza e da
renda. “A distribuição da riqueza é uma das questões mais vivas e polêmicas da
atualidade” (PIKETTY, 2014, p. 9). Assim, os estudos das classes sociais permitem
uma compreensão da questão distributiva e da exclusão social. Portanto, trata-se de um
tema que interessa ao conjunto da sociedade.
Como observa Piketty (2014), a questão da distribuição da riqueza é importante
demais para ser deixada apenas para economistas, sociólogos, historiadores e filósofos.
Ela interessa a todo mundo e é melhor que seja assim. Corroborando com o autor
supracitado, o estudo das classes sociais é vital, pois permite mostrar as desigualdades
da sociedade capitalista. O estudo da estratificação social ocupa uma posição de
destaque na história do pensamento econômico, desde a Escola Fisiocrática à Marx.
Com efeito, o objetivo desta seção é mostrar que a temática das classes sociais e da
desigualdade perpassa pela história do pensamento econômico.

2.1 Uma abordagem sobre as classes sociais no pensamento econômico: Da


Escola Fisiocrática a Clássica

A ciência econômica – como pensamento moderno, organizado e sistematizado


–surgiu, no século XVIII, como primeira escola econômica: a escola fisiocrática. Os
principais representantes dessa escola eram franceses que trabalharam na elaboração de
uma explicação geral da vida econômica. As principais obras que elaboraram uma base
16

teórica para o início do progresso da ciência econômica se situam entre 1756 e 1778
(HUGON,1973, P94). Os fisiocratas, inspirados nas ideias iluministas, buscaram dar um
caráter cientifico aos fenômenos econômicos. Rima (1977, p94) afirma que as
investigações e pesquisas de Isaac Newton estimularam os fisiocratas no surgimento da
ciência econômica. O principal teórico dessa escola econômica foi o médico da corte
francesa: Francois Quesnay.
Quesnay (1983), em sua obra Quadro Econômico, faz críticas às práticas
mercantilistas-intervencionistas, defendendo o livre mercado, através da chamada
ordem natural e ordem providencial. Esta é a base do liberalismo da Era Moderna que se
baseia no pensamento jusnaturalista1 de John Locke, “pai” do liberalismo político, o
qual defendia a liberdade, a propriedade e a vida como direitos naturais do ser humano.
Ademais, Locke (2006) considera a liberdade o principal direito natural do ser humano
e que o Estado foi instituído para garantir esses direitos (liberdade, propriedade e vida).
Sendo assim, o poder do Estado deveria ser essencialmente limitado. Limitado,
porque pressupunha os direitos naturais. É com base, neste arcabouço filosófico, que a
escola fisiocrática defende o limite do poder do Estado e o liberalismo econômico.
Neste aspecto, os fenômenos econômicos – pensam os fisiocratas – ocorrem de forma
livre e independentemente de qualquer coação exterior, segundo uma ordem imposta
pela natureza, regida, consequentemente, por leis naturais. Os fisiocratas julgam ser a
ordem natural uma ordem providencial, isto é, desejada por Deus e para a felicidade dos
homens (HUGON, 1973). Essa ordem, por isso providencial, é a melhor possível, a
mais vantajosa para a humanidade. A noção providencial da ordem natural está
intrinsecamente relacionada à noção de liberdade. Esta liberdade é para os fisiocratas a
base do progresso econômico e social de uma nação. É neste sentido que os fisiocratas

1
O Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecida como “direito natural”. Este
direito natural tem validade em si, e é anterior e superior ao direito positivo, e em caso de conflitos, é ele
que deve prevalecer. Os principais pensadores da era moderna do jusnaturalismo foram Thomas Hobbes,
John Locke e Jean-Jacques Rousseau. O pensamento jusnaturalista é uma forma de explicar o surgimento
das sociedades políticas ou sociedade civil organizada. Conforme o pensamento jusnaturalista antes de
surgir o Estado existia um estado de natureza (uma espécie de estágio pré-social e pré-político,
caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade. Na concepção de Locke, o estado de natureza seria
uma situação real e historicamente determinada pela qual passara, ainda que épocas diversas, a maior
parte da humanidade e na qual se encontrava naquela época alguns povos, como as tribos do continente
americano. O estado de natureza na concepção lockeana difere do estado de guerra hobbesiano, baseado
na insegurança e na violência, por ser um estado de relativa paz, concórdia e harmonia. Neste aspecto o
estado de natureza elucidado pacifico elucidado por Locke, os homens já eram dotados de razão e
desfrutavam da propriedade que, numa primeira acepção genérica utilizado pelo filósofo inglês,
designava simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais do ser humano.
17

defendem o liberalismo econômico (laissez-faire, laissez-passer, ou seja, deixa fazer,


deixa passar).
Em seu “Tableau Économique”, Quesnay (1983) dá um verdadeiro salto de
qualidade, no engendramento e conformação da ciência econômica, no que tange à
análise do estudo das classes sociais. Em sua obra, Quesnay (1983) considera a
agricultura como principal atividade econômica geradora de riqueza e que a sociedade é
composta de três classes sociais: a classe “produtiva”, a classe dos proprietários e a
classe estéril (Quesnay,1983).
Segundo Quesnay (1983), a classe produtiva é formada por aqueles que
trabalham na agricultura. “A classe produtiva é a que faz renascer, pelo cultivo do
território, as riquezas anuais de uma nação, efetua os adiantamentos das despesas com
trabalhos da agricultura e paga anualmente as rendas dos proprietários das terras”
(QUESNAY, 1983, p.257).
Conforme o economista francês, essa classe seria responsável pelo
desenvolvimento e progresso de uma nação. Sendo assim, os cultivadores ou
agricultores, juntamente com mineiros, pescadores e semelhantes, constituiriam a classe
produtiva pois seria a única capaz de gerar um produto liquido, ou seja, um produto de
valor maior do que seus próprios requisitos de subsistência (RIMA, 1977). Com efeito,
a melhoria da produtividade agrícola era considerada fundamental para o incremento da
riqueza. A classe dos proprietários compreende o soberano, os possuidores de terras e os
dizimeiros. Essa classe subsiste pela renda da terra ou produto liquido do cultivo da
terra que lhe é pago, anualmente, pela classe produtiva (QUESNAY, 1983). Já a classe
estéril seria formada por aqueles que se dedicam ao comércio, à indústria, aos serviços
domésticos e às profissões liberais e a outras atividades que não estão relacionadas à
agricultura e cujas despesas são pagas pelas classes produtivas e pela classe dos
proprietários (QUESNAY, 1983).
Portanto, a escola Fisiocrática foi a primeira escola econômica a dar um caráter
original e consistente na busca de uma explicação racional e lógica da vida econômica,
sendo que sua análise está centrada, essencialmente, em torno da produção, lançando os
primeiros fundamentos da ciência econômica. “Os fisiocratas consideravam sua
descrição da criação e circulação de riqueza entre as três classes como sua principal
contribuição à ciência da Economia” (RIMA, 1977 p.84). Assim, a economia, em sua
fase incipiente como ciência, nasce baseada num arcabouço teórico de estudo sobre os
tipos de classe social, tendo François Quesnay como um dos pioneiros do pensamento
18

econômico, o qual já classificava os tipos de classes. Por conseguinte, percebe-se que a


economia política já nasce associada ao estudo das classes.
Adam Smith (1983), filósofo escocês do século XVIII, também teve uma
importante contribuição para o estudo da classe social. A base do pensamento da escola
clássica é o liberalismo ora defendido pelos fisiocratas. Smith não acreditava no
receituário mercantilista-intervencionista de desenvolvimento e, sim, na concorrência
que impulsiona o mercado e, consequentemente, faz economia crescer. Neste contexto,
basta lembrar a divisão do trabalho, na fábrica de alfinetes, tratado por Adam Smith.
Conforme o economista escocês, a divisão do trabalho era a causa da riqueza de uma
nação.
O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior
parte da habilidade, destreza e bom senso com as quais o trabalho é
em toda parte dirigida ou executada parecem ter sido resultados da
divisão do trabalho. Compreendemos mais facilmente os efeitos
produzidos pela divisão do trabalho na economia geral e na sociedade,
se consideramos de que maneira essa divisão do trabalho opera em
algumas manufaturas específicas (SMITH, 1983, p. 41).

Ademais, “é a grande multiplicação das produções de todos os diversos ofícios –


multiplicação essa decorrente da divisão do trabalho – que gera, em uma sociedade bem
dirigida, aquela riqueza universal que se estende até às camadas mais baixas do povo”
(SMITH, 1983, p.45). Neste aspecto, Smith (1983) considera que o aumento da
produtividade é a principal causa da riqueza de uma nação.
O filósofo e economista escocês (1983), apesar do seu foco de análise ser
predominantemente as causas do crescimento econômico, deu uma importante
contribuição para o estudo da classe social. A base do pensamento da escola clássica é o
liberalismo econômico ora defendido pelos fisiocratas. A diferença é que esta última
escola se baseava na harmonia das leis da natureza, enquanto àquela explicava-se pela
psicologia individual. Este último se baseia na teoria da “mão invisível”, ou seja, a ideia
de que o interesse coletivo fica assegurado quando os interesses procuram o benefício
próprio.
Smith (1983) foi contemporâneo da Revolução Industrial na Inglaterra. Ele viu,
portanto, o surgimento da sociedade de classes fomentada pelo capitalismo. É neste
contexto que surgiu a classe trabalhadora ou operária e também a burguesia industrial.
Como observa Hobsbawn (2004), a sociedade, nesse contexto, estava em processo de
mudança e, assim como o capitalismo triunfou, a sociedade burguesa também triunfou,
19

e agora ela comanda tanto a economia como a política. As relações produtivas passam a
ser assalariadas. Com o surgimento dessa sociedade de classes, no contexto do
capitalismo industrial, Smith (1983), em sua análise econômica, aborda sobre o
estabelecimento de contratos entre trabalhadores e empregadores. É desse acordo que
seria estabelecido o salário a ser pago ao trabalhador.
Quais são os salários comuns ou normais do trabalho? Isso depende
do contrato normalmente feito entre as duas partes, cujos interesses,
aliás, de forma alguma são os mesmos. Os trabalhadores desejam
ganhar o máximo possível; os patrões, pagar o mínimo possível.
Enquanto os trabalhadores procuram associar-se entre si, para
aumentar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo, para
baixá-los. Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva
vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com
suas próprias cláusulas (SMITH,1983, p.92)

O “pai” do liberalismo econômico considera que, a longo prazo, os salários não


deveriam ficar abaixo do nível de subsistência, pois “o homem precisa viver de seu
trabalho e seu salário deve ser suficiente, no mínimo, para a sua manutenção” (SMITH,
1983 p. 92). Na verdade, o referido autor considera que os lucros dos capitalistas estão
intrinsicamente ligados aos salários dos trabalhadores. “O aumento e a diminuição dos
lucros do capital dependem das mesmas causas que o aumento e a diminuição dos
salários do trabalho” (SMITH, 1983 p.93). Para o filósofo e economista escocês, os
lucros dependem do aumento e da diminuição da riqueza.
Muito embora as premissas de Adam Smith estejam relacionadas em explicar o
desenvolvimento econômico, elucidando a natureza e as causas da riqueza das nações,
sua análise permite, de certa forma, compreender algumas nuances sobre a questão dos
interesses das classes sociais.
Como afirma Rima (1977, p.128):
Conquanto o tratado de Smith tenha expressado uma harmonia de
interesses sociais, também demonstrou como e por que poderia surgir
o conflito social. Sua teoria do valor do trabalho, bem como a de
excedentes, lançou os alicerces para uma dicotomia definitiva de
interesses de classes. Ele expressou sua fé na operação da “mão
invisível” em garantir os interesses de todos os membros da
sociedade, mas também teve também ideias secundárias sobre o papel
que as diferentes classes desempenhavam com respeito à sociedade
como um todo (RIMA,1977, p.128).

Outro grande pensador econômico foi o inglês David Ricardo que, ao lado de
Adam Smith, é um dos principais representantes da escola clássica de Economia
Política. Enquanto Adam Smith estudou com profundidade as causas do crescimento
20

econômico, David Ricardo centrou sua análise na distribuição da riqueza econômica.


Ricardo (1982) ocupou-se, fundamentalmente, tanto da formação da riqueza e da renda
nacional quanto de sua distribuição entre capitalistas, proprietários de terras e
trabalhadores. A grande preocupação desse pensador foi analisar o problema da
distribuição.
Sua atuação se fixou em explicar a determinação de renda, salários e
lucro, e sua provável tendência futura. “Determinar as leis que
regulam esta distribuição é o principal problema da Economia
Política; por mais que esta ciência tenha sido aperfeiçoada com os
escritos de Turgot, Steaurt, Smith, Say, Sismondi e outros, eles
oferecem muito pouca informação satisfatória quanto ao curso natural
da renda da terra, lucro e salários” (RIMA, 1977, p.167).

Pode-se considerar, portanto, que a teoria econômica de David Ricardo foi uma
das primeiras teorias do conflito distributivo. Como infere Souza (2005): o grande
problema do crescimento econômico estava na agricultura, incapaz de produzir
alimentos baratos para o consumo dos trabalhadores, o que elevava os salários nominais
e os fundos dos salários, necessários para adquirir meios de produção e aumentar o nível
do produto.
A grande preocupação do pensamento econômico ricardiano era determinar as
leis que regulavam a distribuição do produto entre proprietários de terras, capitalistas e
trabalhadores, na forma de renda, lucros e salários. O problema preponderante analisado
por Ricardo estava no conflito de interesses entre as classes dos capitalistas industriais e
os proprietários de terras. “Embora sua ênfase principal seja sobre a renda da terra, é a
tendência da taxa de lucro que tem maior significância para o progresso” (RIMA, 1977,
p167).
Ricardo (1982) foi um dos primeiros economistas a elaborar uma teoria da
distribuição envolvendo conflito de interesses. Essa distribuição dependia, mormente,
da fertilidade do solo, da acumulação de capital e do crescimento demográfico.
Conforme o autor supracitado, a renda relaciona-se com o aumento da população. A
maior demanda ocorre devido a esse aumento da população o qual exige o cultivo de
terras menos férteis, nas quais os custos de produção são mais elevados do que nas
terras mais férteis. Ricardo (1982) trata, em sua obra Princípios de Economia Política e
Tributação, dos conflitos entre os donos de terras e industriais. E conclui que as
reivindicações dos capitalistas deveriam ser atendidas. “O nível de lucros foi crucial
para Ricardo (como, de fato, para Smith) porque era o que determinava o nível de
21

acumulação de capital e, por conseguinte, a taxa de crescimento econômico” (DEANE,


1978, p.89).
Segundo o economista inglês (1982), o aumento da renda da terra decorre
sempre do aumento da riqueza de um país e da dificuldade de produzir alimentos para
uma população crescente. Conforme o autor citado, nestes conflitos de classes
(capitalistas, proprietários de terras e trabalhadores), os capitalistas desempenham um
papel fundamental no desenvolvimento econômico. “No entanto, não pode haver
acumulação do capital enquanto este não proporcionar algum lucro, se não proporcionar
além do aumento do produto também acréscimo do valor” (RICARDO,1982, p.99).
Com base no arcabouço teórico ricardiano, a renda da terra tinha grande
influência nas outras formas de rendimentos (lucros e salários). “A tendência para que a
renda se eleve é crucial para o futuro dos salários e dos lucros, e assim para as
conclusões geralmente pessimistas associadas à análise de Ricardo” (RIMA, 1977,
p.168). Destarte, do ponto de vista da repartição, o aumento relativo dos alimentos
decorrentes de um aumento da população demográfica implica na elevação de salários e
da renda da terra em detrimento do lucro. A redução do lucro acarreta a queda do ritmo
em que o capital é acumulado.
Por conseguinte, fica evidente que a teoria econômica de Ricardo (1982) deu
uma profícua contribuição para explicar o problema do conflito distributivo e também
para analisar o estudo envolvendo o conflito de classes sociais. Para Ricardo, a pressão
demográfica e a questão da fertilidade da terra em atender a demanda de alimentos
determinavam a distribuição da riqueza entre capitalistas, trabalhadores e proprietários
de terra. Como infere Piketty (2014), a grande preocupação de Ricardo, a longo prazo,
era com a evolução do preço da terra e de sua remuneração. Ademais, Ricardo (1982)
vê, como solução para este problema, a tributação sobre a renda da terra. Em sua análise
sobre a dinâmica e o aumento da desigualdade pelo capitalismo em pleno século XXI,
Piketty (2014) mostra a importância e os limites da contribuição teórica de David
Ricardo para o estudo da distribuição da riqueza e do conflito entre as classes
envolvidas na sua época: capitalistas, proprietários de terras e trabalhadores.
No limite, os donos da terra receberiam uma parte cada vez mais
significativa da renda nacional, e o restante da população, uma parte
cada vez mais reduzida, destruindo o equilíbrio social. Ricardo via
como única saída lógica e politicamente satisfatória a adoção de um
imposto crescente sobre a renda territorial. Essa previsão dramática
não se verificou: a remuneração da terra ficou alta por um longo
período, mas, ao final, o valor das terras agrícolas em relação às outras
22

formas de riqueza caiu à medida que a agricultura na renda nacional


diminuiu. Escrevendo nos anos 1810, Ricardo não podia antever a
importância que o progresso tecnológico e o crescimento industrial
teriam ao longo das décadas seguintes para a evolução da distribuição
de renda. Assim como Malthus e Young, ele não era capaz de
imaginar que a humanidade deixaria de ser refém das restrições
alimentares e agrícolas. Ainda assim, sua intuição sobre o preço da
terra não deixaria de ser interessante: “o princípio da escassez”
preconiza que alguns preços podem alcançar valores altíssimos ao
longo de várias décadas. Isso pode ser suficiente para desestabilizar a
política, a economia, os arranjos sociais, enfim, sociedades inteiras. O
sistema de preço desempenha o papel fundamental de coordenar as
ações de milhões de indivíduos. O problema é que o sistema de preços
não conhece nem limites e nem moral. Seria um erro negligenciar a
importância do princípio de escassez para a compreensão da
distribuição mundial do século XXI – para se convencer disso, basta
substituir, no modelo de David Ricardo, o preço das terras agrícolas
pelo dos imóveis urbanos nas grandes capitais ou, ainda pelo preço do
petróleo (PIKETTY, 2014, p.13-14).

Destarte, fica evidente que a escola fisiocrática e a escola clássica-liberal


contribuíram significativamente, por meio de seus principais teóricos, para um estudo
das classes sociais na sociedade capitalista moderna, desvelando os principais interesses
e questões pertinentes relacionado a distribuição do produto e a temática da
desigualdade social. Assim, fica claro que a ciência econômica já nasce tratando de
temas cadentes, não apenas relacionados à perspectiva do crescimento econômico como
também à abordagem da distribuição da riqueza e da renda. É nesse debate que permeia
a história do pensamento econômico em que se insere a discussão e a difícil
conceituação de classes sociais. Não obstante, um dos principais teóricos que contribui
para o estudo das classes sociais e da desigualdade social capitalista foi Karl Marx.

2.2 A Análise marxista sobre a sociedade de classes

Outro grande pensador que contribui para o estudo das classes sociais, dentro de
uma análise evolucionaria e revolucionária do pensamento econômico, foi Karl Marx.
Friedrich Engels também deu uma profícua contribuição, nos estudos das classes
sociais, mostrando os efeitos nefastos do capitalismo industrial sobre a classe
trabalhadora, em sua obra clássica A formação da classe trabalhadora na Inglaterra.
Por conseguinte, Marx (1998), em sua obra magna O Capital, mostra, historicamente,
como se formou a classe burguesa e a classe operária. Na concepção marxista, as classes
sociais, no sentido estrito da palavra, são um fenômeno especifico do capitalismo. No
23

capitulo vinte e quatro, livro I e volume dois do Capital, Marx (1998) mostra como o
processo de acumulação primitiva de capital engendrou o modo de produção capitalista
e a estrutura social de classes. Marx (1998) mostra que a acumulação primitiva de
capital teve um papel fulcral para a sociedade capitalista de classes.
Essa acumulação primitiva desempenhou na economia política um
papel análogo ao pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã e
por isso o pecado contaminou. A humanidade inteira. Pretende-se
explicar a origem da acumulação por meio de uma história ocorrida
em passado distante. Havia outrora, em tempos remotos, duas espécies
de gente; uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo econômica, e
uma população constituída de vadios, trapalhões que gastavam mais
do que tinham. A lenda teológica conta-nos que o homem foi
condenado a comer o pão com o suor do seu rosto. Mas a lenda
econômica explica-nos o motivo por que existem pessoas que
escapam a esse mandamento divino. Aconteceu que a elite foi
acumulando riquezas, e a população vadia ficou fortemente sem outra
coisa para vender além da sua própria pele. Temos aí o pecado
original da economia. Por causa dele, a grande massa é pobre e, opera
de se esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho,
enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos, embora tenham
esses poucos parados de trabalhar há muito tempo (MARX,1998: L. I,
v. II p.827).

Em suma, Marx (1998) em sua análise, mostra que o acúmulo de capital não tem
limites. Sua conclusão baseia-se no princípio de que há um processo de acumulação
infinita de capital o qual, inexoravelmente, gera um processo de concentração de
riqueza e renda nas mãos de uma parcela cada vez mais restrita da população. O
pensador alemão (1998) descreve que a transformação da força de trabalho em
mercadoria, na sociedade capitalista, se deu de forma violenta e através da
expropriação.
É sabido o grande papel desempenhado na história pela conquista,
pela escravização, pela rapina, pela violência. Na suave economia
política, o idílio verdadeiro reina desde os primórdios. Desde o
início da humanidade, o direito e o trabalho são os únicos meios de
enriquecimento, excetuando-se naturalmente o ano corrente. Na
realidade, os métodos da acumulação primitiva nada têm de idílicos
(MARX, 1998: L. I, v. II, p.828).

Destarte, Marx (1998) enfoca que a questão central, na formação da sociedade


capitalista, está concatenada com a separação dos trabalhadores dos meios de produção,
gerando uma sociedade de classes na qual a classe operaria possui apenas a sua força de
trabalho para ser vendida ao capitalista, a fim de manter sua própria subsistência.
O sistema capitalista pressupõe a dissociação entre os trabalhadores e
a propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho. Quando a
produção capitalista se torna independente, não se limita a manter essa
24

dissociação, mas a reproduz em escala cada vez maior. O processo


que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira o
trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que
transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de
produção e converte em assalariados os produtores diretos. A chamada
acumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o
trabalhador dos meios de produção (MARX, 1998: L. I, v. II, p.828).

Fica, portanto, evidente que, para Marx (1998), o processo de dissociação dos
meios de trabalho da classe trabalhadora foi o processo que gerou a sociedade de classes
típica do sistema capitalista. “A estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da
estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para
a formação daquela” (MARX, L.I, v. II, 1998, p.828). Ao investigar como se dá a
produção e as trocas no tecido social capitalista, Marx chega à conclusão de que há duas
categorias sociais distintas e opostas: o capitalista e o trabalhador ou proletariado. O
primeiro busca o lucro e extrair mais-valia no processo produtivo; o segundo é aquele
que possui apenas sua força de trabalho a qual é vendida ao capitalista em troca de
salário. Marx (1998) trata o capitalista como a “personificação” do capital e o
trabalhador como a classe explorada e responsável pela produção de mais-valia. Assim,
a análise de Marx (1998) mostra que a ascensão e enriquecimento da classe burguesa ou
capitalista é concomitante à pauperização da classe trabalhadora ou proletária. “O
processo que produz o assalariado e o capitalista tem suas raízes na sujeição do
trabalhador “(MARX,1998: L.I, v. II, p. 829).
Neste aspecto, Marx explica, inferindo que:
O progresso consistiu numa metamorfose dessa sujeição, na
transformação da exploração feudal em exploração capitalista. Para
compreender sua marchar, não precisamos ir muito longe na história.
Embora os prenúncios da produção capitalista já apareçam, nos
séculos XIV e XV, em algumas cidades mediterrâneas, a era
capitalista data do século XVI. Onde ela surge, a servidão já está
abolida há muito tempo, e já estão em plena decadência as cidades
soberanas que representam o apogeu da Idade Média. Marcam época
na história da acumulação primitiva, todas as transformações que
servem de alavanca a classe capitalista em formação, sobretudo
aqueles deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e
violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançadas no
mercado de trabalho como levas de proletários destituídas de direitos.
A expropriação do produtor rural, do camponês, que fica assim
privado de suas terras, constitui a base de todo o processo. A história
dessa expropriação assume matizes nos diferentes países, percorre
várias fases em sequências diversa e em épocas históricas diferentes.
Encontramos sua forma clássica na Inglaterra, que, por isso nos
servirá de exemplo (MARX, 1998: L.I, v. II, p. 829-830).
25

Na visão de Marx, a história da humanidade é a história da luta de classes. “A


sociedade burguesa moderna, que brotou das ruinas da sociedade feudal, não aboliu os
antagonismos de classes. Não fez mais do que estabelecer novas condições de opressão,
novas formas de luta, em lugar das que existiam no passado” (MARX e ENGELS,
2007a, p.40). Segundo o pensamento marxista, as relações de produção regulam tanto a
distribuição dos meios de produção quanto a apropriação dessa distribuição e do
trabalho. Elas expressam as formas sociais de organização voltada para a produção. Ou
seja, os fatores decorrentes de uma divisão social. Em razão dessa divisão, surge a
classe dominante e a classe dominada. Em suas análises sobre o modo de produção
capitalista, Marx e Engels (2007a) inferem que a burguesia é a classe dominante, pois
ela detém os meios de produção, isto é, o conjunto formado pelos meios de trabalho e
pelos objetos de trabalho, portanto, incluem as ferramentas, máquinas, instalações, as
fontes de energia, transporte, terra, matérias-primas, jazidas minerais e outros recursos
naturais. O proletariado, em oposição à burguesa, representa a classe dominada, pois se
trata da classe explorada que detêm somente a força de trabalho a ser vendida ao
capitalista em troca de salário.
Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital,
desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários
modernos, os quais só vivem enquanto tem trabalho e só tem
trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esses operários,
constrangidos a vender-se a retalhos, são mercadorias, artigos de
comercio como qualquer outro; em consequência, estão sujeitos a
todos vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do
mercado. O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho
despojaram a atividade do operário de seu caráter autônomo,
tirando-lhe todo o atrativo. O operário tornou-se um simples
apêndice da máquina e dele só requer o manejo mais simples, mais
monótono, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário
se reduz, quase exclusivamente aos meios de subsistência que lhe
são necessários para viver e perpetuar a espécie (MARX e
ENGELS, 2007a, p. 46).

Fica evidente que, na visão marxista, a definição de classe está relacionada ao


aspecto econômico. Ou seja, para Karl Marx, as classes sociais são definidas pela
posição que a pessoa ocupa na estrutura de produção, isto é, são grandes grupos sociais
definidos por sua inserção nas relações de produção ou formas de propriedades
fundamentais existentes nas sociedades capitalistas e pelos papéis que desempenham na
mudança social. Conforme David Harvey (2013), estudioso da obra de Marx: “A
concepção de classe se desenvolve no decorrer da investigação dos processos de
produção e troca de mercadorias” (HARVEY, 2013, p. 71). Neste aspecto, Marx (1998)
26

considera que o processo de acumulação de capital tem um papel fundamental na forma


desigual da sociedade de classes. Os capitalistas, ao capturarem mais-valor, reforçam
mais o processo de acumulação de capital. “Acumular capital é, portanto, aumentar o
proletariado” (MARX, 1998: L.I, v. II, p.717).
Por meio de uma análise essencialmente histórica, Marx considera que as
transformações de ordem material determinam as de transformações de ordem
ideológicas. Ou seja, as ideias dominantes são as ideias da classe dominante. Por
conseguinte, Marx mostra que a classe dominante não é somente detentora dos meios de
produção, mas também é a classe que reproduz as ideias dominantes.
As ideias da classe dominante são as ideias dominantes em cada
época, quer dizer, a classe que exerce o poder objetal dominante na
sociedade é, ao mesmo seu poder espiritual dominante. A classe que
tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe ao
mesmo tempo, com isso, dos meios para a produção espiritual, o que
faz com lhe sejam submetidas, da mesma forma e em média, as
daqueles que carecem dos meios necessários para produzir
espiritualmente. As ideias dominantes não são outra coisa a não ser a
expressão ideal das relações materiais dominantes, as mesmas
relações dominantes concebidas como ideias; portanto, as relações que
fazem de uma determinada classe a classe dominante, ou seja, as
ideias de sua dominação (MARX e ENGELS, 2007b, p. 71).

Partindo do pressuposto de que, para o pensamento marxista, as classes sociais


são uma categoria própria do capitalismo, a luta de classes tem um papel vital nas
transformações da estrutura desigual. Conforme Marx (1998), a luta de classes é o
principal meio através do qual operariado poderá se libertar da exploração capitalista.
“De todas as classes que hoje em dia se opõem a burguesia, só o proletariado é uma
classe verdadeiramente revolucionária” (MARX e ENGELS, 2007a p.49). A luta de
classes seria o motor das mudanças radicais. Neste aspecto, Marx tem uma visão
negativa da classe média na luta de classes.
As camadas médias – pequenos comerciantes, pequenos fabricantes,
artesãos, camponeses – combatem a burguesia porque esta
compromete sua existência como camadas médias. Não são, pois,
revolucionárias, mas conservadoras, mas ainda, são reacionárias, pois
pretendem fazer girar para trás a roda da História. Quando se tornam
revolucionárias, isto se dá em consequência de sua iminente passagem
para o proletariado; não defendem então seus interesses atuais, mas
seus interesses futuros; abandonam seu próprio ponto de vista para se
colocar no proletariado; abandonam seu próprio ponto de vista para se
colocar no do proletariado (MARX e ENGELS, 2007a, p. 49).
27

Com o desenvolvimento do capitalismo, surgiram novas frações de classes


sociais a partir da burguesia e do proletariado como a burguesia empresarial, a
burguesia gerencial, a pequena burguesia e subproletariado. A burguesia empresarial,
conforme Singer (2001), se dá, via de regra, por herança de fortuna familiar, embora
haja casos de pequenos empreendedores, de origem proletária ou da pequena burguesia,
que conseguiram se enriquecer. A burguesia gerencial é composta por funcionários do
que por empresários à moda antiga (SINGER, 2001). Neste aspecto, a burguesia
gerencial é constituída de dirigentes de empresas públicas e privada, ou seja, seriam
compostas por tecnocratas ou dirigentes de autarquias, repartições públicas ou privadas,
secretárias ou ministérios. A burguesia gerencial seria formada pela equipe técnica que
tomaria as decisões na empresa. “Na prática, estes dirigentes são os únicos que tomam
todas as decisões importantes nas empresas” (SINGER, 2001, p.89). Por conseguinte, a
burguesia gerencial é constituída por verdadeiros funcionários do capital monopolista
(SINGER, 2001)
Já a pequena burguesia seria formada por produtores diretos que utilizam seus
próprios meios de produção. Segundo Singer (2001) a pequena burguesia constitui uma
classe numerosa, podendo até ser maior que o proletariado.
No Brasil, a maior parte da pequena burguesia é constituída por
camponeses - mais da metade dos que trabalham a terra a possuem
explorações familiares, sendo donos do solo ou ao menos dos
implementos e animais de principalmente de artesãos, particularmente
numerosos nos ramos de reparação, e pequenos comerciantes
(SINGER, 2001, p. 90).

Ademais, Singer (2001), seguindo a visão marxista, infere que a pequena


burguesia integra o modo de produção capitalista, mas forma a produção simples de
mercadorias. Neste aspecto, a diferença entre o pequeno burguês e o proletariado não
está relacionado ao nível de renda – tendo em vista que, em geral, o camponês ganha
menos que um operário industrial – mas a independência em relação ao capital. Ou seja,
o proletário da indústria pode até ganhar mais que um camponês, contudo, só ganha
enquanto tem emprego. O pequeno burguês, enquanto puder reter sua a posse de seus
meios de produção, sempre tem assegurada uma pequena renda, suficiente para o seu
sustento (SINGER, 2001). Outra categoria social importante no pensamento marxista é
o subproletariado. Marx (1998) explica que o avanço do modo de produção gera
desigualdade formando uma classe social pauperizada. A classe proletarizada ativa é
formada por assalariados incorporados no processo produtivo. Já o subproletariado seria
28

aquele constituído pelo exército industrial de reserva, ou seja, pelos desempregados ou


por aqueles que estão em empregos precários e ocasionais. “Constituem o
subproletariado, entre outros, os ‘boias-frias’, na agricultura, os ‘peões’, na construção
civil, as empregadas domésticas” (SINGER, 2001, p. 91). Em síntese, são em geral,
trabalhadores de pouca qualificação que aceitam qualquer trabalho em troca de comida.
Friedrich Engels, fiel companheiro de Marx, também deu uma grande
contribuição para o estudo da classe social, mormente a classe proletária, em seu livro
clássico A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Engels (2010) escreveu essa
obra quando o proletariado ganhava então “carne e osso”, isto é, quando a classe
trabalhadora estava em processo de formação. Engels (2010), em sua análise, mostra, de
forma fidedigna, as condições precárias e duríssimas da vida proletária nos bairros
operários na Inglaterra. Sua análise sobre o surgimento da classe proletária industrial
mostra que a Revolução Industrial forjou a classe operária como um marco histórico,
denunciando como processo de introdução de tecnologias (como máquinas de fiar e
novos arranjos que envolvem o uso do vapor e do ferro) no processo produtivo
alteraram econômica e socialmente o modo de produção e as relações de produção,
consolidando o processo de proletarização das massas.
A história da classe operária na Inglaterra inicia-se na segunda metade
do século passado, com a invenção da máquina a vapor e das
maquinas destinadas a processar o algodão. Tais invenções, como se
sabe, desencadearem uma revolução industrial que, simultaneamente,
transformou a sociedade burguesa em seu conjunto - revolução cujo
significado histórico só agora começa a ser reconhecido. A Inglaterra
constitui o terreno clássico dessa revolução, que foi tanto mais
grandiosa quanto mais silenciosamente se realizou. É por isso que a
Inglaterra é também o país clássico para o desenvolvimento do
principal resultado dessa revolução: o proletariado. Somente na
Inglaterra na Inglaterra o proletariado pode ser estudado em todos os
aspectos e relações (ENGELS, 2010, p. 45)

Por conseguinte, o pensamento marxista deu uma profícua contribuição para o


estudo das classes sociais. Neste sentido, um dos principais estudiosos é o historiador
inglês Edwar Palmer Thompson. Thompson (1999) questiona e critica a noção de classe
reproduzida como uma categoria social estática. Segundo o historiador britânico
(THOMPSON, 1999), a classe social é um processo ativo, ou seja, é um fazer-se,
portanto, é um processo em formação. “Por classe, entendo que é um fenômeno
histórico, que unifica uma série de acontecimentos dispares e aparentemente
desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência”
29

(THOMPSON, 1999 p.9).


Destarte, analisando o pensamento de Thompson (1999), nota-se que o autor não
vê a classe como uma “estrutura”, nem mesmo como uma “categoria”, mas como algo
que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações
humanas. Ademais, a noção de classe traz consigo a noção de relação histórica. Como
qualquer outra relação, é algo fluido que escapa ao tentarmos imobilizá-la num dado
momento e dissecar sua estrutura. A mais fina rede sociológica não consegue nos
oferecer um exemplo puro de classe. Thompson (1999), em sua análise historiográfica,
mostra que a experiência da classe é determinada, em grande medida, pelas relações de
produção em que nasceram – ou entraram involuntariamente. Na perspectiva do
historiador britânico (THOMPSON,1999) o fazer-se da classe operária é um fato tanto
da história política e cultural quanto da econômica.
Thompson (1999) trabalha com conceitos fundamentais como identidade e
consciência de classe. Na concepção do autor, não se pode estudar as classes sociais,
sobretudo, a classe trabalhadora, no contexto da Revolução Industrial Inglesa, sem levar
em conta sua formação cultural e social. Para o historiador inglês, a gênese da classe
operária não pode ser vista como uma simples equação de: energia do vapor e indústria
algodoeira = nova classe operária. Em sua obra A formação da classe operaria inglesa,
Thompson (1999) faz uma reconstrução histórica das condições de vida da classe
trabalhadora no contexto da Revolução Industrial e, somando-se a isso, faz uma análise
magistral do peso da religião metodista junto ao operariado, principalmente no que
tange ao papel que esta religião teve no sentido de disciplinar os trabalhadores no
processo produtivo. Para o historiador britânico, a questão da identidade e da
consciência de classe são fundamentais para o estudo das classes sociais, a saber, a
classe trabalhadora. A questão da identidade está relacionada a como a classe se vê no
seio social e quais os seus interesses para sua consciência de classe.

2.3 A escola neoclássica ou marginalista: da ausência de classes sociais à visão


individualista da economia

Enquanto a teoria econômica de Marx, baseada na exploração capitalista e na


luta de classes, era formulada marginalmente fora dos círculos acadêmicos,
concomitantemente, nos meios universitários, desenvolvia-se uma nova teoria
econômica chamada teoria neoclássica ou teoria marginalista. A escola marginalista,
30

baseada na concepção de que todo homem é uma máquina de prazer, teve uma profunda
influência do pensamento utilitarista de Jeremy Bentham. Ademais, a escola neoclássica
defende que a economia pode ser traduzida em modelos matemáticos (HEILBRONER,
1996).
A escola neoclássica surgiu na década de 1870, a partir das obras de William
Jevons (1835-1882) e Leon Walras (1834-1910). Consolidando-se com a publicação da
obra Princípios de Economia, de Alfred Marshall, em 1890. Na época de Marshall, os
economistas neoclássicos também conseguiram mudar o nome da disciplina tradicional
“Economia Política” para “Teoria Econômica” (CHANG, 2015). O objetivo era
transformar a economia numa ciência pura, isenta de qualquer dimensão ou influência
política. Jevons (1996) em sua obra Teoria da Economia Política buscava produzir uma
teoria econômica fundamentalmente explicitada no modelo matemático, inspirado pelo
cálculo da felicidade de Bentham.
Como observa Heilbroner (1996):
Na Universidade de Manchester, um professor chamado de Stanley
Jevons escreveu um tratado de economia política no qual a luta pela
existência foi reduzida a ‘cálculos de prazer e dor’. ‘Minha teoria de
economia..., é de uma qualidade puramente matemática; escreveu
Jevons, e não deu a menor atenção a qualquer aspecto da vida
econômica que não pudesse ser reduzido à pressão de quebra-cabeça
de seu esquema (HEILBRONER, 1996, p. 168).

Em sua análise sobre o objeto de estudo da economia, Jevons (1996) infere que a
economia se baseia, de fato, nas leis do prazer humano e que, se essas leis não forem
desenvolvidas por nenhuma outra ciência, deverão sê-las pelos economistas. Portanto,
fica evidente que, segundo os arautos da escola marginalista, o prazer e o sofrimento
são, indiscutivelmente, o objeto principal do cálculo da economia. O homem econômico
é aquele que busca maximizar as necessidades com o mínimo de esforço. Portanto, o
objetivo da economia é maximizar o prazer. Ademais, Jevons (1996) considera que tudo
aquilo que gera prazer deve fazer parte da análise econômica. “Tudo o que é capaz de
gerar prazer ou sofrimento pode possuir utilidade” (JEVONS, 1996 p.69).
A escola neoclássica via a economia como um conjunto de indivíduos racionais
e egoístas, e não como uma ciência social baseada em classes distintas como analisava a
escola clássica e a escola marxista. Neste aspecto Chang (2015 p.115) faz a seguinte
crítica: “A escola neoclássica afirmava ser a herdeira intelectual da escola clássica, mas
se sentia diferente a ponto de anexar o prefixo ‘neo’”. Na escola neoclássica o
31

individuo é visto como um ser unidimensional que visa maximizar o seu prazer
(utilidade) e a minimização do sofrimento. Neste sentido, a escola marginalista oponha-
se a escola clássica e marxista, e desenvolve a teoria do valor-utilidade. A teoria do
valor-utilidade se baseia numa generalização do caso de mercadorias que não se ajusta
as oscilações da procura, cujo preço é formado pelos compradores no sistema de leilão
especulativa (SINGER, 2001). É uma teoria que supõe que a decisão final sobre é dos
consumidores. É uma teoria que se generaliza para qualquer mercadoria. A sua premissa
teórica baseia-se na suposição de que a mercadoria tem uma utilidade para o comprador
que é decrescente em relação à sua quantidade. Portanto, quanto maior for a quantidade,
menor o valor. Trata-se de uma teoria liberal, pois ela supõe que nem o governo nem
ninguém devem interferir entre o comprador e vendedor.
Assim, fica evidente que a escola neoclássica mudou o foco da economia, da
produção para o consumo e a troca. Fica claro que a escola neoclássica ou marginalista
desconsidera toda a visão histórica na economia e concebe o sistema econômico como
uma rede de trocas, impulsionada, em última instância, por escolhas feitas pelos
“consumidores”, praticamente não havendo uma discussão sobre como os processos
reais de produção são organizados e modificados. “A chamada revolução marginal
envolveu uma ampla transformação da metodologia característica da Economia
analítica, por intermédio do que constituía, essencialmente, um instrumento matemático
derivado do cálculo” (DEANE, 1978 p.131).
Na concepção da escola neoclássica os agentes são movidos pelo interesse
próprio, mas a concorrência no mercado levará a um resultado socialmente benigno. Os
neoclássicos defendem de que os mercados se autoequilibram. O principal defensor
dessa tese é economista e engenheiro francês Leon Warlras em sua obra Compêndio dos
elementos de economia política pura. Segundo Walras (1996):
O teorema do equilíbrio geral do mercado poderia ser enunciado nos
seguintes termos: No estado de equilíbrio geral do mercado, os m (m-
1) preços que regulam a troca de m mercadorias duas a duas são
implicitamente pelos m – 1 preços que regulam a troca de qualquer m
- 1 dessas mercadorias com a m- ésima. Dessa forma, no estado de
equilíbrio geral, pode-se definir completamente a situação do mercado
relacionando-se os valores de todas as mercadorias ao valor de uma
dentre elas (WALRAS, 1996, p.143).

Destarte, a conclusão, tal como na economia clássica, é que o capitalismo – ou


melhor, a economia de mercado, como essa escola prefere chamá-lo – é um sistema em
que é melhor não mexer, pois ele tem a tendência de reverter para o equilíbrio. A teoria
32

do equilíbrio geral baseia-se na condição hipotética do mercado na qual a oferta é igual


à demanda. Portanto, para esta escola econômica, o livre mercado é considerado a
melhor organização da economia para consecução do equilíbrio geral entre os agentes
econômicos. Em suma, os economistas neoclássicos defendem que o mecanismo da
concorrência (ou interação entre oferta e procura), explicado a partir da maximização do
lucro pelos produtores e da satisfação dos consumidores, é a força reguladora da
atividade econômica, capaz de estabelecer o equilíbrio entre a produção.
A visão neoclássica considera a economia como a ciência das
escolhas. As escolhas são feitas pelos indivíduos, que se supõe serem
egoístas, os quais buscam maximizar seu bem-estar. Considera-se que
os indivíduos fazem escolhas racionais, levando a melhor relação
custo-benefício. Como consumidor, cada indivíduo considera seu
próprio sistema de preferência (CHANG, 2015 p.120).

Por conseguinte, a visão individualista pela escola neoclássica ou marginalista


beira a uma visão atomista da economia. Não leva em conta os conflitos sociais no
tecido econômico. Isso, de certa forma, escamoteia a realidade social, pois não leva em
conta a influência das instituições sociais como o governo, as empresas e sindicatos e
etc. nas decisões econômicas. A escola neoclássica caracteriza-se fundamentalmente por
ser microeconômica, baseada no comportamento dos indivíduos e nas condições de um
equilíbrio estático, estudando os grandes agregados macroeconômicos a partir desse
ponto de vista e com uso da matemática (SANDRONI, 2001). A escola neoclássica não
prima pela visão classista e institucionalista, mas pela visão individualista-egoísta. As
teorias econômicas individualistas deturpam a realidade da tomada de decisões
econômicas, minimizando, ou até mesmo ignorando, o papel das organizações. Pior,
elas nem mesmo são muito boas em compreender os indivíduos. (CHANG, 2015).
Chang (2015) mostra que a escola neoclássica não avançou em mostrar os
conflitos sociais, no campo das ideias econômicas, devido a sua visão atomista. Alguns
economistas, em especial Hebert Simon e John Kenneth Galbraith, examinaram a
realidade, e não o ideal, da tomada de decisões econômicas. Eles descobriram que a
visão individualista ficou obsoleta, pelo menos desde o final do século XIX (CHANG,
2015). As classes sociais, as organizações, as empresas e o governo exercem profunda
influência nas decisões econômicas. E muitas dessas decisões ocorrem por meio de
conflitos sociais e interesses de grupos. Em sua análise crítica sobre a escola
neoclássica, Paul Singer (2001) faz a seguinte observação:
33

Um segundo ponto fraco dessa teoria é supor que existe uma total
independência entre compradores e vendedores, ou seja, os
compradores estão inteiramente cientes de tudo que há para vender,
conhecem todos os preços, são inteiramente racionais, isto é, vão
comprar a mercadoria mais barata, de melhor qualidade, que
realmente vai dar aquela satisfação que eles desejam. Portanto, a
publicidade só serve para eles saberem o que existe no mercado. Eles
não são jamais influenciados etc, etc, o que novamente colide de uma
forma frontal com a realidade da formação dos preços no capitalismo
monopolista (SINGER, 2001 p.31).

Conforme Há-Joon-Chang (2015), os indivíduos têm “muitos eus”. Os


indivíduos não precisam sofrer transtorno multipolar para ter preferências conflitantes
dentro de si. Os problemas dos “múltiplos eus” é generalizado. “Isso acontece porque as
pessoas têm múltiplas funções na vida – como marido e soldado, no exemplo acima.
Espera-se que eles ajam de formas diferentes em papeis distintos, e é o que ocorre”.
(CHANG, 2015 p.178). Os indivíduos não são átomos e não é possível separá-los dos
outros indivíduos. Ademais, as preferências também podem ser manipuladas, ou seja, os
agentes não são tão racionais como defendem os marginalistas. “As preferências
individuais – e não apenas dos consumidores, mas também dos contribuintes, operários
eleitores – podem ser manipulados deliberadamente, e muitas vezes o são. Os
indivíduos não são entidades ‘soberanas’, tal como retratados nas teorias econômicas
individualistas” (CHANG, 2015 p.180).

2.4 A contribuição teórico-política de Keynes: desemprego, intervenção do


Estado e taxação dos ricos.

Embora não tenha desenvolvido uma teoria econômica de classes sociais como
fez Karl Marx, John Keynes deu uma importante contribuição intelectual para
compreender os meandros, envolvendo os interesses capitalistas e as classes sociais
mais baixas, mormente os trabalhadores, sobretudo, porque o economista britânico trata
em seu escopo econômico de temas candentes como a questão do desemprego.
John Maynard Keynes nasceu em 1883, ano em que Marx morreu, e sua grande
preocupação foi com a questão do desemprego. “Na década de 1930, o problema que
dominava as economias capitalistas maduras era a intensa e persistente depressão
comercial, associada a um desemprego generalizado e de proporções sem precedentes”
(DEANE, 1978). O problema do desemprego era crônico na Grã-Bretanha e nas grandes
potências capitalistas.
34

A análise econômica de Keynes rejeita a visão clássica e neoclássica. Em sua


obra A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, Keynes critica a teoria neoclássica
que considerava que, uma economia com salários e preços flexíveis, tende,
automaticamente, a gerar pleno emprego. Para Keynes (1992), o desemprego
involuntário é a prova da fragilidade do pensamento econômico clássico e neoclássico,
mormente, a Lei de Say.
Contudo, se a teoria clássica é apenas aplicável ao caso de pleno
emprego, torna-se obviamente enganoso aplicá-la aos problemas de
desemprego involuntário – supondo-se que tal coisa exista (e quem o
negará?). Os teóricos da escola clássica são comparáveis aos
geômetras euclidianos em mundo não euclidiano, os quais,
descobrindo que, por não se conservarem retas, como único recurso
contra as desastrosas interseções que se produzem. Sendo está a
realidade, não há, de fato, nenhuma outra solução a não ser rejeitar o
axioma das paralelas e elaborar uma nova geometria não euclidiana. A
ciência econômica reclama hoje uma medida desse gênero.
Precisamos desembaraçar-nos do segundo postulado da doutrina
clássica e elaborar um sistema econômico em que o desemprego
involuntário seja possível no seu sentido mais estrito (KEYNES,
1992, p. 32-33).

Keynes (1992) rejeita os postulados neoclássicos que defendiam que, se


houvesse desemprego, este deveria decorrer da indisposição dos trabalhadores em
aceitarem uma remuneração que corresponderia à sua produtividade marginal. Em sua
análise, Keynes rejeita tal conclusão e mostra que o desemprego resultava do que ele
chamava de “procura agregada insuficiente” (RIMA, 1977). Portanto, Keynes parte da
observação óbvia de que uma economia não consome tudo que produz. Como observa
Chang (2015):
A diferença – isto é, o que ela economiza – precisa ser investido se se
deseja que tudo que for produzido seja vendido e se todos os insumos
produtivos, incluindo o serviço dos trabalhadores, sejam empregados
(é o que se chama de pleno emprego). Infelizmente, não há garantia de
que essa será igual ao investimento, em especial quando aqueles
investem e aqueles que poupam não são os mesmos, ao contrário do
início do capitalismo, quando os capitalistas investiam principalmente
suas próprias economias e os trabalhadores não podiam poupar em
razão dos baixos salários. Isso porque o investimento, cujo retornos
não são imediatos, depende das expectativas dos investidores sobre o
futuro. E essas expectativas por sua vez, são movidas por fatores
psicológicos, e não por cálculos racionais, pois o futuro é cheio de
incerteza (CHANG, 2015p 138).

Keynes (1992) considera que a incerteza é outro fator determinante dos


investimentos. Isso porque os investimentos dependem das expectativas dos
investidores. É com base nessas expectativas que o empresário tem que tomar as
35

decisões econômicas. “Estas expectativas, das quais dependem as decisões da atividade


econômica, dividem-se em dois grupos, havendo certos indivíduos ou firmas
especializadas na elaboração de expectativas do primeiro tipo e outras na elaboração do
segundo” (KEYNES, 1992 p 53). Portanto, para Keynes, o nível de emprego é
determinado pela propensão o marginal a consumir e pelo incentivo a investir, sendo
que o investimento depende da taxa de juros e das expectativas que os empresários têm
dos negócios, isto é, dos rendimentos futuros.
Deste modo, o comportamento de cada firma individual, ao fixar sua
produção diária, é determinada pelas expectativas a curto prazo –
expectativas relativas ao custo de produção em diversas escalas e
expectativas relativas ao produto da venda desta produção; no caso de
adições de equipamento de capital ou mesmo de vendas a
distribuidores, estas expectativas a longo prazo (ou prazo médio) de
outrem. São estas diversas expectativas que determinam o volume de
emprego oferecido pelas empresas. Os resultados efetivamente
realizados pela fabricação e da venda da produção terão influência
sobre o emprego à medida que contribuíam para modificar as
expectativas subsequentes (KEYNES, 1992, p. 54).

Em curto prazo, as expectativas acumuladas afetam o nível de emprego corrente


e influenciam o grau de capacidade ociosa; em longo prazo, elas produzem variações
maiores no nível do emprego, via aumento da capacidade produtiva. Se elas forem
favoráveis, predominando o otimismo, novas fábricas serão construídas e o nível de
emprego crescerá, aumentando a arrecadação pública e diminuindo, em princípio, a
pobreza. Para Keynes (1992) quando o investimento cai, os gastos gerais também caem,
o que reduz a renda, já que o gasto de uma pessoa é a renda de outra. Uma redução na
renda, por sua vez, reduz a poupança, já que a poupança é basicamente o que sobra após
o consumo. No final a poupança vai se contrair para se igualar à demanda de
investimento, agora menor. Se o excesso de poupança for reduzido dessa maneira, não
haverá pressão para baixar os juros e, portanto, nenhum estimulo adicional para o
investimento. A poupança é um resíduo da renda. “A equivalência entre a quantidade de
investimentos decorre do caráter bilateral das transações entre o produtor, de um lado, e
o consumidor ou comprador de equipamentos de capital de outro lado’’ (KEYNES,
1992, p 65).
Conforme Keynes (1992), o investimento é uma das principais variáveis
macroeconômicas para o crescimento econômico. Ademais, o investimento é
determinado pelas expectativas de retorno capitalista e pela taxa de juros. Quanto a esta
última, Keynes (1992) infere que quanto maior a taxa de juros menor é a propensão a
36

investir, provocando uma queda na produtividade e um desaquecimento na economia.


Keynes tem uma visão diferenciada dos clássicos e neoclássicos. Para estes últimos, o
investimento dependia da poupança. Com o aumento da taxa de juros, provocaria o
aumento da poupança, resultando em maiores investimentos. Keynes (1992) tem uma
visão contrária: é o investimento que estimula a maior poupança. A poupança tem
relação direta com o nível de renda da comunidade. Um aumento da renda faz aumentar
a poupança e uma diminuição daquela faz a diminuição desta. Isso quer dizer que não é
o aumento da poupança que acarreta o aumento do investimento, mas o contrário. Ao
aumentar o investimento, a aumento da renda, e aumentando-se a renda, a poupança,
que é um residual (renda não gasta), também aumenta. O que existe aqui é uma inversão
com relação ao pensamento clássico. Keynes (1992) também considera que o Estado
tem um papel fundamental na correção das imperfeições do mercado.
No último capítulo da Teoria geral – intitulado “Notas finais sobre a filosofia
social” a que poderia levar a Teoria Geral – Keynes (1992) constrói a sua síntese
econômica, mostrando que o problema econômico é uma questão de economia política,
isto é, da combinação entre teoria econômica e a arte da gestão estatal. Keynes defendia
um reformismo radical. O economista britânico chega a defender uma reforma tributária
progressiva, tornando-se, assim, o imposto um elemento ativo na distribuição dos
rendimentos e na orientação da atividade econômica.
A crença generalizada de que os impostos sobre a herança são
responsáveis pela redução da riqueza de capital de um país reflete a
confusão que reina entre o público neste aspecto. Supondo que o
Estado aplique o produto destes impostos em suas despesas comuns,
de modo que os impostos sobre a renda e o consumo se reduzam ou se
anulem correspondentemente, é naturalmente inegável que uma
política fiscal de altos impostos sobre herança faz aumentar a
propensão da comunidade a consumir. Mas, como um aumento da
propensão habitual o consumo contribui, em geral (isto é, excetuando
as condições de pleno emprego), para elevar o incentivo ao
investimento, a conclusão que daí se tira e quase oposta a verdade. O
nosso raciocínio leva-nos desse modo, a conclusão de que, nas
condições contemporâneas, a abstinência dos ricos mais
provavelmente olhe do que favorece o crescimento da riqueza
(KEYNES, 1992, p. 285-286).

Fica evidente, portanto, que Keynes (1992) defendia a construção de um sistema


fiscal que permitisse a redistribuição dos mais abonados – especialmente, mediante a
taxação dos elevados rendimentos e das heranças – para as classes menos favorecidas,
com o objetivo de manter o consumo crescendo à mesma velocidade da expansão da
37

renda. Segundo Luiz Gonzaga Belluzzo (2016), os principais aspectos defendidos por
Keynes para reformar o capitalismo são: 1) Socialização dos investimentos; 2) sistema
fiscal progressivo e transferência de renda para as camadas sociais com alta propensão a
consumir; 3) Eutanásia do rentier; 4) Sistema monetário internacional público e
centralizado.
Conforme Belluzzo (2106), a socialização do investimento, definido por Keynes,
deve ser entendida como a coordenação pelo Estado das relações entre o investimento
público e privado. Keynes advoga um papel central à coordenação estatal das decisões
privadas inexoravelmente maculadas pela incerteza. “O Estado funcionaria, assim,
como um instrumento de convergências das expectativas valendo-se da
complementaridade entre investimento público e investimento privado” (BELLUZZO,
2016).
Belluzzo (2016) ainda adiciona:
A proposta keynesiana de socialização do investimento está
associada à eutanásia do rentier, abolição do poder dos
proprietários e administradores da riqueza liquida. A política
bancária e de crédito deve ser administrado a fim de neutralizar
o poder de opressão cumulativo do capitalista para explorar o
valor de escassez do capital. [...] enquanto pode haver razões
intrínsecas para escassez da terra, não as há para escassez de
capital (KEYNES, 1992, p. 92).

Fica evidente que Keynes foi um duro crítico dos postulados clássicos, ainda que
mantivesse uma grande distância da visão socialista de Marx. Conforme Belluzzo
(2016): Keynes era intolerante com a hipocrisia das classes dominantes, mas guardava
uma distância aristocrática em relação às classes subalternas. Desejava a igualdade, mas
repudiava igualitarismo que atribuía aos benthamitas e marxistas, que, segundo ele,
também eram filhos do utilitarismo e do ‘vicio ricardiano.

2.5 Classe Média: (para além de uma) análise conceitual e histórica

O conceito de classe média é não somente difícil definição como também é


muito controverso. O termo classe média não atende a uma base conceitual de origem
controlada, sendo por isso incerto e tem significados distintos ao longo do tempo
(POCHMANN, 2014). Falar em classe média sempre gerou polêmica. Seu crescimento,
dentro do capitalismo, a dificuldade de identificá-la com esse ou aquele grupo de
interesse, sua importância na formação da opinião pública e mesmo, por que não, na
38

criação de ideologias, seu peso crescente nas maquinas de decisão de empresas e


Estado. (GUERRA, 2006, p. 9). Tratar de classe média é um terreno movediço. Isso se
deve a posição intermediária e muitas vezes insegura na estrutura social. Para se
analisar a constituição da classe média é preciso levar em conta o desenvolvimento
histórico do capitalismo e suas transformações.
Pochmann (2014), em seu livro O mito da classe média mostra como ocorreram
a formação e as transformações que a classe média sofreu ao longo da evolução do
capitalismo. Em sua pesquisa, Pochmann (2014) faz um recorte histórico de quatro
tempos que constituíram a formação da classe média no capitalismo mundial. É sob essa
perspectiva que o economista mostra as peculiaridades e mudanças a fim de
compreender as alterações e ressignificações que a classe média sofreu ao longo das
mudanças ocorridas no modo de produção capitalista.
É neste sentido que as classes podem ser vistas como processos vivos e em
movimentos conflituosos, ou melhor, como produtos de um conjunto de mudanças
estruturais relacionadas as esferas econômicas, políticas, culturais e ideológicas
(POCHMANN, 2014). “É no centro dinâmico do capitalismo que se explicitam mais
claramente as principais implicações para estrutura social, estando, por isso, nele o foco
inicial a abordagem sobre o tema da classe média” (POCHMANN, 2014, p. 20).
Desde o capitalismo da livre concorrência até a fase do capitalismo monopolista
transnacional, Pochmann (2014) faz uma análise consistente e profícua da formação da
classe média. No começo, durante a fase da Primeira Revolução Industrial, a classe
média seria formada por segmentos sociais constituídos por trabalhadores intelectuais
com interesses materiais comuns e perspectivas ideológicas comuns, incapazes de serem
situados tanto na classe operaria quanto na classe burguesa.
A classe média seria a classe intermediaria entre o pauperismo da classe operária
e a riqueza da classe capitalista. Marx (1998) ao analisar a formação do capitalismo
industrial reconhece a formação de uma classe intermediária (pequeno burguês,
pequenos proprietários na agricultura e no comércio) que seria uma espécie de resíduo
da sociedade pré-capitalista. Contudo, na visão marxista devido ao processo incessante
de acumulação de capital, a classe média estaria fadada ao processo de proletarização.
“Infere-se daí que, na medida que se acumula capital, tem de piorar a situação do
trabalhador, suba ou desça sua remuneração” (MARX, 1998, L. I, v. II, p. 749).
Já na fase do capitalismo oligopolista, marcado pela Segunda Revolução
Industrial e Tecnológica, a estrutura social das potencias industriais sofreram profundas
39

modificações. É neste contexto que surgiu novas ocupações tecnificadas da produção


para além das necessidades do chão da fábrica, como é o caso da supervisão, gerencia e
diretoria, entre outras tarefas da burocracia empresarial nas áreas de vendas, recursos
humanos, compras marketing etc. Ou seja, a formação de um novo contingente de
quadros de nível técnicos e superior nas grandes empresas públicas e privadas.
Por essa concepção, uma nova classe média deveria substituir a antiga,
formada por pequenos burgueses (micro e pequenos empresários,
artesãos, comerciantes e profissionais liberais, entre outros) que fora
contida gradualmente pelo processo de centralização e concentração
de capital oligopolizado. Assim, a ampliação dos segmentos
ocupacionais intermediários resultaria da expansão da grande empresa
fordista, capaz de alterar a velha estrutura social (POCHMANN, 2014,
p. 23).

Essa nova classe média que surgiu na fase do capitalismo oligopolista tem no
emprego público a sua maior representação. É justamente essa mão-de-obra qualificada
que ocupara uma variedade de serviços nas áreas de educação, saúde, assistência social,
entre outros serviços que dará forma a classe média nessa fase do capitalismo. São os
chamados profissionais liberais. Neste aspecto também surgiu uma classe média
relacionado a ocupações de gestores e técnicos não diretamente associados à relação
capital-trabalho, mesmo sendo submetido as condições gerais de reprodução ampliada do
capitalismo. Essa nova classe média que surge nessa fase do capitalismo oligopolista é o
que o cientista político norte-americano Charles Whight Mills (1979) chama de white
colar, ou seja, os “colarinhos brancos”.
Outro motivo para a expansão dos empregos de colarinho branco é o
desenvolvimento das grandes empresas privadas e públicas e sua
consequência, o crescimento regular da burocracia, uma tendência da
estrutura social moderna. Em cada setor da economia, à medida que as
firmas e as grandes companhias se tornam predominantes, os
empresários independentes transformam-se em empregados, em vez
do livre “movimento dos preços”, são os cálculos dos contadores
estatísticos, guarda-livros e escreventes que funcionam como agentes
coordenadores do sistema econômico. A ascensão de milhares de
pequenos e grandes burocratas e a minuciosa especialização do
sistema em geral criam necessidades que muitas pessoas panifiquem,
coordenem e administrem as novas rotinas desempenhadas por outros.
O desenvolvimento de unidades de atividades econômicas cada vez
maiores e mais complexas aumenta a proporção de empregados
dedicados as tarefas de coordenação e gerência. Há necessidade de
dirigentes técnicos e empregados de escritórios de todos os tipos –
supervisores de seção, contramestres, chefes de escritório, pessoas às
quais os seus subordinados prestam contas e que por sua vez, devem
prestar contas a sues supervisores, elos da cadeia de poder e
obediência, coordenando e supervisionando as experiências, funções e
capacidades dos outros (MILLS, 1979, p.89).
40

Mills (1979) considera que essa nova classe média, que constitui a classe
tradicional, não forma uma camada horizontal compacta. Na realidade do ponto de vista
da propriedade, eles são iguais aos operários, contudo, em termos de renda, sua situação
de classe, em geral, é ligeiramente superior à dos operários. Isso se deve por que essa
classe média (os colarinhos-brancos) exerce funções proeminentes na burocracia
pública e privada. Esses novos homens de cúpula, produtos de um século de
modificações nas classes superiores, funcionam dentro das novas burocracias que os
escolhem e engendram suas personalidades. Seu papel no interior dessas burocracias e o
papel das burocracias na estrutura social determinam o campo de ação do demiurgo
burocrático (MILLS, 1979, p. 97).
Assim, Mills (1979) analisa a formação de uma Nova Classe Média mediante a
constituição do Capitalismo Monopolista. A consolidação da economia capitalista
monopolista caracteriza-se pela formação de grandes empresas produtivas que
demandam estruturas burocráticas, administrativas, financeiras e de apoio à produção e
circulação de mercadorias inexistentes no capitalismo concorrencial. É nesse contexto
que surge as ocupações típicas da classe média tradicional. A empresa então gerenciada
pelo proprietário que contava com o contador, um supervisor de produção e muitos
trabalhadores braçais que atuavam num mercado relativamente limitado cede lugar à
estrutura enormes que disputam o mercado nacional e internacional, comandada por
administradores e gerentes “A medida que o os mercados aumentam em complexidade e
extensão, e se torna cada vez mais urgente mais urgente a necessidade de encontrar, os
mesmo de criar, outros mercados, os intermediários que transportam, armazenam,
financiam, promovem e vendem mercadorias são interligadas numa grande rede de
empresas e ocupações. (MILLS, 1979, p. 88).
Mills (1979) mostra que houve três tendências que explicam por que os
colarinhos-brancos se tornaram a categoria de mais rápido crescimento dentre as
modernas ocupações: o crescente aumento de produtividade do maquinário empregado
na indústria, o desenvolvimento da distribuição e a ampliação das funções de
coordenação (MILLS, 1979, p.87). Neste aspecto Mills (1969) mostra também que o
crescimento da burocracia foi outro fator importante significativo para o crescimento da
classe média ou a classe do colarinho-branco: “Enquanto o mundo dos negócios
passava por essas transformações, o aumento das tarefas do Governo em todos os
setores atraiu um número ainda maior de pessoas para ocupações de regulamentação e
41

assistência à propriedade e às pessoas” (MILLS, 1979, p.89). Segundo o autor


supracitado, a transformação da classe média representa uma passagem da propriedade
para a não-propriedade.
“(...) a transformação da classe média representa a passagem para a
não-propriedade (...). Compreende-se melhor o caráter e o bem-estar
da antiga classe analisando-se a situação da propriedade empresarial;
para a nova classe média é preciso compreender a economia e a
sociologia das ocupações. O declínio numérico dos antigos setores
independentes da classe média é apenas um episódio na concentração
da propriedade; a ascensão numérica dos novos empregados
assalariados deve-se aos mecanismos industriais que deram às novas
ocupações da classe média (MILLS,1979, p. 85).

Em sua obra Trabalho e capital monopolista, Harry Braverman considera que o


modo de produção capitalista e a extração crescente de mais-valia leva a uma
progressiva proletarização da classe trabalhadora, seja do trabalho qualificado, seja do
gerente ou do operário, no interior e, externamente, a produção industrial. Neste aspecto
Braverman (1981) considera que a classe média não estaria imune a esse processo de
proletarização. Para Braverman (1981) as funções gerenciais (que neste caso formam a
chamada classe média) estão sob o controle dos interesses do capital. As funções
gerenciais de controle e apropriação tornaram-se por si mesmos processos de trabalho.
E são controladas pelo capital do mesmo modo como ela (a classe operaria) executa os
processos de trabalho da produção (BRAVERMAN, 1981)
Com o desenvolvimento do capitalismo houve uma ampliação tanto do trabalho
manual como do trabalho não-manual (ou predominantemente intelectual). Neste último
tipo se enquadraria as profissões administrativas e de gerenciamento. E neste caso,
portanto, se enquadraria neste trabalho a classe média. Contudo, Braverman (1981) faz
críticas a essa terminologia de “nova classe média”
Teremos que fazer certas reservas, porém, se tivermos que chamar a
isto de “nova classe média”, como muitos o fizeram. A velha classe
média ocupava aquela posição em virtude de sua posição fora da
estrutura polar: capital e trabalho; ela possuía atributos de ser nem
capitalista nem trabalhadora; ela não desempenhava papel direto no
processo de acumulação de capital, seja de um lado ou de outro. Esta
“nova classe média”, em contraste, ocupa sua posição intermediaria
não porque esteja fora do processo de aumento do capital, mas porque
como parte desse processo, ela assume as características de ambos
lados. Não apenas ela recebe suas parcelas de prerrogativas e
recompensas do capital como também carrega as marcas de condição
proletário (BRAVERMAN, 1980, p. 344).
42

Galbraith (1982) em sua análise sobre as transformações ocorridas no


capitalismo também dá ênfase ao surgimento de um estrato social técnico. As profundas
transformações dos processos produtivos contribuíram para superação da figura do
empresário, mas também de seu antigo oponente mais aguerrido: o operando (“blue-
collar’’ ou colarinho azul). Como observa o economista norte-americano: “Nas últimas
décadas houve uma constante acumulação de provas sobre o deslocamento do poder dos
proprietários para os administradores dentro da grande empresa moderna”
(GALBRAITH, 1982, p. 49). Galbraith (1982) infere que o surgimento dessa classe
técnica intermediário entre o empresário e o operário está concatenado ao papel do
planejamento no processo produtivo o qual passa o substituir o sistema de mercado. O
planejamento, em suma, requer grande variedade de informações e prever necessidades
e dirigir os mercados (GALBRAITH, 1982).
Galbraith (1982) mostra que o Estado teve um papel fundamental na formação
dessa classe tecnocrática ou tecnoestrutura, principalmente com a valorização do
planejamento econômico. Com o surgimento dessa tecnocracia o êxito das empresas
passava a depender do planejamento econômico e de como essa elite tecnocrática (os
“colarinhos brancos” ou whiter collar) vão conduzir o processo produtivo. Na
concepção do economista norte-americano com as mudanças ocorridas no capitalismo o
poder teria passado da arena dos conflitos socais (trabalhadores versus capitalistas) para
o âmbito das decisões técnicas e impessoais da tecnocracia (GALBRAITH, 1982).
Com relação ao período do capitalismo pós-industrial, Pochmann (2014)
considera que o processo de industrialização tardia, após a Segunda Guerra Mundial, em
diversos países capitalistas na América, na Ásia e na África (África do Sul, Argentina,
Brasil, Coreia, Índia, México e outras) contribuíram em mudanças na estrutura social.
Pochmann (2014) infere que as economias mais desenvolvidas (EUA, Japão, França e
Inglaterra) estavam sofrendo um crescimento significativo do setor terciário e um
decréscimo relativo do setor industrial. Ademais, acrescenta-se a isso a transição do
processo de produção fordista paro o modelo do toyotismo, assentado no modelo de
empresa enxuta. Vale ressaltar que:
Em geral entendeu-se que no capitalismo do final do século XX não
faria mais sentido diferenciar o trabalho produtivo do improdutivo,
uma vez que o conjunto dos assalariados estaria submetido à lógica do
capital, seja nas fábricas, seja nos escritórios, seja nos comércios, nos
bancos entre outros. Alguns traços disso se associaram à redefinição
da classe média assalariada que se encontrava tanto no setor privado,
na gerência entre os operários e proprietários, quanto no Estado,
43

relacionado à administração do fundo orçamentário intermediados por


interesses públicos e privados (POCHMANN, 2014, p. 25).

É neste contexto histórico de mudanças na estrutura capitalista, principalmente


com o surgimento da nova classe média de serviços que se fala numa sociedade
capitalistas pós-industrial. Em vez do conflito capital-trabalho, emergiram conflitos
maiores entre os detentores e não detentores das informações estratégicas
(POCHMANN, 2014). Essa sociedade pós-industrial seria marcada pelos seguintes
aspectos: 1) A mudança de uma economia de produção para uma de serviços; 2)
Preeminência da classe profissional e técnica; 3) A centralidade do conhecimento
teórico como fonte de inovação e de formulação política para a sociedade; 4) O controle
da distribuição tecnológica e; 5) A criação de uma nova tecnologia intelectual (BELL,
1973). Conforme Bell (1973) a sociedade pós-industrial é marcada por uma economia
de serviços o qual fomentou uma classe média de serviços
O início da industrialização criou um novo fenômeno, o trabalhador
semiqualificado, que seria treinado dentro de umas poucas semanas
para executar as operações de simples rotina exigida pelo trabalho
com máquinas. Nas sociedades industriais, o trabalhador
semiqualificado vem constituindo a categoria mais numerosa da força
de trabalho. A expansão da economia de serviços dando destaque ao
trabalho em escritórios, a educação e ao governo provocou
naturalmente uma mudança de tendência que voltaram para o
funcionalismo. Nos Estados Unidos, em 1956, o número de
empregados em escritório superou, pela primeira vez na história de
uma civilização industrial, o número de operários na estrutura
ocupacional. A partir daí essa proporção tem aumentado
constantemente, em 1970, a proporção entre empregados de escritório
e operários era cinco para quatro (BELL, 1973, p. 29).

Segundo Bell (1973), a mudança mais impressionante na formação dessa


sociedade pós-industrial foi o aumento de empregos de natureza profissional ou técnica.
Neste sentido Bell segue a mesma análise de Galbraith no que tange a formação de uma
nova classe média de caráter técnico na segunda metade do século XX através das
modificações ocorridas na economia capitalista e na estrutura de classes, tendo como
característica o surgimento de uma “sociedade do conhecimento” que emerge do
capitalismo das grandes corporações.
Com o advento dessa ‘’sociedade do conhecimento’’, a elite administrativa-
tecnocrata ganha notoriedade na estrutura social capitalista. Galbraith (1982) conclui
dizendo que o surgimento dessa tecnocracia ou tecnoestrutura surgiu a partir de uma
nova classe educacional e cientifica. É neste sentido que se trataria de uma nova classe
44

média portadora de futuro, com significativo poder sobre as formas de controle e de


técnicas racionais de dominação que atingem a todas as esferas da vida social.
As transformações na estrutura produtiva exigem mudanças no arcabouço
institucional, técnico, administrativo, burocrático e tributário do Estado. Visto que a
dinâmica da economia deve ser regulada e planejada com o propósito de evitar bruscas
oscilações no ritmo de atividade que poderiam ocasionar quebras e perdas não só as
empresas, mas a sociedade como um todo, o raio de ação do setor público precisa se
estender. Suas funções interventoras devem ampliar-se. Nesse sentido, o Estado tem um
papel fundamental. Assim a execução de projetos, o apoio aos variados ramos de
atividade, o bom funcionamento da máquina pública – ampliada no capitalismo
monopolista – necessita de mais recursos, propiciado pelo aumento do volume
arrecadado, e de um corpo técnico e administrativo maior e mais competente,
possibilitado pela expansão considerável do emprego público. É nesse contexto que
surge a burocracia estatal. Galbraith (1982) em sua análise sobre o novo estado
industrial considera que o surgimento da classe média tecnocrata e cientifica está
concatenada as transformações econômicas e sociais e a necessidade do planejamento.
O planejamento, em suma, requer grande variedade de informações.
Requer homens com variedade de informações e homens que sejam
convenientemente especializados em obter as que se exigem. Deve
haver homens cujo conhecimento os permita prever necessidades e
garantir um suprimento de mão-de-obra, materiais e outros elementos
exigidos para a produção; homens que tenham conhecimento para
planejar estratégias de preço e providencia para que os fregueses
sejam convenientemente persuadidos a comprar aqueles preços;
homens que, em níveis mais altos de tecnologia, possuam tais
conhecimentos que possam trabalhar eficientemente com o Estado a
fim de que este seja apropriadamente dirigido; e homens que possam
organizar o fluxo de informações que as tarefas acima e muitas outras
exigem. Por conseguinte, às exigências da tecnologia no que tange ao
talento cientifico e técnico especializado acrescentam-se ainda mais as
do planejamento que a tecnologia torna necessário (GALBRAITH,
1982, p. 59).

É nesse contexto que se proliferam os níveis de gerência, de administração e de


supervisão no interior da grande empresa. É justamente a fase de constituição de uma
crescente classe média assalariada urbana. Essa racionalização e o crescente
planejamento nas atividades de administração e gerenciamento vieram acompanhados
de separação do chão da fábrica da administração técnica do processo produtivo,
motivado, fundamentalmente, pelo movimento de centralização e concentração do
capital em torno das grandes empresas e do próprio Estado.
45

Seja nas hierarquias funcionais mais elevadas, seja naquelas mais próximas do
processo produtivo, as classes medias assalariadas diferenciaram-se dos postos de
trabalho ligados diretamente à produção, isto é, ao chão de fábrica. Sem a propriedade e
a posse de alguns meios de produção, a nova classe média assalariada encontrou a
diferenciação em relação à classe trabalhadora, não apenas pela extremidade do
rendimento, mas também pelo padrão de consumo elevado.
Assim o processo de “medianização” social, é uma característica fundamental
das transformações ocorridas no capitalismo. A conformação da estrutura produtiva
decorre das transformações econômicas políticas e sociais vivenciadas por determinado
país ao longo do tempo. A compreensão deste processo e de seus desenlaces só é
factível na medida em que se conhece que as transformações observadas ocorrem em
economias capitalistas num mundo capitalista. Como observa Pochmann:
É no centro dinâmico do capitalismo que se explicitam mais
claramente as principais implicações para estrutura social, estando,
por isso, nele o foco inicial da abordagem sobre o tema da classe
média. Não se desmerece, entretanto, o debate referente à classe
média. Não se desmerece, entretanto, o debate referente à classe
média realizado na periferia do sistema capitalista, mesmo porque ele
tende a revelar distinções significativas no interior da estrutura social,
sempre que guardadas as devidas atenção e consideração. Isso é o que
se pode observar em análises sobre o tema (POCHMANN, 2014, p.
20).

Fica evidente que o surgimento e a consolidação da classe média são um


processo decorrente da constituição do capitalismo monopolista de Estado bem como de
seus desdobramentos econômicos, políticos e sociais nas nações industrializadas. O
advento do capitalismo monopolista provocou mudanças profundas na estratificação do
setor público – como o incremento do aparato estatal e de suas funções reguladoras bem
como a extensão e profundidade de suas atividades econômicas e sociais – e na
composição das forças sociais, acarretando não só a ampliação do emprego público
como também na estruturação do Estado de Bem-Estar, decisivo à constituição da classe
média. Portanto, foi justamente com a expansão do modo de produção capitalista que se
desenvolveu uma densa camada social intermediária. Não obstante, a evolução da classe
média não se mostrou de forma continua e homogênea no tempo, uma vez que as
recorrentes transformações na dinâmica de acumulação capitalista foram alterando tanto
a concentração da propriedade privada como a divisão do trabalho.
46

3 POLÍTICAS ECONÔMICAS RECENTES E MOBILIDADE SOCIAL

“Uma boa renda é a melhor receita de felicidade de que já


ouvir falar” (Jane Austen)

A partir dos anos 2000, mormente os dez anos do século XXI, o Brasil
apresentou importantes mudanças na sua estrutura social, apontando para uma relativa
mobilidade social e uma redução da pobreza e da miséria. As modificações ocorridas na
base da pirâmide social desvelam o impacto do chamado projeto social
desenvolvimentista no país. O resultado dessas importantes mudanças na estrutura
social brasileira resulta de uma ampliação do emprego e da renda que promoveram uma
importante inflexão nos índices de desigualdade de renda, índices esses que sempre
evidenciaram que o Brasil se encontra entre os países com maior desigualdade social.
Com base nisso, o objetivo nessa seção consiste analisar a política econômica
durante a década de 2000 (mais especificamente de 2003 a 2010), desvelando de que
maneira essa política econômica contribuiu para as mudanças na economia brasileira e,
sobretudo, para a mobilidade social, levando em consideração os principais aspectos
macroeconômicos (taxa de crescimento, taxa de juros, taxa de inflação, política salarial,
participação do investimento, consumo das famílias e etc.) e sociais.

Tabela 01: Índice de Gini


Ano Índice de GINI
1995 0,5987
1996 0,6003
1997 0,6003
1998 0,5984
1999 0,5922
2000 0,5929
2001 0,5936
2002 0,5874
2003 0,5810
2004 0,5689
2005 0,5663
2006 0,5597
2007 0,5522
2008 0,5429
2009 0,5388
2010 0,5331
2011 0,5274
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do CPS/FGV (2012)
47

Segundo Höfling (2015), as melhorias sociais ocorridas na estrutura social


brasileira nos últimos dez anos se devem a um conjunto de políticas econômicas
pautadas na expansão do crescimento econômico (crescimento do PIB), ampliação do
emprego formal, combinado com políticas sociais que influenciaram na diminuição da
pobreza e melhorou a estrutura social na medida em que propiciou um processo de
mobilidade social ascendente. Höfling (2015) ainda infere que: “Quase 28 milhões de
miseráveis deixaram de existir, ao passo que 30 milhões de pessoas se tornaram Baixa
Classe Média. Esse movimento acarretou na queda da desigualdade observada pela
diminuição no índice de Gini, que caiu de 0,583 em 2003 para 0,53 em 2010”
(HÖFLING, 2012, p. 86).
Portanto, o início do século XXI mostrou tendências de queda de índice de
Gini mais consistente, embora mantendo níveis elevados. Dentre os fatores que
influenciaram esse processo deve-se mencionar a manutenção do crescimento real do
salário mínimo, o crescimento do emprego e dos programas públicos de transferência de
renda como o Programa Bolsa Família. Ademais, o crescimento da renda do trabalho se
constituiu numa das principais fontes de renda associada ao movimento da queda da
desigualdade. Vale ressaltar, entretanto, que o movimento de redução do coeficiente de
desigualdade ocorreu depois de um longo período, um quarto de século, de baixo
dinamismo da economia e, depois de dez anos de estagnação com estabilidade de
preços. A diminuição do grau de desigualdade contribuição para um aumento da renda
total dos estratos inferiores
Corroborando com a análise de Höfling (2015), o economista e professor da
Unicamp Waldir Quadros (2008) afirma que as mudanças ocorridas na estrutura sócio-
ocupacional brasileira durante os anos recentes se deve a um conjunto de fatores dentre
eles a combinação de crescimento econômico, ampliação do emprego e valorização do
salário mínimo como podem ser observados no gráfico 02 e tabela 02.

Gráfico 01: PIB - variação percentual de 2001 a 2010

5,8 6,1 7,5


3,1 3,2 4 5,1
1,4 1,1 -0,1
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Variação percentual do PIB brasileiro (%)

FONTE: Elaboração própria com base no BACEN/ indicadores econômicos consolidados


(2017)
48

Com relação ao crescimento nota-se que o ano de 2004, a economia brasileira


apresenta um crescimento do produto de 5,8% depois de um forte ajuste fiscal no ano de
2003. Conforme o gráfico 01 acima, em 2005, a economia brasileira perde um pouco do
seu ritmo e o produto interno bruto fica com a variação de 3,2%. Em 2007, o PIB
brasileiro foi de 6,1% voltando a economia crescer. Em 2009, segundo os dados do
Banco Central (2017), a economia teve um crescimento negativo de -0,1% devido à
crise internacional iniciada nos Estados Unidos. Em 2010, a economia brasileira
apresentou a maior taxa de crescimento da década de 2000 tendo um PIB de 7,5%.
Sendo assim a taxa de crescimento teve um papel importante nas mudanças econômicas
e sociais recentes mesmo tendo uma taxa de crescimento média baixa comparada com a
taxa média de crescimento internacional. Como observa Brum (2013, p. 485): “Para um
país emergente, como o Brasil, crescimento médio anual de 4% é desempenho modesto,
principalmente tendo em vista que o crescimento mundial, no mesmo período, foi de
4,4%. Portanto, maior do que o crescimento médio do Brasil”

Gráfico 02: Evolução do salário nominal e real (R$) no Brasil de 2000 à 2010

Salário mínimo nominal (R$) Salário mínimo real (R$)

1200
579,8
562,8

1000 523
509,9
493,9

800 435,2

396,2
388,2

600 368,7 357,1


510
338,5
465
415
380
400 350
300
260
240
200
180
200 151

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

FONTE: Elaboração própria a partir de dados do Ministério da Fazenda (2013).


49

Tabela 02: Evolução do PIB, do salário mínimo real no Brasil


Evolução do PIB Evolução do salário mínimo real

Ano % Período %

2000 4,31 11/1999 à 10/2000 1,97

2001 1,31 11/2000 á 10/2001 8,50

2002 2,66 11/2001 á 10/2002 4,36

2003 1,15 11/2002 á 10/2003 - 0,86

2004 5,71 11/2003 á 10/2004 4,59

2005 3,16 11/2004 á 10/2005 5,74

2006 3,75 11/2005 á 10/2006 13,43

2007 5,42 11/2006 á 10/2007 7,66

FONTE: Elaboração com base nos dados de Waldir Quadros. A evolução recente da estrutura
social brasileira. Texto de Discussão. Campinas, São Pualo. Unicamp, n.148, 2008, p.3

Conforme Quadros (2008) além da combinação PIB/valorização do salário


mínimo, outros elementos contribuíram para as mudanças na estrutura social recente
brasileira como a acentuada formalização dos contratos de trabalho, aprimoramento e
ampliação dos programas de transferência de renda com impactos significativos entre os
miseráveis não diretamente pelos ganhos do piso legal (QUADROS, 2008).
Quadros (2008) afirma que durante o período de 2005 a 2007 houve um avanço
indicando uma mobilidade ascendente o qual resultou no alargamento da Baixa Classe
Média.
O comportamento relativamente mais expressivo da baixa classe
média por certo reflete tanto as maiores taxas de crescimento do PIB
desde 2004, como de fato de que este crescimento se realiza em
condições macroeconômicas desfavoráveis às estruturas produtivas
mais complexas, integradas tecnologicamente avançadas. Com isso, e
outras circunstâncias da mesma natureza, os empregos e
oportunidades gerados concentram-se nas faixas de menor
remuneração (QUADROS, 2008, p. 09).

Essa expansão da baixa classe média está associada a queda do número de


miseráveis. Os avanços na redução dos miseráveis de 2003 a 2007 foram de 14, 7%
sendo que 27, 4 milhões pessoas saíram da situação de extrema pobreza (QUADROS,
2008). Esse avanço recente da mobilidade social no Brasil, principalmente com a
50

ascensão da baixa classe média, Quadros chama de “pororoca social” (QUADROS,


2008, p 08).
O crescimento econômico brasileiro registrado durante os dez primeiros anos
de 2000 teve um papel fundamental na mobilidade social recente. Ademais, tal
crescimento coincide com os dois mandatos do governo Lula e com a eclosão da crise
mundial de 2008. Vale ressaltar que grosso modo, entre 2004 e 2008, o mundo fora
marcado por um crescimento impulsionado pela abundante liquidez do mercado
internacional e pelo elevado crescimento chinês. É nesse cenário mundial que a
economia brasileira estava inserida. O Brasil vivia um clima de franco otimismo. Como
registra Giambiagi (2012, p. 04)
O Brasil vive um período de otimismo, marcado por um salto no
consumo da chamada “nova classe média”, um grande interesse dos
estrangeiros no país e uma nova inserção global, da participação no G-
20 à realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo e as
Olimpíadas. O país tornou-se referência de boas práticas em diversos
segmentos, da regulação financeira às práticas de combate a pobreza.
Em vários indicadores, das contas fiscais ao desemprego, nos últimos
anos, nos comparamos favoravelmente aos Estados Unidos, Europa e
Japão (GIAMBIAGI, 2012, p.04).

Esse otimismo caracterizado por elevado crescimento econômico, aumento da


liquidez e incremento do consumo foi beneficiado pela abundância de capital quanto
pelo incremento dos preços das commodities mundo afora. A conjuntura econômica
mundial favoreceu as políticas distributivas, principalmente devido à apreciação do
câmbio. Como assinala Bresser-Pereira (2015)
A apreciação cambial nos seus oito anos foi enorme. A preços de 31
de dezembro de 2010 ela caiu R$3,95 por dólar em 31 de dezembro de
2002 (R$7,29 a preços de 1/2014) para R$1,65 por dólar em 31 de
dezembro de 2010 (R$1,97 a preços de 1/2014). Essa apreciação foi o
fator que, somado à elevação do salário mínimo real, e a elevação dos
demais salários no mercado de trabalho, explica o crescimento da
classe C, e a enorme popularidade de Lula no final de seu governo
(BRESSER-PEREIRA, 2015, p.348).

De acordo com a tabela 03 nota-se um bom desempenho da balança comercial,


sendo que a partir de 2003 ela passa a ter um superávit comercial de mais de 20 milhoes
de doláres. Em 2006, o superávit comercial quase 50 milhões de dólares (46 milhões de
dólares). Os anos 2008 e 2009 os quais foram marcados pela crise econômica
internacional, as exportações brasileiras superaram mais de vinte milhões de dólares.
Em 2010, o saldo da balança comercial chegou a quase vinte um milhões de dólares.
Contudo, esse bom desempenho impressiona mais pelo seu valor do que pela qualidade
51

dos produtos exportados tendo em vista que a maior parte das exportações brasileiras
eram produtos primários, ou seja, de baixo nível teconológico.
Assim, os superávits deveiam-se em boa parte ao “boom”de preços
das exportações. Cabe chamar atenção para a perda da participação
dos manufaturados na pauta de exportações do país: essa rubrica , que
em 1970 respondia por 15% das exportações totais e em 1985 já tinha
alcançado 55% do total, manteve-se aproximadamente nesse nível,
com algumas oscilações até 2002, porém caindo para 39% do total em
2010 (GIAMBIAGI, 2011, p. 221).

Tabela 03: Saldo do balanço comercial (FOB) de 2002 a 2010. (Antiga Metodologia -BPM)
Ano Balanço comercial (FOB) – Saldo em US$ milhões
2000 -697,7475
2001 2.650,4670
2002 13.121,2970
2003 24.793,0000
2004 33.640,5407
2005 44.702,8783
2006 46.456,6287
2007 40.031,6266
2008 24.835,7524
2009 25.289,8079
2010 20.146,8579
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do IPEADATA (2017a)

É importante frisar que apesar das importantes mudanças ocorridas na estrutura


social brasileira nos anos recentes, o tripé macroeconômico (superávit primário,
políticas de metas de inflação e câmbio flutuante) foram mantidos durante a década de
2000. Como observam Filgueiras e Gonçalves (2007):
O governo Lula manteve a mesma política econômica do segundo
governo Cardoso – meta de inflação, ajuste fiscal e câmbio flutuante.
Com o agravante de que Lula aumentou os superávits fiscais primários
para 4,25% do PIB (4,3% em 2003, em 4,6% em 2006) – tendo por
referência a serie do PIB anterior à mudança recente da metodologia
do seu cálculo (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p.95).

Vale ressaltar que nesse contexto a política monetária é o principal instrumento


de política fiscal e cambial. Sob a presidência de Henrique Meirelles no Banco Central,
a política monetária brasileira no governo Lula foi marcada por elevadas taxas nominais
de juros as quais trouxe efeitos contracionistas na economia brasileira.
[...] O Banco Central, conduzido de modo autônomo por Henrique
Meirelles e por vezes à revelia das posições defendidas pelo
Ministério da Fazenda, implementou nada menos que quatro rodadas
de elevação nominal dos juros, algo dificilmente previsível em 2002, a
se confiar nos documentos programáticos do PT escritos em anos
52

anteriores: no começo do governo em 2003, quando o dólar ainda


pressionado, a Taxa Selic Nominal – anualizado – foi aumentado de
25,0% para 26,5% quando, no contexto de uma forte alta das
commodities ele passou de 16,0% para 19,75%, entre abril e setembro
de 2008, quando o forte crescimento da economia e o temor do Banco
Central quanto a uma pressão da demando levaram a uma alta de
11,25% para 13,75%, e finalmente, entre abril e julho de 2010, quando
a taxa, em função de um receio simular, já afastado a crise econômica
de 2009, passou de 8,75% para 10,75% (GIAMBIAGI, 2011, p. 211).

Tabela 04: Variação da taxa Selic Nominal (%)


Período Tx Selic Inicial (%) Período Tx Selic Final (%)
23/01/2003 25,36 17/12/2003 16,09
22/01/2004 16,30 15/12/2004 17,23
20/01/2005 17,74 14/12/2005 18,49
19/01/2006 17,26 29/11/2006 13,67
25/01/2007 12,93 05/12/2007 11,18
24/01/2008 11,18 10/12/2008 12,92
22/01/2009 12,66 09/12/2009 8,65
28/01/2010 8,65 08/12/2010 10,66
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do BACEN (2017)

A Tabela 04 mostra, que nos oitos anos do governo Lula, a taxa Selic, ainda sob
a pressão do dólar, foi aumentada para 25%. Depois, devido o contexto de uma forte
alta das commodities, com 16,09% em dezembro de 2003, mantendo-se praticamente o
mesmo valor, no início de 2004 (16,30%), tendo uma leve acentuação para 17,23% no
final do mesmo ano. Já em 2005, a taxa Selic ficou com 17,26%, fechando o ano, com
18,49%. Em 2006, inicialmente ela se apresenta com 17,26%, encerrando esse mesmo
ano com 13,6%. Num contexto de uma alta das commodities e depois de um forte
crescimento econômico da economia, o Banco Central tinha um certo temor quanto a
uma pressão da demanda, levando a uma alta de 12,93% no começo de 2007, fechando
em dezembro do mesmo ano com uma taxa Selic de 11,18%. Em 2008, ano da crise
internacional, a Selic fechou com 12,92%. Em 2009, ainda sob os efeitos da crise, a
Selic no início ficou 12,66%, caindo de forma significativa para 8,65% no final do
mesmo ano. Finalmente em 2010, período de elevado crescimento da economia
brasileira, a variação inicial da taxa Selic nominal foi a mesma do final do ano passado,
tendo um relativo aumento para 10,66% a fim conter a pressão por demanda.
53

A política econômica ortodoxa foi mantida no governo Lula e em 2003 a


economia apresentou um crescimento pífio de 1,15%. Segundo Filgueiras e Gonçalves
(2007) apesar do Brasil ter apresentado taxas de crescimento elevadas no início dos
anos 2000, o crescimento da economia brasileira deixava a desejar em relação a
economia mundial.
No período 2003-2006 a renda per capita mundial cresce a taxa média
real de 3,7%, enquanto a taxa correspondente do Brasil é de 2,1%.
Mantidas essas taxas, a economia mundial duplica sua renda per
capita em 19 anos enquanto o Brasil precisa de 34 anos. Portanto,
durante o governo Lula o Brasil “anda para trás”, pois há hiato de
crescimento negativo, ou seja, a economia brasileira cresce a taxas
insignificantes menores do que a economia mundial. Esse fenômeno
ocorreu em quase todos os governos a partir 1980, com exceção dos
períodos Sarney e Itamar. Nesse período, o desempenho de Lula (-
1,5%) só não é pior do que o de Collor (-3,6%), mas é pior que o
desempenho de Fernando Henrique Cardoso (FILGUEIRAS e
GONÇALVES, 2007, p.125).

Com relação às contas públicas, nos anos do governo Lula, houve muito rigor
através de uma política de superávit primário robustos e um processo gradual de queda
da taxa de juros (tabela 2). Percebe-se, pelos dados do gráfico 3, que o setor público
vinha atingindo superávits primários de aproximadamente 3% do PIB. Com exceção do
ano de 2009, em que houve uma desaceleração econômica, devido à crise financeira, foi
combatida com medida fiscais anticíclicas. Percebe-se que, durante o governo Lula
houve um equilíbrio fiscal entre as receitas e despesas primárias, sendo que em 2003 as
receitas primarias forma 17,6% do ´PIB e as despesas chegaram a15,4% do PIB. Em
2010, as receitas primárias foram de 20,2% do PIB e as despesas chegaram 18,2% da
soma de toda riqueza nacional. Portanto, de 2003 a 2010 não houve uma deterioração
dos gastos públicos. Como observa Giambiagi (2016);
Aos poucos, o quadro começou a mudar. Primeiro, a taxa de juros real
cedeu. Segundo o efeito dos superávits primários elevados se fez notar
acentuado pelo fato de que, entre 2003 e 2005, ele foi a cada ano
superior como fração do PIB ao percentual que se tinha verificado no
ano anterior. Terceiro, a apreciação real da taxa de câmbio fez
“derreter” o valor real da dívida externa do setor público afetada pela
citada variável. E quarto, o maior crescimento do PIB colaborou
decisivamente para uma redução da relação Dívida Pública/PIB,
quando se compara o dinamismo posterior a 2003 com o fraco
desempenho da economia no triênio 2001/2003. Com isso, a dívida
liquida do setor público, que tinha sido de 60% do PIB em 2002,
cedeu 38% do PIB em 2010 (GIAMBIAGI, 2016, p. 208-209).
54

Gráfico 03: Resultado primário do Setor Público - % do PIB.

Resultado primário (%)

2010 2,6
2009 1,9
2008 3,3
2007 3,2
2006 3,2
2005 3,7
2004 3,7
2003 3,2
2002 3,2

FONTE: Elaboração própria a partir de dados do Relatório Anual do Tesouro Nacional (2016).

Gráfico 04: Evolução das receitas e despesas primárias - % do PIB

Receitas primárias líquidas (% PIB) Despesas primárias líquidas (% PIB)

20,2
18,9

18,9

18,9

18,6
18,4

19
18,2

18,2
17,6

17,4
16,9
16,8
16,4

16,2
16,1

15,9
15,4

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

FONTE: Elaboração própria a partir de dados do Relatório anual do Tesouro Nacional (2015).

Devido ao caráter ortodoxo da política macroeconômica, mormente a política de


juros altos e de superávit primário, o capital financeiro foi o setor mais beneficiado por
esse modelo econômico. A política macroeconômica teve um elevado custo social,
principalmente no ano de 2003, resultando num dos mais pífios desempenhos, em
termos de crescimento econômico. Não obstante, o capital financeiro teve lucros
exorbitantes.
55

Tabela 05: Evolução dos gastos com juros nominais (em bilhões) no período de 2002 à 2010
Período Despesas com juros nominais (bilhões)
2002 R$ 113
2003 R$ 145
2004 R$ 129
2005 R$ 158
2006 R$ 162
2007 R$ 163
2008 R$ 166
2009 R$ 171
2010 R4 195
FONTE: Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galílopo. Manda que pode, obedece que tem
prejuizo. São Paulo:Editora Contracorrente, 2017, p.149.

Conforme a tabela 05 nota-se, que houve uma evolução das despesas com juros
nominais. Em 2003, as despesas com juros foram de R$ 145 bilhões. Em 2004, sendo
que a taxa Selic nominal no iniciou do ano era de 16,30% e terminou o ano com
17,23%, os gastos com juros foram de R$ 129 bilhões, crescendo para R$ 158 bilhões
em 2005. Em 2006, as despesas com juros nominais chegou a cifra de R$ 162 bilhões.
Em 2009 e 2010, mesmo a taxa Selic nominal tendo uma queda respectivamente de
8,65% e 10,66%, as despesas com nessa mesma ordem foram de R$ 171bilhões e R$
195 bilhões. Segundo Belluzzo e Galípolo (2017) os gastos com os juros nominais
revelam uma espécie de dominação financeira na economia brasileira.
A imposição de limites cada vez mais restritos às despesas com
serviços essenciais como saúde, educação, moradia, saneamento e
transporte, enquanto juros podem exorbitar livremente, sinaliza
simultanealmente credibilidade ao rentismo e temor à população de
moratória ao contrato social. A dinâmica perversa da relação
dívida/PIB não pode ser compreendida sem considerar os efeitos da
política monetária no resultado fiscal. A Grécia detém uma dívida
equivalente a 170% do seu PIB, mas despende 5% do seu PIB em
juros, enquanto o Brasil paga quase 10% do PIB em juros com uma
dívida inferior a 70% do PIB. A história recente da evolução da dívida
pública no Brasil demonstra o avesso da sabedoria convencional.
Dizem os sabichões que a taxa de juro é elevada por causa da dívida,
mas o caso brasileiro parece afirmar que a dinâmica da dívida é
perversa por causa da taxa de juro de agiota (BELLUZZO E
GALÍPOLO, 2017, p. 162).
56

Neste aspecto a economista Leda Paulani (2008) tem razão quando afirma que o
governo Lula foi marcado por uma servidão ao setor financeiro e que em nome da
“credibilidade” Lula manteve a mesma política econômica de FHC, atendendo os
interesses do grande capital.
A necessidade de recuperar a “credibilidade” do país foi e é utilizada
como justificativo número 1 para a manutenção e mesmo a
exacerbação, neste início de governo, da política econômica operada
pelo governo de FHC. Mas colocada dessa forma, ela gera expectativa
de um espaço para alteração dessa política, uma vez recuperada a dita
credibilidade. A queda acelerada do risco-país a recuperação do preço
dos C-Bonds (títulos brasileiros negociados nos mercados
internacionais) e a tão festejada valorização do real começaram a
apontar para isso pelo menos desde o início de abril de 2003. Os
jornais passaram a dizer que “o Brasil virou moda em Wall Street” e
que, para os investidores, “Lula é um bom negócio” (PAULANI,
2008, p.17).

Apesar da manutenção da política ortodoxa, as mudanças recentes na


estratificação social brasileira foram de grande relevo. A principal característica dessa
transformação recente foi a ampla geração de emprego, sobretudo os empregos formais
referentes a base da pirâmide (aqueles que ganham até dois salários mínimos). Esse
crescimento da formalização do emprego das ocupações de baixa remuneração
provocou a queda da taxa de desemprego no Brasil na década de 2000. Segundo Neri
(2011, p.187): “A média anual de geração de empregos formais de 2004 a 2008 foi de
1,4 milhões de postos de trabalho, enquanto nos quatros anos anteriores (1999 a 2008)
foi de 650 mil empregos ao ano.” O autor ainda acrescenta dizendo que:
Desde o final de 2003, ano de recessão, até agora foram gerados mais
de 8,5 milhões de empregos formais. Mesmo sob efeitos da crise,
depois da destruição de mais de 600 mil postos de trabalho em
dezembro de 2008, o dobro do habitual, há uma recuperação gradual
e, em setembro de 2009, já atingiu o ritmo de geração de emprego
formal de antes de setembro de 2008 (NERI, 2011, p. 187).

Conforme Neri (2011, p. 187), as regiões Norte e Nordeste foram as principais


regiões que foram beneficiadas com esse boom dessa da geração de emprego formal,
sendo a carteira de trabalho talvez o principal símbolo da ascensão da classe C. Assim, a
informalidade constituía (e constitui) um dos principais obstáculos ao bem-estar da
população brasileira na medida que implica desproteção social. Portanto, conforme o
referido, a década de 2000 foi marcada por aumento na taxa de formalização dos postos
de trabalho, tendo em vista nenhum segmento contribui mais para a pobreza brasileira
57

do que o setor informal. A informalidade é mais frequente e crônica que o desemprego


(NERI, 2011).
Essa combinação de crescimento econômico com distribuição de renda
permitiu a retomada da mobilidade social, especialmente aquela associada a base da
pirâmide social. Por intermédio de uma significativa expansão do nível de emprego com
remuneração acima do valor do salário mínimo e garantia de renda aos segmentos mais
empobrecidos da população, ocorreu a incorporação de quase um quarto dos brasileiros
no mercado de consumo de massa (POCHMANN, 2014). Essa retomada do crescimento
econômico e da elevação do emprego e da renda permitiram o aumento do consumo de
massa, isto é, trata-se de uma recomposição da classe trabalhadora ao mercado
consumidor.

Gráfico 05: Geração líquida de empregos formais celetistas no Brasil de 2000 a 2011

Geração líquida de empregos celetistas


(milhares de postos de trabalho)
281

205 209
177
139 148

88 80 82 84 90
73

JAN/00 JAN/01 JAN/02 JAN/03 JAN/04 JAN/05 JAN/06 JAN/07 JAN/08 JAN/09 JAN/10 JAN/11
Geração líquida de empregos celetistas (milhares de postos de trabalho)

FONTE: Elaboração própria com base em dados do Ministério da Fazenda (2011).

De acordo com corte cronológico (2000-2010), no gráfico 05, verifica-se um


crescimento significativo do emprego formal, tendo uma criação de 209 mil postos de
trabalho formal, em janeiro de 2010, sendo o setor de serviços o mais pujante da
economia brasileira. Conforme o Ministério da Fazenda (2013 p.14), em 2010, o setor
de serviços teve um crescimento de 3,2% em relação ao PIB, a agricultura teve uma
participação de 0,3% e a indústria registrou 3,2% no PIB brasileiro. Em 2007, a
economia brasileira teve um crescimento expressivo de 6,1%, sendo que a participação
do setor de serviços foi de 3,5% no PIB; a agricultura foi apenas uma de 0,2% e a
indústria registrou uma participação de 1,3%. Em 2009 devido à crise econômica
internacional que efeitos na economia brasileira a participação do setor serviços foi
58

1,2% em relação ao PIB, a agricultura foi de -0,2 % e a indústria registrou apenas -1,3%
no PIB brasileiro.

Tabela 06: Taxa de formalização (%)


Ano População ocupada com carteira em relação a população ocupada (%)
2002 45,5
2003 43,5
2004 43,8
2005 45,5
2006 46,1
2007 47,6
2008 49,2
2009 49,3
2010 51,6
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Ministério da Fazenda (2012)

Neste aspecto, uma das principais variáveis explicativas para uma elevação no
padrão de mobilidade social a partir dos anos dois mil é o aumento da taxa de
formalização do emprego. Conforme a tabela 06 houve um crescimento da taxa de
formalização do emprego passando de 45,5% em 2002 para 51,6% em 2010. Isso
significa dizer houve uma melhora qualitativa, no mercado de trabalho, no sentido que a
formalização do emprego gera proteção social e contribuição previdenciária. Com a
formalização do emprego, observado a partir da primeira década de 2000, houve um
aumento significativo dos contribuintes à seguridade social no País.

Gráfico 06: Contribuição dos trabalhadores para previdência social.

68,4
66,8
65,8
64,2
63
62,2
61,2
60,4

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Contribuintes para a previdência social (% da população ocupada)

FONTE: Elaboração própria a partir de dados do Ministério da Fazenda (2013).


59

Conforme o gráfico acima, em 2003 a proporção de contribuintes era de 61,2%


passando para 68,4% em 2010. Ademais, com o crescimento econômico e a queda na
taxa de desemprego percebe-se que nos últimos anos resultaram em um menor tempo de
espera para conseguir emprego.

Gráfico 07: Queda no tempo de procura por trabalho – Em semanas.

17,8
16,7
15,4 15,9
14,6
13,6 13,8 13,1

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Tempo médio de procura por trabalho (Em semanas)

FONTE: Elaboração própria a partir de dados do Ministério da Fazenda (2013).

Conforme o gráfico 07, o tempo médio em que a pessoa permanecia


desempregado passou de 17,8 semanas, em 2003, para 13,1 semanas, em 2010.
Com efeito, fica evidente, que na primeira década do século 21, o mercado de
trabalho, mormente as ocupações de menor rendimento ligados ao setor de serviços e
construção civil, voltou a dar sinais positivos, melhorando, de certa forma a situação da
classe trabalhadora que, nos anos 90, vivia em situação de desemprego. Conforme
Pochmann (2012a, p.19) a geração de empregos na primeira década do século XXI foi
maior a maior nos últimos quarenta anos, sendo fortemente influenciada pelo setor de
serviços com remuneração de até 1,5 até 3 salários mínimos. Segundo o autor
supracitado, esse aumento da taxa de formalização do emprego no setor terciário,
construção civil e nas indústrias extrativas beneficiaram os mais pobres, incorporando
os trabalhadores da base da pirâmide social brasileira.
[...]. Com isso, uma parcela considerável da força de trabalho
conseguiu superar a condição de pobreza, transitando para o nível
inferior da estrutura ocupacional de baixa remuneração; embora não
seja pobre, tampouco pode considerada de classe média. Esta, por
sinal, praticamente não sofreu alteração considerável, pois manteve
estacionada na faixa de um terço dos brasileiros, ao passo que os
trabalhadores de salário de base aumentaram sua participação relativa
de menos de 27%, em 1995, para 46,3%, em 2009. Na condição de
60

pobreza, a queda foi significativa: de 37,2% para o mesmo 7,2% no


mesmo período (POCHMANN, 2012a, p. 20-21).

Portanto, a elevada participação do setor de serviços revela o aumento das


ocupações no setor terciário da economia. Como destaca Pochmann (2012a, p. 43):
O setor terciário, por outro lado tem aumentado relativamente a sua
participação no total da ocupação de baixa remuneração, passando de
45,2% em 62.5%. Mas, dentro do setor terciário, altera-se a presença
dos diferentes subsetores. Enquanto o comércio de mercadorias e os
serviços sociais (educação e saúde) aumentaram a posição relativa de
16,4% em 1979 para 27,2% em 2009, a prestação de serviços
(alojamento, alimentação e domésticos) reduziu de 19,3% para 16,5%
no mesmo período (POCHAMNN, 2012a, p.43).

Tabela 07: Taxa geral de desemprego


Período Taxa de desemprego (%) Período Taxa de desemprego (%)
2002.03 12,90 2002.12 10,50
2003.01 11,20 2003.12 10,99
2004.01 11,70 2004.12 9,60
2005.01 10,20 2005.12 8,40
2006.01 9,30 2006.12 8,40
2007.01 9,30 2007.12 7,40
2008.01 6,00 2008.12 6,40
2009.01 8,20 2009.12 6,80
2010.01 7,20 2010.12 5,30
FONTE: Elaboração com base nos dados do IPEADATA (2017b)

De acordo com a tabela 07, nota-se que o crescimento da economia brasileira,


sobretudo a partir de 2004, contribuiu para a redução da taxa de desemprego. Em março
de 2002, ainda no governo FHC, a taxa de desemprego era de 12,9% tendo uma queda
para 10,5%. No começo da era Lula, em janeiro de 2003, a taxa de desemprego era
11,2% fechando o ano com 10,99%. A partir de 2004, ano há uma retomada do
crescimento econômico para 5,8%, a taxa de desemprego em março registra 11,7%
tendo uma queda de 9,6% no final do mesmo ano. Já em janeiro de 2009, ano de crise
econômica internacional, o país registrou uma taxa de desemprego de 8,20% caindo
para 6,8% em dezembro do mesmo ano. Em 2010, o Brasil encerrou com uma das
menores taxas de desemprego da história recente do país. Em março de 2010, a taxa de
desemprego foi de 7,2% caindo significativamente para 5,3% em dezembro do mesmo
61

ano. Segundo Pochmann (2012b p. 86): Da mesma forma, percebeu-se que o retrocesso
concomitante do desemprego para um contingente de seis milhões de brasileiros, com
queda de 40% em relação ao registrado em 2000”. Ademais, essa queda da taxa de
desemprego vem acompanhada de grande participação do rendimento do trabalho na
renda nacional.
[...]. Nesse sentido, interessa também destacar o avanço da
participação do rendimento do trabalho para 43% da renda
nacional, o que terminou por expressar uma redistribuição
positiva dos ganhos do crescimento econômico. Entre 2000 e
2009, o Brasil passou dos 13º para o 7º posto da economia
mundial. Sem mudanças profundas na legislação social e
trabalhista, constatou-se que a natureza da expansão econômica
se mostrou fortemente geradora de ocupações formais, capaz de
estimular o retorno ao movimento anterior de estruturação do
mercado de trabalho, interrompido durante os anos 1980 e 1990
(POCHMANN, 2012b, p. 86).

Associado a isso tivemos também a política de combate à inflação que estava


sob controle. Como infere Giambiagi (2011) ao longo do Governo Lula, o regime de
metas de inflação seguido pelo Banco Central, a partir de 2003 sob a condução de
Henrique Meirelles, acabou por se consolidar como parte do arcabouço de política
econômica. Assim a trajetória da inflação foi declinante como mostra os dados do
gráfico abaixo.

Gráfico 08: Variação do IPCA (Inflação %)

IPCA (%)
12,5
8,9 9,3
7,7 7,6
6 5,7 5,9 5,9
4,5 4,3
3,1

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

FONTE: Elaboração própria com base no Ministério da Fazenda (2011).

De acordo com o gráfico 08, percebe-se que houve uma desaceleração


significativa da taxa de inflação. A inflação caiu de 12,5%, em 2002, para 9,5%, em
2003. Portanto, o Banco Central começou a reduzir gradualmente a taxa Selic já em
meados em 2003, mas mantendo o controle inflacionário. Em 2004, a taxa de inflação
caiu para 7,6%. Mesmo com a economia crescendo (vide o gráfico 1), a inflação estava
62

sob controle. Em 2006, o IPCA registrou 3,1%. Em 2007, houve uma relativa ascensão
para 4,5%. Já em 2008, a taxa de inflação foi de 5,9%. No ano de 2009, apesar da crise
internacional, o Banco Central tomou posicionamentos mais consistentes, com
sucessivos cortes da taxa de juros (vide a tabela 2), contudo, a inflação foi de 4,3%,
permitindo ampliar as medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal a partir do
trimestre do referente ano. Em 2010, mesmo com um PIB expressivo de 7,5%, a
inflação ficou sob o controle, registrando 5,9%.
Com a queda da taxa de desemprego e o controle inflacionário houve uma
valorização da renda, principalmente dos segmentos ocupacionais da base da pirâmide
social brasileira. É neste sentido que Pochmann (2012b) infere que durante a década de
2000 houve um aumento absoluto e relativo das classes de trabalho no Brasil.
Em 1998, por exemplo, quase 59% da população tinha no uso de sua
força de trabalho no mercado de trabalho o seu principal rendimento
monetário. No ano de 2009, 78,5% do total da população que se
encontravam na condição de classes do trabalho, o que significou um
acréscimo de 33,3% em relação a 1998. Se consideradas as classes de
trabalho em si, em que representam mais de 80% do total da
população brasileira, pode-se observar que a mudança em sua
composição relativa nos últimos 11 anos (POCHMANN, 2012b, p.
70).

Pochmann (2012b) afirma, que, em 2009, o estrato social definido como classe
média alta aumentou relativamente de 1% para 4,2% do total das classes do trabalho. A
classe média média foi o segmento social que mais cresceu em 2009, passando de
apenas 2,2% do total para 12,5%. Já em relação baixa classe média, Pochmann (2012b)
compara o ano de 1998 e 2009 considerando que houve uma redução relativa da baixa
classe média, pois de 53,3%, em 1998, caiu para 36,8%, em 2009. Já a chamada classe
operária, que está abaixo da classe média baixa, teve um crescimento em 2009 de 46,5%
comparado com 46,5% de 1998. Em função disso, a classe operária se tornou o
principal estrato social em 2009 na evolução da composição das classes do trabalho do
Brasil. “Entre 1998 e 2009, a classe operária aumentou a sua posição relativa, podendo
chegar em 2021 como sendo o segmento maior que a somatório das classes médias”
(POCHMANN, 2012b, p.71).
Assim, a passagem para o século XXI foi acompanhada por essa importante
transformação, que foi a redução do segmento empobrecido da população o qual deu
crescimento das classes do trabalho, especialmente a classe operária, ligada ao setor de
serviços e da construção civil. Percebe-se que o movimento de recuperação da
economia brasileira associado às políticas ativas de valorização do trabalho trouxe um
63

impacto significativo na estratificação brasileira, sobretudo nas classes do trabalho


(POCHAMNN, 2012b).
Com isso, o país passou a registrar uma importante inflexão na evolução da
estrutura da sociedade. Pochmann (2014) infere que desde os anos 1990, período de
apogeu do neoliberalismo no Brasil, o país não tinha apresentando uma significativa
mobilidade, principalmente nos segmentos de menor rendimento. Nesse sentido, “o
Brasil registra a mais alta taxa de mobilidade social (63,25%) acima de países como
Suécia 951,5%) e Canadá (50,1%). No ano de 1996, por exemplo, no Brasil, a
mobilidade social respondia por uma taxa inferior a 40%”. (POCHMANN, 2010a, p.
638). Essa mobilidade social reflete as transformações mais amplas na economia (como
elevação da renda, aumento do emprego e etc) e na sociedade (como inclusão social,
educação e etc).
Pochmann (2010a) infere que é necessário analisar os diferentes padrões de
mudança social ocorridos no país. Segundo o economista citado, durante período de
2005 a 2008, a participação relativa da população na base pirâmide social encolheu
22,8%. Isso é fruto de intensa mobilidade de 11,7 milhões de pessoas para os estratos de
maior renda. Assim, na década de 2000, a trajetória de mobilidade social foi bastante
expressiva, pois impulsionou de forma significativa a modificação na estrutura da massa
de remuneração das classes trabalhadoras.
Em síntese, percebe condição de menor renda, enquanto 7 milhões de
indivíduos ingressaram no segundo estrato de renda e 11,5 milhões -se
que, somente entre 2005 e 2008, 11,7 milhões de brasileiros
abandonaram a de pessoas transitaram para o estrato superior de
renda. Com o recente per retorno da mobilidade social ascendente no
Brasil, convém considerar o quanto isso vem impactando a estrutura
social. Para isso, buscou-se comparar a estrutura social de 2008 com a
de 1998, o que permitiu observar as principais transformações dos
últimos dez anos da sociedade brasileira (POCHMANN, 2011, p.
151).

Pochmann (2014) infere que, desde os anos 1990, período de apogeu do


neoliberalismo no Brasil, o país não tinha apresentado uma significativa mobilidade
social a qual permitiu não apenas estimular o nível de emprego, como melhorou a
qualidade das ocupações geradas, predominantemente formais. Entre 2004 e 2009, por
exemplo, houve a geração liquida de 8,1 milhões de postos de trabalho formais
enquanto entre 1998 e 2003 foram criados, apenas 1,9 milhões de empregos
assalariados com carteira assinada em todo o Brasil. (POCHMANN, 2011).
64

De outro lado, a ampliação da renda das famílias, sobretudo daquelas


situadas na base da pirâmide social, por decorrência do papel ativo das
políticas públicas. Enquanto, o rendimento médio familiar per capita
no topo da pirâmide social da distribuição da renda (10% mais ricos)
no Brasil cresceu 1,6%, em média, entre 2003 e 2008, o rendimento
médio familiar per capita na distribuição da renda no Brasil (10%
mais pobres) cresceu 9,1% ao ano. Inicialmente devido à política de
aumento do valor do salário mínimo, que permitiu injetar um trilhão
de reais aos trabalhadores de salários de base somente no período de
2003 a 2010 (POCHMANN, 2011, p.147).

A valorização do salário mínimo teve um papel expressivo na mobilidade social


recente no país. Na década de 2000, houve uma política de recuperação do valor renda
do salário mínimo. “Nos três primeiros anos, o caminho adotado foi o da reposição da
inflação do período anterior juntamente com um percentual de aumento real”
(MERCADANTE, 2010, p. 244). Assim, a valorização do salário mínimo foi capaz de
potencializar a mobilidade social e a inclusão no mercado de bens de consumo.
No início do governo Lula, o salário mínimo comprava 1,4 cesta
básica. Com o reajuste de janeiro de 2010, seu poder aquisitivo
elevou-se para 2,2 cestas básicas. Considerando -se a série histórica, o
valor de R$510, fixado em 1ª de janeiro de 2010, representa o maior
valor do salário mínimo pelas médias o anuais desde 1986, ano do
Plano Cruzado (MERCADANTE, 2010, p. 246).

Tabela 08: Reajuste do salário mínimo (2003/2010)


Período Salário Ajuste INPC Aumento real
mínimo (R$) nominal (%) (%) (%)
Abril de 2002 200,00 - - -
Abril de 2003 240,00 20,00 18,54 1,23
Maio de 2004 260,00 8,33 7,06 1,19
Maio de 2005 300,00 15,38 6,61 8,23
Abril de 2006 350,00 16,67 3,21 13,04
Abril de 2007 380,00 8,57 3,30 5,10
Março de 2008 415,00 9,21 4,98 4,03
Março de 2008 415,00 9,21 4,98 4,03
Fevereiro de 2009 465,00 12,05 5,92 5,79
Janeiro de 2010 510,00 9,68 3,45 6,02
Total do período - 155,00 65,93 53,67
FONTE: Aloizio Mercandante. Brasil: a construção retomada. São Paulo: Editora Terceiro
Nome, 2010, p.245

Conforme a tabela 08, percebe-se que houve uma importante valorização do


salário mínimo de 2003 a 2010. Sendo que abril de 2003, o salário mínimo era de
R$240,0, encerrando no valor de R$510,0, em 2010. Neste aspecto, o aumento real do
salário mínimo foi de 1,23%, em 2003, para 6,02%, em 2010, tendo um aumento real
65

total de 53,67%. De acordo com a tabela 8, nota-se que nos anos 2000 houve seguidos
aumentos reais do salário mínimo. A política de recuperação do salário mínimo
assegurou a recomposição gradual de seu valor real e deu cumprimento ao preceito
constitucional que determina a preservação de seu poder de compra. Consoante a tabela
8, em abril de 2003, o aumento real do salário mínimo foi 1,23%. Em maio de 2006, o
aumento foi 13,04%. Já em abril de 2007, o aumento real representou 4,03%. Em 2009
e 2010, os aumentos reais foram respectivamente de 5,79% e 6,02%.
Agora considerando os ajustes dos salários mínimos na tabela 8 juntamente com
as variações de inflação (IPCA), mostrado no gráfico 8, que trata de inflação pode-se
calcular que o aumento real do salário mínimo foi de 9,8% em 2003. No ano de 2004, o
aumento real do salário mínimo foi de 0,65%. Em relação ao ano de 2005, o aumento
real chegou a 9,18%, sendo um dos mais expressivos reajustes do salário mínimo da
década 2000. No ano de 2007, o aumento real do salário ficou sendo de 7,48%, caindo
para 3,77%, em 2010.
Mercandante (2010) infere, ainda, que a política de valorização do salário
mínimo converteu-se numa política de Estado, no sentido de que a recuperação
progressiva do poder de compra não afetou a estabilidade econômica. Ademais, a
política de valorização do salário mínimo não apenas se revelou compatível com o
controle da inflação e o equilíbrio do gasto público, como contribui decisivamente para
o processo de distribuição de renda. Neste sentido, as políticas de redistribuição de
renda tiveram um impacto positivo na aceleração das melhorias sociais e no
alargamento do mercado consumidor, dando uma nova dinâmica na economia brasileira.
Essa nova dinâmica econômica tem como principal característica o crescimento dos
postos de trabalho de menor remuneração.
Para essa classe, houveram significativas expansões nas
oportunidades de ocupação na construção civil (estruturas de
alvenarias e ajudantes) conservação de edifícios, vigilância privada,
motoristas (polivalentes e de mercadorias), alimentação
(cozinheiros, garçons, barmen e copeiros), solda e corte de metais,
mecânicos de veículos, carregadores de mercadorias e outros
trabalhadores dos serviços. E são essas expansões que permitiram
que a ascensão das classes baixas e o grande aumento da baixa
classe anteriormente (BRASIL, 2014, p.21).

Pochmann (2010c) afirma que as transformações - na economia associadas ao


estimulo dos investimentos, a ampliação do mercado interno e pela elevação da renda
das famílias - contribuíram para elevada mobilidade social. De acordo gráfico 09, nota-
se que houve um crescimento expressivo da renda média domiciliar dos segmentos
66

sociais de menor faixa de renda, possibilitando o aumento do consumo. Ademais, as


políticas de transferência de renda também tiveram um efeito direto nas melhorias dos
segmentos sociais mais vulneráveis. “Entre os anos de 2002 e 2008, por exemplo, a
transferência de renda aos segmentos mais vulneráveis da população foi nominalmente
multiplicado por 2,3 vezes passando de R$134,7 bilhões para R$305, 3 bilhões”
(POCHMANN, 2010a, p. 643).

Gráfico 09: Taxa de crescimento médio da renda domiciliar no Brasil de 2001 à 2009

Faixas de renda

8
7,2
7 6,3
5,9
6 5,4
4,9
5 4,6
4
4 3,3
3 2,5

2 1,4
1
0
primeira segunda terceira quarta quinta sexta faixa sétima oitava nona faixa décima
faixa faixa faixa faixa faixa faixa faixa faixa

FONTE: Elaboração própria com base em dados Ministério da Fazenda (2012)

Neste sentido, o Programa Bolsa Família é uma experiência exitosa no combate a


situação de extrema pobreza. Conforme Mercadante (2010), o Bolsa Família:
[...] comporta três eixos de atuação transferência direta de renda para
promover a melhoria imediata das condições de vida das famílias; o
acesso efetivo das famílias aos serviços básicos de educação, saúde e
assistência social; e a integração com outras ações e programas de
governo e da sociedade civil voltados ao desenvolvimento de
alternativas de ocupação, geração de renda e elevação do bem-estar
das famílias pobres (MERCADANTE, 2010, p. 247).

A política de transferência direta de renda foi fundamental para inclusão social


dos mais pobres. Conforme a tabela 09, no período de 2004 a 2009, o número de
famílias atendidas passou de 6 milhões para 12,4 milhões de famílias, distribuídas por
todo o território nacional. Ademais, “nesse período, o pagamento de benefícios passou
de R$600 milhões para 12,5 bilhões. E, até o final de 2010, o programa passa a atender
12,9 milhões de famílias” (MERCADANTE, 2010, p. 249). Os impactos do Bolsa
67

Família tiveram um efeito positivo para os mais pobres. “A fonte de renda que mais
cresceu foi a de programas sociais (12,9%) influenciada pela expansão do Bolsa
Família, criado em 2003.” (NERI, 2011, p. 121). Segundo Neri (2011) no período de
2003 a 2009, a parcela da renda associada a programas sociais, tais como o Bolsa
Família, cresceu mais de 100%.

Tabela 09: População beneficiada e valor per capita dos benefícios referente ao programa
Bolsa Familia, período de 2004 a 2010
Anos Indivíduos Beneficiados (milhões) Valor Per Capito dos beneficíos

2004 6.571.839 R$ 57,82


2005 8.700.445 R$ 63,06
2006 10.965.810 R$ 61,81
2007 11.046.076 R$ 71,24
2008 10.557.996 R$ 78,51
2009 12.370.915 R$ 94,67
2010 12.778.220 R$ 87,95
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Ipeadata (2013)

Com efeito, no sentido de combater a pobreza no Brasil, o Programa Bolsa


Família de teve um papel de relevo. Os reflexos positivos das políticas de transferência
de renda (o Bolsa Família) logo começaram a serem sentidos. Nesse contexto,
Mercadante (2010) afirma que o Bolsa Família foi uma das estratégias adotadas para
enfrentar os efeitos sociais da pobreza e um dos eixos estruturadores do
desenvolvimento econômico. Ademais, o Bolsa Família, além de promover segurança
alimentar e nutricional e o acesso às condições mais elementares de cidadania, figura,
ao lado da valorização do salário mínimo, como um dos mais importantes instrumentos
de distribuição de renda. Nesse sentido, o Bolsa Família ajudou amenizar os efeitos da
crise econômica e financeira global de 2008 (MERCADANTE, 2000, p251).
Assim, o Programa Bolsa Família revelou-se eficaz - embora limitado - no
combate a extrema pobreza e na tentativa de promover uma política de inclusão social e
de bem-estar social
Além disso, o Bolsa Família está ampliando os horizontes e as
oportunidades para milhões de famílias brasileiras, em particulares
para seus filhos. Nos próximos anos, um dos maiores desafios será
justamente ampliar as ações para transpor definitivamente a barreira
da pobreza por meio do acesso a um amplo leque de alternativas de
68

ocupação, geração de renda e bem-estar social (MERCADANTE,


2010, p.251).

Durante a década de 2000, houve um crescimento expressivo do consumo das


famílias. De acordo com os dados da tabela 10, em 2003, devido ao forte ajuste fiscal, o
consumo das famílias foi de -0,8%. De 2004, o consumo das famílias foi de 3,8%,
seguindo assim uma trajetória ascendente de 4,5 %, em 2005, e 5,2%, em 2006, tendo
um crescimento de 6,1%, em 2007. Em 2008, o consumo das famílias foi de 5,7%. Em
2009, a economia brasileira sofreu uma retração de -0,1%, mas o consumo das famílias
fechou com 4,2%. Em 2010, ano que o crescimento do produto interno brasileiro foi de
7,5%, o consumo das famílias chegou ao nível de 7,0%. Ademais, houve um forte
estímulo ao consumo por parte do governo federal, principalmente no contexto da crise
mundial de 2008 e 2009, que teve início nos Estados Unidos. Esse estimulo ao consumo
se configura no apelo do presidente da República Lula aos brasileiros: “‘Se você está
com dívidas, procure antes equilibrar seu orçamento. Mas se tem um dinheirinho no
bolso ou recebeu o décimo terceiro, e está querendo comprar uma geladeira, um fogão
ou trocar de carro, não frustre seu sonho com medo do futuro. Se você não comprar, o
comércio não vende”’ (SICSÚ, 2017, p. 25).
De acordo com o gráfico 10, nota-se que o consumo das famílias teve uma
expressiva participação no PIB brasileiro. Em 2003, o consumo das famílias respondia
por 61,9% do PIB brasileiro. Em 2004, mesmo com uma economia crescendo houve
uma queda para 59, 9%. Nos anos de 2005 e 2006, o consumo das famílias registaram a
mesma taxa de 60,3% do PIB brasileiro. Cabe observar que o ano de 2009 - ano de crise
econômica no cenário internacional e de queda na atividade produtiva nacional - o
consumo das famílias respondia por 61,7% do PIB brasileiro. Já em 2010, período que a
economia brasileira teve um crescimento de 7,5%, a participação do consumo das
famílias no PIB foi de 60,6%.

Tabela 10: Taxa de crescimento real do produto e e do consumo das famílias – em variação (%)
no período de 2003 a 2010
Variáveis/Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
PIB 1,1 5,8 3,2 4 6,1 5,1 -0,1 7,5
Consumo das famílias -0,8 3,8 4,5 5,2 6,1 5,7 4,2 7
FONTE: João Sicú. Governo Lula: a era do consumo. Texto para discusão. Rio de janeiro, IE-
UFRJ, n.21, 2017, p.25
69

Gráfico 10: Consumo das famílias na composição do PIB brasileiro 2002 a 2010

Consumo das famílias na composição do PIB (%)

61,9
61,7

61,7

60,6
60,3

60,3

59,9
59,8

58,9
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

FONTE: Elaboração própria com base em dados de Fábio Giambiagi (Org). Economia
Brasileira Contemporânea: 1945-2010.

O aumento do consumo das famílias reflete uma certa melhoria, na parcela da


renda das famílias, principalmente com a valorização real do salário mínimo. Essa
evolução do consumo das famílias e, concomitantemente, com a redução da disparidade
de renda é resultado de uma política de valorização da renda, principalmente os salários
de base (POCHMANN, 2011). Adiciona-se a estes fatores a política de ampliação de
crédito que impulsionou mais ainda o consumo. Com base nessas ponderações, na
década de 2000, o país passou a ser uma economia de consumo de massa, sendo que os
bens de consumo duráveis passaram a ser acessíveis aos estratos sociais mais baixos.
O acesso à máquina de lavar roupas foi o que mais cresceu entre 2003
e 2009 (32,61% contra 8,41% da geladeira e 6,73% da televisão). Vale
ressaltar que estes últimos já estão presentes em mais de 90% dos
lares, sendo então o avanço superior a 6% bastante representativo. [...]
Não obstante as altas taxas de acesso a geladeira, superior a 90% nas
classes A, B, C, D, 20% de pessoas na classe E ainda não tem acesso a
este bem. Televisão é o bem mais difundido (atinge 35,91% da classe
AB e 5,86% da classe C) (NERI, 2011, p. 137-138).

Pochmann (2014) considera que a alteração nos preços relativos dos produtos
teve uma contribuição significativa na modernização do padrão de consumo. “No quarto
período, representado pelos anos de 2004 e 2008, alteração nos preços relativos se
confirmou novamente pelos artigos de residência com importante destaque no conjunto
do setor de bens de consumo duráveis” (POCHMANN, 2014, p.90). Conforme o
70

referido economista, esse crescimento do consumo também se deve a maior participação


da mulher no mercado de trabalho e, consequentemente, uma maior participação na
renda adicional das famílias. “Na década de 2000, por exemplo, a taxa de ocupação
feminina subiu de 24%, pois passou de 35,4%, no ano 2000, para 43,9%, em 2010”
(POCHMANN, 2014, p. 93).

Tabela 11: Taxa de crescimento real do produtoe e do investimento (FBCF –Formação Bruta
do Capital Fixo) – em variação (%) no período de 2003 à 2010
Variáveis/Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
PIB 1,1 5,8 3,2 4 6,1 5,1 -0,1 7,5
FBCF -4,6 9,1 3,6 9,8 13,9 13,6 -10,3 21,9
FONTE: João Sicsú. Governo Lula; a era do consumo. Texto para discussão. Rio de janeiro, IE-UFRJ,
n.21, 2017, p.25

Quanto aos investimentos nota-se, apesar do crescimento do consumo das


familias, que o Brasil apresentou um relativo crescimento da taxa de investimento. O
investimento público ganhou expressividade no periodo de 2007 – 2010. De acordo com
a tabela 11 houve uma evolução percentual da taxa de crescimento. Sendo que em 2003
a taxa de investimento foi negativa de -4,6%. Em 2004, ano que o crescimento do
produto brasileiro foi de 5,8%, o investimento brasileiro teve um crescimento de 9,1%.
Em 2005, houve queda do investimento para 3,6%, tendo uma recuperação significativa
de 9,8% em 2006. Já em 2007 e 2008, houve um crescimento expressivo
respectivamente de 13,9% e 13,6%. Em 2009, ano de retração econômica, a taxa de
investimento foi -10,3%. Já em 2010, a taxa de investimento teve foi 21,9%.

Gráfico 11: Participação dos investimentos no PIB do Brasil de 2002 á 2010

2010 19,1
2009 18,1
2008 19,1
2007 17,4
2006 16,4
2005 15,9
2004 16,1
2003 15,3
2002 16,4
0 5 10 15 20 25
Investimento (FBKF) - % do PIB

FONTE: Elaboração própria com base em dados Ministério da Fazenda (2012)


71

Com relação a participação dos investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo),


no PIB brasileiro, nota-se que houve um relativo crescimento na década de 2000.
Conforme o gráfico 11, em 2002, a participação do investimento na composição do PIB
foi para 16,4%, diminuindo para 15,3%, em 2003. Em 2004, os investimentos
respondiam por 16,1% do PIB nacional. Com efeito, no ano de 2008, a formação bruta
de capital chegou ao valor expressivo de 19,1%. Em 2009, ano de crise econômica, o
investimento representou 18,1% no conjunto da economia brasileira. Em 2010, a
formação bruta de capital fixo foi 19,1% na composição do PIB do país.
Segundo Mercandante ( 2010), a formação bruta de capital fixo, variável chave
na sustentação do crescimento, teve um incremnto real de 9,9% por ano no período,
mais do que o dobro do aumento médio do PIB. Essa tendência de expansão contínua e
crescente do investimento contribuiu, de forma signifcativa, para o dinamismo da
economia brasileira. Ou seja, “o fato dos investimentos terem crescidos mais
rapidamente do que o PIB significa que os recursos disponíveis foram alocados, de
forma crescente, para a criação de nova capacidade e/ou para o aumento de
produtividade” (MERCADANTE, 2010, p.101).
Conforme Sicsú (2017), o investimento no Brasil na década 2000 teve uma
trajetória bastante acentuada, sobretudo, a partir de 2006.
Assim, o investimento adotou trajetória extraordinária a partir de
2006-7 e diminui somente por dois trimestres consectuvos na
passagem de 2008 para 2009 quando a economia brasileira sofreu os
efeitos da crise financeira americana. Mas logo em seguida, ainda em
2009, retomar o crescimento rumo a trajetória anteiror. A trajetória de
2010 é a busca da continuidade do movimento que estava em curso
desde 2006-7 (SICSÚ, 2017, p.17).

Mercadante (2010) infere que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)


teve um papel significativo no incremento do investimento publico federal. “O PAC
inaugurou uma nova fase da politica econômica do governo Lula, centrada na temática
do crescimento e voltada para a remoção dos estragulamentos estruturais que podem
limitar seriamente a expansão da economia” (MERCADANTE, 2010, p.179). O
investimento publico passou a ter um desempenho significativo, mormente em setores
estrutruais da economia e da sociedade (como rodovias, portos, aeroportos, geração de
energia, redes de esgostos e etc).
Assim, a política de investimentos públicos teve um papel de relevo, no
crescimento da econômico, na geração de emprego e renda, auxiliando a continuidade
do consumo de bens e serviços e aliviando os efeitos da crise de 2009, fazendo a
72

economia se recuperar em 2010. É, neste contexto, que o governo Lula, a fim de


amenizar os efeitos da crise de 2008 e 2009, resolve investir em outros setores da
economia como a construção civil, e também estimulando as vendas do setor
automotivo e de eletrodomésticos, por meio da redução de impostos. Como observa
Brum (2013) esse estímulo:
Tinha por objetivo manter a economia aquecida, ativando o consumo
e a produção e mantendo os empregos. Sob variadas formas,
principalmente concessão de empréstimos e financiamentos através de
bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal) e redução de impostos, o socorro público disponível ao setor
privado da economia chegava a R$ 250 bilhões em junho de 2009.
Mas nem todo esse volume de dinheiro foi efetivamente utilizado
(BRUM, 2013, p. 490).

Tabela 12: Evolução do crédito livre: pessoa física e jurídica no Brasil de dez. 2002/ dez. 2010
(em % do PIB)

Ano Pessoa física Pessoa jurídica TOTAL

Dez. 2002 6,12 10,13 16,25

Dez. 2003 5,94 9,10 15,04

Dez. 2004 7,14 9,24 16,37

Dez. 2005 8,88 9,92 18,80

Dez. 2006 10,04 10,99 21,03

Dez. 2007 11,93 12,90 24,83

Dez. 2008 13,00 15,73 28,73

Dez. 2009 14,50 14,96 29,42

Dez. 2010 14,85 14,75 29,60

FONTE: Elaboração própria com base nos dados do IPEA (2015)

Outro aspecto relevante que contribuiu para as mudanças recentes, na estrutura


social brasileira, foi o incremento do crédito. Houve, de fato, uma evolução da oferta de
crédito. De acordo com os dados da tabela 12, houve uma ampliação do crédito livre,
tanto para pessoa fisica, quanto para a pesso jurídica. Nota-se, de acordo com o grafico,
que houve um incremento do crédito, entre 2003 e 2010. O crédito a pessoa física
cresceu 9 p.p do PIB, em dezembro de 2003, para 21 p.p do PIB, em dezembro de 2010,
73

enquanto que, no mesmo periodo , os financiamentos para os empresários (crédíto a


pessoa jurídica ) foi de 15,8 p.p do PIB, em dezembro de 2003, para 24,6% ponnto
percentual do PIB, em dezembro de 2010. No que tange ao valor do crédito total nota-se
que houve um incremento de 24,6% ponto percentual do PIB para 45,25% ponto
percentual do PIB, em dezembro de 2010.
Como observa Mercadante (2010), de 1995 a 2002, o total de operações de
crédito do sistema financeiro, em relação ao PIB, caiu para um dos níveis mais baixos já
registrados no país . Inferior inclusive aos países emergentes. Não obstante, “a partir de
2003 e, em particular, a partir de 2006, quando se consolida o novo ciclo de crescimento
da economia, a expansão do crédito muda de padrão, com um aumento de 100% em
relação ao nível prevalecente em 2002” (MERCADANTE, 2010, p.142).
O crédito a pessoa física foi um dos principais responsáveis pelo aumento da
oferta de crédito na década de 2000, sobretudo, o chamado crédito consignado. “Esse
segmento representa hoje 33% do crédito total e quase 50% do volumes de crédito com
recursos livres; seus princiapis componentes são o crédito pessoal, especialmente o
crédito consignado” ( MERCADANTE, 2010, p.142).Com relação ao crédito de
empresas, também teve um aumento expressivo. Segundo Mercandante (2010), o
crédito as empresas representava, em 2009, representava 28,3% do PIB, tendo crescido
79% sobre o patamar de 2002 (16,2%).

Gráfico 12: Operação de crédito consignado para pessoas física no Brasil de 2004 a 2011 (em
% do PIB)

Operações de crédito consignados em Bilhões de reais

421 431,5
315,4 362
252,9
159 189
121,4

FONTE: Elaboração própria com base em dados do Ministério da Fazenda (2011)

De acordo com o gráfico 12, nota-se que as operações de crédito para o


consumidor registaram um significativo crescimento, com destaque para as operações
74

de crédito consignado. Em janeiro de 2004, o crédito consignado cresceu R$ 121,4


bilhões. No começo de 2015, o valor das operações de crédito elevaram-se para R$ 159
bilhões. Já em 2006, as operações de crédito consignado foram de R$189,8 bilhões,
passando para R$ 252,9 bilhões no começo de 2007. Em 2008, foram registrados
R$315, 4 bilhões de crédito consignado. Em 2010, as operações de crédito consignado
foram de R$421,7 bilhões cujo saldo, foi superior de 28,2% cujo o saldo superior ao de
janeiro de 2009 (que foi R$362,0 bilhões). Assim, a partir de 2003, o país ingressa em
novo ciclo de crédito o qual mantém uma trajetória expansiva, mesmo em 2009, apesar
da crise internacional e de seus efeitos sobre a economia brasileira. A expansão do
crédito teve uma importante contribuição no dinamismo da economia e na mobilidade
social registrada na década de 2000.
A política adotada pelo governo Lula, baseada em crítérios
completamente diferentes, produziu mudanças quantitativas nesse
processo, revertendo o ciclo de contração do crédito recompondo a
estrutura de financiamento da produção, do consumo e do
investimento. Três aspectos centrais sintetizam essa mudanças.
Primeiro, a democratização do crédito, mediante diversos mecanismos
- a nova concepção de microcrédito, o crédito consignado, a
simplifação dos procedimentos para a abertura de contas - que
ampliaram o acesso ao crédito de segmentos da população
anteriormente excluídos ou que só tinham um acessso precário ao
sistema bancário. Segundo, e em certa medida ligado ao anteiror, a
expansão do crédito consumo, em sinergia com a reativação da
economia, o aumento do emprego e as políticas de inclusão social e
redistribuição de renda praticadas pelo governo. Terceiro, a
revitalização do setor financeiro público, reforçando suas fortes de
aprovisionamento de recusrsos, ampliando sua abrangência e
reduzindo os custos do crédito direcionado, que tem um papel
fundamental no financiamento de longo prazo dos investimentos
(MERCADANTE, 2010, p. 141).

Tabela 13: Gasto social do governo central (% do PIB) – Gastos diretos e tributários
Ano Gasto social direto Gasto tributário
2002 12,6 % 0,3 %
2003 12,4 % 0,2 %
2004 12,8 % 0,4 %
2005 13,4 % 0,5 %
2006 13,6 % 0,6 %
2007 13,6 % 0,7 %
2008 13,3 % 0,7 %
2009 14,4 % 1,1 %
2010 14,0 % 1,0 %
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Tesouro Nacional (2015)
75

O gasto social foi outro fator importante para a redução da pobreza. Portanto, o
gasto social tem um papel fundamental para atender as pessoas em situação de
vulnerabilidade econômica, proporcionando oportunidades de promoção social. De
acordo com a tabela 13, nota-se que houve um aumento expressivo do gasto social
direto ao longo da primeira década do século XXI, sendo que, em 2003, representava
12,4% do PIB, encerrando, em 2010, com 14,0% do PIB nacional. Segundo Pochmann
(2014), os gastos sociais (gastos relacionados a educação, cultura, saneamento básico,
saúde, previdência social e assistência social) foram vitais para essa inflexão na
estrutura social brasileira.
O movimento de constitucionalização dos direitos dos trabalhadores
significou a valorização dos princípios da justiça e da solidariedade,
permitindo que o gasto social avançasse em relação ao Produto
Interno Bruto e passasse a apresentar resultados de melhor importante
no bem-estar geral da população. Em 2008, por exemplo, a força dos
benefícios da previdência e da assistência social associada à elevação
do valor real do salário mínimo evitou que quase 45% dos brasileiros
se encontrassem na condição de pobreza extrema (POCHMANN,
2014, p.66-67).

Tabela 14: Evolução dos gastos sociais do governo central no Brasil de 2002 a 2010 (%
do PIB)
Ano Assistência Educação e Previdência Saneamento Saúde
social cultura social básico e
habitação
2002 0,5% 1,7% 8,0% 0,1% 1,8%
2003 0,6% 1,6% 8,2% 0,1% 1,6%
2004 0,8% 1,5% 8,3% 0,1% 1,8%
2005 0,9% 1,6% 8,9% 0,1% 1,7%
2006 1,0% 1,6% 8,9% 0,1% 1,8%
2007 1,0% 1,7% 8,6% 0,1% 1,8%
2008 1,0% 1,8% 8,3% 0,2% 1,8%
2009 1,3% 2,0% 8,9% 0,2% 2,0%
2010 1,3% 2,1% 8,5% 0,2% 1,9%
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Tesouro Nacional (2015)

De acordo com a tabela 14, nota-se que houve incremento nos gastos sociais. A
assistência social teve um relativo crescimento passando de 0,5%, em 2002, para 1,3%,
em 2010. Segundo Mercadante (2010), as novas regulamentações em relação a
assistência social trouxeram uma nova visão superando, a visão assistencialista.
76

A assistência social deixou de se organizar por segmentos – idosos,


mulheres, crianças, jovens e pessoas com deficiências – e passou a ter
como foco a família, compreendida como organização social básica,
voltando-se também para a garantia da segurança de renda, de
acolhida, de convivência familiar, comunitária e social, de autonomia
e sobrevivência e situação de risco (MERCADANTE 2010, p.298)

Ainda conforme a tabela 14, nota-se que os gastos sociais mais crescentes foram
com a Previdência Social, sendo que, em 2002 isso representava 8,0% do PIB,
encerrando em 2010 com 8,5% do PIB. A educação e cultura, em 2002, representavam
1,7% do PIB, aumentando para 2,1%, em 2010. Os gastos com saúde cresceram de
forma insignificante sendo que, em 2002, representava apenas 1,8%, passando para
1,9% do PIB, em 2010. Os gastos com saneamento básico e habitação foram os que
menos cresceram, passando 0,1% do PIB, em 2002, para 0,2%, em 2010.

Gráfico 13: Evolução das Classes Sociais (% da população)

60
50
40
30
20
10
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Classe A/B 7,6 7,7 8,3 9,4 9,7 10,4 10,6
Classe C 37,6 39,7 41,8 44,9 46,9 49,4 50,5
Classe D 26,7 27,1 27,1 26,4 25,1 24,4 23,6
Classe E 28,1 25,4 22,8 19,3 18,3 16 15,3

Classe A/B Classe C Classe D Classe E

FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Ministério da Fazenda (2011)

Assim, com as politica de valorização do salário minímo - por força da


distribuição de renda - juntamente com as políticas de geração de emprego e oferta de
crédito, nota-se que houve uma evolução das classes sociais. Com base no gráfico 13, a
chamada classe E, que representava 28,1% da população brasileira em 2003, caiu para
15,3%, em 2009. Com relação a chamada classe C, fica evidente que houve uma
ascendência, passando de 37,6% da população, em 2003, para 50,5% da população, em
2009. Conforme Neri (2011, p.86), de 2003 a 2009, mais de 95 milhões de pessoas
ascenderam para chamada classe C o qual ficou conhecida como nova classe média. Em
77

relação a classe D, houve uma queda de 23,6%, em 2009, tendo uma redução de 2,5
milhões de pessoas (NERI, 2011, p.86). Já, em relação à classe A/B, houve um relativo
crescimento de 7,6% , em 2003, para 10,6%,, em 2009, sendo que em termos relativos
esse segmento social teve um crescimento expressivo de 39,6%, de 2003 a 2009, sendo
incorporados 6,6 milhões a esse grupo social (NERI, 2011, p.91).
Embora Pochmann (2014) faça críticas pertinentes sobre a formação de uma
nova classe média no Braisl na primeira década do século XXI, não obstante, o
economista supracitado considera que as políticas macroeconômicas (aqui analisadas
nesta seção), implementadas neste periodo, foram fundamentais para a mobilidade
social, sobretudo, através do crescimento econômico e da geração de empregos.
O contraste entre o Brasil de 2010 e o da década de 1990 parece
inegável, uma vez que a sociedade conviveu, naquele periodo, com
um dos piores desempenhos socioeconômicos de todo o século XX. A
economia nacional transitou da queda acumulada de mais 1 milhão de
empregos formais, para o desempenho de mercado extremamente
dinâmico, com a geração de quase 6% do total de 45 milhões de
postos abertos no mundo. Na década de 1990, o Brasil não coneguia
responder por 2,7% das ocupações criadas no planeta. A explicação
para isso está no compromisso do governo Lula em fazer com que a
maior expansão da economia possa gerar o saldo de maior quantidade
de empregos, que somente nos periodos de 2008-2009 pode chegar a
7,5 milhões de novas ocupações. Algo muito distinto da medíocre
expansão de somente 796,9 mil novos empregos acumulados entre
1995 e 2002, quando se dizia que os novos empregos viriam com as
reformas neoliberias. (POCHMANN, 2010b, p.42-43).

Com efeito, a partir dessas políticas macroeconomicas, o Brasil viveu de certa


uma efervescência na base da pirâmide social. “Da estrutura social congelada da década
de 1990, assiste-se mais recentemente uma modificação significativa, com descrécimo
de importância relativa da base da piâmide social em virtude da ascensão para
segmentos sociais superiores” (POCHMANN, 2010c, p.140). Devido o avanço nas
políticas macroecômicas, mormente a geração de emprego e a valorização do salário
minímo, houve uma inclusão social que se traduziu num movimento de ascensão social
que ocorreu de forma genelarizada. Essa ascensão social evidencia-se pelo
encolhimento da participação da baixa renda a qual ascendeu para um nova estrato
social maior.
A participação relativa da população na base da pirâmide social
encolheu 22,8% entre 2005 e 2008, resultado direto da mobilidade
ascensional de 11,7 milhões de pessoas para o estrato de maior renda.
Em função disso, percebe-se que o segundo (médio) e o terceiro (alto)
estratos de renda ganharam maior representatividade populacional. A
partir de 1997, o estrato intermediário de renda cresceu relativamente
78

a sua participação até o ano de 2005, quando apresentou um salto


expressivo. Em 2008, por exemplo, o segundo estrato de renda
representou 37,4% da população, enquanto em 1995 respondia por
somente 21,8%. Entre o ano de 2004 (34,9%) e de 2008 (37,4%) o
estrato intermediário registrou uma elevação de 7,2% no total da
população, que equivaleu a incorporação de 7 milhões de brasileiros
(POCHMANN, 2010a, p. 644).

Conforme Pochmann (2011), o Brasil apresenta uma taxa elevada de


mobilização social, contudo, é importante ressaltar que essa mobilidade social se
caracteriza como sendo de curta distância, isto é, as pessoas, em termos, geralmente
passam de uma de classe ocupacional para outra, imendiatamente acima. Convém
salientar que existem outras sociedades nas quais a mobilidade ascendente é de uma
distância muito maior que a do Brasil. Ademais, a mobilidade na sociedade braisielira é
muito pequena no topo da pirâmide social. “Enquanto o rendimento familiar per capita
entre 2003 e 2008, o rendimento familiar per capita na base da distribuição da renda no
Brasil (10% mais pobres ) cresceu 9,1% ao ano, em média”(POCHMANN, 2010a,
p.643).
Em síntese, essa importante inflexão na estrutura social brasileira, está
relacionado no peso relativo da renda do trabalho na renda nacional. Entre 1996 e 2001,
a renda nacional cresceu, em média , 1,9%. De 2001 a 2004, a expansão média anual da
renda nacional foi de 3,2%. Em 2005 a 2007, a renda nacional aumentou 4,2% como
média nacional (POCHMANN, 2010b).Portanto, ressalta-se que houve uma melhora
geral na distribuição da renda nacional. “Nos ultimso 17 anos, somente em seis houve
redução plena da desigualdade de renda no Brasil (pessoal e funcional), uma vez que na
maior do tempo (2/3 dos últimos 17 anos) ocorreu elevação parcial ou total no grau de
desigualdade na renda nacional” (POCHMNNAN, 2010c, p. 157).
Essa melhora, na diminuição desigualdade de renda, promoveu uma maior
retração das classes mais baixas. Como observa Pochmann (2010c), as modificações na
renda é um dos principais fatores ( embora não seja o único) capaz de dimensionar o
movimento de ascensão social. Segundo o supracitado autor entre 2001 e 2008, o
rendimento individual mensal cresceu em termos reais acima da renda nacional per
capita (POCHMANN, 2010c).
Entre 2001 e 2008, por exemplo, a renda per capita nacional 19,8%
em termos reais. Nesse mesmo periodo de tempo, 19,5 milhões de
brasileiros registraram elevação real em seu rendimento individual
acima da evolução da renda per capita nacional. Ou seja, 11,7% do
total dos brasileiros ascenderam seus rendimentos acima da média per
capita real do país. Do total da população com desempenho superior à
79

renda média do conjunto de brasileiros, destaca-se que 135,5 milhões


(69,2%) ingressaram no estrtato de renda superior (POCHMANN,
2010c, p.143).

Segundo Luciana Brasil (2014), o rendimento do trabalho foi o que mais


cresceu, na primeira década do século XXI. Até mesmo em periodo de crise mais forte,
entre 2008 e 2009, o rendiemnto médio do trabalho aumentou 2,1%, e num contexto de
rápida recuperação e forte crescimento do PIB em 2010, aumentou 8% entre 2009 e
2011 (BRASIL, 2014, p.31). De acordo com a autora, no intervalo de 2006 e 2011, o
rendimento do trabalho aumentou em 15,8%, mesmo a economia internacional estando
em crise.Essa ampliação do rendimento também se destacou na renda das famílias. A
mudança recente no sentido da trajetória distributiva indicou uma desconcentração na
repartição da renda das famílias na renda nacional.
Na década de 2000, a distribuição de renda se modificou com o
registro de uma maior participação por parte de 80% da população.
Entre 2001 e 2011, por exemplo, a parcela dos 20% das famílias mais
pobres na renda nacional aumentou 32,3% enquanto o crescimento foi
24,2% no segundo quintil de 16,5% no terceiro e de 6,4% no quarto.
Apenas a participação relativa dos 20% das famílias ricas diminuiu
9,2%. Assim, em 2011, o último quintil da distribuição de renda
absorvia 55% da renda nacional enquanto no ano de 2001 sua
participação era de 60,6% (POCHMANN, 2014, p. 128).

Conforme Brasil (2014), a baixa classe média foi a que obteve crescimento
entre os anos 2001 e 2011. Isso se evidencia pela composição ocupacional. As
ocupações relacionadas ao setor da construção civil, aos serviços e as funções
administrativas - como secretárias e recepcionistas – cresceram, de forma significativa.
Ademais, vale ressaltar que também cresceram as atividades relacionados a serviços
domésticos, trabalhadores autonômos e outras atividades manuais. “As principais
profissões dos assalariados da massa trabalhadora são execução de trabalho manuais,
ajudantes de obras, cozinheiros e garçons. Serviços do mesmo tipo são também a
maioria dos profissionais autonômos dessa classe”( BRASIL, 2014, p.22).
Segundo Höfling (2015), o crescimento das atividades profissionais citadas
promoveu um alargamento da baixa classe média. Conforme o economista citado, há
um alargamento no meio da pirâmide concentrado (mais) na baixa média e (menos) na
média classe média, que juntas contemplam 56,24% da população, revelando portanto
espaço para a continuidade deste movimento em direção as classes média média e alta,
o que denotaria uma estrutura social a dos países desenvolvidos (destacadamente os
80

europeus). A participação nestas duas camadas passou de 16,13% em 2004 para 23,49%
em 2012 (HÖFLING, 2015)

3.1 O papel do Estado nas mudanças recentes

Durante o governo Lula (2003-2010), o Estado teve um papel fundamental no


desempenho da economia e nos avanços sociai. Segundo Faria (2010), no governo Lula
houve um abandono das políticas nefastas do Estado predatório neoliberal para a
ascensão do Estado social-desenvolvimentista. Duranta o periodo do Estado predatório
(1995-2002): “ o segmento produtivo que tinha recursos, não aplicava em produção
porque não estava em condições de ampliar o investimento já que não tinha para quem
vender” (FARIA, 2010, p.15).
Conforme o autor supracitadao, essa reconstrução do papel do Estado nos anos
recentes, mormente de 2004 a 2010, está relacionado em dá uma resposta a visão
minimalista do Estado que projetou-se sobre as esferas institucional e operacional, com
a privatização de grande parte do patrimônio público do país , a ampliação do mercado
sobre as decisões de políticas públicas, via fragmentação do aparelho governamental.
Segundo Mercadante (2010):
O posicionamento do governo Lula em relação ao papel do Estado foi
extremamente diferente da proposta e praticado pela administração
anterior. O governo paralisou o processo de privatização, retomou o
planejamento estratégico commo instrumento de racionalização dos
investimentos públicos e de coordenação com o setor privado,
fortaleceu as empresas e instituições financeiras públicas, recuperou a
política industrial como vetor de orientação e estímulo ao
desenvolvimento do setor e aumentou o investimento público a cargo
da União. Simultaneamente, houve um enorme esforço para recompor
a capacidade operacional dos orgãos do governo federal, valorizar a
função pública,aumentar a transparência no uso dos recursos públicos
e ampliar as formas de mecanismos de participação social no processo
das políticas públicas (MERCADANTE, 2010, p176-177).

Segundo Mercante (2010), esse novo padrão de intervenção na economia foi


construido progressivamente ao longo do governo Lula e seria uma espécie de um
produto híbrido que preserva a função do Estado de gaurdião macroeconômico e
resgasta a funçao de desenvolvimentismo, como instância de regulação das relações
econômicas e de orientação e planejamento do desenvolvimento econômico e social.
Ademais, no governo Lula, o Estado foi fundamental na regulação do processo
de distribuição de renda e no combate a pobreza. Ou seja, segundo o autor, enquanto a
81

política neoliberal tratava a questão social como residual, no governo Lula houve uma
prioridade nas políticas sociais nas quais o Estado teve um papel de relevo. Contudo,
Singer (2012) infere que, no governo Lula houve uma espécie de conciliação de classes
na qual se agradava, ao mesmo tempo, a elite financiera do país e também se aumentava
as políticas de transferência de renda para os estratos sociais mais baixos. “No lulismo,
pagam-se altos juros aos donos do dinheiro e ao mesmo tempo aumenta-se a
transfêrencia de renda para os mais pobres” (SINGER, 2012, p.2002).
Pochmann (2010b), em seu livro Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil,
infere que, a partir do governo Lula, o Brasil passou a demonstrar importantes sinais de
transição do neoliberalismo para o modelo social-desenvolvimentista. “ A identificação
básica de que o Estado faz parte das soluções dos problemas existentes não implicou
reproduzir os traços do velho modelo nacional desenvolvimentista vigente entre às
décadas de 1930 e 1970” (POCHMANN, 2010b, p.41).
Consoante Bresser-Pereira (2015), na década de 2000, o Estado foi uma ator
importante para a recuperação da economia nacional, entretanto, esse modelo
estrategico “social-desenvolvimentista” estaria ainda bem distante de um “novo modelo
desenvolvimentista”
O social desenvolvimentismo do governo Lula ficou longe da
proposta normativa do novo desenvolvimentismo. A apreciação
cambial nos seus oitos anos foi enorme. A preços de 31 de dezembro
de 2010, ela caiu de R$ 3,95 por dólar em 31 de dezembro de 2002
(R$ 7,95 a preços de 1/2014) para R$ 1,65 por dólar em 31 de
dezembro de 2010 (R$ 1,97 a preços de 1/2014). Essa apreciação foi o
fator que, somando à elevação do salário minímo real, e a elevação
dos demais salários no mercado de trabalho, explica o crescimento da
classe C, e a enorme popularidade de Lula no final do seu governo
(BRESSER-PEREIRA, 2015, p.348).

Esse novo papel do Estado teria um forte compromisso com políticas voltadas
para a redução da pobreza e com os anseios da classe trabalhadora. “Com isso, houve a
possibilidade de ampliação do gasto social de 19% para 22% do PIB, com a inclusão de
mais de um terço da população brasileira em programas de garantia mensal de renda – e
justamente a parcela da população que se localiza entre os 20% mais pobres”
(POCHMANN, 2010b, p.41).
Ademais, esse novo papel do Estado, reconstruido no governo Lula, trouxe de
volta a mobilidade social, com forte incorporação de mais brasileiros no consumo de
massa e no do mercado de trabalho. “Em resumo, o governo Lula poderá finalizar o seu
mandato com taxa de desemprego próxima de 5% do total da População
82

Economicamente Ativa (PEA), o que represantaria quase a metade da verificada ao final


do neoliberalismo no Brasil” (POCHMANN, 2010b, p. 43).
Esse novo papel do Estado é marcado por uma ampliação dos investimentos
públicos, no qual o PAC (Programa Aceleração do Crescimento) teve um papel
fundamental na política de investimentos públicos. Como Barbosa ( 2013, p179);
O PAC consiste em sua serie de investimentos prioritários em
infraestrutura economica e social que procura elevar a taxa de
investimento da economia e comecar a eliminar os principais gargalos
logísticos do país. O PAC também contém um amplo programa de
investimentos em energia, com destaque para aumentos dos
investimentos do Petrobrás na exploração e produção de petróleo na
plataforma continental brasileira, na demonidada camada de pré-sal.
Ainda do ponto de vista fiscal, governo também iniciou um extenso
programa de reestruturação de carreira e valorização do
funcionalismo público a partir de 2006, com contratação de novos
funcionários e elevação real nos salários. As ações de combate a
pobreza foram ampliadas, com o aumento do número de famílias
atendidas pelo Bolsa Família e reajuste do valor dos benefícios
(BARBOSA, 2013, p. 75).

O PAC seria, portanto, um exemplo categórico do papel estragégico do Estado


na economia. Ademais, conforme Faria (2010), a volta do planejamento foi fundamental
nas relações entre Estado e economia. “Alterar o modelo anterior foi uma mdeda
urgente diante da crise energética, mas para pensar o futuro era necessário retomar o
planejamento energético, considerando eu o país perdeu um tempo precioso ao relegá-lo
para segundo plano.” (FARIA, 2010, p.30).
Pochmann (2010b) infere que, com o fim do governo neoliberal de FHC, o
Estado precisava ser reposicionado, a fim de fazer a economia crescer. Somente a partir
do ingresso no século XXI, é que o abandono das teses neoliberais permitiu oxigenar a
economia brasileira, com a promoção de políticas econômicas e sociais responsáveis
pela expansão da produção em ritmo quase duas vezes maior do que o verificado nos
anos 1990 (POCHMANN, 2010b).
Por conseguinte, Pochmann (2010c), defende uma refundação do Estado. “O
Estado deve ser o meio necessário para o desenvolvimento do padrão civilizatório
contemporâneo em conformidade com as farováveis possibilidades do século XXI”
(POCHMANN, 2010c, p. 178). O Estado reaparece como elemento central do
enfrentamento à turbulência mundial e os vicios do mercado. O Estado do século XXI
precisa ter uma capacidade de elaborar políticas publicas cada vez mais matriciais,
83

integradas a partir da sua concpção e da extensão territorial. Essa concpeção de


Pochmann corrobora com a visão de Faria o qual infere que:
O Estado precisa aprimorar a capacidade de coordenação e de
planejamento, promover o diálogo e a interconexão com os diferentes
saberes da sociedade e não menos importante, estabelecer o desafio a
construção desse planejamento em bases democráticas algo que o
Brasil ainda não tem grande experiência (FARIA, 2010, p. 79).

Para Pochmann (2010b), desde o ínicio do século 21, o projeto de


desenvolvimento brasileiro, ancorado nas ideias-forças do neoliberalismo, sofreu
descrédito, mesmo tendo uma parcela da elite brasileira prisioneira aos pressupostos
neoliberais. O Estado, na visão de Pochmann (2010c), tem um papel vital para o
crescimento da economia e paras as políticas sociais. Como assinala o autor:
Nos ultimos anos da primeira década de 2000, o Brasil passou a
registrar importante sinais de transição para o modelo social-
desenvolvimentismo. A identifiação básica de que o Estado faz parte
das soluções dos problemas existentes não implicou reproduzir
simplesmente os traços do velho modelo nacional desenvolvimentista
vigentes entre as décadas de 1930 e 1970. Apenas consolidou o
caminho diverso do modelo neoliberal perseguido de sociedade
(POCHMANN, 2010c, p.118).

Portanto, no governo Lula, houve uma participação do Estado em todas as áreas


de atividade produtiva, algo que, segundo Faria (2010), é fundamentl para o
desenvolvimento econômico e social. Para Pochamnn (2010b), o fato do governo Lula
(2003-2010) não ter se distanciado do tripé macroeconômico introduzido na crise de
cambial de 1999 - por meio do sistema de metas de inflação, do regime de câmbio
flutuante e manutenção do superávit primário nas contas públicas - não implicou a
reprodução do pensamento neoliberal, difundido durante o governo Cardoso (1995-
2002). (POCHMANN, 2011).
Neste aspecto, conforme Pochmann (2011), o governo Lula procurou romper
com o passado, substituindo o deficit pelo superávit comercial, ao mesmo tempo em
que fez do mercado interno a principal variável do dinamismo da economia nacional.
Para isso, fortaleceu gradualmente a gestão operacional e técnica do Estado, reativando
o planejamento, como elemento reorganizador do investimento público e da
coordenação das expectativas do setor privado. Consoante Pochmann (2010c), esse
novo papel do Estado deve está em consonância em atender os interesses do
desensvolvimento do país e com as novas demandas do século XXI
O Estado precisa ser urgentemente refundado. Ele deve ser o meio
necessário para o desenvolvimento do padrão civilizatório
84

contemporâneo em conformidade com as favóraves possibilidades do


sécuo 21. A sociedade pós-idustrial, com ganhos espetaculares de
produtividade imaterial e expectativa de vida humana ao redor dos
100anos de idade , abre uma inédita e superior expecativa
civilizatória; educação para vida toda,ingresso no mercado de trabalho
depois de 25 anos de idade, traballho menos dependente da
sobrevivência e mais associado à utilidade e criatividade sociocoletiva
(POCHMNN, 2010c, p. 178).

Outro aspecto importante do posicionamento do Estado, na década de 2000,


mormente no governo Lula, foi a forte enfâse nas políticas sociais. Conforme Singer
(2012), mesmo tendo havido uma redução da pobreza ela não foi suficiente para tirar o
país do quadrante em que estão as nações mais desiguais do mundo. “A herança da
bruta desigualdade legada pelo século XX foi desembolcar no governo Lula, com os
10% mais ricos se apropriando de quase 50% da riqueza e deixando aos 40% mais
pobres apenas 8%” (SINGER, 2012, p,85).
Assim, o Estado foi fundamental, através das políticas governamentais, para o
combate da pobreza e a desigualdade. Contudo, segundo Singer (2012), isso não
significou um “reformismo forte”, ou seja uma mudança estrutural e significativa na
sociedade, porque o governo Lula não atacou os principais problemas estruturais, como
a questão da reforma agrária, a reforma tributária, por meio de uma tributação
progressiva das grandes fortunas e etc. (SINGER, 2012). Portanto, as políticas sociais,
implementadas no governo Lula, não significou, necessariamente, num reformismo
forte, ou seja, em transformações substanciais que promoveram uma nova configração
social, na sociedade brasileira, mas apenas um reformismo gradual associado a um
pacto conservador que se evidencia pela manutencão da política macroeconômica
ortodxa.
No lulimo, pagam-se altos juros aos donos dinnheiro e ao mesmo
tempo aumenta-se aumenta-se a transferência de renda para os mais
pobres. Remunera-se o capital especulativo interancional e se
subsidiam as empresaas industriais prejudicadas pelo câmbio
sobrevalorizado. Aumenta-se o salário mínimo e se contém o aumento
dos preços com produtos importados. Financia-se, simultaneamente, o
agronegócio e a agricultura familiar (SINGER, 2012, p. 2002).

Não obstante os avanços sociais - como os programas de transferência de renda


(o Bolsa Família) a expansão do microcrédito, a elevação real do salário minímo - o
governo Lula não conseguiu sanar os problemas sociais e estruturais do pais. Houve
uma certa lentidão do governo em se erradicar tais problemas. “ O que estamos vendo,
portanto é um ciclo reformista de redução da pobreza e da desigualdade, porém um
85

ciclo lento, levando-se em consideração que a pobreza e a desigualdade eram e


continuam sendo imensas no Brasil” (SINGER, 2012, p195).
Apesar desse reformismo fraco do governo Lula, o Estado, através das políticas
governamentais, foi fundamental para um esboço de um estado de bem-sestar o qual
ficou conhecido pelos articuladores e operadores da politica economica de Lula, como
social-desenvolvimentismo. Como observ Sader (2009), o Estado é um espaço de
disputas políticas e é fundamental para as políticas de cidadania.
O Estado não define, por si só, sua natureza, porque pode ser um
Estado socialista, de bem-estar social, fascistas, liberal ou neolibea. É
um espaço de disputa sobre suas determinações. No neoliberalismo, é
um mercantilizado, que arrecada recursos no setor produtivo e os
transfere em grande medida, para o capital financeiro através do
pagamento das dívidas. Ou pode ser um Estado refundado por
governos que buscam superar o neoliberalismo, constituindo novas
estruturas de poder. O Estado é,assim, um espaço de disputas. O polo
oposto à esfera mercantil é a esfera pública, aquela constituida em
torno dos direitos da universalização deles, o que necessita de um
profundo e extesno processo de desmercantilização das relações
sociais. Democratizar significa desmercantilizar, tirar da esfera do
mercado para transferir par esfera pública os direitos essenciais á
cidadania, substituir o consumidor pelo cidadão. Sendo assim, superar
o neoliberalismo requer a refundação do Estado em torno da esfera
pública,incorporando-lhe espaços como o do orçamento participativo,
que representa a colocação de decisões . fundamentais nas mãos da
cidadania organizada (SADER, 2009, p.147).

Conforme Sader (2009), o Estado teve um papel crucial na promoção das


políticas sociais e econômicas que resultaram na mobilidade social recente, pois essa
nova configuração do Estado foi responsável em atender importantes demandas sociais.
Nesse sendtido, Sader (2009) considera que o Estado, no governo Lula, foi pós-
neoliberal, no sentido de que houve uma refundanção do papel estatal, e não numa
polarização contra o Estado, como defende o ideário neoliberal.
86

4 A NOVA CLASSE MÉDIA BRASIL: CONSUMIDORES,


TRABALHADORES E BATALHADORES

“A classe média não quer direitos, ela quer privilégios,


custe os direitos de quem curtar” (Milton Santos).

A partir do início do século 21, os meios de comunicação foram pródigos em


divulgar um salto de mobilidade social, na pirâmide social brasileira, com a ascensão de
milhões de brasileiros que saíram da pobreza. Como observam Oliveira Cruz e Ronsini
(2016, p.22): “O termo ‘nova classe média’, nos últimos anos, tem sido largamente
utilizada por diferentes e importantes esferas sociais no Brasil”. Assim, fica evidente
que, a partir dos anos 2000, houve importantes mudanças na estrutura social brasileira.
Isso significa dizer que houve uma melhora significativa nos índices de desigualdade e
de renda, os quais sempre evidenciaram que o Brasil encontrava-se entre os países com
maior desigualdade social. (BRASIL, 2014)
Essa mudança ocorrida neste período se convencionou afirmar que houve um
processo de formação de uma nova classe média brasileira. Adquirir produtos - como
eletrodomésticos, geladeiras, tvs, máquinas de lavar, queijos, presuntos e etc -, mostrou-
se uma realidade para milhões de famílias. Contudo, fica algumas indagações
pertinentes: Que classe média é essa que se propalou durante o governo Lula? Que
fatores contribuíram para a formação dessa “nova classe média”? De que maneira a
formação dessa nova classe média provocou uma renovação na da pirâmide social
brasileira?

4.1 Da classe média tradicional à nova classe média

Para compreender essas mudanças ocorridas recentemente no país, é preciso


entender a estrutura social-desigual e a formação da classe média tradicional brasileira,
a fim de verificar se, de fato, houve uma formação de uma Nova Classe Média no país,
a partir dos anos 2000. Primeiramente, será feito uma breve análise histórica da
formação da classe média tradicional, na estrutura social do País, mostrando como essa
classe social se constituiu no capitalismo brasileiro. Em seguida, buscar-se-á analisar,
com base nas abordagens de Marcelo Neri, Amaury Souza e Bolívar Lamounier, Marcio
Pochmann, Marilena Chauí e Jessé Souza, como ocorreram às mudanças que
87

concorreram para a formação dessa nova classe C2 e se de fato houve um processo de


medianização3 na estrutura social do Brasil.
Ademais, é preciso deixar claro que a chamada classe média tradicional se formou
durante a constituição do capitalismo monopolista de Estado4 no Brasil, situando-se
entre os proprietários e os trabalhadores braçais. Ela não detém os meios de produção,
tampouco trabalha no “chão” da fábrica. “Suas oportunidades de receber renda, de
exercer o poder, de gozar o prestígio, de adquirir e utilizar habilidades são determinadas
pelo mercado de trabalho, e não pelo controle de uma propriedade” (MILLS, 1979 p.
83). Consoante Höfling (2015), a classe média, em grande medida, realiza trabalhos
“intelectualizados”, já que possui um nível de escolaridade “razoável”, mora nas
cidades, tem casa própria, acessa, sem dificuldades, os bens públicos, pratica esporte,
seus filhos estudam mais do que trabalham, viaja nas férias, possui automóvel, divide
(até certo ponto) os mesmos espaços dos ricos, veste-se como os mais abastados, vai ao
cinema, frequenta o teatro, lê livros, completou o terceiro grau e acredita que o futuro
dos seus descendentes será melhor que os seus.
Höfling (2015) observa que a classe média é inquieta e insatisfeita sempre
determinada - pelos valores do trabalho, da concorrência e da meritocracia - a adquirir
mais bens e recursos capazes de conferir aos seus descendentes uma posição mais
favorável na corrida mercantil. Como classe “conquistadora”, se acha merecedora do
que possui e se opõe a qualquer tipo de intervenção que ameace o seu patrimônio ou que
ajude aqueles que “não fazem” por merecer. Como almeja o andar de cima, está
constantemente defendendo os interesses dos mais abastados. Sonha em ser rica e tem
aversão aos pobres. É, essencialmente, uma classe conservadora.

2
Neri faz uma classificação dos estratos sociais baseados em dados estatísticos de faixas de renda
domiciliar. Em sua análise as classes econômicas são classificadas em classes: A/B, C, D e E, e seus
dados são de 2011. Neri infere que a “faixa A/B” engloba uma renda familiar acima de R$ 5.174,00, a
“faixa C” teria uma renda familiar acima de R$ 1.200,00 até R$ 5.174,00, enquanto a “faixa D” incluiria
uma renda familiar acima de R$ 751,00 até R$ 1.200,00, e finalmente a “faixa E” inseriria uma renda
familiar de R$ 0,00 até R$ 751,00. Consoante Neri (2011), a “faixa C” seria a Nova Classe Média.

3
Pochmann (2014), o processo de “medianização” está relacionado a um crescimento da participação da
classe média ocorreu justamente nos países onde o Estado de Bem-Estar Social com garantias de renda e
a difusão do consumo de massa se mostraram uma realidade, principalmente durante o período de 1945-
1975 onde teve uma queda elevada da pobreza absoluta e uma elevação da renda e do pleno emprego nas
economias centrais
4
Pochmann (2014) infere que o Estado teve um papel importante na definição do padrão de mobilidade
social nas sociedades industriais. Segundo o autor, as políticas públicas implementadas pelo Estado
voltadas para o pleno emprego da força de trabalho, a partir da 2º Guerra Mundial, contribuíram para uma
nova estruturação social, em que a classe média exercia um papel importante.
88

Com efeito, é difícil estabelecer um conceito padrão de classe média, mormente


por se tratar de uma classe heterogênea. É difícil definir seus limites, seu lugar histórico
e seus valores e projetos políticos. Sua conformação geral é um verdadeiro terreno
movediço, plástico, pois se encontra entre o rico e o pobre, entre a burguesia - dona dos
meios de produção –, e o trabalhador ou operário – este dono somente da sua força de
trabalho. Esse médio ou intermediário não apenas é espinhoso de lidar, mas também é
complexo de delimitar. Em busca de uma definição de classe média, Souza e Lamounier
(2010) fazem as seguintes considerações:
Em sociologia existem pelo menos dois conceitos polares de classe
social. Num extremo, o conceito derivado da tradição marxista faz
referência a um grupo estruturalmente bem delimitado consciente de
si e dotado de estilos de vida, padrões de comportamento e projetos de
sociedade diferenciados em relação a grupos similares, ou seja, às
demais classes. Na vertente oposta, a tradição weberiana atém-se a
característica objetivamente mensuráveis, como a educação, a renda e
a ocupação, entendidas como atributos individuais, deixando em
suspeito a questão da consciência de classe (SOUZA E LAMOUNIER
,2010, p. 13).

Analisando, historicamente, a formação da classe média tradicional brasileira


nota-se que a ela teve um importante papel político, desde a Primeira Republica (1889-
1930), com o advento do movimento Tenentista5. Segundo Brum (1999), a partir da
segunda e da terceira metade da década do século XX, ocorreram várias mudanças que
alteraram a estrutura da sociedade brasileira. As principais mudanças foram o
surgimento no cenário nacional de novas classes sociais – burguesia e proletariado; a
ascensão das camadas médias; o início das reivindicações operária e da luta social; o
processo de urbanização; e o início do processo de emancipação feminina.
Conforme Brum (1999), houve alguns fatores que contribuíram para a formação
de uma incipiente classe média no Brasil, no começo da Republica como: a crise da
oligarquia rural no Brasil, durante o início do século XX, e o processo de
industrialização e urbanização brasileira. A classe média, sempre heterogênea, foi
realizando avanços sensíveis, à medida que aumentava o número de seus integrantes,

5
Conforme Edgard Carone (1975) no início da Republica brasileira, as classes médias sofreram um
processo de autonomia e afirmação, o que as tornava cada vez mais consciente de suas forças e
necessidades. Carone (1975) infere que a alta, a média e a baixa classe média tinham uma formação
diversa. A alta classe média originou-se das ricas classes agrárias, ou seja, dos latifundiários. É neste
contexto que surge o fenômeno do bacharelismo na sociedade brasileira no início do século XX. Ou seja,
o bacharelismo era uma das principais opções encontradas pelos fazendeiros para seus filhos que
estudavam nas Faculdades de Direito do Recife e de São Paulo e a de Medicina. Já a classe média
intermediária era composta por imigrantes, segmentos das classes decadentes das zonas decadentes do
café e do açúcar, alguns profissionais liberais e o exército. A baixa classe média no início da República
era constituída de baixos funcionários públicos e artesãos (CARONE, 1975, p. 178)
89

especialmente nos centros urbanos maiores. Ou seja, a industrialização e urbanização


favoreceram o surgimento de classe média, porque, neste contexto, cresceram as
atividades ligadas ao comércio e os serviços. A cidade passa a ser mais atrativa. É neste
sentido que a classe média ganha expressão política mais importante nos meios
intelectuais e particularmente, no exército, constituído de jovens oficiais, que deram
origem ao movimento conhecido como Tenentismo (BRUM, 1999).
Em suas análises, sobre a classe média brasileira, Souza e Lamounier (2010)
consideram figuras, como Rui Barbosa, Carlos Lacerda e Jânio Quadros exemplos do
“moralismo político” que a tradicional classe média se identifica.
É em Rui Barbosa que a classe média veio a se reconhecer, nele
simbolizando sua adesão à doutrina liberal e ao culto do direito. A
classe média foi o substrato social “que animou e vivificou a pregação
de ideias [Rui Barbosa]: progresso econômico, enriquecimento e
diversificação do trabalho brasileiro, técnica, iniciativa, renovação das
classes dirigentes, reforma social”. [...]. De fato, para a primeira visão,
a classe média e especialmente o seu braço militar teriam sido uma
das forças matrizes da proclamação da República, da série de
insurreições contra o poder econômico e político das oligarquias
agrárias que pontilharam os anos 20 e, por fim, da Revolução de 1930.
No pós-guerra, no entanto, a classe média-civil e militar- viu-se
dividida por profundos antagonismo provocados, de um lado pela
carismática liderança de Getúlio Vargas, e, de outro, pelo
antigetulismo, personificado por líderes políticos agressivos, entre os
quais se destacam, sem dúvida, Carlos Lacerda e Jânio Quadro
(SOUZA E LAMOUNIER, 2010 p. 8-9).

Segundo Pochmann (2014), na economia brasileira, a configuração da nova


classe média assalariada deu-se, a partir da instauração da industrialização pesada
promovida pelo Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, durante a década de 50. o qual
foi capaz de facilitar a instalação de grandes empresas, sobretudo no setor de bens de
consumo duráveis. Mas o salto da classe média brasileira ocorreu, na década de 1970,
no período da ditadura militar - (1964-1985) – pelo estímulo de políticas de proliferação
de empregos técnicos, associado a intensa desigualdade de renda. Durante o regime
militar, principalmente no período do milagre econômico, as políticas públicas foram
orientadas para os mais altos salários de modo que se tornou possível a modernização
do padrão de consumo para a elite e a classe média assalariada no Brasil (BRESSER-
PEREIRA, 2003, p. 179). Em sua análise sobre o período do milagre econômico
brasileiro, Celso Furtado (1981) infere que o modelo de desenvolvimento econômico no
regime militar foi concentrador, voltado para a classe alta e classe média.
A evolução das estruturas sociais, refletida na concentração da renda,
90

denunciava aspectos ainda mais negativos da orientação tomada pelo


desenvolvimento. Ao contrário do que a escola de pensamento
predominante, a concentração da renda não produziu elevação da
propensão a poupar entre os seus beneficiários. Significou, sim, uma
transferência de recursos de consumidores de baixo nível de vida para
os consumidores de baixo nível de vida para os consumidores de
baixo de nível de vida para os consumidores de baixo nível de vida
para os consumidores de renda média e altas, traduzindo-se em
modificação na composição da cesta de bens de consumo em
benefício dos mais sofisticados e menos essenciais (FURTADO, 1981,
p.42).

Ademais, o período do milagre econômico favoreceu a classe média


tradicional brasileira através de um modelo econômico exclusivista. Como observa
Vilanova (2007, p51): “a recuperação econômica que marcou a fase do ‘milagre’
brasileiro privilegiou uma reduzida categoria social (nesse caso, a classe alta e a classe
média) pelo fato de estimular a demanda de bens industriais de consumo duráveis”.
Ainda sobre esse modelo concentrador que favoreceu o fortalecimento da classe média e
da classe alta, no período do regime militar, mormente milagre brasileiro, Singer (1982)
conclui dizendo que se trata de um modelo de crescimento unilateral, pois beneficiou os
grupos de elevada renda.
Desta maneira, a demanda por bens industriais foi estimulada, o que
levou, num primeiro período, ao crescimento da oferta mediante
utilização crescente da capacidade produtiva. Na realidade, a demanda
se dirigiu predominantemente a determinados rumos da indústria,
pois, ela era o resultado de um processo de concentração da renda que
privilegiava as necessidades de uma elite relativamente reduzida. No
período de 1968/71, a indústria de material de transporte (na qual
predomina a automobilística) cresceu 19,1% ao ano, a de material
elétrico (no qual) se inclui aparelhos eletrodomésticos e
eletronodomésticos) cresceu 13,9% ao ano, ao passo que a indústria
têxtil cresceu 7,7% ao ano, a de produtos alimentares 7,5% ao ano e a
de vestuário e calçados 6,8% ao. Como se vê, a produção de bens
duráveis de consumo, que são comprados principalmente pelos grupos
de elevadas renda, cresceu a um ritmo duas ou três vezes maior que a
produção de bens duráveis, que são adquiridos por toda a população
(SINGER, 1982, p. 113).

Fica evidente que o modelo concentrador do “milagre brasileiro” provocou uma


internalização do padrão de consumo praticado apenas por países de capitalismo
avançado, favorecendo a classe média tradicional brasileira6. Assim, esse modelo

6
Bresser-Pereira (2003) infere que o regime militar, na medida em que era um governo de militares e de
tecnocratas, era um governo da classe média. O programa do Banco Nacional de Habitação (BNH)
constitui um exemplo conspícuo a respeito. O Plano Nacional de Habitação foi formalmente estabelecido
para a construção de casa populares. Na pratica, porém, transformou-se em um excelente meio de
financiamento para as casas de classe média. A política salarial do governo é outro exemplo clássico.
91

econômico o qual foi marcado por elevadas taxas de crescimento, puxado pela indústria,
favoreceu o surgimento de uma classe média consumista à custa de uma política de
contração de salários, mesmo na fase acelerada de expansão econômica. Como assinala
Bresser-Pereira (2015), só é possível compreender o “milagre econômico” de 1968-
1973 e, mais genericamente, a alta taxa de desenvolvimento econômico alcançado até
1980, considerando-se a concentração de renda da classe média para cima que acontece
nesse período. Ou seja, houve uma política de arrocho e controle dos salários dos
trabalhadores, mas os salários, para os profissionais da classe média tecnocrata foram
mantidos e até sobrevalorizados. Isso beneficiou o segmento das chamadas profissões
liberais.
Neste sentido, o “milagre brasileiro” foi um verdadeiro “paraíso” a classe média.
Isso se deve ao fato do extraordinário crescimento econômico e o avanço das empresas,
nos anos 1970, que exigiam um recrutamento de mais técnicos e administradores, o que
se fazia de compensadora remuneração. Como assinala Mills (1969), o surgimento da
classe média (que ele chama de classe do colarinho branco) está diretamente relacionada
com o crescimento regular da burocracia. Ademais, outro motivo para a expansão dos
empregos dos colarinhos brancos foi o desenvolvimento das grandes empresas privadas
e públicas e, em consequência, o crescimento regular da burocracia, uma tendência da
estrutura social moderna (MILLS, 1979). Isso permitiu a ascensão da chamada burguesia
gerencial.
A existência de uma burguesia gerencial é inegável, à medida em que,
nas grandes empresas, a produção é organizada de forma rigidamente
hierárquica, segundo um modelo burocrático de corte militar, estando
todo o poder de decisão concentrado nas mãos d um grupo de
“empregados” enquanto os demais assalariados (que formam o
proletariado) estão sujeitos a uma disciplina que em nada difere da
que lhes é imposta nas empresas dirigidas pelos seus “proprietários”.
Convém reconhecer que fazem parte da burguesia gerencial não só os
administradores profissionais que dirigem as grandes empresas
capitalistas – a maioria multinacionais ou estatais – mas também os
administradores do aparelho do Estado e dos grandes aparelhos
burocráticos paraestatais como universidades e hospitais mantidos por
entidades não-lucrativas, fundações, conselhos profissionais, órgãos
de pesquisas etc., etc... A burguesia é, neste sentido, a classe que
monopoliza a propriedade dos meios de produção e de controle social,
entendendo-se por propriedade o domínio efetivo destes meios, ou
seja, o domínio sobe aqueles que, mediante o seu trabalho, realizam a
produção e o controle (SINGER, 1981, p.21).

Enquanto os salários dos operários eram rigidamente controlados e rebaixados, os salários da classe
média eram liberalizados.
92

Ademais, conforme Singer (1981) o “milagre econômico” beneficiou o


segmento das chamadas profissões liberais, mormente as profissões técnicas. Já os
segmentos sociais da base da pirâmide social brasileira foram excluídos dos frutos do
crescimento econômico. Ou seja, a desigualdade organizadora do avanço da classe
média brasileira permitiu também que essa classe desfrutasse dos serviços de baixo
custo, potencializados pelo enorme excedente de mão-de-obra, gerado nas grandes
cidades, por força do êxodo rural (ausência de reforma agrária). Devido a esse modelo
concentrador, a classe média tradicional brasileira teve um exército de serviços ao seu
favor.
Assim, um verdadeiro exército de serviçais esteve voltado à realização
de qualquer atividade de sobrevivência, sobretudo em serviços, a nova
classe média assalariada em ascensão, como nos casos de motoristas
particulares, domésticos em profissão, seguranças adestradores de
animais, entre outros. Constatou-se, assim, a internalização do padrão
de consumo praticado apenas nos países de capitalismo avançado
(POCHMANN, 2014, p 42).

Nos anos 80, com a crise da dívida externa, o país foi marcado por uma fase de
recessão econômica e estagnação da renda que ficou conhecido como a “década
perdida”. Esse período foi marcado por perdas sociais e baixo crescimento, sendo que as
classes sociais menos favorecidas foram as mais atingidas. “Os assalariados, que
haviam sido os menos beneficiados acelerado, tornaram-se as primeiras e maiores
vítimas da recessão” (BRUM, 1999, p392). Nesse sentido, a economia brasileira
ingressou numa longa fase de baixo dinamismo econômico. Isso trouxe efeitos nefastos
na classe média brasileira. Com o abandono do projeto de desenvolvimento nacional, a
partir da década de 1980, a economia brasileira ingressou numa longa fase de baixo
dinamismo nas atividades produtivas, o que resultou em maior incapacidade de
expandir o emprego no mesmo nível de aumento da população economicamente ativa.
O resultado foi um contingente ainda maior de mão de obra sobrante (POCHMANN,
2012).
Durante os 90, o Brasil foi marcado pela onda neoliberal que trouxe efeitos
nefastos no mundo do trabalho e na mobilidade social brasileira. “Entre 1981 e 2002,
por exemplo, cerca de 11milhões de brasileiros foram rebaixados ou constrangidos por
grave piora na situação social” (POCHMANN, 2014, p. 43). Essa grave piora, na
situação social, atingiu os setores ocupacionais da classe média brasileira. Em especial,
na estrutura ocupacional de postos tradicionais de classe média. Os procedimentos de
93

reestruturação industrial, de internacionalização de empresas, de privatização do setor


produtivo estatal e de terceirização da mão de obra - tanto no setor privado como no
público -, levaram ao encolhimento da classe média brasileira (POCHMANN, 2014).
Pochmann (2014) infere que com o abandono das políticas neoliberais e a
influência de importantes políticas públicas - como a elevação real do salário mínimo, o
Bolsa Família, o crédito ao consumo urbano e a agricultura familiar -, tiveram impacto
diretamente na estrutura social. Conforme o economista supracitado, o abandono das
políticas neoliberais permitiu a recuperação econômica desde 2004 (POCHMANN,
2014). Com a recuperação da economia, houve uma certa mobilidade social no Brasil o
qual permitiu a ascensão da chamada “nova classe média”.

4.2 As diversas visões e compreensões acerca da nova classe média brasileira

4.2.1 Para uma caracterização da chamada “nova classe média” brasileira, por Neri

Essa nova classe média surgiu a partir de amplos programas de reformas sociais,
voltados para a reduzir a pobreza, distribuir renda, incorporação social e para a
promoção do consumo. Com efeito, a nova classe média brasileira, propalada pelos
dados estatísticos de Marcelo Neri (2001), é decorrente de várias medidas econômicas e
sociais redistributivas do governo Lula. Como destaca André Singer (2012):
Entretanto, parado oito anos, o cenário era outro. Em dezembro de
2010 os juros tinham caído para 10,75% ao ano, com taxa real de
4,5%. O superávit primário fora reduzido para 2,8% do PIB e,
“descontando efeitos contábeis”, para 1,2%. O salário mínimo,
aumentando em 6% acima da inflação naquele ano, totalizava 50% de
acréscimo, além dos reajustes inflacionários, entre 2003 e 2010. Cerca
de 12 milhões de famílias de baixíssima renda recebiam um auxilio
entre 22 e duzentos reais por mês do Programa Bolsa Família (PBF).
O Crédito havia se expandido de 25% para 45% do PIB, permitindo o
aumento da produção de consumo dos estratos menos favorecidos, em
particular mediante o crédito consignado. (SINGER, 2012, p.11-12).

Na concepção do economista Marcelo Neri (2011), durante o governo de


Lula, houve uma ascensão de uma nova classe C, marcada pelo nível de consumo. Em
seu estudo sobre o que ele denomina de Nova Classe Média Brasileira, o economista
afirma que este segmento social é aquele que “aufere em média a renda média da
sociedade, ou seja, é a classe média o sentido estatístico” (NERI, 2011, p.83). Com base
na renda domiciliar total, a nova classe média brasileira estaria compreendida, na faixa
94

entre R$1.200,00 e R$5.174,00, situando-se entre os estratos de renda acima de 50%


mais pobre e abaixo dos 10% mais ricos.
“Ser nova classe média também é consumir serviços de públicos de
melhor qualidade no setor privado, aí incluindo colégio privado, plano
de saúde e o produto prêmio, que é previdência complementar. Todos
podem ser vistos como ativos meio públicos, meio privado, que
conferem maior, ou menor, sustentabilidade ao sonho brasileiro de
subir na vida” (NERI, 2011, p19).

Conforme Neri (2011), essa ascensão dessa nova classe C deve -se a uma
redução da desigualdade e da pobreza, marcada no período do governo Lula. Conforme
o economista citado, entre 2003 e 2011, cerca de 39,6 milhões ingressaram nas fileiras
da chamada nova classe média ou classe C (Neri, 2011, p27). As taxas acumuladas de
crescimento da renda acumulada indicam que o bolo da metade da população mais
pobre cresceu, reduzindo a desigualdade no Brasil. “De acordo com a Pnad, a
desigualdade de renda no Brasil vem caindo desde 2001. Entre 2001 e 2009, a renda per
capita dos 10% mais ricos aumentou 12,8% em termos acumulados, enquanto a renda
dos mais pobres cresceu notáveis 69,08% no período” (2011, p25).

Tabela 15: Visão de longo prazo da desigualdade (GINI)


Ano Índice GINI
1960 0,5367
1970 0,5828
1979 0,5902
1990 0,6091
2001 0,5957
2009 0,5448
2010 0,5304

FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo:
Editora Saraiva, 2011, p.26

Segundo Neri (2011), o processo inicial da formação da nova classe C está


concatenado a queda acumulada na taxa da pobreza, a qual no Brasil contemporâneo,
teve início no Plano Real, de Fernando Henrique Cardoso, e que ganhou força no
governo Lula.
A queda acumulada na taxa de pobreza é de 54,18% em oito anos
(sendo15,9% desde 2009), atingindo, hoje, 12,88% da população. O
primeiro salto de redução da pobreza ocorreu depois do lançamento do
Plano Real. No governo de Fernando Henrique Cardoso (Era FHC)
todo, incluindo só efeitos da estabilização monetária, houve uma
queda de 31%. Do advento do Real até o final da década passada, que
marcou o fim da era Lula, a taxa de pobreza caiu 67%. (NERI, 2011,
p. 27)
95

Segundo o economista supracitado, no final de 2010, o Brasil atingiu o seu


menor nível de desigualdade de renda, desde os registros iniciados em 1960. Em 2009,
50,45% da população brasileira pertencia a classe média, sendo que, em 2011, esse
número chega a 55,05% (NERI, 2011). Essa ascensão social de uma nova classe média
se deve ao fomento de um mercado interno de massas. Criar esse mercado interno era o
principal objetivo do governo Lula. Como assinala Mercadante (2010, p43): “A medida
que reduzimos a vulnerabilidade externa, a fragilidade fiscal, e mantivemos a
estabilidade da economia, criamos condições para construir um mercado de massas.
Esta era a grande diretriz econômica do nosso governo criar um mercado interno forte,
um mercado de massas”.
Neri (2011) mensura a formação dessa nova classe média, através da renda. A
renda é considerada uma variável chave para medir o nível de mobilidade social,
produzindo um efeito de maior esperança entre os mais pobres. Neri (2011) chega a
afirmar que, com a redução do nível de desigualdade e da pobreza houve um aumento
da média de felicidade do povo brasileiro. “No Brasil, a expectativa em relação ao
futuro já era particularmente alta – na escala de zero a dez, nossa nota média foi 8,78
mais do que qualquer um dos 132 países pesquisados. Ou seja, somos campeões
mundiais da felicidade futura, ou de atitude jovem” (NERI, 2011, p47). Segundo o
economista da FGV (Fundação Getúlio Vargas) a classe C cresceu de 42% para 51% da
população entre 2003 e 2008. Ou seja, o Brasil estava se tornando um país de classe
média. Em sua conclusão otimista, Neri faz a seguinte observação:
De maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos, como
negros, analfabetos, mulheres, nordestinos, moradores de periferia,
campos e construções cresceu mais no século XXI. Essa tendência é
contrastante com a de países desenvolvidos e de outros emergentes,
nos quais a desigualdade cresce a olhos vistos. Mais do que o país do
futuro entrando no novo milênio, o Brasil, ultimo do mundo ocidental
a abolir escravatura, começa a se libertar de sua herança escravagista.
(NERI, 2011, p.63)

Em se tratando de renda, Neri (2011) infere que uma das formas de definir as
classes econômicas (A/B, C, D e E) é pelo potencial de consumo. A métrica da renda é
fundamental para a classificação das classes econômicas. Nesse sentindo “a renda
daqueles que se identificam como pretos e pardos sobe 43, 1% e 48,5% respectivamente,
contra pretos e brancos sobe de 0,53 para 0, 62.” (NERI, 2011, p.33). O Nordeste
brasileiro teve o maior ganho de renda do país, sendo que no período de 2003 a 2008 foi
de 7,3%. Inclusive Teresina foi uma das capitais que teve uma das maiores taxas de
96

crescimento econômico, ocorrido similarmente nas áreas rurais mais pobres das cidades
do país.
Fazendo um zoom pelo Pnad nos municípios das capitais, a maior taxa
de crescimento foi a de Teresina, com 56,2% e o destaque nos
municípios das periferias das metrópoles de Fortaleza, com 52,3%. Já
a renda na capital e periferia dá Grande São Paulo subiu 2,3% e 13,1%
respectivamente. Esse padrão no qual a periferia cresceu mais que a
capital foi observada em sete das nove grandes metrópoles brasileiras.
Simultaneamente, a renda cresceu mais nas pobres áreas rurais, 49,1%
contra 16% nas metrópoles e 26,8% nas demais cidades. A renda per
capita que referencia a maior parte das pesquisas acerca do binômio
pobreza e desigualdade é uma média interna dos domicílios. Tudo se
passa como se vivendo numa espécie de socialismo doméstico no qual
cada membro do domicílio deixa seu respectivo quinhão de renda num
pote, do qual cada um retira depois uma parcela igual de renda (NERI,
2011, p32-33)

Portanto, observa-se que os estudos da renda, segundo Neri (2011), são


fundamentais para a definição de classe. Neste sentido, o economista citado leva em
consideração a renda domiciliar. “Em primeiro lugar o conceito de classe se refere à
família e não aos indivíduos, pois há solidariedade interna na transformação dos
proventos do consumo. Uma pessoa pertence, ou não, a uma família de classe média”.
(NERI, 2011, p.81). E, neste sentido, a classe C é a classe central no que tange a sua
participação na estratificação social. Neri (2011) afirma que o crescimento da
participação da classe C é uma prova real da redução da desigualdade. “O que está por
traz do resultado é que, além daqueles com a renda mais baixa terem se apropriado de
uma maior parcela relativa da pizza (a redução da desigualdade), a pizza aumentou de
tamanho (o tamanho)” (NERI, 2011, p. 82).
Neri (2011) ainda acrescenta:
Além de estarmos medindo o potencial de consumo com base na
miríade de informações das pesquisas domiciliares, propomos
uma conceituação complementar para medir a evolução da nova
classe média no Brasil também do ponto de vista do produtor,
usando a equação de renda, função agora de ativos produtivos
dos diversos membros da família. Ou seja, há que se observar a
capacidade de se manter, de fato, este padrão de vida mediante a
geração e manutenção da renda ao longo do tempo. Acreditamos
que a separação do hedonismo consumista ou do consumo por
necessidades, de quem está próximo da subsistência ou longe do
crédito daqueles que têm capacidade de produção, gera duas
análises complementares entre si e com a análise da renda
corrente. Esse tipo de preocupação com educação e inserção
ocupacional consta em critérios na Inglaterra, em Portugal e na
Índia. A única variável nesse sentido, contemplado no Critério
97

Brasil, é a escolaridade de olhar para aspectos simbólicos da


classe média para além do consumo, incorporando elementos
ligados à esfera de geração de renda das famílias, tais como a
carteira de trabalho do marido e da mulher, a entrada do filho na
universidade ou na era da informática. (NERI, 2011, p. 79-80)

Tabela 16: Definição das classes econômicas. Renda domiciliar total de todas as fontes
Limites (preços 2011)
Inferior Superior

Classe E R$ 0,00 R$ 751,00

Classe D R$ 751,00 R$ 1.200,00

Classe C R$ 1.200,00 R$ 5.174,00

Classe AB R$ 5.174,00

FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide social. São
Paulo: Saraiva, 2011, p.82

Em sua pesquisa sobre a estratificação social, Neri (2011) considera que as


políticas de redução de pobreza e de desigualdade social contribuíram para a diminuição
do lado “indiano” e o crescimento do lado “belga” do Brasil. “Heuristicamente, os
limites da classe C seriam as fronteiras para o lado indiano e para o lado belga de nossa
Belíndia (NERI, 2011, p83). Em sua nova versão da obra Belíndia7, Edmar Bacha
(2012) considera que, de 1999 a 2009, houve relativos avanços no crescimento da renda
domiciliar. “Vê-se que quanto mais pobre o domicílio, mais sua renda per capita cresceu
no período – ao contrário do que havia ocorrido no país na década de 1960” (BACHA,
2012, p.09).
Neri (2011) infere que, durante o governo Lula houve um verdadeiro boom da
classe média. Esse boom é marcado pela compra de computadores, pela compra da casa
própria, pela oferta de crédito e pelo crescimento do emprego formal. “Nossa classe
média é mais representativa da classe anual do que americana. A renda média
americana, mesmo depois da crise, caiu para US$400 dia PPC por família de quatro
pessoas” (NERI, 2011, p. 84).

7
Esse termo Belíndia ,foi popularizado, em 1974, pelo economista Edmar Lisboa Bacha, em sua fábula “o
Rei da Belíndia”, de fundo ideológico na qual argumentava que o regime militar estava criando um país
dividido entre os que morava em condições similares á Bélgica e aquele que tinha o padrão de vida da
Índia. Um termo referente a um referente a um novo país similar à Bélgica e os padrões de vida da Índia,
daí “Belíndia”.
98

A classe média brasileira é uma boa fotografia da classe média mundial. Neste
sentido, a perspectiva de Neri (2011) reside no fato de que alterações ocorridas na
pirâmide social revelam uma importante mobilidade social que levou uma
“medianização” da sociedade brasileira. Segundo o autor, neste período houve um boom
do consumo. Casa, computador, crédito e carteira de trabalho estavam todos em níveis
recordes históricos quando a crise chegou ao país, e agora, em 2010, estão voltando a
níveis próximos ou superiores a recordes históricos. Com efeito, “não é à toa que Barack
Obama falou da classe média quando esteve aqui, em 2011” (NERI, 2011, p. 84).
Neste aspecto, Neri (2011) faz uma abordagem interessante sobre a classe média
brasileira e a classe média norte-americana
De todo modo, aquele pertence à nossa A, que se julgue classe média,
procure as palavras Made in Usa atrás de espelho. Agora, a parcela da
classe C subiu, no Brasil, 22,8% de abril de 2008. Nesse período,
nossa classe AB subiu 33,6%. Portanto, para quem considera a classe
média mais rica que a nossa classe C, a conclusão cresceu não é
afetada, ao contrário. (NERI, 2011, p.84).

Tabela 17: Evolução da participação das classes econômicas


2009 -2003
Classe E - 45,55%

Classe D - 11,63%

Classe C 34,32%

Classe AB 39,60%

FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo:
Saraiva, 2011, p.85

Para Neri (2011), durante o governo Lula houve uma verdadeira evolução da
participação da classe média na pirâmide social brasileira. “Houve uma verdadeira dança
distributiva da população brasileira entre os diferentes estratos econômicos” (NERI,
2011 p. 85). Essa evolução da classe se explica pelo crescimento econômico e pela
redução da pobreza e desigualdade. Se no futuro um historiador fosse nomear as
principais mudanças ocorridas na sociedade brasileira e latino-americana na primeira
década do terceiro milênio, poderia chama-la de década da redução da desigualdade de
renda (NERI, 2011, p.57).
99

Essa redução da desigualdade se deve a elevação da renda. Neri (2011, p. 60)


afirma que, durante o intervalo de 2001 e 2009, a renda per capita média brasileira
23,7% em termos reais.

Tabela 18: Diferença e evolução da população por classes sociais de 2011 à 2003
Participação das classes de Diferença populacional Evolução populacional
2011/2003

Classe E - 24.637,406 - 54,18%

Classe D - 7.976.346 - 24,03%

Classe C 39.589.412 46,57%

Classe AB 9.195.974 54,71%

FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo:
Saraiva, 2011, p.89

Analisando as alterações ocorridas na evolução das classes econômicas, verifica-


se que a classe C um crescimento populacional de 39.589.412 e as classes A/B tiveram
um crescimento de 9.195.974 de pessoas. Ao contrário das classes A/B e C, a classe D
teve uma diminuição de 7976.346 de pessoas e, por último, a classe E, uma diminuição
de 24.637.406. A partir dessas alterações ocorridas na pirâmide social brasileira, Neri
considera que a “nova classe média” passou a representar, a partir de 2011, a maior parte
da população brasileira, tornando o Brasil um país de classe média. Segundo Neri a
classe média que representava 50,45% em 2009, passa a crescer para 55,05% em
2011.Isso significa, em números absolutos, a entrada de 100,5 milhões de brasileiros na
nova classe C. (NERI, 2011, p. 90).
Ademais, o crescimento significativo do emprego formal, mormente no setor de
serviços, é a causa primordial do surgimento dessa nova classe média brasileira. Como
observa Mercandante (2010), o aumento da formalização e o impacto das políticas de
renda são os verdadeiros vetores principais desse duplo movimento de aumento do nível
de renda dos segmentos sociais mais pobres da sociedade e, simultaneamente, de
mobilidade desses segmentos para os estratos sociais de renda mais elevados. Durante o
período de janeiro a julho de 2011, houve a criação liquida 1,4 milhões de novos postos
de trabalho formais, o terceiro melhor desempenho desde 2000, ficando abaixo apenas
100

do mesmo período em 2010 (1,65 milhões) e 2008s (1,56 milhões). “A taxa de


desemprego caiu para 7,4% em dezembro de 2007 e 6,8% em dezembro de 2008, pouco
antes da onda de demissões provocadas pela crise internacional. [...] o governo Lula
terminou com o desemprego na casa de 5,3% (dezembro de 2010), próximo do pleno
emprego” (SINGER, 2012, p147).
O crescimento do emprego formal foi o vetor da ascensão dessa nova classe
média no Brasil. O aumento da formalização do emprego e a valorização das políticas de
renda tiveram um impacto significativo na mobilidade social, principalmente nos
estratos sociais mais baixos. Em 2010, foram gerados 2,5 milhões de vagas de empregos
formais, superando em quase 70% maior que o ano de 2006, último ano do primeiro
mandato de Lula (SINGER, 2012). Em sua análise, Neri denomina esse período de
crescimento econômico, geração de emprego formal e elevação da renda de “pequena
grande década”. Essa pequena grande década é lastreada numa diminuição da pobreza e
da desigualdade social no Brasil. A década dos anos 1990 foram de estabilização
monetária, mas o começo dos anos 2000 é marcado por políticas de emprego formal e
pela redução da pobreza e da desigualdade. “Após a recessão de 2003, o emprego com
carteira assinada voltou a crescer” (NERI, 2011, p 100). Devido a essas políticas sociais,
a extrema pobreza foi reduzida a metade dos índices de 2003. Em 2003, o coeficiente de
Gini do Brasil era 0,583, caindo para 0,548, em 2008 (MERCADANTE, 2010). Isso de
certa forma sintetiza as mudanças ocorridas na estrutura de distribuição da renda e no
esforço de redução das desigualdades e da pobreza.
Além do crescimento do emprego formal e da valorização do salário mínimo, o
credito foi outro fator fundamental para ascensão dessa nova classe C. “O crédito
consignado a benefícios de programas sociais vai nessa linha, alavancando os ganhos de
bem-estar daqueles contemplados por razões de equidade” (NERI, 2011, p261). A partir
de 2003, o país ingressa em um novo ciclo de crédito que mantém sua trajetória
expansiva em 2009, apesar da crise internacional e de seus efeitos sobre a economia
brasileira (MERCANDANTE, 2010). Conforme Mercandante, durante o governo Lula
houve uma democratização do credito. A política creditícia do governo trouxe mudanças
qualitativas e quantitativas relevantes no cenário econômico brasileiro. Segundo
Mercandante três aspectos centrais sintetizam as mudanças na política creditícia no
governo Lula
Primeiro, a democratização do crédito, mediante diversos mecanismos
– a nova concepção do microcrédito, o crédito consignado, a
101

simplificação dos procedimentos para abertura de contas – que


ampliaram o acesso ao crédito de segmentos de população
anteriormente excluídos que só tinham um acesso precário ao sistema
bancário. Segundo, e em certa medida ligado ao anterior, a expansão
do crédito ao consumo, em sinergia com a reativação da economia, o
aumento do emprego e as políticas de inclusão social e distribuição de
renda praticadas pelo governo. Terceiro, a revitalização do setor
financeiro público, reforçando suas fontes de aprovisionamento de
recursos, ampliando sua abrangência e reduzindo os custos do crédito
direcionado, que tem um papel no financiamento de longo prazo dos
investimentos (MERCADANTE, 2010, p 141).

Neste sentido, o chamado Crediamigo8 foi fundamental paras as políticas de


empreendedorismo e para os pequenos negócios. “ O Crediamigo cobre 60% do mercado
de microcrédito, gerando um aumento médio de 15% por ano de seus clientes, que são
empresas informais de fundo de quintal como mercearias, biscateiros, escolas privadas
etc” (NERI, 2011, p. 261). Para Neri, o Crediamigo constituiu uma experiência
fundamental para as políticas de empreendedorismo e para a formação de uma nova
classe emergente que estava galgando posições a custa de endividamento de longo
prazo. O acesso ao credito banalizou o consumo de bens até então inacessível às classes
mais baixas, erodindo seu valor simbólico para a definição de uma identidade de classe
média. (SOUZA E LAMOUNIER, 2010, p 41). O credito barato foi fundamental para
alavancar políticas fomentadoras das atividades empresarias. Assim, o Crediamigo foi
vital para a mobilidade entre as classes econômicas.
A mobilidade entre classes econômicas, comparando diretamente as
famílias de clientes do Crediamigo com famílias do PME, com seus
controles, é usada para responder a pergunta-chave é: com mais acesso
a crédito seria maior a possibilidade de ascensão econômica familiar?
A análise das transições sem controles no mesmo período da uma pista
melhor da magnitude dos resultados encontrados. Desde a classe E, a
probabilidade de ascensão de classes econômicas entre os clientes do
Crediamigo foi de 54,72% contra 38,82% dos microempresários.
Desde a classe D, o respectivo placar foi de 36,92% contra 34,03% do
Crediamigo. Desde a classe C, foi 9,95% do Crediamigo contra 7,55%
do resto. Finalmente, desde as classes mais alta A e B, vistas
conjuntamente a probabilidade de descenso é quase 50% maior entre
os clientes do Crediamigo 46,84% contra 38,76% dos
microempresários em geral. O foco do programa está nas classes D e
C, mas o ganho dos clientes do programa são tão maiores quanto

8
Neri (2011) infere que, o Crediamigo é o maior programa de crédito produtivo popular brasileiro com
mais de dois terços do mercado doméstico que atua na região Nordeste. O objetivo do Crediamigo é
facilitar o crédito a milhares de empreendedores de setores formal e informal da economia brasileira. Em
sua análise sobre a importância do crédito Neri (2011 p. 200 -201) infere que o Crediamigo constitui um
fator fundamental para os segmentos de baixa renda e que se tornou uma referência básica operacional
para os bancos federais como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
102

menor for a renda inicial do cliente. Na classe mais alta o desemprego


é pior para os clientes do programa (NERI, 2011, p.199 e 200).

Nessa perspectiva na avaliação de Neri no governo Lula houve um verdadeiro


progresso na mobilidade social brasileira e uma queda significativa da desigualdade
social e da pobreza. Como observa a economista Luciana Almeida Brasil (2014), o
período da primeira metade da década de 2000 pode ser resumido em um aumento da
renda nacional per capita e queda da desigualdade. “É um período caracterizado,
sobretudo, pela queda da pobreza, do desemprego e da valorização do salário mínimo”
(BRASIL, 2014, p07). Tudo isso resultou na diminuição da pobreza. Em 2010, a
pobreza caiu 16,3%. Entre o período de 2001 a 2009, a renda per capita dos 10% mais
ricos aumentou 1,5% ao ano e a dos 10% mais pobres 6,8%. (NERI, 2010, p256).
Conforme Neri (2011), 36 milhões de pessoas, mais do que meia população
francesa, foi incorporado à nova classe média (classe C) desde o fim da recessão até
2010. Segundo o economista citado, isso significa 55% da população brasileira havia
ascendido socialmente. Esse processo aumentou a mobilidade social e modificou,
significativamente, a estrutura social tendo em vista que houve uma expressiva migração
das classes D e E para outras classes, particularmente para a classe C. Segundo
Mercadante (2010, p 115) essa incrementação da classe C, de abril 2002, para 2008, foi
de 17%. Os programas sociais tiveram um peso significativo na ativação do mercado
interno e na redução da pobreza. Esse conjunto de medidas contribuíram para um grande
processo de inserção social o qual Neri (2011) chama de o “Real de Lula”.
Contudo, a maneira como a classe média tem sido definida pela pesquisa de Neri
vem sendo problematizada, questionada e sofrendo críticas de vários autores sob
diferentes óticas como é o caso de Amaury Souza e Bolívar Lamounier, Marcio
Pochmann e Jessé Souza. Como observa Singer (2010, p185): “Desde esse ponto de
vista, é correto afirmar que, que mesmo tendo havido redução da desigualdade no
governo Lula, ela foi insuficiente para tirar o país do quadrante em que estão as nações
mais desiguais do mundo”.
Enquanto Neri (2011) utiliza o instrumental econômico e estatístico para analisar
e medir as classes sociais, Souza e Lamounier (2010), inspirados em Weber, buscam, em
pesquisas quantitativas e qualitativas, as características objetivamente mensuráveis,
como educação, a renda e a ocupação, entendidas como atributos individuais e que
seriam elementos fundamentais para identificar as classes na sociedade brasileira,
mormente a chamada nova classe média.
103

4.2.2. Souza e Lamounier: uma contestação weberiana à análise estatística de Neri

Na análise de Souza e Lamouneir (2010), a nova classe média é um dos


fenômenos sociais e econômicos mais importantes da história recente do país. Segundo
os sociólogos citados, a ascensão da nova classe média nos países emergentes deve-se a
prosperidade da economia mundial nos anos 20 que antecederam a crise de 2008-2009, a
qual contribui para reduzir a desigualdade de renda em países como China, Índia e
Brasil e, permitindo a mobilidade de um grande contingente social que ficou conhecido
como “nova classe média”.
Souza e Lamounier (2010) focam sua pesquisa na questão de valores e ambições
da nova classe média braseira. Em sua obra A classe média brasileira: ambições, valores
e projetos, os autores supracitados utilizam os mesmos grupos de renda observados de
Marcelo Neri, ou seja, eles não questionam a formação de uma nova classe média,
porém utilizam critérios de escolaridade, autoidentificação subjetiva, padrões de
consumo e ocupação para dá um caráter mais weberiano em sua análise sobre o perfil da
nova classe C.
Ademais, o cerne da análise de Souza e Lamounier (2010) é a sustentabilidade
desse processo de mobilidade social recente. “Serão sustentáveis os índices de expansão
da nova classe média?” (SOUZA E LAMOUNIER, 2010, p04). Para os autores, a nova
classe média seria o resultado do encurtamento de distâncias sociais recentes em função
das transformações econômicas. Não obstante, o que diferencia a nova classe média da
classe média tradicional é o fato de esta já ter se estabilizado, e se encontrar mais
fortemente enraizada em sua posição social, enquanto a nova classe média é um grupo
ainda emergente e extremamente vulnerável – em grande parte devido ao seu frágil
capital social – podendo sua situação mudar abruptamente em curto espaço de tempo.
O capital social da classe média antiga é obviamente superior a ora
ascendente uma classe C, mas não a ponto de leva-la a aproveitar em
seu próprio benefício determinadas sinergias há muito conhecidas nos
países desenvolvidos. Isso porque, no Brasil, o capital social reside em
larga medida nas famílias e no conceito de e no círculo de amigos. Um
ciclo possivelmente virtuoso de relações em círculo mais amplos não
se realiza, devido, em larga medida, a falta de confiança nos outros,
traço cultural disseminado e, sem dúvida, reforçando, no período
recente, pela escalada da criminalidade. (SOUZA E LAMOUNIER,
2010, 07).

Baseado em pesquisas de opiniões quantitativas e qualitativas e em diálogo com


uma análise histórica da estratificação ocupacional brasileira, Souza e Lamounier (2011)
104

consideram que o recente processo de mobilidade social não pode ser compreendido sob
o prisma individual, mas um fenômeno coletivo. Ademais. Os autores supracitados
utilizam critérios objetivos e subjetivos para classificar a classe média. Os critérios
objetivos são educação, renda e ocupação. Os critérios subjetivos são identidades de
classe e como os próprios entrevistados veem a classe média.
A educação é considerada a principal marca da classe média. “Até as primeiras
décadas do século XX, o ensino de segundo grau já era suficiente para engendrar tais
oportunidades” (SOUZA E LAMOUNIER, 2010 p14). Conforme os autores, 97% dos
entrevistados pela sua pesquisa consideram a educação de qualidade um fator
“essencial” ou “muito importante” para vencer na vida. “Os resultados mostram que a
boa educação e inteligência ou talento são os principais fatores para a ascensão social
sendo estes destacados especialmente pelos entrevistados com escolaridade superior e
média (SOUZA E LAMOUNIER, 2010 p. 56). Assim como as pessoas do nível alto, os
semiescolarizados também desejam que seus filhos conquistem um diploma de curso
superior (SOUZA E LAMOUNIER, 2010). O ensino superior continua sendo visto
como um artigo da classe alta e classe média tradicional.
A proposta de democratizar o acesso ao ensino superior com base na
etnia e na origem socioeconômica, soa atraente para os brasileiros. [...]
chama a atenção o amplo apoio à política de cotas entre os
semiescolarizados (84%) e aqueles que completarem o nível
fundamental (entre 77% e 80%). Do nível médio em diante, verifica-se
pequena queda da proporção de cotas que concorda com as cotas. Mas
o apoio a proposta permanece no patamar de 70%. A exceção é a
política de cotas para negro. Nesse caso, o nível de apoio reduz-se
mais rapidamente ao longo do gradiente de educação. O segmento da
educação universitária praticamente se divide ao menos quanto a
adoção de cotas raciais, indicando a preocupação de que a iniciativa
possa exacerbar as percepções de diferenças raciais (SOUZA E
LAMOUNIER, 2010, p70).

A análise de Souza e Lamounier (2010) não reside num debate macroeconômico,


mas naquilo que os autores chamam de fatores weberianos, ligados a motivação e a
autocapacitação (educação, empreendedorismo etc) e de formação de valores e sociais e
políticos. Seu conteúdo é o resultado de estudo patrocinado pela Confederação Nacional
da Indústria (CNI), que começou com pesquisa quantitativa e, mas qualitativamente,
realizadas pelo Ibope, em novembro de 2005. Souza e Lamounier (2010) defendem, em
sua obra, a necessidade do Brasil retomar a agenda de reformas para o processo de
alargamento da classe médio brasileira não se frustre. Neste aspecto, os autores
105

consideram que a distribuição de renda no país permanece como uma das piores do
mundo e que há uma busca da renda permanente.
O crescimento econômico do Brasil nos últimos anos traduziu-se na
percepção de um nível maior de renda permanente, expandindo a
demanda. Entretanto, as oscilações da renda familiar geradas por
empregos poucos estáveis ou atividades por conta própria sinalizam
dificuldades em manter o perfil do consumo ambicionado pelas faixas
de renda mais baixas. Endividando-se além do que lhes permitem os
recursos de que dispõem, essas famílias defrontam-se com um risco de
inadimplência maior que o das famílias de classe média estabelecida
(SOUZA E LAMOUNIER, 2010, p32-33).

Considerando os aspectos dos axiológicos e os valores políticos, Souza e


Lamounier (2010) mostram o perfil da classe média, mormente a classe média
tradicional. Segundo os autores, a classe média prima por um conjunto de valores como
a democracia, o empreendedorismo, as instituições públicas e o combate a corrupção.
Portanto, o crescimento econômico e as políticas de distribuição de renda foram
essenciais para a formação da nova classe média brasileira. Entretanto, a grande
preocupação reside em manter-se na classe média. Questões como a perda de emprego,
liquidação do negócio próprio e a privação da renda - pela falta de trabalho - são as
maiores preocupações daqueles que ascenderam para dita nova classe média. Muitos dos
que ascenderam socialmente estão ameaçados de voltar para a pobreza. Neste aspecto,
Souza e Lamounier (2010) defendem o empreendedorismo e a diminuição da presença
do Estado. Seguindo a visão liberal, Souza e Lamounier (2010) consideram o estatismo
um dos principais entraves ao desenvolvimento do “espírito” empreendedor no Brasil.
Essa mentalidade manifesta-se de maneira diversas, afetando as percepções de
empreendedores e não empreendedores. (SOUZA E LAMOUNIER, 2011, p.94).
Conforme os autores, a classe média tradicional é portadora de princípios e
atitudes que garantiram o seu lugar de destaque não só na sociedade brasileira como nos
demais países com nível de desenvolvimento igual ou superior ao nosso: o valor do
trabalho, da poupança, da família, da honestidade, da moralidade e, acima de tudo, um
espírito nato. Ademais, para Souza e Lamounier, o Estado é um óbice para a
consolidação dessa nova classe média. Afinal, “O sonho dominante... não é o emprego
público ou a carteira assinada ... A grande aspiração da maioria é ter o negócio próprio e
fazê-lo prosperar” (GUEDES E OLIVEIRA, 2006, p21). Sendo assim, livres das
amarras impostas pelo estatismo e superado o hiato educacional, a classe C naturalmente
se tornaria protagonista no cenário e político nacional, dado seu peso relativo na
106

sociedade. E com seu avanço, a qualidade de vida de seus integrantes melhoraria ainda
mais, a desigualdade social diminuiria e o Brasil se tornaria mais igualitário, homogêneo
e democrático, superando, enfim, seus principais problemas e ingressando no mundo
desenvolvido. Assim, “qualificação, competência e educação tornam-se, assim,
requisitos indispensáveis para subir na estrutura social” (SOUZA E LAMOUNIER,
2011, p 165).

4.2.3 Pochmann e a ascensão da nova classe trabalhadora (e a perda do significado de


classe trabalhadora)

Na perspectiva de Marcio Pochmann (2012a) - economista e professor da


Unicamp - é um equívoco considerar que as transformações ocorridas na estrutura social
brasileira, durante o governo Lula, permitiram o surgimento de uma nova classe média.
“Em conformidade com a literatura internacional esse segmento social deveria ser mais
considerado na categoria de Working poor (trabalhadores pobres), pois se trata
fundamentalmente de ocupados de base” (POCHMANN, 2012a, p. 30).
Para o economista da Unicamp, que também já foi presidente do Ipea (Instituto
de pesquisa Econômica Aplicada), de 2007 a 2012, o que houve, desde a década de
2000, foi uma evolução da ocupação da base da pirâmide. Isso permitiu o surgimento de
um novo padrão de mudança social no Brasil.
Em grande medida, o melhor desempenho dos indicadores de
mobilidade social encontra-se fortemente associado ao conjunto de
transformações na economia e nas políticas públicas. De um lado, a
recuperação do ritmo de crescimento econômico desde 2004 foi
estimulado pelos investimentos e pela ampliação do mercado interno
de consumo, sustentado pela elevação da renda das famílias. (...) Entre
2004 e 2009, por exemplo, houve a geração liquida de 8,1 milhões de
postos de trabalho formais, enquanto entre 1998 e 2003 foram criados
apenas 1,9 milhão de novos empregos assalariados com carteira
assinada em todo o Brasil (POCHMANN, 2010b, p642).

Após duas décadas de prevalência da semiestagnação econômica com regressos


sociais, verifica-se a expansão das ocupações, na base da pirâmide social, por intermédio
da concentração do saldo líquido dos empregos para os trabalhadores de salário de base.
Ou seja, houve um crescimento dos postos de menor remuneração (POCHMANN,
2012a). Isso permitiu a retomada da mobilidade social verificada pelo crescimento do
consumo de bens e serviços. Portanto, o que o Marcelo Neri (2011) chama de nova
107

classe média brasileira, Pochmann (2012a) chama de nova classe de trabalhadores.


Trabalhadores brasileiros de salários de base.
Na década de 2000, destaca-se ainda a importância das ocupações para
trabalhadores de salário de base na faixa etária de 45 anos aos 54 anos,
na segunda posição, e dos 55 anos aos 64 anos, superior aos postos de
trabalhos gerados para o segmento juvenil. Essa situação diverge bens
do comportamento do emprego de salário de base verificado na década
de 1980, que tinha no segmento juvenil a segunda maior posição na
geração de novos postos de trabalho (POCHMANN, 2012a, p. 35).

Para Pochmann (2012a), não se pode considerar que um contingente da classe


trabalhadora, que ascendeu economicamente, com uma remuneração de até 1,5 salário
mínimo, possa ser denominado de classe média brasileira. Conforme o referido
economista, na década de 2000, os empregos com remuneração de até 1,5 salário
mínimo foram os que mais cresceram. Na verdade, o que houve foi uma ampliação ou
incorporação de uma massa trabalhadora no mercado de trabalho, o que contribuiu para
diminuição da pobreza, mas isso não significa dizer que houve a formação de uma nova
classe média.
Na década de 2000, por exemplo, os empregos com remuneração de
até 1,5 salário mínimo foram os que mais cresceram (6,2% em média
ao ano), o que equivaleu ao ritmo 2,4 vezes maior que o conjunto de
todos os postos de trabalho (2,6%). As ocupações sem remuneração (-
0,9%) e aquelas com rendimentos de cinco ou mais salários mínimos
mensais (-3,3%) sofreram redução liquida no mesmo período.
(POCHMANN, 2012a, p.31).

Como observa Luciana Brasil (2014, p. 20): “A baixa classe média foi a que mais
obteve crescimento entre os anos 2001 e 2011”. A baixa classe média seria composta
das ocupações relacionadas a construção de edifícios, vigilância privada, motoristas
(polivalentes e de mercadorias), alimentação (cozinheiros, garçons, barmen e copeiros),
solda e corte de metais, mecânicos de veículos, carregadores de mercadorias e outros
trabalhadores de serviços. Neste sentido houve uma melhora na estrutura social
brasileira. Como infere Höfling (2015, p110): “Sob qualquer perspectiva da análise
econômica-ortodoxa, heterodoxa, de esquerda, de centro ou de direita – ou social –
histórica, sociológica ou política -, é unânime a constatação de uma melhora na estrutura
social brasileira a partir de 2004”. Não obstante as transformações ocorridas na pirâmide
social brasileira, não se pode inferir o surgimento de uma nova classe média. De fato,
houve avanços no combate as iniquidades sociais. Isso resultou, segundo Argemiro
Brum, na saída de 30 milhões de brasileiros da miséria e da pobreza.
108

Os avanços sociais conseguidos nas últimas décadas, a partir da


estabilização monetária e econômica, com a inflação baixa, permitiram
que o Brasil começasse a ser considerado um país de classe média,
registrando melhoria em todas as camadas da sociedade. As estatísticas
divulgadas na última semana de março/2011 informam que 42,2
milhões de pessoas estão nas classes A/B (aumento de 59,8% em
relação a 2005); 101,6 milhões na classe C (aumento 62% em relação a
2005) e 47,9 milhões de pessoas nas classes D/E (redução de 48,5 em
relação a 2005). Isso quer dizer que o aumento de pessoas das classes
A, B e C ocorreu basicamente através da ascensão social de integrantes
das D e E, as de mais baixa renda, que também melhoraram (BRUM,
2013, p. 500).

Pochmann (2012a) considera que, mesmo com os avanços sociais não houve um
engrossamento da classe média. O que houve foi a incorporação de milhares de pessoas
ao nível inferior ocupacional da pirâmide social brasileira. “Com isso, uma parcela
considerável da força de trabalho conseguiu superar a condição de pobreza, transitando
para o nível inferior da estrutura ocupacional de baixa remuneração; embora não seja
mais pobre, tampouco pode ser considerada classe média” (POCHMANN, 2012a, p. 20).
Segundo Daniel Höfling (2015), o que houve de fato foi o aumento daquilo que ele
chama de Baixa Classe Média.

A expansão econômica e a ampliação do emprego, combinada com


determinadas políticas sociais, diminuiu a pobreza e melhorou a
estrutura social na medida em que que propiciou um processo de
mobilidade social ascendente. Quase 28 milhões de miseráveis
deixaram de existir, ao passo que mais de 30 milhões de pessoas se
tornaram Baixa Classe Média. Esse movimento acarretou na queda da
desigualdade observada pela diminuição no Índice de Gini, que caiu de
0,583 em 2003 para 0,53 em 2012 (HÖFLING, 2015, p 86).

Para Pochmann (2012a). a ideia de nova classe média foi criada, artificialmente,
para fins de que um grupo de trabalhadores, incluídos por meio de empregos, fossem
orientados política e economicamente. “A interpretação de classe média (nova) resulta,
em consequência, no apelo a reorientação das políticas públicas para a perspectiva
fundamentalmente mercantil” (POCHMANN, 2012a, p. 11). Esse processo de ilusão de
pertencimento a classe média deu -se pela lógica do consumo. Todavia, “medir a
evolução da qualidade de vida das pessoas apenas pela dinâmica do consumo, mesmo
em pesquisas direcionadas menos a questões sociais do que ao potencial de consumo, é
algo limitado” (HOFLING, 2015, p.163). Esse aumento do consumo de massa de bens
duráveis (como geladeiras, fogões, máquinas de lavar, tvs led e etc ) mediante a
valorização salarial, expansão do crédito (crediário, cartão de credito, carnês,
109

parcelamento etc) e também dos preços derivados da valorização cambial, trouxe uma
ilusão de pertencimento de classe e grande endividamento das famílias

Sem a intenção de aprofundar tal problemática e muito menos nos


contrapor ao consumo – essencial à melhora nas condições e a
manutenção da economia – é, importante lembrar que atividade
consumidora cotidiana, esgotada as necessidades básicas e de conforto
material, pouco reflete em melhora na qualidade de vida. Pelo
contrário, o consumo como “estilo de vida” tem a pretensão de
pertencimento a determinados grupos, de sobreposição aos pares, da
resolução dos problemas existenciais inerentes à sociedade de massas,
da busca pela impossível felicidade plena e da tentativa constante de,
através da aquisição de novos bens, destaca-se e vender-se objetivando
vantagens na acirrada concorrência do mercado de trabalho. Dada a
criação de novas “necessidades” oriundas da produção permanente de
novos produtos, os indivíduos que assim se relacionam com o
consumo encontram-se constantemente insatisfeitos e extremamente
vulneráveis a problemas psicológicos, ainda que temporariamente, do
acesso a esses bens. Logo a atividade consumidora, longe de acarretar
felicidade, torna-se constante de frustações, medo e tristeza
(HÖFLING, 2015, p. 162-163).

Ademais, o discurso da ascensão de uma nova classe média contribuiu para o


trabalhador se distanciar da ideia de pertencimento de sua própria classe, tendo um
efeito alienante. Isso resultou na despolitização dos sindicatos e dos movimentos,
gerando um conformismo político e social. Como observa Pochmann:
Em grande medida, o segmento das classes populares em emergência
apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional à
medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. A ausência
percebida de movimentos sociais em geral, identificados por
instituições tradicionais como associações de moradores de bairros,
partidos políticos, entidades estudantis e sindicais, reforça o caráter
predominantemente mercadológico que tanto intelectuais engajados
como a mídia comprometida com o pensamento neoliberal fazer crer.
Desejam, assim, além de gerar conformismo sobre a natureza e a
dinâmica das mudanças econômicas e sociais do país domesticar e
alienar as possibilidades de, pela política, aprofundar as
transformações das estruturas do capitalismo brasileiro neste início do
século XXI (POCHMANN, 2012a, p. 10 -11).

Portanto, uma das consequências do discurso ufanista da formação de uma nova


classe média foi a diminuição do número de greves e o número de filiação aos
sindicatos. “Entre os anos de 1990 e a década de 2000, a taxa de sindicalização não se
alterou profundamente, não obstante as profundas transformações no conjunto dos
trabalhadores de base da pirâmide social brasileira” (POCHMANN, 2012a, p.45).
Mesmo com a ampliação dos salários de base a qual permitiu um movimento de
mobilização na pirâmide social brasileira a taxa de sindicalização era baixa. “Entre os
110

assalariados com carteira, a taxa de sindicalização caiu de 32,9% para 29,7% ao passo
que no total dos ocupados subiu levemente de 12,2% para 13,1%” (POCHMANN,
2012a, p. 45). Ademais, em 1999 a taxa de sindicalização era 36,7% caindo
substancialmente para 10,3% em 2009 (POCHMANN, 2012a).
Fica evidente que, para Pochmann (2012a), as mudanças ocorridas na pirâmide
social não significaram a “medianização” da sociedade brasileira. A “nova classe média”
corresponde a uma parcela da população que abandonou a pobreza, mas encontra-se
circunscrita a um padrão de vida limitada pelas precariedades das ocupações, da
variabilidade da renda, da escassez da propriedade e da pouca acessibilidade aos
serviços públicos. O que houve foi um processo de inflexão social que se caracteriza por
uma recomposição da classe trabalhadora em novas bases de consumo. “A inclusão da
classe trabalhadora nos frutos do crescimento econômico não levou ao entendimento de
que se tratava de uma mudança na estrutura de classes da sociedade, tampouco à
ascensão de uma nova classe média” (POCHMANN, 2014, p. 52).
Na realidade, mesmo com a incorporação social dos segmentos sociais menos
favorecidos, por meio do crescimento do emprego formal e da valorização do salário
mínimo, a desigualdade social no Brasil ainda é profunda e abissal. Segundo o
economista supracitado, o que temos é uma elite de hiper-ricos de caráter global. “A
riqueza concentrada daria forma à manifestação material da existência de uma
superclasse de controle geral do capitalismo de dimensão global” (POCHMANN, 2015,
p. 63). Apesar das transformações recentes na estrutur social, o Brasil ainda é muito
desigual. A riqueza acumulada dos hiper-ricos subiu 7,1 vezes, no período de 2000 a
2014, sendo que o Brasil ocupava a sétima posição no posto da hierarquia de
concentração dos milionários da classe global (POCHMANN, 2015).
Essa imensa concentração de riqueza e de renda está relacionado com a certeira
observação de Celso Furtado (1985) de que as elites brasileiras buscam reproduzir um
padrão de consumo cosmopolita, através da importação de produtos de luxo e agravando
mais ainda a desigualdade social. “As informações relativas à distribuição de renda nos
países periféricos põem em evidencia que a parcela da população que reproduz as
formas de consumo dos países cêntricos é reduzido” (FURTADO, 1985, p.71).
Um dos principais aspectos, decorrentes da valorização da renda do trabalhador
foi o acesso a bens e serviços que antes eram restritos a segmentos sociais privilegiados.
Houve um crescimento significativo do consumo das famílias. O crescimento real
verificado na renda média da população ocupada impactou diretamente o consumo das
111

famílias, que passou a responder por mais de dois terços da dinâmica de crescimento do
Produto Interno Bruto do país. (POCHMANN, 2014). A melhora na renda contribuiu
para a redução da pobreza e da desigualdade de renda no Brasil, resultando num bom
desempenho dos indicadores de mobilidade social, principalmente nos rendimentos dos
trabalhadores da base da pirâmide social brasileira.

Enquanto o rendimento médio familiar per capita no topo da


distribuição da renda (10% mais ricos) no Brasil cresceu 1,6% em
média, entre 2003 e 2008, o rendimento familiar per capita na base da
distribuição da renda no Brasil (10% mais pobres) cresceu 9,1% no
ano, em média. Incialmente, devido a política de aumento do valor
mínimo, que permitiu injetar R$ 1 trilhão nos rendimentos de
trabalhadores de salários de base somente 2003 a 2010 (POCHAMNN,
2010b, p.643).

Ademais, nos períodos dos anos 2000, os preços de eletrodomésticos, artigos de


residência, serviços de educação e comunicação ficaram abaixo da inflação, resultando
em sua relativa modernização do padrão de consumo da população brasileira, em
especial para os mais pobres. Singer (2012) infere que essa dita nova camada emergente
se comporta como segmento social, que vem por ascensão das classes D e E, ou seja,
dos pobres, ansiosa para consumir. Celulares, viagens, computadores, casas e carros e
etc. há uma febre pelo de compras a crédito.

A posse de alguns desses bens já se encontra fortemente massificada.


A televisão em cores está presente em praticamente todos os
domicílios, acompanhada de perto pela geladeira, pelo rádio e pelo
videocassete ou DVD. Igualmente notável é a semelhança entre o
perfil do consumo das famílias de classe média (C) e de classes média
(A/B). (...). Pode-se concluir que o consumo de classe média alta já é
ativamente emulado, pelo menos pela classe C (renda média) e, em
boa medida, também pela classe D (renda médio-baixa). Com efeito, a
pesquisa qualitativa registrou a percepção generalizada de que as
oportunidades de consumo são maiores hoje do que no passado
(SOUZA E LAMOUNIER, 2010, p. 38-39).
Em sua obra O mito da grande classe média, Pochmann (2014) mostra que a
história do capitalismo moderno brasileiro é marcada por três ciclos distintos de
consumo de bens duráveis. O primeiro se deu no governo JK. “O primeiro ciclo de
consumo existiu antes da internalização da indústria de bens duráveis no Brasil,
verificado somente a partir da segunda metade da década de 1950, com o governo JK”
(POCHAMNN, 2014, p. 87). Nesse caso, o acesso aos bens duráveis dependia,
fundamentalmente, da importação provenientes dos países industrializados, o que
implicava em maior custo, e, portanto, quase uma reserva de consumo aos segmentos
112

mais enriquecidos no país. Segundo Alexandre Guerra (2006), foi no governo JK que a
classe média assalariada ganhou maior expressão no setor privado. O segundo ciclo de
consumo de bens duráveis ocorreu no final da década de 1960 até o período do chamado
“milagre brasileiro” (1968-1973). É nesse período que se consolidou a classe média
tradicional. “Ao contrário da massa trabalhadora, que teve seus rendimentos contidos
abaixo da inflação, os estratos de classe média assalariada elevaram suas remunerações
acima da inflação, incorporando ganhos significativos de produtividade” (POCHMANN,
2014, p.86).
Ademais, as políticas dos governos autoritários da época do regime militar
favoreceram a classe média tradicional por meio de crédito subsidiado ao consumo e a
aquisição da casa própria (Banco Nacional de Habitação) e do automóvel, bem como a
entrada nos cursos de ensino superior. O terceiro ciclo de consumo está associado as
duas razões: 1) as mudanças significativas dos preços relativos especialmente com a
queda dos custos de bens de consumo duráveis desde os anos 90; 2) a ampliação do
crédito ao consumo e desconcentração de renda na base da pirâmide social brasileira.
Assim, o processo recente de modernização no padrão de consumo se mostrou
capaz de incorporar mais segmentos da população de baixa renda. Consideram-se como
elementos explicativos principais das mudanças os efeitos sobre os rendimentos da
população e as alterações na composição da estrutura das famílias brasileiras
(POCHMANN, 2014). Segundo Pochmann (2104), as alterações nos preços relativos do
Brasil explicam esse aumento do consumo. “O balanço geral sobre o comportamento
dos preços desagregados a partir da estabilidade monetária entre os anos de 1995 e 2012
aponta para uma importante mudança nos preços relativos no Brasil” (POCHMANN,
2014, p. 92). De 2004 a 2008, os preços de bens de consumo duráveis, principalmente os
produtos de eletrodomésticos tiveram um comportamento abaixo da variação da
inflação. Em se tratando de 2009 a 2012, novamente os produtos eletrodomésticos
também tiveram um comportamento de preços abaixo da inflação (POCHMANN, 2014).
É nesse sentido que se difundiu o consumo de bens de consumo duráveis no Brasil,
sobretudo, no governo Lula.
Fica evidenciado, que as melhorias dos indicadores na distribuição da renda do
trabalho e de seu aumento na participação gerada concentrou-se, fundamentalmente, na
base da pirâmide social. Conforme o economista Ladislau Dowbor (2010, p. 143), com a
reconversão da economia para diversos programas distributivos houve um aumento da
demanda. “Abre-se assim um horizonte econômico maior dentro do país, onde cerca de
113

100 milhões de pessoas estão precisando consumir de maneira decente, ter acesso a casa
digna e assim por diante”.
Com efeito, dinheiro na base da sociedade se transforma em demanda efetiva,
aumentando o consumo, estimulando a produção e ativando a economia. Neste contexto
houve uma mudança no padrão de consumo das famílias. O consumo que dantes era
destinado para espaços públicos como teatros, cinemas, entre outros se deslocou
rapidamente para produtos de tecnologia de comunicação e informação.

Assim, a internet, difundida por meio de diferentes equipamentos


eletrônicos (computador pessoal, telefone, celular, tablet, entre outros),
favorece cada vez mais o uso privado dos tradicionais bens culturais
como livro, cinema e música. Nesses termos, surge um novo padrão de
sociabilidade virtual que independe do local para o acesso aos bens
culturais. (POCHMANN, 2014, p. 106)

O gasto social teve um papel de relevo na dinâmica da economia nacional, pois


fortaleceu o setor privado na produção de bens e serviços, adequados à crescente
demanda decorrente do processo de inclusão de enormes segmentos, tradicionalmente
excluídos. “Atualmente, por exemplo, o total dos gastos sociais em proporção ao PIB
aproximou-se dos 23%, enquanto ao final da ditadura militar (1985) esse valor era
inferior a 14%o do Produto Interno Bruto”. (POCHMANN, 2014, p.66). Com o retorno
do crescimento econômico, a partir de 2004, o gasto social favoreceu a ampliação das
possibilidades de empregos e de renda na base da pirâmide social brasileira. Com isso, o
país passou a registrar, desde 2004, uma importante inflexão na da estrutura social
brasileira.

Tabela 19: Evolução do gasto social (% PIB)


Período 1985 1990 1995 2000 2005 2010
Gasto social (%) 13,3 19,0 19,2 19,5 21,9 22,7

Fonte: Elaboração: Própria a partir de M. Pochmann (2014)

Não obstante as mudanças ocorridas a partir de 2004, o então denominado


modelo social-desenvolvimentista - termo utilizado pelo Aloizio Mercandante em sua
tese de doutorado (2010), na Unicamp - ficou distante da proposta de um novo modelo
de desenvolvimento (BRESSER-PEREIRA, 2015). Devido a essas políticas de inclusão
social, que permitiram uma certa mobilidade na pirâmide social, chegou-se a afirmar
que o Brasil estava vivendo uma nova fase de desenvolvimento econômico, tendo o
114

social como principal eixo. Todavia, “o social desenvolvimentismo do governo Lula


ficou longe da proposta normativa do novo desenvolvimentismo” (BRESSER-
PEREIRA, 2015, p. 348).

4.2.4 Chauí e sua contribuição filosófica sobre a nova classe média brasileira.

Em sua análise sobre a nova classe média, Marilena Chauí (2013) considera que
houve uma mudança profunda na composição da sociedade brasileira, graças aos
programas governamentais de transferência de renda, inclusão social e erradicação da
pobreza, valorização do salário mínimo e a recuperação de parte dos direitos sociais das
classes populares (como saúde, alimentação, educação e moradia). Segundo Chauí
(2013), a combinação dessas políticas públicas resultou numa mobilidade social no país.
Neste sentido, percebe-se claramente que Chauí concorda com os estudos de Pochmann,
de que houve a ascensão de uma nova classe trabalhadora. Com inspiração marxista,
corroborando o pensamento do historiador marxista Edwar P. Thompson, Chauí salienta
que:

Uma classe social não é um dado fixo, definido apenas pelas


determinações econômicas, mas um sujeito social, político e moral e
cultural que age, se constitui, interpreta a si mesmo e se transforma por
meio da luta de classes. Ela é uma práxis, ou como escreveu E. P.
Thompson, uma fazer-se histórico. Ora, se é nisso que a possibilidade
de ocultamento de seu ser e o risco de sua absorção ideológica pela
classe dominante, sendo o primeiro sinal desse risco de justamente a
difusão de que há uma nova classe média no Brasil. E é também por
isso que a classe média coloca uma questão política de enorme
relevância (CHAUÍ, 2013, p. 130-131)

Neste aspecto, Chauí (2013) critica a visão economicista e estatística de Marcelo


Neri (2011) que classificar as classes sociais, utilizando somente faixas de renda. Para a
filósofa e professora da USP, a classificação das classes sociais em A, B, C, D e E,
considerando o critério da renda e o acesso a bens de imóveis é insuficiente. Para Chauí,
há outra maneira de analisar a divisão social das classes, levando em conta a forma de
propriedade.

No modo de produção capitalista, a classe dominante é proprietária


privada dos meios de produção (capital produtivo e capital financeiro);
a classe trabalhadora, excluída desses meios de produção e neles
incluída como força produtiva, é proprietária da força de trabalho,
vendida e comprada sob a forma de salário. Marx falava em pequena
burguesia para indicar uma classe social que não se situava nos dois
115

polos da divisão social constituinte, constituinte do modo de produção


capitalista. A escolha dessa designação decorria de dois motivos
principais: em primeiro lugar, para afastar-se da noção inglesa de
middle clars, que indicava exatamente a burguesia, situada entre a
nobreza e a massa trabalhadora; em segundo, para indicar, por um
lado, sua proximidade social e ideológica com a burguesia, e não com
os trabalhadores, e, por outro, indicar que, embora não fosse
proprietária privada dos meios sociais de produção, poderia ser
proprietária privada de bens móveis e imóveis. (CHAUÍ, 2013, p. 128-
129)

Nesse sentido, se é verdadeiro que a classes são relacionais e somente


apreensíveis, a partir do entendimento global das relações produtivas, Chauí (2013)
entende que o surgimento de uma nova classe trabalhadora pode vir a ser esvaziada de
significado político caso seja capturada, absorvida pela ideologia dominante. Na
percepção de Marilena Chauí (2013), enquadrar a classe trabalhadora a classe média,
como faz o estudo de Marcelo Neri (2011), a partir de dados estatísticos economicistas,
desmobiliza o pensamento crítico a respeito das estruturas de exploração econômica
historicamente instituída no Brasil, levando a crer que o aumento de renda seja
suficiente para o desenvolvimento país.

Segundo Chauí (2013), a classe média é fragmentada por sua própria natureza:

Por sua posição no sistema social, a classe média tende a ser


fragmentada, raramente encontrando um interesse comum que a
unifique. Todavia, certos setores, como é o caso dos estudantes, dos
funcionários públicos, dos intelectuais e de lideranças religiosas,
colocando-se na defesa dos interesses e dos direitos dos excluídos, dos
espoliados, dos oprimidos; numa palavra tendem para esquerda e, via
de regra, para extrema esquerda e o voluntarismo. Fragmentada,
perpassada pelo individualismo competitivo, desprovida de um
referencial social e econômica e claro, a classe média tende a alimentar
o imaginário da ordem e da segurança porque, em decorrência de sua
fragmentação e de sua instabilidade, seu imaginário é povoado por um
sonho e por um pesadelo: seu sonho é tornar-se parte da classe
dominante; seu pesadelo é torna-se proletário (CHAUÍ, 2013, p131).

Chauí (2013) acrescenta que, devido a esse temor de se tornar uma classe
proletária, a classe média configura-se como uma classe ideologicamente conservadora e
reacionária.
Isso torna a classe média ideologicamente conservadora reacionária, e
seu papel social e político é o assegurar a hegemonia da classe
dominante, fazendo com que essa ideologia, por intermédio da escola,
da religião, dos meios de comunicação, se naturalize e se espalhe pelo
todo da sociedade. É sob essa perspectiva que se pode dizer que a
classe média é a formadora da opinião social e política conservadora e
reacionária (CHAUÍ, 2013, p. 131).
116

Portanto, Chauí (2013), ao se referir a classe média como fragmentada, não se


pode deixar de notar que a sociedade brasileira, como um todo, é extremamente
heterogênea, não apenas por causa assimetria entre as classes sociais, mas também pela
desigualdade regional e local. Ademais, Chauí corrobora que o decréscimo da pobreza, a
partir de transferências de renda, permitiu a reativação do mercado interno e que as
políticas governamentais do governo contribuíram para uma mobilidade social. Não
obstante, essa mobilidade não favoreceu a “medianização” da sociedade brasileira.
Na concepção de Chauí (2013), as classes médias estariam atualmente restritas às
“burocracias estatal e empresarial, o serviço público, a pequena propriedade fundiária e
o pequeno comércio não filiado as grandes redes de oligopólios transnacionais”
(CHAUÍ, 2013, p.130). A filosofa considera que embora as políticas governamentais
implementadas no governo Lula permitissem uma elevação do consumo, entretanto, isso
não é suficiente para asseverar que a classe trabalhadora entrou na classe média. “Em
outras palavras, o ser do social permanece oculto e por isso ela tende a aderir ao modo
de aparecer do social como conjunto heterogêneo de indivíduos e interesses particulares
em competição. E ela própria tende a acreditar que faz parte de uma nova classe média
brasileira” (CHAUÍ, 2013, p.132).
Ademais, Chauí (2013) ainda infere que uma das características marcantes da
classe média tradicional brasileira, devido aos seus traços históricos, é o seu caráter
autoritário. “As diferenças entre e assimetrias são sempre transformadas em
desigualdades que reforçam a relação mando-obediência, e as desigualdades são
naturalizadas” (CHAUI, 2013, p. 131). Conforme autora, a estratificação social no Brasil
sempre foi marcada pela polarização entre a carência (das classes polares) e o privilegio
(da classe dominante), que é acentuada pela e reforçada pela adoção da economia
neoliberal. Neste aspecto, Chauí (2013) conclui dizendo que a classe média brasileira,
além de ser a classe do privilégio, ela também incorpora, reproduz e propaga as formas
autoritárias de relações sociais.

4.2.5 Jessé Souza e os “batalhadores” brasileiros

Uma outra perspectiva de análise sobre a nova classe média brasileira é a do


sociólogo Jessé Souza. Seguindo uma abordagem sócio-antropológica fortemente
inspirada em Pierre Bourdieu, Souza (2012) explica que não houve a ascensão de uma
nova classe média no Brasil, durante o governo Lula, mas a ascensão de uma nova
classe trabalhadora que ele denomina de “batalhadores” brasileiros. Neste aspecto, o
117

sociólogo discorda, de forma veemente, da visão otimista de Marcelo Neri.

Souza (2012) enfatiza que:

Dizer que os ‘emergentes’ são uma ‘nova classe média’ é uma forma
de dizer, na verdade que o Brasil, finalmente está se tornando uma
Alemanha, uma França ou uns Estados Unidos, onde as “classes
médias” e não os pobres, os trabalhadores e os excluídos, como na
periferia do capitalismo, formam o fundamento da estrutura social
(SOUZA, 2012, P.20).

Para Souza (2012), não é verdadeiro afirmar que houve a formação de uma nova
classe média no país. Como assinala o sociólogo: “Nossa pesquisa empírica e teórica
demonstrou que isso é mentira” (SOUZA, 2012, p.21). Uma mentira, que diz respeito a
uma dominação ideológica e simbólicos, porém as mudanças são reais. Pelo outro, “são
(...) porque essas mudanças reais são interpretadas de modo distorcido, sem conflitos e
sem contradições” (SOUZA, 2012, p.21). Souza chama isso de isso de “meias-
verdades”. Na concepção de Souza, o discurso de que houve a formação de uma nova
classe média no Brasil, no começo dos anos 2000, não esclarece o processo de mudanças
ocorrido neste período. Com efeito:

Sua função não é esclarecer o que acontece, mas reforçar o domínio do


novo tipo de capitalismo que tornou o Brasil e o corpo e alma de toda a
sua população. Interpretar o mundo como “rosa” é dizer que ele é o
melhor – e na verdade o único – dos mundos possíveis e ridicularizar
qualquer crítica. Com isso naturaliza-se a sociedade com tal como ela
se apresenta e se constrói a violência simbólica necessária para a sua
reprodução (SOUZA, 2012, P. 21).

Em sua análise crítica, Souza (2012) considera que o problema está numa visão
distorcida da realidade brasileira, tanto sob o víeis da direita como da esquerda. Souza
infere que não se pode ter uma visão economicista da realidade brasileira. Neste aspecto,
Souza assinala, dizendo que: “gostaria de defender aqui uma tese simples e clara:
sempre que não se percebem a construção e a dinâmica das classes sociais na realidade
temos, em todos os casos, distorção da realidade vivida e violência simbólica, que
encobre dominação e opressão injusta” (SOUZA, 2012, p. 21).
Com efeito, do lado da direita neoliberal, o problema está no fato do liberalismo
economicista faz “dizer” que existem classes e negar, no mesmo movimento, a sua
existência ao vincular a renda. É isso que faz os liberais dizerem que os “emergentes”
são uma “nova classe média” por ser um estrato com relativo poder de consumo
(SOUZA, 2012, p. 22). Souza também critica a esquerda quando afirma que o
118

“marxismo enrijecido não percebe as novas realidades de classe porque as vinculam ao


lugar econômico na produção e, existe engano mais importante e decisivo ainda, no
sentido de que a “consciência de classe” que seria produto desse lugar econômico.
(SOUZA, 2012)
Assim, a abordagem de Jessé Souza, critica o reducionismo economicista, tanto
do liberalismo como o marxismo, pois, segundo o autor, nenhum dois percebem a
gênese sociocultural das classes (SOUZA, 2012). Isso porque em todas as sociedades
“os indivíduos são produzidos ‘diferencialmente’ por uma cultura de classe especifica
(SOUZA, 2012, p.22). Para Souza, tais abordagens - liberalismo e marxismo - não
enxergam o aspecto cultural das classes, pecando por uma cegueira social na qual reside
a visão economicista.

O economicismo liberal, assim como o marxismo tradicional, percebe


a realidade das classes sociais apenas “economicamente, no primeiro
caso como produto da “renda” diferencial dos indivíduos, e, no
segundo caso, como “lugar na produção”. Isso equivale a esconder
todos os fatores e precondições sociais, emocionais, morais e culturais
que que constituem a renda diferencial, confundindo, ao fim e ao cabo,
causa e efeito. Esconder os fatores não econômicos da desigualdade e,
de fato, tornar invisível as duas questões que permitem efetivamente
“compreender” o fenômeno da desigualdade social: a sua gênese e a
sua reprodução no tempo (SOUZA, 2012, p. 22-23).

Portanto, para Souza (2012), a classificação de um estrato social em classe média


não pode considerar, exclusivamente, o fator renda, mas a um estilo de vida. Conforme o
autor supracitado, o elemento importante que faz uma “distinção social” é o capital
cultural. Para Souza (2102), a verdadeira classe média, além de deter o capital
econômico-financeiro, possui, adicionalmente o capital cultural. A transferência de
“valores imateriais”, na reprodução das classes sociais, é um elemento distintivo entre os
estratos sociais (SOUZA, 2012). Ademais:

Algum capital cultural é também necessário para não se confundir com


o “rico branco”, que não é levado a sério por seus pares, muito
frequentemente, mero adorno e culto de aparências, significando
conhecimentos de vinhos, roupas, locais “in” em cidades “charmosas”
da Europa ou dos Estados Unidos etc. É a herança imaterial, mesmo
nesses casos de frações de classes em que a riqueza material é o
fundamento de todo o privilégio, na verdade, que via permitir
casamentos vantajosos, amizades duradouras e acesso as relações
socais privilegiadas que irão permitir a reprodução ampliada do
próprio capital material (SOUZA ,2012, p.24).

Com efeito, seguindo o pensamento de Bourdieu (2015) e seus trabalhos, Souza


119

infere que o dinheiro não é suficiente para “distinção social”. Para Souza (2012), a
“herança imaterial”, ou seja, o estilo de vida (o capital cultural) é o fundamento de
distinção social o qual permite a manutenção do status quo. Assim, a dita “nova classe
média”, no Brasil, seria formada por trabalhadores ou “batalhadores” desprovidos de
capital cultural. Seria composta de pessoas que compensam esta falta de capital social e
cultural com uma longa jornada de trabalho.
Portanto, seria necessária uma transferência de valores imateriais na reprodução
das classes sociais (SOUZA, 2012, p.23). Ou seja, a composição das classes diz respeito
a “herança imaterial” ou capital cultural. Essa herança imaterial da classe média, por
excelência, é completamente invisível para visão economicista dominante dos mundos.
Na concepção de Souza, o discurso do surgimento de uma nova classe média no Brasil
escamoteia a realidade social. Segundo o autor há um processo de opacidade do
processo social.

A opacidade do processo social de apropriação diferencial dos capitais


impessoais que decidirá, a partir do pertencimento de classe, o acesso
privilegiado a todos os bens e recursos escassos é reforçada pela
opacidade teórica que torna literalmente invisível e não tematizável
(SOUZA, 2015, p. 156).

Ademais, Souza (2012) considera que os setores médios, no Brasil, são formados
principalmente de profissionais liberais, rentistas e funcionários públicos. Esses dispõem
de tempo, como um dos recursos mais valiosos, enquanto os batalhadores se sujeitam as
jornadas duplas para deixar, no passado, a sua classe originária: a chamada “ralé
estrutural”. Desse modo, a identificação dos setores médios estaria relacionada, segundo
Jessé Souza, as condições socais, morais e culturais. Classe média, nesse sentido, seria a
incorporação de um habitus compatível com essa posição. Os batalhadores estariam
convictos do papel de trabalho árduo, na mudança de suas vidas, com grande capacidade
de autocontrole. Conforme o autor:

No Brasil, as classes contam ainda com um verdadeiro exército de mão


de obra barata, sob a forma de empregadas domésticas, babás,
faxineiras, porteiros, office boys, motoboys etc, que permite poupar
para atividades bem-remuneradas e reconhecidas além das minorias,
por exemplo, a luta de gênero nessas classes, “transformando” em luta
de classes invisível. Chamar a atenção para problemas aparentes ou
criar falsas oposições têm sempre o fim de nos cegar em relação a
conflitos reais e mais importantes. A percepção de países periféricos
dinâmicos como se os funcionassem como sociedades pré-modernas
120

serve, antes de tudo, para encobrir relações de poder injustas e


desiguais (SOUZA, 2015, p. 156-157).

Souza (2012) afirma que o desenvolvimento capitalista no Brasil, ou seja,


próprio processo de modernização brasileira, produziria uma classe inteira de indivíduos
não só desprovida de capital cultural e de capital econômico, em qualquer medida
significativa, mas também desprovida, e esse é o aspecto fundamental, das precondições
sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação. Essa classe é a “ralé
estrutural”. Consoante o autor, a “ralé” se reproduz como mero “corpo” incapaz,
portanto, de atender às demandas de um mercado cada vez mais competitivo baseado no
uso do conhecimento útil para ele (SOUZA, 2009). Contudo, para o autor não se pode
confundir a “ralé” com o lumpemproletariado marxista, porque segundo suas análises do
capitalismo contemporâneo, esse se caracterizaria, hoje, por mobilizar mão de obra que
possui capacidades intelectuais que a “ralé” não tem.

A “ralé” é refém do “presente eterno”, do incerto pão de cada dia, e


dos problemas que não podem ser adiados. As classes privilegiadas
pelo acesso ao capital econômico e cultural em proporções
significativas “dominam o tempo’, porque estão além do aguilhão e da
prisão da necessidade cotidiana. O futuro é privilégio dessas classes, e
não um recurso universal. A meio caminho entre a prisão na
necessidade cotidiana, que caracteriza a “ralé” e sua condução de vida
literalmente sem futuro, e o privilégio de “poder esperar a se preparar
para o futuro”, que caracteriza as classes médias e altas, temos a
condução de vida típica dos batalhadores (SOUZA, 2012, p. 52).

Souza (2009) infere que é justamente a “ralé” que proporciona tempo adicional para
classe média tradicional e classe alta se sujeitando a qualquer atividade. A “ralé” é vista como
mera energia muscular a ser explorada pela classe média e pela classe alta.

É desse modo que essa classe é explorada pela classe média e alta:
como “corpo” vendido a baixa preço, seja no trabalho das empregadas
domésticas, seja como dispêndio de energia muscular no trabalho
masculino desqualificado, seja na realização literalmente metáfora do
“corpo” à venda, como na prostituição. Os privilégios da classe e alta
advindos da exploração do trabalho desvalorizados dessa classe são
insofismáveis. Se pensarmos nas empresas domésticas, temos uma
ideia de como a classe média brasileira, por exemplo, tem o singular
privilégio de poder poupar tempo das repetitivas e cansativas tarefas
domesticas, que pode ser reinvestido em trabalho produtivo e
reconhecido fora de casa (SOUZA, 2009, p.24).

Souza (2012) ainda acrescenta, inferindo que, na verdade há uma luta de classes
invisível, cotidiana, menos barulhenta, mas não menos insidiosa entre as classes sociais.
Souza (2012) afirma que há um processo de “naturalização” da desigualdade. Ou seja, o
121

desconhecimento sistemático do grande drama histórico da sociedade brasileira, desde o


início de seu processo de modernização, naturaliza a desigualdade que produz “gente”
de um lado, e “subgente” de outro. Segundo Souza (2012), o discurso da formação da
nova classe média no Brasil é um discurso superficial e falso que escamoteia a realidade
o país. Assim, para Souza (2012), o discurso da formação de uma nova classe média
esconde mais do que esclarece o problema da desigualdade no país. Portanto, o discurso
da formação de uma nova classe média é ilusório.
122

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A natureza desse estudo procurou compreender como as políticas econômicas


(políticas de crescimento econômico, geração de emprego e formalização do emprego,
valorização do salário mínimo, controle da inflação, política de oferta de crédito e
políticas sociais de transferência de renda) contribuíram para a mobilidade social no
país na primeira década do século XXI, o que se convencionou chamar de nova classe
média.
Fica evidente que, a partir de 2004, período que a economia brasileira voltou a
crescer, a estrutura social brasileira sofreu um impacto que desembocou na ascensão de
dezenas de milhões de pessoas que viviam em padrões os mais baixos – os miseráveis e
a massa trabalhadora – , tendo uma leve melhoria no padrão de vida nos estratos sociais
mais baixos por um meio de boom consumo. Vale ressaltar que a diminuição da taxa de
desemprego foi outro fator positivo para a recente mobilidade social no país na primeira
década do século XXI.
Ademais, o dinamismo social a partir de 2004 é extremamente vigoroso na base
da pirâmide. “A partir da década de 2000, o Brasil combinou crescimento econômico
com distribuição de renda, o que permitiu a retomada da mobilidade social,
especialmente aquela associada à base da pirâmide social” (POCHMANN, 2014 , p.71).
Assim, o aumento do número de postos de trabalho, mormente de empregos formais
ligados ao setor da construção civil e ao setor de terciário, a valorização do mínimo, a
redução da taxa de inflação, permitindo uma valorização da renda e o aumento das
políticas sociais de transferência de renda, concorreu bastante para que o rendimento do
trabalho das classes mais baixas aumentasse e, consequentemente, para que essa
população tivesse uma relativa melhoria social. Não obstante, essa mobilidade social
não configurou a emergência de uma nova classe média brasileira.
Mesmo diante de uma combinação de recuperação do valor real do salário
mínimo nacional e a ampliação das políticas de transferência de renda, permitindo a
redução da pobreza no país, não se concretizou um processo de “medianização”
(formação de uma nova classe média) da sociedade brasileira, nos dez primeiros anos do
século XXI. Por sua vez, vale ressaltar que o critério da renda não é suficiente para a
classificação de um segmento social. É preciso levar outros fatores relacionados,
também, ao aspecto político e cultural. Como observa Chauí (2013), uma classe social
123

não é um dado fixo, determinado apenas pelo fator econômico, mas também um sujeito
moral, político e cultural. Neste sentido, a noção de classe social é mais complexa e,
está para além de dados estatísticos.
Conforme Pochmann (2014), o discurso de que houve a formação de uma nova
classe média no Brasil, na primeira década do século XXI, nada mais é do que um
discurso propagandístico. Sendo assim, não houve a ascensão de uma nova classe
média, pois a mobilidade social brasileira concentrou-se, fundamentalmente, na base da
pirâmide social, especialmente nas ocupações com remuneração próxima ao salário
mínimo. Portanto, essa dita nova classe média é discutível. Não obstante, essa
mobilidade social recente aponta para uma questão fundamental (que não é tão nova)
que reside na diferença abissal da qualidade de vida entre ricos e pobres. Assim, fica
evidente que a discussão, em torno das classes sociais nas ciências sociais, sobretudo,
na economia política, ainda é um assunto pertinente e perene.
Portanto, as mudanças ocorridas, na estrutura social brasileira, nos anos 2000
revelam apenas uma renovação da base da pirâmide social do país, tendo uma grande
participação do rendimento do trabalho na renda nacional. Essa realidade expressa certa
inflexão na política pública de primeiro distribuir melhor a renda para então sustentar o
ciclo expansionista da queda de pobreza (POCHMANN, 2012a). Como consequência
das principais mudanças ocorridas no interior da dinâmica da produção nacional foi uma
evolução na composição da força de trabalho, tendo uma importante participação do
setor terciário.
Durante a década de 2000, o setor terciário gerou 2,3 vezes mais empregos do
que setor secundário, ao passo que, na década de 1970, o setor terciário gerava somente
30% mais postos de trabalho do que o setor secundário da economia nacional. No setor
primário, a diminuição nos postos de trabalho no primeiro decênio do século XXI chega
a ser nove vezes maior do que o verificado na década de 1970 (POCHMANN, 2012, p.
17)
Vale ressaltar que o Estado também teve um papel fundamental nessa
mobilidade social, no sentido de atuação estatal fomentou um mercado consumidor de
massa por meio políticas sociais ou econômicas (como o aumento dos salários, a
formalização e a expansão do crédito). Como observa Faria (2010), era preciso
recuperar a capacidade de planejamento e coordenação a fim de atender as demandas
sociais. Conforme o autor citado, essa recuperação do papel do Estado está associada a
um novo modo de pensar a atuação estatal, sobretudo no que tange em promover as
124

políticas públicas. Nesse sentido, o Estado, no primeiro décimo do século XXI, foi
fundamental, através das políticas públicas de valorização do salário, geração de
emprego e programas de combate a extrema pobreza, no processo de mobilidade social.
Consoante Pochmann (2010c), a partir da primeira década do século XXI, o
Estado foi fundamental par o revigoramento da mobilidade social, no sentido de que
agora ele (o Estado) não é visto como a raiz dos problemas da sociedade (como aborda a
perspectiva neoliberal a qual predominou no Brasil nos anos 90), mas passa a ser visto
como a solução dos problemas - daí o fato de autores como Sader (2009) e Chauí (2013)
considerarem o governo Lula como pós-neoliberal.
Contudo, mesmo com essa nova perspectiva sobre a atuação do Estado, na
implementação de políticas públicas que resultaram na redução da pobreza e numa
relativa mobilidade social, sobretudo, na base da pirâmide social, isso não traduzia na
formação de uma nova classe média, mas numa importante inflexão na estrutura social
brasileira, que configurou na expansão de ocupações ligadas ao setor terciário
(principalmente ao setor de serviços) e ao setor da construção civil. “A força do conjunto
dos rendimentos dos trabalhadores de salário de base impulsionou a modificação
significativa na estrutura da massa de remuneração do conjunto dos ocupados brasileiros”
(POCHMANN, 2012, p. 29)
Tendo em vista a ampliação da massa de remuneração do trabalho, em especial
com forte geração de empregos formais, houve uma redução do número de miseráveis,
impactando, de forma positiva, a base da pirâmide social brasileira. Isso constatou-se com
a internalização do consumo moderno, praticado nos países de capitalismo avançado. O
crescimento real da renda média da população, sobretudo, com a valorização do salário
mínimo, impactou diretamente o consumo das familiais. Isso teve um efeito dinâmico na
economia brasileira. As despesas com bens de consumo duráveis (eletrodomésticos),
turismo gasolina, alimentos, tecnologia de comunicação e informação aumentaram
substancialmente, na primeira década do século XXI (NERI, 2011). Como infere Neri
(2011 p. 123): “Seguindo a analogia culinária tradicional, o bolo dos brasileiros pobres
cresceu nos dez anos, não obstante o crescimento ter dado um ‘bolo’ nos pobres nas
décadas anteriores”.
Cabe, contudo, considerar que definir uma classe apenas pelo víeis da métrica da
renda é insuficiente. Como observa Souza (2012), é preciso considerar tanto o aspecto
econômico como o aspecto político e cultural. Guerra (20006) ainda acrescenta que a
forma tradicional de investigação das classes sociais (por meio da classificação de classes
125

em A, B, C, D e E) dificulta a realização de uma comparação histórica ou internacional.


Daí a complexidade em se estudar a classe média. Ademais, é preciso considerar a
dinâmica capitalista e a estrutura sócio-ocupacional.
É incontestável que as pessoas que ascenderam das “classes D, E, e C”
melhoram relativamente de vida, sobretudo através da valorização do salário mínimo, o
acesso ao crédito, o aumento da rendia média, podendo comprar cada vez mais. Porém,
sob uma outra perspectiva, mesmo com essa melhora nos rendimentos da população,
sobretudo na base da pirâmide social, ficam as questões da real melhora nas condições de
vida da população como um todo, que vão além do rendimento quantitativo do trabalho.
A preocupação a respeito da qualidade dos serviços públicos, como o acesso a saúde,
educação de qualidade, moradia digna e o acesso cultura, continua sendo uma questão
fundamental que vai além dos dados estatísticos relacionados a renda. É preciso que se
avalie os desdobramentos dessa mudança, na estrutura social, considerando a sua
sustentabilidade e indo além dos números relacionados a renda do trabalho dos
indivíduos.
Portanto, os programas governamentais de valorização salário mínimo, de
transferência de renda, implantados desde 2004, levaram a incorporação de vasta parcela
dos trabalhadores de baixa renda, até então destinados ao subconsumo, aos padrões de
consumo duráveis, consagrados pelo capitalismo modelo industrial fordista, consumo que
só era possível para os segmentos de classe média e rendas superiores. O acesso ao
consumo de bens duráveis e serviços por aqueles, até há poucos deles excluídos,
conduziu a afirmação do surgimento de uma nova classe média brasileira.
Dessa forma, a volta da mobilidade social esteve fortemente impulsionada pela
recuperação do crescimento e do nível de emprego concomitantemente com a adoção das
políticas públicas de elevação do salário mínimo e de transferência de renda. Por conta
disso, o processo de ascensão social ocorreu simultaneamente à redução da desigualdade
e a inclusão social de milhares de trabalhadores. Contudo, considerar que tal processo de
mobilidade social levou a “medianização” das sociedades brasileiras é um equívoco de
interpretação, pois o que de fato ocorreu foi a incorporação de uma parcela considerável
da classe trabalhadora que se mantinha à margem do acesso ao consumo de bens
duráveis. Houve, assim uma mudança no padrão dos segmentos que pertencem a base da
pirâmide social brasileira.
Por conseguinte, analisar as classes sociais é fundamental para se ter uma visão
macro da sociedade, mormente na estrutura social desigual brasileira. Neste aspecto, é
126

preciso considerar que as classes sociais são um fenômeno histórico. Como observa
Thompson (1997), a noção de classes sociais traz consigo uma noção de relação histórica.
Portanto, a classe social não é uma coisa, mas uma relação social. Neste sentido,
a ciência econômica tem um papel vital no sentido de lançar luzes a essa questão,
considerando que a desigualdade e o estudo da estrutura social devem ser recolocadas no
cerne da análise econômica, pois a história da desigualdade se repete a cada geração
como um desafio teórico e ético.
127

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econômico nos anos de 1970 a 1975. Universidade Federal do Piauí. 138 p. Teresina,
2007.

WALRAS, Léon. Compêndio dos elementos de economia política pura. São Paulo:
Abril Cultural,1996.

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