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EXAME DISCURSIVO
03/12/2023
Boa prova!
LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS
PREÂMBULO
— O meu amigo Faustino Xavier de Novais conheceu perfeitamente aquele nosso amigo Silvestre da Silva...
— Ora, se conheci!... Como está ele?
— Está bem: está enterrado há seis meses.
— Morreu?!
5 — Não morreu, meu caro Novais. Um filósofo não deve aceitar no seu vocabulário a palavra morte, senão
convencionalmente. Não há morte. O que há é metamorfose, transformação, mudança de feitio. [...]. O
nosso amigo Silvestre da Silva, a esta hora, anda repartido em partículas. Aqui faz parte da garganta dum
rouxinol; além, é pétala duma tulipa; acolá, está consubstanciado num olho de alface; pode ser até que eu
o esteja bebendo neste copo de água que tenho à minha beira e que tu o encontres nos sertões da América,
10 alguma vez, transfigurado em cobra-cascavel, disposto a comer-te, meu Faustino.
O que te eu assevero é que ele deixou de ser Silvestre da Silva, há seis meses, posto que os parentes teimam
em lhe ter uma lousa sobre o chão, onde o estiraram, com esta mentira: “Aqui jaz Silvestre da Silva”.
Pois é verdade.
O nosso amigo começou a queixar-se, há de haver um ano, da falta de apetite, e frialdade de estômago,
15 efeito das indigestões. [...]. Foi de mal a pior. Desconfiou que passava a outra metamorfose, e deu ordem
aos seus negócios da alma com a eternidade. Dos bens terrenos não fez deixação, porque lá estavam os
credores, seus presuntivos herdeiros, ainda que alguns deles declinaram a herança a benefício de inventário,
lamentando que em Portugal não fosse lei a prisão por dívidas: parece que os irritou a certeza de que o
cadáver insolvente não podia ser preso. Em outro ponto te darei mais detida notícia desta catástrofe.
20 Eu fui o herdeiro dos seus “papéis”. Alguns credores quiseram disputar-mos, cuidando que eram papéis de
crédito. Fiz-lhes entender que eram pedaços dum romance; e eles, renunciando à posse, disseram que tais
pataratices deviam chamar-se papelada, e não papéis.
Aceitei a distinção como necessária e retirei com a papelada, resolvido a dá-la à estampa, e com o produto
dela ir resgatando a palavra do nosso defunto amigo, embolsando os credores. Fiz um cálculo aproximado,
25 que me anima a asseverar aos credores de Silvestre da Silva que hão-de ser plenamente pagos, feita a 10a
edição deste romance.
Aqui tens tu uma ação que deve ser extremamente agradável às moléculas circunfusas do nosso amigo.
Espero que Silvestre ainda venha a agradecer-me o culto que assim dou à memória dele, convertido em
aroma de flor, em linfa de cristalina fonte, ou em ambrosia de vinho do Porto, metamorfose mais que
30 muito honrosa, mas pouco admirativa nele, que foi deste mundo já saturado em bom vinho. É opinião
minha que o nosso amigo, a esta hora, é uma folhuda parreira.
Vamos à papelada, como dizem os outros.
Tenho debaixo dos olhos, mal enxutos da saudade, três volumes escritos da mão de Silvestre.
O primeiro, na lauda, que serve de capa, tem a seguinte inscrição em letras maiúsculas: CORAÇÃO.
35 O segundo, menos volumoso, diz: CABEÇA.
O título do terceiro, e maior volume, é: ESTÔMAGO.
QUESTÃO (1) Um filósofo não deve aceitar no seu vocabulário a palavra morte, senão
QUESTÃO O que te eu assevero é que ele deixou de ser Silvestre da Silva, há seis meses, posto que os
03 parentes teimam em lhe ter uma lousa sobre o chão, onde o estiraram, com esta mentira:
“Aqui jaz Silvestre da Silva”. (l. 11-12)
No fragmento acima, o uso de um vocábulo confirma a ideia de que Silvestre da Silva apenas
sofreu uma metamorfose.
Transcreva esse vocábulo. Em seguida, reescreva o trecho sublinhado, substituindo o conectivo
posto que por outro de valor semântico equivalente no contexto, fazendo as alterações necessárias.
QUESTÃO Dos bens terrenos não fez deixação, porque lá estavam os credores, (l. 16-17)
QUESTÃO Eu fui o herdeiro dos seus “papéis”. Alguns credores quiseram disputar-mos, cuidando que
05 eram papéis de crédito. Fiz-lhes entender que eram pedaços dum romance; e eles, renunciando
à posse, disseram que tais pataratices deviam chamar-se papelada, e não papéis.
Aceitei a distinção como necessária e retirei com a papelada, resolvido a dá-la à estampa, e
com o produto dela ir resgatando a palavra do nosso defunto amigo, embolsando os
credores. Fiz um cálculo aproximado, que me anima a asseverar aos credores de Silvestre
da Silva que hão-de ser plenamente pagos, feita a 10ª edição deste romance. (l. 20-26)
O editor e os credores de Silvestre da Silva tomam os termos papéis e papelada com conotações
diferentes. Ao aceitar essa distinção como necessária, o editor assume um juízo de valor em
relação à obra.
Indique como os credores compreendem cada termo. A partir disso, explique o juízo de valor
assumido pelo editor.
QUESTÃO Tenho debaixo dos olhos, mal enxutos da saudade, três volumes escritos da mão de Silvestre.
06 O primeiro, na lauda, que serve de capa, tem a seguinte inscrição em letras maiúsculas:
CORAÇÃO.
O segundo, menos volumoso, diz: CABEÇA.
O título do terceiro, e maior volume, é: ESTÔMAGO (l. 33-36)
As expressões sublinhadas descrevem o segundo e o terceiro volumes do romance.
Relacione essas descrições com a caracterização do personagem Silvestre ao longo de sua trajetória.
PARTE I: CORAÇÃO
(...)
O meu noviciado de amor passei-o em Lisboa. Amei as primeiras sete mulheres que vi e que
me viram.
QUESTÃO O fragmento acima apresenta um indício da visão não convencional do amor presente no
07
romance.
Explique essa visão. Em seguida, indique o termo a que o pronome sublinhado se refere. Explique,
também, o objetivo discursivo do emprego do pronome, associando a ordem dos termos na
primeira oração ao comportamento do personagem.
QUESTÃO No processo de construção de um texto, os termos colocados em início de período muitas vezes
QUESTÃO A noção de consequência, comumente veiculada por meio de conjunções e advérbios, também
QUESTÃO Bem se vê que o soneto era o da morte. Um grande merecimento tem ele: é ser o último. (l. 28)
10 No parágrafo final, é possível observar o uso da ironia, que constitui todo o romance.
Explique a ironia presente nesse parágrafo. Explique, também, de que maneira os dois-pontos
contribuem para reforçar o caráter irônico do trecho.