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TERESINA - PIAUÍ
2017
1
TERESINA – PI
2017
2
BANCA EXAMINADORA
Prof.
Universidade Federal do Piauí (DECON/UFPI)
Prof.
Universidade Federal do Piauí (DECON/UFPI)
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AGRADECIMENTOS
Ademais, agradeço, com grande apreço a todas as belas pessoas que conheci no
universo acadêmico e pelos laços de amizade que foram construídos ao longo dessa
trajetória, tanto nos momentos de alegrias como nos de aflições. Como diz o escritor
Mario Quintana: “a amizade é um amor que nunca morre”.
Agradeço o incentivo de muito amigos. Devo dizer que o resultado deste
trabalho se deve pela construção de importantes amizades. Assim, não posso deixar de
mencionar minha gratidão ao meu amigo de todas as horas: Marcio Stanley. Você foi
extremamente fundamental para a construção desse trabalho. Muito obrigado por tudo.
Agradeço ao meu amigo Yuri Borges pela sua disponibilidade e paciência. A Maria
Teresa Flor pelo carinho e incentivo. Aos meus amigos Herbert Andrade e João Victor
que sempre nos estimularam ao longo da jornada acadêmica. Agradeço pelos laços de
amizades com pessoas especiais como a Aryadne Dantas, João Paulo, David Machado,
Patrícia Leal, Évilly Carine, Marcia Campelo e Pâmella Bárbara. Ao meu revisor e
amigo Elizamar Rodrigues pela prontidão e pelo excelente trabalho técnico.
Por fim, gostaria de agradecer a todos aqui não citados, mas que foram e são
muito especiais para mim. Muitíssimo obrigado a todos.
.
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RESUMO
ABSTRACT
This paper discusses the recent (2003-2010) process of social mobility in the country
which was called the rise of a new middle class. The theme has been a fertile field for a
series of analyzes and controversies, mainly because of questions about its
characteristics, given the fact that this is a heterogeneous group and difficult to define.
In addition, it is important to emphasize the sustainability of this process of social
ascension, since the increase in consumption and the evolution of the social layers,
which can be observed empirically, allow different conceptualizations and
interpretations. In this research, economic policy (through the generation of formal jobs,
valuation of the minimum wage, control of inflation, large credit and growth of income
transfer policies) will have a positive effect on social mobility in the first decade of the
21st century. Based on data from the Ministry of Finance, the IPEADATA, the National
Treasury, the Central Bank and the Center for Social Research (FPS) of the Getúlio
Vargas Foundation (FGV), it will be analyzed how this process of social mobility
occurred and the formation of this new middle class. In addition, the different
interpretations will be shown, according to the different literatures that deal with the
"new middle class".
Keywords: social mobility, new middle class, working class, social structure
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LISTA DE TABELAS
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 11
2 ECONOMIA POLÍTICA DAS CLASSES SOCIAIS: UMA
APRESENTAÇÃO DA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO
ECONÔMICO........................................................................................... 15
2.1 Uma abordagem sobre as classes sociais no pensamento econômico:
Da Escola Fisiocrática a Clássica ............................................................ 15
2.2 A Análise marxista sobre a sociedade de classes.................................... 22
2.3 A escola neoclássica ou marginalista: da ausência de classes sociais à
visão individualista da economia............................................................. 29
2.4 A contribuição teórico-política de Keynes: desemprego, intervenção
do Estado e taxação dos ricos................................................................... 33
2.5 Classe Média: (para além de uma) análise conceitual e histórica......... 37
3 POLÍTICAS ECONÔMICAS RECENTES E MOBILIDADE
SOCIAL...................................................................................................... 46
3.1 O papel do Estado nas mudanças recentes............................................. 80
4 A NOVA CLASSE MÉDIA BRASIL: CONSUMIDORES,
TRABALHADORES E BATALHADORES.......................................... 86
4.1 Da classe média tradicional à nova classe média.................................... 86
4.2 As diversas visões e compreensões acerca da nova classe média
brasileira.................................................................................................... 93
4.2.1 Para uma caracterização da chamada “nova classe média” brasileira, por
Neri.............................................................................................................. 93
4.2.2 Souza e Lamounier: uma contestação weberiana à análise estatística de
Neri.............................................................................................................. 103
4.2.3 Pochmann e a ascensão da nova classe trabalhadora (e a perda do
significado de classe trabalhadora)............................................................. 106
4.2.4 Chauí e sua contribuição filosófica sobre a nova classe média brasileira... 114
4.2.5 Jessé Souza e os “batalhadores” brasileiros............................................... 116
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 122
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................... 127
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1 INTRODUÇÃO
O estudo das classes sociais sempre fez parte do debate econômico. A maneira
como as classes sociais se comportam, na estrutura social, é fundamental para ser ter
uma compreensão holística das relações sociais. Devido à desigualdade social ser uma
característica marcante e inerente do processo de acumulação capitalista, a ciência
econômica ou economia política apresenta várias e conflitantes teorias sobre a
repartição funcional da renda, ou seja, entre as rendas do capital (lucro, juro), do
trabalho (salário) e da terra (aluguéis, renda da terra). Com efeito, a repartição da renda
(pessoal disponível) reflete, sobretudo, os níveis de consumo dos indivíduos e famílias.
Contudo, o critério renda, embora relevante, não é o fator suficiente e exclusivo para a
classificação das classes sociais. “Determinar o tamanho das classes é mais do que
cruzar certo número de variáveis para obter uma estratificação social” (SINGER, 1981,
p.17).
Conforme Singer (1981), a importância das classes sociais provém, sobretudo,
da dinâmica que sua luta imprime ao movimento histórico. Se não fosse à luta de
classes, a “classe”, como categoria, não passaria de um recorte peculiar, de natureza
predominantemente econômica, na hierarquia social. Assim, analisar o papel das classes
sociais, compreendendo as suas diversas nuances e facetas, é fundamental para se
depreender como as pessoas estão inseridas no tecido social, considerando os aspectos
distributivos da renda e da riqueza. Neste aspecto, embora Piketty (2014) considere que
os economistas do século XIX devam ser louvados por terem colocados a questão
distributiva no cerne do debate econômico, contudo, é preciso observar que a temática
da desigualdade e das classes sociais não fazem parte do arcabouço teórico de algumas
escolas do pensamento econômico, colocando tais questões em segundo plano.
Em se tratando de estudar as classes sociais, é preciso compreender como se dá a
mobilidade social, mormente no Brasil que apresenta uns maiores indicadores de
concentração e desigualdade de renda. A nação brasileira apresenta uma grande
mobilidade social, mesmo mantendo as mesmas dificuldades de acesso às novas e
melhores oportunidades sociais (PASTORE E SILVA, 2000).
Neste sentido, o presente trabalho tem como a sua grande questão norteadora
analisar como se deu o recente processo de mobilidade no país, sobretudo no período de
2003 a 2010, configurando naquilo que se convencionou chamar de nova classe média
brasileira. Na perspectiva de outros analistas, o que houve foi a formação de uma nova
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classe trabalhadora. Segundo Pochmann (2014), o começo do século XXI no Brasil foi
marcado por uma recomposição da classe trabalhadora em novas bases de consumo.
Ademais, é preciso compreender quais os elementos determinantes que
contribuíram para essa mobilidade social e constituição dessa nova classe social. Neste
aspecto, o sociólogo André Singer (2012) considera a recente mobilidade social no país
repousa em quatro pilares: crescimento do emprego formal, valorização real do salário
mínimo, ampliação e democratização do crédito e aumento dos programas de
transferência de renda. Foi a partir dessas políticas econômicas e sociais que se
viabilizou o fenômeno da ascensão social. A recuperação da economia brasileira a partir
de 2004 e a influência de importantes políticas públicas tiveram peso significativo na
estrutura social do país a qual se traduziu na redução do número de miseráveis e no
aumento do emprego formal. (POCHMANN, 2014).
Foi, a partir dessas políticas econômicas, que houve uma mobilidade social a
qual se denominou de nova classe média ou nova classe C. Tomando como base essas
mudanças ocorridas na estrutura social do país, faz-se necessário uma análise profunda
sobre o real significado e as limitações dessa nova classe média. Como assinala Chauí
(2013 p.128): “Sabemos, entretanto, que há outra maneira de analisar a divisão social de
classes”.
Neste sentido, a nova classe média é alvo de várias discussões tanto no plano
acadêmico como no plano político e jornalístico. Em rigor, diversos intelectuais
brasileiros, tanto na área econômica como nas áreas sociológica e filosófica, possuem
visões diferenciadas - e até divergentes -, quanto à abordagem da ascensão dessa nova
classe média no Brasil. Portanto, trata-se de um tema que ainda é motivo de profundos
debates e controvérsias e que merece cada vez mais estudos mais acurados.
Com o objetivo de lançar luzes a esta temática, no primeiro capítulo, buscar-se-á
analisar a contribuição da ciência econômica para o estudo das classes sociais,
perpassando pelas principais escolas do pensamento econômico. Neste aspecto, nota-se
que o estudo das classes sociais e da desigualdade são temas caros a economia política,
desde a sua formação como ciência. Sendo assim, não se pode desvincular a temática
das classes sociais da economia política.
Logo em seguida, o foco de análise consiste em fazer uma breve investigação
conceitual e histórica da classe média ao longo do capitalismo, considerando que tal
estrato social está concatenado as mudanças que o capitalismo atravessou. Daí a
complexidade em definir este segmento social. Como destaca Pochmann (2014) trata-se
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teórica para o início do progresso da ciência econômica se situam entre 1756 e 1778
(HUGON,1973, P94). Os fisiocratas, inspirados nas ideias iluministas, buscaram dar um
caráter cientifico aos fenômenos econômicos. Rima (1977, p94) afirma que as
investigações e pesquisas de Isaac Newton estimularam os fisiocratas no surgimento da
ciência econômica. O principal teórico dessa escola econômica foi o médico da corte
francesa: Francois Quesnay.
Quesnay (1983), em sua obra Quadro Econômico, faz críticas às práticas
mercantilistas-intervencionistas, defendendo o livre mercado, através da chamada
ordem natural e ordem providencial. Esta é a base do liberalismo da Era Moderna que se
baseia no pensamento jusnaturalista1 de John Locke, “pai” do liberalismo político, o
qual defendia a liberdade, a propriedade e a vida como direitos naturais do ser humano.
Ademais, Locke (2006) considera a liberdade o principal direito natural do ser humano
e que o Estado foi instituído para garantir esses direitos (liberdade, propriedade e vida).
Sendo assim, o poder do Estado deveria ser essencialmente limitado. Limitado,
porque pressupunha os direitos naturais. É com base, neste arcabouço filosófico, que a
escola fisiocrática defende o limite do poder do Estado e o liberalismo econômico.
Neste aspecto, os fenômenos econômicos – pensam os fisiocratas – ocorrem de forma
livre e independentemente de qualquer coação exterior, segundo uma ordem imposta
pela natureza, regida, consequentemente, por leis naturais. Os fisiocratas julgam ser a
ordem natural uma ordem providencial, isto é, desejada por Deus e para a felicidade dos
homens (HUGON, 1973). Essa ordem, por isso providencial, é a melhor possível, a
mais vantajosa para a humanidade. A noção providencial da ordem natural está
intrinsecamente relacionada à noção de liberdade. Esta liberdade é para os fisiocratas a
base do progresso econômico e social de uma nação. É neste sentido que os fisiocratas
1
O Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecida como “direito natural”. Este
direito natural tem validade em si, e é anterior e superior ao direito positivo, e em caso de conflitos, é ele
que deve prevalecer. Os principais pensadores da era moderna do jusnaturalismo foram Thomas Hobbes,
John Locke e Jean-Jacques Rousseau. O pensamento jusnaturalista é uma forma de explicar o surgimento
das sociedades políticas ou sociedade civil organizada. Conforme o pensamento jusnaturalista antes de
surgir o Estado existia um estado de natureza (uma espécie de estágio pré-social e pré-político,
caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade. Na concepção de Locke, o estado de natureza seria
uma situação real e historicamente determinada pela qual passara, ainda que épocas diversas, a maior
parte da humanidade e na qual se encontrava naquela época alguns povos, como as tribos do continente
americano. O estado de natureza na concepção lockeana difere do estado de guerra hobbesiano, baseado
na insegurança e na violência, por ser um estado de relativa paz, concórdia e harmonia. Neste aspecto o
estado de natureza elucidado pacifico elucidado por Locke, os homens já eram dotados de razão e
desfrutavam da propriedade que, numa primeira acepção genérica utilizado pelo filósofo inglês,
designava simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais do ser humano.
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e agora ela comanda tanto a economia como a política. As relações produtivas passam a
ser assalariadas. Com o surgimento dessa sociedade de classes, no contexto do
capitalismo industrial, Smith (1983), em sua análise econômica, aborda sobre o
estabelecimento de contratos entre trabalhadores e empregadores. É desse acordo que
seria estabelecido o salário a ser pago ao trabalhador.
Quais são os salários comuns ou normais do trabalho? Isso depende
do contrato normalmente feito entre as duas partes, cujos interesses,
aliás, de forma alguma são os mesmos. Os trabalhadores desejam
ganhar o máximo possível; os patrões, pagar o mínimo possível.
Enquanto os trabalhadores procuram associar-se entre si, para
aumentar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo, para
baixá-los. Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva
vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com
suas próprias cláusulas (SMITH,1983, p.92)
Outro grande pensador econômico foi o inglês David Ricardo que, ao lado de
Adam Smith, é um dos principais representantes da escola clássica de Economia
Política. Enquanto Adam Smith estudou com profundidade as causas do crescimento
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Pode-se considerar, portanto, que a teoria econômica de David Ricardo foi uma
das primeiras teorias do conflito distributivo. Como infere Souza (2005): o grande
problema do crescimento econômico estava na agricultura, incapaz de produzir
alimentos baratos para o consumo dos trabalhadores, o que elevava os salários nominais
e os fundos dos salários, necessários para adquirir meios de produção e aumentar o nível
do produto.
A grande preocupação do pensamento econômico ricardiano era determinar as
leis que regulavam a distribuição do produto entre proprietários de terras, capitalistas e
trabalhadores, na forma de renda, lucros e salários. O problema preponderante analisado
por Ricardo estava no conflito de interesses entre as classes dos capitalistas industriais e
os proprietários de terras. “Embora sua ênfase principal seja sobre a renda da terra, é a
tendência da taxa de lucro que tem maior significância para o progresso” (RIMA, 1977,
p167).
Ricardo (1982) foi um dos primeiros economistas a elaborar uma teoria da
distribuição envolvendo conflito de interesses. Essa distribuição dependia, mormente,
da fertilidade do solo, da acumulação de capital e do crescimento demográfico.
Conforme o autor supracitado, a renda relaciona-se com o aumento da população. A
maior demanda ocorre devido a esse aumento da população o qual exige o cultivo de
terras menos férteis, nas quais os custos de produção são mais elevados do que nas
terras mais férteis. Ricardo (1982) trata, em sua obra Princípios de Economia Política e
Tributação, dos conflitos entre os donos de terras e industriais. E conclui que as
reivindicações dos capitalistas deveriam ser atendidas. “O nível de lucros foi crucial
para Ricardo (como, de fato, para Smith) porque era o que determinava o nível de
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Outro grande pensador que contribui para o estudo das classes sociais, dentro de
uma análise evolucionaria e revolucionária do pensamento econômico, foi Karl Marx.
Friedrich Engels também deu uma profícua contribuição, nos estudos das classes
sociais, mostrando os efeitos nefastos do capitalismo industrial sobre a classe
trabalhadora, em sua obra clássica A formação da classe trabalhadora na Inglaterra.
Por conseguinte, Marx (1998), em sua obra magna O Capital, mostra, historicamente,
como se formou a classe burguesa e a classe operária. Na concepção marxista, as classes
sociais, no sentido estrito da palavra, são um fenômeno especifico do capitalismo. No
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capitulo vinte e quatro, livro I e volume dois do Capital, Marx (1998) mostra como o
processo de acumulação primitiva de capital engendrou o modo de produção capitalista
e a estrutura social de classes. Marx (1998) mostra que a acumulação primitiva de
capital teve um papel fulcral para a sociedade capitalista de classes.
Essa acumulação primitiva desempenhou na economia política um
papel análogo ao pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã e
por isso o pecado contaminou. A humanidade inteira. Pretende-se
explicar a origem da acumulação por meio de uma história ocorrida
em passado distante. Havia outrora, em tempos remotos, duas espécies
de gente; uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo econômica, e
uma população constituída de vadios, trapalhões que gastavam mais
do que tinham. A lenda teológica conta-nos que o homem foi
condenado a comer o pão com o suor do seu rosto. Mas a lenda
econômica explica-nos o motivo por que existem pessoas que
escapam a esse mandamento divino. Aconteceu que a elite foi
acumulando riquezas, e a população vadia ficou fortemente sem outra
coisa para vender além da sua própria pele. Temos aí o pecado
original da economia. Por causa dele, a grande massa é pobre e, opera
de se esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho,
enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos, embora tenham
esses poucos parados de trabalhar há muito tempo (MARX,1998: L. I,
v. II p.827).
Em suma, Marx (1998) em sua análise, mostra que o acúmulo de capital não tem
limites. Sua conclusão baseia-se no princípio de que há um processo de acumulação
infinita de capital o qual, inexoravelmente, gera um processo de concentração de
riqueza e renda nas mãos de uma parcela cada vez mais restrita da população. O
pensador alemão (1998) descreve que a transformação da força de trabalho em
mercadoria, na sociedade capitalista, se deu de forma violenta e através da
expropriação.
É sabido o grande papel desempenhado na história pela conquista,
pela escravização, pela rapina, pela violência. Na suave economia
política, o idílio verdadeiro reina desde os primórdios. Desde o
início da humanidade, o direito e o trabalho são os únicos meios de
enriquecimento, excetuando-se naturalmente o ano corrente. Na
realidade, os métodos da acumulação primitiva nada têm de idílicos
(MARX, 1998: L. I, v. II, p.828).
Fica, portanto, evidente que, para Marx (1998), o processo de dissociação dos
meios de trabalho da classe trabalhadora foi o processo que gerou a sociedade de classes
típica do sistema capitalista. “A estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da
estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para
a formação daquela” (MARX, L.I, v. II, 1998, p.828). Ao investigar como se dá a
produção e as trocas no tecido social capitalista, Marx chega à conclusão de que há duas
categorias sociais distintas e opostas: o capitalista e o trabalhador ou proletariado. O
primeiro busca o lucro e extrair mais-valia no processo produtivo; o segundo é aquele
que possui apenas sua força de trabalho a qual é vendida ao capitalista em troca de
salário. Marx (1998) trata o capitalista como a “personificação” do capital e o
trabalhador como a classe explorada e responsável pela produção de mais-valia. Assim,
a análise de Marx (1998) mostra que a ascensão e enriquecimento da classe burguesa ou
capitalista é concomitante à pauperização da classe trabalhadora ou proletária. “O
processo que produz o assalariado e o capitalista tem suas raízes na sujeição do
trabalhador “(MARX,1998: L.I, v. II, p. 829).
Neste aspecto, Marx explica, inferindo que:
O progresso consistiu numa metamorfose dessa sujeição, na
transformação da exploração feudal em exploração capitalista. Para
compreender sua marchar, não precisamos ir muito longe na história.
Embora os prenúncios da produção capitalista já apareçam, nos
séculos XIV e XV, em algumas cidades mediterrâneas, a era
capitalista data do século XVI. Onde ela surge, a servidão já está
abolida há muito tempo, e já estão em plena decadência as cidades
soberanas que representam o apogeu da Idade Média. Marcam época
na história da acumulação primitiva, todas as transformações que
servem de alavanca a classe capitalista em formação, sobretudo
aqueles deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e
violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançadas no
mercado de trabalho como levas de proletários destituídas de direitos.
A expropriação do produtor rural, do camponês, que fica assim
privado de suas terras, constitui a base de todo o processo. A história
dessa expropriação assume matizes nos diferentes países, percorre
várias fases em sequências diversa e em épocas históricas diferentes.
Encontramos sua forma clássica na Inglaterra, que, por isso nos
servirá de exemplo (MARX, 1998: L.I, v. II, p. 829-830).
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baseada na concepção de que todo homem é uma máquina de prazer, teve uma profunda
influência do pensamento utilitarista de Jeremy Bentham. Ademais, a escola neoclássica
defende que a economia pode ser traduzida em modelos matemáticos (HEILBRONER,
1996).
A escola neoclássica surgiu na década de 1870, a partir das obras de William
Jevons (1835-1882) e Leon Walras (1834-1910). Consolidando-se com a publicação da
obra Princípios de Economia, de Alfred Marshall, em 1890. Na época de Marshall, os
economistas neoclássicos também conseguiram mudar o nome da disciplina tradicional
“Economia Política” para “Teoria Econômica” (CHANG, 2015). O objetivo era
transformar a economia numa ciência pura, isenta de qualquer dimensão ou influência
política. Jevons (1996) em sua obra Teoria da Economia Política buscava produzir uma
teoria econômica fundamentalmente explicitada no modelo matemático, inspirado pelo
cálculo da felicidade de Bentham.
Como observa Heilbroner (1996):
Na Universidade de Manchester, um professor chamado de Stanley
Jevons escreveu um tratado de economia política no qual a luta pela
existência foi reduzida a ‘cálculos de prazer e dor’. ‘Minha teoria de
economia..., é de uma qualidade puramente matemática; escreveu
Jevons, e não deu a menor atenção a qualquer aspecto da vida
econômica que não pudesse ser reduzido à pressão de quebra-cabeça
de seu esquema (HEILBRONER, 1996, p. 168).
Em sua análise sobre o objeto de estudo da economia, Jevons (1996) infere que a
economia se baseia, de fato, nas leis do prazer humano e que, se essas leis não forem
desenvolvidas por nenhuma outra ciência, deverão sê-las pelos economistas. Portanto,
fica evidente que, segundo os arautos da escola marginalista, o prazer e o sofrimento
são, indiscutivelmente, o objeto principal do cálculo da economia. O homem econômico
é aquele que busca maximizar as necessidades com o mínimo de esforço. Portanto, o
objetivo da economia é maximizar o prazer. Ademais, Jevons (1996) considera que tudo
aquilo que gera prazer deve fazer parte da análise econômica. “Tudo o que é capaz de
gerar prazer ou sofrimento pode possuir utilidade” (JEVONS, 1996 p.69).
A escola neoclássica via a economia como um conjunto de indivíduos racionais
e egoístas, e não como uma ciência social baseada em classes distintas como analisava a
escola clássica e a escola marxista. Neste aspecto Chang (2015 p.115) faz a seguinte
crítica: “A escola neoclássica afirmava ser a herdeira intelectual da escola clássica, mas
se sentia diferente a ponto de anexar o prefixo ‘neo’”. Na escola neoclássica o
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individuo é visto como um ser unidimensional que visa maximizar o seu prazer
(utilidade) e a minimização do sofrimento. Neste sentido, a escola marginalista oponha-
se a escola clássica e marxista, e desenvolve a teoria do valor-utilidade. A teoria do
valor-utilidade se baseia numa generalização do caso de mercadorias que não se ajusta
as oscilações da procura, cujo preço é formado pelos compradores no sistema de leilão
especulativa (SINGER, 2001). É uma teoria que supõe que a decisão final sobre é dos
consumidores. É uma teoria que se generaliza para qualquer mercadoria. A sua premissa
teórica baseia-se na suposição de que a mercadoria tem uma utilidade para o comprador
que é decrescente em relação à sua quantidade. Portanto, quanto maior for a quantidade,
menor o valor. Trata-se de uma teoria liberal, pois ela supõe que nem o governo nem
ninguém devem interferir entre o comprador e vendedor.
Assim, fica evidente que a escola neoclássica mudou o foco da economia, da
produção para o consumo e a troca. Fica claro que a escola neoclássica ou marginalista
desconsidera toda a visão histórica na economia e concebe o sistema econômico como
uma rede de trocas, impulsionada, em última instância, por escolhas feitas pelos
“consumidores”, praticamente não havendo uma discussão sobre como os processos
reais de produção são organizados e modificados. “A chamada revolução marginal
envolveu uma ampla transformação da metodologia característica da Economia
analítica, por intermédio do que constituía, essencialmente, um instrumento matemático
derivado do cálculo” (DEANE, 1978 p.131).
Na concepção da escola neoclássica os agentes são movidos pelo interesse
próprio, mas a concorrência no mercado levará a um resultado socialmente benigno. Os
neoclássicos defendem de que os mercados se autoequilibram. O principal defensor
dessa tese é economista e engenheiro francês Leon Warlras em sua obra Compêndio dos
elementos de economia política pura. Segundo Walras (1996):
O teorema do equilíbrio geral do mercado poderia ser enunciado nos
seguintes termos: No estado de equilíbrio geral do mercado, os m (m-
1) preços que regulam a troca de m mercadorias duas a duas são
implicitamente pelos m – 1 preços que regulam a troca de qualquer m
- 1 dessas mercadorias com a m- ésima. Dessa forma, no estado de
equilíbrio geral, pode-se definir completamente a situação do mercado
relacionando-se os valores de todas as mercadorias ao valor de uma
dentre elas (WALRAS, 1996, p.143).
Um segundo ponto fraco dessa teoria é supor que existe uma total
independência entre compradores e vendedores, ou seja, os
compradores estão inteiramente cientes de tudo que há para vender,
conhecem todos os preços, são inteiramente racionais, isto é, vão
comprar a mercadoria mais barata, de melhor qualidade, que
realmente vai dar aquela satisfação que eles desejam. Portanto, a
publicidade só serve para eles saberem o que existe no mercado. Eles
não são jamais influenciados etc, etc, o que novamente colide de uma
forma frontal com a realidade da formação dos preços no capitalismo
monopolista (SINGER, 2001 p.31).
Embora não tenha desenvolvido uma teoria econômica de classes sociais como
fez Karl Marx, John Keynes deu uma importante contribuição intelectual para
compreender os meandros, envolvendo os interesses capitalistas e as classes sociais
mais baixas, mormente os trabalhadores, sobretudo, porque o economista britânico trata
em seu escopo econômico de temas candentes como a questão do desemprego.
John Maynard Keynes nasceu em 1883, ano em que Marx morreu, e sua grande
preocupação foi com a questão do desemprego. “Na década de 1930, o problema que
dominava as economias capitalistas maduras era a intensa e persistente depressão
comercial, associada a um desemprego generalizado e de proporções sem precedentes”
(DEANE, 1978). O problema do desemprego era crônico na Grã-Bretanha e nas grandes
potências capitalistas.
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renda. Segundo Luiz Gonzaga Belluzzo (2016), os principais aspectos defendidos por
Keynes para reformar o capitalismo são: 1) Socialização dos investimentos; 2) sistema
fiscal progressivo e transferência de renda para as camadas sociais com alta propensão a
consumir; 3) Eutanásia do rentier; 4) Sistema monetário internacional público e
centralizado.
Conforme Belluzzo (2106), a socialização do investimento, definido por Keynes,
deve ser entendida como a coordenação pelo Estado das relações entre o investimento
público e privado. Keynes advoga um papel central à coordenação estatal das decisões
privadas inexoravelmente maculadas pela incerteza. “O Estado funcionaria, assim,
como um instrumento de convergências das expectativas valendo-se da
complementaridade entre investimento público e investimento privado” (BELLUZZO,
2016).
Belluzzo (2016) ainda adiciona:
A proposta keynesiana de socialização do investimento está
associada à eutanásia do rentier, abolição do poder dos
proprietários e administradores da riqueza liquida. A política
bancária e de crédito deve ser administrado a fim de neutralizar
o poder de opressão cumulativo do capitalista para explorar o
valor de escassez do capital. [...] enquanto pode haver razões
intrínsecas para escassez da terra, não as há para escassez de
capital (KEYNES, 1992, p. 92).
Fica evidente que Keynes foi um duro crítico dos postulados clássicos, ainda que
mantivesse uma grande distância da visão socialista de Marx. Conforme Belluzzo
(2016): Keynes era intolerante com a hipocrisia das classes dominantes, mas guardava
uma distância aristocrática em relação às classes subalternas. Desejava a igualdade, mas
repudiava igualitarismo que atribuía aos benthamitas e marxistas, que, segundo ele,
também eram filhos do utilitarismo e do ‘vicio ricardiano.
Essa nova classe média que surgiu na fase do capitalismo oligopolista tem no
emprego público a sua maior representação. É justamente essa mão-de-obra qualificada
que ocupara uma variedade de serviços nas áreas de educação, saúde, assistência social,
entre outros serviços que dará forma a classe média nessa fase do capitalismo. São os
chamados profissionais liberais. Neste aspecto também surgiu uma classe média
relacionado a ocupações de gestores e técnicos não diretamente associados à relação
capital-trabalho, mesmo sendo submetido as condições gerais de reprodução ampliada do
capitalismo. Essa nova classe média que surge nessa fase do capitalismo oligopolista é o
que o cientista político norte-americano Charles Whight Mills (1979) chama de white
colar, ou seja, os “colarinhos brancos”.
Outro motivo para a expansão dos empregos de colarinho branco é o
desenvolvimento das grandes empresas privadas e públicas e sua
consequência, o crescimento regular da burocracia, uma tendência da
estrutura social moderna. Em cada setor da economia, à medida que as
firmas e as grandes companhias se tornam predominantes, os
empresários independentes transformam-se em empregados, em vez
do livre “movimento dos preços”, são os cálculos dos contadores
estatísticos, guarda-livros e escreventes que funcionam como agentes
coordenadores do sistema econômico. A ascensão de milhares de
pequenos e grandes burocratas e a minuciosa especialização do
sistema em geral criam necessidades que muitas pessoas panifiquem,
coordenem e administrem as novas rotinas desempenhadas por outros.
O desenvolvimento de unidades de atividades econômicas cada vez
maiores e mais complexas aumenta a proporção de empregados
dedicados as tarefas de coordenação e gerência. Há necessidade de
dirigentes técnicos e empregados de escritórios de todos os tipos –
supervisores de seção, contramestres, chefes de escritório, pessoas às
quais os seus subordinados prestam contas e que por sua vez, devem
prestar contas a sues supervisores, elos da cadeia de poder e
obediência, coordenando e supervisionando as experiências, funções e
capacidades dos outros (MILLS, 1979, p.89).
40
Mills (1979) considera que essa nova classe média, que constitui a classe
tradicional, não forma uma camada horizontal compacta. Na realidade do ponto de vista
da propriedade, eles são iguais aos operários, contudo, em termos de renda, sua situação
de classe, em geral, é ligeiramente superior à dos operários. Isso se deve por que essa
classe média (os colarinhos-brancos) exerce funções proeminentes na burocracia
pública e privada. Esses novos homens de cúpula, produtos de um século de
modificações nas classes superiores, funcionam dentro das novas burocracias que os
escolhem e engendram suas personalidades. Seu papel no interior dessas burocracias e o
papel das burocracias na estrutura social determinam o campo de ação do demiurgo
burocrático (MILLS, 1979, p. 97).
Assim, Mills (1979) analisa a formação de uma Nova Classe Média mediante a
constituição do Capitalismo Monopolista. A consolidação da economia capitalista
monopolista caracteriza-se pela formação de grandes empresas produtivas que
demandam estruturas burocráticas, administrativas, financeiras e de apoio à produção e
circulação de mercadorias inexistentes no capitalismo concorrencial. É nesse contexto
que surge as ocupações típicas da classe média tradicional. A empresa então gerenciada
pelo proprietário que contava com o contador, um supervisor de produção e muitos
trabalhadores braçais que atuavam num mercado relativamente limitado cede lugar à
estrutura enormes que disputam o mercado nacional e internacional, comandada por
administradores e gerentes “A medida que o os mercados aumentam em complexidade e
extensão, e se torna cada vez mais urgente mais urgente a necessidade de encontrar, os
mesmo de criar, outros mercados, os intermediários que transportam, armazenam,
financiam, promovem e vendem mercadorias são interligadas numa grande rede de
empresas e ocupações. (MILLS, 1979, p. 88).
Mills (1979) mostra que houve três tendências que explicam por que os
colarinhos-brancos se tornaram a categoria de mais rápido crescimento dentre as
modernas ocupações: o crescente aumento de produtividade do maquinário empregado
na indústria, o desenvolvimento da distribuição e a ampliação das funções de
coordenação (MILLS, 1979, p.87). Neste aspecto Mills (1969) mostra também que o
crescimento da burocracia foi outro fator importante significativo para o crescimento da
classe média ou a classe do colarinho-branco: “Enquanto o mundo dos negócios
passava por essas transformações, o aumento das tarefas do Governo em todos os
setores atraiu um número ainda maior de pessoas para ocupações de regulamentação e
41
Seja nas hierarquias funcionais mais elevadas, seja naquelas mais próximas do
processo produtivo, as classes medias assalariadas diferenciaram-se dos postos de
trabalho ligados diretamente à produção, isto é, ao chão de fábrica. Sem a propriedade e
a posse de alguns meios de produção, a nova classe média assalariada encontrou a
diferenciação em relação à classe trabalhadora, não apenas pela extremidade do
rendimento, mas também pelo padrão de consumo elevado.
Assim o processo de “medianização” social, é uma característica fundamental
das transformações ocorridas no capitalismo. A conformação da estrutura produtiva
decorre das transformações econômicas políticas e sociais vivenciadas por determinado
país ao longo do tempo. A compreensão deste processo e de seus desenlaces só é
factível na medida em que se conhece que as transformações observadas ocorrem em
economias capitalistas num mundo capitalista. Como observa Pochmann:
É no centro dinâmico do capitalismo que se explicitam mais
claramente as principais implicações para estrutura social, estando,
por isso, nele o foco inicial da abordagem sobre o tema da classe
média. Não se desmerece, entretanto, o debate referente à classe
média. Não se desmerece, entretanto, o debate referente à classe
média realizado na periferia do sistema capitalista, mesmo porque ele
tende a revelar distinções significativas no interior da estrutura social,
sempre que guardadas as devidas atenção e consideração. Isso é o que
se pode observar em análises sobre o tema (POCHMANN, 2014, p.
20).
A partir dos anos 2000, mormente os dez anos do século XXI, o Brasil
apresentou importantes mudanças na sua estrutura social, apontando para uma relativa
mobilidade social e uma redução da pobreza e da miséria. As modificações ocorridas na
base da pirâmide social desvelam o impacto do chamado projeto social
desenvolvimentista no país. O resultado dessas importantes mudanças na estrutura
social brasileira resulta de uma ampliação do emprego e da renda que promoveram uma
importante inflexão nos índices de desigualdade de renda, índices esses que sempre
evidenciaram que o Brasil se encontra entre os países com maior desigualdade social.
Com base nisso, o objetivo nessa seção consiste analisar a política econômica
durante a década de 2000 (mais especificamente de 2003 a 2010), desvelando de que
maneira essa política econômica contribuiu para as mudanças na economia brasileira e,
sobretudo, para a mobilidade social, levando em consideração os principais aspectos
macroeconômicos (taxa de crescimento, taxa de juros, taxa de inflação, política salarial,
participação do investimento, consumo das famílias e etc.) e sociais.
Gráfico 02: Evolução do salário nominal e real (R$) no Brasil de 2000 à 2010
1200
579,8
562,8
1000 523
509,9
493,9
800 435,2
396,2
388,2
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Ano % Período %
FONTE: Elaboração com base nos dados de Waldir Quadros. A evolução recente da estrutura
social brasileira. Texto de Discussão. Campinas, São Pualo. Unicamp, n.148, 2008, p.3
dos produtos exportados tendo em vista que a maior parte das exportações brasileiras
eram produtos primários, ou seja, de baixo nível teconológico.
Assim, os superávits deveiam-se em boa parte ao “boom”de preços
das exportações. Cabe chamar atenção para a perda da participação
dos manufaturados na pauta de exportações do país: essa rubrica , que
em 1970 respondia por 15% das exportações totais e em 1985 já tinha
alcançado 55% do total, manteve-se aproximadamente nesse nível,
com algumas oscilações até 2002, porém caindo para 39% do total em
2010 (GIAMBIAGI, 2011, p. 221).
Tabela 03: Saldo do balanço comercial (FOB) de 2002 a 2010. (Antiga Metodologia -BPM)
Ano Balanço comercial (FOB) – Saldo em US$ milhões
2000 -697,7475
2001 2.650,4670
2002 13.121,2970
2003 24.793,0000
2004 33.640,5407
2005 44.702,8783
2006 46.456,6287
2007 40.031,6266
2008 24.835,7524
2009 25.289,8079
2010 20.146,8579
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do IPEADATA (2017a)
A Tabela 04 mostra, que nos oitos anos do governo Lula, a taxa Selic, ainda sob
a pressão do dólar, foi aumentada para 25%. Depois, devido o contexto de uma forte
alta das commodities, com 16,09% em dezembro de 2003, mantendo-se praticamente o
mesmo valor, no início de 2004 (16,30%), tendo uma leve acentuação para 17,23% no
final do mesmo ano. Já em 2005, a taxa Selic ficou com 17,26%, fechando o ano, com
18,49%. Em 2006, inicialmente ela se apresenta com 17,26%, encerrando esse mesmo
ano com 13,6%. Num contexto de uma alta das commodities e depois de um forte
crescimento econômico da economia, o Banco Central tinha um certo temor quanto a
uma pressão da demanda, levando a uma alta de 12,93% no começo de 2007, fechando
em dezembro do mesmo ano com uma taxa Selic de 11,18%. Em 2008, ano da crise
internacional, a Selic fechou com 12,92%. Em 2009, ainda sob os efeitos da crise, a
Selic no início ficou 12,66%, caindo de forma significativa para 8,65% no final do
mesmo ano. Finalmente em 2010, período de elevado crescimento da economia
brasileira, a variação inicial da taxa Selic nominal foi a mesma do final do ano passado,
tendo um relativo aumento para 10,66% a fim conter a pressão por demanda.
53
Com relação às contas públicas, nos anos do governo Lula, houve muito rigor
através de uma política de superávit primário robustos e um processo gradual de queda
da taxa de juros (tabela 2). Percebe-se, pelos dados do gráfico 3, que o setor público
vinha atingindo superávits primários de aproximadamente 3% do PIB. Com exceção do
ano de 2009, em que houve uma desaceleração econômica, devido à crise financeira, foi
combatida com medida fiscais anticíclicas. Percebe-se que, durante o governo Lula
houve um equilíbrio fiscal entre as receitas e despesas primárias, sendo que em 2003 as
receitas primarias forma 17,6% do ´PIB e as despesas chegaram a15,4% do PIB. Em
2010, as receitas primárias foram de 20,2% do PIB e as despesas chegaram 18,2% da
soma de toda riqueza nacional. Portanto, de 2003 a 2010 não houve uma deterioração
dos gastos públicos. Como observa Giambiagi (2016);
Aos poucos, o quadro começou a mudar. Primeiro, a taxa de juros real
cedeu. Segundo o efeito dos superávits primários elevados se fez notar
acentuado pelo fato de que, entre 2003 e 2005, ele foi a cada ano
superior como fração do PIB ao percentual que se tinha verificado no
ano anterior. Terceiro, a apreciação real da taxa de câmbio fez
“derreter” o valor real da dívida externa do setor público afetada pela
citada variável. E quarto, o maior crescimento do PIB colaborou
decisivamente para uma redução da relação Dívida Pública/PIB,
quando se compara o dinamismo posterior a 2003 com o fraco
desempenho da economia no triênio 2001/2003. Com isso, a dívida
liquida do setor público, que tinha sido de 60% do PIB em 2002,
cedeu 38% do PIB em 2010 (GIAMBIAGI, 2016, p. 208-209).
54
2010 2,6
2009 1,9
2008 3,3
2007 3,2
2006 3,2
2005 3,7
2004 3,7
2003 3,2
2002 3,2
FONTE: Elaboração própria a partir de dados do Relatório Anual do Tesouro Nacional (2016).
20,2
18,9
18,9
18,9
18,6
18,4
19
18,2
18,2
17,6
17,4
16,9
16,8
16,4
16,2
16,1
15,9
15,4
FONTE: Elaboração própria a partir de dados do Relatório anual do Tesouro Nacional (2015).
Tabela 05: Evolução dos gastos com juros nominais (em bilhões) no período de 2002 à 2010
Período Despesas com juros nominais (bilhões)
2002 R$ 113
2003 R$ 145
2004 R$ 129
2005 R$ 158
2006 R$ 162
2007 R$ 163
2008 R$ 166
2009 R$ 171
2010 R4 195
FONTE: Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galílopo. Manda que pode, obedece que tem
prejuizo. São Paulo:Editora Contracorrente, 2017, p.149.
Conforme a tabela 05 nota-se, que houve uma evolução das despesas com juros
nominais. Em 2003, as despesas com juros foram de R$ 145 bilhões. Em 2004, sendo
que a taxa Selic nominal no iniciou do ano era de 16,30% e terminou o ano com
17,23%, os gastos com juros foram de R$ 129 bilhões, crescendo para R$ 158 bilhões
em 2005. Em 2006, as despesas com juros nominais chegou a cifra de R$ 162 bilhões.
Em 2009 e 2010, mesmo a taxa Selic nominal tendo uma queda respectivamente de
8,65% e 10,66%, as despesas com nessa mesma ordem foram de R$ 171bilhões e R$
195 bilhões. Segundo Belluzzo e Galípolo (2017) os gastos com os juros nominais
revelam uma espécie de dominação financeira na economia brasileira.
A imposição de limites cada vez mais restritos às despesas com
serviços essenciais como saúde, educação, moradia, saneamento e
transporte, enquanto juros podem exorbitar livremente, sinaliza
simultanealmente credibilidade ao rentismo e temor à população de
moratória ao contrato social. A dinâmica perversa da relação
dívida/PIB não pode ser compreendida sem considerar os efeitos da
política monetária no resultado fiscal. A Grécia detém uma dívida
equivalente a 170% do seu PIB, mas despende 5% do seu PIB em
juros, enquanto o Brasil paga quase 10% do PIB em juros com uma
dívida inferior a 70% do PIB. A história recente da evolução da dívida
pública no Brasil demonstra o avesso da sabedoria convencional.
Dizem os sabichões que a taxa de juro é elevada por causa da dívida,
mas o caso brasileiro parece afirmar que a dinâmica da dívida é
perversa por causa da taxa de juro de agiota (BELLUZZO E
GALÍPOLO, 2017, p. 162).
56
Neste aspecto a economista Leda Paulani (2008) tem razão quando afirma que o
governo Lula foi marcado por uma servidão ao setor financeiro e que em nome da
“credibilidade” Lula manteve a mesma política econômica de FHC, atendendo os
interesses do grande capital.
A necessidade de recuperar a “credibilidade” do país foi e é utilizada
como justificativo número 1 para a manutenção e mesmo a
exacerbação, neste início de governo, da política econômica operada
pelo governo de FHC. Mas colocada dessa forma, ela gera expectativa
de um espaço para alteração dessa política, uma vez recuperada a dita
credibilidade. A queda acelerada do risco-país a recuperação do preço
dos C-Bonds (títulos brasileiros negociados nos mercados
internacionais) e a tão festejada valorização do real começaram a
apontar para isso pelo menos desde o início de abril de 2003. Os
jornais passaram a dizer que “o Brasil virou moda em Wall Street” e
que, para os investidores, “Lula é um bom negócio” (PAULANI,
2008, p.17).
Gráfico 05: Geração líquida de empregos formais celetistas no Brasil de 2000 a 2011
205 209
177
139 148
88 80 82 84 90
73
JAN/00 JAN/01 JAN/02 JAN/03 JAN/04 JAN/05 JAN/06 JAN/07 JAN/08 JAN/09 JAN/10 JAN/11
Geração líquida de empregos celetistas (milhares de postos de trabalho)
1,2% em relação ao PIB, a agricultura foi de -0,2 % e a indústria registrou apenas -1,3%
no PIB brasileiro.
Neste aspecto, uma das principais variáveis explicativas para uma elevação no
padrão de mobilidade social a partir dos anos dois mil é o aumento da taxa de
formalização do emprego. Conforme a tabela 06 houve um crescimento da taxa de
formalização do emprego passando de 45,5% em 2002 para 51,6% em 2010. Isso
significa dizer houve uma melhora qualitativa, no mercado de trabalho, no sentido que a
formalização do emprego gera proteção social e contribuição previdenciária. Com a
formalização do emprego, observado a partir da primeira década de 2000, houve um
aumento significativo dos contribuintes à seguridade social no País.
68,4
66,8
65,8
64,2
63
62,2
61,2
60,4
17,8
16,7
15,4 15,9
14,6
13,6 13,8 13,1
ano. Segundo Pochmann (2012b p. 86): Da mesma forma, percebeu-se que o retrocesso
concomitante do desemprego para um contingente de seis milhões de brasileiros, com
queda de 40% em relação ao registrado em 2000”. Ademais, essa queda da taxa de
desemprego vem acompanhada de grande participação do rendimento do trabalho na
renda nacional.
[...]. Nesse sentido, interessa também destacar o avanço da
participação do rendimento do trabalho para 43% da renda
nacional, o que terminou por expressar uma redistribuição
positiva dos ganhos do crescimento econômico. Entre 2000 e
2009, o Brasil passou dos 13º para o 7º posto da economia
mundial. Sem mudanças profundas na legislação social e
trabalhista, constatou-se que a natureza da expansão econômica
se mostrou fortemente geradora de ocupações formais, capaz de
estimular o retorno ao movimento anterior de estruturação do
mercado de trabalho, interrompido durante os anos 1980 e 1990
(POCHMANN, 2012b, p. 86).
IPCA (%)
12,5
8,9 9,3
7,7 7,6
6 5,7 5,9 5,9
4,5 4,3
3,1
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
sob controle. Em 2006, o IPCA registrou 3,1%. Em 2007, houve uma relativa ascensão
para 4,5%. Já em 2008, a taxa de inflação foi de 5,9%. No ano de 2009, apesar da crise
internacional, o Banco Central tomou posicionamentos mais consistentes, com
sucessivos cortes da taxa de juros (vide a tabela 2), contudo, a inflação foi de 4,3%,
permitindo ampliar as medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal a partir do
trimestre do referente ano. Em 2010, mesmo com um PIB expressivo de 7,5%, a
inflação ficou sob o controle, registrando 5,9%.
Com a queda da taxa de desemprego e o controle inflacionário houve uma
valorização da renda, principalmente dos segmentos ocupacionais da base da pirâmide
social brasileira. É neste sentido que Pochmann (2012b) infere que durante a década de
2000 houve um aumento absoluto e relativo das classes de trabalho no Brasil.
Em 1998, por exemplo, quase 59% da população tinha no uso de sua
força de trabalho no mercado de trabalho o seu principal rendimento
monetário. No ano de 2009, 78,5% do total da população que se
encontravam na condição de classes do trabalho, o que significou um
acréscimo de 33,3% em relação a 1998. Se consideradas as classes de
trabalho em si, em que representam mais de 80% do total da
população brasileira, pode-se observar que a mudança em sua
composição relativa nos últimos 11 anos (POCHMANN, 2012b, p.
70).
Pochmann (2012b) afirma, que, em 2009, o estrato social definido como classe
média alta aumentou relativamente de 1% para 4,2% do total das classes do trabalho. A
classe média média foi o segmento social que mais cresceu em 2009, passando de
apenas 2,2% do total para 12,5%. Já em relação baixa classe média, Pochmann (2012b)
compara o ano de 1998 e 2009 considerando que houve uma redução relativa da baixa
classe média, pois de 53,3%, em 1998, caiu para 36,8%, em 2009. Já a chamada classe
operária, que está abaixo da classe média baixa, teve um crescimento em 2009 de 46,5%
comparado com 46,5% de 1998. Em função disso, a classe operária se tornou o
principal estrato social em 2009 na evolução da composição das classes do trabalho do
Brasil. “Entre 1998 e 2009, a classe operária aumentou a sua posição relativa, podendo
chegar em 2021 como sendo o segmento maior que a somatório das classes médias”
(POCHMANN, 2012b, p.71).
Assim, a passagem para o século XXI foi acompanhada por essa importante
transformação, que foi a redução do segmento empobrecido da população o qual deu
crescimento das classes do trabalho, especialmente a classe operária, ligada ao setor de
serviços e da construção civil. Percebe-se que o movimento de recuperação da
economia brasileira associado às políticas ativas de valorização do trabalho trouxe um
63
total de 53,67%. De acordo com a tabela 8, nota-se que nos anos 2000 houve seguidos
aumentos reais do salário mínimo. A política de recuperação do salário mínimo
assegurou a recomposição gradual de seu valor real e deu cumprimento ao preceito
constitucional que determina a preservação de seu poder de compra. Consoante a tabela
8, em abril de 2003, o aumento real do salário mínimo foi 1,23%. Em maio de 2006, o
aumento foi 13,04%. Já em abril de 2007, o aumento real representou 4,03%. Em 2009
e 2010, os aumentos reais foram respectivamente de 5,79% e 6,02%.
Agora considerando os ajustes dos salários mínimos na tabela 8 juntamente com
as variações de inflação (IPCA), mostrado no gráfico 8, que trata de inflação pode-se
calcular que o aumento real do salário mínimo foi de 9,8% em 2003. No ano de 2004, o
aumento real do salário mínimo foi de 0,65%. Em relação ao ano de 2005, o aumento
real chegou a 9,18%, sendo um dos mais expressivos reajustes do salário mínimo da
década 2000. No ano de 2007, o aumento real do salário ficou sendo de 7,48%, caindo
para 3,77%, em 2010.
Mercandante (2010) infere, ainda, que a política de valorização do salário
mínimo converteu-se numa política de Estado, no sentido de que a recuperação
progressiva do poder de compra não afetou a estabilidade econômica. Ademais, a
política de valorização do salário mínimo não apenas se revelou compatível com o
controle da inflação e o equilíbrio do gasto público, como contribui decisivamente para
o processo de distribuição de renda. Neste sentido, as políticas de redistribuição de
renda tiveram um impacto positivo na aceleração das melhorias sociais e no
alargamento do mercado consumidor, dando uma nova dinâmica na economia brasileira.
Essa nova dinâmica econômica tem como principal característica o crescimento dos
postos de trabalho de menor remuneração.
Para essa classe, houveram significativas expansões nas
oportunidades de ocupação na construção civil (estruturas de
alvenarias e ajudantes) conservação de edifícios, vigilância privada,
motoristas (polivalentes e de mercadorias), alimentação
(cozinheiros, garçons, barmen e copeiros), solda e corte de metais,
mecânicos de veículos, carregadores de mercadorias e outros
trabalhadores dos serviços. E são essas expansões que permitiram
que a ascensão das classes baixas e o grande aumento da baixa
classe anteriormente (BRASIL, 2014, p.21).
Gráfico 09: Taxa de crescimento médio da renda domiciliar no Brasil de 2001 à 2009
Faixas de renda
8
7,2
7 6,3
5,9
6 5,4
4,9
5 4,6
4
4 3,3
3 2,5
2 1,4
1
0
primeira segunda terceira quarta quinta sexta faixa sétima oitava nona faixa décima
faixa faixa faixa faixa faixa faixa faixa faixa
Família tiveram um efeito positivo para os mais pobres. “A fonte de renda que mais
cresceu foi a de programas sociais (12,9%) influenciada pela expansão do Bolsa
Família, criado em 2003.” (NERI, 2011, p. 121). Segundo Neri (2011) no período de
2003 a 2009, a parcela da renda associada a programas sociais, tais como o Bolsa
Família, cresceu mais de 100%.
Tabela 09: População beneficiada e valor per capita dos benefícios referente ao programa
Bolsa Familia, período de 2004 a 2010
Anos Indivíduos Beneficiados (milhões) Valor Per Capito dos beneficíos
Tabela 10: Taxa de crescimento real do produto e e do consumo das famílias – em variação (%)
no período de 2003 a 2010
Variáveis/Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
PIB 1,1 5,8 3,2 4 6,1 5,1 -0,1 7,5
Consumo das famílias -0,8 3,8 4,5 5,2 6,1 5,7 4,2 7
FONTE: João Sicú. Governo Lula: a era do consumo. Texto para discusão. Rio de janeiro, IE-
UFRJ, n.21, 2017, p.25
69
Gráfico 10: Consumo das famílias na composição do PIB brasileiro 2002 a 2010
61,9
61,7
61,7
60,6
60,3
60,3
59,9
59,8
58,9
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
FONTE: Elaboração própria com base em dados de Fábio Giambiagi (Org). Economia
Brasileira Contemporânea: 1945-2010.
Pochmann (2014) considera que a alteração nos preços relativos dos produtos
teve uma contribuição significativa na modernização do padrão de consumo. “No quarto
período, representado pelos anos de 2004 e 2008, alteração nos preços relativos se
confirmou novamente pelos artigos de residência com importante destaque no conjunto
do setor de bens de consumo duráveis” (POCHMANN, 2014, p.90). Conforme o
70
Tabela 11: Taxa de crescimento real do produtoe e do investimento (FBCF –Formação Bruta
do Capital Fixo) – em variação (%) no período de 2003 à 2010
Variáveis/Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
PIB 1,1 5,8 3,2 4 6,1 5,1 -0,1 7,5
FBCF -4,6 9,1 3,6 9,8 13,9 13,6 -10,3 21,9
FONTE: João Sicsú. Governo Lula; a era do consumo. Texto para discussão. Rio de janeiro, IE-UFRJ,
n.21, 2017, p.25
2010 19,1
2009 18,1
2008 19,1
2007 17,4
2006 16,4
2005 15,9
2004 16,1
2003 15,3
2002 16,4
0 5 10 15 20 25
Investimento (FBKF) - % do PIB
Tabela 12: Evolução do crédito livre: pessoa física e jurídica no Brasil de dez. 2002/ dez. 2010
(em % do PIB)
Gráfico 12: Operação de crédito consignado para pessoas física no Brasil de 2004 a 2011 (em
% do PIB)
421 431,5
315,4 362
252,9
159 189
121,4
Tabela 13: Gasto social do governo central (% do PIB) – Gastos diretos e tributários
Ano Gasto social direto Gasto tributário
2002 12,6 % 0,3 %
2003 12,4 % 0,2 %
2004 12,8 % 0,4 %
2005 13,4 % 0,5 %
2006 13,6 % 0,6 %
2007 13,6 % 0,7 %
2008 13,3 % 0,7 %
2009 14,4 % 1,1 %
2010 14,0 % 1,0 %
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Tesouro Nacional (2015)
75
O gasto social foi outro fator importante para a redução da pobreza. Portanto, o
gasto social tem um papel fundamental para atender as pessoas em situação de
vulnerabilidade econômica, proporcionando oportunidades de promoção social. De
acordo com a tabela 13, nota-se que houve um aumento expressivo do gasto social
direto ao longo da primeira década do século XXI, sendo que, em 2003, representava
12,4% do PIB, encerrando, em 2010, com 14,0% do PIB nacional. Segundo Pochmann
(2014), os gastos sociais (gastos relacionados a educação, cultura, saneamento básico,
saúde, previdência social e assistência social) foram vitais para essa inflexão na
estrutura social brasileira.
O movimento de constitucionalização dos direitos dos trabalhadores
significou a valorização dos princípios da justiça e da solidariedade,
permitindo que o gasto social avançasse em relação ao Produto
Interno Bruto e passasse a apresentar resultados de melhor importante
no bem-estar geral da população. Em 2008, por exemplo, a força dos
benefícios da previdência e da assistência social associada à elevação
do valor real do salário mínimo evitou que quase 45% dos brasileiros
se encontrassem na condição de pobreza extrema (POCHMANN,
2014, p.66-67).
Tabela 14: Evolução dos gastos sociais do governo central no Brasil de 2002 a 2010 (%
do PIB)
Ano Assistência Educação e Previdência Saneamento Saúde
social cultura social básico e
habitação
2002 0,5% 1,7% 8,0% 0,1% 1,8%
2003 0,6% 1,6% 8,2% 0,1% 1,6%
2004 0,8% 1,5% 8,3% 0,1% 1,8%
2005 0,9% 1,6% 8,9% 0,1% 1,7%
2006 1,0% 1,6% 8,9% 0,1% 1,8%
2007 1,0% 1,7% 8,6% 0,1% 1,8%
2008 1,0% 1,8% 8,3% 0,2% 1,8%
2009 1,3% 2,0% 8,9% 0,2% 2,0%
2010 1,3% 2,1% 8,5% 0,2% 1,9%
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Tesouro Nacional (2015)
De acordo com a tabela 14, nota-se que houve incremento nos gastos sociais. A
assistência social teve um relativo crescimento passando de 0,5%, em 2002, para 1,3%,
em 2010. Segundo Mercadante (2010), as novas regulamentações em relação a
assistência social trouxeram uma nova visão superando, a visão assistencialista.
76
Ainda conforme a tabela 14, nota-se que os gastos sociais mais crescentes foram
com a Previdência Social, sendo que, em 2002 isso representava 8,0% do PIB,
encerrando em 2010 com 8,5% do PIB. A educação e cultura, em 2002, representavam
1,7% do PIB, aumentando para 2,1%, em 2010. Os gastos com saúde cresceram de
forma insignificante sendo que, em 2002, representava apenas 1,8%, passando para
1,9% do PIB, em 2010. Os gastos com saneamento básico e habitação foram os que
menos cresceram, passando 0,1% do PIB, em 2002, para 0,2%, em 2010.
60
50
40
30
20
10
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Classe A/B 7,6 7,7 8,3 9,4 9,7 10,4 10,6
Classe C 37,6 39,7 41,8 44,9 46,9 49,4 50,5
Classe D 26,7 27,1 27,1 26,4 25,1 24,4 23,6
Classe E 28,1 25,4 22,8 19,3 18,3 16 15,3
FONTE: Elaboração própria com base nos dados do Ministério da Fazenda (2011)
relação a classe D, houve uma queda de 23,6%, em 2009, tendo uma redução de 2,5
milhões de pessoas (NERI, 2011, p.86). Já, em relação à classe A/B, houve um relativo
crescimento de 7,6% , em 2003, para 10,6%,, em 2009, sendo que em termos relativos
esse segmento social teve um crescimento expressivo de 39,6%, de 2003 a 2009, sendo
incorporados 6,6 milhões a esse grupo social (NERI, 2011, p.91).
Embora Pochmann (2014) faça críticas pertinentes sobre a formação de uma
nova classe média no Braisl na primeira década do século XXI, não obstante, o
economista supracitado considera que as políticas macroeconômicas (aqui analisadas
nesta seção), implementadas neste periodo, foram fundamentais para a mobilidade
social, sobretudo, através do crescimento econômico e da geração de empregos.
O contraste entre o Brasil de 2010 e o da década de 1990 parece
inegável, uma vez que a sociedade conviveu, naquele periodo, com
um dos piores desempenhos socioeconômicos de todo o século XX. A
economia nacional transitou da queda acumulada de mais 1 milhão de
empregos formais, para o desempenho de mercado extremamente
dinâmico, com a geração de quase 6% do total de 45 milhões de
postos abertos no mundo. Na década de 1990, o Brasil não coneguia
responder por 2,7% das ocupações criadas no planeta. A explicação
para isso está no compromisso do governo Lula em fazer com que a
maior expansão da economia possa gerar o saldo de maior quantidade
de empregos, que somente nos periodos de 2008-2009 pode chegar a
7,5 milhões de novas ocupações. Algo muito distinto da medíocre
expansão de somente 796,9 mil novos empregos acumulados entre
1995 e 2002, quando se dizia que os novos empregos viriam com as
reformas neoliberias. (POCHMANN, 2010b, p.42-43).
Conforme Brasil (2014), a baixa classe média foi a que obteve crescimento
entre os anos 2001 e 2011. Isso se evidencia pela composição ocupacional. As
ocupações relacionadas ao setor da construção civil, aos serviços e as funções
administrativas - como secretárias e recepcionistas – cresceram, de forma significativa.
Ademais, vale ressaltar que também cresceram as atividades relacionados a serviços
domésticos, trabalhadores autonômos e outras atividades manuais. “As principais
profissões dos assalariados da massa trabalhadora são execução de trabalho manuais,
ajudantes de obras, cozinheiros e garçons. Serviços do mesmo tipo são também a
maioria dos profissionais autonômos dessa classe”( BRASIL, 2014, p.22).
Segundo Höfling (2015), o crescimento das atividades profissionais citadas
promoveu um alargamento da baixa classe média. Conforme o economista citado, há
um alargamento no meio da pirâmide concentrado (mais) na baixa média e (menos) na
média classe média, que juntas contemplam 56,24% da população, revelando portanto
espaço para a continuidade deste movimento em direção as classes média média e alta,
o que denotaria uma estrutura social a dos países desenvolvidos (destacadamente os
80
europeus). A participação nestas duas camadas passou de 16,13% em 2004 para 23,49%
em 2012 (HÖFLING, 2015)
política neoliberal tratava a questão social como residual, no governo Lula houve uma
prioridade nas políticas sociais nas quais o Estado teve um papel de relevo. Contudo,
Singer (2012) infere que, no governo Lula houve uma espécie de conciliação de classes
na qual se agradava, ao mesmo tempo, a elite financiera do país e também se aumentava
as políticas de transferência de renda para os estratos sociais mais baixos. “No lulismo,
pagam-se altos juros aos donos do dinheiro e ao mesmo tempo aumenta-se a
transfêrencia de renda para os mais pobres” (SINGER, 2012, p.2002).
Pochmann (2010b), em seu livro Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil,
infere que, a partir do governo Lula, o Brasil passou a demonstrar importantes sinais de
transição do neoliberalismo para o modelo social-desenvolvimentista. “ A identificação
básica de que o Estado faz parte das soluções dos problemas existentes não implicou
reproduzir os traços do velho modelo nacional desenvolvimentista vigente entre às
décadas de 1930 e 1970” (POCHMANN, 2010b, p.41).
Consoante Bresser-Pereira (2015), na década de 2000, o Estado foi uma ator
importante para a recuperação da economia nacional, entretanto, esse modelo
estrategico “social-desenvolvimentista” estaria ainda bem distante de um “novo modelo
desenvolvimentista”
O social desenvolvimentismo do governo Lula ficou longe da
proposta normativa do novo desenvolvimentismo. A apreciação
cambial nos seus oitos anos foi enorme. A preços de 31 de dezembro
de 2010, ela caiu de R$ 3,95 por dólar em 31 de dezembro de 2002
(R$ 7,95 a preços de 1/2014) para R$ 1,65 por dólar em 31 de
dezembro de 2010 (R$ 1,97 a preços de 1/2014). Essa apreciação foi o
fator que, somando à elevação do salário minímo real, e a elevação
dos demais salários no mercado de trabalho, explica o crescimento da
classe C, e a enorme popularidade de Lula no final do seu governo
(BRESSER-PEREIRA, 2015, p.348).
Esse novo papel do Estado teria um forte compromisso com políticas voltadas
para a redução da pobreza e com os anseios da classe trabalhadora. “Com isso, houve a
possibilidade de ampliação do gasto social de 19% para 22% do PIB, com a inclusão de
mais de um terço da população brasileira em programas de garantia mensal de renda – e
justamente a parcela da população que se localiza entre os 20% mais pobres”
(POCHMANN, 2010b, p.41).
Ademais, esse novo papel do Estado, reconstruido no governo Lula, trouxe de
volta a mobilidade social, com forte incorporação de mais brasileiros no consumo de
massa e no do mercado de trabalho. “Em resumo, o governo Lula poderá finalizar o seu
mandato com taxa de desemprego próxima de 5% do total da População
82
2
Neri faz uma classificação dos estratos sociais baseados em dados estatísticos de faixas de renda
domiciliar. Em sua análise as classes econômicas são classificadas em classes: A/B, C, D e E, e seus
dados são de 2011. Neri infere que a “faixa A/B” engloba uma renda familiar acima de R$ 5.174,00, a
“faixa C” teria uma renda familiar acima de R$ 1.200,00 até R$ 5.174,00, enquanto a “faixa D” incluiria
uma renda familiar acima de R$ 751,00 até R$ 1.200,00, e finalmente a “faixa E” inseriria uma renda
familiar de R$ 0,00 até R$ 751,00. Consoante Neri (2011), a “faixa C” seria a Nova Classe Média.
3
Pochmann (2014), o processo de “medianização” está relacionado a um crescimento da participação da
classe média ocorreu justamente nos países onde o Estado de Bem-Estar Social com garantias de renda e
a difusão do consumo de massa se mostraram uma realidade, principalmente durante o período de 1945-
1975 onde teve uma queda elevada da pobreza absoluta e uma elevação da renda e do pleno emprego nas
economias centrais
4
Pochmann (2014) infere que o Estado teve um papel importante na definição do padrão de mobilidade
social nas sociedades industriais. Segundo o autor, as políticas públicas implementadas pelo Estado
voltadas para o pleno emprego da força de trabalho, a partir da 2º Guerra Mundial, contribuíram para uma
nova estruturação social, em que a classe média exercia um papel importante.
88
5
Conforme Edgard Carone (1975) no início da Republica brasileira, as classes médias sofreram um
processo de autonomia e afirmação, o que as tornava cada vez mais consciente de suas forças e
necessidades. Carone (1975) infere que a alta, a média e a baixa classe média tinham uma formação
diversa. A alta classe média originou-se das ricas classes agrárias, ou seja, dos latifundiários. É neste
contexto que surge o fenômeno do bacharelismo na sociedade brasileira no início do século XX. Ou seja,
o bacharelismo era uma das principais opções encontradas pelos fazendeiros para seus filhos que
estudavam nas Faculdades de Direito do Recife e de São Paulo e a de Medicina. Já a classe média
intermediária era composta por imigrantes, segmentos das classes decadentes das zonas decadentes do
café e do açúcar, alguns profissionais liberais e o exército. A baixa classe média no início da República
era constituída de baixos funcionários públicos e artesãos (CARONE, 1975, p. 178)
89
6
Bresser-Pereira (2003) infere que o regime militar, na medida em que era um governo de militares e de
tecnocratas, era um governo da classe média. O programa do Banco Nacional de Habitação (BNH)
constitui um exemplo conspícuo a respeito. O Plano Nacional de Habitação foi formalmente estabelecido
para a construção de casa populares. Na pratica, porém, transformou-se em um excelente meio de
financiamento para as casas de classe média. A política salarial do governo é outro exemplo clássico.
91
econômico o qual foi marcado por elevadas taxas de crescimento, puxado pela indústria,
favoreceu o surgimento de uma classe média consumista à custa de uma política de
contração de salários, mesmo na fase acelerada de expansão econômica. Como assinala
Bresser-Pereira (2015), só é possível compreender o “milagre econômico” de 1968-
1973 e, mais genericamente, a alta taxa de desenvolvimento econômico alcançado até
1980, considerando-se a concentração de renda da classe média para cima que acontece
nesse período. Ou seja, houve uma política de arrocho e controle dos salários dos
trabalhadores, mas os salários, para os profissionais da classe média tecnocrata foram
mantidos e até sobrevalorizados. Isso beneficiou o segmento das chamadas profissões
liberais.
Neste sentido, o “milagre brasileiro” foi um verdadeiro “paraíso” a classe média.
Isso se deve ao fato do extraordinário crescimento econômico e o avanço das empresas,
nos anos 1970, que exigiam um recrutamento de mais técnicos e administradores, o que
se fazia de compensadora remuneração. Como assinala Mills (1969), o surgimento da
classe média (que ele chama de classe do colarinho branco) está diretamente relacionada
com o crescimento regular da burocracia. Ademais, outro motivo para a expansão dos
empregos dos colarinhos brancos foi o desenvolvimento das grandes empresas privadas
e públicas e, em consequência, o crescimento regular da burocracia, uma tendência da
estrutura social moderna (MILLS, 1979). Isso permitiu a ascensão da chamada burguesia
gerencial.
A existência de uma burguesia gerencial é inegável, à medida em que,
nas grandes empresas, a produção é organizada de forma rigidamente
hierárquica, segundo um modelo burocrático de corte militar, estando
todo o poder de decisão concentrado nas mãos d um grupo de
“empregados” enquanto os demais assalariados (que formam o
proletariado) estão sujeitos a uma disciplina que em nada difere da
que lhes é imposta nas empresas dirigidas pelos seus “proprietários”.
Convém reconhecer que fazem parte da burguesia gerencial não só os
administradores profissionais que dirigem as grandes empresas
capitalistas – a maioria multinacionais ou estatais – mas também os
administradores do aparelho do Estado e dos grandes aparelhos
burocráticos paraestatais como universidades e hospitais mantidos por
entidades não-lucrativas, fundações, conselhos profissionais, órgãos
de pesquisas etc., etc... A burguesia é, neste sentido, a classe que
monopoliza a propriedade dos meios de produção e de controle social,
entendendo-se por propriedade o domínio efetivo destes meios, ou
seja, o domínio sobe aqueles que, mediante o seu trabalho, realizam a
produção e o controle (SINGER, 1981, p.21).
Enquanto os salários dos operários eram rigidamente controlados e rebaixados, os salários da classe
média eram liberalizados.
92
Nos anos 80, com a crise da dívida externa, o país foi marcado por uma fase de
recessão econômica e estagnação da renda que ficou conhecido como a “década
perdida”. Esse período foi marcado por perdas sociais e baixo crescimento, sendo que as
classes sociais menos favorecidas foram as mais atingidas. “Os assalariados, que
haviam sido os menos beneficiados acelerado, tornaram-se as primeiras e maiores
vítimas da recessão” (BRUM, 1999, p392). Nesse sentido, a economia brasileira
ingressou numa longa fase de baixo dinamismo econômico. Isso trouxe efeitos nefastos
na classe média brasileira. Com o abandono do projeto de desenvolvimento nacional, a
partir da década de 1980, a economia brasileira ingressou numa longa fase de baixo
dinamismo nas atividades produtivas, o que resultou em maior incapacidade de
expandir o emprego no mesmo nível de aumento da população economicamente ativa.
O resultado foi um contingente ainda maior de mão de obra sobrante (POCHMANN,
2012).
Durante os 90, o Brasil foi marcado pela onda neoliberal que trouxe efeitos
nefastos no mundo do trabalho e na mobilidade social brasileira. “Entre 1981 e 2002,
por exemplo, cerca de 11milhões de brasileiros foram rebaixados ou constrangidos por
grave piora na situação social” (POCHMANN, 2014, p. 43). Essa grave piora, na
situação social, atingiu os setores ocupacionais da classe média brasileira. Em especial,
na estrutura ocupacional de postos tradicionais de classe média. Os procedimentos de
93
4.2.1 Para uma caracterização da chamada “nova classe média” brasileira, por Neri
Essa nova classe média surgiu a partir de amplos programas de reformas sociais,
voltados para a reduzir a pobreza, distribuir renda, incorporação social e para a
promoção do consumo. Com efeito, a nova classe média brasileira, propalada pelos
dados estatísticos de Marcelo Neri (2001), é decorrente de várias medidas econômicas e
sociais redistributivas do governo Lula. Como destaca André Singer (2012):
Entretanto, parado oito anos, o cenário era outro. Em dezembro de
2010 os juros tinham caído para 10,75% ao ano, com taxa real de
4,5%. O superávit primário fora reduzido para 2,8% do PIB e,
“descontando efeitos contábeis”, para 1,2%. O salário mínimo,
aumentando em 6% acima da inflação naquele ano, totalizava 50% de
acréscimo, além dos reajustes inflacionários, entre 2003 e 2010. Cerca
de 12 milhões de famílias de baixíssima renda recebiam um auxilio
entre 22 e duzentos reais por mês do Programa Bolsa Família (PBF).
O Crédito havia se expandido de 25% para 45% do PIB, permitindo o
aumento da produção de consumo dos estratos menos favorecidos, em
particular mediante o crédito consignado. (SINGER, 2012, p.11-12).
Conforme Neri (2011), essa ascensão dessa nova classe C deve -se a uma
redução da desigualdade e da pobreza, marcada no período do governo Lula. Conforme
o economista citado, entre 2003 e 2011, cerca de 39,6 milhões ingressaram nas fileiras
da chamada nova classe média ou classe C (Neri, 2011, p27). As taxas acumuladas de
crescimento da renda acumulada indicam que o bolo da metade da população mais
pobre cresceu, reduzindo a desigualdade no Brasil. “De acordo com a Pnad, a
desigualdade de renda no Brasil vem caindo desde 2001. Entre 2001 e 2009, a renda per
capita dos 10% mais ricos aumentou 12,8% em termos acumulados, enquanto a renda
dos mais pobres cresceu notáveis 69,08% no período” (2011, p25).
FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo:
Editora Saraiva, 2011, p.26
Em se tratando de renda, Neri (2011) infere que uma das formas de definir as
classes econômicas (A/B, C, D e E) é pelo potencial de consumo. A métrica da renda é
fundamental para a classificação das classes econômicas. Nesse sentindo “a renda
daqueles que se identificam como pretos e pardos sobe 43, 1% e 48,5% respectivamente,
contra pretos e brancos sobe de 0,53 para 0, 62.” (NERI, 2011, p.33). O Nordeste
brasileiro teve o maior ganho de renda do país, sendo que no período de 2003 a 2008 foi
de 7,3%. Inclusive Teresina foi uma das capitais que teve uma das maiores taxas de
96
crescimento econômico, ocorrido similarmente nas áreas rurais mais pobres das cidades
do país.
Fazendo um zoom pelo Pnad nos municípios das capitais, a maior taxa
de crescimento foi a de Teresina, com 56,2% e o destaque nos
municípios das periferias das metrópoles de Fortaleza, com 52,3%. Já
a renda na capital e periferia dá Grande São Paulo subiu 2,3% e 13,1%
respectivamente. Esse padrão no qual a periferia cresceu mais que a
capital foi observada em sete das nove grandes metrópoles brasileiras.
Simultaneamente, a renda cresceu mais nas pobres áreas rurais, 49,1%
contra 16% nas metrópoles e 26,8% nas demais cidades. A renda per
capita que referencia a maior parte das pesquisas acerca do binômio
pobreza e desigualdade é uma média interna dos domicílios. Tudo se
passa como se vivendo numa espécie de socialismo doméstico no qual
cada membro do domicílio deixa seu respectivo quinhão de renda num
pote, do qual cada um retira depois uma parcela igual de renda (NERI,
2011, p32-33)
Tabela 16: Definição das classes econômicas. Renda domiciliar total de todas as fontes
Limites (preços 2011)
Inferior Superior
Classe AB R$ 5.174,00
FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide social. São
Paulo: Saraiva, 2011, p.82
7
Esse termo Belíndia ,foi popularizado, em 1974, pelo economista Edmar Lisboa Bacha, em sua fábula “o
Rei da Belíndia”, de fundo ideológico na qual argumentava que o regime militar estava criando um país
dividido entre os que morava em condições similares á Bélgica e aquele que tinha o padrão de vida da
Índia. Um termo referente a um referente a um novo país similar à Bélgica e os padrões de vida da Índia,
daí “Belíndia”.
98
A classe média brasileira é uma boa fotografia da classe média mundial. Neste
sentido, a perspectiva de Neri (2011) reside no fato de que alterações ocorridas na
pirâmide social revelam uma importante mobilidade social que levou uma
“medianização” da sociedade brasileira. Segundo o autor, neste período houve um boom
do consumo. Casa, computador, crédito e carteira de trabalho estavam todos em níveis
recordes históricos quando a crise chegou ao país, e agora, em 2010, estão voltando a
níveis próximos ou superiores a recordes históricos. Com efeito, “não é à toa que Barack
Obama falou da classe média quando esteve aqui, em 2011” (NERI, 2011, p. 84).
Neste aspecto, Neri (2011) faz uma abordagem interessante sobre a classe média
brasileira e a classe média norte-americana
De todo modo, aquele pertence à nossa A, que se julgue classe média,
procure as palavras Made in Usa atrás de espelho. Agora, a parcela da
classe C subiu, no Brasil, 22,8% de abril de 2008. Nesse período,
nossa classe AB subiu 33,6%. Portanto, para quem considera a classe
média mais rica que a nossa classe C, a conclusão cresceu não é
afetada, ao contrário. (NERI, 2011, p.84).
Classe D - 11,63%
Classe C 34,32%
Classe AB 39,60%
FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo:
Saraiva, 2011, p.85
Para Neri (2011), durante o governo Lula houve uma verdadeira evolução da
participação da classe média na pirâmide social brasileira. “Houve uma verdadeira dança
distributiva da população brasileira entre os diferentes estratos econômicos” (NERI,
2011 p. 85). Essa evolução da classe se explica pelo crescimento econômico e pela
redução da pobreza e desigualdade. Se no futuro um historiador fosse nomear as
principais mudanças ocorridas na sociedade brasileira e latino-americana na primeira
década do terceiro milênio, poderia chama-la de década da redução da desigualdade de
renda (NERI, 2011, p.57).
99
Tabela 18: Diferença e evolução da população por classes sociais de 2011 à 2003
Participação das classes de Diferença populacional Evolução populacional
2011/2003
FONTE: Marcelo Neri. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo:
Saraiva, 2011, p.89
8
Neri (2011) infere que, o Crediamigo é o maior programa de crédito produtivo popular brasileiro com
mais de dois terços do mercado doméstico que atua na região Nordeste. O objetivo do Crediamigo é
facilitar o crédito a milhares de empreendedores de setores formal e informal da economia brasileira. Em
sua análise sobre a importância do crédito Neri (2011 p. 200 -201) infere que o Crediamigo constitui um
fator fundamental para os segmentos de baixa renda e que se tornou uma referência básica operacional
para os bancos federais como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
102
consideram que o recente processo de mobilidade social não pode ser compreendido sob
o prisma individual, mas um fenômeno coletivo. Ademais. Os autores supracitados
utilizam critérios objetivos e subjetivos para classificar a classe média. Os critérios
objetivos são educação, renda e ocupação. Os critérios subjetivos são identidades de
classe e como os próprios entrevistados veem a classe média.
A educação é considerada a principal marca da classe média. “Até as primeiras
décadas do século XX, o ensino de segundo grau já era suficiente para engendrar tais
oportunidades” (SOUZA E LAMOUNIER, 2010 p14). Conforme os autores, 97% dos
entrevistados pela sua pesquisa consideram a educação de qualidade um fator
“essencial” ou “muito importante” para vencer na vida. “Os resultados mostram que a
boa educação e inteligência ou talento são os principais fatores para a ascensão social
sendo estes destacados especialmente pelos entrevistados com escolaridade superior e
média (SOUZA E LAMOUNIER, 2010 p. 56). Assim como as pessoas do nível alto, os
semiescolarizados também desejam que seus filhos conquistem um diploma de curso
superior (SOUZA E LAMOUNIER, 2010). O ensino superior continua sendo visto
como um artigo da classe alta e classe média tradicional.
A proposta de democratizar o acesso ao ensino superior com base na
etnia e na origem socioeconômica, soa atraente para os brasileiros. [...]
chama a atenção o amplo apoio à política de cotas entre os
semiescolarizados (84%) e aqueles que completarem o nível
fundamental (entre 77% e 80%). Do nível médio em diante, verifica-se
pequena queda da proporção de cotas que concorda com as cotas. Mas
o apoio a proposta permanece no patamar de 70%. A exceção é a
política de cotas para negro. Nesse caso, o nível de apoio reduz-se
mais rapidamente ao longo do gradiente de educação. O segmento da
educação universitária praticamente se divide ao menos quanto a
adoção de cotas raciais, indicando a preocupação de que a iniciativa
possa exacerbar as percepções de diferenças raciais (SOUZA E
LAMOUNIER, 2010, p70).
consideram que a distribuição de renda no país permanece como uma das piores do
mundo e que há uma busca da renda permanente.
O crescimento econômico do Brasil nos últimos anos traduziu-se na
percepção de um nível maior de renda permanente, expandindo a
demanda. Entretanto, as oscilações da renda familiar geradas por
empregos poucos estáveis ou atividades por conta própria sinalizam
dificuldades em manter o perfil do consumo ambicionado pelas faixas
de renda mais baixas. Endividando-se além do que lhes permitem os
recursos de que dispõem, essas famílias defrontam-se com um risco de
inadimplência maior que o das famílias de classe média estabelecida
(SOUZA E LAMOUNIER, 2010, p32-33).
sociedade. E com seu avanço, a qualidade de vida de seus integrantes melhoraria ainda
mais, a desigualdade social diminuiria e o Brasil se tornaria mais igualitário, homogêneo
e democrático, superando, enfim, seus principais problemas e ingressando no mundo
desenvolvido. Assim, “qualificação, competência e educação tornam-se, assim,
requisitos indispensáveis para subir na estrutura social” (SOUZA E LAMOUNIER,
2011, p 165).
Como observa Luciana Brasil (2014, p. 20): “A baixa classe média foi a que mais
obteve crescimento entre os anos 2001 e 2011”. A baixa classe média seria composta
das ocupações relacionadas a construção de edifícios, vigilância privada, motoristas
(polivalentes e de mercadorias), alimentação (cozinheiros, garçons, barmen e copeiros),
solda e corte de metais, mecânicos de veículos, carregadores de mercadorias e outros
trabalhadores de serviços. Neste sentido houve uma melhora na estrutura social
brasileira. Como infere Höfling (2015, p110): “Sob qualquer perspectiva da análise
econômica-ortodoxa, heterodoxa, de esquerda, de centro ou de direita – ou social –
histórica, sociológica ou política -, é unânime a constatação de uma melhora na estrutura
social brasileira a partir de 2004”. Não obstante as transformações ocorridas na pirâmide
social brasileira, não se pode inferir o surgimento de uma nova classe média. De fato,
houve avanços no combate as iniquidades sociais. Isso resultou, segundo Argemiro
Brum, na saída de 30 milhões de brasileiros da miséria e da pobreza.
108
Pochmann (2012a) considera que, mesmo com os avanços sociais não houve um
engrossamento da classe média. O que houve foi a incorporação de milhares de pessoas
ao nível inferior ocupacional da pirâmide social brasileira. “Com isso, uma parcela
considerável da força de trabalho conseguiu superar a condição de pobreza, transitando
para o nível inferior da estrutura ocupacional de baixa remuneração; embora não seja
mais pobre, tampouco pode ser considerada classe média” (POCHMANN, 2012a, p. 20).
Segundo Daniel Höfling (2015), o que houve de fato foi o aumento daquilo que ele
chama de Baixa Classe Média.
Para Pochmann (2012a). a ideia de nova classe média foi criada, artificialmente,
para fins de que um grupo de trabalhadores, incluídos por meio de empregos, fossem
orientados política e economicamente. “A interpretação de classe média (nova) resulta,
em consequência, no apelo a reorientação das políticas públicas para a perspectiva
fundamentalmente mercantil” (POCHMANN, 2012a, p. 11). Esse processo de ilusão de
pertencimento a classe média deu -se pela lógica do consumo. Todavia, “medir a
evolução da qualidade de vida das pessoas apenas pela dinâmica do consumo, mesmo
em pesquisas direcionadas menos a questões sociais do que ao potencial de consumo, é
algo limitado” (HOFLING, 2015, p.163). Esse aumento do consumo de massa de bens
duráveis (como geladeiras, fogões, máquinas de lavar, tvs led e etc ) mediante a
valorização salarial, expansão do crédito (crediário, cartão de credito, carnês,
109
parcelamento etc) e também dos preços derivados da valorização cambial, trouxe uma
ilusão de pertencimento de classe e grande endividamento das famílias
assalariados com carteira, a taxa de sindicalização caiu de 32,9% para 29,7% ao passo
que no total dos ocupados subiu levemente de 12,2% para 13,1%” (POCHMANN,
2012a, p. 45). Ademais, em 1999 a taxa de sindicalização era 36,7% caindo
substancialmente para 10,3% em 2009 (POCHMANN, 2012a).
Fica evidente que, para Pochmann (2012a), as mudanças ocorridas na pirâmide
social não significaram a “medianização” da sociedade brasileira. A “nova classe média”
corresponde a uma parcela da população que abandonou a pobreza, mas encontra-se
circunscrita a um padrão de vida limitada pelas precariedades das ocupações, da
variabilidade da renda, da escassez da propriedade e da pouca acessibilidade aos
serviços públicos. O que houve foi um processo de inflexão social que se caracteriza por
uma recomposição da classe trabalhadora em novas bases de consumo. “A inclusão da
classe trabalhadora nos frutos do crescimento econômico não levou ao entendimento de
que se tratava de uma mudança na estrutura de classes da sociedade, tampouco à
ascensão de uma nova classe média” (POCHMANN, 2014, p. 52).
Na realidade, mesmo com a incorporação social dos segmentos sociais menos
favorecidos, por meio do crescimento do emprego formal e da valorização do salário
mínimo, a desigualdade social no Brasil ainda é profunda e abissal. Segundo o
economista supracitado, o que temos é uma elite de hiper-ricos de caráter global. “A
riqueza concentrada daria forma à manifestação material da existência de uma
superclasse de controle geral do capitalismo de dimensão global” (POCHMANN, 2015,
p. 63). Apesar das transformações recentes na estrutur social, o Brasil ainda é muito
desigual. A riqueza acumulada dos hiper-ricos subiu 7,1 vezes, no período de 2000 a
2014, sendo que o Brasil ocupava a sétima posição no posto da hierarquia de
concentração dos milionários da classe global (POCHMANN, 2015).
Essa imensa concentração de riqueza e de renda está relacionado com a certeira
observação de Celso Furtado (1985) de que as elites brasileiras buscam reproduzir um
padrão de consumo cosmopolita, através da importação de produtos de luxo e agravando
mais ainda a desigualdade social. “As informações relativas à distribuição de renda nos
países periféricos põem em evidencia que a parcela da população que reproduz as
formas de consumo dos países cêntricos é reduzido” (FURTADO, 1985, p.71).
Um dos principais aspectos, decorrentes da valorização da renda do trabalhador
foi o acesso a bens e serviços que antes eram restritos a segmentos sociais privilegiados.
Houve um crescimento significativo do consumo das famílias. O crescimento real
verificado na renda média da população ocupada impactou diretamente o consumo das
111
famílias, que passou a responder por mais de dois terços da dinâmica de crescimento do
Produto Interno Bruto do país. (POCHMANN, 2014). A melhora na renda contribuiu
para a redução da pobreza e da desigualdade de renda no Brasil, resultando num bom
desempenho dos indicadores de mobilidade social, principalmente nos rendimentos dos
trabalhadores da base da pirâmide social brasileira.
mais enriquecidos no país. Segundo Alexandre Guerra (2006), foi no governo JK que a
classe média assalariada ganhou maior expressão no setor privado. O segundo ciclo de
consumo de bens duráveis ocorreu no final da década de 1960 até o período do chamado
“milagre brasileiro” (1968-1973). É nesse período que se consolidou a classe média
tradicional. “Ao contrário da massa trabalhadora, que teve seus rendimentos contidos
abaixo da inflação, os estratos de classe média assalariada elevaram suas remunerações
acima da inflação, incorporando ganhos significativos de produtividade” (POCHMANN,
2014, p.86).
Ademais, as políticas dos governos autoritários da época do regime militar
favoreceram a classe média tradicional por meio de crédito subsidiado ao consumo e a
aquisição da casa própria (Banco Nacional de Habitação) e do automóvel, bem como a
entrada nos cursos de ensino superior. O terceiro ciclo de consumo está associado as
duas razões: 1) as mudanças significativas dos preços relativos especialmente com a
queda dos custos de bens de consumo duráveis desde os anos 90; 2) a ampliação do
crédito ao consumo e desconcentração de renda na base da pirâmide social brasileira.
Assim, o processo recente de modernização no padrão de consumo se mostrou
capaz de incorporar mais segmentos da população de baixa renda. Consideram-se como
elementos explicativos principais das mudanças os efeitos sobre os rendimentos da
população e as alterações na composição da estrutura das famílias brasileiras
(POCHMANN, 2014). Segundo Pochmann (2104), as alterações nos preços relativos do
Brasil explicam esse aumento do consumo. “O balanço geral sobre o comportamento
dos preços desagregados a partir da estabilidade monetária entre os anos de 1995 e 2012
aponta para uma importante mudança nos preços relativos no Brasil” (POCHMANN,
2014, p. 92). De 2004 a 2008, os preços de bens de consumo duráveis, principalmente os
produtos de eletrodomésticos tiveram um comportamento abaixo da variação da
inflação. Em se tratando de 2009 a 2012, novamente os produtos eletrodomésticos
também tiveram um comportamento de preços abaixo da inflação (POCHMANN, 2014).
É nesse sentido que se difundiu o consumo de bens de consumo duráveis no Brasil,
sobretudo, no governo Lula.
Fica evidenciado, que as melhorias dos indicadores na distribuição da renda do
trabalho e de seu aumento na participação gerada concentrou-se, fundamentalmente, na
base da pirâmide social. Conforme o economista Ladislau Dowbor (2010, p. 143), com a
reconversão da economia para diversos programas distributivos houve um aumento da
demanda. “Abre-se assim um horizonte econômico maior dentro do país, onde cerca de
113
100 milhões de pessoas estão precisando consumir de maneira decente, ter acesso a casa
digna e assim por diante”.
Com efeito, dinheiro na base da sociedade se transforma em demanda efetiva,
aumentando o consumo, estimulando a produção e ativando a economia. Neste contexto
houve uma mudança no padrão de consumo das famílias. O consumo que dantes era
destinado para espaços públicos como teatros, cinemas, entre outros se deslocou
rapidamente para produtos de tecnologia de comunicação e informação.
4.2.4 Chauí e sua contribuição filosófica sobre a nova classe média brasileira.
Em sua análise sobre a nova classe média, Marilena Chauí (2013) considera que
houve uma mudança profunda na composição da sociedade brasileira, graças aos
programas governamentais de transferência de renda, inclusão social e erradicação da
pobreza, valorização do salário mínimo e a recuperação de parte dos direitos sociais das
classes populares (como saúde, alimentação, educação e moradia). Segundo Chauí
(2013), a combinação dessas políticas públicas resultou numa mobilidade social no país.
Neste sentido, percebe-se claramente que Chauí concorda com os estudos de Pochmann,
de que houve a ascensão de uma nova classe trabalhadora. Com inspiração marxista,
corroborando o pensamento do historiador marxista Edwar P. Thompson, Chauí salienta
que:
Segundo Chauí (2013), a classe média é fragmentada por sua própria natureza:
Chauí (2013) acrescenta que, devido a esse temor de se tornar uma classe
proletária, a classe média configura-se como uma classe ideologicamente conservadora e
reacionária.
Isso torna a classe média ideologicamente conservadora reacionária, e
seu papel social e político é o assegurar a hegemonia da classe
dominante, fazendo com que essa ideologia, por intermédio da escola,
da religião, dos meios de comunicação, se naturalize e se espalhe pelo
todo da sociedade. É sob essa perspectiva que se pode dizer que a
classe média é a formadora da opinião social e política conservadora e
reacionária (CHAUÍ, 2013, p. 131).
116
Dizer que os ‘emergentes’ são uma ‘nova classe média’ é uma forma
de dizer, na verdade que o Brasil, finalmente está se tornando uma
Alemanha, uma França ou uns Estados Unidos, onde as “classes
médias” e não os pobres, os trabalhadores e os excluídos, como na
periferia do capitalismo, formam o fundamento da estrutura social
(SOUZA, 2012, P.20).
Para Souza (2012), não é verdadeiro afirmar que houve a formação de uma nova
classe média no país. Como assinala o sociólogo: “Nossa pesquisa empírica e teórica
demonstrou que isso é mentira” (SOUZA, 2012, p.21). Uma mentira, que diz respeito a
uma dominação ideológica e simbólicos, porém as mudanças são reais. Pelo outro, “são
(...) porque essas mudanças reais são interpretadas de modo distorcido, sem conflitos e
sem contradições” (SOUZA, 2012, p.21). Souza chama isso de isso de “meias-
verdades”. Na concepção de Souza, o discurso de que houve a formação de uma nova
classe média no Brasil, no começo dos anos 2000, não esclarece o processo de mudanças
ocorrido neste período. Com efeito:
Em sua análise crítica, Souza (2012) considera que o problema está numa visão
distorcida da realidade brasileira, tanto sob o víeis da direita como da esquerda. Souza
infere que não se pode ter uma visão economicista da realidade brasileira. Neste aspecto,
Souza assinala, dizendo que: “gostaria de defender aqui uma tese simples e clara:
sempre que não se percebem a construção e a dinâmica das classes sociais na realidade
temos, em todos os casos, distorção da realidade vivida e violência simbólica, que
encobre dominação e opressão injusta” (SOUZA, 2012, p. 21).
Com efeito, do lado da direita neoliberal, o problema está no fato do liberalismo
economicista faz “dizer” que existem classes e negar, no mesmo movimento, a sua
existência ao vincular a renda. É isso que faz os liberais dizerem que os “emergentes”
são uma “nova classe média” por ser um estrato com relativo poder de consumo
(SOUZA, 2012, p. 22). Souza também critica a esquerda quando afirma que o
118
infere que o dinheiro não é suficiente para “distinção social”. Para Souza (2012), a
“herança imaterial”, ou seja, o estilo de vida (o capital cultural) é o fundamento de
distinção social o qual permite a manutenção do status quo. Assim, a dita “nova classe
média”, no Brasil, seria formada por trabalhadores ou “batalhadores” desprovidos de
capital cultural. Seria composta de pessoas que compensam esta falta de capital social e
cultural com uma longa jornada de trabalho.
Portanto, seria necessária uma transferência de valores imateriais na reprodução
das classes sociais (SOUZA, 2012, p.23). Ou seja, a composição das classes diz respeito
a “herança imaterial” ou capital cultural. Essa herança imaterial da classe média, por
excelência, é completamente invisível para visão economicista dominante dos mundos.
Na concepção de Souza, o discurso do surgimento de uma nova classe média no Brasil
escamoteia a realidade social. Segundo o autor há um processo de opacidade do
processo social.
Ademais, Souza (2012) considera que os setores médios, no Brasil, são formados
principalmente de profissionais liberais, rentistas e funcionários públicos. Esses dispõem
de tempo, como um dos recursos mais valiosos, enquanto os batalhadores se sujeitam as
jornadas duplas para deixar, no passado, a sua classe originária: a chamada “ralé
estrutural”. Desse modo, a identificação dos setores médios estaria relacionada, segundo
Jessé Souza, as condições socais, morais e culturais. Classe média, nesse sentido, seria a
incorporação de um habitus compatível com essa posição. Os batalhadores estariam
convictos do papel de trabalho árduo, na mudança de suas vidas, com grande capacidade
de autocontrole. Conforme o autor:
Souza (2009) infere que é justamente a “ralé” que proporciona tempo adicional para
classe média tradicional e classe alta se sujeitando a qualquer atividade. A “ralé” é vista como
mera energia muscular a ser explorada pela classe média e pela classe alta.
É desse modo que essa classe é explorada pela classe média e alta:
como “corpo” vendido a baixa preço, seja no trabalho das empregadas
domésticas, seja como dispêndio de energia muscular no trabalho
masculino desqualificado, seja na realização literalmente metáfora do
“corpo” à venda, como na prostituição. Os privilégios da classe e alta
advindos da exploração do trabalho desvalorizados dessa classe são
insofismáveis. Se pensarmos nas empresas domésticas, temos uma
ideia de como a classe média brasileira, por exemplo, tem o singular
privilégio de poder poupar tempo das repetitivas e cansativas tarefas
domesticas, que pode ser reinvestido em trabalho produtivo e
reconhecido fora de casa (SOUZA, 2009, p.24).
Souza (2012) ainda acrescenta, inferindo que, na verdade há uma luta de classes
invisível, cotidiana, menos barulhenta, mas não menos insidiosa entre as classes sociais.
Souza (2012) afirma que há um processo de “naturalização” da desigualdade. Ou seja, o
121
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
não é um dado fixo, determinado apenas pelo fator econômico, mas também um sujeito
moral, político e cultural. Neste sentido, a noção de classe social é mais complexa e,
está para além de dados estatísticos.
Conforme Pochmann (2014), o discurso de que houve a formação de uma nova
classe média no Brasil, na primeira década do século XXI, nada mais é do que um
discurso propagandístico. Sendo assim, não houve a ascensão de uma nova classe
média, pois a mobilidade social brasileira concentrou-se, fundamentalmente, na base da
pirâmide social, especialmente nas ocupações com remuneração próxima ao salário
mínimo. Portanto, essa dita nova classe média é discutível. Não obstante, essa
mobilidade social recente aponta para uma questão fundamental (que não é tão nova)
que reside na diferença abissal da qualidade de vida entre ricos e pobres. Assim, fica
evidente que a discussão, em torno das classes sociais nas ciências sociais, sobretudo,
na economia política, ainda é um assunto pertinente e perene.
Portanto, as mudanças ocorridas, na estrutura social brasileira, nos anos 2000
revelam apenas uma renovação da base da pirâmide social do país, tendo uma grande
participação do rendimento do trabalho na renda nacional. Essa realidade expressa certa
inflexão na política pública de primeiro distribuir melhor a renda para então sustentar o
ciclo expansionista da queda de pobreza (POCHMANN, 2012a). Como consequência
das principais mudanças ocorridas no interior da dinâmica da produção nacional foi uma
evolução na composição da força de trabalho, tendo uma importante participação do
setor terciário.
Durante a década de 2000, o setor terciário gerou 2,3 vezes mais empregos do
que setor secundário, ao passo que, na década de 1970, o setor terciário gerava somente
30% mais postos de trabalho do que o setor secundário da economia nacional. No setor
primário, a diminuição nos postos de trabalho no primeiro decênio do século XXI chega
a ser nove vezes maior do que o verificado na década de 1970 (POCHMANN, 2012, p.
17)
Vale ressaltar que o Estado também teve um papel fundamental nessa
mobilidade social, no sentido de atuação estatal fomentou um mercado consumidor de
massa por meio políticas sociais ou econômicas (como o aumento dos salários, a
formalização e a expansão do crédito). Como observa Faria (2010), era preciso
recuperar a capacidade de planejamento e coordenação a fim de atender as demandas
sociais. Conforme o autor citado, essa recuperação do papel do Estado está associada a
um novo modo de pensar a atuação estatal, sobretudo no que tange em promover as
124
políticas públicas. Nesse sentido, o Estado, no primeiro décimo do século XXI, foi
fundamental, através das políticas públicas de valorização do salário, geração de
emprego e programas de combate a extrema pobreza, no processo de mobilidade social.
Consoante Pochmann (2010c), a partir da primeira década do século XXI, o
Estado foi fundamental par o revigoramento da mobilidade social, no sentido de que
agora ele (o Estado) não é visto como a raiz dos problemas da sociedade (como aborda a
perspectiva neoliberal a qual predominou no Brasil nos anos 90), mas passa a ser visto
como a solução dos problemas - daí o fato de autores como Sader (2009) e Chauí (2013)
considerarem o governo Lula como pós-neoliberal.
Contudo, mesmo com essa nova perspectiva sobre a atuação do Estado, na
implementação de políticas públicas que resultaram na redução da pobreza e numa
relativa mobilidade social, sobretudo, na base da pirâmide social, isso não traduzia na
formação de uma nova classe média, mas numa importante inflexão na estrutura social
brasileira, que configurou na expansão de ocupações ligadas ao setor terciário
(principalmente ao setor de serviços) e ao setor da construção civil. “A força do conjunto
dos rendimentos dos trabalhadores de salário de base impulsionou a modificação
significativa na estrutura da massa de remuneração do conjunto dos ocupados brasileiros”
(POCHMANN, 2012, p. 29)
Tendo em vista a ampliação da massa de remuneração do trabalho, em especial
com forte geração de empregos formais, houve uma redução do número de miseráveis,
impactando, de forma positiva, a base da pirâmide social brasileira. Isso constatou-se com
a internalização do consumo moderno, praticado nos países de capitalismo avançado. O
crescimento real da renda média da população, sobretudo, com a valorização do salário
mínimo, impactou diretamente o consumo das familiais. Isso teve um efeito dinâmico na
economia brasileira. As despesas com bens de consumo duráveis (eletrodomésticos),
turismo gasolina, alimentos, tecnologia de comunicação e informação aumentaram
substancialmente, na primeira década do século XXI (NERI, 2011). Como infere Neri
(2011 p. 123): “Seguindo a analogia culinária tradicional, o bolo dos brasileiros pobres
cresceu nos dez anos, não obstante o crescimento ter dado um ‘bolo’ nos pobres nas
décadas anteriores”.
Cabe, contudo, considerar que definir uma classe apenas pelo víeis da métrica da
renda é insuficiente. Como observa Souza (2012), é preciso considerar tanto o aspecto
econômico como o aspecto político e cultural. Guerra (20006) ainda acrescenta que a
forma tradicional de investigação das classes sociais (por meio da classificação de classes
125
preciso considerar que as classes sociais são um fenômeno histórico. Como observa
Thompson (1997), a noção de classes sociais traz consigo uma noção de relação histórica.
Portanto, a classe social não é uma coisa, mas uma relação social. Neste sentido,
a ciência econômica tem um papel vital no sentido de lançar luzes a essa questão,
considerando que a desigualdade e o estudo da estrutura social devem ser recolocadas no
cerne da análise econômica, pois a história da desigualdade se repete a cada geração
como um desafio teórico e ético.
127
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