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PETROLINA – PE
2023
MARIA DO SOCORRO DA SILVA CARVALHO
PETROLINA – PE
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Universidade de Pernambuco
Núcleo de Gestão de Bibliotecas e Documentação (NBID)
CDD
370.710981
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. ª Dr.ª Virginia Pereira da Silva de Ávila (Orientadora)
Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina (UPE)
________________________________________________
Prof. Dr. Geam Karlo Gomes (Coorientador)
Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina (UPE)
________________________________________________
Prof. Dr. Ernani Martins dos Santos (Membro interno)
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Lays Regina Batista de Macena Martins dos Santos
(Membro Externo) Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
PETROLINA – PE
2023
Dedico este trabalho, sobretudo, a Deus; à minha mãe, Maria
Bernadete da Silva, e a meu pai, João José da Silva, pelas orações; ao
meu esposo, Joelson de Carvalho, pela compreensão e paciência; à
professora Dr.ª Virginia Ávila, com admiração e gratidão pela
generosidade, confiança e sábias orientações; ao professor Dr. Geam
Karlo Gomes, pelas sábias orientações; às professoras Maria de
Lourdes e Ana Rocha e ao professor Cosme de Oliveira, pelas
contribuições através de suas memórias.
Gratidão!
AGRADECIMENTOS
Agradeço, sobretudo, a Deus por ter me dado saúde mental e física, me fortalecido a
cada dia, capacitando-me na escrita deste trabalho, que é tão importante para a história da
Educação de minha cidade, Casa Nova – BA.
À minha família, pela paciência e apoio em todos os momentos, principalmente nos
momentos mais difíceis. Em especial ao meu marido, Joelson de Carvalho Santos, pelo
carinho, pela paciência e pelas contribuições com palavras de força e encorajamento.
Aos meus pais, João José da Silva e Maria Bernadete da Silva, pelas orações,
paciência e palavras de sabedoria.
À professora e orientadora Dr.ª Virgínia Pereira da Silva de Ávila, a quem eu chamo
de escolhida por Deus, para me orientar com tanta sabedoria e paciência, me ensinando a ser
uma pesquisadora de verdade, engajada na pesquisa com a responsabilidade de oferecer à
sociedade um trabalho com a qualidade Ávila de ser.
Ao meu coorientador, Prof. Dr. Geam Karlo Gomes, pelas orientações acadêmicas,
pela gentileza, generosidade e dedicação em todos os momentos da pesquisa.
Ao Prof. Dr. Ernani Martins dos Santos, pela participação em minha banca e pelas
sábias orientações que foram enriquecedoras para o meu trabalho.
À Prof.ª Dr.ª Lays Regina Batista de Macena Martins dos Santos, por ter aceitado o
convite para fazer parte de minha banca e pelas contribuições, que trouxeram mais densidade
e, ao mesmo tempo, fluidez à escrita desta pesquisa.
Ao PPGFPPI – Programa de Pós-Graduação e Formação de Professores e Práticas
Interdisciplinares, Campus Petrolina – PE.
Ao GEPHESF – Grupo de Pesquisa em História da Educação no Sertão do São
Francisco, pelas palestras nacionais e internacionais que me proporcionaram muito
conhecimento e pelos momentos de intercâmbio de conhecimento com os meus colegas de
grupo, que moram em outras cidades, com outras culturas e histórias da Educação locais
diferenciadas das minhas, mas cuja realidade em tantos momentos se assemelhava à minha.
Aos meus colegas de caminhada, Luís Yago e Adriana de Macedo, pela parceria e
pelos inesquecíveis momentos de troca e de fazer valer as palavras de professora Virgínia no
início do mestrado: ―Ninguém solte a mão de ninguém‖ – e foi isso que fizemos, seguramos
forte a mão do outro para nos fortalecer nessa tão importante caminhada acadêmica, cheia de
sentimentos ambíguos, mas ao mesmo tempo prazerosa e gratificante. Agradeço também aos
demais colegas de caminhada que fazem parte do GEPHESF pelos momentos em que
compartilhamos conhecimentos em nossos encontros.
Às professoras Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier, Ana Rocha Braga e ao
professor Cosme de Oliveira, que com presteza contribuíram com esta pesquisa, através de
suas memórias e acervos pessoais, gratidão!
Mas Deus domina o tempo e a história desenrola-se segundo à sua
vontade, mediante um plano traçado sobre o modelo da criação, numa
semana de seis dias, no fim da qual no sétimo dia verá o cumprimento
da promessa (LE GOFF, 1990, p. 346).
RESUMO
This thesis is inserted in the field of Historiography and History of Education. The main
objective was to analyze the trajectories of formation, professionalization, and working
conditions of three lay primary teachers who worked in the rural area of the municipality of
Casa Nova, in the state of Bahia, in the period between the 1960s and 1990s. A set of
documents (diplomas, certificates, photographs, examination maps, among others) and
interviews with male and female teachers who started their careers as laymen were used as
research sources. The temporal delimitation comprises the arrival of the Teaching Foundation
course in Casa Nova and the conclusion of this course by most of the interviewees. The
method adopted was oral history, using interviews with two female teachers and one male
teacher and the documental analysis of personal collections and institutional documents. In
the theoretical referential, we adopted the studies of Azevedo (2020), who analyzed the
implementation of the Teaching Foundation course and the training of primary teachers in the
municipality of Casa Nova - BA, from 1961 to 1977; the studies of Ávila et al. (2018), which
examined the memories of rural school teachers in Juazeiro - BA and Petrolina - PE between
the years 1960 and 1970; and the e-book "History and Memory of Rural Education in the 20th
century", organized by Chaloba, Celeste Filho and Mesquita (2020), which deals with topics
related to the History of Education, especially the memories about the training and
professionalization of rural teachers in Brazil. In general, this research evidenced, among the
three interviewees that, even in the face of obstacles that made the process of qualification for
the Teaching profession slow, all of them successfully concluded their education and went
beyond, attending, even in difficult times, a college and even specializations. The research has
as its product the organization of a digital collection accompanied by a catalog with the
sources used in this work, as a way of presenting the results of the data collected and making
them available to the academic community and to the general public. Hopefully, this study
can contribute to new research on the History of Education and teacher training in the
backlands of Bahia.
MEMORIAL DESCRITIVO.............................................................................................. 16
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 21
2 PERCURSOS DA PESQUISA ....................................................................................... 26
2.1 Contextualização do objeto ........................................................................................ 26
2.2 Instrumentos e procedimentos de pesquisa ................................................................ 26
2.3 Sujeitos da pesquisa .................................................................................................... 30
2.4 Revisão de literatura ................................................................................................... 31
2.5 Memórias de professores primários rurais................................................................. 40
3 PERFIL, VIDA ESCOLAR E FORMAÇÃO ........................................................... 44
3.1 Aspectos legais, Curso Normal e formação de professores........................................ 44
3.2 Perfil dos professores leigos de Casa Nova – BA ...................................................... 49
3.3 Período de escolarização ............................................................................................ 52
3.4 Habilitação para o Magistério Primário...................................................................... 55
4 FORMAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO E CONDIÇÕES DE TRABALHO ........ 61
4.1 Ingresso na carreira docente ....................................................................................... 61
4.2 Condições de trabalho ................................................................................................ 63
4.3 Formação e profissionalização docente e vencimentos .............................................. 71
5 DISCIPLINAS, DATAS FESTIVAS, AVALIAÇÃO E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS ................................................................................................................ 88
5.1 A escola primária rural como espaço de interação ..................................................... 88
5.2 Práticas pedagógicas e avaliações .............................................................................. 94
6 PRODUTO ..................................................................................................................... 101
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 102
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 105
ANEXOS............................................................................................................................ 110
APÊNDICES......................................................................................................................119
MEMORIAL DESCRITIVO
Minha trajetória teve início na escola rural no município de Casa Nova – BA em 1990,
quando tinha oito anos de idade. Minha família e eu saímos de um povoado no distrito de
Casa Nova chamado Bem Bom e fomos morar na fazenda Angical, que era muito distante da
sede do município. Minhas primeiras professoras na escola rural eram leigas, filhas dos
vaqueiros da fazenda, que aprenderam a ler e escrever e depois passaram a ensinar as crianças
que moravam nas proximidades da fazenda. A escola era em uma casa de farinha, uma
cobertura colada na residência do caseiro, que é o vaqueiro mais velho, o senhor Cândido,
marido de dona Guiomar. Na casa de farinha, como era popularmente chamada, produzia-se
ou fabricava-se de modo artesanal a farinha de mandioca e outros derivados da mandioca
como a tapioca, a farinha de borra, farinha de tapioca e o beijú de forno. Quando fecho meus
olhos, vem em minhas lembranças o forno onde faziam farinha, as cadeiras em que sentavam
dois alunos, o chão de barro e a quantidade de crianças de séries diferentes. Era uma turma
multisseriada, tinha dia que eu ia para a escola e não escrevia nada, pois as professoras não
davam conta de ensinar a todos durante a aula. Mesmo assim, guardo boas lembranças. De
vez em quando, aparecia uma galinha acompanhada de seus pintinhos, uma pata e seus
patinhos, tinha pavão e até avestruz, ficava encantada com os animais da fazenda, era muito
bom, nunca vou esquecer a minha infância na zona rural. Mas aprendi a ler e escrever de
verdade com a minha mãe, que tinha pouco estudo, pois estudou somente até a 4.ª série, mas
me alfabetizou de forma muito rigorosa, não aceitava erro, me colocava pra apagar uma letra
e fazer novamente umas dez vezes até ficar bem bonita. Ela sempre foi minha maior
incentivadora para estudar, quando viu que na escola rural multisseriada não estava
evoluindo, me mandou para a casa de uma conhecida dela que morava na cidade de Casa
Nova. Na época, as mães da zona rural tinham esse costume de mandar as filhas pra estudar
em casas de conhecidos na sede do município. Com muita luta e sofrimento, fiquei na casa da
amiga de minha mãe até o 6.º ano do Ensino Fundamental, pois era muito pequena e sentia
muito a falta de minha mãe. A casa da amiga era cheia de meninas também da zona rural para
estudar, com uma diferença: as moças e adolescentes eram sobrinhas da dona da casa, eu não.
Voltei para a zona rural e continuei os meus estudos pegando carona até concluir o
Ensino Médio em 2001, tardiamente aos 19 anos de idade. Quando finalmente consegui
concluir o Ensino Médio, não pude dar continuidade aos estudos por falta de condições
financeiras, tinha que trabalhar. Passei 12 anos sem estudar nem fazer cursos
profissionalizantes.
Em 2013, fiz o vestibular tradicional da Universidade de Pernambuco – UPE, Campus
Petrolina, e fui aprovada para cursar Letras Língua Portuguesa e suas Literaturas. Naquele
momento, percebi que nunca é tarde para recomeçar. Em 2017, conclui com a defesa de
minha monografia de tema ―Os aspectos semânticos e sintáticos presentes no gênero cordel‖,
sob a orientação do professor Francisco Panta, professor de sintaxe da Universidade de
Pernambuco UPE.
No final do curso em 2017, uma professora percebeu que eu não queria mais parar de
estudar e me falou sobre o Mestrado profissional em Educação do PPGFPPI. No primeiro
momento, fiquei impressionada com as informações e logo procurei a secretaria do mestrado
para me informar sobre o processo seletivo. Pensei que, mediante as informações recebidas, o
caminho mais curto ou o atalho para conquistar uma vaga no programa era cursar uma
disciplina eletiva do programa como aluna especial, e assim o fiz.
No ano de 2018, cursei a disciplina ―Gestão e Organização da Educação Básica no
Brasil: Uma Abordagem Histórica‖, com a professora Virgínia Pereira da Silva de Ávila. O
mais impressionante é que, naquele período, decidi que professora Virgínia seria minha
orientadora e, a partir de então, comecei a pesquisar a linha de pesquisa Políticas Públicas,
Formação de Professores e Práxis Pedagógica, com foco na História da Educação. Assim,
passei a escrever meu pré-projeto para concorrer a uma vaga.
Em 2019, cursei a disciplina ―O professor reflexivo e a epistemologia da prática‖, com
o professor Dr. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Enquanto estudava e fazia seleções para
passar no Mestrado, fui fazendo outros cursos para não perder tempo acadêmico.
Assim, em 2019, cursei uma especialização em Docência do Ensino Superior – Área
de Conhecimento: Educação, com a duração de 440 horas, na Universidade Pitágoras
UNOPAR – Londrina – PR. O meu TCC teve o tema: ―A Interdisciplinaridade no Ensino
Superior: Uma abordagem de Ivani Fazenda‖. Quando cursei Docência do Ensino Superior, já
estava em meus planos ser professora universitária, pois sempre foi o meu grande sonho e
projeto particular de vida profissional.
Em 2020, percebi que poderia ampliar meus conhecimentos no que se refere à
profissão docente, pois sempre tive a preocupação de oferecer o melhor para meus alunos.
Então, cursei a especialização em Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura
para a Educação Básica, com a duração de 400 horas, na Universidade Pitágoras UNOPAR –
Londrina – PR.
Em 2020, tive a oportunidade de dar aulas em uma turma de Pedagogia na faculdade
Alfredo Nasser UNIFAN em Casa Nova – BA. A partir dessa experiência, me identifiquei
com a Pedagogia e, como sou obstinada em oferecer o melhor ensino, não perfeito, mas de
qualidade para meus alunos, decidi cursar uma segunda licenciatura em Pedagogia, pela qual
muito me orgulho em ter concluído em janeiro de 2022.
Ainda estava cursando Pedagogia quando passei no Mestrado Profissional em
Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI) da UPE, em 2021. O início
do mestrado foi muito difícil, por dois motivos. O primeiro é que o mestrado foi remoto
devido à pandemia de Covid-19. O segundo motivo foi o fato de ainda estar cursando
Pedagogia; não quis trancar minha segunda licenciatura porque já estava na metade do curso,
então tive que dobrar o empenho. Com muita dedicação e estudo, tudo deu muito certo,
conclui Pedagogia em 2022, o meu trabalho de conclusão de curso de Pedagogia teve o tema
―Docência na Educação Infantil: Atendimento educacional especializado – AEE, inclusão e
dinâmicas pedagógicas‖.
Os cursos acima citados contribuíram muito para a minha atuação docente, realizei
todos eles com muita dedicação, tendo que muitas vezes dormir pouco, pois passava as
madrugadas estudando para dar conta de meus trabalhos acadêmicos, ao mesmo tempo em
que tive que elaborar planejamentos pessoais para que tudo desse certo.
A minha trajetória de formação acadêmica foi toda planejada e focada em meu
objetivo profissional. Quando cursei Metodologia do Ensino Superior em 2019 pela
UNOPAR, tinha por objetivo trabalhar na Educação Superior e, em 2020, comecei a exercer a
profissão docente no Ensino Superior na Faculdade Alfredo Nasser – UNIFAN de Casa Nova
– BA.
Pensando sempre em oferecer o melhor ensino e, consequentemente, obter de meus
alunos um excelente aprendizado, cursei ―Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa e
Literatura para a Educação Básica‖ pela UNOPAR, em 2020. A segunda graduação em
Pedagogia pela UNINTER (2022) está contribuindo muito na minha trajetória de formação e
profissionalização docente, pois consegui ampliar meus conhecimentos na prática docente.
Antes de ingressar no mundo acadêmico e na profissão docente, eu era comerciante, mas não
estava feliz, por isso busquei e encontrei sentido na docência. Hoje sou muito feliz com minha
nova vida de professora e, ao mesmo tempo, aluna de mestrado, o que já está transformando a
minha prática docente.
O meu ingresso no Mestrado Profissional trouxe-me muitos avanços, profissionais,
pessoais e, especialmente, no campo da pesquisa. Logo que ingressei, minha orientadora me
cadastrou no Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Educação no Sertão do São
Francisco – GEPHESF junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa – Plataforma Lattes/CNPq.
No Gephesf, tenho participado de várias leituras temáticas de artigos científicos e
obras clássicas que reverberam em toda a História da Educação, mesas redondas, participação
como ouvinte em diversas bancas de defesa de trabalho de conclusão de curso TCC,
Dissertações e até Teses de Doutorado. Os momentos de estudo e pesquisa são de uma
riqueza de aprendizado indescritível.
Durante o período da pandemia da Covid-19, participei de vários eventos on-line,
entre eles a Formação de professores no campo da disputa: a Base Comum Nacional (BCN) e
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), transmitido pela TV Nephel, em 30 de junho de
2021.
Em 20 de agosto de 2021, obtive aprovação de um Resumo sobre Memórias de
Professoras Primárias Rurais do Município de Casa Nova – BA (1970-1990), no XI CBHE
Congresso Brasileiro de História da Educação, realizado de 11 a 14 de julho de 2022, no
formato on-line.
Participei, também, do V COISME-RN, Congresso Internacional de História e
Memória da Educação no Rio Grande do Norte, que aconteceu no dia 17 de setembro de 2021
em formato on-line.
Em 01 de outubro de 2021, realizei o Teste de Proficiência em Línguas Estrangeiras –
TEPLE para cumprimento de meus créditos na grade do mestrado. Realizei meu Estágio em
docência na Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Petrolina, tendo como orientadora
a Professora Drª. Virgínia Pereira da Silva de Ávila, junto à disciplina de História da
Educação brasileira em uma turma de Pedagogia.
Participei como ouvinte do II CIESA – Congresso Internacional em Educação, Saúde
e Ambiente – UPE. O evento foi realizado no formato on-line. Participei do III Seminário
Internacional sobre BNCC, Currículo e Avaliação – Instituto Casagrande, realizado no dia 05
de maio de 2022. É importante ressaltar que não vou parar por aqui com a minha busca por
conhecimento através de cursos e eventos acadêmicos.
Foi essa constante busca por conhecimentos que me motivou a escolher o PPGFPPI,
pois tinha plena convicção de que o Mestrado Profissional abriria as portas do estudo e da
pesquisa em minha vida acadêmica, profissional e até mesmo pessoal, com vistas a adquirir
conhecimentos e compartilhá-los com meus alunos e comunidade acadêmica.
Atualmente, sou professora universitária e coordenadora pedagógica na faculdade
UNIFAN. Também sou coordenadora pedagógica da Educação Infantil municipal, atuando
em creches e pré-escolas do município de Casa Nova. Trabalhei por seis anos, de 2016 a
2022, como educadora social, desenvolvendo atividades socioeducativas em um projeto
social, em uma comunidade rural da qual faço parte e onde minha família mora. Nessa
função, eu também era contratada pela prefeitura municipal de Casa Nova através da
Secretaria de Assistência Social. O meu ingresso no mestrado profissional me fez buscar
novas oportunidades na minha área, pois a docência, a pesquisa e a Educação me fascinam.
21
1 INTRODUÇÃO
Nesse artigo, destacam-se dois pontos importantes. O primeiro é que o Curso Normal
foi destinado, em primeiro plano, aos estados e Distrito Federal; e o segundo ponto é a
preocupação com a expansão do Ensino Primário no Brasil e a grande necessidade de formar
professores para atender a essa demanda da Educação.
Outro aspecto importante refere-se à gratuidade dos cursos de formação de professores
na Escola Normal. Conforme o Art. 53, ―Nenhuma taxa recairá sobre os alunos dos
estabelecimentos de Ensino Normal‖ (BRASIL, 1946). É nessa perspectiva de avanço
educacional que o Decreto-Lei n.º 8.530/1946 permanece em vigor até a criação da próxima
lei, proporcionando mudanças no cenário educacional.
Devido ao crescimento populacional do Brasil, cresciam também o número de crianças
em idade escolar, o próprio analfabetismo e a desigualdade social e educacional. Assim,
configura-se a urgência dos investimentos na formação de professores leigos no Brasil.
Em 1961, foi publicada a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sob
a Lei n.º 4.024 de 20 de dezembro de 1961, sancionada pelo presidente João Goulart, que
22
governou o Brasil de 1961 a 1964 e, no último ano de seu mandato, foi vítima do golpe civil-
militar de 1964. O presidente trouxe avanços para o país em diversos setores, mas o que
chamou à atenção da elite brasileira foram as modificações em áreas estratégicas dos poderes
do governo (AMÂNCIO E CASTIONI, 2021).
A LDB de 1961 foi criada em um contexto de crescimento do país, idealizada por um
presidente cujos ideais eram fazer a nação avançar na Educação e em todas as bases que
sustentavam o país. O presidente passou por um golpe, mas a lei resistiu a alguns anos de
ditadura civil militar.
É importante ressaltar que a LDB de 1961 teve a participação de um baiano nascido na
cidade de Caetité, no sertão do estado, que deixou suas contribuições na Educação do Brasil e,
sobretudo, da Bahia: Anísio Spínola Teixeira, pioneiro em implantar escolas públicas de todos
os níveis e gratuitas1 (AMÂNCIO E CASTIONI, 2021, p. 727). Anísio Teixeira pensava em
uma Educação para além de seu tempo, ensino de qualidade, advindo de professores bem
formados.
De acordo com Azevedo (2020), as décadas de 1960 e 1970 foram um marco na
história da Educação casa-novense, bem como na história do próprio município. Na
Educação, houve avanços com a chegada do curso Normal, que foi a grande oportunidade
para a formação e profissionalização dos professores leigos da região. A cidade de Casa Nova
tinha 75 professores leigos para 28 normalistas atuantes na sede e na zona rural do município.
Compreende-se através do estudo de Azevedo (2020) que, na década de 1990, ainda existiam
professores leigos atuantes no interior do município, que não conseguiram ingressar na Escola
Normal para a sua formação no Magistério Primário, mas que, independentemente de sua falta
de formação, fizeram parte da história da Educação local de maneira positiva, pois a atuação
dos professores leigos contribuiu para alfabetizar crianças, adolescentes, jovens e até adultos.
Ao mencionar os professores leigos, Silva (2018, p. 146) faz uso de um termo que
chama a atenção do leitor: ―importantes atores da Educação‖. Ao usar essa frase, imagino que
a autora está chamando os professores leigos de protagonistas, principalmente da
alfabetização, que era o foco no período em estudo, levando em consideração que, embora em
décadas anteriores à pesquisa, já era garantida por lei a formação em escolas normais. As
professoras leigas continuavam atuando sem a devida formação por conta da distância, pois a
Escola Normal mais próxima de Casa Nova ficava em Juazeiro, cidade-polo da região do
submédio São Francisco, como evidencia-se na citação de Boaventura (1977):
1
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 2021, Vol.102 (262), p.723-741. Disponível em: https://www-
periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php/buscador-primo.html
23
2
O Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética-CISAM/UPE, em 9 de dezembro de 2021. Parecer n. º 5.177.797.
24
condições de trabalho nos contextos sociais, físicos e econômicos? De que forma eles
desenvolviam as suas práticas pedagógicas ao mesmo tempo em que enfrentavam outros
desafios na formação? O que mudou no ensino e na aprendizagem dos alunos após o ingresso
no curso de Magistério Primário? O que mudou em sua vida profissional e pessoal após a
conclusão do curso de Magistério?
Os procedimentos metodológicos deste estudo foram realizados por meio da história
oral3 e da análise documental. A história oral é uma metodologia que ―pode ser definida como
um processo de trabalho que privilegia o diálogo e a colaboração de sujeitos considerando
suas vivências, experiências, memórias, identidades e subjetividades, para a produção de
conhecimentos‖ (RIBEIRO, 2016, p. 2). Nesse aspecto, como lembra Thomson (2000, p. 50),
―é igualmente necessário que o historiador oral esteja atento às nuances culturais quando
realiza entrevistas dentro de sua própria sociedade, que dificilmente será culturalmente
homogênea‖.
Esta pesquisa é de abordagem qualitativa, isto é, ―trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis‖ (MINAYO, 2001, p. 22). De caráter exploratório, pois trata-
se ―da abordagem do fenômeno, pelo levantamento de informações que poderão levar o
pesquisador a conhecer mais a seu respeito‖ (GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p. 67).
Em relação aos procedimentos, é uma pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa
bibliográfica, segundo Gerhardt e Silveira, (2009, p. 69), ―são dados obtidos a partir de fontes
escritas, portanto, de uma modalidade específica de documentos, que são obras escritas e
publicadas na impressas em editoras, comercializadas em livrarias e classificadas em
bibliotecas‖. Neste caso, recorre-se ao uso de obras publicadas na CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, com temáticas relacionadas à história oral,
memórias e formação de professores. Já a pesquisa documental se caracteriza por ―recorrer a
fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas analíticas,
jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas,
tapeçarias, relatórios de empresa, vídeos de programas de televisão e etc‖ (FONSECA, 2002,
p. 32). A pesquisa bibliográfica e a documental possuem características semelhantes, o autor
deixa claro essa evidência, a ponto de dizer que é difícil distinguir uma da outra.
3
O Estatuto Social da Associação Brasileira de História Oral – ABHO, em seu ―Art. 1.º, § 1.º: Por história oral
se entende o trabalho de pesquisa que utilize fontes orais em diferentes áreas de conhecimento nas quais essa
metodologia é utilizada
http://www.histriaoral.org.br/estatuto
25
2 PERCURSOS DA PESQUISA
primária rural, onde esses professores leigos criaram seus próprios métodos de ensino,
pautados na bagagem de conhecimento que eles traziam e ofereciam aos seus alunos da
melhor forma possível, fazendo com que esse ensino refletisse no exterior da escola.
4
A Covid-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave,
de elevada transmissibilidade e de distribuição global, descoberta na China em dezembro de 2019. No Brasil, a
pandemia pela Covid-19, o novo coronavírus, ocasionou, até a data de 26 de outubro de 2022, de acordo com um
site oficial do Ministério da Saúde, o total de 687.907 óbitos acumulados (dados atualizados). No Estado da
Bahia, foram registrados, até a data de 26 de outubro de 2022, o total de 30.781 óbitos. Disponível em:
https://covid.saude.gov.br/
28
5
Quadro 2 – Roteiro de entrevistas
Dados de Identificação Nome completo, nome fictício, data de nascimento, local de nascimento, local onde
vive hoje, local de realização da entrevista, data de realização da entrevista.
1. Da infância à ✔ Como foi sua infância? E o período de adolescência? E a vida familiar?
formação Formação
1.1 1.1 Qual o motivo da sua escolha para exercer a carreira docente?
1.2 1.2 Quando iniciou a atividade docente qual era sua formação escolar
1.3 1.3 Qual foi a sua trajetória de formação para o Magistério?
1.4 1.4 A sua formação inicial auxiliou na sua prática docente para o Magistério Rural?
1.5 1.5 Fez curso de ―capacitação‖ ou ―aperfeiçoamento‖ para atender o Magistério no meio
rural? Se sim, fez estágios? Entregou relatórios durante o curso? Pessoas de outros estados
ou países foram professores nesses cursos? Quais os principais aspectos abordados? E os
materiais didáticos, como eram? E as aulas práticas onde e como eram ministradas?
1.6 1.6 Se não fez qualquer curso, como se tornou professor de uma escola rural? Quais são
suas experiências formativas?
2. Magistério Rural 2.1 Conte como iniciou no Magistério e no Magistério Rural.
2.2 Em qual (ais) escolas rurais você trabalhou durante o exercício do Magistério?
1.7 Em que período exerceu a sua carreira docente? Desse tempo, quantos anos foram
dedicados a zona rural?
1.8 Relate sobre as condições de trabalho na zona rural (salário, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc.).
1.9 Você residia na cidade ou na fazenda onde lecionava?
1.10 Se na fazenda, onde morava?
1.11 Como fazia para chegar à escola? Havia algum tipo de incentivo financeiro ou de
transporte? Houve a oferta de moradia e mobília para residir na escola? Permaneceu
na escola rural até aposentar-se?
3. Formação em serviço 3.1 Vocês professoras da zona rural tinham formação em serviço?
3.2 Se sim, conte-nos como eram essas formações em serviço. Em qual (ais) locais
aconteciam? Quem oferecia? Era obrigatório, valia como pontuação para o concurso de
remoção?
3.3 Como era as reuniões pedagógicas? Quais eram as recomendações dos inspetores
de ensino/supervisores pedagógicos?
3.4 Os inspetores de ensino/supervisores pedagógicos realizavam visitas regulares as
escolas isoladas? Como eram as visitas?
3.5 Que relação você via entre a formação recebida e a escola em que atuava?
4. Práticas docentes 4.1 Como você desenvolvia as atividades pedagógicas nas escolas isoladas rurais?
4.2 Seguia algum material específico? O que era ensinado?
4.3 Quais informações pode dar sobre os alunos das escolas isoladas (condições
socioeconômicas, disciplina, interesse nas aulas, etc.)
4.4 Como era a relação entre professor-aluno?
4.5 Quantos alunos havia por sala?
4.6 Como eram divididos os alunos? E a depender dessa divisão, como eram ministrados
os conteúdos?
4.7 Ao considerar que uma escola rural tem características específicas, dentre elas o
cultivo de hortaliças ou mesmo os cuidados com animais, a exemplo de galinha,
ovelha, porco, como eram ministrados esses assuntos? Havia técnicos que auxiliavam?
E os materiais, como chegavam à escola?
4.8 E as escolas, como eram fisicamente?
4.9 Como era a sua relação com outros professores que também ministravam aulas em
escolas rurais?
4.10 Como era ser a única professora da escola? Como registrava as aulas e a frequência
dos alunos?
4.11 Como você planejava suas atividades? Com que frequência? Que informações você
devia enviar para a secretaria ou órgãos municipais de Educação?
5. Relação do (a) professor 5.1 Qual era a sua relação com o entorno da escola em que lecionava? Com a família dos
(a) com o meio rural alunos, a comunidade e os próprios alunos?
5.2 Participava de comemorações, festas e atividades realizadas na comunidade? Em que
situações você era chamado(a) para ajudar/opinar/participar?
5.3 Relate alguma experiência vivida na escola rural em que trabalhou.
5
Toma-se de empréstimo o roteiro utilizado na obra História e Memória da Educação Rural no Século XX,
organizado por Chaloba, Celeste Filho e Mesquita (2020).
29
6
Para Le Goff (1990, p. 53), ―[...] a passagem do oral ao escrito é muito importante, quer para a memória, quer
para a história. Mas não se deve esquecer que: 1) oralidade e escrita coexistem em geral nas sociedades e, esta
coexistência é muito importante para a história‖.
30
certificados, entre outros, que são conservados não só de forma concreta e palpável, mas nas
lembranças que neste estudo são transformadas em registros para serem explorados por outros
pesquisadores em História e Historiografia da Educação.
A escolha dos três entrevistados se deu pela posição que ocupavam, cada um em suas
localidades e épocas diferentes, na condição de professores leigos e suas trajetórias de
formação e profissionalização no Magistério Primário. As duas professoras atuaram no
período de 1960 a 1970, em localidades da zona rural diferentes. A professora 1 atuou na
fazenda de Canudos durante 12 anos. A professora 2 atuou em uma comunidade chamada de
Poço, na antiga cidade, e em outra localidade à beira do rio São Francisco. Como ela mesma
cita, o tempo de trabalho em localidades diferentes soma 11 anos, a partir de suas anotações
manuscritas a próprio punho. O professor 3 atuou na localidade de Entroncamento, de 1986 a
2008, exatos 22 anos como professor leigo. Continuou lecionando na escola rural até o ano de
2017, como professor formado em Pedagogia, durante 9 anos. Continua morando na
localidade, porém foi transferido para uma escola na cidade por problemas políticos.
No quadro abaixo é traçado o perfil de cada professor participante da pesquisa:
Quadro 5 – Descritor Magistério Primário Rural no Banco de Teses e Dissertações CAPES (2018-2019)
Autor Título da Obra Ano Tipo Univ. Repositório
CAPES/Link
Iracema Santos Formação e condições de 2019 Dissertação UPE https://sucupira.capes.gov.
Carvalho dos trabalho do Magistério br/sucupira/public/consult
Anjos Primário Rural no estado as/coleta/trabalhoConclus
de Pernambuco: análise ao/viewTrabalhoConclusa
do Jornal do Professor o.jsf?popup=true&id_trab
(1955-1962). alho=8733249
Marineide de Escola rural em Mato 2018 Tese UEPJ – https://sucupira.capes.gov.
Oliveira da Grosso: de professor MF br/sucupira/public/consult
Silva leigo a sábio (1945- as/coleta/trabalhoConclus
1965). ao/viewTrabalhoConclusa
o.jsf?popup=true&id_trab
alho=6241736
Fonte: Quadro elaborado pela autora (2022).
Iracema Santos Carvalho dos Anjos, em sua obra Formação e condições de trabalho
do Magistério Primário Rural no estado de Pernambuco: análise do Jornal do Professor
(1955-1962), analisa aspectos relativos ao Magistério Primário Rural em matérias no Jornal
do Professor, que é um periódico de divulgação da associação da classe dos professores
primários do estado de Pernambuco e órgão do Centro de Professorado Primário de
Pernambuco (CPPP), com ênfase na formação, nas condições de trabalho e na associação da
classe do professor da zona rural.
Visto que o ano de 1955, marco inicial da pesquisa, representa o primeiro ano de
circulação do Jornal do Professor e o ano de 1962, marco final, o último ano de circulação do
exemplar, que está disponível no Arquivo Público de Pernambuco Jordão Emereciano, em
Recife (PE). Além da fonte principal, o Jornal do Professor, outros documentos foram
utilizados, como o Anuário estatístico do Brasil de 1950 e o Anuário do estado de
Pernambuco de 1960. O estudo nacional visa ao alargamento do conhecimento do campo da
História da Educação, a respeito das políticas educacionais destinadas à profissionalização do
Magistério Primário Rural. A ideia é que um sistema em conjunto de publicações do Jornal do
Professor apresenta em estrutura de temas e autores uma representação do rural baseada em
diferenças de formação para o Magistério Primário Rural.
Outra ideia é a defesa do periódico para o mestre do interior, visto como vitimado por
descrédito devido à indiferença das práticas agrícolas, do caráter rural e por ausência de
33
políticas públicas educacionais e programas que atendam, de fato, à realidade desse ambiente.
A percepção é que, se liberto fosse da condição dada pela legislação educacional rural, esse
professor poderia planejar o trabalho na escola rural, segundo seu conhecimento do mundo, da
comunidade em que atua. As matérias selecionadas mostram certa expansão, de 1955 a 1962,
do Ensino Primário Rural, provavelmente relacionada à criação de escolas normais,
especializações para o professor de Magistério nas escolas típicas rurais, clubes agrícolas e
escolas-granjas no estado de Pernambuco. A pedagogia da área rural diferenciava-se daquela
da área urbana no estado de pernambucano, mas o rural esteve presente na capital e no
interior, sendo por vezes causa de conflitos por causa das diferenças salariais, do
deslocamento e do isolamento do professor nas escolas rurais (ANJOS, 2019). A obra dessa
autora contribui com uma análise de aspectos históricos muito relevantes, sobretudo no
Magistério Primário Rural no início da década de 1960.
Marineide de Oliveira da Silva, em sua tese de doutorado escrita em 2018, intitulada A
escola rural em Mato Grosso: de professor leigo a sábio (1945-1965), analisa a história oral e
dá voz às professoras leigas de Mato Grosso — dando a esses professores a oportunidade de
trazer à tona suas memórias que por muitos anos foram ignoradas como forma de
silenciamento, para não revelarem as fragilidades da Educação Rural no estado de Mato
Grosso —, além de avaliar a constituição do educador leigo e a necessidade de passar por um
processo de formação para estar qualificado a ser docente nas escolas rurais.
Para Silva (2018), as escolas rurais e os professores leigos foram personagens
fundamentais no processo educativo de Mato Grosso, que por muito tempo foram vítimas de
inconsistentes discursos políticos de dominação, mas de forma sábia traçaram uma meta para
a formação e profissionalização docente e tornaram-se professores sábios e formados.
2007), apresenta um relato muito importante sobre a atuação docente com crianças e o porquê
de ela ter sido atribuída majoritariamente às mulheres. Segundo a autora, essas concepções
históricas e características ditas femininas são associadas principalmente à maternidade, como
paciência e abnegação, fazendo uma relação de características que historicamente são mais
adequadas para a Educação das crianças.
Faria (2018) também apresenta em seu estudo as memórias de três professores
aposentados, raridades em suas épocas de atuação docente na Educação Infantil, mesmo
porque para muitos eles não seriam os mais adequados para a tarefa de ensinar crianças, pois a
presença masculina sempre representou autoritarismo, a força, a rigidez, entre outros adjetivos
direcionados à figura masculina. Através das memórias desses professores, a autora levanta
algumas possibilidades de pesquisa em temas relacionados à trajetória de docentes homens na
Educação de crianças, como: o trabalho docente, a inserção masculina no Magistério, o
ambiente das escolas rurais multisseriadas e os modelos pautados em inferências de gênero.
Ao entrevistar os três professores, a autora registrou, em uma das falas, o fato de que ser
homem e carregar atributos de gênero marcados por características anteriormente citadas,
como fortes, corajosos e ousados, fazia com que eles viessem a desempenhar melhor o
trabalho nas áreas rurais, enfrentando problemas geográficos, como longas distâncias e
dificuldades naturais do ambiente rural e escolar.
Observa-se que as histórias apresentadas nas dissertações acabam se cruzando com
tantas outras, em diferentes regiões brasileiras, em vários aspectos, entre eles: péssimas
condições de trabalho, falta de material didático, baixa remuneração, falta de formação dos
professores etc., que, no recorte temporal em estudo nas décadas de 1960 a 1990, eram
semelhantes ou iguais em todo o país.
Petrolina e Juazeiro, dificultando o acesso para a maioria da população de Casa Nova. Nesse
período, evidencia-se que só estudava nas cidades de Petrolina e Juazeiro aqueles cujas
famílias tinham condição financeira de custear os estudos dos filhos. O trabalho de Azevedo
(2020) está contribuindo com estudos acerca da História da Educação Brasileira, sobretudo no
que se relaciona à formação de professores de Casa Nova no sertão baiano.
Entretanto, levando em conta que a pesquisa de Azevedo (2020) é documental e
analisa a história da Escola Normal, uma instituição de formação de professores, existem
necessidades de ampliar esta pesquisa para além da pesquisa documental. Por isso, buscou-se
outros trabalhos temáticos que versam no campo da história oral, memórias de professores
primários rurais, o que irá contribuir para a fundamentação teórica, entrelaçada às entrevistas.
Quadro 8 – Descritor Memórias de professores rurais no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2016-2020)
Autor Título da Obra Ano Tipo Univ. Repositório CAPES/Link
Nos dois primeiros capítulos, discorre sobre a Educação no meio rural, com ênfase na
formação do professor rural, ressaltando especificidades do estado de Minas Gerais. Discute
as fragilidades em relação às políticas públicas voltadas para o homem do campo e o interesse
de se investir na Educação Rural. No terceiro capítulo, apresenta aspectos relacionados aos
cursos oferecidos no Centro de Treinamento para Professores rurais na comunidade da
Colônia Vaz de Melo em Viçosa – MG, descrevendo o seu funcionamento, as disciplinas
realizadas, os professores, funcionários, alunos, enfim, as especificidades e o cotidiano dessa
instituição, de acordo com as vivências de cada sujeito entrevistado. A pesquisa se utilizou da
metodologia da história oral, sendo as lembranças documentos importantes e valiosos para o
trabalho. No quarto e último capítulo, a autora aborda as influências da educadora Helena
Antipoff na formação dos professores rurais mineiros e o seu envolvimento com o Centro de
Treinamento em Viçosa – MG.
Por meio de estudo bibliográfico, é apresentada a trajetória pessoal e profissional
traçada por Antipoff e seu envolvimento e contribuição com a Educação Rural no estado de
Minas Gerais. Em sua pesquisa, Silva (2016) destaca os inúmeros desafios que envolvem os
estudos sobre a zona rural, como a falta de documentação, identificada neste trabalho. Em sua
avaliação, não era interessante para o estado arquivar documentos de um curso para
professores de zona rural do interior de Minas Gerais em um período em que a falta de
formação de professores era alarmante. Esconder problemas referentes à Educação,
principalmente à Educação Rural, tem sido, de acordo com a autora, a principal política do
estado mineiro no período analisado.
Jaqueline Gomes Zamferrari, em dissertação intitulada Histórias e memórias de
professoras rurais do município de Maringá – PR (1951-1982), analisa a constituição da
profissão docente no meio rural do município de Maringá – PR, entre os anos de 1951 e 1982,
por meio de memórias narradas por professoras primárias, a fim de compreender os sentidos
construídos no Magistério Rural. Com esta finalidade, propõe delinear o funcionamento e
organização das escolas rurais, identificar quem eram seus professores e professoras, o
processo de ingresso na carreira, a formação inicial e em serviço.
A pesquisa de Zamferrari está situada no campo da História e Historiografia da
Educação, sob a perspectiva metodológica da história oral, produzida por meio das narrativas
de professoras rurais, bem como amparada em fontes documentais e nas análises
historiográficas sobre a temática. A escolha da delimitação temporal se deu a contar da
fundação do município de Maringá, em 1951, momento de criação e institucionalização das
primeiras escolas primárias no meio rural, até o ano de 1982, fase marcada pelo fim do
39
processo de nucleação das Escolas Rurais. Os resultados apontam que, na década de 1950,
ocorreu a criação do maior número das Escolas Rurais do município e que a maioria dos
prédios era de madeira – material comum nas construções da época, devido à grande oferta
advinda da derrubada da mata nativa para a abertura de sítios, fazendas e cidades –, tendo
apenas uma sala de aula e uma única professora que lecionava para classes multisseriadas. As
professoras iniciavam suas carreiras como professoras leigas, por intermédio de indicação
política ou de pessoas influentes da comunidade local.
A referida autora verificou, na década de 1950, que as professoras não recebiam
formação em serviço, nem orientações sobre o trabalho pedagógico, apesar de receberem
visitas dos inspetores. Entretanto, a autora relata que o cenário que teve modificações com a
implementação da LDB n.º 4.024/61, no que se refere à orientação do trabalho pedagógico, e
com a reforma da LDB n.º 5.692/71, no sentido da formação em serviço. Sobre o trabalho
desenvolvido com os alunos, o estudo identificou que, mesmo em condições adversas, as
professoras buscavam exercer o seu trabalho de forma a atender às necessidades dos alunos
das Escolas Rurais.
Para Zamferrari (2020), as relações com alunos, pais e comunidade rural foram
pontuadas como positivas e sem maiores conflitos por parte das professoras. Parte delas se
relacionava de maneira mais próxima com as comunidades, enquanto outras ficavam restritas
somente aos horários de aula. Os sentidos atribuídos pelas professoras rurais estavam
relacionados ao sentimento de valorização e reconhecimento por parte dos alunos, pais e
comunidade rural sobre o trabalho desenvolvido nas Escolas Rurais do município de Maringá
(ZAMFERRARI, 2020).
Kamila Cristina Evaristo Leite, em dissertação intitulada Memórias de Professoras de
Escolas Rurais (Rio Claro – SP, 1950 a 1992), apresenta aspectos da profissão docente no
meio rural do estado de São Paulo, especificadamente no município de Rio Claro. A autora
relaciona alguns pontos que para ela são primordiais em uma pesquisa sobre memórias: o
ingresso na carreira docente, a formação inicial, a formação em serviço, as práticas
educativas, as condições de trabalho e a sua relação com o meio rural, nas décadas de 1950 a
1992.
Leite (2018) utiliza, para sua pesquisa, entrevistas com cinco professoras rurais,
mediante abordagem histórica e a metodologia da história oral; como corpus documental, a
Legislação Estadual e Municipal que normatiza o ensino e a profissão docente, Anuários
Estatísticos (do Brasil e do Estado de São Paulo), o Plano Diretor Integrado do Município de
Rio Claro (1972).
40
A autora mostra resultados que apontam de que forma a formação inicial e em serviço
aconteciam, visto que eram de caráter geral, sem especificações para atividades agrícolas, e o
nível de formação das professoras de escolas rurais no estado de São Paulo era elevado, sendo
que essas docentes possuíam cursos de especialização, aperfeiçoamento e licenciatura em
Pedagogia. O ingresso na carreira se dava, sobretudo, através dos concursos de títulos e,
posteriormente, dos concursos de provas e títulos. Entre as práticas educativas, destaca-se o
cultivo da horta escolar, a utilização de livros didáticos e a organização das classes em fileiras
de ano/série. As condições de trabalho estavam relacionadas, sobretudo, às condições físicas e
materiais das escolas, da moradia e do transporte.
Em observação à formação dos professores e às condições de trabalho nas escolas
rurais de São Paulo nas décadas de 1950 a 1992, percebeu-se um grande diferencial em
relação à formação de professores do Nordeste do estado da Bahia, que somente na década de
1960 começa investir na formação de seus professores leigos, que atuavam em escolas rurais
em péssimas condições de trabalho, tanto em moradia, quanto em transporte, alimentação etc.
A memória é considerada por historiadores como uma fonte da história oral ou ―fonte
oral de memória, sem considerar as implicações metodológicas e teóricas a que estas
remetem. Entre os aspectos que caracterizam mais propriamente essa fonte documental‖,
Montenegro (2016, p. 7). O autor destaca, também, que as entrevistas orais de memórias se
tornam fontes documentais porque o pesquisador participa diretamente de sua produção
através de entrevistas realizadas no tempo presente, mas que o relembrar ou rememorar não
dispensa os entrevistados do que para eles são ressignificações de experiências vividas no
cotidiano. Isso porque, quando se trata de memórias e história oral, podem haver lapsos de
memórias que por muitas vezes são confundidas com acontecimentos presentes, mas que em
nada prejudica a pesquisa, ―assim chamada não confiabilidade da memória pode ser um
recurso, em vez de um problema para a interpretação e a reconstrução históricas‖
(THOMSON, 2000, p. 52). Esses lapsos e falta de confiabilidade da memória só exigem do
pesquisador uma maior ―atenção metodológica e conhecimentos de teorias que estudam a
memória‖ Montenegro (2016, p. 7).
Sobre a história oral, Philippe Joutard (2000) acrescenta que,
―a força da história oral, todos sabemos, é dar voz àqueles que normalmente não a
têm: os esquecidos, os excluídos ou, retomando a bela expressão de um pioneiro da
41
história oral, Nuno Revelli, os "derrotados". Que ela continue a fazê-lo amplamente,
mostrando que cada indivíduo é ator da história‖ (JOUTARD, 2000, p. 33).
O autor fala sobre a importância da construção de arquivos em história oral, para que
―a memória não seja esquecida‖. Nesse sentido, foi possível aprofundar os conhecimentos em
memórias analisando, também, a obra organizada por Rosa Fátima de Souza Chaloba,
Macioniro Celeste Filho e Ilka Miglio de Mesquita, intitulada História e Memória da
Educação Rural no século XX, publicado em 2020, pela Cultura Acadêmica da Unesp. O que
chama a atenção no e-book é o seu quarto e último eixo, intitulado Memórias e
representações sobre a docência nas escolas primárias rurais, composto por três artigos que
tratam exclusivamente das memórias das professoras e professores que atuaram no Magistério
Primário Rural.
No primeiro artigo, intitulado Atuação docente no meio rural: cultura e práticas
escolares de Schelbauer e Souza (2020), apresentam as narrativas de professores e professoras
dos estados de Sergipe, Pernambuco, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São
Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Com essa ampla pesquisa os autores puderam observar as
semelhanças do ensino no meio rural, da formação dos professores e as histórias vividas e
suas particularidades que muito se assemelham mesmo sendo de regiões diferentes. Nesse
artigo, chamam atenção às memórias da professora Yolanda de Almeida (2018), que atuou
como professora primária no interior do município de Juazeiro, no estado da Bahia, na década
de 1960. Em suas lembranças, a professora fala sobre as dificuldades de ser a única professora
em um povoadozinho da zona rural: ―naquela época, nós éramos preparados para darmos,
lecionarmos em turmas de apenas uma série e eu, infelizmente, como na época do primeiro
ano, eu era a única professora da cidade no povoadozinho, então eu era a matricial, quase
iniciante de alfabetização ao exame de admissão‖ (SCHELBAUER E SOUZA, 2020, p. 372).
Já no segundo artigo, A formação de professores rurais no Brasil (1940-1970): o que
as memórias revelam, escrito por Serra e Barreto (2020), são selecionadas professoras de
várias partes do país para contarem suas histórias de profissionalização docente em escolas
rurais. As memórias da professora Yolanda de Almeida, de 75 anos na época, revelam sua
trajetória de formação e profissionalização. No texto, ela é citada com ―um grupo de
professores que fizeram curso superior após já estarem trabalhando‖ (SERRA e BARRETO,
2020, p. 422).
O terceiro artigo é Pesquisa em História da Educação Rural: professoras e
professores entre teias e contextos, de Josemir Almeida Barros e Nilce Vieira Campos
Ferreira (2020). Nesse trabalho, é desenvolvido um estudo sobre a história da profissão
docente no meio rural e, para isso, analisa o que os autores chamam de fragmentos das
memórias de professoras que atuaram nesse contexto. Desse modo, foram trabalhados eixos
43
Na década de 1960, no Brasil, a Educação passou por avanços com a sancionada LDB
Lei n.º 4.024/61 de 20 de dezembro de 1961, os avanços foram perceptíveis principalmente na
formação de professores para atuação no Magistério Primário rural, pois a formação, que só
era oferecida nas cidades polos e capitais, pôde chegar até as cidades mais isoladas do
Nordeste brasileiro.
Na cidade de Casa Nova, a formação de professores por meio da Escola Normal chega
em 1961, com o objetivo de habilitar os professores leigos que atuavam em toda extensão
territorial do município, haja vista os três entrevistados, que atuaram como leigos e deixaram
suas marcas na Educação Rural, mesmo que em tempos alternados, iniciando na década de
1960 até 1990, quando se encerra este estudo.
Assim, essa seção tem uma tessitura do perfil dos professores colaboradores da
pesquisa, sua vida escolar e formação, buscando permear tudo que envolve a Educação Rural,
desde as leis representadas pelos aspectos legais até o período de escolarização e formação
para habilitação do Magistério Primário rural.
Em 1961, o governo da Bahia tinha como governador o general Juracy Magalhães, que
governou de 1959 a 1963 e não deixou registros de avanços na Educação, pois, quando tomou
posse, o Ensino Secundário já estava sendo ofertado na capital baiana – e de forma gratuita.
Mas foi registrada sua participação ou contribuição no golpe de 1964. No período, a
preocupação do governo era o crescimento industrial e agrícola. Como prova desse interesse
econômico, anos depois, o governador abandonou a política e tornou-se empresário nacional e
internacional, deixando seus herdeiros na política baiana até os dias atuais.
A chegada do Curso Normal de Casa Nova em 19607, um ano depois, é promulgada a
LBD de 1961, para fortalecer a formação de professores primários.
7
Na década de 1960, Casa Nova estava localizada na região hoje chamada de Dunas do Velho Chico, por isso
os nomes das localidades foram escritos com os nomes originais, como é registrado através das falas das
professoras e do professor. Tais localidades deixaram de existir devido à inundação provocada pela barragem de
Sobradinho na década de 1970.
45
Como a autora bem disse, a Curso Normal não tinha prédio próprio para seu
funcionamento, mas funcionou no Ginásio de Casa Nova. A LDB de 1961 foi escrita
contemplando esses acontecimentos já existentes na realidade da formação de professores no
estado da Bahia e no município em estudo. O Art. 57 – ―A formação de professores,
orientadores e supervisores para as escolas rurais primárias poderá ser feita em
estabelecimentos que lhes prescrevem a integração no meio‖ – tratava desses cedimentos de
espaços para o funcionamento do Curso Normal.
Em 1961, no início do Curso Normal, que oferecia o curso de Magistério Primário, é
possível identificar em Azevedo (2020, p. 40) um excessivo quantitativo de professores leigos
atuantes na sede e no interior do município de Casa Nova, ―o município contava com 103
professores, 28 na sede eram diplomados e os demais, leigos‖.
Para o ingresso no curso não bastava ser professor leigo, alguns critérios foram
estabelecidos e eram inegociáveis, ou seja, existia uma trajetória de escolarização até
ingressar no 1.º ano ginasial e Magistério Primário. Os professores que atuavam como leigos,
em sua grande maioria, estudaram apenas até a 4.ª série (atualmente 5.º ano do Ensino
Fundamental), por isso precisavam dar continuidade aos estudos e concluir a oitava série
(hoje em dia, 9.º ano). Após a conclusão, precisam participar de um processo seletivo, que era
o exame admissional: ―realizavam provas de: Português, Matemática, Geografia, Aritmética e
História, devendo obter média 5,0 para ser aprovado. [...] Só após esse processo, os alunos
poderiam realizar a matrícula‖ (AZEVEDO, 2020, p. 42-43).
Entre os critérios estabelecidos para a inscrição no curso, estavam os documentos
exigidos como: ―certidão de nascimento; atestado médico, certificando de boas condições de
saúde, inclusive com as vacinas em dias; diploma de conclusão do curso Primário e três fotos
3x4‖ Azevedo (2020, p. 43). Os documentos citados mostram o sistema rigoroso para o
ingresso tanto no Magistério quanto no ginasial, importante observar a exigência da carteira
de vacina, e atestado médico, mostrando uma preocupação com a saúde dos alunos, que na
década de 1960 passavam por duas epidemias, sarampo e febre amarela8.
Embora houvesse certa urgência em formar as professoras leigas, em observação à
pesquisa educacional, pode-se entender que, para que as Escolas Normais chegassem ao
8
https://super.abril.com.br/saude/as-grandes-epidemias-ao-longo-da-historia/
46
9
A chamada Nova LDB (Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971), que tinha por objetivo principal proporcionar
aos estudantes a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades vocativas, qualificação para o
trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania. A cooperação com empresas, através de convênios,
deu origem aos estágios profissionalizantes. O ensino passou a ser obrigatório dos 7 aos 14 anos. O texto
também previa um currículo comum para o 1.º e 2.º Graus e uma parte diversificada, em função das diferenças
regionais. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article/33771-institucional/83591-
conheca-a-evolucao-da-educacao-brasileira.
10
Crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e aumento do poder de consumo da classe média, por um lado, e
explosão da dívida externa e maior concentração de renda, por outro. Informações disponíveis em:
https://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/medici/
48
11
O Programa REDE UNEB 2000 é o Programa Intensivo de Graduação desenvolvido pela UNEB desde 1998,
em parceria com as prefeituras municipais de várias regiões do estado da Bahia, para formação de professores
em exercício. Disponível em: http://www.uneb.br/prograd/programas-especiais-de-graduacao .
49
Os professores sujeitos da pesquisa têm os seus perfis organizados por ordem de idade
e/ou ano de atuação na docência leiga. O trabalho na docência rural traz alguns aspectos que
diferenciam os entrevistados, por se tratar de peculiaridades pessoais de cada um. A primeira
entrevistada, a professora Maria de Lourdes Lopes Xavier, começou a lecionar aos 13 anos de
idade e fez de sua profissão uma missão de alfabetizar crianças e adolescentes, sendo ela uma
adolescente também, que renuncia à vivência com a família para ensinar o pouco que sabia.
Por conta da devoção à docência, só inicia a sua trajetória de formação e profissionalização no
Magistério Primário 16 anos após a chegada da Escola Normal.
A trajetória de formação da professora Ana da Rocha Braga assemelha-se à de tantas
outras professoras leigas do território do São Francisco: dificuldades de locomoção,
financeiras, distância da fazenda onde lecionava para a cidade; entretanto, quando começou a
estudar não quis mais parar. Iniciou em 1978 com o projeto Rondon e concluiu o curso de
Magistério em 1982. A professora fez vários cursos de formação de professores oferecidos
pelo município, entre tantos outros extras para contribuir com a necessidade da comunidade e
regiões adjacentes. Estudou primeiros socorros, fez curso de parteira leiga etc.
A formação do professor Cosme de Oliveira veio ainda mais tardiamente, pois ele era
professor leigo desde 1986 e fez o curso intensivo de Pedagogia apenas em 2006, concluindo
o curso em 2008. O professor lembra que participou de várias formações para professores
oferecidas pela Secretaria de Educação. Entretanto, por mais de 20 anos preferiu dar
prioridade formativa às necessidades da comunidade, fazendo curso de técnico em
enfermagem para ajudar a comunidade que era tão carente e necessitada de cuidados na área
da saúde. O professor relata que até parto já fez. A trajetória de formação do professor foi
pautada em alfabetizar e cuidar.
A primeira professora entrevistada foi Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier,
conhecida como professora Lourdinha. Nasceu no dia 20 de fevereiro de 1943, na cidade
de Casa Nova (velha), no sertão baiano. No corrente ano, 2022, a professora tem 79 anos
de idade.
Imagem 1 – professora Lourdinha, 2023
50
adjacentes, dava aulas em uma casa de família e depois em uma casa de beira de
estrada que conseguiram pra eu dar aulas a todas as crianças daquela comunidade
rural (XAVIER, 2022).
A fala da professora Lourdinha apresenta traços de uma infância feliz junto de sua
família só até os 12 anos de idade. Mais adiante, aos 13 anos, a criança vira a menina-
professora. Segundo Xavier (2022), ―foi chamada para morar na zona rural na casa dos tios
para dar aulas aos primos e acabou lecionando para mais de sessenta crianças e adolescentes
como ela, divididos em dois turnos, manhã e tarde‖.
Em um de seus relatos, fica registrada uma prática bastante comum para época. As
meninas tinham que sair de casa muito cedo para ajudar a família na renda, assim, muitas iam
trabalhar em casas de família com mais condições financeiras. No caso de dona Lourdinha,
ela escolheu ser professora, pois já tinha a 4.ª série do Ensino Fundamental, que hoje
corresponde ao 5.º ano.
A sua escolarização primária, ―desde a carta do ABC até a 4.ª série‖ (XAVIER,
2022), foi a base necessária para alfabetizar, pois já sabia ler e escrever, portanto já dava para
ensinar aquelas crianças que não eram alfabetizadas. Recorda ainda que ―na zona rural
naquela época no final da década de 1950 e início da década de 1960 não existiam escolas
construídas nem pelo estado nem pelo município, era uma raridade se ouvir falar, as escolas
funcionavam nas casas de famílias‖ (XAVIER, 2022).
Para a professora leiga Ana da Rocha Braga, as primeiras lembranças de sua
infância e adolescência foram de momentos inesquecíveis, segundo as suas palavras,
fazendo menção aos momentos de dificuldades enfrentadas na fase da escolarização, que
envolvem outros aspectos, tanto familiares quanto econômicos, que associados trazem para
ela sentimentos de alegria e tristeza. Por isso, inicia dizendo:
12
Informações disponíveis em: https://www.letras.mus.br/vinicius-de-moraes/49255/
54
Em suas memórias, evidencia-se que a professora realmente teve uma infância muito
difícil, segundo ela, sem perspectiva de melhoras. Mas mesmo falando da casa em que
morava, a memória expressa um sentimento ambíguo, que se revela através da música ―A
Casa‖, de Vinícius de Moraes.
O início da escolarização de dona Ana Rocha acontece tardiamente, mas na época isso
era normal no interior de Casa Nova. Ela relata que sua ―realidade de vida começou a mudar
com a chegada de uma professora leiga em 1959, o que me proporcionou aos 8 (oito anos de
idade) e a todas as crianças da localidade o aprendizado, a professora leiga ofereceu a sua
própria casa como escola‖ (BRAGA, 2022).
Nos relatos da professora, é possível relacionar a escola na casa da professora com a
expansão do Ensino Primário, sobretudo na zona rural dos municípios, fato que ―aumentou
substancialmente nos períodos posteriores, fato que continuou produzindo a abertura de
escolas primárias, sem as mínimas condições de funcionamento. A casa do professor era o
primeiro espaço utilizado quando não havia outro disponível‖ (GONÇALVES, 2015, p. 78).
Em suas memórias, relata que, passados alguns anos, quando já estava na 2.ª série, foi
estudar com sua tia Georgina, que atuou como professora formada em uma localidade bem
próxima de sua casa e, para ter acesso à escola, bastava apenas atravessar para o outro lado do
rio. Ao concluir a 4.ª série, hoje o 5.º ano do Ensino Fundamental, no ano de 1968, com a
idade de 17 anos, voltou para a casa de seus pais e foi convidada a substituir a professora leiga
que a alfabetizou.
O professor Cosme de Oliveira, através de suas memórias, revela acontecimentos
inesquecíveis sobre sua infância e escolarização:
Tive uma infância comprometida com o trabalho de porta em porta, ora vendendo
beiju de caco, bolos, frutas, pirulito, tudo para sobreviver, já que era órfão de pai, e
a mãe na condição de merendeira na Escola Estadual Dom Malam às margens do
rio São Francisco na cidade de Petrolina. Na Escola Estadual Dom Malam estudei
da carta de ABC à 3.ª série (2.º ano de hoje) parei de estudar ainda criança, pois
55
tinha que trabalhar. Em minha casa, gêneros de primeira necessidade quase sempre
faltava, tinha o compromisso com o básico: alimentação e aluguel de uma casa com
quarto e cozinha onde morávamos eu, minha mãe e dois irmãos e uma irmã
portadora de deficiência oriunda de uma paralisia infantil. Ali vivi até os 16 anos
quando quis o destino que me deparasse com um amigo que era namorado de
Corrinha e que posteriormente casaram-se e eu me infiltrei entre eles, e foi assim
que cheguei à localidade de Entroncamento em Casa Nova – BA; morei na casa
deles desde o dia 15 de setembro de 1972, ano em que havia retornado aos estudos,
agora pela modalidade MOBRAL e assistindo aulas pela rádio. Mesmo estudando,
continuei na condição de vendedor ambulante (OLIVEIRA, 2022).
O professor relata que em sua vida nada foi fácil, como de fato percebe-se em sua fala
acima citada. Teve uma infância voltada para o trabalho, mesmo sua mãe trabalhando em uma
escola, as necessidades alimentícias e vulnerabilidades econômicas e sociais contribuíram
para evasão escolar ainda criança. Aos 16 anos de idade, voltou a estudar pela modalidade
MOBRAL13.
Em suas lembranças, o professor continua a relatar as tantas necessidades básicas que
o cercavam: moradia, alimentos, vestimentas, estudo, entre outros. Aos 19 anos de idade, foi
morar em São Paulo na residência de um tio para trabalhar. Ele conta que, com muito esforço,
voltou a estudar e fez alguns cursos técnicos que atendiam às necessidades de seu trabalho na
época, ―consegui chegar ao 8.º ano colegial. Ingressei no SENAI em 1980, onde cursei
pinturas para portas, grades e paredes‖ (OLIVEIRA, 2022).
Entre os cursos, o que se destacou na fala do entrevistado foi o de técnico em
administração. Entretanto, a sua estadia em São Paulo foi interrompida por problemas de
saúde; então, teve que retornar ao quente Nordeste, mas o calor fazia muito bem para sua
saúde. Sua escolarização foi marcada por vários cursos, o que o distanciava de um projeto
educacional voltado para a docência no meio rural.
13
O Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) foi criado em 1970 com o objetivo de erradicar o
analfabetismo entre jovens e adultos. O programa foi extinto em 1985. Disponível em:
https://www.educabrasil.com.br/mobral-movimento-brasileiro-de-alfabetizacao.
56
Em 1972, a professora deu continuidade aos estudos, para a partir daí também dar
início a sua Trajetória de Formação e Profissionalização. O primeiro passo foi fazer o curso
de Madureza Ginasial, instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 4024/61,
Lei n.º 4.024 de 20 de dezembro de 1961, em seu Art. 9914.
Aos maiores de dezesseis anos será permitida a obtenção de certificados de
conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza, após
estudos realizados sem observância do regime escolar.
Parágrafo único. Nas mesmas condições, permitir-se-á a obtenção do certificado de
conclusão do curso colegial aos maiores de dezenove anos (BRASIL, 1961).
O curso de madureza ginasial funcionava como supletivo, para autodidatas que não
precisavam do auxílio de um professor para aprender e pesquisar. Então, percebe-se que
nesse curso as professoras leigas se deram muito bem, pois elas já gostam muito de estudar e
aprendem com mis facilidade.
14
Art. 87. Ficam revogados os artigos de números 18, 21, 23 a 29, 31 a 65, 92 a 95, 97 a 99, 101 a 103, 105,
109, 110, 113 e 116 da Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961, bem como as disposições de leis gerais e
especiais que regulem em contrário ou de forma diversa a matéria contida na presente Lei.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-
publicacaooriginal-1-pl.html
15
O Curso de Madureza Ginasial era um supletivo transmitido pela televisão e rádio nas décadas de 1960-1970.
Informações disponíveis em:
https://tede.utp.br/jspui/bitstream/tede/1489/2/A%20HISTORIA%20DO%20INSTITUTO%20UNIVERSAL%2
0BRASILEIRO.pdf
57
16
O exame admissional está escrito na LDB de 1961, no ―§ 2.º Os exames serão prestados perante comissão
examinadora, formada de professores do próprio estabelecimento, e, se este for particular, sob fiscalização da
autoridade competente‖
59
O Projeto Rondon foi criado para levar conhecimentos às pessoas mais carentes do
país, sobretudo carentes de conhecimentos educacionais, pois foi criado na década de 1960,
quando o Brasil estava passando por um momento difícil na Educação e em várias áreas
políticas e sociais, por conta do golpe de 1964 e início da ditadura civil militar.
17
A frase utilizada faz menção à obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. Disponível em:
https://www.todoestudo.com.br/literatura/grande-sertao-veredas
60
adjacências, como foi o caso da professora Maria de Lourdes. Nesse sentido, evidencia-se
que os meios de ingresso são diferentes, mas ao mesmo tempo singulares.
Uma história que se aproxima da realidade da cidade de Casa Nova está escrita na
obra de Ávila et al. (2020). São citados os relatos de uma professora, em que ela fala sobre o
que a motivou a seguir a carreira docente e sobre como se dá o processo de ingresso no
Magistério Primário, se foi por meio de concurso público ou por indicação:
[...] foi por indicação, porque o prefeito chamava a gente pra ser professora, porque
nas roças sempre tinha dificuldade de ter professora, aí quem fosse de lá e tivesse
um pouquinho de conhecimento era só falar com o prefeito, ele chamava a gente,
fazia uma reunião e ficava 3 a 4 horas por dia preparando a gente [...] eu conhecia,
ele e era mais por causa de campanha política [...] (OLIVEIRA, 2013, apud Ávila et
al., 2020, p. 80).
política através de influências comunitárias e por ser sobrinha da professora que estava
deixando o cargo para dar continuidade à sua escolarização e formação docente.
O professor Cosme de Oliveira fala que seu ingresso na profissão docente no meio
rural se deu por influência de uma professora e amiga.
Voltando para localidade de Entroncamento, me submeti a um teste a nível de
secretaria me tornei regente de sala, na Escola Municipal Dr. Adolfo Viana de
Castro, sem a devida noção do que era reger sala multisseriada; já que na
bagagem eu trazia um curso de administração e não de Magistério. Com a ajuda
da já considerada minha cunhada, por ser casada com um irmão de Corrinha,
Luzimar Passos, que com bastante dedicação no ofício tornei-me um professor
admirado pelos alunos, pais, colegas de trabalho, vereadores, prefeito e
comunidade casa-novense (OLIVEIRA, 2022).
Assim, após a remoção da professora Luzimar, ele ficou à frente do trabalho docente
na escola rural por 31 anos.
Imagem 7 – Família que deu abrigo à professora Lourdinha – escola de Canudos (1956)
No centro da imagem está o fazendeiro, como era chamado, dono da fazenda na qual
morava e trabalhava a professora Lourdinha. Ele está com sua esposa e três filhos. A
professora relembra que de sua estadia na casa da família só guarda ótimas lembranças.
Percebe-se um saudosismo em relação às amizades de toda uma vida e o sentimento de eterna
gratidão por ter sido a pioneira na Educação daquela família e comunidade de Canudos.
A história contada a partir das memórias da professora mostra o grau de transformação
tanto das crianças quanto de seus familiares, dentre outros moradores daquela comunidade,
pois a professora alfabetizou seus primos, os filhos do fazendeiro e todas as crianças daquela
localidade e arredores.
Schelbauer e Souza (2020, p. 364) dialogam com a história de vida de dona
Lourdinha, quando afirmam que ―pensar a história é pensar nosso agir e transformar o mundo,
18
Em 1977, a cidade passou por mudança de local em razão da submersão pelas águas da barragem da
hidroelétrica de Sobradinho e foi construída uma nova cidade pela CHESF. A CHESF, Companhia Hidrelétrica
do São Francisco, é uma sociedade anônima de capital aberto que atua na geração e na transmissão de energia
em alta e extra-alta tensão, explorando a bacia hidrográfica do rio São Francisco, com sede no Recife (cf.
www.chesf.gov.br).
65
a partir das relações que estabelecemos com o nosso lugar‖. O lugar de origem e a
necessidade de contribuir com a transformação de vida de todos envolvidos no contexto
educacional estão relacionados. Em tempos tão difíceis, em que a Educação e o ensino em
escolas rurais primárias para a grande maioria era um sonho bem distante, mas que nessa
comunidade foi realizado, mesmo sem nenhum suporte financeiro, didático nem estrutural por
parte do município, mas o apoio das famílias deu força e bom ânimo para continuar a
caminhada.
Ainda sobre as condições de trabalho na zona rural (salário, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc.), a professora traz em suas memórias
uma insatisfação, que fica evidenciada em sua fala:
Nesta época, conforme o relato acima, a professora ainda morava na casa do dono da
fazenda, onde funcionava também a escola. A professora lembra momentos muito difíceis,
mas que também trouxeram grandes conquistas para ela, seus alunos, pais e toda a
comunidade rural de Canudos no que tange à Educação.
Eu estava dando aulas em uma casinha na beira da estrada, quando o corro de Dr.
Adolfo Viana, político da época parou, ele ia passando na estrada e viu uma
casinha, que era da empresa que fez alguns serviços na região e estava
abandonada, eu ocupei a casinha com a ajuda da comunidade e transformei em
uma escola, cheia de crianças. Ele perguntou ao rapaz que ia com ele, o que era
aquilo? e o rapaz respondeu que era uma escola, sustentada pelos pais da
localidade, então, ele se aproximou, entrou na escola e lá eu estava sentada no chão
ensinando a um aluno, ele perguntou, cadê a professora? Logo eu respondi, sou eu,
ele não acreditou, pois eu era pequenina igual as crianças, Dr. Adolfo fez várias
perguntas aos alunos, para testar os conhecimentos dos mesmos e viu que eu
ensinava de verdade, pois os alunos eram afiados em matemática e português. Ao
me chamar no canto, ele me pediu para procurá-lo na prefeitura da cidade, pois ia
construir uma escola para minhas crianças, eu o procurei rapidamente e ele
cumpriu a promessa e construiu a nossa primeira escola de Canudos, teve
inauguração com uma bela missa e a primeira comunhão dos alunos, foi
inesquecível (XAVIER, 2022).
início das dificuldades enfrentadas pela professora, mas para ela tudo valeu a pena, pois agora
ela tinha também muitas histórias para contar.
Imagem 8 – Inauguração da primeira escola de Canudos – zona rural de Casa Nova – BA (1964)
A partir da inesperada visita de Dr. Adolfo Viana na escola da beira da estrada, onde a
professora Maria de Lourdes estava assentada no chão ensinando seus alunos, a comunidade
recebeu uma escola de verdade, saíram da casinha abandonada e mudaram-se para as novas
instalações, que naquela época era chamada de prédio da escola. Foi um ano de conquistas
educacionais para a comunidade rural de Canudos e comunidades próximas que estudavam
naquela escola.
Segundo a professora, ela jamais esquecerá, pois participou de todas as fases de
edificação da escola, até a inauguração que contou com a presença de toda a comunidade e
arredores. Foi um dia de festa e celebração. Momentos como aqueles ficaram na memória a
ponto de serem contados e recontados para todos pela professora, que se considera uma
contadora de histórias. Para ela, aquela escola foi uma de suas grandes conquistas como
educadora e uma grande contribuição para a história da Educação local.
A inauguração coincide com um contexto histórico no país, que foi o golpe contra a
democracia brasileira, através do governo de João Goulart em 1964, dando início à ditadura
civil-militar.
O prédio escolar de Canudos, inaugurado no ano de 1964, não tem nenhuma
documentação que comprove sua inauguração ou existência, pois esses documentos ficavam
arquivados na secretaria de Educação municipal. Entretanto, ao procurar o setor de
67
Imagem 9 – Declaração de incêndio escrita pela Secretaria Municipal de Educação – SEDUC 2022
Fonte: Acervo pessoal da professora Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)
Agora o que resta são lembranças da professora Maria de Lourdes, que não são menos
importantes do que os documentos do prédio escolar, pois suas memórias são registradas
nesse trabalho, transformando sua oralidade e lembranças em história. Para Montenegro
(2016, p. 5), a fonte oral de memória é considerada uma fonte documental:
O autor fala sobre a importância de tratar as entrevistas orais de memórias com mais
atenção metodológica, pois pode-se deparar com situações diversas no momento das
68
entrevistas, mas que, de todo modo, nenhuma delas pode ser desprezada, nem mesmo as
confusões de datas, entre tantos outros acontecimentos que reverberam a história oral e as
memórias. Para Le Goff (1994, p. 477 apud Ávila et al., 2018. p. 4), ―[...] é da análise e
interpretação dos registros, da memória que se reconstitui a história, pois é na memória, onde
cresce a história‖.
Em Ávila et al. (2020, p. 81-82), as autoras relatam as condições de trabalho de
professoras que atuaram na zona rural, em cidades diferentes e distantes do município de Casa
Nova. De igual modo, relembram que nem sempre a escolha para o exercício do Magistério
foi fácil para as professoras entrevistadas em sua obra, ―algumas fizeram a escolha pela
docência por vocação ou por identificação pela profissão, outras por ser uma das únicas
opções por profissionalização de mulheres. Pode-se dizer que as professoras encontraram no
Magistério uma saída para melhorar suas condições de vida‖.
A escolha da docência pela vocação, citada por Ávila et al. (2020), é também
mencionada por Nóvoa (1992, p. 2), referindo-se historicamente à escolarização e
profissionalização docente. Com isso, o autor faz referência ao Magistério como uma espécie
de ―apostolado e ao sacerdócio‖. As professoras que atuaram como leigas na zona rural do
município de Casa Nova também expressam o apostolado e sacerdócio através do cuidado em
educar. Mesmo a catequese não sendo uma disciplina ou mesmo a própria ―religião‖ não
fazendo parte do currículo escolar na época, as professoras entrelaçavam alfabetização,
letramento e religião para cumprir um único propósito, ensinar.
Gonçalves (2015, p. 148) também fala que ―a vinculação do trabalho docente ao dom
ou ao sacerdócio, ainda que em escala menor, é solicitada do professor em seu
comportamento e em sua atuação‖. Percebe-se na obra de Gonçalves outro ponto muito
importante: o sacerdócio estava associado à imagem dos professores, ou seja, no
comportamento, nesse sentido, os professores tinham que zelar por sua imagem perante
alunos, pais e comunidade.
Essa devoção pela profissão explica como essas professoras superaram tantos desafios,
falta de recurso na Educação Primária Rural, falta de espaço adequado, de cadeiras e merenda,
entre outros que surgiam na caminhada docente.
A professora leiga Ana Rocha Braga enfrentou vários desafios na docência no
Magistério Primário e fez seu primeiro relato relembrando que atendia uma grande quantidade
de alunos. Fala sobre sua sala de aula multisseriada, sala essa que era minúscula para a
quantidade de alunos que tinha que comportar: ―tínhamos apenas uma sala de aula, o número
de alunos variava ano após ano, de 30 a 45 alunos de alfabetização ao 4.º ano para acomodar
69
em uma pequena sala‖ (BRAGA, 2022). Os professores primários rurais viveram tempos
difíceis.
Em relação aos espaços físicos, a professora rememora que:
Uma escola com uma sala de aula, uma pequena cantina que só cabia alimentos
armazenados e uma pequena área entre a cantina e a sala de aula. Não tinha
funcionário na escola, os equipamentos da escola era apenas umas 20 carteiras
duplas, a mesa do professor o quadro de giz, dois caldeirões grandes de
alimentos (BRAGA, 2022).
algo escasso. Os pais das crianças pegavam os filhos no sábado e os devolviam na segunda-
feira, até acabar o ano letivo.
As condições de trabalho que também estão bem próximas dessa realidade são
abordadas em um estudo muito importante sobre memórias de professores rurais, intitulado
Memórias de Professoras de Escolas Rurais em Juazeiro-BA e Petrolina-PE (1950-1970), das
autoras Virgínia Pereira da Silva de Ávila, Rosa Santos Mendes da Silva e Cícera Maria
Peixoto Rocha, publicado em 2018, na revista Cocar. Nesse trabalho, as autoras analisam as
trajetórias das professoras Maria Brígida Rolim Cavalcante e Yolanda de Almeida, que
atuaram em escolas rurais ainda muito jovens e, apesar de terem vivido em diferentes espaços
geográficos, vivenciaram as mesmas dificuldades no trabalho docente.
As memórias da professora Maria Brígida Rolim Cavalcante (2018) retratam as
grandes dificuldades enfrentadas por ela no início de sua profissionalização como professora
leiga no Município de Dormentes, no sertão pernambucano. Ela fala sobre ―a precarização da
escola que funcionava em uma barraquinha, bem como a falta de recurso em todos os
sentidos, inclusive em seu salário que era simbólico‖ (ÁVILA et al., 2018).
Ávila et al. (2018) fala também das memórias de Yolanda Almeida. É possível
evidenciar como uma das maiores dificuldades da docência nas décadas de 1974-1985 a
ditadura civil-militar. A professora Yolanda lecionou em sua escola primária justamente nesse
período que entrou para história da Educação, quando professores dependiam da liberação de
militares para dar aula ou não.
Os desafios enfrentados pelas professoras primárias rurais são hoje fontes inesgotáveis
para a pesquisa na História da Educação. A partir da história oral registrada por meio das
lembranças, são respondidas várias questões, que reverberam a vida e profissionalização
dessas professoras. Em Ávila et al. (2018), são levantados alguns desses questionamentos que
direcionam esta pesquisa: como esses professores exerceram o Magistério? Como eram
formados? Quais desafios profissionais tiveram de enfrentar? Essas questões são
indispensáveis, pois funcionam como uma base que guiará o processo de investigação.
Independentemente de qual seja o período estudado, algumas dificuldades são sempre
citadas quando se lê sobre história e memória de professores primários rurais. De maneira
geral, são as estruturas das escolas, a falta de moradia para os professores, os baixos salários,
a falta de materiais didáticos.
As condições de trabalho do professor Cosme de Oliveira também foram bem difíceis
e marcantes em vários aspectos, em alguns se assemelham com os da professora Maria de
71
Lourdes, pois a primeira escola da professora foi uma casinha abandonada à beira da estrada,
assim como a escola do professor.
As condições de trabalho do professor Cosme foram marcadas por resistências em
vários sentidos, tanto no espaço físico da escola, que passou a ocupar uma casa abandonada à
beira da estrada, quanto em suas lutas por melhorias na escola. Segundo o professor, nunca
conseguiram essa benfeitoria em sua estrutura. Sobre essas condições de trabalho, ele usa a
expressão ―aí dói‖, fazendo referência à estrutura da escola.
Aí dói! Tinha um espaço cedido que foi ponto de apoio do BERBA19, onde
funcionava um cemitério de peças de automóveis que davam suporte a manutenção
das estradas no percurso da BR 235, que liga Petrolina – PE a Remanso ‒ BA e
Casa Nova fica localizada entre essas duas cidades. O espaço da escola era
pequeno e desconfortável, eu tinha que andar de lado quando entrava na sala e
quando o aluno me solicitava junto à sua carteira. Trabalhei 31 anos nessa mesma
escola e nunca chegou nenhum auxílio ou benefício para melhorar a estrutura nem
para dar um toque no visual, de forma que nos levasse a ter um certo orgulho de
nossa escola.
Quando perguntado em que período exerceu a sua carreira docente, quantos anos
foram dedicados à zona rural e como eram os salários, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc., ele respondeu dizendo que houve
momentos de grandes dificuldades enfrentadas desde o início de sua docência, mas
relembra momentos inesquecíveis, afinal, foram 31 anos dedicados ao ensino na mesma
escola primária rural.
Todas essas questões – condições de trabalho, formação no Magistério Primário, os
20
O Centro Educacional Antônio Honorato teve, em suas instalações, o Curso de Magistério Primário até o ano
de 2004, no turno matutino, quando a última turma concluiu o curso.
73
O diploma foi expedido segundo a LDB 5.692/71, conforme o ―Art. 16. Caberá aos
estabelecimentos expedir os certificados de conclusão de série, conjunto de disciplinas ou
grau escolar e os diplomas ou certificados correspondentes às habilitações profissionais de
todo o ensino de 2.º Grau, ou de parte deste‖ (BRASIL, 1971).
Com a chegada do grande dia, tão esperado para a professora leiga que, a partir do ano
de 1976, dava um grande passo na sua trajetória de formação e profissionalização docente,
com a conclusão do Curso Normal.
Na imagem 11, está uma carta endereçada à dona Lourdinha, que convidou o Sr.
Adolfo Viana para ser o patrono da turma de formandos em Magistério em 1976. O senhor
Adolfo é o mesmo que, no início da história oral da professora, faz uma visita inesperada à
escola e encontra a professora leiga sentada no chão, ensinando a seus alunos. Por gratidão
ao seu grande feito, a construção de uma escola para a sua turma e comunidade, ela o
convida para ser patrono da turma. Ele demonstra muita satisfação pelo convite e agradece
ao final da carta, dizendo: ―Com humildade, Maria de Lourdes, simplicidade, ACEITO ser o
Patrono da benévola turma de vocês‖. A carta é datada do dia 09 de fevereiro de 1976.
O Magistério foi ―o meio da travessia‖, como diz Guimarães Rosa (2001), pois quando
concluiu o curso, em 1976, a professora fez vários cursos para complementar a sua formação
76
e, ao mesmo tempo, adquirir conhecimentos para contribuir ainda mais com o aprendizado
de seus alunos e da própria comunidade.
No ano de 1994, ela foi aprovada no vestibular da Universidade de Pernambuco –
UPE.
Imagem 14 – Diploma de Formação para o Magistério da professora Ana da Rocha Braga (1982).
78
Trabalhei apenas em uma escola por um período de 5 anos, Escola Dom Tomás na
comunidade de Açude de Pedras.
Exerci a carreira de docente de 1976 a 2012. Durante este tempo, 5 anos foram dedicados
à zona rural, como professora leiga (BRAGA, 2022).
Na fala da professora, percebe-se que ela trabalhou em sua totalidade 10 anos, cinco
(5) como professora leiga e cinco (5) como professora formada no Magistério. Esse cálculo
foi feito a partir da soma em duas falas da professora em momentos diferentes, falando sobre
o período em que atuou como professora leiga durante 5 anos e, em um outro momento, em
que falava de sua formação em Magistério e o período em que lecionou por mais cinco anos
após sua formação. Para a professora, foram momentos inesquecíveis, pois deixou na
comunidade rural muitas amizades que fez com os familiares de seus alunos.
Em suas lembranças, a professora Ana Rocha traz a importância que foi, para ela,
fazer cursos na Diocese de Juazeiro, com a intenção de suprir necessidades da comunidade.
Somente ela como professora podia fazer, pois para tudo chamavam a professora, então ela se
sentia no dever de se profissionalizar em tudo um pouco.
As professoras leigas foram ―pessoas que organizaram suas vidas em torno desse
ofício e, para exercê-lo, acionaram diferentes táticas, desde a congregação de esforços com a
comunidade, as relações estabelecidas com a igreja, com agentes políticos e estabelecendo
relações que se estruturavam para além da escola‖ (GONÇALVES, 2015, p. 98).
A professora relembra que organizou sua formação para além do Magistério Primário,
pois fez ―cursos em áreas distintas da Educação, mas com o firme propósito de ajudar a
comunidade, como: medicina alternativa baseada em primeiros socorros, banhos, sumos, chás
etc. Curso de jurista leiga, catequese, parteira leiga, entre outros‖. Sua carreira docente foi
marcada pela dedicação aos seus alunos e à comunidade rural na qual ensinava e morava.
Por conhecer bastante a comunidade, porque nasceu na zona rural e sabia de todas as
necessidades da localidade, então fez de tudo para contribuir e sanar um pouco das
necessidades da comunidade, tanto educacionalmente como em bem-estar e saúde.
A professora Ana Rocha não media esforços e nem distância para participar de cursos
e eventos que agregassem conhecimentos formativos que contribuísse para a sua
profissionalização docente. Como exemplo, está o certificado de participação do XV Encontro
de Educadores nos dias 21 e 22 de agosto de 1998, realizado pelo Colégio Dom Bosco em
83
Petrolina – PE. Assim, a busca por uma formação contínua não se restringia ao estado da
Bahia. A professora Ana Rocha buscava por conhecimentos em intercâmbios educacionais.
Sua relação com a escola e seus entornos era harmônica e cheia de boas lembranças. A
professora Ana Rocha relata que era chamada para tudo que acontecia dentro da comunidade,
por isso fez vários cursos para atender às demandas de sua comunidade e arredores. A
militância pela Educação se estendia à comunidade na qual atuava, relembra:
Me relacionava muito bem com todos do entorno da escola e os que moravam por
perto, existia a troca de conhecimentos e outras necessidades como: festas da
comunidade e da escola, jogos. Sempre ajudei e participei das organizações das
festinhas escolares, quadrilhas, novenas, curso de pais e padrinhos, reuniões de
orações aos domingos, na igreja próxima a escola ou nas residências (BRAGA,
2022).
O professor Cosme de Oliveira também relata que a profissão docente abriu para ele
outras portas na comunidade, entre elas a de cuidar de pessoas enfermas com tratamentos
naturais. Essa nova condição de cuidador de enfermos despertou nele o desejo de fazer o
curso de técnico em enfermagem, pois na zona rural o professor tem que possuir inúmeras
habilidades. Entre elas, a mais solicitada na atuação do professor era a área da saúde, tanto das
84
crianças quanto dos pais e de toda comunidade. De certo modo, esse desejo de cuidar da
saúde das pessoas fez com que o professor mudasse seu foco da formação de professores.
Além, de lecionar, passei a cuidar de pessoas enfermas com MEIZINHAS que
beneficiava muitos com sintomas com sintomas de diversas naturezas, até parto
fiz em minha comunidade.
Com tantos desafios e amando o que fazia, busquei cursar técnico em
enfermagem. Ao terminar o curso optei por ficar com tratamento homeopático
pela manhã e lecionando à tarde (OLIVEIRA, 2022)
[...] em 2005, chegou em Casa Nova uma inscrição para o vestibular para o
vestibular da UNEB para o curso de Pedagogia, iniciaram-se as aulas em 2006
a 2008, com direito a descanso só aos domingos, para acelerar o curso já que a
faculdade ou curso era oferecido pela prefeitura, na gestão da prefeita Dagmar
Nogueira (OLIVEIRA, 2022)
Cosme de Oliveira atuou como professor leigo21 sem formação no Magistério Primário
Rural na mesma escola por 31 anos. Entre os entrevistados, foi o que teve a trajetória de
formação e profissionalização na área da Educação mais tardia, pois mudou de foco em
21
Até o ano de 2008, quando concluiu o curso de Pedagogia pela UNEB, em sua trajetória como docente no
meio rural, dedicou 31 anos da vida à Educação Primária Rural, de 1986 a 2017.
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Percebemos o mundo não como ele se apresenta, mas como socialmente os outros
nos ensinam a lê-lo, a representá-lo, a significá-lo. Dessa forma, o entrevistado ao
relatar suas experiências remete à dimensão individual, mas este individual é
também social, porque não há individual sem o social, não há individual sem as
marcas sociais.
O autor traz uma fala que muito se aproxima da realidade do professor Cosme de
Entroncamento. Por pensar de maneira diferenciada, é que o professor Cosme só fez a
formação de professor quando o MEC exigiu com base na Lei n.º 9.424 de 24 de dezembro de
1996, segundo o seu artigo 9.º:
§ 1.º Os novos planos de carreira e remuneração do Magistério deverão contemplar
investimentos na capacitação dos professores leigos, os quais passarão a integrar
quadro em extinção, de duração de cinco anos.
§ 2.º Aos professores leigos é assegurado prazo de cinco anos para a obtenção da
habilitação necessária ao exercício das atividades docentes.
§ 3.º A habilitação a que se refere o parágrafo anterior é condição para ingresso no
quadro permanente da carreira conforme os novos planos de carreira e remuneração.
(BRASIL, 1996b).
Mesmo com a exigência da Lei n.º 9.424/96, o professor leigo, sem a formação no
Magistério Primário Rural, que passou a ser chamado de ―habilitação para o Magistério,
tornando-se um curso de nível médio‖ (FARIA, 2018, p. 47). Mesmo assim, o professor só
iniciou sua trajetória de formação dez anos após a promulgação da Lei, quando o município,
através da Secretaria de Educação para cumprimento do que pede a Lei, formou uma parceria
com a UNEB a fim de extinguir o número de professores leigos no estado da Bahia. O
município de Casa Nova tornou pública a exigência de que os professores leigos fizessem o
curso de nível superior para continuarem em sala de aula, já que o Curso Normal de
Magistério Primário já tinha sido extinto. Cosme de Oliveira estudou Licenciatura plena em
Pedagogia, curso oferecido pela UNEB em parceria com a prefeitura municipal de Casa Nova
– BA. Mas não se acomodou com o diploma de pedagogo, foi além do que exigia a lei e fez
pós-graduação em Educação Política e Meio Ambiente.
Imagem 22 – Diploma de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Política e Meio Ambiente – FEM (2008)
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Até o ano de 2008, quando concluiu o curso de Pedagogia pela UNEB, em sua trajetória como docente no
meio rural, dedicou 31 anos de sua vida à Educação Primária Rural de 1986 a 2017.
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Para a professora Maria de Lourdes, ―a escola sempre foi um espaço que acolhia os
alunos para aprender a ler e escrever, mas também um espaço de acolhida à comunidade e até
mesmo à igreja, que sempre estava presente nas festas de datas comemorativas da escola e
vice-versa‖ (XAVIER, 2022), sempre com a organização da professora.
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Com base ainda nos vínculos de amizade criados pela professora com seus alunos e
familiares, temos, na imagem 24, fotos de vários alunos, que dona Lourdinha guarda com
muito carinho, ―pois naquela época das décadas de 1960 a 1972, quando a gente gostava
muito de uma pessoa dava-lhe uma foto de presente, para guardar como lembrança‖
(XAVIER, 2022). Essas fotos são intocáveis no acervo da professora, elas representam, para
dona Lourdinha, gestos de carinho, amor e por que não dizer gratidão pela dedicada
professora.
A professora conta várias histórias de seus alunos, entre as quais a mais interessante é
a do ex-prefeito de Casa Nova Manoel Batista de Castro, conhecido como Neco Beato. Ele foi
eleito no ano de 2001 e só pôde tomar posse do cargo quando provou que não era analfabeto.
Então ela relata:
Também fui responsável pela posse de um dos prefeitos de minha cidade, pois para
provar para a justiça eleitoral que ele não era analfabeto, me procurou e eu tinha
toda a documentação dele guardada, caderneta de notas, boletins, enfim, ele foi
empossado como prefeito de nossa cidade após uma declaração feita e assinada por
mim, anexada com as comprovações documentais da época (Xavier, 2022).
23
Na região Nordeste, mais precisamente na zona rural de Casa Nova, as pessoas ainda falam muito sobre o
―cercado‖, que é a cerca em volta da casa ou da escola, uma espécie de proteção para não entrar animais nas
proximidades da casa. Uma frase muito usada em forma de jargão, ―respeite meu cercado‖.
90
Imagem 25 – Foto de casamento de alunos e alunas que professora Lourdinha recebeu de lembrança em 1966
Dona Lourdinha enfatiza sempre as lembranças de como era sua relação com o
entorno da escola em que lecionava, com as famílias, a comunidade e os alunos: ―Participava
91
Nas lembranças da professora Lourdinha, pais e alunos tinham muito respeito por ela,
todas as festas da comunidade e missas eram organizadas por ela, como é possível ver na
imagem 26 (uma seta indica a posição da professora na foto). Em um momento muito especial
para as famílias, à professora catequisou seus alunos para a primeira comunhão, uma missa
muito bonita que é uma das suas lembranças mais especiais.
Mesmo tendo voltado a estudar, nunca fez dos estudos um empecilho que a impedisse
de participar ativamente das comemorações do interior do município. Em meio ao seu
processo de formação e profissionalização, com sua rotina de estudos pesada, mesmo assim
continuava sempre organizando os eventos da comunidade rural, representados na imagem
abaixo, em 1975.
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As organizações festivas faziam parte da vida da professora leiga, ela era convidada
para organizar batizados, missas e festas. Para Gonçalves (2015, p. 110), ―embora pareça uma
sobrecarga de funções, era nessas atividades extraescolares que os professores exerciam um
papel educativo para além da escola‖.
A imagem 27 é um manuscrito de 1975, a quadrilha junina foi escrita por dona
Lourdinha, que a guarda com muito cuidado. As apresentações de quadrilhas eram bem
ensaiadas. No momento das apresentações, homens dançavam vestidos de mulher sem
nenhum problema, a diversão era garantida, mesmo vivendo em plena ditadura civil-militar,
em que a liberdade artística era perseguida e censurada 24 em todas as esferas da arte e da
sociedade brasileira.
A quadrilha iniciava com um puxador, uma espécie de locutor fazendo a leitura do
texto escrito por dona Lourdinha, em voz alta, conduzindo a apresentação até o fim.
24
Informações disponíveis em: https://www.virgula.com.br/famosos/como-uma-geracao-de-artistas-enfrentou-
censura-da-ditadura-militar/
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As quadrilhas juninas, em 1975, eram guiadas pelo puxador, que tinha esse texto na
ponta da língua. Em suas lembranças ficaram gravados todos esses detalhes, conforme a
escrita da quadrilha junina na imagem da figura 9.
O manuscrito da quadrilha junina é especial para dona Lourdinha, que o guarda até
hoje em seu acervo documental. A comunidade não faltava aos eventos organizados pela
professora.
Assim, a atuação da professora naquela localidade foi uma missão a ser cumprida, não
só na escola, mas perante a comunidade rural que tão bem lhe recebeu. Dona Lourdinha fala
que ―em todas as ocasiões da comunidade eu era convidada para participar, opinava, ajudava,
era muito bom perceber a consideração que as famílias dos alunos tinham por mim‖
(XAVIER, 2022).
Sobre as comemorações realizadas na comunidade de Entroncamento, o professor
Cosme de Oliveira diz:
Os pais e a comunidade que nos dava a honra da presença no tocante a datas
comemorativas, que para todos eram momentos de lazer que muito valorizava
este trabalho e temperara o fazer pedagógico com sabor de estímulo ao
exercício (OLIVEIRA, 2022).
Naquele período, dona Lourdinha lembra que tudo na escola era responsabilidade da
professora, não havia reuniões pedagógicas e muito menos inspetores de ensino para orientar
os professores leigos, todo planejamento era feito por ela individualmente.
Desde que iniciou a lecionar em 1986, passando a ser professor titular de sua sala de
aula, anterior a esse ano (1986) o professor apenas auxiliava uma professora que atuava na
escola do Entroncamento. Somente após a transferência da professora para a cidade, o
professor Cosme passou a preencher e assinava os Mapas de Exames de sua turma e enviava à
Secretaria de Educação do Município de Casa Nova anualmente, ou seja, com os resultados
finais das avaliações de seus alunos, aprovados e reprovados.
Sobre as reuniões de planejamentos ou orientações pedagógicas, o professor relembra
que: ―A formação tinha recomendações, que os professores instigassem com precisão o
incentivo à escrita e à leitura e a precisão das quatro operações e resolução de problemas‖
(OLIVEIRA, 2022).
Sobre a relevância dos mapas de exame para esse estudo, Le Goff (1990, p. 110)
adverte que ―Nenhum documento é inocente. Deve ser analisado‖. Os mapas abaixo foram
analisados em alguns aspectos, e percebe-se os avanços e os retrocessos de 1986 – 1990,
período em que o professor começou a lecionar em 1986, até a década que corresponde ao
final do presente estudo sobre as trajetórias de formação e profissionalização no Magistério
Primário. Nesse sentido, é comprovado que o professor dá aulas na Escola Municipal Alfredo
Viana em 1986, na condição de leigo, pois o mesmo afirma que:
Me tornei professor por conta da superlotação da classe e porque a professora da
escola tinha 40 h/a e para o multisseriado e, por mais que ela se dedicasse no final
do ano faltava a consciência de dever cumprido, com êxito desejado vindo de seu
esforço que era desgastante e insatisfatório para quem via este trabalho com um
olhar voltado para um aprendizado de qualidade para os aprendizes. No meu caso,
nenhuma experiência formativa, mais um volume de bagagem bastante aguçada de
quando era discente e dos acontecimentos do cotidiano a nossa volta (OLIVEIRA,
2022).
95
O professor Cosme preenche e assina o seu primeiro mapa de exame em 1986, como
mostra a imagem a baixo, a partir desse mapa é que inicia a trajetória docente como titular de
sua sala de aula na Escola Municipal Adolfo Viana.
era maior para meninos, que correspondia a 11 meninos reprovados e somente 4 meninos da
turma aprovados.
Os dados observados indicam que, em 1986, na zona rural, a evasão escolar e
reprovação de meninos estava associada ao trabalho infantil, sobretudo para os meninos que
tinham que ajudar obrigatoriamente os pais nas lavouras e no manejo com os animais. Essa
obrigatoriedade posta sobre os meninos trouxe um enorme prejuízo educacional, na
comunidade de Entroncamento e em demais localidades da região que passaram pelo mesmo
problema de ordem econômica e social, já que esses meninos precisavam ajudar sua família
no sustento da casa.
Juntos no mesmo espaço, a divisão era traçada pelo giz na lousa, 1ª/ 2ª/ 3ª, se
aplicava as atividades; enquanto os alunos copiavam, eu tomava a lição da 4.ª
série, e os de alfabetização, os menores, já vinham com a tarefas no caderno ou em
papel ofício, que comprava com o pouco que tirava do meu ganho mensal. Na hora
do recreio, elaborava no outro caderno o dever para casa, de forma a facilitar a
tarefa de casa das séries maiores, e assim ministrava os conteúdos (OLIVEIRA,
2022).
Embora não tivesse nenhum recurso material para dar suporte ao ensino, professor
Cosme relata que garantiu o ensino e a aprendizagem de seus alunos: ―Materiais didáticos
eram o hábito de ler do docente, que no meu caso fazia deste criações que davam prazer ao
docente, aos discentes, aos pais e à comunidade‖ (OLIVEIRA, 2022).
ainda acrescenta, sobre a realidade vivida, que ―os meninos participavam do trabalho na roça,
juntamente com o pai, capinando, arando, semeando ou colhendo, a consequência da condição
social da família [...] é o afastamento da escola‖ (FARIA, 2018, p. 30).
É importante advertir que a autora enfatiza a realidade dos meninos da zona rural de
Mato Grosso do Sul, mas que se assemelha à realidade de Casa Nova e de tantas outras
realidades da Educação Rural do país, em que a evasão escolar atinge mais meninos do que
meninas de escolas rurais.
Outra observação a ser feita em relação ao trabalho é a falta de políticas de assistência
à família e programas de renda e sustentabilidade, que ainda não existiam nesse período que
corresponde a 1988, datado no mapa de exame.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o professor não falou especificamente de ter
sofrido nenhuma forma de preconceito, porém, o que observa-se são os avanços ano após ano
mediante os mapas de exame. É possível identificar traços de aceitação e boa convivência
com a comunidade, através do aumento do número de alunos matriculados e a diminuição da
evasão escolar, principalmente de crianças do sexo masculino.
Assim, para confirmar a boa convivência do professor com a comunidade e com os
pais de alunos, deixo uma frase do professor Cosme que chamou a minha atenção em alguns
pontos da entrevista: ―Sempre foram os pais que nos ajudavam‖. Sobre a sua relação com os
alunos, ele fala: ―Sou suspeito para falar de mim, mas trago a certeza de que era das melhores,
vejo isso, no momento em que me deparo com ex-alunos e vejo a luz da gratidão nos olhos,
nas palavras, em simples gestos a mim endereçados‖ (OLIVEIRA, 2022).
Os acervos pessoais do professor Cosme de Oliveira, da professora Maria de Lourdes
e da professora Ana Rocha são catalogados na produção do produto desse trabalho de
pesquisa em História da Educação da cidade de Casa Nova – BA.
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6 PRODUTO
A pesquisa tem como produto um acervo digital, que será uma contribuição para a
formação de professores a partir das entrevistas com as duas professoras e um professor e seus
acervos pessoais, com o objetivo de apresentar os resultados dos dados coletados e
disponibilizá-los, em diferentes plataformas oficiais e digitais. Um dos sites de divulgação
será o acervo do Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Educação no Sertão do São
Francisco (GEPHESF), no site oficial (www.gephesf.upe.br), para que sirva de fonte de
pesquisa em História da Educação em todo território brasileiro, especialmente no Sertão do
São Francisco, onde está localizada a cidade de Casa Nova – BA, berço da história oral
registrada nas linhas e entrelinhas deste trabalho.
Este produto pode ser utilizado pedagogicamente no ensino da história local,
sobretudo nas escolas estaduais e municipais da cidade de Casa Nova, para que os alunos
conheçam como era a educação entre as décadas de 1960 e 1990 e, a partir desse
conhecimento, percebam a evolução da formação dos professores leigos casanovenses. É
importante, também, que os alunos façam a leitura e conheçam as histórias contadas por
professores mais velhos, sobre as comunidades que existiam na época e hoje não existem mais
no território, como as comunidades de Poço e Canudos, que só existiram até a década de 1970
e foram submersas pela barragem de Sobradinho.
Outros aspectos importantes podem ser debatidos em sala de aula e comparados com a
realidade atual das escolas públicas, tais como: a dificuldade de se obter materiais didáticos, a
dificuldade de locomoção para chegar às escolas isoladas, a falta de móveis e materiais de
apoio para uma melhor qualidade no ensino e na aprendizagem de seus alunos e a própria
falta de condições financeiras dos pais de alunos dessas comunidades para oferecer educação
de qualidade aos seus filhos em tempos tão difíceis. Com todas essas ―faltas‖, uma grande
quantidade de crianças cursava apenas até a 4.ª primária. A partir da conclusão dessa etapa do
ensino, tornavam-se professores leigos.
102
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, M. C. ―Eu era professora, era catequista, era enfermeira, eu era tudo!‖: a
profissão docente no meio rural piauiense (1971 – 1989). 198f. Tese (Doutorado em
Educação). Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Federal do Piauí,
Teresina, 2015
Disponível em:
<https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/06_TESE_FINAL_Marli20190705092251
.pdf>. Acesso: 10 mai. 2022.
JOUTARD, P. Desafios à História Oral do Século XXI. Ferreira, Marieta de Moraes (org.)
História oral: desafios para o século XXI. / Organizado por Marieta de Moraes Ferreira, Tania
Maria Fernandes e Verena Alberti. — Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz
/ CPDOC - Fundação Getulio Vargas, 2000.
LEITE, Kamila Cristina Evaristo. Memórias de professoras de escolas rurais (Rio Claro – SP,
1950 A 1992). Dissertação de mestrado UNESP, São Paulo 2018. Disponível em:
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalh
oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=6277672 Acesso em: 23 de novembro de 2022.
<file:///C:/Users/socor/Downloads/2126-Texto%20do%20artigo-11703-1-10-20160530.pdf>.
Acesso em: 29 de jun. de 2022.
OLIVEIRA, Cosme de. Entrevista concedida a Maria do Socorro da Silva Carvalho. Casa
Nova. 2022.
OLIVEIRA. V. F. Educação, memória e história de vida: usos da história oral. In: HISTÓRIA
ORAL: Revista da Associação Brasileira de História Oral, v.8, n. 1, jan-jun. São Paulo,
2005.
SILVA. Marineide de Oliveira da. Escola rural em Mato Grosso: de professor leigo a sábio
(1945-1965). UEPJMF, 2018.
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalh
oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=6241736 Acesso em: 17 de novembro de 2022.
ANEXOS
111
APÊNDICES
120
Resposta da entrevistada:
2.4 Em que período exerceu a sua carreira docente? Deste tempo. quantos anos foram
dedicados à zona rural?
2.5 Relate sobre as condições de trabalho na zona rural (salário, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc.).
2.6 Você residia na cidade ou na fazenda onde lecionava?
2.7 Se na fazenda, onde morava?
2.8 Como fazia para chegar à escola? Havia algum tipo de incentivo financeiro ou de
transporte?
2.9 Houve a oferta de moradia e mobília para residir na escola? Permaneceu na escola rural
até aposentar-se?
3 Formação em serviço
3.2 Vocês professoras da zona rural tinham formação em serviço?
3.3 Se sim, conte como eram essas formações em serviço. Em qual(ais) locais aconteciam?
Quem oferecia? Era obrigatório, valia como pontuação para o concurso de remoção?
3.4 Como eram as reuniões pedagógicas? Quais eram as recomendações dos inspetores de
ensino/supervisores pedagógicos?
3.5 Os inspetores de ensino/supervisores pedagógicos realizavam visitas regulares às escolas
isoladas? Como eram as visitas?
3.6 Que relação você via entre a formação recebida e a escola em que atuava?
4 Práticas docentes
4.2 Como você desenvolvia as atividades pedagógicas nas escolas isoladas rurais?
4.3 Seguia algum material específico? O que era ensinado?
4.4 Quais informações pode dar sobre os alunos das escolas isoladas (condições
socioeconômicas, disciplina, interesse nas aulas, etc.)?
4.5 Como era a relação entre professor e aluno?
4.6 Quantos alunos havia por sala?
4.7 Como eram divididos os alunos? E a depender dessa divisão, como eram ministrados os
conteúdos?
4.8 Ao considerar que uma escola rural tem características especificas, dentre elas o cultivo de
hortaliças ou mesmo os cuidados com animais a exemplo de galinha, ovelha, porco, como
eram ministrados esses assuntos? Havia técnicos que auxiliavam? E os materiais, como
chegavam à escola?
4.9 E as escolas, como eram fisicamente?
4.10 Como era a sua relação com outras professoras que também ministravam aulas em
escolas rurais?
4.11 Como era ser a única professora da escola? Como registrava as aulas e a frequência
dos alunos?
4.12 Como você planejava suas atividades? Com que frequência?
Que informações você devia enviar para a secretaria ou órgãos municipais de Educação?