Você está na página 1de 130

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – CAMPUS PETROLINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FORMAÇÃO DE PROFESSORES E


PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES

MARIA DO SOCORRO DA SILVA CARVALHO

TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO


PRIMÁRIO RURAL DO MUNICÍPIO DE CASA NOVA – BA (1960-1990)

PETROLINA – PE
2023
MARIA DO SOCORRO DA SILVA CARVALHO

TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO


PRIMÁRIO RURAL DO MUNICÍPIO DE CASA NOVA – BA (1960-1990)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Formação de Professores e
Práticas Interdisciplinares da Universidade de
Pernambuco, Campus Petrolina, como requisito
para obtenção do título de Mestra em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Virgínia Pereira da


Silva de Ávila.
Coorientador: Prof. Dr. Geam Karlo Gomes

PETROLINA – PE
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Universidade de Pernambuco
Núcleo de Gestão de Bibliotecas e Documentação (NBID)

Carvalho, Maria do Socorro da Silva.


C331t Trajetórias de formação e profissionalização do magistério
primário rural do município de Casa Nova – BA (1960-1990) /
Maria do Socorro da Silva Carvalho. – Petrolina: do autor, 2023.
129 f. : PDF ; 8.349 KB.

Orientador(a): Profa. Dra. Virgínia Pereira da Silva de Ávila.


Coorientador(a): Prof. Dr. Geam Karlo-Gomes.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares,
Universidade de Pernambuco, Campus Petrolina, Petrolina-PE,
2023.

1. Professor Leigo. 2. História Oral. 3. Formação de


Professores. 4. História da Educação. I. Ávila, Virgínia Pereira da
Silva de. II. Karlo-Gomes, Geam. III. Universidade de
Pernambuco - Campus Petrolina - PPGFPPI. IV. Título.

CDD
370.710981

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Danilo Trindade Barbosa, CRB


4/2285, Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina.
MARIA DO SOCORRO DA SILVA CARVALHO

TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO


PRIMÁRIO RURAL DO MUNICÍPIO DE CASA NOVA – BA (1960-1990)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Formação de Professores e
Práticas Interdisciplinares da Universidade de
Pernambuco, Campus Petrolina, como requisito
para obtenção do título de Mestra em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Virgínia Pereira da Silva


de Ávila.
Coorientador: Prof. Dr. Geam Karlo Gomes

Aprovada e defendida em: 31/03/2023.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Prof. ª Dr.ª Virginia Pereira da Silva de Ávila (Orientadora)
Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina (UPE)

________________________________________________
Prof. Dr. Geam Karlo Gomes (Coorientador)
Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina (UPE)

________________________________________________
Prof. Dr. Ernani Martins dos Santos (Membro interno)
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Lays Regina Batista de Macena Martins dos Santos
(Membro Externo) Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

PETROLINA – PE
2023
Dedico este trabalho, sobretudo, a Deus; à minha mãe, Maria
Bernadete da Silva, e a meu pai, João José da Silva, pelas orações; ao
meu esposo, Joelson de Carvalho, pela compreensão e paciência; à
professora Dr.ª Virginia Ávila, com admiração e gratidão pela
generosidade, confiança e sábias orientações; ao professor Dr. Geam
Karlo Gomes, pelas sábias orientações; às professoras Maria de
Lourdes e Ana Rocha e ao professor Cosme de Oliveira, pelas
contribuições através de suas memórias.

Gratidão!
AGRADECIMENTOS

Agradeço, sobretudo, a Deus por ter me dado saúde mental e física, me fortalecido a
cada dia, capacitando-me na escrita deste trabalho, que é tão importante para a história da
Educação de minha cidade, Casa Nova – BA.
À minha família, pela paciência e apoio em todos os momentos, principalmente nos
momentos mais difíceis. Em especial ao meu marido, Joelson de Carvalho Santos, pelo
carinho, pela paciência e pelas contribuições com palavras de força e encorajamento.
Aos meus pais, João José da Silva e Maria Bernadete da Silva, pelas orações,
paciência e palavras de sabedoria.
À professora e orientadora Dr.ª Virgínia Pereira da Silva de Ávila, a quem eu chamo
de escolhida por Deus, para me orientar com tanta sabedoria e paciência, me ensinando a ser
uma pesquisadora de verdade, engajada na pesquisa com a responsabilidade de oferecer à
sociedade um trabalho com a qualidade Ávila de ser.
Ao meu coorientador, Prof. Dr. Geam Karlo Gomes, pelas orientações acadêmicas,
pela gentileza, generosidade e dedicação em todos os momentos da pesquisa.
Ao Prof. Dr. Ernani Martins dos Santos, pela participação em minha banca e pelas
sábias orientações que foram enriquecedoras para o meu trabalho.
À Prof.ª Dr.ª Lays Regina Batista de Macena Martins dos Santos, por ter aceitado o
convite para fazer parte de minha banca e pelas contribuições, que trouxeram mais densidade
e, ao mesmo tempo, fluidez à escrita desta pesquisa.
Ao PPGFPPI – Programa de Pós-Graduação e Formação de Professores e Práticas
Interdisciplinares, Campus Petrolina – PE.
Ao GEPHESF – Grupo de Pesquisa em História da Educação no Sertão do São
Francisco, pelas palestras nacionais e internacionais que me proporcionaram muito
conhecimento e pelos momentos de intercâmbio de conhecimento com os meus colegas de
grupo, que moram em outras cidades, com outras culturas e histórias da Educação locais
diferenciadas das minhas, mas cuja realidade em tantos momentos se assemelhava à minha.
Aos meus colegas de caminhada, Luís Yago e Adriana de Macedo, pela parceria e
pelos inesquecíveis momentos de troca e de fazer valer as palavras de professora Virgínia no
início do mestrado: ―Ninguém solte a mão de ninguém‖ – e foi isso que fizemos, seguramos
forte a mão do outro para nos fortalecer nessa tão importante caminhada acadêmica, cheia de
sentimentos ambíguos, mas ao mesmo tempo prazerosa e gratificante. Agradeço também aos
demais colegas de caminhada que fazem parte do GEPHESF pelos momentos em que
compartilhamos conhecimentos em nossos encontros.
Às professoras Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier, Ana Rocha Braga e ao
professor Cosme de Oliveira, que com presteza contribuíram com esta pesquisa, através de
suas memórias e acervos pessoais, gratidão!
Mas Deus domina o tempo e a história desenrola-se segundo à sua
vontade, mediante um plano traçado sobre o modelo da criação, numa
semana de seis dias, no fim da qual no sétimo dia verá o cumprimento
da promessa (LE GOFF, 1990, p. 346).
RESUMO

Esta dissertação insere-se no campo da Historiografia e História da Educação. O principal


objetivo foi analisar as trajetórias de formação, profissionalização e condições de trabalho de
três professores primários leigos que atuaram na zona rural do município de Casa Nova, no
estado da Bahia, no período entre as décadas de 1960 e 1990. Como fontes de pesquisa, foram
utilizados um conjunto de documentos (diplomas, certificados, fotografias, mapas de exame,
entre outros) e entrevistas com professores e professoras que iniciaram a carreira como leigos.
A delimitação temporal compreende a chegada do curso de Magistério Normal em Casa Nova
e a conclusão desse curso pela maioria dos entrevistados. O método adotado foi a história
oral, por meio de entrevistas com duas professoras e um professor, bem como a análise
documental de acervos pessoais e documentos institucionais. No referencial teórico, adotam-
se os estudos de Azevedo (2020), que analisou a implantação do Curso Normal e a formação
de professores primários no município de Casa Nova – BA, no período de 1961 a 1977; os
estudos de Ávila et al. (2018), que examinaram as memórias de professoras de escolas rurais
em Juazeiro – BA e Petrolina – PE entre os anos de 1960 e 1970; e o e-book ―História e
Memória da Educação Rural no século XX‖, organizado por Chaloba, Celeste Filho e
Mesquita (2020), que trata de temas relacionados à História da Educação, em especial às
memórias acerca da formação e profissionalização de professores rurais do Brasil. De maneira
geral, esta pesquisa evidenciou entre os três entrevistados que, mesmo diante de obstáculos
que tornaram o processo de habilitação para o Magistério lento, todos concluíram com
sucesso suas formações e foram além, cursando, mesmo em tempos difíceis, uma faculdade e
até especializações. A pesquisa tem como produto a organização de um acervo digital
acompanhado de um catálogo com as fontes utilizadas neste trabalho, como forma de
apresentar os resultados dos dados coletados e disponibilizá-los à comunidade acadêmica e ao
público em geral. Espera-se que este estudo possa contribuir com novas pesquisas sobre
História da Educação e formação docente no sertão baiano.

Palavras-chave: professores leigos; história oral; formação de professores; História da


Educação.
ABSTRACT

This thesis is inserted in the field of Historiography and History of Education. The main
objective was to analyze the trajectories of formation, professionalization, and working
conditions of three lay primary teachers who worked in the rural area of the municipality of
Casa Nova, in the state of Bahia, in the period between the 1960s and 1990s. A set of
documents (diplomas, certificates, photographs, examination maps, among others) and
interviews with male and female teachers who started their careers as laymen were used as
research sources. The temporal delimitation comprises the arrival of the Teaching Foundation
course in Casa Nova and the conclusion of this course by most of the interviewees. The
method adopted was oral history, using interviews with two female teachers and one male
teacher and the documental analysis of personal collections and institutional documents. In
the theoretical referential, we adopted the studies of Azevedo (2020), who analyzed the
implementation of the Teaching Foundation course and the training of primary teachers in the
municipality of Casa Nova - BA, from 1961 to 1977; the studies of Ávila et al. (2018), which
examined the memories of rural school teachers in Juazeiro - BA and Petrolina - PE between
the years 1960 and 1970; and the e-book "History and Memory of Rural Education in the 20th
century", organized by Chaloba, Celeste Filho and Mesquita (2020), which deals with topics
related to the History of Education, especially the memories about the training and
professionalization of rural teachers in Brazil. In general, this research evidenced, among the
three interviewees that, even in the face of obstacles that made the process of qualification for
the Teaching profession slow, all of them successfully concluded their education and went
beyond, attending, even in difficult times, a college and even specializations. The research has
as its product the organization of a digital collection accompanied by a catalog with the
sources used in this work, as a way of presenting the results of the data collected and making
them available to the academic community and to the general public. Hopefully, this study
can contribute to new research on the History of Education and teacher training in the
backlands of Bahia.

Keywords: lay teachers; oral history; teacher training; History of Education.


LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Foto atual da professora Lourdinha (2022) .......................................................... 49


Imagem 2 – Foto atual da professora Ana da Rocha Braga (2022) .......................................... 50
Imagem 3 – Foto atual do professor Cosme de Oliveira (2022) .............................................. 51
Imagem 4 – Curso de Madureza Ginasial (1972) ..................................................................... 56
Imagem 5 – Certificado do Curso de Madureza Ginasial (1972) ............................................. 57
Imagem 6 – Curso de Currículo na escola de 1.º Grau–Orientação Pedagógica, da professora
Ana da Rocha Braga (1978) ..................................................................................................... 58
Imagem 7 – Família que deu abrigo à professora Lourdinha– zona rural de Casa Nova – BA
(1956)........................................................................................................................................ 64
Imagem 8 – Inauguração da primeira escola de Canudos – zona rural de Casa Nova–BA
(1964)........................................................................................................................................ 66
Imagem 9 – Declaração de incêndio escrita pela Secretaria Municipal de Educação – SEDUC-
2022...........................................................................................................................................67
Imagem 10 –Diploma do curso de Magistério, frente e verso (1976) ...................................... 72
Imagem 11 – Carta do patrono da turma de formandos em Magistério de 1976 ..................... 75
Imagem 12 – Formatura em Letras Português na UPE em 1989 ............................................. 76
Imagem 13 – Diploma de Licenciatura em Letras Português na UPE em 1998 ...................... 76
Imagem 14 – Diploma de Formação para o Magistério, da professora Ana da Rocha Braga
(1982)........................................................................................................................................ 77
Imagem 15 – Grade curricular do curso de Formação para o Magistério (1982) .................... 78
Imagem 16 – Ficha 19 de conclusão de curso de Magistério em 1982 .................................... 79
Imagem 17 – Curso de Socorristas e Parteiras da Diocese de Juazeiro–BA (1980) ................ 79
Imagem 18 – Curso de Parteira Leiga da Diocese de Juazeiro–BA (1980) ............................. 80
Imagem 19 – Curso de Estudos Adicionais ao Magistério do 1.º Grau .................................. 81
Imagem 20 – XV Encontro de Educadores do Colégio Dom Bosco Petrolina–PE (1998) ..... .82
Imagem 21– Diploma do Curso de Licenciatura em Pedagogia – UNEB
(2008)...............................................................................................................................84
Imagem 22 – Diploma de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Política e Meio Ambiente
– FEM (2008)............................................................................................................................85
Imagem 23 – Carteira de trabalho com data de admissão de 01 de março de
1960..................................................................................................................................86
Imagem 24 – Foto de alunos e alunas que a professora Lourdinha que recebeu de lembrança
na década de 1960..................................................................................................................... 89
Imagem 25 – Foto de casamentos de alunos e alunas que a professora Lourdinha Lopes
recebeu de lembrança em 1966 ................................................................................................ 90
Imagem 26– Foto da primeira comunhão dos alunos de professora Lourdinha (1964) ........... 91
Imagem 27 – Festa junina organizada pela professora Lourdinha (1975) ............................... 92
Imagem 28 – Mapa de Exame da Escola Municipal Alfredo Viana (1986)............................. 95
Imagem 29 – Mapa de Exame da Escola Municipal Adolfo Viana (1987) .............................. 96
Imagem 30 – Mapa de Exame da Escola Municipal Adolfo Viana (1988) .............................. 97
Imagem 31 – Mapa de Exame da Escola Municipal Adolfo Viana (1989) .............................. 98
Imagem 32 – Mapa de Exame da Escola Municipal Adolfo Viana (1990) .............................. 99
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Esquema de análise da Trajetória de Formação e Profissionalização do Magistério


Primário Rural...........................................................................................................................27
Quadro 2 – Roteiro de entrevistas............................................................................................28
Quadro 3 – Perfil dos professores rurais integrantes da pesquisa.............................................30
Quadro 4 – Descritores da revisão de literatura no Banco de Teses e Dissertações da CAPES
(2015-2020) .............................................................................................................................. 31
Quadro 5 – Descritor Magistério Primário Rural no Banco de Teses e Dissertações CAPES
(2018-2019) .............................................................................................................................. 32
Quadro 6 – Descritor Trajetória e Profissionalização no Banco de Teses e Dissertações da
CAPES (2015-2019) ................................................................................................................. 33
Quadro 7 – Descritor Formação de Professores no Banco de Teses e Dissertações da CAPES
(2016-2020) .............................................................................................................................. 35
Quadro 8 – Descritor Memórias de professores rurais no Banco de Teses e Dissertações da
CAPES (2016-2020) ................................................................................................................. 37
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

AEE Atendimento educacional especializado


BNC Base Comum Nacional
BNCC Base Nacional Comum Curricular
BR Batalhão Rodoviário
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
CIESA Congresso Internacional em Educação, Saúde e Ambiente
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
DERBA Departamento de estradas e rodagens da Bahia
GEPHESF Grupo de Estudos e Pesquisa em História e Educação no Sertão do São
Francisco
IES Instituição de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PARFOR Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
PIB Produto Interno Bruto
UFPE Universidade Federal Rural de Pernambuco
UNIFAN Faculdade Alfredo Nasser
UNOPAR Universidade do Oeste do Paraná
UNIVASF Universidade Federal do Vale do São Francisco
UFP Universidade Federal da Paraíba
UFGD Universidade Federal da Grande Dourados
UFSCar Universidade Federal de são Carlos
UEM Universidade Estadual de Maringá
UEPJMF Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho - Rio Claro
UNESP Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho - Marília
UPE Universidade de Pernambuco
SUMÁRIO

MEMORIAL DESCRITIVO.............................................................................................. 16
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 21
2 PERCURSOS DA PESQUISA ....................................................................................... 26
2.1 Contextualização do objeto ........................................................................................ 26
2.2 Instrumentos e procedimentos de pesquisa ................................................................ 26
2.3 Sujeitos da pesquisa .................................................................................................... 30
2.4 Revisão de literatura ................................................................................................... 31
2.5 Memórias de professores primários rurais................................................................. 40
3 PERFIL, VIDA ESCOLAR E FORMAÇÃO ........................................................... 44
3.1 Aspectos legais, Curso Normal e formação de professores........................................ 44
3.2 Perfil dos professores leigos de Casa Nova – BA ...................................................... 49
3.3 Período de escolarização ............................................................................................ 52
3.4 Habilitação para o Magistério Primário...................................................................... 55
4 FORMAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO E CONDIÇÕES DE TRABALHO ........ 61
4.1 Ingresso na carreira docente ....................................................................................... 61
4.2 Condições de trabalho ................................................................................................ 63
4.3 Formação e profissionalização docente e vencimentos .............................................. 71
5 DISCIPLINAS, DATAS FESTIVAS, AVALIAÇÃO E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS ................................................................................................................ 88
5.1 A escola primária rural como espaço de interação ..................................................... 88
5.2 Práticas pedagógicas e avaliações .............................................................................. 94
6 PRODUTO ..................................................................................................................... 101
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 102
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 105
ANEXOS............................................................................................................................ 110
APÊNDICES......................................................................................................................119
MEMORIAL DESCRITIVO

Minha trajetória teve início na escola rural no município de Casa Nova – BA em 1990,
quando tinha oito anos de idade. Minha família e eu saímos de um povoado no distrito de
Casa Nova chamado Bem Bom e fomos morar na fazenda Angical, que era muito distante da
sede do município. Minhas primeiras professoras na escola rural eram leigas, filhas dos
vaqueiros da fazenda, que aprenderam a ler e escrever e depois passaram a ensinar as crianças
que moravam nas proximidades da fazenda. A escola era em uma casa de farinha, uma
cobertura colada na residência do caseiro, que é o vaqueiro mais velho, o senhor Cândido,
marido de dona Guiomar. Na casa de farinha, como era popularmente chamada, produzia-se
ou fabricava-se de modo artesanal a farinha de mandioca e outros derivados da mandioca
como a tapioca, a farinha de borra, farinha de tapioca e o beijú de forno. Quando fecho meus
olhos, vem em minhas lembranças o forno onde faziam farinha, as cadeiras em que sentavam
dois alunos, o chão de barro e a quantidade de crianças de séries diferentes. Era uma turma
multisseriada, tinha dia que eu ia para a escola e não escrevia nada, pois as professoras não
davam conta de ensinar a todos durante a aula. Mesmo assim, guardo boas lembranças. De
vez em quando, aparecia uma galinha acompanhada de seus pintinhos, uma pata e seus
patinhos, tinha pavão e até avestruz, ficava encantada com os animais da fazenda, era muito
bom, nunca vou esquecer a minha infância na zona rural. Mas aprendi a ler e escrever de
verdade com a minha mãe, que tinha pouco estudo, pois estudou somente até a 4.ª série, mas
me alfabetizou de forma muito rigorosa, não aceitava erro, me colocava pra apagar uma letra
e fazer novamente umas dez vezes até ficar bem bonita. Ela sempre foi minha maior
incentivadora para estudar, quando viu que na escola rural multisseriada não estava
evoluindo, me mandou para a casa de uma conhecida dela que morava na cidade de Casa
Nova. Na época, as mães da zona rural tinham esse costume de mandar as filhas pra estudar
em casas de conhecidos na sede do município. Com muita luta e sofrimento, fiquei na casa da
amiga de minha mãe até o 6.º ano do Ensino Fundamental, pois era muito pequena e sentia
muito a falta de minha mãe. A casa da amiga era cheia de meninas também da zona rural para
estudar, com uma diferença: as moças e adolescentes eram sobrinhas da dona da casa, eu não.
Voltei para a zona rural e continuei os meus estudos pegando carona até concluir o
Ensino Médio em 2001, tardiamente aos 19 anos de idade. Quando finalmente consegui
concluir o Ensino Médio, não pude dar continuidade aos estudos por falta de condições
financeiras, tinha que trabalhar. Passei 12 anos sem estudar nem fazer cursos
profissionalizantes.
Em 2013, fiz o vestibular tradicional da Universidade de Pernambuco – UPE, Campus
Petrolina, e fui aprovada para cursar Letras Língua Portuguesa e suas Literaturas. Naquele
momento, percebi que nunca é tarde para recomeçar. Em 2017, conclui com a defesa de
minha monografia de tema ―Os aspectos semânticos e sintáticos presentes no gênero cordel‖,
sob a orientação do professor Francisco Panta, professor de sintaxe da Universidade de
Pernambuco UPE.
No final do curso em 2017, uma professora percebeu que eu não queria mais parar de
estudar e me falou sobre o Mestrado profissional em Educação do PPGFPPI. No primeiro
momento, fiquei impressionada com as informações e logo procurei a secretaria do mestrado
para me informar sobre o processo seletivo. Pensei que, mediante as informações recebidas, o
caminho mais curto ou o atalho para conquistar uma vaga no programa era cursar uma
disciplina eletiva do programa como aluna especial, e assim o fiz.
No ano de 2018, cursei a disciplina ―Gestão e Organização da Educação Básica no
Brasil: Uma Abordagem Histórica‖, com a professora Virgínia Pereira da Silva de Ávila. O
mais impressionante é que, naquele período, decidi que professora Virgínia seria minha
orientadora e, a partir de então, comecei a pesquisar a linha de pesquisa Políticas Públicas,
Formação de Professores e Práxis Pedagógica, com foco na História da Educação. Assim,
passei a escrever meu pré-projeto para concorrer a uma vaga.
Em 2019, cursei a disciplina ―O professor reflexivo e a epistemologia da prática‖, com
o professor Dr. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Enquanto estudava e fazia seleções para
passar no Mestrado, fui fazendo outros cursos para não perder tempo acadêmico.
Assim, em 2019, cursei uma especialização em Docência do Ensino Superior – Área
de Conhecimento: Educação, com a duração de 440 horas, na Universidade Pitágoras
UNOPAR – Londrina – PR. O meu TCC teve o tema: ―A Interdisciplinaridade no Ensino
Superior: Uma abordagem de Ivani Fazenda‖. Quando cursei Docência do Ensino Superior, já
estava em meus planos ser professora universitária, pois sempre foi o meu grande sonho e
projeto particular de vida profissional.
Em 2020, percebi que poderia ampliar meus conhecimentos no que se refere à
profissão docente, pois sempre tive a preocupação de oferecer o melhor para meus alunos.
Então, cursei a especialização em Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura
para a Educação Básica, com a duração de 400 horas, na Universidade Pitágoras UNOPAR –
Londrina – PR.
Em 2020, tive a oportunidade de dar aulas em uma turma de Pedagogia na faculdade
Alfredo Nasser UNIFAN em Casa Nova – BA. A partir dessa experiência, me identifiquei
com a Pedagogia e, como sou obstinada em oferecer o melhor ensino, não perfeito, mas de
qualidade para meus alunos, decidi cursar uma segunda licenciatura em Pedagogia, pela qual
muito me orgulho em ter concluído em janeiro de 2022.
Ainda estava cursando Pedagogia quando passei no Mestrado Profissional em
Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI) da UPE, em 2021. O início
do mestrado foi muito difícil, por dois motivos. O primeiro é que o mestrado foi remoto
devido à pandemia de Covid-19. O segundo motivo foi o fato de ainda estar cursando
Pedagogia; não quis trancar minha segunda licenciatura porque já estava na metade do curso,
então tive que dobrar o empenho. Com muita dedicação e estudo, tudo deu muito certo,
conclui Pedagogia em 2022, o meu trabalho de conclusão de curso de Pedagogia teve o tema
―Docência na Educação Infantil: Atendimento educacional especializado – AEE, inclusão e
dinâmicas pedagógicas‖.
Os cursos acima citados contribuíram muito para a minha atuação docente, realizei
todos eles com muita dedicação, tendo que muitas vezes dormir pouco, pois passava as
madrugadas estudando para dar conta de meus trabalhos acadêmicos, ao mesmo tempo em
que tive que elaborar planejamentos pessoais para que tudo desse certo.
A minha trajetória de formação acadêmica foi toda planejada e focada em meu
objetivo profissional. Quando cursei Metodologia do Ensino Superior em 2019 pela
UNOPAR, tinha por objetivo trabalhar na Educação Superior e, em 2020, comecei a exercer a
profissão docente no Ensino Superior na Faculdade Alfredo Nasser – UNIFAN de Casa Nova
– BA.
Pensando sempre em oferecer o melhor ensino e, consequentemente, obter de meus
alunos um excelente aprendizado, cursei ―Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa e
Literatura para a Educação Básica‖ pela UNOPAR, em 2020. A segunda graduação em
Pedagogia pela UNINTER (2022) está contribuindo muito na minha trajetória de formação e
profissionalização docente, pois consegui ampliar meus conhecimentos na prática docente.
Antes de ingressar no mundo acadêmico e na profissão docente, eu era comerciante, mas não
estava feliz, por isso busquei e encontrei sentido na docência. Hoje sou muito feliz com minha
nova vida de professora e, ao mesmo tempo, aluna de mestrado, o que já está transformando a
minha prática docente.
O meu ingresso no Mestrado Profissional trouxe-me muitos avanços, profissionais,
pessoais e, especialmente, no campo da pesquisa. Logo que ingressei, minha orientadora me
cadastrou no Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Educação no Sertão do São
Francisco – GEPHESF junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa – Plataforma Lattes/CNPq.
No Gephesf, tenho participado de várias leituras temáticas de artigos científicos e
obras clássicas que reverberam em toda a História da Educação, mesas redondas, participação
como ouvinte em diversas bancas de defesa de trabalho de conclusão de curso TCC,
Dissertações e até Teses de Doutorado. Os momentos de estudo e pesquisa são de uma
riqueza de aprendizado indescritível.
Durante o período da pandemia da Covid-19, participei de vários eventos on-line,
entre eles a Formação de professores no campo da disputa: a Base Comum Nacional (BCN) e
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), transmitido pela TV Nephel, em 30 de junho de
2021.
Em 20 de agosto de 2021, obtive aprovação de um Resumo sobre Memórias de
Professoras Primárias Rurais do Município de Casa Nova – BA (1970-1990), no XI CBHE
Congresso Brasileiro de História da Educação, realizado de 11 a 14 de julho de 2022, no
formato on-line.
Participei, também, do V COISME-RN, Congresso Internacional de História e
Memória da Educação no Rio Grande do Norte, que aconteceu no dia 17 de setembro de 2021
em formato on-line.
Em 01 de outubro de 2021, realizei o Teste de Proficiência em Línguas Estrangeiras –
TEPLE para cumprimento de meus créditos na grade do mestrado. Realizei meu Estágio em
docência na Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Petrolina, tendo como orientadora
a Professora Drª. Virgínia Pereira da Silva de Ávila, junto à disciplina de História da
Educação brasileira em uma turma de Pedagogia.
Participei como ouvinte do II CIESA – Congresso Internacional em Educação, Saúde
e Ambiente – UPE. O evento foi realizado no formato on-line. Participei do III Seminário
Internacional sobre BNCC, Currículo e Avaliação – Instituto Casagrande, realizado no dia 05
de maio de 2022. É importante ressaltar que não vou parar por aqui com a minha busca por
conhecimento através de cursos e eventos acadêmicos.
Foi essa constante busca por conhecimentos que me motivou a escolher o PPGFPPI,
pois tinha plena convicção de que o Mestrado Profissional abriria as portas do estudo e da
pesquisa em minha vida acadêmica, profissional e até mesmo pessoal, com vistas a adquirir
conhecimentos e compartilhá-los com meus alunos e comunidade acadêmica.
Atualmente, sou professora universitária e coordenadora pedagógica na faculdade
UNIFAN. Também sou coordenadora pedagógica da Educação Infantil municipal, atuando
em creches e pré-escolas do município de Casa Nova. Trabalhei por seis anos, de 2016 a
2022, como educadora social, desenvolvendo atividades socioeducativas em um projeto
social, em uma comunidade rural da qual faço parte e onde minha família mora. Nessa
função, eu também era contratada pela prefeitura municipal de Casa Nova através da
Secretaria de Assistência Social. O meu ingresso no mestrado profissional me fez buscar
novas oportunidades na minha área, pois a docência, a pesquisa e a Educação me fascinam.
21

1 INTRODUÇÃO

Os professores leigos tiveram uma atuação marcante e extensa no município de Casa


Nova. Marcante porque foram os responsáveis pela alfabetização de crianças e adolescentes
de comunidades rurais isoladas de difícil acesso, com a finalidade de sanar o analfabetismo
que era um problema não só educacional, mas social do Estado da Bahia e da cidade de Casa
Nova na década de 1960. Os professores, em sua maioria, moravam nas comunidades rurais
onde lecionavam e costumavam ceder suas próprias casas para funcionamento da escola. Ali,
naquele espaço domiciliar, conciliavam seus afazeres domésticos, o cuidado com a família,
com o compromisso de ensinar o pouco que sabiam para seus alunos. De outro modo, aqueles
que não cediam suas casas e não moravam nas fazendas e localidades onde ensinavam
deixavam suas famílias e iam morar na zona rural em lugares isolados e distantes para
cumprir a missão de ensinar (GONÇALVES, 2015).
No Brasil, a formação de professores passa a ser objeto de legislação própria a partir da
promulgação da Lei Orgânica de Ensino Normal, pelo Decreto-Lei n.º 8.530, de 2 de janeiro
de 1946, em seu Capítulo I, Da Administração, quando refere, no Art. 39, que:
Os poderes públicos federais e estaduais devem desenvolver a rede de
estabelecimentos e Ensino normal, mediante conveniente planejamento, a fim de
que, no devido tempo e onde se torne necessário, haja em número e qualidade os
docentes reclamados pela expansão dos serviços de Ensino Primário (BRASIL,
1946).

Nesse artigo, destacam-se dois pontos importantes. O primeiro é que o Curso Normal
foi destinado, em primeiro plano, aos estados e Distrito Federal; e o segundo ponto é a
preocupação com a expansão do Ensino Primário no Brasil e a grande necessidade de formar
professores para atender a essa demanda da Educação.
Outro aspecto importante refere-se à gratuidade dos cursos de formação de professores
na Escola Normal. Conforme o Art. 53, ―Nenhuma taxa recairá sobre os alunos dos
estabelecimentos de Ensino Normal‖ (BRASIL, 1946). É nessa perspectiva de avanço
educacional que o Decreto-Lei n.º 8.530/1946 permanece em vigor até a criação da próxima
lei, proporcionando mudanças no cenário educacional.
Devido ao crescimento populacional do Brasil, cresciam também o número de crianças
em idade escolar, o próprio analfabetismo e a desigualdade social e educacional. Assim,
configura-se a urgência dos investimentos na formação de professores leigos no Brasil.
Em 1961, foi publicada a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sob
a Lei n.º 4.024 de 20 de dezembro de 1961, sancionada pelo presidente João Goulart, que
22

governou o Brasil de 1961 a 1964 e, no último ano de seu mandato, foi vítima do golpe civil-
militar de 1964. O presidente trouxe avanços para o país em diversos setores, mas o que
chamou à atenção da elite brasileira foram as modificações em áreas estratégicas dos poderes
do governo (AMÂNCIO E CASTIONI, 2021).
A LDB de 1961 foi criada em um contexto de crescimento do país, idealizada por um
presidente cujos ideais eram fazer a nação avançar na Educação e em todas as bases que
sustentavam o país. O presidente passou por um golpe, mas a lei resistiu a alguns anos de
ditadura civil militar.
É importante ressaltar que a LDB de 1961 teve a participação de um baiano nascido na
cidade de Caetité, no sertão do estado, que deixou suas contribuições na Educação do Brasil e,
sobretudo, da Bahia: Anísio Spínola Teixeira, pioneiro em implantar escolas públicas de todos
os níveis e gratuitas1 (AMÂNCIO E CASTIONI, 2021, p. 727). Anísio Teixeira pensava em
uma Educação para além de seu tempo, ensino de qualidade, advindo de professores bem
formados.
De acordo com Azevedo (2020), as décadas de 1960 e 1970 foram um marco na
história da Educação casa-novense, bem como na história do próprio município. Na
Educação, houve avanços com a chegada do curso Normal, que foi a grande oportunidade
para a formação e profissionalização dos professores leigos da região. A cidade de Casa Nova
tinha 75 professores leigos para 28 normalistas atuantes na sede e na zona rural do município.
Compreende-se através do estudo de Azevedo (2020) que, na década de 1990, ainda existiam
professores leigos atuantes no interior do município, que não conseguiram ingressar na Escola
Normal para a sua formação no Magistério Primário, mas que, independentemente de sua falta
de formação, fizeram parte da história da Educação local de maneira positiva, pois a atuação
dos professores leigos contribuiu para alfabetizar crianças, adolescentes, jovens e até adultos.
Ao mencionar os professores leigos, Silva (2018, p. 146) faz uso de um termo que
chama a atenção do leitor: ―importantes atores da Educação‖. Ao usar essa frase, imagino que
a autora está chamando os professores leigos de protagonistas, principalmente da
alfabetização, que era o foco no período em estudo, levando em consideração que, embora em
décadas anteriores à pesquisa, já era garantida por lei a formação em escolas normais. As
professoras leigas continuavam atuando sem a devida formação por conta da distância, pois a
Escola Normal mais próxima de Casa Nova ficava em Juazeiro, cidade-polo da região do
submédio São Francisco, como evidencia-se na citação de Boaventura (1977):

1
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 2021, Vol.102 (262), p.723-741. Disponível em: https://www-
periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php/buscador-primo.html
23

[...] no Interior, foi na legislatura de 1950/1958 que se abriram as possibilidades de


Ensino Médio, com a lei que autorizou o Estado a instalar 32 ginásios em várias
cidades e bem assim escolas normais. São consequência dessa legislação, os ginásios
e escolas normais de Serrinha, Jequié, Vitória da Conquista, Jacobina, Itabuna,
Juazeiro, Canavieiras e Caculé, seguindo sempre a praxe de utilização de ―módulos‖
escolares para Ensino Primário que haviam sido implantados na Bahia pela
administração Anísio Teixeira. [...] As escolas que iam sendo concluídas se
transformavam em Ginásios pela pressão das próprias comunidades (AZEVEDO,
2020, p. 31 apud BOAVENTURA, 1977, p. 50).

Diante do exposto, esta dissertação, que se insere no campo da Historiografia e


História da Educação, tem por objetivo analisar as trajetórias de formação, profissionalização
e condições de trabalho de três professores primários leigos que atuaram na zona rural do
município de Casa Nova, no estado da Bahia, no período entre as décadas de 1960 e 1990.
Toma como base as lembranças2 de um professor e duas professoras, entrecruzadas com
fontes documentais.
Dentre os objetivos específicos, estavam: traçar o perfil dos professores, considerando
idade, gênero, localidade de nascimento, período de escolarização; descrever aspectos sobre a
vida escolar, a formação e o processo de ingresso no Magistério Primário, considerando a
profissionalização, vencimentos e condições de trabalho; analisar as disciplinas, os horários, o
recreio, as datas festivas, a avaliação e as práticas pedagógicas aplicadas nas escolas rurais.
A delimitação temporal compreende a chegada do curso de Magistério Normal de
Casa Nova com o objetivo de habilitar professores leigos que atuavam no Magistério Primário
rural e a conclusão do curso da maior parte dos entrevistados. Em 1960, o quadro de
professores era composto, em sua maior parte, por professores leigos que lecionavam na zona
rural do município de Casa Nova – BA. A década de 1990 considera como recorte espacial a
própria cidade de Casa Nova – BA, que encontra-se em outro espaço geográfico após a
inundação da barragem de Sobradinho – BA, e que, 30 anos após a chegada da Escola Normal
para habilitação e formação de professores leigos, ainda existem no quadro do município
professores leigos atuando na sede e no interior da cidade. Tal afirmativa é constatada através
de um dos entrevistados, o professor Cosme de Oliveira, que em 1990 tinha cinco anos de
docência leiga (sem habilitação em Magistério Primário rural nem formação acadêmica para
professor) atuando em uma escola rural.
Assim, a partir de uma reflexão sobre o processo de escolarização inicial desses
professores leigos até a formação e profissionalização do Magistério, surgiram inquietações
que se configuraram em questões de pesquisa. Como se deu a escolha pela carreira? Quais as

2
O Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética-CISAM/UPE, em 9 de dezembro de 2021. Parecer n. º 5.177.797.
24

condições de trabalho nos contextos sociais, físicos e econômicos? De que forma eles
desenvolviam as suas práticas pedagógicas ao mesmo tempo em que enfrentavam outros
desafios na formação? O que mudou no ensino e na aprendizagem dos alunos após o ingresso
no curso de Magistério Primário? O que mudou em sua vida profissional e pessoal após a
conclusão do curso de Magistério?
Os procedimentos metodológicos deste estudo foram realizados por meio da história
oral3 e da análise documental. A história oral é uma metodologia que ―pode ser definida como
um processo de trabalho que privilegia o diálogo e a colaboração de sujeitos considerando
suas vivências, experiências, memórias, identidades e subjetividades, para a produção de
conhecimentos‖ (RIBEIRO, 2016, p. 2). Nesse aspecto, como lembra Thomson (2000, p. 50),
―é igualmente necessário que o historiador oral esteja atento às nuances culturais quando
realiza entrevistas dentro de sua própria sociedade, que dificilmente será culturalmente
homogênea‖.
Esta pesquisa é de abordagem qualitativa, isto é, ―trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis‖ (MINAYO, 2001, p. 22). De caráter exploratório, pois trata-
se ―da abordagem do fenômeno, pelo levantamento de informações que poderão levar o
pesquisador a conhecer mais a seu respeito‖ (GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p. 67).
Em relação aos procedimentos, é uma pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa
bibliográfica, segundo Gerhardt e Silveira, (2009, p. 69), ―são dados obtidos a partir de fontes
escritas, portanto, de uma modalidade específica de documentos, que são obras escritas e
publicadas na impressas em editoras, comercializadas em livrarias e classificadas em
bibliotecas‖. Neste caso, recorre-se ao uso de obras publicadas na CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, com temáticas relacionadas à história oral,
memórias e formação de professores. Já a pesquisa documental se caracteriza por ―recorrer a
fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas analíticas,
jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas,
tapeçarias, relatórios de empresa, vídeos de programas de televisão e etc‖ (FONSECA, 2002,
p. 32). A pesquisa bibliográfica e a documental possuem características semelhantes, o autor
deixa claro essa evidência, a ponto de dizer que é difícil distinguir uma da outra.

3
O Estatuto Social da Associação Brasileira de História Oral – ABHO, em seu ―Art. 1.º, § 1.º: Por história oral
se entende o trabalho de pesquisa que utilize fontes orais em diferentes áreas de conhecimento nas quais essa
metodologia é utilizada
http://www.histriaoral.org.br/estatuto
25

O referencial teórico contempla estudos sobre a formação e profissionalização de


professores rurais no Magistério Primário. Nesse sentido, as obras que subsidiam esse
trabalho são de autores que abordam a formação, história oral e memória de professores
rurais, entre eles: (ÁVILA et al. 2018, 2020); (AZEVEDO, 2020); (BARROS e FERREIRA,
2020); (CHALOBA et al, 2020); (GONÇALVES 2015); (LE GOFF, 1990, 1994); (NÓVOA,
1991); (SCHELBAUER e SOUZA 2020); (SERRA e BARRETO, 2020); (JOUTARD, 2000);
(MEIHY, 2000); (MONTENEGRO, 2016); (OLIVEIRA, 2005); (RIBEIRO, 2016);
(THOMSON, 2000).
A dissertação é organizada em sete seções. A primeira apresenta a introdução,
assinalando o objetivo geral e os específicos do trabalho, a delimitação temporal, fontes de
pesquisa e uma breve discussão teórica. A segunda seção apresenta o percurso da pesquisa,
por meio dos seus instrumentos e procedimentos, os sujeitos da pesquisa e o levantamento
bibliográfico, no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Nível Superior – CAPES, no período relativo aos anos de 2015 e 2020. A terceira
seção discorre sobre o perfil, vida escolar e formação dos professores leigos entrevistados
através da criação do Curso Normal de Casa Nova. A quarta seção aborda a
profissionalização, vencimentos e condições de trabalho. A quinta seção analisa as
disciplinas, os horários, o recreio, as datas festivas, a avaliação e as práticas pedagógicas
aplicadas nas escolas rurais. Na sexta seção destaca-se o produto, um acervo digital que será
uma contribuição para a formação de professores a partir das entrevistas com as duas
professoras e um professor e seus acervos pessoais, disponibilizado em diferentes plataformas
oficiais, como a Sucupira e outras plataformas digitais, para que sirva de fonte de pesquisa em
História da Educação.
26

2 PERCURSOS DA PESQUISA

2.1 Contextualização do objeto

Na década de 1960, constata-se, no interior do município de Casa Nova, um número


expressivo de professores leigos por falta de formação no Magistério Primário, já que a
Escola Normal chega à cidade somente no ano de 1961. Sobre a realidade da formação ou
falta dela no município, Azevedo (2020) explica que,
À época, não existia o ensino secundário em Casa Nova, sendo essa modalidade de
ensino ofertada somente em instituições escolares privadas, sendo as cidades mais
próximas Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. Para muitas famílias,
naquela época, era impossível possibilitar a continuidade dos estudos aos seus
filhos, por ter um custo muito elevado para manter os filhos estudando em outra
cidade. Também não havia, em Casa Nova, nenhuma instituição de formação para
professores, sendo esses em sua maioria leigos e uma pequena parcela composta de
normalistas (filhas de famílias que dispunham de condições financeiras para mantê-
las no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Petrolina – PE, pois era a Escola
Normal mais próximo de Casa Nova, que ficava a 100 km do município, na época
(AZEVEDO, 2020, p. 20).

Neste estudo é analisada a trajetória de formação de duas professoras leigas e um


professor leigo, em um dos períodos mais difíceis da Educação casa-novense, a falta de
professores formados e a chegada do curso normal, conquistado pela luta das únicas que
tinham condições para sair da cidade para estudar, as normalistas (AZEVEDO, 2020). Ainda
segundo a autora, as professoras se reuniram em uma sessão da câmara de vereadores para
buscar uma resposta sobre a fundação da primeira Escola Normal do município.
A metodologia desenvolve-se sob o viés da história oral, por meio de entrevistas e
análise documental dos acervos pessoais, com a digitalização desses documentos para a
construção do acervo digital do estudo.

2.2 Instrumentos e procedimentos de pesquisa

Os instrumentos da pesquisa que viabilizaram os objetivos traçados foram a análise


documental e as entrevistas com professores leigos que atuaram em escolas primárias
localizadas nas zonas rurais de Casa Nova, no estado da Bahia. No que se refere às
entrevistas, elaborou-se um esquema para servir como base orientadora da análise
desenvolvida no processo de pesquisa, em que todos os tópicos são cuidadosamente
construídos, considerando desde a formação, a profissionalização docente, até a escola
27

primária rural, onde esses professores leigos criaram seus próprios métodos de ensino,
pautados na bagagem de conhecimento que eles traziam e ofereciam aos seus alunos da
melhor forma possível, fazendo com que esse ensino refletisse no exterior da escola.

Quadro 1 – Esquema de análise das entrevistas

Fonte: Carvalho (2022).

Para a realização das entrevistas, foi elaborado um roteiro com questões,


―acompanhado de instruções minuciosas e específicas‖ (CERVO et al. 2007, p. 53),
desenvolvidas para se obter o máximo de informações possíveis dos entrevistados, mediante o
uso de celular. Essa etapa seguiu as recomendações de prevenção à Covid-194 (uso de
equipamentos de proteção individual, máscaras, álcool em gel e distanciamento social). Após,
realizaram-se as transcrições das entrevistas, em concordância com o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos entrevistados. Deve-se ressaltar
que este trabalho é parte integrante dos estudos produzidos no âmbito do projeto de pesquisa
História da formação e profissionalização do Magistério Primário no sertão de Pernambuco
e no distrito de Leiria: um estudo comparado Brasil e Portugal no período entre as décadas
de 1950 e 1980, aprovado pelo Comitê de Ética-CISAM/UPE, em 9 de dezembro de 2021.
Parecer n.º 5.177.797.

4
A Covid-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave,
de elevada transmissibilidade e de distribuição global, descoberta na China em dezembro de 2019. No Brasil, a
pandemia pela Covid-19, o novo coronavírus, ocasionou, até a data de 26 de outubro de 2022, de acordo com um
site oficial do Ministério da Saúde, o total de 687.907 óbitos acumulados (dados atualizados). No Estado da
Bahia, foram registrados, até a data de 26 de outubro de 2022, o total de 30.781 óbitos. Disponível em:
https://covid.saude.gov.br/
28

5
Quadro 2 – Roteiro de entrevistas
Dados de Identificação Nome completo, nome fictício, data de nascimento, local de nascimento, local onde
vive hoje, local de realização da entrevista, data de realização da entrevista.
1. Da infância à ✔ Como foi sua infância? E o período de adolescência? E a vida familiar?
formação Formação
1.1 1.1 Qual o motivo da sua escolha para exercer a carreira docente?
1.2 1.2 Quando iniciou a atividade docente qual era sua formação escolar
1.3 1.3 Qual foi a sua trajetória de formação para o Magistério?
1.4 1.4 A sua formação inicial auxiliou na sua prática docente para o Magistério Rural?
1.5 1.5 Fez curso de ―capacitação‖ ou ―aperfeiçoamento‖ para atender o Magistério no meio
rural? Se sim, fez estágios? Entregou relatórios durante o curso? Pessoas de outros estados
ou países foram professores nesses cursos? Quais os principais aspectos abordados? E os
materiais didáticos, como eram? E as aulas práticas onde e como eram ministradas?
1.6 1.6 Se não fez qualquer curso, como se tornou professor de uma escola rural? Quais são
suas experiências formativas?
2. Magistério Rural 2.1 Conte como iniciou no Magistério e no Magistério Rural.
2.2 Em qual (ais) escolas rurais você trabalhou durante o exercício do Magistério?
1.7 Em que período exerceu a sua carreira docente? Desse tempo, quantos anos foram
dedicados a zona rural?
1.8 Relate sobre as condições de trabalho na zona rural (salário, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc.).
1.9 Você residia na cidade ou na fazenda onde lecionava?
1.10 Se na fazenda, onde morava?
1.11 Como fazia para chegar à escola? Havia algum tipo de incentivo financeiro ou de
transporte? Houve a oferta de moradia e mobília para residir na escola? Permaneceu
na escola rural até aposentar-se?
3. Formação em serviço 3.1 Vocês professoras da zona rural tinham formação em serviço?
3.2 Se sim, conte-nos como eram essas formações em serviço. Em qual (ais) locais
aconteciam? Quem oferecia? Era obrigatório, valia como pontuação para o concurso de
remoção?
3.3 Como era as reuniões pedagógicas? Quais eram as recomendações dos inspetores
de ensino/supervisores pedagógicos?
3.4 Os inspetores de ensino/supervisores pedagógicos realizavam visitas regulares as
escolas isoladas? Como eram as visitas?
3.5 Que relação você via entre a formação recebida e a escola em que atuava?
4. Práticas docentes 4.1 Como você desenvolvia as atividades pedagógicas nas escolas isoladas rurais?
4.2 Seguia algum material específico? O que era ensinado?
4.3 Quais informações pode dar sobre os alunos das escolas isoladas (condições
socioeconômicas, disciplina, interesse nas aulas, etc.)
4.4 Como era a relação entre professor-aluno?
4.5 Quantos alunos havia por sala?
4.6 Como eram divididos os alunos? E a depender dessa divisão, como eram ministrados
os conteúdos?
4.7 Ao considerar que uma escola rural tem características específicas, dentre elas o
cultivo de hortaliças ou mesmo os cuidados com animais, a exemplo de galinha,
ovelha, porco, como eram ministrados esses assuntos? Havia técnicos que auxiliavam?
E os materiais, como chegavam à escola?
4.8 E as escolas, como eram fisicamente?
4.9 Como era a sua relação com outros professores que também ministravam aulas em
escolas rurais?
4.10 Como era ser a única professora da escola? Como registrava as aulas e a frequência
dos alunos?
4.11 Como você planejava suas atividades? Com que frequência? Que informações você
devia enviar para a secretaria ou órgãos municipais de Educação?
5. Relação do (a) professor 5.1 Qual era a sua relação com o entorno da escola em que lecionava? Com a família dos
(a) com o meio rural alunos, a comunidade e os próprios alunos?
5.2 Participava de comemorações, festas e atividades realizadas na comunidade? Em que
situações você era chamado(a) para ajudar/opinar/participar?
5.3 Relate alguma experiência vivida na escola rural em que trabalhou.

5
Toma-se de empréstimo o roteiro utilizado na obra História e Memória da Educação Rural no Século XX,
organizado por Chaloba, Celeste Filho e Mesquita (2020).
29

Fonte: Quadro elaborado pela autora (2022).

As questões foram respondidas pelas professoras e pelo professor oralmente e de


forma escrita, conforme suas disponibilidades6, utilizando-se o celular. Nessa etapa, seguimos
as recomendações de Prevenção à Covid-19 (uso de equipamentos de proteção individual,
máscaras, álcool em gel e distanciamento social). Após as entrevistas, foram realizadas as
respectivas transcrições.
Em Mogarro (2005, p. 17), é perceptível a valorização da história oral por meio das
memórias mais marcantes dos professores que, segundo ela, ―constituíram referências ao
longo da formação e da profissão, também surge nestes depoimentos – a sua cultura, as
qualidades pedagógicas, a sabedoria, a afetividade, a autoridade naturalmente exercida, a
empatia, e a criatividade‖. Como refere Nóvoa (1991, p. 123), ―a profissionalização não é um
processo que se produz de modo endógeno‖. Nesse sentido, o autor analisa a história da
profissão docente e como ela é exteriorizada perante a sociedade, ou seja, o professor cria o
seu modelo de Educação de acordo com as necessidades econômicas e sociais do público a
quem se destina o ensino.
Entre os documentos analisados, destacam-se autorizações para o exercício da
profissão de professor a partir da assinatura de carteira de trabalho, certificados de cursos de
formação oferecidos pela Secretaria de Educação do Município, diplomas de formação no
Magistério, carta de patrono à turma de formandos no Magistério Primário, diários, histórico
escolar, mapas de exames das turmas, fotografias, entre outras fontes de registros.
Para Mogarro (2006, p. 74), os documentos e as suas potencialidades para a
investigação em Educação
possuem fontes de diversas naturezas, apresentando-se em suportes variados e sob
formas diversificadas, muitas delas no exterior da escola e [...] podem ser fotografias
e outros documentos de natureza iconográfica; testemunhos orais de professores,
alunos, funcionários e outros elementos que exerceram funções no sistema
educativo, na escola e na comunidade‖ (MOGARRO, 2006. p. 74).

A autora deixa explícita a importância de ―documentos que encontram-se no exterior


da escola e que dizem muito sobre a materialidade dos seus suportes, outros pela oralidade‖
(MOGARRO, 2006). Os documentos mencionados pela autora são tratados por pesquisadores
e historiadores de ―acervos pessoais e documentais‖, isso por se tratarem de objetos pessoais
de professoras e professores leigos que guardaram fotos de seus alunos, mapas de exames,

6
Para Le Goff (1990, p. 53), ―[...] a passagem do oral ao escrito é muito importante, quer para a memória, quer
para a história. Mas não se deve esquecer que: 1) oralidade e escrita coexistem em geral nas sociedades e, esta
coexistência é muito importante para a história‖.
30

certificados, entre outros, que são conservados não só de forma concreta e palpável, mas nas
lembranças que neste estudo são transformadas em registros para serem explorados por outros
pesquisadores em História e Historiografia da Educação.

2.3 Sujeitos da pesquisa

A escolha dos três entrevistados se deu pela posição que ocupavam, cada um em suas
localidades e épocas diferentes, na condição de professores leigos e suas trajetórias de
formação e profissionalização no Magistério Primário. As duas professoras atuaram no
período de 1960 a 1970, em localidades da zona rural diferentes. A professora 1 atuou na
fazenda de Canudos durante 12 anos. A professora 2 atuou em uma comunidade chamada de
Poço, na antiga cidade, e em outra localidade à beira do rio São Francisco. Como ela mesma
cita, o tempo de trabalho em localidades diferentes soma 11 anos, a partir de suas anotações
manuscritas a próprio punho. O professor 3 atuou na localidade de Entroncamento, de 1986 a
2008, exatos 22 anos como professor leigo. Continuou lecionando na escola rural até o ano de
2017, como professor formado em Pedagogia, durante 9 anos. Continua morando na
localidade, porém foi transferido para uma escola na cidade por problemas políticos.
No quadro abaixo é traçado o perfil de cada professor participante da pesquisa:

Quadro 3 – Perfil dos professores rurais integrantes da pesquisa


Nome Idade Gênero Localidade de Escolaridade ao Escolaridade ao
nascimento iniciar a docência aposentar-se
Maria de Lourdes Lopes 79 F Antiga cidade 4.ª série do Magistério
da Silva Xavier de Casa Nova Primário Primário;
(1943) Letras Inglês –
UPE
Ana da Rocha Braga 72 F Localidade de 4.ª série do Magistério
Recanto, região Primário Primário
do Poço, antiga
cidade de Casa
Nova – BA
(1951)
Cosme de Oliveira 66 M Petrolina – PE 8.ª série Pedagogia –
(1956) UNEB (ainda não
se aposentou)

Fonte: Quadro elaborado pela autora (2022).

No quadro 3, é possível identificar semelhanças e disparidades. Entre as semelhanças,


destacam-se as duas professoras leigas que, quando iniciaram a carreira docente, possuíam a
31

mesma escolaridade, nasceram na cidade de Casa Nova velha e formaram-se em Magistério


Primário.
O perfil do professor Cosme de Oliveira diverge do das professoras, primeiramente
por ser do gênero masculino. A cidade em que nasceu foi Petrolina – PE. Quando começou a
dar aulas, tinha completado a oitava série, essas informações foram obtidas através de sua
escrita a próprio punho, pois sua entrevista do professor também foi manuscrita pelo
entrevistado devido à pandemia da covid-19, que estava em pico no período da realização das
entrevistas. Ainda não é aposentado. Assemelha-se com o perfil das professoras pelo fato de
ser leigo na época em que iniciou a carreira docente, em 1985. Assim como elas, deu
continuidade aos estudos e se formou em Pedagogia pela UNEB.

2.4 Revisão de literatura

A revisão de literatura foi feita a partir de um levantamento bibliográfico, no banco de


teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior –
CAPES, no período relativo aos anos de 2015 a 2020.
Os trabalhos selecionados foram escolhidos pela aproximação com o tema dessa
pesquisa. A maioria deles são da região Nordeste, por se tratar de teses e dissertações que
assemelham-se à realidade do estado quando se fala em formação e profissionalização do
Magistério Primário Rural. Após a escolha dos textos, fiz a leitura dos resumos e introduções
de todos os trabalhos e de outros fiz a leitura completa, por serem mais próximos tanto da
realidade do município quanto da história oral dos entrevistados.
O levantamento se estruturou em 5 quadros temáticos. No primeiro quadro, estão
relacionados os quatro descritores: Magistério Primário Rural, com 53 teses de doutorado e
112 dissertações; Formação de professores, com 705 teses de doutorado e 1207 dissertações
com temas relacionados; Trajetória e profissionalização, com 733 teses de doutorado e 1733
dissertações de mestrado; Memórias de professores rurais, com 776 teses de doutorado para
1745 dissertações de mestrado. Os descritores foram filtrados no Banco de Teses e
Dissertações da CAPES no período que corresponde a 2015-2020.
No segundo quadro, são relacionadas uma dissertação de mestrado e uma tese de
doutorado com base no descritor Magistério Primário Rural no Banco de Teses e Dissertações
CAPES (2018-2019).

Quadro 4 – Descritores da revisão de literatura no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2015-2020)


32

Descritores Teses Dissertações Total


Magistério Primário Rural 53 112 165
Formação de Professores 705 1207 1.912
Trajetória e Profissionalização 733 1733 2.466
Memória de professores rurais 776 1745 2.521
Fonte: CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2022.

Quadro 5 – Descritor Magistério Primário Rural no Banco de Teses e Dissertações CAPES (2018-2019)
Autor Título da Obra Ano Tipo Univ. Repositório
CAPES/Link
Iracema Santos Formação e condições de 2019 Dissertação UPE https://sucupira.capes.gov.
Carvalho dos trabalho do Magistério br/sucupira/public/consult
Anjos Primário Rural no estado as/coleta/trabalhoConclus
de Pernambuco: análise ao/viewTrabalhoConclusa
do Jornal do Professor o.jsf?popup=true&id_trab
(1955-1962). alho=8733249
Marineide de Escola rural em Mato 2018 Tese UEPJ – https://sucupira.capes.gov.
Oliveira da Grosso: de professor MF br/sucupira/public/consult
Silva leigo a sábio (1945- as/coleta/trabalhoConclus
1965). ao/viewTrabalhoConclusa
o.jsf?popup=true&id_trab
alho=6241736
Fonte: Quadro elaborado pela autora (2022).

Iracema Santos Carvalho dos Anjos, em sua obra Formação e condições de trabalho
do Magistério Primário Rural no estado de Pernambuco: análise do Jornal do Professor
(1955-1962), analisa aspectos relativos ao Magistério Primário Rural em matérias no Jornal
do Professor, que é um periódico de divulgação da associação da classe dos professores
primários do estado de Pernambuco e órgão do Centro de Professorado Primário de
Pernambuco (CPPP), com ênfase na formação, nas condições de trabalho e na associação da
classe do professor da zona rural.
Visto que o ano de 1955, marco inicial da pesquisa, representa o primeiro ano de
circulação do Jornal do Professor e o ano de 1962, marco final, o último ano de circulação do
exemplar, que está disponível no Arquivo Público de Pernambuco Jordão Emereciano, em
Recife (PE). Além da fonte principal, o Jornal do Professor, outros documentos foram
utilizados, como o Anuário estatístico do Brasil de 1950 e o Anuário do estado de
Pernambuco de 1960. O estudo nacional visa ao alargamento do conhecimento do campo da
História da Educação, a respeito das políticas educacionais destinadas à profissionalização do
Magistério Primário Rural. A ideia é que um sistema em conjunto de publicações do Jornal do
Professor apresenta em estrutura de temas e autores uma representação do rural baseada em
diferenças de formação para o Magistério Primário Rural.
Outra ideia é a defesa do periódico para o mestre do interior, visto como vitimado por
descrédito devido à indiferença das práticas agrícolas, do caráter rural e por ausência de
33

políticas públicas educacionais e programas que atendam, de fato, à realidade desse ambiente.
A percepção é que, se liberto fosse da condição dada pela legislação educacional rural, esse
professor poderia planejar o trabalho na escola rural, segundo seu conhecimento do mundo, da
comunidade em que atua. As matérias selecionadas mostram certa expansão, de 1955 a 1962,
do Ensino Primário Rural, provavelmente relacionada à criação de escolas normais,
especializações para o professor de Magistério nas escolas típicas rurais, clubes agrícolas e
escolas-granjas no estado de Pernambuco. A pedagogia da área rural diferenciava-se daquela
da área urbana no estado de pernambucano, mas o rural esteve presente na capital e no
interior, sendo por vezes causa de conflitos por causa das diferenças salariais, do
deslocamento e do isolamento do professor nas escolas rurais (ANJOS, 2019). A obra dessa
autora contribui com uma análise de aspectos históricos muito relevantes, sobretudo no
Magistério Primário Rural no início da década de 1960.
Marineide de Oliveira da Silva, em sua tese de doutorado escrita em 2018, intitulada A
escola rural em Mato Grosso: de professor leigo a sábio (1945-1965), analisa a história oral e
dá voz às professoras leigas de Mato Grosso — dando a esses professores a oportunidade de
trazer à tona suas memórias que por muitos anos foram ignoradas como forma de
silenciamento, para não revelarem as fragilidades da Educação Rural no estado de Mato
Grosso —, além de avaliar a constituição do educador leigo e a necessidade de passar por um
processo de formação para estar qualificado a ser docente nas escolas rurais.
Para Silva (2018), as escolas rurais e os professores leigos foram personagens
fundamentais no processo educativo de Mato Grosso, que por muito tempo foram vítimas de
inconsistentes discursos políticos de dominação, mas de forma sábia traçaram uma meta para
a formação e profissionalização docente e tornaram-se professores sábios e formados.

Quadro 6 – Descritor Trajetória e Profissionalização no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2015-2019)


Autor Título da Obra Ano Tipo Univ. Repositório CAPES/Link

Marli ―Eu era professora, era 2015 Tese FUFP https://sucupira.capes.gov.br/s


Clementino catequista, era ucupira/public/consultas/colet
Goncalves enfermeira, eu era a/trabalhoConclusao/viewTrab
tudo!‖: a profissão alhoConclusao.jsf?popup=true
docente no meio rural &id_trabalho=3424651
piauiense (1971 –
1989)
Maria das Trajetórias de 2010 Dissertação UFCF http://repositorio.ufc.br/bitstre
Graças de formação e am/riufc/3580/1/2010_Dis_M
Araújo profissionalização de GAraujo.pdf
professoras leigas do
município de
Itapiúna/CE
34

Gabriel A profissionalização 2019 Dissertação UFSCar https://sucupira.capes.gov.br/s


Hengstemberg do Docente Masculino ucupira/public/consultas/colet
Bonifácio da Educação Infantil a/trabalhoConclusao/viewTrab
alhoConclusao.jsf?popup=true
&id_trabalho=8184145
Adriana Horta Trajetórias docentes: 2018 Dissertação UFGD https://sucupira.capes.gov.br/s
de Faria memórias de ucupira/public/consultas/colet
professores homens a/trabalhoConclusao/viewTrab
que atuaram com alhoConclusao.jsf?popup=true
crianças no interior de &id_trabalho=6361437
Mato Grosso do Sul
(1962-2007)
Fonte: Quadro elaborado pela autora (2022).

Marli Clementino Goncalves, em pesquisa intitulada “Eu era professora, era


catequista, era enfermeira, eu era tudo!”: a profissão docente no meio rural piauiense (1971
– 1989), revela a dureza de lecionar em escolas rurais. Nesse contexto de memórias, sejam
elas individuais, coletivas ou históricas, identifica-se, nos relatos e histórias, marcas na vida
das professoras e professores rurais, que foram guardadas em um lugar especial de suas
lembranças para serem contadas de maneira irreverente e com certo saudosismo, mesmo
sabendo que a atuação docente na zona rural nunca foi fácil, mas que existiram momentos
marcantes e inesquecíveis, tanto dentro da sala de aula quanto fora dela. Em Gonçalves
(2015), as lembranças dos professores mostraram, em alguns casos, que a escolha da profissão
docente se dava pela necessidade e por falta de opção de trabalho em outras áreas. Percebe-se
em alguns depoimentos a repulsa ao relatarem o exercício do Magistério no meio rural. Essa
repulsa fica evidenciada conforme os relatos das dificuldades enfrentadas pelos professores
leigos, e mostra também a forma como se aposentaram, não como professores, mas como
trabalhadores rurais, pois para eles era menos burocrático e, assim, escolheram a maneira
mais fácil de se aposentar.
Gabriel Hengstemberg Bonifácio, em dissertação sobre A profissionalização do
Docente Masculino da Educação Infantil, destaca algumas potencialidades e fragilidades da
profissionalização do docente masculino que atua na Educação Infantil. O autor apresenta um
questionamento sobre ―Como é constituída a profissionalização do docente masculino que
atua na Educação Infantil? Então, ele apresenta uma espécie de mapeamento relacionando
diversas pesquisas acadêmicas em âmbito Nacional sobre o docente masculino na Educação
Infantil e sua atuação. Foi possível analisar as práticas a partir de contextos sociais, históricos
e culturais em volta da feminização do Magistério, por isso o autor identificou um número
reduzido de pesquisas relacionadas ao docente masculino na Educação Infantil.
Adriana Horta de Faria, em sua dissertação Trajetórias docentes: memórias de
professores homens que atuaram com crianças no interior de Mato Grosso do Sul (1962-
35

2007), apresenta um relato muito importante sobre a atuação docente com crianças e o porquê
de ela ter sido atribuída majoritariamente às mulheres. Segundo a autora, essas concepções
históricas e características ditas femininas são associadas principalmente à maternidade, como
paciência e abnegação, fazendo uma relação de características que historicamente são mais
adequadas para a Educação das crianças.
Faria (2018) também apresenta em seu estudo as memórias de três professores
aposentados, raridades em suas épocas de atuação docente na Educação Infantil, mesmo
porque para muitos eles não seriam os mais adequados para a tarefa de ensinar crianças, pois a
presença masculina sempre representou autoritarismo, a força, a rigidez, entre outros adjetivos
direcionados à figura masculina. Através das memórias desses professores, a autora levanta
algumas possibilidades de pesquisa em temas relacionados à trajetória de docentes homens na
Educação de crianças, como: o trabalho docente, a inserção masculina no Magistério, o
ambiente das escolas rurais multisseriadas e os modelos pautados em inferências de gênero.
Ao entrevistar os três professores, a autora registrou, em uma das falas, o fato de que ser
homem e carregar atributos de gênero marcados por características anteriormente citadas,
como fortes, corajosos e ousados, fazia com que eles viessem a desempenhar melhor o
trabalho nas áreas rurais, enfrentando problemas geográficos, como longas distâncias e
dificuldades naturais do ambiente rural e escolar.
Observa-se que as histórias apresentadas nas dissertações acabam se cruzando com
tantas outras, em diferentes regiões brasileiras, em vários aspectos, entre eles: péssimas
condições de trabalho, falta de material didático, baixa remuneração, falta de formação dos
professores etc., que, no recorte temporal em estudo nas décadas de 1960 a 1990, eram
semelhantes ou iguais em todo o país.

Quadro 7 – Descritor Formação de Professores no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2016-2020)


Autor Título da Obra Ano Tipo Univ. Repositório CAPES/Link

Vivia Santos O exercício da docência na 2017 Dissertação UEB https://sucupira.capes.gov.br/suc


Andrade formação de professores: upira/public/consultas/coleta/tra
identidades docentes no balhoConclusao/viewTrabalhoC
município de Cansanção – onclusao.jsf?popup=true&id_tra
BA balho=5059576

Eliana A implantação do Curso 2020 Dissertação UPE https://sucupira.capes.gov.br/suc


Oliveira Normal e a formação de upira/public/consultas/coleta/tra
Nunes de professores primários no balhoConclusao/viewTrabalhoC
Azevedo município de Casa Nova – onclusao.jsf?popup=true&id_tra
BA (1961-1977) balho=9720636

Fonte: Quadro elaborado pela autora (2022).


36

Vivia Santos Andrade, em sua obra O exercício da docência na formação de


professores: identidades docentes no município de Cansanção – BA, apresenta a pesquisa
realizada sobre o processo da formação docente, atenta aos elementos intrínsecos a essa
formação, e como estes influenciam na construção do sentimento identitário dos professores.
É objetivo da pesquisa compreender, por meio da narrativa autobiográfica, as concepções que
os docentes têm acerca do processo de construção identitária no tornar-se professor,
considerando sua trajetória de formação docente. Assim, a autora escolhe a identidade
docente como objeto de pesquisa, surge com o desejo de descortinar a subjetividade da pessoa
do professor, escutando o que tem para contar.
Em sua pesquisa, a autora contou com a participação de cinco professoras que
desenvolvem suas atividades nos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede pública
municipal de Cansanção/BA e teve como lócus uma escola municipal da rede de ensino –
Escola Educandário Senhora Santana. Para o desenvolvimento da investigação, o percurso
realizado foi pela vertente da pesquisa qualitativa, ancorada na abordagem (auto)biográfica,
tendo como dispositivos para construção de dados as entrevistas narrativas e o ateliê
biográfico. No decurso da pesquisa Andrade (2017), identifica que os saberes construídos na
formação docente e construção de sua identidade estão inseridos no conjunto de saberes
imbuídos no cotidiano social, escolar e familiar, deixando impressos na forma de se perceber
docente esses pressupostos vivenciados.
Eliana Oliveira Nunes de Azevedo, por sua vez, em dissertação denominada A
implantação do Curso Normal e a formação de professores primários no município de Casa
Nova – BA (1961-1977), analisou a gênese e o papel desempenhado pelo Curso Normal na
formação de professores e professoras leigas. Esse período teve expansão do Ensino
Secundário no Brasil. A autora deu uma atenção especial aos aspectos prescritivos e
normativos relacionados à formação de professores. Seu recorte temporal compreende o ano
de fundação da Escola Normal de Casa Nova até a mudança para a nova sede (nova cidade),
que ocorreu em virtude da submersão da cidade pelas águas da hidroelétrica de Sobradinho –
BA.
Segundo a autora, a Escola Normal foi criada juntamente com o curso ginasial, ambos
funcionaram no mesmo prédio, compartilhavam o corpo docente e demais funcionários, além
de receberem a mesma denominação: Ginásio de Casa Nova. Assim, a autora enfatiza que, no
caso específico, pode-se dizer que a Escola Normal desempenhou um papel central na oferta
do secundário, como também na formação de professores para a região, uma vez que, no
momento em que foi criada, a Educação Secundária só era ofertada nas cidades próximas,
37

Petrolina e Juazeiro, dificultando o acesso para a maioria da população de Casa Nova. Nesse
período, evidencia-se que só estudava nas cidades de Petrolina e Juazeiro aqueles cujas
famílias tinham condição financeira de custear os estudos dos filhos. O trabalho de Azevedo
(2020) está contribuindo com estudos acerca da História da Educação Brasileira, sobretudo no
que se relaciona à formação de professores de Casa Nova no sertão baiano.
Entretanto, levando em conta que a pesquisa de Azevedo (2020) é documental e
analisa a história da Escola Normal, uma instituição de formação de professores, existem
necessidades de ampliar esta pesquisa para além da pesquisa documental. Por isso, buscou-se
outros trabalhos temáticos que versam no campo da história oral, memórias de professores
primários rurais, o que irá contribuir para a fundamentação teórica, entrelaçada às entrevistas.

Quadro 8 – Descritor Memórias de professores rurais no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2016-2020)
Autor Título da Obra Ano Tipo Univ. Repositório CAPES/Link

Roberta Tempos esquecidos, 2016 Dissertação UFV https://sucupira.capes.gov.br


Aparecida Da memórias recordáveis: /sucupira/public/consultas/co
Silva histórias de um curso de leta/trabalhoConclusao/view
formação para professores TrabalhoConclusao.jsf?popu
rurais p=true&id_trabalho=405525
1#
Zamferrari, Histórias e memórias de 2020 Dissertação UEM https://sucupira.capes.gov.br
Jaqueline professoras rurais do /sucupira/public/consultas/co
Gomes município de Maringá – leta/trabalhoConclusao/view
PR (1951-1982) TrabalhoConclusao.jsf?popu
p=true&id_trabalho=897033
5
Leite, Kamila Memórias de professoras 2018 Dissertação UNESP https://sucupira.capes.gov.br
Cristina de escolas rurais (Rio /sucupira/public/consultas/co
Evaristo Claro – SP, 1950 A 1992) leta/trabalhoConclusao/view
TrabalhoConclusao.jsf?popu
p=true&id_trabalho=627767
2
Fonte: Quadro elaborado pela autora (2022).

Roberta Aparecida da Silva, em seu estudo intitulado Tempos esquecidos, memórias


recordáveis: histórias de um curso de formação para professores rurais, apresenta histórias de
um Centro de Treinamento para Professores Rurais que existiu na Colônia Vaz de Melo, uma
comunidade da zona rural na cidade de Viçosa, Minas Gerais. Este Centro oferecia um curso
de formação, tendo como público-alvo os professores leigos da zona rural. Funcionava em
período integral e recebia, na sua maioria, professores que atuavam nas escolas primárias da
zona rural da cidade de Viçosa e região. Antes da descrição desse Centro de Treinamento a
autora realizou um estudo bibliográfico em relação à formação dos professores rurais,
principalmente no estado de Minas Gerais.
38

Nos dois primeiros capítulos, discorre sobre a Educação no meio rural, com ênfase na
formação do professor rural, ressaltando especificidades do estado de Minas Gerais. Discute
as fragilidades em relação às políticas públicas voltadas para o homem do campo e o interesse
de se investir na Educação Rural. No terceiro capítulo, apresenta aspectos relacionados aos
cursos oferecidos no Centro de Treinamento para Professores rurais na comunidade da
Colônia Vaz de Melo em Viçosa – MG, descrevendo o seu funcionamento, as disciplinas
realizadas, os professores, funcionários, alunos, enfim, as especificidades e o cotidiano dessa
instituição, de acordo com as vivências de cada sujeito entrevistado. A pesquisa se utilizou da
metodologia da história oral, sendo as lembranças documentos importantes e valiosos para o
trabalho. No quarto e último capítulo, a autora aborda as influências da educadora Helena
Antipoff na formação dos professores rurais mineiros e o seu envolvimento com o Centro de
Treinamento em Viçosa – MG.
Por meio de estudo bibliográfico, é apresentada a trajetória pessoal e profissional
traçada por Antipoff e seu envolvimento e contribuição com a Educação Rural no estado de
Minas Gerais. Em sua pesquisa, Silva (2016) destaca os inúmeros desafios que envolvem os
estudos sobre a zona rural, como a falta de documentação, identificada neste trabalho. Em sua
avaliação, não era interessante para o estado arquivar documentos de um curso para
professores de zona rural do interior de Minas Gerais em um período em que a falta de
formação de professores era alarmante. Esconder problemas referentes à Educação,
principalmente à Educação Rural, tem sido, de acordo com a autora, a principal política do
estado mineiro no período analisado.
Jaqueline Gomes Zamferrari, em dissertação intitulada Histórias e memórias de
professoras rurais do município de Maringá – PR (1951-1982), analisa a constituição da
profissão docente no meio rural do município de Maringá – PR, entre os anos de 1951 e 1982,
por meio de memórias narradas por professoras primárias, a fim de compreender os sentidos
construídos no Magistério Rural. Com esta finalidade, propõe delinear o funcionamento e
organização das escolas rurais, identificar quem eram seus professores e professoras, o
processo de ingresso na carreira, a formação inicial e em serviço.
A pesquisa de Zamferrari está situada no campo da História e Historiografia da
Educação, sob a perspectiva metodológica da história oral, produzida por meio das narrativas
de professoras rurais, bem como amparada em fontes documentais e nas análises
historiográficas sobre a temática. A escolha da delimitação temporal se deu a contar da
fundação do município de Maringá, em 1951, momento de criação e institucionalização das
primeiras escolas primárias no meio rural, até o ano de 1982, fase marcada pelo fim do
39

processo de nucleação das Escolas Rurais. Os resultados apontam que, na década de 1950,
ocorreu a criação do maior número das Escolas Rurais do município e que a maioria dos
prédios era de madeira – material comum nas construções da época, devido à grande oferta
advinda da derrubada da mata nativa para a abertura de sítios, fazendas e cidades –, tendo
apenas uma sala de aula e uma única professora que lecionava para classes multisseriadas. As
professoras iniciavam suas carreiras como professoras leigas, por intermédio de indicação
política ou de pessoas influentes da comunidade local.
A referida autora verificou, na década de 1950, que as professoras não recebiam
formação em serviço, nem orientações sobre o trabalho pedagógico, apesar de receberem
visitas dos inspetores. Entretanto, a autora relata que o cenário que teve modificações com a
implementação da LDB n.º 4.024/61, no que se refere à orientação do trabalho pedagógico, e
com a reforma da LDB n.º 5.692/71, no sentido da formação em serviço. Sobre o trabalho
desenvolvido com os alunos, o estudo identificou que, mesmo em condições adversas, as
professoras buscavam exercer o seu trabalho de forma a atender às necessidades dos alunos
das Escolas Rurais.
Para Zamferrari (2020), as relações com alunos, pais e comunidade rural foram
pontuadas como positivas e sem maiores conflitos por parte das professoras. Parte delas se
relacionava de maneira mais próxima com as comunidades, enquanto outras ficavam restritas
somente aos horários de aula. Os sentidos atribuídos pelas professoras rurais estavam
relacionados ao sentimento de valorização e reconhecimento por parte dos alunos, pais e
comunidade rural sobre o trabalho desenvolvido nas Escolas Rurais do município de Maringá
(ZAMFERRARI, 2020).
Kamila Cristina Evaristo Leite, em dissertação intitulada Memórias de Professoras de
Escolas Rurais (Rio Claro – SP, 1950 a 1992), apresenta aspectos da profissão docente no
meio rural do estado de São Paulo, especificadamente no município de Rio Claro. A autora
relaciona alguns pontos que para ela são primordiais em uma pesquisa sobre memórias: o
ingresso na carreira docente, a formação inicial, a formação em serviço, as práticas
educativas, as condições de trabalho e a sua relação com o meio rural, nas décadas de 1950 a
1992.
Leite (2018) utiliza, para sua pesquisa, entrevistas com cinco professoras rurais,
mediante abordagem histórica e a metodologia da história oral; como corpus documental, a
Legislação Estadual e Municipal que normatiza o ensino e a profissão docente, Anuários
Estatísticos (do Brasil e do Estado de São Paulo), o Plano Diretor Integrado do Município de
Rio Claro (1972).
40

A autora mostra resultados que apontam de que forma a formação inicial e em serviço
aconteciam, visto que eram de caráter geral, sem especificações para atividades agrícolas, e o
nível de formação das professoras de escolas rurais no estado de São Paulo era elevado, sendo
que essas docentes possuíam cursos de especialização, aperfeiçoamento e licenciatura em
Pedagogia. O ingresso na carreira se dava, sobretudo, através dos concursos de títulos e,
posteriormente, dos concursos de provas e títulos. Entre as práticas educativas, destaca-se o
cultivo da horta escolar, a utilização de livros didáticos e a organização das classes em fileiras
de ano/série. As condições de trabalho estavam relacionadas, sobretudo, às condições físicas e
materiais das escolas, da moradia e do transporte.
Em observação à formação dos professores e às condições de trabalho nas escolas
rurais de São Paulo nas décadas de 1950 a 1992, percebeu-se um grande diferencial em
relação à formação de professores do Nordeste do estado da Bahia, que somente na década de
1960 começa investir na formação de seus professores leigos, que atuavam em escolas rurais
em péssimas condições de trabalho, tanto em moradia, quanto em transporte, alimentação etc.

2.5 Memórias de professores primários rurais

A memória é considerada por historiadores como uma fonte da história oral ou ―fonte
oral de memória, sem considerar as implicações metodológicas e teóricas a que estas
remetem. Entre os aspectos que caracterizam mais propriamente essa fonte documental‖,
Montenegro (2016, p. 7). O autor destaca, também, que as entrevistas orais de memórias se
tornam fontes documentais porque o pesquisador participa diretamente de sua produção
através de entrevistas realizadas no tempo presente, mas que o relembrar ou rememorar não
dispensa os entrevistados do que para eles são ressignificações de experiências vividas no
cotidiano. Isso porque, quando se trata de memórias e história oral, podem haver lapsos de
memórias que por muitas vezes são confundidas com acontecimentos presentes, mas que em
nada prejudica a pesquisa, ―assim chamada não confiabilidade da memória pode ser um
recurso, em vez de um problema para a interpretação e a reconstrução históricas‖
(THOMSON, 2000, p. 52). Esses lapsos e falta de confiabilidade da memória só exigem do
pesquisador uma maior ―atenção metodológica e conhecimentos de teorias que estudam a
memória‖ Montenegro (2016, p. 7).
Sobre a história oral, Philippe Joutard (2000) acrescenta que,

―a força da história oral, todos sabemos, é dar voz àqueles que normalmente não a
têm: os esquecidos, os excluídos ou, retomando a bela expressão de um pioneiro da
41

história oral, Nuno Revelli, os "derrotados". Que ela continue a fazê-lo amplamente,
mostrando que cada indivíduo é ator da história‖ (JOUTARD, 2000, p. 33).

Trabalhar as memórias de professores primários rurais faz com que se perceba a


importância de se atentar também às suas histórias de vida, fazendo com que cada um sinta-se
protagonista de sua história, pois em suas lembranças ―chegamos aos saberes que eles vêm
construindo ao longo de suas trajetórias pessoais e profissionais, nos diferentes
espaços/lugares/tempos formativos: a escola, a universidade, os cursos de formação
continuada, os colegas, as associações, os sindicatos‖ (OLIVEIRA, 2005, p. 92-93).
Como relatado anteriormente, o tempo pode ofuscar essa memória, fazendo com que
trajetórias de vida, de formação e profissionalização não sejam contadas literalmente, as
lembranças ficam às vezes lentas e podem ser ofuscadas pelo tempo. Nesse sentido, existem
alguns recursos que podem aflorar à memória, trazendo lembranças de um passado não
esquecido, mas deixado no fundo de um baú. Esses recursos são os acervos pessoais, como
fotografias, por exemplo, que nas entrevistas com a história oral e documental são as mais
utilizadas pelos pesquisadores. Sobre esses recursos, Kramer (2001, p. 177) ―diz que nesta
relação da fotografia com a memória, a narrativa e a leitura/escrita, as imagens antes fixadas
pelo acervo fotográfico dialogam com o acervo imagético do pesquisado‖, ou seja, a partir do
contato com o seu acervo, a memória é ativada e as lembranças começam a fluir naturalmente.
Entretanto, Olinda (2010, p. 121) relata que ―o valor da foto não está nela em si, mas nas
lembranças e sentimentos que vão emergindo‖, fazendo com que os entrevistados contem
histórias de si e da sociedade da época, o que Oliveira (2005, p. 94) chama de ―memória
coletiva, pois, à medida que cada indivíduo conta a sua história, esta se mostra envolta em um
contexto sócio-histórico que deve ser considerado‖.
Ao contar histórias e experiências vividas e de que forma contribuíram na sociedade
correspondente ao recorte histórico em estudo, é possível compreender o conceito de
memórias, sob a ótica das trajetórias de formação e profissionalização do Magistério Primário
Rural, de professores leigos que contaram suas histórias através da ―história oral‖, sobre a
qual Portelli (2000, p. 69) afirma que:
Acredito na história oral precisamente porque ela pesquisa a memória de indivíduos
como um desafio a essa memória concentrada em mãos restritas e profissionais. E
penso que parte de nosso desafio é o fato de que realmente encaramos a memória
não apenas como preservação da informação, mas também como sinal de luta e
como processo em andamento. Encaramos a memória como um fato da história;
memória não apenas como um lugar onde você "recorda" a história, mas memória
"como" história.
42

O autor fala sobre a importância da construção de arquivos em história oral, para que
―a memória não seja esquecida‖. Nesse sentido, foi possível aprofundar os conhecimentos em
memórias analisando, também, a obra organizada por Rosa Fátima de Souza Chaloba,
Macioniro Celeste Filho e Ilka Miglio de Mesquita, intitulada História e Memória da
Educação Rural no século XX, publicado em 2020, pela Cultura Acadêmica da Unesp. O que
chama a atenção no e-book é o seu quarto e último eixo, intitulado Memórias e
representações sobre a docência nas escolas primárias rurais, composto por três artigos que
tratam exclusivamente das memórias das professoras e professores que atuaram no Magistério
Primário Rural.
No primeiro artigo, intitulado Atuação docente no meio rural: cultura e práticas
escolares de Schelbauer e Souza (2020), apresentam as narrativas de professores e professoras
dos estados de Sergipe, Pernambuco, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São
Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Com essa ampla pesquisa os autores puderam observar as
semelhanças do ensino no meio rural, da formação dos professores e as histórias vividas e
suas particularidades que muito se assemelham mesmo sendo de regiões diferentes. Nesse
artigo, chamam atenção às memórias da professora Yolanda de Almeida (2018), que atuou
como professora primária no interior do município de Juazeiro, no estado da Bahia, na década
de 1960. Em suas lembranças, a professora fala sobre as dificuldades de ser a única professora
em um povoadozinho da zona rural: ―naquela época, nós éramos preparados para darmos,
lecionarmos em turmas de apenas uma série e eu, infelizmente, como na época do primeiro
ano, eu era a única professora da cidade no povoadozinho, então eu era a matricial, quase
iniciante de alfabetização ao exame de admissão‖ (SCHELBAUER E SOUZA, 2020, p. 372).
Já no segundo artigo, A formação de professores rurais no Brasil (1940-1970): o que
as memórias revelam, escrito por Serra e Barreto (2020), são selecionadas professoras de
várias partes do país para contarem suas histórias de profissionalização docente em escolas
rurais. As memórias da professora Yolanda de Almeida, de 75 anos na época, revelam sua
trajetória de formação e profissionalização. No texto, ela é citada com ―um grupo de
professores que fizeram curso superior após já estarem trabalhando‖ (SERRA e BARRETO,
2020, p. 422).
O terceiro artigo é Pesquisa em História da Educação Rural: professoras e
professores entre teias e contextos, de Josemir Almeida Barros e Nilce Vieira Campos
Ferreira (2020). Nesse trabalho, é desenvolvido um estudo sobre a história da profissão
docente no meio rural e, para isso, analisa o que os autores chamam de fragmentos das
memórias de professoras que atuaram nesse contexto. Desse modo, foram trabalhados eixos
43

norteadores para aprofundar conhecimentos em diversas áreas que contemplem desde a


década de nascimento, formação, tempo de atuação, motivo que os levaram a escolher a
profissão docente em escolas rurais, se foi convite, indicação ou vocação, de que modo se
tornou professora ou professor no Magistério Primário Rural, se teve alguma formação ou
aprendeu ensinando, entre outros questionamentos que foram prontamente respondido por
várias professoras e professores de sete regiões do país e transformados em gráficos, tabelas e
mapas. Barros e Ferreira (2020, p. 471) discorrem sobre a importância da ―memória de velhos
professores e professoras para as pesquisas no campo da História da Educação‖. Sobre a
importância dada às memórias de velhos professores, Bosi (2009, p. 37) disse: ―[...] a
veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos são menos graves
em suas consequências que as omissões da história oficial. Nosso interesse está no que foi
lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na história [...] o que chamei de memória-
trabalho‖.
Em observação aos três artigos, nota-se que as memórias narradas são semelhantes em
vários aspectos, sobretudo nas experiências vividas como docentes em escolas rurais e a
formação e profissionalização no Magistério Primário rural.
A produção da pesquisa aqui levantada sobre memórias de professores rurais mostra
todos os lados das lembranças dos entrevistados, percebe-se que as histórias contadas acabam
se cruzando com tantas outras, de outros estados ou regiões do Brasil, em vários aspectos
como: péssimas condições de trabalho, a falta de material didático, baixa remuneração, falta
de formação dos professores, entre tantas outras características que, no recorte temporal em
estudo nas décadas de 1960 a 1990, eram semelhantes ou iguais em todo o país, especialmente
no Nordeste e em suas regiões mais remotas.
44

3 PERFIL, VIDA ESCOLAR E FORMAÇÃO

Na década de 1960, no Brasil, a Educação passou por avanços com a sancionada LDB
Lei n.º 4.024/61 de 20 de dezembro de 1961, os avanços foram perceptíveis principalmente na
formação de professores para atuação no Magistério Primário rural, pois a formação, que só
era oferecida nas cidades polos e capitais, pôde chegar até as cidades mais isoladas do
Nordeste brasileiro.
Na cidade de Casa Nova, a formação de professores por meio da Escola Normal chega
em 1961, com o objetivo de habilitar os professores leigos que atuavam em toda extensão
territorial do município, haja vista os três entrevistados, que atuaram como leigos e deixaram
suas marcas na Educação Rural, mesmo que em tempos alternados, iniciando na década de
1960 até 1990, quando se encerra este estudo.
Assim, essa seção tem uma tessitura do perfil dos professores colaboradores da
pesquisa, sua vida escolar e formação, buscando permear tudo que envolve a Educação Rural,
desde as leis representadas pelos aspectos legais até o período de escolarização e formação
para habilitação do Magistério Primário rural.

3.1 Aspectos legais, Curso Normal e formação de professores

Em 1961, o governo da Bahia tinha como governador o general Juracy Magalhães, que
governou de 1959 a 1963 e não deixou registros de avanços na Educação, pois, quando tomou
posse, o Ensino Secundário já estava sendo ofertado na capital baiana – e de forma gratuita.
Mas foi registrada sua participação ou contribuição no golpe de 1964. No período, a
preocupação do governo era o crescimento industrial e agrícola. Como prova desse interesse
econômico, anos depois, o governador abandonou a política e tornou-se empresário nacional e
internacional, deixando seus herdeiros na política baiana até os dias atuais.
A chegada do Curso Normal de Casa Nova em 19607, um ano depois, é promulgada a
LBD de 1961, para fortalecer a formação de professores primários.

Em 1960, chega a Escola Normal com o propósito de continuidade aos estudos e


ainda como possibilidade de formação para os professores leigos, de modo a refletir

7
Na década de 1960, Casa Nova estava localizada na região hoje chamada de Dunas do Velho Chico, por isso
os nomes das localidades foram escritos com os nomes originais, como é registrado através das falas das
professoras e do professor. Tais localidades deixaram de existir devido à inundação provocada pela barragem de
Sobradinho na década de 1970.
45

positivamente na instrução primária local. A Escola Normal de Casa Nova não


possuía prédio próprio, funcionava nas instalações do ginásio, mas seguia as
características acima descritas. Era um curso de 2.º ciclo, que permanecia formando
professores de escolas primárias, com duração de 3 anos (AZEVEDO, 2020, p. 47).

Como a autora bem disse, a Curso Normal não tinha prédio próprio para seu
funcionamento, mas funcionou no Ginásio de Casa Nova. A LDB de 1961 foi escrita
contemplando esses acontecimentos já existentes na realidade da formação de professores no
estado da Bahia e no município em estudo. O Art. 57 – ―A formação de professores,
orientadores e supervisores para as escolas rurais primárias poderá ser feita em
estabelecimentos que lhes prescrevem a integração no meio‖ – tratava desses cedimentos de
espaços para o funcionamento do Curso Normal.
Em 1961, no início do Curso Normal, que oferecia o curso de Magistério Primário, é
possível identificar em Azevedo (2020, p. 40) um excessivo quantitativo de professores leigos
atuantes na sede e no interior do município de Casa Nova, ―o município contava com 103
professores, 28 na sede eram diplomados e os demais, leigos‖.
Para o ingresso no curso não bastava ser professor leigo, alguns critérios foram
estabelecidos e eram inegociáveis, ou seja, existia uma trajetória de escolarização até
ingressar no 1.º ano ginasial e Magistério Primário. Os professores que atuavam como leigos,
em sua grande maioria, estudaram apenas até a 4.ª série (atualmente 5.º ano do Ensino
Fundamental), por isso precisavam dar continuidade aos estudos e concluir a oitava série
(hoje em dia, 9.º ano). Após a conclusão, precisam participar de um processo seletivo, que era
o exame admissional: ―realizavam provas de: Português, Matemática, Geografia, Aritmética e
História, devendo obter média 5,0 para ser aprovado. [...] Só após esse processo, os alunos
poderiam realizar a matrícula‖ (AZEVEDO, 2020, p. 42-43).
Entre os critérios estabelecidos para a inscrição no curso, estavam os documentos
exigidos como: ―certidão de nascimento; atestado médico, certificando de boas condições de
saúde, inclusive com as vacinas em dias; diploma de conclusão do curso Primário e três fotos
3x4‖ Azevedo (2020, p. 43). Os documentos citados mostram o sistema rigoroso para o
ingresso tanto no Magistério quanto no ginasial, importante observar a exigência da carteira
de vacina, e atestado médico, mostrando uma preocupação com a saúde dos alunos, que na
década de 1960 passavam por duas epidemias, sarampo e febre amarela8.
Embora houvesse certa urgência em formar as professoras leigas, em observação à
pesquisa educacional, pode-se entender que, para que as Escolas Normais chegassem ao

8
https://super.abril.com.br/saude/as-grandes-epidemias-ao-longo-da-historia/
46

estado da Bahia e consequentemente em Casa Nova município em estudo, houve um longo


caminho a ser percorrido.
A autora enfatiza que o curso para a formação de professores ―recebia a nomenclatura
de Curso Normal, seus matriculados eram em sua grande maioria mulheres solteiras‖
(Azevedo, 2020, p. 50). As mulheres que lecionavam no Ensino Primário Rural geralmente
moravam na própria comunidade rural e ofereciam suas casas para funcionarem como escolas.
Embora não fique claro (estudos recentes investigam um possível conhecimento das
professoras primárias rurais sobre algum tipo de obrigatoriedade, perante a LDB, em ceder
suas casas), faziam isso de forma voluntária, assim como os chamados fazendeiros. Não
foram encontrados relatos que confirmem esse conhecimento de obrigatoriedade perante a lei,
conforme está escrito em seu Art. 32: ―Os proprietários rurais que não puderem manter
escolas primárias para as crianças residentes em suas glebas deverão facilitar-lhes a
frequência às escolas mais próximas, ou propiciar a instalação e funcionamento de escolas
públicas em suas propriedades‖. Das famílias mais simples aos fazendeiros, todos contribuíam
abrindo as portas de suas casas para proporcionar a alfabetização das crianças da zona rural do
município, sendo leigos em conhecimentos de Leis, mas cheios de conhecimentos populares,
sabiam e viam de perto a necessidade de alfabetização das crianças da zona rural.
No município em estudo, oito anos após a criação da LDB de 1961, a cidade de Casa
Nova ainda não tinha avançado. É possível identificar esse fato através de uma carta de uma
professora, datada com o ano 1969, que faz a seguinte declaração: ―[...] o professorado
primário leigo tem aumentado bastante, convido ressaltar que no quadro de professor primário
do interior da Bahia, encontra-se o registro de onze professoras diplomadas pelo Ginásio de
Casa Nova‖ (AZEVEDO, 2020, p. 72).
A partir dos relatos da professora que escreveu a carta, é importante ressaltar que, oito
anos depois da abertura do Curso Normal, o número de professoras leigas no município
aumentou. Então, quando se relaciona a Educação ao contexto de ditadura civil-militar, pode-
se constatar que existem outros problemas que dificultam a chegada dessas professoras leigas
à Escola Normal para darem início às suas trajetórias de formação e profissionalização no
Magistério Primário. A autora da carta ainda acrescenta que as dificuldades do município em
relação às professoras leigas se caracterizam como problemas ―econômicos, políticos e
sociais‖ (AZEVEDO, 2020, p. 73).
Em 1971, a Lei n.º 4.024/1961 foi reformulada e substituída pela nova LDB Lei n.º
5.692, de 11 de agosto de 1971. Em contexto de ditadura civil-militar, a nova Lei de
47

Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 5692/1971 9 atendia às exigências de um dos


períodos mais violentos da ditadura civil-militar, governada pelo presidente Emílio Garrastazu
Médici (1969-1974), o terceiro presidente indicado para governar o Brasil. Ele pregava o
―milagre econômico10‖, que se dava pelo forte crescimento do PIB – Produto Interno Bruto.
Azevedo (2020, p. 38) acrescenta que o presidente ―Apoiava-se em um governo de
desenvolvimento econômico, colocando a Educação a serviço desses ideais‖. Percebe-se que a
Educação, mesmo sob regime de ditadura, recebeu recursos, pois fica entendido que é através
dela que o país se desenvolve. Esses investimentos são vistos no Capítulo VI: Do
Investimento.
Artigo 43 – Os recursos públicos destinados à Educação serão aplicados
preferencialmente na manutenção e desenvolvimento do ensino oficial, de modo que
se assegurem:
a) maior número possível de oportunidades educacionais;
b) a melhoria progressiva do ensino, o aperfeiçoamento e a assistência ao Magistério
e aos serviços de Educação;
c) o desenvolvimento científico e tecnológico (BRASIL, 1971).

Nesse artigo da lei, é possível observar os investimentos em Educação e a organização


que começa pelas oportunidades que são tão importantes para que a Educação aconteça. Em
seguida, a assistência ao Magistério e aos serviços em Educação, base central deste estudo, a
formação e profissionalização no Magistério. Por fim, a lei prevê o desenvolvimento
científico e tecnológico que só acontece com muito investimento e garantia de direitos
educacionais, o que é bastante complexo em um cenário de ditadura civil militar, em que até a
Educação foi muito afetada pelo autoritarismo, censuras e perseguição aos professores. Em
Ávila et al. (2018, 17), aponta-se que ―política educacional do regime militar (1964-1985)
provocou muitas mudanças no cenário educacional ao longo dos seus 21 anos de duração, de
muita turbulência em todo território nacional brasileiro‖. Após o ano de 1985, a ditadura
acaba e inicia-se uma nova história e historiografia da Educação do país.
Na década de 1990, especificamente no ano de 1996, a formação de professores ganha
uma nova LDB, sob o n.º 9.394/96, que em seu Art. 62 afirma:

9
A chamada Nova LDB (Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971), que tinha por objetivo principal proporcionar
aos estudantes a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades vocativas, qualificação para o
trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania. A cooperação com empresas, através de convênios,
deu origem aos estágios profissionalizantes. O ensino passou a ser obrigatório dos 7 aos 14 anos. O texto
também previa um currículo comum para o 1.º e 2.º Graus e uma parte diversificada, em função das diferenças
regionais. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article/33771-institucional/83591-
conheca-a-evolucao-da-educacao-brasileira.
10
Crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e aumento do poder de consumo da classe média, por um lado, e
explosão da dívida externa e maior concentração de renda, por outro. Informações disponíveis em:
https://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/medici/
48

A formação de docentes para atuar na Educação Básica far-se-á em nível superior,


em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de Educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
Magistério na Educação Infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do Ensino
Fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal (BRASIL, 1996).

A promulgação da Lei n.º 9.394/96 ampliou tanto as oportunidades de qualificação dos


professores já formados no Magistério em dar continuidade às suas trajetórias de formação e
profissionalização docente em curso superior e possibilitou que as professoras formadas no
Magistério continuassem dando aulas nos primeiros cinco anos da Educação Infantil.
Sobre a formação de professores leigos no município em estudo, em 1996 as turmas de
Magistério ainda contavam com professores leigos que atuavam na zona rural do município.
A trajetória de formação e profissionalização no Magistério Primário mudou o cenário da
Educação desse pequeno território do vale do São Francisco.
A LDB de 1996, no que se refere à formação em Magistério Primário no município de
Casa Nova – BA permanece em vigor até o ano de 2004, quando a última turma se forma e o
curso é extinguido da Escola Normal, abrindo espaço para um novo programa do governo11
para formação de professores. Segundo Andrade (2017, p. 29), ocorreu ―a implantação de
turmas de Licenciatura em Pedagogia pelo Programa Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica – Parfor‖. A autora ainda ressalta que para participar do programa era feito
um processo de seleção dos professores-alunos por intermédio de vestibular, com aplicação da
prova no próprio município. No município em estudo, as turmas foram compostas por
professores atuantes que tinham formação em Magistério Primário, mas que queriam dar
continuidade às suas trajetórias de formação e, professores que ainda atuavam como leigos
desde o ano 1985, como o professor aqui entrevistado, que se formou em Pedagogia em 2015
pelo programa PARFOR.
É nessa perspectiva de contextualizar as leis que serviram como base para formação de
professores no recorte temporal de 1960 a 1990 que será compreendida a trajetória de
formação e profissionalização no Magistério Primário dos entrevistados, em concordância
com Le Goff (1990, p. 223), ao afirmar que "O essencial não era conhecer o passado, mas
fazer uma ideia dele, da qual nós pudéssemos servir como termo de comparação para
compreender o presente".

11
O Programa REDE UNEB 2000 é o Programa Intensivo de Graduação desenvolvido pela UNEB desde 1998,
em parceria com as prefeituras municipais de várias regiões do estado da Bahia, para formação de professores
em exercício. Disponível em: http://www.uneb.br/prograd/programas-especiais-de-graduacao .
49

3.2 Perfil dos professores leigos de Casa Nova – BA

Os professores sujeitos da pesquisa têm os seus perfis organizados por ordem de idade
e/ou ano de atuação na docência leiga. O trabalho na docência rural traz alguns aspectos que
diferenciam os entrevistados, por se tratar de peculiaridades pessoais de cada um. A primeira
entrevistada, a professora Maria de Lourdes Lopes Xavier, começou a lecionar aos 13 anos de
idade e fez de sua profissão uma missão de alfabetizar crianças e adolescentes, sendo ela uma
adolescente também, que renuncia à vivência com a família para ensinar o pouco que sabia.
Por conta da devoção à docência, só inicia a sua trajetória de formação e profissionalização no
Magistério Primário 16 anos após a chegada da Escola Normal.
A trajetória de formação da professora Ana da Rocha Braga assemelha-se à de tantas
outras professoras leigas do território do São Francisco: dificuldades de locomoção,
financeiras, distância da fazenda onde lecionava para a cidade; entretanto, quando começou a
estudar não quis mais parar. Iniciou em 1978 com o projeto Rondon e concluiu o curso de
Magistério em 1982. A professora fez vários cursos de formação de professores oferecidos
pelo município, entre tantos outros extras para contribuir com a necessidade da comunidade e
regiões adjacentes. Estudou primeiros socorros, fez curso de parteira leiga etc.
A formação do professor Cosme de Oliveira veio ainda mais tardiamente, pois ele era
professor leigo desde 1986 e fez o curso intensivo de Pedagogia apenas em 2006, concluindo
o curso em 2008. O professor lembra que participou de várias formações para professores
oferecidas pela Secretaria de Educação. Entretanto, por mais de 20 anos preferiu dar
prioridade formativa às necessidades da comunidade, fazendo curso de técnico em
enfermagem para ajudar a comunidade que era tão carente e necessitada de cuidados na área
da saúde. O professor relata que até parto já fez. A trajetória de formação do professor foi
pautada em alfabetizar e cuidar.
A primeira professora entrevistada foi Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier,
conhecida como professora Lourdinha. Nasceu no dia 20 de fevereiro de 1943, na cidade
de Casa Nova (velha), no sertão baiano. No corrente ano, 2022, a professora tem 79 anos
de idade.
Imagem 1 – professora Lourdinha, 2023
50

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2023).

Os dados foram obtidos por meio de uma entrevista realizada em um momento


histórico no Brasil e no mundo, que foi a pandemia da Covid-19, em uma fase de
isolamento social, principalmente para pessoas idosas, como é o caso de professora
Lourdinha.
Devido a esse período de isolamento, contatou-se a professora por telefone para um
primeiro contato. Logo após aceitar o convite, a entrevista foi realizada através de um
questionário enviado para a residência da professora, que o respondeu de forma
manuscrita, a seu tempo. As questões foram elaboradas sobre a sua trajetória de formação e
profissionalização no Magistério Primário Rural. Logo que finalizou o preenchimento,
enviou o questionário respondido. Reitera-se, aqui, que a entrevista foi realizada
respeitando todos os protocolos sanitários contra a Covid-19, já que a entrevistada está no
grupo prioritário. O distanciamento social foi extremamente necessário para que a
professora aceitasse o convite. A família da entrevistada foi tranquilizada sobre possíveis
contaminações. A participação foi tranquila e bem produtiva no que concerne ao
desenvolvimento do trabalho.
Outro perfil traçado é o da professora Ana da Rocha Braga, conhecida como Ana
Rocha. Nasceu em 26 de agosto de 1951, na localidade de Recanto, região do Poço na antiga
cidade de Casa Nova – BA. A professora tem 72 anos de idade.

Imagem 2 – Professora Ana Rocha Braga (2023)


51

Fonte: Acervo pessoal de Ana Rocha Braga (2023)

O primeiro contato com a professora se deu também no período da pandemia da


Covid-19. Em sua entrevista, respondeu a um questionário, com questões elaboradas sobre a
sua trajetória de formação e profissionalização no Magistério Primário Rural. A entrevista
foi realizada respeitando os protocolos sanitários contra a Covid-19, em respeito à idade da
professora, que faz parte do grupo de risco por ser idosa.
Cosme de Oliveira, o único entrevistado do gênero masculino, é conhecido na
localidade de Entroncamento e em toda a sociedade casanovense como ―Cosme do
Entroncamento‖. Nasceu no dia 27 de setembro de 1956, na cidade de Petrolina – PE,
cidade vizinha à Casa Nova – BA. O professor tem 66 anos de idade.

Imagem 3 – Professor Cosme de Oliveira (2023)


52

Fonte: Acervo pessoal de Cosme de Oliveira (2022)

A entrevista foi realizada por meio de um questionário, respondido pelo professor


em sua residência, no formato manuscrito, questões elaboradas sobre a sua trajetória de
formação e profissionalização no Magistério Primário Rural. Foram os protocolos
sanitários contra a Covid-19, já que o entrevistado encontrava-se em isolamento social
domiciliar, por estar cuidando de sua mãe, uma senhora de mais de 80 anos de idade, que
faz parte do grupo de prioritários pela sua idade e saúde frágil. O distanciamento social foi
extremamente necessário na realização dessa entrevista.

3.3 Período de escolarização

Para melhor compreender o período de escolarização dos professores em estudo, é


importante voltar o olhar para as memórias dos entrevistados, pois, conforme Alessandro
Portelli (2000, p. 69), ―encaramos a memória como um fato da história; memória não
apenas como um lugar onde você "recorda" a história, mas memória "como" história.‖
Nesse sentido, a primeira história traz relatos da infância, fase quando iniciaram a
escolarização, pela qual se tornaram professores leigos.
Nos relatos da professora Maria de Lourdes, ela rememora a sua infância, o
período de adolescência e a vida familiar.
Minha infância até os 12 anos foi ótima, de brincadeiras e estudos. A minha
adolescência foi de trabalho, pois comecei a trabalhar desde os 13 anos de idade,
fui morar no interior da cidade para dar aulas para meus primos e regiões
53

adjacentes, dava aulas em uma casa de família e depois em uma casa de beira de
estrada que conseguiram pra eu dar aulas a todas as crianças daquela comunidade
rural (XAVIER, 2022).

A fala da professora Lourdinha apresenta traços de uma infância feliz junto de sua
família só até os 12 anos de idade. Mais adiante, aos 13 anos, a criança vira a menina-
professora. Segundo Xavier (2022), ―foi chamada para morar na zona rural na casa dos tios
para dar aulas aos primos e acabou lecionando para mais de sessenta crianças e adolescentes
como ela, divididos em dois turnos, manhã e tarde‖.
Em um de seus relatos, fica registrada uma prática bastante comum para época. As
meninas tinham que sair de casa muito cedo para ajudar a família na renda, assim, muitas iam
trabalhar em casas de família com mais condições financeiras. No caso de dona Lourdinha,
ela escolheu ser professora, pois já tinha a 4.ª série do Ensino Fundamental, que hoje
corresponde ao 5.º ano.
A sua escolarização primária, ―desde a carta do ABC até a 4.ª série‖ (XAVIER,
2022), foi a base necessária para alfabetizar, pois já sabia ler e escrever, portanto já dava para
ensinar aquelas crianças que não eram alfabetizadas. Recorda ainda que ―na zona rural
naquela época no final da década de 1950 e início da década de 1960 não existiam escolas
construídas nem pelo estado nem pelo município, era uma raridade se ouvir falar, as escolas
funcionavam nas casas de famílias‖ (XAVIER, 2022).
Para a professora leiga Ana da Rocha Braga, as primeiras lembranças de sua
infância e adolescência foram de momentos inesquecíveis, segundo as suas palavras,
fazendo menção aos momentos de dificuldades enfrentadas na fase da escolarização, que
envolvem outros aspectos, tanto familiares quanto econômicos, que associados trazem para
ela sentimentos de alegria e tristeza. Por isso, inicia dizendo:

A minha infância foi um período muito feliz, cheio de muitas dificuldades


financeiras, mais tínhamos o carinho de nossos pais. Na comunidade não tinha
escola.
Durante esta fase ajudávamos nossos pais nos trabalhos da roça, de casa, cuidar
dos animais os poucos que tínhamos. Na nossa comunidade a água era salgada,
morávamos em uma área de salina, precisávamos nos deslocar para longe, para
pegar água para beber, utilizando carga em jumentos, carregava água na cabeça,
latas, barril e etc.
Morávamos em uma casa de taipa, piso de barro, sem porta, sem reboco etc.
Quando lembro de minha casa, lembro de Vinícius de Moraes12:

Era uma casa


Muito engraçada

12
Informações disponíveis em: https://www.letras.mus.br/vinicius-de-moraes/49255/
54

Não tinha teto


Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela, não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Quando chovia era difícil acomodar tanta gente, achar um lugar que não estivesse
molhando [...] (BRAGA, 2022).

Em suas memórias, evidencia-se que a professora realmente teve uma infância muito
difícil, segundo ela, sem perspectiva de melhoras. Mas mesmo falando da casa em que
morava, a memória expressa um sentimento ambíguo, que se revela através da música ―A
Casa‖, de Vinícius de Moraes.
O início da escolarização de dona Ana Rocha acontece tardiamente, mas na época isso
era normal no interior de Casa Nova. Ela relata que sua ―realidade de vida começou a mudar
com a chegada de uma professora leiga em 1959, o que me proporcionou aos 8 (oito anos de
idade) e a todas as crianças da localidade o aprendizado, a professora leiga ofereceu a sua
própria casa como escola‖ (BRAGA, 2022).
Nos relatos da professora, é possível relacionar a escola na casa da professora com a
expansão do Ensino Primário, sobretudo na zona rural dos municípios, fato que ―aumentou
substancialmente nos períodos posteriores, fato que continuou produzindo a abertura de
escolas primárias, sem as mínimas condições de funcionamento. A casa do professor era o
primeiro espaço utilizado quando não havia outro disponível‖ (GONÇALVES, 2015, p. 78).
Em suas memórias, relata que, passados alguns anos, quando já estava na 2.ª série, foi
estudar com sua tia Georgina, que atuou como professora formada em uma localidade bem
próxima de sua casa e, para ter acesso à escola, bastava apenas atravessar para o outro lado do
rio. Ao concluir a 4.ª série, hoje o 5.º ano do Ensino Fundamental, no ano de 1968, com a
idade de 17 anos, voltou para a casa de seus pais e foi convidada a substituir a professora leiga
que a alfabetizou.
O professor Cosme de Oliveira, através de suas memórias, revela acontecimentos
inesquecíveis sobre sua infância e escolarização:

Tive uma infância comprometida com o trabalho de porta em porta, ora vendendo
beiju de caco, bolos, frutas, pirulito, tudo para sobreviver, já que era órfão de pai, e
a mãe na condição de merendeira na Escola Estadual Dom Malam às margens do
rio São Francisco na cidade de Petrolina. Na Escola Estadual Dom Malam estudei
da carta de ABC à 3.ª série (2.º ano de hoje) parei de estudar ainda criança, pois
55

tinha que trabalhar. Em minha casa, gêneros de primeira necessidade quase sempre
faltava, tinha o compromisso com o básico: alimentação e aluguel de uma casa com
quarto e cozinha onde morávamos eu, minha mãe e dois irmãos e uma irmã
portadora de deficiência oriunda de uma paralisia infantil. Ali vivi até os 16 anos
quando quis o destino que me deparasse com um amigo que era namorado de
Corrinha e que posteriormente casaram-se e eu me infiltrei entre eles, e foi assim
que cheguei à localidade de Entroncamento em Casa Nova – BA; morei na casa
deles desde o dia 15 de setembro de 1972, ano em que havia retornado aos estudos,
agora pela modalidade MOBRAL e assistindo aulas pela rádio. Mesmo estudando,
continuei na condição de vendedor ambulante (OLIVEIRA, 2022).

O professor relata que em sua vida nada foi fácil, como de fato percebe-se em sua fala
acima citada. Teve uma infância voltada para o trabalho, mesmo sua mãe trabalhando em uma
escola, as necessidades alimentícias e vulnerabilidades econômicas e sociais contribuíram
para evasão escolar ainda criança. Aos 16 anos de idade, voltou a estudar pela modalidade
MOBRAL13.
Em suas lembranças, o professor continua a relatar as tantas necessidades básicas que
o cercavam: moradia, alimentos, vestimentas, estudo, entre outros. Aos 19 anos de idade, foi
morar em São Paulo na residência de um tio para trabalhar. Ele conta que, com muito esforço,
voltou a estudar e fez alguns cursos técnicos que atendiam às necessidades de seu trabalho na
época, ―consegui chegar ao 8.º ano colegial. Ingressei no SENAI em 1980, onde cursei
pinturas para portas, grades e paredes‖ (OLIVEIRA, 2022).
Entre os cursos, o que se destacou na fala do entrevistado foi o de técnico em
administração. Entretanto, a sua estadia em São Paulo foi interrompida por problemas de
saúde; então, teve que retornar ao quente Nordeste, mas o calor fazia muito bem para sua
saúde. Sua escolarização foi marcada por vários cursos, o que o distanciava de um projeto
educacional voltado para a docência no meio rural.

3.4 Habilitação para o Magistério Primário

A profissionalização docente da professora Maria de Lourdes foi extensa e intensa,


pois ela teve que sair da comunidade rural, na qual lecionou por 12 anos, para voltar a
estudar. Na época, não dava para conciliar o trabalho em uma fazenda muito distante da
cidade com a sua volta à sala de aula, agora como aluna, mas como tudo era muito difícil na
época. A professora relata que teve que fazer um curso por correspondência para dar início a
sua trajetória de formação.

13
O Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) foi criado em 1970 com o objetivo de erradicar o
analfabetismo entre jovens e adultos. O programa foi extinto em 1985. Disponível em:
https://www.educabrasil.com.br/mobral-movimento-brasileiro-de-alfabetizacao.
56

Em 1972, a professora deu continuidade aos estudos, para a partir daí também dar
início a sua Trajetória de Formação e Profissionalização. O primeiro passo foi fazer o curso
de Madureza Ginasial, instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 4024/61,
Lei n.º 4.024 de 20 de dezembro de 1961, em seu Art. 9914.
Aos maiores de dezesseis anos será permitida a obtenção de certificados de
conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza, após
estudos realizados sem observância do regime escolar.
Parágrafo único. Nas mesmas condições, permitir-se-á a obtenção do certificado de
conclusão do curso colegial aos maiores de dezenove anos (BRASIL, 1961).

O curso de madureza ginasial funcionava como supletivo, para autodidatas que não
precisavam do auxílio de um professor para aprender e pesquisar. Então, percebe-se que
nesse curso as professoras leigas se deram muito bem, pois elas já gostam muito de estudar e
aprendem com mis facilidade.

Imagem 4 – Curso de Madureza Ginasial (1972)

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

A habilitação para o Magistério ocorreu por meio do Curso de Madureza15 Ginasial em


1972. Esse curso foi criado para jovens e adultos que por algum motivo deixaram de estudar e
concluir o Ensino Secundário na idade certa, tendo por objetivo a promoção de atividades

14
Art. 87. Ficam revogados os artigos de números 18, 21, 23 a 29, 31 a 65, 92 a 95, 97 a 99, 101 a 103, 105,
109, 110, 113 e 116 da Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961, bem como as disposições de leis gerais e
especiais que regulem em contrário ou de forma diversa a matéria contida na presente Lei.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-
publicacaooriginal-1-pl.html
15
O Curso de Madureza Ginasial era um supletivo transmitido pela televisão e rádio nas décadas de 1960-1970.
Informações disponíveis em:
https://tede.utp.br/jspui/bitstream/tede/1489/2/A%20HISTORIA%20DO%20INSTITUTO%20UNIVERSAL%2
0BRASILEIRO.pdf
57

educativas e culturais, através do rádio e da televisão e, após a conclusão, oferecia o diploma


do Ensino Secundário.
Schelbauer e Souza (2020, p. 367) argumentam ―que as práticas se relacionam antes de
tudo com as experiências formativas, assim como, com os projetos de vida de cada um dos
professores, levando em conta as oportunidades recebidas diante das adversidades‖. Tendo em
vista os argumentos dos autores, percebe-se que a trajetória de formação de professora Maria
de Lourdes Lopes da Silva Xavier está bem representada em sua fala, pois ela soube
aproveitar cada oportunidade formativa, seja em cursos como o de madureza ginasial,
assistido pelo rádio na época, mostrando as dificuldades enfrentadas, mas que não a
impediram de alcançar seus objetivos, de ter uma boa trajetória de formação de
profissionalização docente no Magistério Primário.
Nesse sentido, os autores acrescentam algo ainda mais importante sobre a formação
alinhada à experiência adquirida através da prática docente, retratando bem a realidade vivida
pela professora leiga.
As memórias das etapas de formação, sejam elas para aqueles docentes que tenham
realizado apenas o curso Primário, ou para aqueles que tenham feito o curso ginasial,
ou ainda para aqueles que conseguiram cursar o Curso Normal ou superior,
demonstraram que a formação inicial foi indispensável à preparação de suas aulas,
para organizar o que sabiam e o que precisariam que os seus alunos aprendessem
(SCHELBAUER e SOUZA 2020, p. 367).

As memórias sobre a trajetória de formação associada à prática mostram que cada


passo dado, desde a formação inicial até o ingresso no Magistério Primário, foi primordial
para professora leiga, que aproveitou todas as oportunidades relacionadas à formação. Pode-se
observar isso no período em que cursou madureza ginasial. Ela já tinha a experiência de 12
anos de sala de aula como professora leiga na zona rural do município.
Quando a Escola Normal chegou à Casa Nova em 1961, a professora Maria de
Lourdes já lecionava como professora leiga, mas só deu início à sua trajetória de formação em
1972, cursando madureza ginasial, que oferecia aos seus alunos certificados de conclusão de
curso. Esse curso funcionava como preparatório para o Curso Normal em Magistério
Primário, no qual ela só ingressou em anos posteriores.

Imagem 5 – Certificado do Curso de Madureza Ginasial (1974)


58

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

Em 1974, a professora Lourdinha concluiu o curso de Madureza Ginasial, assistindo as


aulas pelo rádio para obter o certificado de conclusão do Ensino Fundamental II, ou seja, a
conclusão do 9.º ano. Após essa fase, fez o Exame Admissional16, que era uma prova de
seleção para o ingresso no 1.º ano ginasial em Magistério Primário.
O estado da Bahia, de modo geral, seguiu a Legislação no que se refere à
configuração de efetivação do exame, sobre as orientações do Departamento
Nacional de Educação. Assim, a condução do exame de admissão era guiada pelo
rigor previsto em lei, tornando público as exigências como os documentos exigidos
para a inscrição, os conteúdos das provas e a correção. Nos documentos da Escola
Normal foram localizadas as atas do exame de admissão, nas quais apresentam uma
comissão formada por professores da própria escola, em que relatam os aprovados e
os reprovados, com suas respectivas notas (AZEVEDO, 2020, p. 47).

Em 1974, a professora leiga foi aprovada no exame admissional e logo ingressou no


Curso Normal em Magistério Primário.
Já a vida escolar e o ingresso no Magistério Primário da professora Ana da Rocha
Braga se deram por meio do curso de orientação pedagógica concluído em 1978, para lecionar
em escolas de 1.º Grau de 2.ª a 3.ª série, como pode ser observado no certificado da imagem a
seguir.

Imagem 6 – Curso de Currículo na escola de 1.º Grau – Orientação Pedagógica, 1978.

16
O exame admissional está escrito na LDB de 1961, no ―§ 2.º Os exames serão prestados perante comissão
examinadora, formada de professores do próprio estabelecimento, e, se este for particular, sob fiscalização da
autoridade competente‖
59

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022

O Projeto Rondon foi criado para levar conhecimentos às pessoas mais carentes do
país, sobretudo carentes de conhecimentos educacionais, pois foi criado na década de 1960,
quando o Brasil estava passando por um momento difícil na Educação e em várias áreas
políticas e sociais, por conta do golpe de 1964 e início da ditadura civil militar.

O projeto coordenado pelo Ministério da Defesa, desde 1967, auge da ditadura


militar, tem como objetivo valorizar a cultura das comunidades carentes e ao mesmo
tempo, leva informações, através de universitários, a respeito de temas importantes
para aquela época, como saúde, Educação e direitos humanos e cidadania
(PRAVATO, 2007, p. 2).

Os cursos de capacitação sempre deram um suporte para a professora, pois ela


participava de diversos cursos que pudessem contribuir com a aprendizagem dela e de seus
alunos.
A formação sempre foi sua meta, mesmo diante de tão poucas possibilidades
formativas, abriu ―veredas‖ no meio de um ―Grande Sertão 17‖. Nessa região do Sertão do São
Francisco eram visíveis as dificuldades na Educação relatadas pelos professores leigos,
especialmente nas décadas de 1960 a 1970, período em que dona Ana Rocha deu início à sua
trajetória de formação e profissionalização docente no Magistério Primário.
Diante de todas as dificuldades, a professora continuou sua trajetória de formação e,
em 1975, iniciou o curso de Magistério, que concluiu em 1982.
Como já tinha estudado até o 5.º ano Primário, estudei um ano de preparação para
fazer o exame de admissão, na época era um item obrigatório, como se fosse um

17
A frase utilizada faz menção à obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. Disponível em:
https://www.todoestudo.com.br/literatura/grande-sertao-veredas
60

vestibular, então, fiz a prova de português e matemática e fiquei aguardando a


banca examinadora dar o resultado. Quando saiu o resultado, fui aprovada e, ainda
consegui me matricular na Escola Normal de Casa Nova para fazer o curso de
Magistério, na antiga cidade de Casa Nova – BA (BRAGA, 2022).

O exame de admissão era obrigatório para o ingresso no Curso Normal. Segundo


Azevedo (2020, p. 47), ―a condução do exame de admissão era guiada pelo rigor previsto em
lei, tornando público as exigências como os documentos exigidos para a inscrição, os
conteúdos das provas e a correção‖. O exame admissional está escrito na LDB de 1961 no ―§
2.º Os exames serão prestados perante comissão examinadora, formada de professores do
próprio estabelecimento, e, se este for particular, sob fiscalização da autoridade competente‖.
Como visto nos relatos da professora, ela passou por todas as exigências necessárias para
ingressar no curso de Magistério Primário na Escola Normal de Casa Nova.
O professor Cosme de Oliveira traz em suas memórias momentos difíceis em relação à
sua vida escolar até o seu ingresso no curso de formação para professores. Ele relata que ―em
1972, com 16 anos de idade havia retornado aos estudos, pela modalidade MOBRAL e
assistindo aulas pelo rádio (OLIVEIRA, 2022)‖. A vida escolar do professor foi tardia devido
a uma série de fatores que contribuíram para esse fim. Entretanto, observou-se em seus relatos
que, em 1980, conseguiu concluir a 8.ª série do Ensino Fundamental.
O ingresso no Magistério Primário, no que se refere ao curso de formação de professores, não
ocorreu com o professor Cosme de Oliveira, pois ele deu continuidade aos estudos fazendo o
supletivo. De acordo com a LDB Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971, o Ensino Supletivo
teria por finalidade:
a) suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham
seguido ou concluído na idade própria;
b) proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou
atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte
(BRASIL, 1971).

A conclusão do Ensino Médio por meio de supletivo de 2.º Grau possibilitou ao


professor a realização de um curso em áreas distintas da Educação, mas que, segundo relatos
do professor, foram feitos pensando na comunidade rural na qual lecionava, pois o professor
fez curso de técnico em enfermagem mesmo antes de fazer um curso em sua área, a
Educação.
61

4 FORMAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO E CONDIÇÕES DE TRABALHO

A formação e profissionalização de professores foram ofertadas no município a partir


da década de 1960, com a chegada da Escola Normal. Entretanto, até que as professoras
chegassem à cidade para darem continuidade aos estudos, muitas histórias foram recordadas e
contadas sobre as precárias condições de trabalho que vivenciaram na prática da docência
leiga e rural. ―As marcas deixadas pelas experiências vividas no processo de escolarização‖
são mencionadas por Andrade (2017, p. 37) como ―importantes para pensarmos em nossa
trajetória, em nossa formação profissional e humana‖.
Este capítulo analisa a formação, profissionalização e condições de trabalho dos
professores leigos que atuaram na zona rural do município de Casa Nova – BA. Nesse
sentido, sobre a formação e profissionalização e condições de trabalho, vale ressaltar que as
escolas primárias rurais, no período em estudo, 1960-1990, ocupavam um espaço para além
do pedagógico e, por assim ser compreendidas, convocam a memória dos professores através
de algo concreto, que são os acervos pessoais guardados não somente para ocupar espaço
físico em suas residências, mas para ―compreender o passado através de suas memórias
(MOGARRO e NAMORA 2015, p. 17)‖. Assim, por meio da compreensão do passado e
aguçamento das memórias que os protagonistas revelam suas trajetórias desde o ingresso na
carreira até os seus vencimentos.

4.1 Ingresso na carreira docente

O ingresso na carreira docente é marcado por vários acontecimentos, como indicação


política ou da comunidade. ―As memórias associadas ao que chamam de ‗vestígios‘
―interligados a escola, podem fazer uma reconstituição do processo escolar dos alunos, dos
professores e até mesmo dos entornos da escola‖ (MOGARRO e NAMORA 2015, p. 17)‖.
O ingresso nas escolas sempre no mesmo formato, por indicação ou de uma amiga
professora, como foi o caso do professor Cosme de Oliveira; pela indicação da
comunidade, como foi o caso da professora Ana da Rocha Braga; ou até mesmo por uma
família particular, que quer apenas ensinar seus filhos a ler e escrever, mas que depois se
sensibiliza com as outras crianças da localidade rural e abre as portas de sua casa e as
porteiras da fazenda para oferecer alfabetização a todas as crianças da fazenda e
62

adjacências, como foi o caso da professora Maria de Lourdes. Nesse sentido, evidencia-se
que os meios de ingresso são diferentes, mas ao mesmo tempo singulares.
Uma história que se aproxima da realidade da cidade de Casa Nova está escrita na
obra de Ávila et al. (2020). São citados os relatos de uma professora, em que ela fala sobre o
que a motivou a seguir a carreira docente e sobre como se dá o processo de ingresso no
Magistério Primário, se foi por meio de concurso público ou por indicação:

[...] foi por indicação, porque o prefeito chamava a gente pra ser professora, porque
nas roças sempre tinha dificuldade de ter professora, aí quem fosse de lá e tivesse
um pouquinho de conhecimento era só falar com o prefeito, ele chamava a gente,
fazia uma reunião e ficava 3 a 4 horas por dia preparando a gente [...] eu conhecia,
ele e era mais por causa de campanha política [...] (OLIVEIRA, 2013, apud Ávila et
al., 2020, p. 80).

Percebe-se que a profissionalização docente se dava por várias opções, entretanto, a


mais comum era de fato a indicação política, sobretudo quando se tratava de professoras
leigas, pois não tinham formação e, consequentemente, não tinham prestado concurso público,
precisavam de indicação política para a ocupação dos cargos. Assim acontecia na cidade de
Casa Nova na Bahia e em todo o território do São Francisco.
A professora Maria de Lourdes não teve indicação política para exercer a docência na
zona rural do município, ela foi convidada pelo seu tio para alfabetizar seus primos, só que as
necessidades de todas as crianças da fazenda e adjacências foram como um convite especial
para que a professora lecionasse para as crianças e adolescentes da localidade rural, onde ela
passou a morar para trabalhar.
Já a professora Ana da Rocha Braga teve a indicação da comunidade, porém quem
acatou o pedido da comunidade foi o prefeito. A professora relata que seu ingresso na carreira
docente se deu por meio de intervenção da comunidade, solicitando ao prefeito que a
colocasse no lugar da professora Belisa. Então, sobre sua formação e ingresso na carreira, ela
relata:
Iniciei a minha atividade docente, com apenas o 5.º ano Primário, como
professora leiga, trabalhei dois anos em uma comunidade chamada Poço,
próximo a minha comunidade. A professora leiga Belisa, que era minha tia teve
a oportunidade de ir para cidade dar continuar seus estudos, na comunidade
ficou sem professora. A comunidade pediu a prefeitura para que eu pudesse
substituir a mesma na Escola São José em Poço (BRAGA, 2022).
Zamferrari (2020, p. 103) faz uma abordagem sobre o ingresso de professores no
Magistério Primário na década de 1970 e constata que nesse período ―as professoras iniciaram
no Magistério por indicações políticas ou de pessoas que detinham determinada influência na
comunidade‖. O mesmo aconteceu com a professora Ana Rocha, que teve sua indicação
63

política através de influências comunitárias e por ser sobrinha da professora que estava
deixando o cargo para dar continuidade à sua escolarização e formação docente.
O professor Cosme de Oliveira fala que seu ingresso na profissão docente no meio
rural se deu por influência de uma professora e amiga.
Voltando para localidade de Entroncamento, me submeti a um teste a nível de
secretaria me tornei regente de sala, na Escola Municipal Dr. Adolfo Viana de
Castro, sem a devida noção do que era reger sala multisseriada; já que na
bagagem eu trazia um curso de administração e não de Magistério. Com a ajuda
da já considerada minha cunhada, por ser casada com um irmão de Corrinha,
Luzimar Passos, que com bastante dedicação no ofício tornei-me um professor
admirado pelos alunos, pais, colegas de trabalho, vereadores, prefeito e
comunidade casa-novense (OLIVEIRA, 2022).

A pesquisa desenvolvida por Marli Nascimento Gonçalves em 2015, no estado do


Piauí, revela através de seus entrevistados que ―os professores explicitaram as diferentes
formas de ingresso no Magistério Rural, desde o convite de alguma liderança política,
religiosa ou mesmo de ex-professores, até a iniciativa própria de construção de uma escola
rural‖ (p. 149). Essa citação de Gonçalves (2015) é muito semelhante à história do professor
Cosme de Oliveira, pois o mesmo ingressou na carreira docente rural por intermédio de uma
professora e amiga e, para continuar a alfabetizar as crianças da localidade de entroncamento,
onde por muitos anos fez de sua casa uma escola e ponto de apoio à comunidade.
A partir desse relato do professor Cosme do Entroncamento, percebe-se o seu
empenho e muita dedicação para ser o professor de respeito que se tornou em Entroncamento
e adjacências. Todos conhecem o trabalho pedagógico do professor, que de auxiliar de sala de
aula tornou-se titular da turma, pois a professora que ele ajudava como auxiliar de sala de aula
foi morar na cidade e dar aulas em uma escola urbana. Sobre essa amizade que marcou a sua
vida profissional ele fala que:
A também professora Luzimar Passos, já estava atuando na sede, mais continuou
me dando o maior suporte em orientações quando eu tinha algumas dúvidas,
parceira esta, a quem sou grato eternamente (OLIVEIRA, 2022).

Assim, após a remoção da professora Luzimar, ele ficou à frente do trabalho docente
na escola rural por 31 anos.

4.2 Condições de trabalho


64

Entre os momentos, Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier destaca as condições de


trabalho no início de sua carreira docente. Naquela época, a escola funcionava em uma casa
de família, em uma fazenda na cidade de Casa Nova velha 18.
Na imagem abaixo, a professora mostra a família que ofereceu a própria casa para ser
a escola, onde ela iniciou sua carreira docente como professora leiga.

Imagem 7 – Família que deu abrigo à professora Lourdinha – escola de Canudos (1956)

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

No centro da imagem está o fazendeiro, como era chamado, dono da fazenda na qual
morava e trabalhava a professora Lourdinha. Ele está com sua esposa e três filhos. A
professora relembra que de sua estadia na casa da família só guarda ótimas lembranças.
Percebe-se um saudosismo em relação às amizades de toda uma vida e o sentimento de eterna
gratidão por ter sido a pioneira na Educação daquela família e comunidade de Canudos.
A história contada a partir das memórias da professora mostra o grau de transformação
tanto das crianças quanto de seus familiares, dentre outros moradores daquela comunidade,
pois a professora alfabetizou seus primos, os filhos do fazendeiro e todas as crianças daquela
localidade e arredores.
Schelbauer e Souza (2020, p. 364) dialogam com a história de vida de dona
Lourdinha, quando afirmam que ―pensar a história é pensar nosso agir e transformar o mundo,

18
Em 1977, a cidade passou por mudança de local em razão da submersão pelas águas da barragem da
hidroelétrica de Sobradinho e foi construída uma nova cidade pela CHESF. A CHESF, Companhia Hidrelétrica
do São Francisco, é uma sociedade anônima de capital aberto que atua na geração e na transmissão de energia
em alta e extra-alta tensão, explorando a bacia hidrográfica do rio São Francisco, com sede no Recife (cf.
www.chesf.gov.br).
65

a partir das relações que estabelecemos com o nosso lugar‖. O lugar de origem e a
necessidade de contribuir com a transformação de vida de todos envolvidos no contexto
educacional estão relacionados. Em tempos tão difíceis, em que a Educação e o ensino em
escolas rurais primárias para a grande maioria era um sonho bem distante, mas que nessa
comunidade foi realizado, mesmo sem nenhum suporte financeiro, didático nem estrutural por
parte do município, mas o apoio das famílias deu força e bom ânimo para continuar a
caminhada.
Ainda sobre as condições de trabalho na zona rural (salário, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc.), a professora traz em suas memórias
uma insatisfação, que fica evidenciada em sua fala:

As condições eram precárias, não existia documentação escolar, muito trabalho e


pouco dinheiro, era muito difícil, material didático não tinha, quando eu ia a cidade
aproveitava os restos de materiais de meus sobrinhos, como as escolas eram quase
sempre em casas de família, não tinha mobiliários, nem carteira para os alunos
sentarem nem para a professora, cada um levava seu banquinho, outros sentavam
no chão, eu atendia a todos assim, com muita dificuldade, mas com muita dedicação
e amor aquelas crianças e a minha profissão (XAVIER, 2022).

Nesta época, conforme o relato acima, a professora ainda morava na casa do dono da
fazenda, onde funcionava também a escola. A professora lembra momentos muito difíceis,
mas que também trouxeram grandes conquistas para ela, seus alunos, pais e toda a
comunidade rural de Canudos no que tange à Educação.

Eu estava dando aulas em uma casinha na beira da estrada, quando o corro de Dr.
Adolfo Viana, político da época parou, ele ia passando na estrada e viu uma
casinha, que era da empresa que fez alguns serviços na região e estava
abandonada, eu ocupei a casinha com a ajuda da comunidade e transformei em
uma escola, cheia de crianças. Ele perguntou ao rapaz que ia com ele, o que era
aquilo? e o rapaz respondeu que era uma escola, sustentada pelos pais da
localidade, então, ele se aproximou, entrou na escola e lá eu estava sentada no chão
ensinando a um aluno, ele perguntou, cadê a professora? Logo eu respondi, sou eu,
ele não acreditou, pois eu era pequenina igual as crianças, Dr. Adolfo fez várias
perguntas aos alunos, para testar os conhecimentos dos mesmos e viu que eu
ensinava de verdade, pois os alunos eram afiados em matemática e português. Ao
me chamar no canto, ele me pediu para procurá-lo na prefeitura da cidade, pois ia
construir uma escola para minhas crianças, eu o procurei rapidamente e ele
cumpriu a promessa e construiu a nossa primeira escola de Canudos, teve
inauguração com uma bela missa e a primeira comunhão dos alunos, foi
inesquecível (XAVIER, 2022).

A primeira escola de Canudos é fruto de uma história de luta e ao mesmo tempo


ambígua, pois em meio aos momentos de dificuldades podia-se contar também com alegrias
vividas pela menina professora, como era chamada. Dedicou a sua adolescência para ensinar
para crianças e adolescentes o pouco que tinha aprendido, em uma comunidade distante de
sua casa. Essa renúncia da vivência da adolescência ao lado da família para lecionar foi o
66

início das dificuldades enfrentadas pela professora, mas para ela tudo valeu a pena, pois agora
ela tinha também muitas histórias para contar.

Imagem 8 – Inauguração da primeira escola de Canudos – zona rural de Casa Nova – BA (1964)

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

A partir da inesperada visita de Dr. Adolfo Viana na escola da beira da estrada, onde a
professora Maria de Lourdes estava assentada no chão ensinando seus alunos, a comunidade
recebeu uma escola de verdade, saíram da casinha abandonada e mudaram-se para as novas
instalações, que naquela época era chamada de prédio da escola. Foi um ano de conquistas
educacionais para a comunidade rural de Canudos e comunidades próximas que estudavam
naquela escola.
Segundo a professora, ela jamais esquecerá, pois participou de todas as fases de
edificação da escola, até a inauguração que contou com a presença de toda a comunidade e
arredores. Foi um dia de festa e celebração. Momentos como aqueles ficaram na memória a
ponto de serem contados e recontados para todos pela professora, que se considera uma
contadora de histórias. Para ela, aquela escola foi uma de suas grandes conquistas como
educadora e uma grande contribuição para a história da Educação local.
A inauguração coincide com um contexto histórico no país, que foi o golpe contra a
democracia brasileira, através do governo de João Goulart em 1964, dando início à ditadura
civil-militar.
O prédio escolar de Canudos, inaugurado no ano de 1964, não tem nenhuma
documentação que comprove sua inauguração ou existência, pois esses documentos ficavam
arquivados na secretaria de Educação municipal. Entretanto, ao procurar o setor de
67

documentos de escolas da zona rural, soube-se que todos os documentos de escolas, de


professores e alunos foram queimados em um incêndio. Por isso, todos os documentos da
década de 1980 e anteriores a esse período se perderam no incêndio, como mostra a imagem
abaixo.

Imagem 9 – Declaração de incêndio escrita pela Secretaria Municipal de Educação – SEDUC 2022

Fonte: Acervo pessoal da professora Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

Agora o que resta são lembranças da professora Maria de Lourdes, que não são menos
importantes do que os documentos do prédio escolar, pois suas memórias são registradas
nesse trabalho, transformando sua oralidade e lembranças em história. Para Montenegro
(2016, p. 5), a fonte oral de memória é considerada uma fonte documental:

Primeiro a dimensão de uma fonte em que o pesquisador participa de sua


elaboração, já que essa é construída por meio de entrevistas; segundo, uma fonte
produzida sempre a partir do momento presente, em que o rememorar não prescinde
das incontroláveis ressignificações das experiências vivenciadas no cotidiano.

O autor fala sobre a importância de tratar as entrevistas orais de memórias com mais
atenção metodológica, pois pode-se deparar com situações diversas no momento das
68

entrevistas, mas que, de todo modo, nenhuma delas pode ser desprezada, nem mesmo as
confusões de datas, entre tantos outros acontecimentos que reverberam a história oral e as
memórias. Para Le Goff (1994, p. 477 apud Ávila et al., 2018. p. 4), ―[...] é da análise e
interpretação dos registros, da memória que se reconstitui a história, pois é na memória, onde
cresce a história‖.
Em Ávila et al. (2020, p. 81-82), as autoras relatam as condições de trabalho de
professoras que atuaram na zona rural, em cidades diferentes e distantes do município de Casa
Nova. De igual modo, relembram que nem sempre a escolha para o exercício do Magistério
foi fácil para as professoras entrevistadas em sua obra, ―algumas fizeram a escolha pela
docência por vocação ou por identificação pela profissão, outras por ser uma das únicas
opções por profissionalização de mulheres. Pode-se dizer que as professoras encontraram no
Magistério uma saída para melhorar suas condições de vida‖.
A escolha da docência pela vocação, citada por Ávila et al. (2020), é também
mencionada por Nóvoa (1992, p. 2), referindo-se historicamente à escolarização e
profissionalização docente. Com isso, o autor faz referência ao Magistério como uma espécie
de ―apostolado e ao sacerdócio‖. As professoras que atuaram como leigas na zona rural do
município de Casa Nova também expressam o apostolado e sacerdócio através do cuidado em
educar. Mesmo a catequese não sendo uma disciplina ou mesmo a própria ―religião‖ não
fazendo parte do currículo escolar na época, as professoras entrelaçavam alfabetização,
letramento e religião para cumprir um único propósito, ensinar.
Gonçalves (2015, p. 148) também fala que ―a vinculação do trabalho docente ao dom
ou ao sacerdócio, ainda que em escala menor, é solicitada do professor em seu
comportamento e em sua atuação‖. Percebe-se na obra de Gonçalves outro ponto muito
importante: o sacerdócio estava associado à imagem dos professores, ou seja, no
comportamento, nesse sentido, os professores tinham que zelar por sua imagem perante
alunos, pais e comunidade.
Essa devoção pela profissão explica como essas professoras superaram tantos desafios,
falta de recurso na Educação Primária Rural, falta de espaço adequado, de cadeiras e merenda,
entre outros que surgiam na caminhada docente.
A professora leiga Ana Rocha Braga enfrentou vários desafios na docência no
Magistério Primário e fez seu primeiro relato relembrando que atendia uma grande quantidade
de alunos. Fala sobre sua sala de aula multisseriada, sala essa que era minúscula para a
quantidade de alunos que tinha que comportar: ―tínhamos apenas uma sala de aula, o número
de alunos variava ano após ano, de 30 a 45 alunos de alfabetização ao 4.º ano para acomodar
69

em uma pequena sala‖ (BRAGA, 2022). Os professores primários rurais viveram tempos
difíceis.
Em relação aos espaços físicos, a professora rememora que:

Uma escola com uma sala de aula, uma pequena cantina que só cabia alimentos
armazenados e uma pequena área entre a cantina e a sala de aula. Não tinha
funcionário na escola, os equipamentos da escola era apenas umas 20 carteiras
duplas, a mesa do professor o quadro de giz, dois caldeirões grandes de
alimentos (BRAGA, 2022).

As dificuldades enfrentadas pelos professores primários rurais em tudo eram


semelhantes, independentemente da cidade ou estado. Ficam visíveis no relato da professora
Ana da Roda Braga as precariedades na estrutura física e mobiliária da escola, falta de
material escolar, lanches, baixos salários, enfim. Para ela, ―todas essas insuficiências refletiam
de algum modo na qualidade do ensino por parte da professora e na aprendizagem por parte
dos alunos‖ (BRAGA, 2022). Sobre essas condições de trabalho, a professora dá maiores
detalhes:
As condições de trabalho não eram boas, primeiro porque precisava morar na
localidade, porque naquela época não tinha transporte. O primeiro ano trabalhei
com contrato temporário, que durava até o encerramento do ano letivo, com
carteira assinada, os demais anos, era contrato por tempo indeterminado.
Trabalhava com quadro e giz, livro didático, claro que não me dedicava apenas no
livro, pois na zona rural tem muito o que ser estudado e valorizado.
Tinha diário de classe para registrar as aulas, faltas e presenças, todo final
tínhamos que entregar o mapa escolar, com reprovação caso houvesse e
aprovações.
As vezes distribuía lápis, caderno, borracha, cartolina, lápis de cor, quando a
escola não distribuía os pais não se negavam a comprar.
O mobiliário tinha a mesa do professor, umas poucas carteiras que não eram
suficientes para quantidade de alunos, carteiras duplas, nesse caso contávamos com
a boa vontade dos pais que tinham bancos suficiente em casa e doavam para a
escola e recolhiam no final do ano (BRAGA, 2022).

Como anteriormente mencionado, situações semelhantes às da professora são


retratadas em vários estados brasileiros. Entre os que mais se destacam está o Piauí, o mais
próximo da realidade de Casa Nova – BA, pois a proximidade também diz respeito à
fronteira. A cidade de Casa Nova faz fronteira com as cidades de Queimada Nova e Dom
Inocêncio, no estado do Piauí.
Nesse sentido, Gonçalves (2015, p. 98) fala sobre as dificuldades enfrentadas pelos
professores rurais no Piauí, entre elas o fato de que ―para a manutenção do ofício, os
professores rurais não mediam esforços para a implantação e a continuidade do
funcionamento da escola. De diferentes formas, desde a utilização do espaço de suas
residências para o funcionamento da escola‖ até a situação mais complexas como abrigar
alunos em suas casas a semana inteira, tendo que dividir alimentos, que naquela época era
70

algo escasso. Os pais das crianças pegavam os filhos no sábado e os devolviam na segunda-
feira, até acabar o ano letivo.
As condições de trabalho que também estão bem próximas dessa realidade são
abordadas em um estudo muito importante sobre memórias de professores rurais, intitulado
Memórias de Professoras de Escolas Rurais em Juazeiro-BA e Petrolina-PE (1950-1970), das
autoras Virgínia Pereira da Silva de Ávila, Rosa Santos Mendes da Silva e Cícera Maria
Peixoto Rocha, publicado em 2018, na revista Cocar. Nesse trabalho, as autoras analisam as
trajetórias das professoras Maria Brígida Rolim Cavalcante e Yolanda de Almeida, que
atuaram em escolas rurais ainda muito jovens e, apesar de terem vivido em diferentes espaços
geográficos, vivenciaram as mesmas dificuldades no trabalho docente.
As memórias da professora Maria Brígida Rolim Cavalcante (2018) retratam as
grandes dificuldades enfrentadas por ela no início de sua profissionalização como professora
leiga no Município de Dormentes, no sertão pernambucano. Ela fala sobre ―a precarização da
escola que funcionava em uma barraquinha, bem como a falta de recurso em todos os
sentidos, inclusive em seu salário que era simbólico‖ (ÁVILA et al., 2018).
Ávila et al. (2018) fala também das memórias de Yolanda Almeida. É possível
evidenciar como uma das maiores dificuldades da docência nas décadas de 1974-1985 a
ditadura civil-militar. A professora Yolanda lecionou em sua escola primária justamente nesse
período que entrou para história da Educação, quando professores dependiam da liberação de
militares para dar aula ou não.
Os desafios enfrentados pelas professoras primárias rurais são hoje fontes inesgotáveis
para a pesquisa na História da Educação. A partir da história oral registrada por meio das
lembranças, são respondidas várias questões, que reverberam a vida e profissionalização
dessas professoras. Em Ávila et al. (2018), são levantados alguns desses questionamentos que
direcionam esta pesquisa: como esses professores exerceram o Magistério? Como eram
formados? Quais desafios profissionais tiveram de enfrentar? Essas questões são
indispensáveis, pois funcionam como uma base que guiará o processo de investigação.
Independentemente de qual seja o período estudado, algumas dificuldades são sempre
citadas quando se lê sobre história e memória de professores primários rurais. De maneira
geral, são as estruturas das escolas, a falta de moradia para os professores, os baixos salários,
a falta de materiais didáticos.
As condições de trabalho do professor Cosme de Oliveira também foram bem difíceis
e marcantes em vários aspectos, em alguns se assemelham com os da professora Maria de
71

Lourdes, pois a primeira escola da professora foi uma casinha abandonada à beira da estrada,
assim como a escola do professor.
As condições de trabalho do professor Cosme foram marcadas por resistências em
vários sentidos, tanto no espaço físico da escola, que passou a ocupar uma casa abandonada à
beira da estrada, quanto em suas lutas por melhorias na escola. Segundo o professor, nunca
conseguiram essa benfeitoria em sua estrutura. Sobre essas condições de trabalho, ele usa a
expressão ―aí dói‖, fazendo referência à estrutura da escola.
Aí dói! Tinha um espaço cedido que foi ponto de apoio do BERBA19, onde
funcionava um cemitério de peças de automóveis que davam suporte a manutenção
das estradas no percurso da BR 235, que liga Petrolina – PE a Remanso ‒ BA e
Casa Nova fica localizada entre essas duas cidades. O espaço da escola era
pequeno e desconfortável, eu tinha que andar de lado quando entrava na sala e
quando o aluno me solicitava junto à sua carteira. Trabalhei 31 anos nessa mesma
escola e nunca chegou nenhum auxílio ou benefício para melhorar a estrutura nem
para dar um toque no visual, de forma que nos levasse a ter um certo orgulho de
nossa escola.

Quando perguntado em que período exerceu a sua carreira docente, quantos anos
foram dedicados à zona rural e como eram os salários, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc., ele respondeu dizendo que houve
momentos de grandes dificuldades enfrentadas desde o início de sua docência, mas
relembra momentos inesquecíveis, afinal, foram 31 anos dedicados ao ensino na mesma
escola primária rural.
Todas essas questões – condições de trabalho, formação no Magistério Primário, os

processos de formação e a profissionalização de professores primários – foram


acontecendo gradativamente conforme as suas práticas e o gosto que iam pegando pela
docência, mesmo diante de dificuldades recorrentes ao contexto histórico em que atuaram
as professoras, bem como tantos outros empecilhos que foram aparecendo na caminhada,
mas que foram transformados em degraus para subir na carreira profissional docente.

4.3 Formação e profissionalização docente e vencimentos

Com base na história e historiografia da formação e profissionalização de professores,


―no Brasil, a formação de docentes para o ensino das primeiras letras em cursos específicos
foi proposta no final do século XIX com a criação das Escolas Normais‖ (Ávila et al., 2020,
p. 74). As autoras, na obra intitulada Entre Impressos e Memórias: Formação e
19
O DERBA (Departamento de estradas e rodagens da Bahia) foi extinto em 28 de fevereiro de 2015, pela
reforma administrativa do governador Rui Costa. Informações disponíveis em: https://www.cylex.com.br/casa-
nova/derba-departamento-de-estradas-de-rodagens-da-bahia-11117404.html.
72

Profissionalização Docente no Sertão do São Francisco (1950-1970), fazem uma abordagem


sob o prisma de questões extremamente importantes na investigação sobre profissionalização
docente, tais como o tempo de trabalho das professoras primárias rurais e o que as motivou a
seguir a carreira docente.
E, nesse sentido, foi feito o cruzamento das histórias contadas pelas professoras leigas
e pelo professor com a obra de Ávila et al. (2020), no que se refere à profissionalização
docente, pois são histórias contadas por professoras de cidades diferentes, mas no mesmo
território, no ―Sertão do São Francisco‖, onde a formação de professores e sua
profissionalização se assemelham em diversos aspectos, sobretudo nos motivos que os
levaram a escolher a carreira docente e nas condições de trabalho dos professores primários
que atuavam na zona rural.
A história de formação e profissionalização docente no Magistério Primário Rural de
Maria de Lourdes foi marcada por muita dedicação aos estudos, para após a formatura
oferecer o melhor ensino para seus alunos.
O diploma abaixo, na figura 10, representa todo um processo, a trajetória de formação
de profissionalização no Magistério Primário, alterando o status de leiga vocacionada para
professora formada no único curso de formação de professores da cidade.
Em 1976, após um longo caminho percorrido em busca da formação ideal para
lecionar, conclui o Curso Normal em Magistério Primário, na Escola Normal de Casa Nova,
agora denominada Centro Educacional Antônio Honorato 20.

Imagem 10 – Diploma do curso de Magistério, frente e verso (1976).

20
O Centro Educacional Antônio Honorato teve, em suas instalações, o Curso de Magistério Primário até o ano
de 2004, no turno matutino, quando a última turma concluiu o curso.
73

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

O curso de Magistério teve a carga horária de 2.880 horas-aula, compostas por 28


disciplinas, incluindo o Estágio Supervisionado. O currículo estava organizado da seguinte
forma:
Formação geral – 11 disciplinas: 1) Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (210
horas-aula); 2) Língua Estrangeira – Inglês (120 horas-aula); 3) Educação Artística (60 horas-
aula); 4) Geografia (60 horas-aula); 5) História (60 horas-aula); 6) Educação Moral e Cívica
(60 horas-aula); 7) Organização Social e Política Brasileira (30 horas-aula); 8) Matemática
(90 horas-aula); 9) Física (90 horas-aula); 10) química (90 horas-aula); 11) Biologia (90
horas-aula).
Parte diversificada – 2 disciplinas: 1) Programa de saúde (30 horas-aula); 2) Desenho
(60 horas-aula).
74

Disciplinas Profissionalizantes – 10 disciplinas: 1) Comunicação e expressão (120


horas-aula); 2) Integração Social (90 horas-aula); 3) Iniciação as Ciências (120 horas-aula); 4)
Fundamentos da Educação I (240 horas-aula); 5) Fundamentos da Educação II (60 horas-
aula); 6) Fundamentos da Educação III (60 horas-aula); 7) Didática I (90 horas-aula); 8)
Didática II (270 horas-aula); 9) Prática de Ensino (180 horas-aula); 10) Estrutura e Func. Do
Ensino do 1.º Grau (60 horas-aula).
Parte Diversificada: 1) Estudos Baianos (60 horas-aula); 2) Literatura Infantil (60
horas-aula; 3) Educação Física (270 horas-aula); 4) Cultura Religiosa (30 horas-aula) e
Estágio Supervisionado (120 horas-aula).
Nessa organização do currículo do Magistério Primário, observa-se o nível de
aprendizagem dos professores leigos, mas essa aprendizagem não se dá de uma forma lúdica
nem romantizada, pelo fato de ser uma formação naquele período tão almejada pelos
professores leigos. Serra e Barreto (2020, p. 400) relatam que, ―quando pensamos a formação
de professores, a série de exigências ganha um peso metodológico e didático, talvez não tão
compartilhados por outras profissões, afinal, a função do professor é ensinar‖. Por isso, o
currículo foi organizado pensando na responsabilidade que estava sobre o professor em
transmitir conhecimentos, e um conhecimento a partir de aprendizados adquiridos pelos
mesmos a partir do ingresso no curso de Magistério Primário.
Serra e Barreto (2020) relatam, também, que a formação de professores, quando se
trata do ensinar, preocupa-se com o ―ensinar o que se sabe, o que se deve saber, para além de
estar preparados para o como ensinar‖. É perceptível o empenho organizacional do currículo
através da Lei n.º 5.692/71, quando estabelece uma carga horária bem mais alta nas
disciplinas profissionalizantes, a exemplo de Didática II com 270 horas-aula, comprovando o
que as autoras mencionam sobre o fato do professor ter que saber e, sobretudo, saber ensinar.
A organização do currículo está em evidência, entrelaçada à formação e
profissionalização no Magistério Primário nas décadas de 1960 a 1990, ―não sem razão, a
história da formação de professores vem ganhando cada vez mais as páginas, revelando
escolas, cursos, currículos, métodos, materiais escolares, perfis exigidos, dentre tantos outros
elementos que compõe a cultura escolar‖ (SERRA e BARRETO, 2020, p. 400).
A professora relata que ―o diploma do Magistério foi uma grande conquista, pois
estudou com muito sacrifício, foram muitas dificuldades para conseguir se formar e,
conseguir sair do status de leiga para professora normalista formada em Magistério‖
(XAVIER, 2022).
75

O diploma foi expedido segundo a LDB 5.692/71, conforme o ―Art. 16. Caberá aos
estabelecimentos expedir os certificados de conclusão de série, conjunto de disciplinas ou
grau escolar e os diplomas ou certificados correspondentes às habilitações profissionais de
todo o ensino de 2.º Grau, ou de parte deste‖ (BRASIL, 1971).

Imagem 11 – Carta do patrono da turma de formandos em Magistério de 1976

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

Com a chegada do grande dia, tão esperado para a professora leiga que, a partir do ano
de 1976, dava um grande passo na sua trajetória de formação e profissionalização docente,
com a conclusão do Curso Normal.
Na imagem 11, está uma carta endereçada à dona Lourdinha, que convidou o Sr.
Adolfo Viana para ser o patrono da turma de formandos em Magistério em 1976. O senhor
Adolfo é o mesmo que, no início da história oral da professora, faz uma visita inesperada à
escola e encontra a professora leiga sentada no chão, ensinando a seus alunos. Por gratidão
ao seu grande feito, a construção de uma escola para a sua turma e comunidade, ela o
convida para ser patrono da turma. Ele demonstra muita satisfação pelo convite e agradece
ao final da carta, dizendo: ―Com humildade, Maria de Lourdes, simplicidade, ACEITO ser o
Patrono da benévola turma de vocês‖. A carta é datada do dia 09 de fevereiro de 1976.
O Magistério foi ―o meio da travessia‖, como diz Guimarães Rosa (2001), pois quando
concluiu o curso, em 1976, a professora fez vários cursos para complementar a sua formação
76

e, ao mesmo tempo, adquirir conhecimentos para contribuir ainda mais com o aprendizado
de seus alunos e da própria comunidade.
No ano de 1994, ela foi aprovada no vestibular da Universidade de Pernambuco –
UPE.

Imagem 12 – Formatura em Letras Português na UPE em 1998

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

Em 1998, concluiu a faculdade de Licenciatura Plena em Letras – Habilitação


Português/Inglês. Na imagem 12, está um registro da formatura no Campus Petrolina – PE. A
professora está falando como representante da turma, as suas memórias demonstram que a
formação sempre foi uma prioridade em sua vida profissional. Xavier (2022) relembra que
―trabalhava durante o dia e à noite estudava, me formei, fiz faculdade de Letras e voltei a
lecionar até o dia em que me aposentei‖; a dedicação é evidente em seus relatos.

Imagem 13 – Diploma de Licenciatura em Letras Português na UPE em 1998


77

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

Após falar da trajetória difícil de formação e o recebimento do diploma de


Licenciatura em Letras – Português em 1999, a professora Lourdinha merece um memorial de
sua ―Trajetória de Formação e Profissionalização do Magistério Primário Rural‖.
Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier, professora Lourdinha, como gosta de ser
chamada até hoje, iniciou sua carreira docente como professora leiga em 1957, com apenas a
4.ª série, hoje 5.º ano. Aos 13 anos de idade, começou a trabalhar na zona rural e por lá
lecionou por 12 anos, de 1957 a 1969, quando recebeu um convite para ir para a cidade
terminar os seus estudos e ingressar no Curso Normal ―Formação em Magistério Primário‖.
Sobre essa fase de seu retorno aos estudos, a professora fala que ―na zona rural trabalhei 12
anos, mas em 1969 recebi uma oferta para eu ir à cidade para terminar meus estudos, pois em
Casa Nova já tinha chegado o Ginásio e a Escola Normal (XAVIER, 2022)‖. Em 1976, se
formou no Magistério e voltou a dar aulas. Em 1994, ingressou na faculdade UPE – Campus
Petrolina – PE, no curso de Licenciatura Plena em Letras – Habilitação em Português/Inglês,
que concluiu em 1998.
A trajetória de formação e profissionalização da professora Ana da Rocha Braga foi
rica de conhecimentos adquiridos para aplicar em sua comunidade rural, em especial. A
professora fez o Curso Normal de Magistério Primário e ainda outros cursos complementares,
pois, para ela, eles eram muito úteis na zona rural do município.
Em 1982, recebeu o seu diploma do Curso de Formação em Magistério, como mostra
a imagem abaixo.

Imagem 14 – Diploma de Formação para o Magistério da professora Ana da Rocha Braga (1982).
78

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022.

O início do Curso de Formação para o Magistério, em 1975, ainda acontecia na Escola


Normal, que funcionava nas estruturas do Ginásio de Casa Nova, ―somente em 1977 o Centro
Educacional Antônio Honorato começa suas atividades oficialmente‖ (AZEVEDO, 2020, p.
44). Com isso, o Diploma da professora, que foi expedido em 1982, já veio com a nova
nomenclatura de Centro Educacional Antônio Honorato.

Imagem 15 – Grade curricular do curso de Formação para o Magistério (1982).

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022.

Em cumprimento ao currículo do curso de Formação para o Magistério, a professora


cursou 27 disciplinas obrigatórias, no total de 2.760 horas-aula, incluindo o estágio.
Em seus relatos, conta que logo que concluiu o curso de Magistério teve que continuar
dando aulas na zona rural, pois na cidade não tinha vagas para lecionar.
79

Trabalhei apenas em uma escola por um período de 5 anos, Escola Dom Tomás na
comunidade de Açude de Pedras.
Exerci a carreira de docente de 1976 a 2012. Durante este tempo, 5 anos foram dedicados
à zona rural, como professora leiga (BRAGA, 2022).

Na fala da professora, percebe-se que ela trabalhou em sua totalidade 10 anos, cinco
(5) como professora leiga e cinco (5) como professora formada no Magistério. Esse cálculo
foi feito a partir da soma em duas falas da professora em momentos diferentes, falando sobre
o período em que atuou como professora leiga durante 5 anos e, em um outro momento, em
que falava de sua formação em Magistério e o período em que lecionou por mais cinco anos
após sua formação. Para a professora, foram momentos inesquecíveis, pois deixou na
comunidade rural muitas amizades que fez com os familiares de seus alunos.

Imagem 16 – Ficha 19 de conclusão de curso de Magistério em 1982

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022.

O histórico escolar mostra as disciplinas e a carga horária de cada uma


individualmente, entre elas as disciplinas de Estágio Supervisionado, Educação Física e
Ensino Religioso. No total, foram cumpridas 27 disciplinas com a carga horária de 2.760
horas-aula.

Imagem 17 – Curso de Socorristas e Parteiras da Diocese de Juazeiro – BA (1980)


80

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022

Em suas lembranças, a professora Ana Rocha traz a importância que foi, para ela,
fazer cursos na Diocese de Juazeiro, com a intenção de suprir necessidades da comunidade.
Somente ela como professora podia fazer, pois para tudo chamavam a professora, então ela se
sentia no dever de se profissionalizar em tudo um pouco.
As professoras leigas foram ―pessoas que organizaram suas vidas em torno desse
ofício e, para exercê-lo, acionaram diferentes táticas, desde a congregação de esforços com a
comunidade, as relações estabelecidas com a igreja, com agentes políticos e estabelecendo
relações que se estruturavam para além da escola‖ (GONÇALVES, 2015, p. 98).
A professora relembra que organizou sua formação para além do Magistério Primário,
pois fez ―cursos em áreas distintas da Educação, mas com o firme propósito de ajudar a
comunidade, como: medicina alternativa baseada em primeiros socorros, banhos, sumos, chás
etc. Curso de jurista leiga, catequese, parteira leiga, entre outros‖. Sua carreira docente foi
marcada pela dedicação aos seus alunos e à comunidade rural na qual ensinava e morava.
Por conhecer bastante a comunidade, porque nasceu na zona rural e sabia de todas as
necessidades da localidade, então fez de tudo para contribuir e sanar um pouco das
necessidades da comunidade, tanto educacionalmente como em bem-estar e saúde.

Imagem 18 – Curso de Parteira Leiga da Diocese de Juazeiro – BA (1980)


81

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022

Os cursos preparatórios da Diocese de Juazeiro-BA, que a professora Ana Rocha fazia


questão de cursar para melhor atender à comunidade, faz lembrar a obra de Gonçalves (2015),
de tema ―Eu era professora, era catequista, era enfermeira, eu era tudo!‖: A profissão docente
no meio rural Piauiense (1971-1989)‖. A realidade das professoras primárias de Casa Nova
não era diferente, eles também faziam de tudo dentro da escola e, na comunidade onde
moravam e lecionavam, faziam até parto.
Mesmo já estando formada em Magistério, continuou a fazer outros cursos, como de
Estudos Adicionais ao Magistério de 1.º Grau. Esse curso, trazendo para os dias atuais, é uma
Especialização. Desse modo, evidencia-se a constante busca por qualificações para a sua
carreira docente no Magistério Primário Rural.

Imagem 19 – Curso de Estudos Adicionais ao Magistério do 1.º Grau


82

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022

Na década de 1990, percebeu que a sua formação ainda se encontrava em curso. No


sentido de dar continuidade aos seus estudos, também fez a especialização em Comunicação
em Língua Portuguesa, sempre pensando em oferecer o melhor aprendizado para seus alunos.
A professora lembra que fez vários cursos para se sentir atualizada nas questões da Educação.

Imagem 20 – XV Encontro de Educadores do Colégio Dom Bosco, Petrolina – PE (1998)

Fonte: Acervo documental da professora Ana da Rocha Braga, 2022

A professora Ana Rocha não media esforços e nem distância para participar de cursos
e eventos que agregassem conhecimentos formativos que contribuísse para a sua
profissionalização docente. Como exemplo, está o certificado de participação do XV Encontro
de Educadores nos dias 21 e 22 de agosto de 1998, realizado pelo Colégio Dom Bosco em
83

Petrolina – PE. Assim, a busca por uma formação contínua não se restringia ao estado da
Bahia. A professora Ana Rocha buscava por conhecimentos em intercâmbios educacionais.
Sua relação com a escola e seus entornos era harmônica e cheia de boas lembranças. A
professora Ana Rocha relata que era chamada para tudo que acontecia dentro da comunidade,
por isso fez vários cursos para atender às demandas de sua comunidade e arredores. A
militância pela Educação se estendia à comunidade na qual atuava, relembra:

Me relacionava muito bem com todos do entorno da escola e os que moravam por
perto, existia a troca de conhecimentos e outras necessidades como: festas da
comunidade e da escola, jogos. Sempre ajudei e participei das organizações das
festinhas escolares, quadrilhas, novenas, curso de pais e padrinhos, reuniões de
orações aos domingos, na igreja próxima a escola ou nas residências (BRAGA,
2022).

Na família Rocha, todos escolheram a profissão docente, ao mesmo tempo, são


militantes pela Educação, contribuíram na fundação de um sindicato de professores, com o
firme propósito de ofertar uma Educação de qualidade, principalmente na zona rural da cidade
de Casa Nova – BA.
Cosme de Oliveira ao ser questionado se fez curso de ―capacitação‖ ou
―aperfeiçoamento‖ para atender o Magistério no meio rural, se fez estágios e se entregou
relatórios durante o curso, se havia pessoas de outros estados ou países nesses cursos, como
eram os materiais didáticos e onde ministrava aulas práticas, ele respondeu:
Antes da faculdade, tínhamos quatro horas de oficinas na busca de melhorar a
prática por meio de sugestões e, também inserindo o lúdico, já que a zona rural até
em nossos dias convive com o isolamento. Quando isso aconteceu muitos pais ou
responsáveis pelas crianças ignoraram por não entenderem que brincando com
responsabilidade também se aprende. Nesse caso, a visão de mundo era um tanto
quanto obscura.
Materiais didáticos era o hábito de ler do docente, que no meu caso fazia deste,
criações que davam prazer ao docente, aos discentes, aos pais e a comunidade que
nos dava a honra da presença no tocante a datas comemorativas, que para todos
eram momentos de lazer que muito valorizava este trabalho e temperara o fazer
pedagógico com sabor de estímulo ao exercício.
Já na busca da licenciatura em Pedagogia passamos a vivenciar encontros de
capacitação que muito me ampliou a visão de mundo, com a entrega de relatórios.
Essas aulas destinadas aos docentes davam-se nas escolas da sede do município, o
que mais se abordava eram as formas de incentivar o alunado não só a ler e
escrever, mais também formas de criar, ter domínio de escrita, na leitura encontrar
caminhos que os tirassem do anonimato (OLIVEIRA, 2022).

O professor Cosme de Oliveira também relata que a profissão docente abriu para ele
outras portas na comunidade, entre elas a de cuidar de pessoas enfermas com tratamentos
naturais. Essa nova condição de cuidador de enfermos despertou nele o desejo de fazer o
curso de técnico em enfermagem, pois na zona rural o professor tem que possuir inúmeras
habilidades. Entre elas, a mais solicitada na atuação do professor era a área da saúde, tanto das
84

crianças quanto dos pais e de toda comunidade. De certo modo, esse desejo de cuidar da
saúde das pessoas fez com que o professor mudasse seu foco da formação de professores.
Além, de lecionar, passei a cuidar de pessoas enfermas com MEIZINHAS que
beneficiava muitos com sintomas com sintomas de diversas naturezas, até parto
fiz em minha comunidade.
Com tantos desafios e amando o que fazia, busquei cursar técnico em
enfermagem. Ao terminar o curso optei por ficar com tratamento homeopático
pela manhã e lecionando à tarde (OLIVEIRA, 2022)

Sobre a formação para o Magistério, o professor relata que;

[...] em 2005, chegou em Casa Nova uma inscrição para o vestibular para o
vestibular da UNEB para o curso de Pedagogia, iniciaram-se as aulas em 2006
a 2008, com direito a descanso só aos domingos, para acelerar o curso já que a
faculdade ou curso era oferecido pela prefeitura, na gestão da prefeita Dagmar
Nogueira (OLIVEIRA, 2022)

Imagem 21 – Diploma do Curso de Licenciatura em Pedagogia – UNEB (2008)

Fonte: Acervo documental do professor Cosme de Oliveira, 2022

A trajetória de formação e profissionalização docente teve início no ano de 2006 e foi


concluída em 2008. O curso foi intensivo, com menos tempo de duração e mais carga horária.
A formação tinha recomendações que os professores instigassem com precisão o
incentivo à escrita e leitura e a precisão das quatro operações e resolução de
problemas. Era oferecida pela UNEB em parceria com o Município, era obrigatório
para todos os professores que estava atuando em sala de aula (Oliveira, 2022).

Cosme de Oliveira atuou como professor leigo21 sem formação no Magistério Primário
Rural na mesma escola por 31 anos. Entre os entrevistados, foi o que teve a trajetória de
formação e profissionalização na área da Educação mais tardia, pois mudou de foco em

21
Até o ano de 2008, quando concluiu o curso de Pedagogia pela UNEB, em sua trajetória como docente no
meio rural, dedicou 31 anos da vida à Educação Primária Rural, de 1986 a 2017.
85

relação à Educação Rural nas questões formativas e dedicou-se em formar-se em outra


profissão relacionada à saúde.
Nas memórias do professor, evidencia-se que ele aprendeu a ler outras necessidades da
comunidade, que para ele eram tão importantes e urgentes quanto ensinar a ler e escrever. Ele
viu que o social pode andar lado a lado com a Educação. Sobre esse tipo de experiências
vividas e contadas pelo professor, Montenegro (2016, p. 9) diz:

Percebemos o mundo não como ele se apresenta, mas como socialmente os outros
nos ensinam a lê-lo, a representá-lo, a significá-lo. Dessa forma, o entrevistado ao
relatar suas experiências remete à dimensão individual, mas este individual é
também social, porque não há individual sem o social, não há individual sem as
marcas sociais.

O autor traz uma fala que muito se aproxima da realidade do professor Cosme de
Entroncamento. Por pensar de maneira diferenciada, é que o professor Cosme só fez a
formação de professor quando o MEC exigiu com base na Lei n.º 9.424 de 24 de dezembro de
1996, segundo o seu artigo 9.º:
§ 1.º Os novos planos de carreira e remuneração do Magistério deverão contemplar
investimentos na capacitação dos professores leigos, os quais passarão a integrar
quadro em extinção, de duração de cinco anos.
§ 2.º Aos professores leigos é assegurado prazo de cinco anos para a obtenção da
habilitação necessária ao exercício das atividades docentes.
§ 3.º A habilitação a que se refere o parágrafo anterior é condição para ingresso no
quadro permanente da carreira conforme os novos planos de carreira e remuneração.
(BRASIL, 1996b).

Mesmo com a exigência da Lei n.º 9.424/96, o professor leigo, sem a formação no
Magistério Primário Rural, que passou a ser chamado de ―habilitação para o Magistério,
tornando-se um curso de nível médio‖ (FARIA, 2018, p. 47). Mesmo assim, o professor só
iniciou sua trajetória de formação dez anos após a promulgação da Lei, quando o município,
através da Secretaria de Educação para cumprimento do que pede a Lei, formou uma parceria
com a UNEB a fim de extinguir o número de professores leigos no estado da Bahia. O
município de Casa Nova tornou pública a exigência de que os professores leigos fizessem o
curso de nível superior para continuarem em sala de aula, já que o Curso Normal de
Magistério Primário já tinha sido extinto. Cosme de Oliveira estudou Licenciatura plena em
Pedagogia, curso oferecido pela UNEB em parceria com a prefeitura municipal de Casa Nova
– BA. Mas não se acomodou com o diploma de pedagogo, foi além do que exigia a lei e fez
pós-graduação em Educação Política e Meio Ambiente.

Imagem 22 – Diploma de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Política e Meio Ambiente – FEM (2008)
86

Fonte: Acervo documental do professor Cosme de Oliveira, 2022

Com a preocupação de unir saúde e Educação, o professor Cosme Oliveira fez, em


2009, uma pós-graduação Lato Sensu em Educação Política e Meio Ambiente, pela Faculdade
de Educação Montenegro, e seu TCC teve a temática: Fitoterapia: O Poder da Cura Através
das Plantas. Com essa especialização, uniu a Educação à saúde, pois o tema está relacionado
a sua prática extra escolar, ou seja, ao cuidado com a saúde da comunidade de Entroncamento
e adjacências.
Os vencimentos estão associados ao tempo de trabalho dos professores, como pode ser
observado na Imagem abaixo.

Imagem 23 – Carteira de trabalho com data de admissão de 01 de março de 1960

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022).


87

A carteira de trabalho pertence à professora Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier,


a mesma foi contratada pelo município no dia 01 de março de 1960, com o salário de 300,00
(trezentos cruzeiros), que convertendo para o real corresponde a 10,91 (dez reais e noventa e
um centavos). A carteira foi assinada pelo prefeito José Hermelino Santos, conhecido como
Zé da Totonha, que atualizou a carteira em 1991, ano em que contabilizavam os exatos 31
anos de profissão docente com carteira assinada pelo município de Casa Nova – BA,
Aposentou-se em 1991 pelo município e trabalhou como concursada pelo estado, dando
entrada em sua aposentadoria pelo estado da Bahia em 2015.
A professora Ana da Rocha Braga foi professora leiga rural e, mesmo depois de sua
formação em Magistério Primário, continuou trabalhando na zona rural. Somente em 1976
passou em um concurso público, trabalhou 36 anos e se aposentou aos 61 anos de idade, com
o sentimento de dever cumprido pela dedicação aos seus alunos e contribuição com a
sociedade e com a História da Educação.
Cosme de Oliveira atuou como professor leigo22 na mesma escola por 31 anos. Entre
os entrevistados, foi o que teve a trajetória de formação e profissionalização mais tardia no
que se refere à formação para professor, pois mudou de foco em relação à Educação rural nas
questões formativas e dedicou-se em formar-se em outra profissão relacionada à saúde,
porém, deu início à trajetória de formação na área da Educação quando a Secretaria de
Educação exigiu que os professores leigos (sem formação no Magistério Primário) tinham que
cursar o nível superior, já que o Curso Normal já tinha sido extinto do município. Assim, o
professor e tantos outros cursaram Licenciatura em Pedagogia, na época oferecida pela UNEB
em parceria com a prefeitura municipal de Casa Nova. Com 31 anos de docência primária
rural, foi transferido para a Escola Júlia Borges na cidade de Casa Nova – BA. Atualmente o
professor está de licença por problemas de saúde e declara que agora, com 36 anos de
docência, já está pensando em se aposentar.
Os entrevistados, a professora Maria de Lourdes, a professora Ana Rocha e o
professor Cosme de Oliveira escreveram as suas memórias especificando momentos
marcantes da docência leiga até a formação no Magistério Primário ou em Pedagogia, como é
o caso do professor Cosme, e que os seus longos processos de formação e profissionalização
no Magistério muito contribuíram com a história da Educação local, mesmo em tempos
remotos.

22
Até o ano de 2008, quando concluiu o curso de Pedagogia pela UNEB, em sua trajetória como docente no
meio rural, dedicou 31 anos de sua vida à Educação Primária Rural de 1986 a 2017.
88

5 DISCIPLINAS, DATAS FESTIVAS, AVALIAÇÃO E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Este capítulo se propõe analisar as memórias dos professores sobre acontecimentos


importantes dentro da escola rural e em seus entornos. Desse modo, são observadas as
memórias afetivas dos professores em relação à escola e a comunidade rural na qual estava
inserida, evidencia-se essa relação através do envolvimento com a comunidade e das
organizações festivas que eram organizados pelos professores.
Visto isso, também são analisadas as disciplinas escolares através dos mapas de
exames do acervo pessoal do professor Cosme de Oliveira, de 1985 a 1990, fazendo inclusive
observações sobre o público de sua escola e algumas questões sociais que acabaram por
refletir nos resultados de mapas de exames da época. Nesse sentido, o envolvimento com a
comunidade refletiu também na trajetória de formação do professor Cosme, que resolveu
buscar outras formações na área da saúde, adiando a formação para professor, tornando-se o
professor leigo com mais tempo de atuação em sala de aula na zona rural do município. Não
existem fotografias do professor Cosme, mas as ―imagens mentais guardados em seu baú de
memórias, as quais ajudam a corporizar esses eventos‖ são suficientes para o registro da
história da Educação da localidade de entroncamento na zona rural de Casa Nova – BA
(Mogarro, 2005, p. 23).
Será também possível observar, através dos depoimentos, que a história oral é posta
em evidência, pois ―trouxe à luz as realidades indescritíveis‖ (Meihy, 2006, p. 195). Assim,
evidencia-se que somente por meio da história oral, todas as memórias são registradas e
tornam-se fatos concretos para futuros estudos em História da Educação, História e Memória
e História Oral.

5.1 A escola primária rural como espaço de interação

Para a professora Maria de Lourdes, ―a escola sempre foi um espaço que acolhia os
alunos para aprender a ler e escrever, mas também um espaço de acolhida à comunidade e até
mesmo à igreja, que sempre estava presente nas festas de datas comemorativas da escola e
vice-versa‖ (XAVIER, 2022), sempre com a organização da professora.
89

Mediante essa fala da professora, evidencia-se a consideração e grande respeito por


parte dos alunos e seus familiares, percebe-se, também, que a consideração perpassa os
cercados23 da escola.

Imagem 24 – Foto de alunos e alunas que a professora Lourdinha


recebeu de lembranças na década de 1960 a 1972

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022).

Com base ainda nos vínculos de amizade criados pela professora com seus alunos e
familiares, temos, na imagem 24, fotos de vários alunos, que dona Lourdinha guarda com
muito carinho, ―pois naquela época das décadas de 1960 a 1972, quando a gente gostava
muito de uma pessoa dava-lhe uma foto de presente, para guardar como lembrança‖
(XAVIER, 2022). Essas fotos são intocáveis no acervo da professora, elas representam, para
dona Lourdinha, gestos de carinho, amor e por que não dizer gratidão pela dedicada
professora.
A professora conta várias histórias de seus alunos, entre as quais a mais interessante é
a do ex-prefeito de Casa Nova Manoel Batista de Castro, conhecido como Neco Beato. Ele foi
eleito no ano de 2001 e só pôde tomar posse do cargo quando provou que não era analfabeto.
Então ela relata:
Também fui responsável pela posse de um dos prefeitos de minha cidade, pois para
provar para a justiça eleitoral que ele não era analfabeto, me procurou e eu tinha
toda a documentação dele guardada, caderneta de notas, boletins, enfim, ele foi
empossado como prefeito de nossa cidade após uma declaração feita e assinada por
mim, anexada com as comprovações documentais da época (Xavier, 2022).

23
Na região Nordeste, mais precisamente na zona rural de Casa Nova, as pessoas ainda falam muito sobre o
―cercado‖, que é a cerca em volta da casa ou da escola, uma espécie de proteção para não entrar animais nas
proximidades da casa. Uma frase muito usada em forma de jargão, ―respeite meu cercado‖.
90

A professora entregou todos os documentos do aluno que guardava em seu acervo


pessoal ao prefeito eleito. Segundo ela, esses documentos estão arquivados no cartório de
títulos eleitoral sob sigilo de justiça, não podendo mais ter acesso aos mesmos, já que o
prefeito faleceu em 15 de abril de 2016.
As memórias da professora Maria de Lourdes proporcionam um conhecimento da
história da Educação local muito importante, mesmo que de forma não oficial, pois não há
uma comprovação documental devido ao não acesso à pasta do saudoso ex-prefeito Neco
Beato, mas foram utilizados aqui estudos que embasam e garantem a veracidade da história
oral por meio da memória. Serra e Barreto (2020, p. 401) fazem um estudo sobre o que
revelam as memórias, visto que, para as autoras, ―a história vista de baixo prioriza o sujeito
simples, que de fato, viveram o fato e cujas memórias muito contribuem para o entendimento
do passado ora revisitado‖. Nesse sentido, o prefeito, empossado em 2001, foi alfabetizado
pela professora na escola da zona rural, onde por muitos anos lecionou. Concomitante a isso,
Le Goff (2012, p. 457) considera que ―A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a
alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de
forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens‖.
Assim, evidencia-se que as memórias de dona Lourdinha contribuíram para o mandato
do prefeito de sua cidade; ela serviu de testemunha para seu aluno.

Imagem 25 – Foto de casamento de alunos e alunas que professora Lourdinha recebeu de lembrança em 1966

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

Dona Lourdinha enfatiza sempre as lembranças de como era sua relação com o
entorno da escola em que lecionava, com as famílias, a comunidade e os alunos: ―Participava
91

de comemorações, festas e atividades realizadas na comunidade. Tinha uma relação de


amizade, respeito e confiança (XAVIER, 2022)‖. Entre essas festas, está a de casamento de
seus alunos; ela guarda as fotos que recebeu de lembrança de seus alunos quando se casaram
entre 1960 e 1972, como mostra a imagem 25.
A professora Maria de Lourdes era sempre a responsável pelas festinhas, tanto na
escola, quanto na igreja e comunidade. A imagem abaixo está mostrando a inauguração da
escola, foi de sobremodo marcante, pois contou com a presença do Bispo Diocesano, que
celebrou uma missa de ação de graças, em que se fizeram presentes políticos da época, as
famílias dos alunos; todos compartilharam da mesma alegria de ter uma escola na comunidade
de Canudos em 1964.

Imagem 26 – Foto da primeira comunhão dos alunos de professora Lourdinha (1964)

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

Nas lembranças da professora Lourdinha, pais e alunos tinham muito respeito por ela,
todas as festas da comunidade e missas eram organizadas por ela, como é possível ver na
imagem 26 (uma seta indica a posição da professora na foto). Em um momento muito especial
para as famílias, à professora catequisou seus alunos para a primeira comunhão, uma missa
muito bonita que é uma das suas lembranças mais especiais.
Mesmo tendo voltado a estudar, nunca fez dos estudos um empecilho que a impedisse
de participar ativamente das comemorações do interior do município. Em meio ao seu
processo de formação e profissionalização, com sua rotina de estudos pesada, mesmo assim
continuava sempre organizando os eventos da comunidade rural, representados na imagem
abaixo, em 1975.
92

Imagem 27 – Festa junina organizada pela professora Lourdinha (1975)

Fonte: Acervo pessoal de Maria de Lourdes Lopes da Silva Xavier (2022)

As organizações festivas faziam parte da vida da professora leiga, ela era convidada
para organizar batizados, missas e festas. Para Gonçalves (2015, p. 110), ―embora pareça uma
sobrecarga de funções, era nessas atividades extraescolares que os professores exerciam um
papel educativo para além da escola‖.
A imagem 27 é um manuscrito de 1975, a quadrilha junina foi escrita por dona
Lourdinha, que a guarda com muito cuidado. As apresentações de quadrilhas eram bem
ensaiadas. No momento das apresentações, homens dançavam vestidos de mulher sem
nenhum problema, a diversão era garantida, mesmo vivendo em plena ditadura civil-militar,
em que a liberdade artística era perseguida e censurada 24 em todas as esferas da arte e da
sociedade brasileira.
A quadrilha iniciava com um puxador, uma espécie de locutor fazendo a leitura do
texto escrito por dona Lourdinha, em voz alta, conduzindo a apresentação até o fim.

1 – Damas à direita dos cavalheiros;


2 – Passeio geral;
3 – Um par para direita, outro para a esquerda;
4 – Cavalheiros, cumprimentar as damas – aos seus lugares;
5 – Damas, cumprimentar os cavalheiros – aos seus lugares;
6 – Passeio geral;
7 – Cavalheiros à frente de suas damas;
8 – Grande roda;

24
Informações disponíveis em: https://www.virgula.com.br/famosos/como-uma-geracao-de-artistas-enfrentou-
censura-da-ditadura-militar/
93

9 – Damas ao centro rodando à direita e cavalheiro à esquerda, ao


contrário;
10 – Cavalheiros rodeando suas damas à direita – damas ao contrário;
11 – Damas coroando os cavaleiros, rodando à direita – ao contrário –
descoroar;
12 – Formar o girassol – aos seus lugares;
13 – Grande roda;
14 – Cavalheiro à frente da sua dama;
[...] 26 – Preparar-se para o trancê – damas para um lado e cavalheiros para
o outro;
27 – Começar o trancê;
28 – Grande baile;
29 – Desocupar o salão.

As quadrilhas juninas, em 1975, eram guiadas pelo puxador, que tinha esse texto na
ponta da língua. Em suas lembranças ficaram gravados todos esses detalhes, conforme a
escrita da quadrilha junina na imagem da figura 9.
O manuscrito da quadrilha junina é especial para dona Lourdinha, que o guarda até
hoje em seu acervo documental. A comunidade não faltava aos eventos organizados pela
professora.

[...] fazíamos festas juninas, dançávamos quadrilhas, comemorávamos aniversários,


fazíamos jogos escolares, festas de encerramento, eu era chamada para todas as
festas que tinha na comunidade, ajudava, opinava e etc. Foi uma experiência muito
boa, aprendi muito com eles (XAVIER, 2022).

Assim, a atuação da professora naquela localidade foi uma missão a ser cumprida, não
só na escola, mas perante a comunidade rural que tão bem lhe recebeu. Dona Lourdinha fala
que ―em todas as ocasiões da comunidade eu era convidada para participar, opinava, ajudava,
era muito bom perceber a consideração que as famílias dos alunos tinham por mim‖
(XAVIER, 2022).
Sobre as comemorações realizadas na comunidade de Entroncamento, o professor
Cosme de Oliveira diz:
Os pais e a comunidade que nos dava a honra da presença no tocante a datas
comemorativas, que para todos eram momentos de lazer que muito valorizava
este trabalho e temperara o fazer pedagógico com sabor de estímulo ao
exercício (OLIVEIRA, 2022).

As festividades na zona rural do município sempre foram organizadas pelos


professores, normalmente nessas comemorações nunca faltam professor, padre ou
representante da igreja. No final sempre acaba em festa. O sanfoneiro é o convidado de honra,
não pode faltar.
94

5.2 Práticas pedagógicas e avaliações

Sobre as reuniões de planejamentos ou orientações pedagógicas, a professora relembra


que:
Não tínhamos reuniões naquela época, os professores eram os únicos responsáveis
por tudo dentro da sala de aula.
Não tínhamos profissionais que ocupassem esses cargos na época, por isso, não
recebíamos visitas (XAVIER, 2022).

Naquele período, dona Lourdinha lembra que tudo na escola era responsabilidade da
professora, não havia reuniões pedagógicas e muito menos inspetores de ensino para orientar
os professores leigos, todo planejamento era feito por ela individualmente.
Desde que iniciou a lecionar em 1986, passando a ser professor titular de sua sala de
aula, anterior a esse ano (1986) o professor apenas auxiliava uma professora que atuava na
escola do Entroncamento. Somente após a transferência da professora para a cidade, o
professor Cosme passou a preencher e assinava os Mapas de Exames de sua turma e enviava à
Secretaria de Educação do Município de Casa Nova anualmente, ou seja, com os resultados
finais das avaliações de seus alunos, aprovados e reprovados.
Sobre as reuniões de planejamentos ou orientações pedagógicas, o professor relembra
que: ―A formação tinha recomendações, que os professores instigassem com precisão o
incentivo à escrita e à leitura e a precisão das quatro operações e resolução de problemas‖
(OLIVEIRA, 2022).
Sobre a relevância dos mapas de exame para esse estudo, Le Goff (1990, p. 110)
adverte que ―Nenhum documento é inocente. Deve ser analisado‖. Os mapas abaixo foram
analisados em alguns aspectos, e percebe-se os avanços e os retrocessos de 1986 – 1990,
período em que o professor começou a lecionar em 1986, até a década que corresponde ao
final do presente estudo sobre as trajetórias de formação e profissionalização no Magistério
Primário. Nesse sentido, é comprovado que o professor dá aulas na Escola Municipal Alfredo
Viana em 1986, na condição de leigo, pois o mesmo afirma que:
Me tornei professor por conta da superlotação da classe e porque a professora da
escola tinha 40 h/a e para o multisseriado e, por mais que ela se dedicasse no final
do ano faltava a consciência de dever cumprido, com êxito desejado vindo de seu
esforço que era desgastante e insatisfatório para quem via este trabalho com um
olhar voltado para um aprendizado de qualidade para os aprendizes. No meu caso,
nenhuma experiência formativa, mais um volume de bagagem bastante aguçada de
quando era discente e dos acontecimentos do cotidiano a nossa volta (OLIVEIRA,
2022).
95

O professor Cosme preenche e assina o seu primeiro mapa de exame em 1986, como
mostra a imagem a baixo, a partir desse mapa é que inicia a trajetória docente como titular de
sua sala de aula na Escola Municipal Adolfo Viana.

Imagem 28 – Mapa de Exame da Escola Municipal Alfredo Viana (1986)

Fonte: Acervo documental do professor Cosme Oliveira, 2022.

A Escola Municipal Adolfo Viana, da localidade de Entroncamento, recebe o primeiro


professor do sexo masculino, em um tempo em que a docência estava associada à figura
feminina, principalmente nas escolas da zona rural. O ingresso da figura masculina no
Magistério Primário Rural ou simplesmente na escola rural, como professor sem a habilitação
para o Magistério Primário, no mínimo deve ter causado estranheza. Faria (2018, p. 25)
enfatiza a visão da sociedade em relação à figura masculina sala de aula:
os homens, por sua vez, são considerados inapropriados, pois, para comunidade
escolar, eles não possuem as habilidades necessárias para lidar com os pequenos e,
para muitos, oferecem perigo à integridade física das crianças, isso pautadas em
concepções preconceituosas de que os homens poderiam assediar as crianças de
alguma forma (FARIA, 2018, p. 25).

No caso do professor Cosme, sabe-se que, dentro da localidade de Entroncamento, ele


conquistou a confiança das crianças, dos pais e de toda comunidade.
Na figura acima está o primeiro mapa de exame do ano de 1986, preenchido em seu
cabeçalho estão os dados da escola, que é Escola Municipal Adolfo Viana, o nome do
professor Cosme de Oliveira, as séries variadas, ou seja, multisseriadas e o ano de 1986, logo
abaixo a lista de alunos matriculados, aprovados 13 e reprovados 17. O número de reprovados
96

era maior para meninos, que correspondia a 11 meninos reprovados e somente 4 meninos da
turma aprovados.
Os dados observados indicam que, em 1986, na zona rural, a evasão escolar e
reprovação de meninos estava associada ao trabalho infantil, sobretudo para os meninos que
tinham que ajudar obrigatoriamente os pais nas lavouras e no manejo com os animais. Essa
obrigatoriedade posta sobre os meninos trouxe um enorme prejuízo educacional, na
comunidade de Entroncamento e em demais localidades da região que passaram pelo mesmo
problema de ordem econômica e social, já que esses meninos precisavam ajudar sua família
no sustento da casa.

Imagem 29 – Mapa de Exame da Escola Municipal Alfredo Viana (1987)

Fonte: Acervo documental do professor Cosme Oliveira, 2022

Em 1987, o professor tinha uma turma de 38 alunos: 22 alunos do sexo masculino e 16


do sexo feminino. O professor fez uma busca ativa na comunidade e ao mesmo tempo um
trabalho de conscientização dos pais, para que permitissem que seus filhos estudassem.
O número de reprovados caiu significativamente no grupo dos meninos: dos 22,
somente 6 foram reprovados. Isso mostra que o professor desempenhou um trabalho social e
trouxe para dentro de sua sala de aula meninos, com uma didática de ensino totalmente
diferenciada para garantir o aprendizado e a aprovação de seus alunos. Sobre a metodologia
de ensino e como elaborava as aulas e dividia a turma, o professor fala que ficavam todos na
mesma sala e era feito o trabalho da seguinte forma:
97

Juntos no mesmo espaço, a divisão era traçada pelo giz na lousa, 1ª/ 2ª/ 3ª, se
aplicava as atividades; enquanto os alunos copiavam, eu tomava a lição da 4.ª
série, e os de alfabetização, os menores, já vinham com a tarefas no caderno ou em
papel ofício, que comprava com o pouco que tirava do meu ganho mensal. Na hora
do recreio, elaborava no outro caderno o dever para casa, de forma a facilitar a
tarefa de casa das séries maiores, e assim ministrava os conteúdos (OLIVEIRA,
2022).

Embora não tivesse nenhum recurso material para dar suporte ao ensino, professor
Cosme relata que garantiu o ensino e a aprendizagem de seus alunos: ―Materiais didáticos
eram o hábito de ler do docente, que no meu caso fazia deste criações que davam prazer ao
docente, aos discentes, aos pais e à comunidade‖ (OLIVEIRA, 2022).

Imagem 30 – Mapa de Exame da Escola Municipal Alfredo Viana (1988)

Fonte: Acervo documental do professor Cosme Oliveira, 2022.

No ano de 1988, em relação ao número de matriculados do ano anterior, percebe-se


que houve um grande número de desistentes, principalmente do gênero masculino. Em
observação à série dos alunos que não foram matriculados, está entre a 1.ª e 3.ª série do
Ensino Fundamental. Outro fato analisado é a idade dessas crianças, que vai dos 10 aos 17
anos de idade.
Nesse sentido, evidencia-se a priorização do trabalho e não da alfabetização e
letramento na idade certa. Sobre o trabalho de crianças e adolescentes na zona rural, Faria
(2017, p. 30) relata a realidade outrora vivenciada por crianças do sexo masculino. A autora
98

ainda acrescenta, sobre a realidade vivida, que ―os meninos participavam do trabalho na roça,
juntamente com o pai, capinando, arando, semeando ou colhendo, a consequência da condição
social da família [...] é o afastamento da escola‖ (FARIA, 2018, p. 30).
É importante advertir que a autora enfatiza a realidade dos meninos da zona rural de
Mato Grosso do Sul, mas que se assemelha à realidade de Casa Nova e de tantas outras
realidades da Educação Rural do país, em que a evasão escolar atinge mais meninos do que
meninas de escolas rurais.
Outra observação a ser feita em relação ao trabalho é a falta de políticas de assistência
à família e programas de renda e sustentabilidade, que ainda não existiam nesse período que
corresponde a 1988, datado no mapa de exame.

Imagem 31 – Mapa de Exame da Escola Municipal Alfredo Viana (1989)

Fonte: Acervo documental do professor Cosme Oliveira, 2022.

Em 1989, o quantitativo de meninos estava quase igual ao das meninas: 11 meninos


matriculados e somente 1 reprovado, ou seja, o professor Cosme ano a ano tornava
significativa a sua prática docente na zona rural, mantendo o equilíbrio de alunos aprovados e
com permanência na sala de aula nos anos seguintes. Sobre as capacitações que tinha para
ensinar aos alunos, o professor Cosme relembra que:
99

Ao vivenciar encontros de capacitação que muito me ampliou a visão de mundo,


com a entrega de relatórios. Essas aulas destinadas aos docentes davam-se nas
escolas da sede do município, o que mais se abordava eram as formas de incentivar
o alunado não só a ler e escrever, mais também formas de criar, ter domínio de
escrita, na leitura encontrar caminhos que os tirassem do anonimato (OLIVEIRA,
2022.)

O compromisso do professor em participar de várias formações era com o único


objetivo de ensinar para além da escrita e da leitura e formar um aluno crítico e autônomo.
Dessa forma, percebe-se que a falta da formação com habilitação em Magistério não foi
empecilho para aplicar em sua turma uma didática própria e carregada de sentido para ensinar.

Imagem 32 – Mapa de Exame da Escola Municipal Alfredo Viana (1990)

Fonte: Acervo documental do professor Cosme Oliveira, 2022.

As análises dos mapas de exames de 1986 a 1990, material do acervo pessoal do


professor Cosme de Oliveira, possibilitou uma reflexão sobre a avaliação, a evasão escolar de
crianças do sexo masculino na zona rural e as causas dessa desistência da escola, mas também
proporcionou o entendimento da importância do papel que o professor desempenhou em
tentar manter esse público dentro da sala de aula, e isso fica explícito quando se identifica que
é o segundo ano em que o número de meninos matriculados ultrapassa o das meninas,
conforme pode-se ver na figura acima. Nesse mapa de exame, há 14 meninos matriculados e
100

somente 9 meninas. Já é possível identificar, na década de 1990, um avanço em relação à


frequência de meninos na escola da zona rural.
É importante ressaltar que houve avanços porque também houve aceitação do
professor masculino na sala de aula com crianças entre 6 e 17 anos de idade, em sala
multisseriada, em uma época na qual o papel do homem era vista como o chefe de família e,
na localidade de Entroncamento, os homens eram trabalhadores rurais. Sobre essa visão
patriarcal e preconceituosa da sociedade, Bonifácio (2019, p. 43) menciona que:
Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, vivendo em família com a origem
mononuclear e agrária, as relações patriarcais de uma sociedade coronelística ainda
imperam. Então, tudo contribui para atitudes de um homem poderoso, detentor e
agressivo nestas regiões. Diante de tantas violências e preconceito contra as
mulheres, é difícil imaginar um homem atuando em um espaço de predominância
feminina [...] (BONIFÁCIO, 2019, p. 43).

Nesse sentido, é importante ressaltar que o professor não falou especificamente de ter
sofrido nenhuma forma de preconceito, porém, o que observa-se são os avanços ano após ano
mediante os mapas de exame. É possível identificar traços de aceitação e boa convivência
com a comunidade, através do aumento do número de alunos matriculados e a diminuição da
evasão escolar, principalmente de crianças do sexo masculino.
Assim, para confirmar a boa convivência do professor com a comunidade e com os
pais de alunos, deixo uma frase do professor Cosme que chamou a minha atenção em alguns
pontos da entrevista: ―Sempre foram os pais que nos ajudavam‖. Sobre a sua relação com os
alunos, ele fala: ―Sou suspeito para falar de mim, mas trago a certeza de que era das melhores,
vejo isso, no momento em que me deparo com ex-alunos e vejo a luz da gratidão nos olhos,
nas palavras, em simples gestos a mim endereçados‖ (OLIVEIRA, 2022).
Os acervos pessoais do professor Cosme de Oliveira, da professora Maria de Lourdes
e da professora Ana Rocha são catalogados na produção do produto desse trabalho de
pesquisa em História da Educação da cidade de Casa Nova – BA.
101

6 PRODUTO

A pesquisa tem como produto um acervo digital, que será uma contribuição para a
formação de professores a partir das entrevistas com as duas professoras e um professor e seus
acervos pessoais, com o objetivo de apresentar os resultados dos dados coletados e
disponibilizá-los, em diferentes plataformas oficiais e digitais. Um dos sites de divulgação
será o acervo do Grupo de Estudos e Pesquisas em História e Educação no Sertão do São
Francisco (GEPHESF), no site oficial (www.gephesf.upe.br), para que sirva de fonte de
pesquisa em História da Educação em todo território brasileiro, especialmente no Sertão do
São Francisco, onde está localizada a cidade de Casa Nova – BA, berço da história oral
registrada nas linhas e entrelinhas deste trabalho.
Este produto pode ser utilizado pedagogicamente no ensino da história local,
sobretudo nas escolas estaduais e municipais da cidade de Casa Nova, para que os alunos
conheçam como era a educação entre as décadas de 1960 e 1990 e, a partir desse
conhecimento, percebam a evolução da formação dos professores leigos casanovenses. É
importante, também, que os alunos façam a leitura e conheçam as histórias contadas por
professores mais velhos, sobre as comunidades que existiam na época e hoje não existem mais
no território, como as comunidades de Poço e Canudos, que só existiram até a década de 1970
e foram submersas pela barragem de Sobradinho.
Outros aspectos importantes podem ser debatidos em sala de aula e comparados com a
realidade atual das escolas públicas, tais como: a dificuldade de se obter materiais didáticos, a
dificuldade de locomoção para chegar às escolas isoladas, a falta de móveis e materiais de
apoio para uma melhor qualidade no ensino e na aprendizagem de seus alunos e a própria
falta de condições financeiras dos pais de alunos dessas comunidades para oferecer educação
de qualidade aos seus filhos em tempos tão difíceis. Com todas essas ―faltas‖, uma grande
quantidade de crianças cursava apenas até a 4.ª primária. A partir da conclusão dessa etapa do
ensino, tornavam-se professores leigos.
102

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação investigou a trajetória de formação e profissionalização no Magistério


Primário Rural no município de Casa Nova – BA, entre as décadas de 1960 e 1990, período
em que a Escola Normal inicia no município de Casa Nova, especificamente no ano de 1961,
proporcionando, de maneira especial aos professores leigos, o curso normal. A análise se
propôs trazer ao conhecimento de toda comunidade escolar vigente a história da Educação do
município, através da historiografia de professores leigos, que contaram tudo sobre
escolarização, trajetória de formação e profissionalização, por meio da história oral.
A historiografia dos professores leigos conta que o Magistério Primário chega à
pequena cidade do Sertão do São Francisco no ano de 1961, de forma tardia em relação a
outras cidades próximas de Casa Nova – BA, tais como Petrolina – PE e Juazeiro – BA, que
são cidades polo e recebiam estudantes de diversas cidades circunvizinhas de pequeno porte e
outras localidades rurais e distritos. Esses estudantes preparavam-se para se tornar normalistas
habilitados para exercer e lecionar no Magistério Primário Rural, como professores leigos na
Escola Normal de Casa Nova.
Após a chegada do curso de Magistério Primário, a formação dos professores leigos
também aconteceu de forma lenta, pois o município era extremamente rural, onde a maioria
dos habitantes se concentrava na zona rural, sendo a cidade de pequeno porte e passando por
diversos problemas de ordem econômica e social. Desse modo, a chegada dos professores
leigos à sala de aula, para dar início à trajetória de formação e profissionalização, aconteceu
de forma gradual, devido às dificuldades que permeiam uma cidade considerada rural e isenta
de políticas públicas e governamentais para a população, de um modo geral.
As dificuldades econômicas e sociais que assolaram o município na década de 1960
são retratadas através das memórias das duas professoras entrevistadas e do professor
também, mesmo ele tendo dado início na profissão docente no meio rural, somente na década
de 1980. Em suas falas, é possível observar o papel do professor militante no sentido de
envolver-se com as causas e necessidades de seus alunos e de toda localidade rural na qual
residiam e lecionava.
Nos três depoimentos, são mencionadas as mesmas dificuldades financeiras, no que
diz respeito ao salário simbólico, que foi mencionado pela professora Maria de Lourdes, com
o valor de R$= 300,00 cruzeiros (que atualmente equivalem a R$= 10,91 – dez reais e noventa
e um centavos). Isso quando passaram a receber pelo município. Anteriormente, não existia
salário, pois as professoras leigas trabalhavam por conta do dono das fazendas, que
103

geralmente as convidavam para alfabetizar seus filhos e acabavam convidando as crianças


vizinhas para aprender também. O salário não passava de um ―agrado‖ dado a elas:
alimentação, vestimentas, calçados, casa pra morar e, de vez em quando, uns trocados para
elas visitarem suas famílias.
Quando a professora leiga era contratada pelo município, o valor era pouco, mas tinha
que dar para o seu sustento e ainda ajudar suas famílias, que viviam da agricultura em tempos
muito difíceis, pois no sertão baiano, no período em estudo, não existia nenhum sistema de
abastecimento de água na zona rural, esperavam apenas pelas chuvas. Relatam, ainda, que
tiravam do pouco que recebiam para comprar materiais escolares para os alunos e para o seu
próprio uso, pois faltavam recursos dos pais e o município pouco contribuía, era tudo muito
difícil naquela época para alunos, pais e professores.
Sobre o fato de não terem iniciado a formação no Magistério logo no início, quando a
Escola Normal chegou à cidade, os três entrevistados falam das mesmas dificuldades: a
distância das fazendas onde moravam para a cidade, a falta de recursos econômicos para se
manter na cidade, entre outros, então, segundo relato delas, como não era obrigatório ter
formação para lecionar, foram adiando o a tão sonhada formação no Magistério Primário.
Entretanto, quando iniciaram a trajetória de formação e profissionalização rumo ao Magistério
Primário, venceram os obstáculos que deixaram o processo de ingresso lento, mas não
impossível. O ganho foi visível, pois ampliaram os conhecimentos para oferecer o melhor
para seus alunos, familiares e a comunidade rural que os receberam tão bem. Assim, é
importante ressaltar que, além das dificuldades enfrentadas pelos professores leigos, existe em
comum entre os três entrevistados a docência leiga rural por vocação e o fato de que, com
perseverança, todos concluíram com sucesso suas formações e foram além, cursando
faculdade e até especializações.
As memórias de professores são fontes inesgotáveis de possibilidades investigativas.
Percebe-se que há um longo caminho a ser pesquisado com base nas memórias das
professoras leigas, como, por exemplo, alunos que moravam em um sertão árido e sofrido,
mas que tornaram-se prefeitos, desembargadores, professoras, diretoras de escola, tenentes da
polícia militar, entre outros cargos importantes que podem entrar para a história da Educação
local, educação que transformou vidas de quem viviam na seca da caatinga baiana em pessoas
bem-sucedidas. Outras investigações em História da Educação ainda podem ser realizadas
com base no currículo e na matriz curricular do curso de Magistério Primário. Uma
possibilidade de pesquisa é o levantamento do salário do professor leigo e o que dava para se
consumir com essa renda mensal.
104

É importante enfatizar que as memórias das professoras e do professor, bem como


seus acervos pessoais registrados nessa dissertação, deixam um legado histórico e documental
para as futuras gerações de pesquisadores em História da Educação, sobretudo da região
Nordeste do país, onde, nas décadas de 1960 a 1990, os professores que atuaram como leigos
no período correspondiam à maioria na região, no estado da Bahia e, por que não dizer, no
país.
105

REFERÊNCIAS

ÁVILA, V. P. S. SILVA; R. S. M; ROCHA, C.. M. P. Memórias de Professoras de Escolas


Rurais em Juazeiro-BA e Petrolina-PE (1950-1970). Revista COCAR, Belém, V.12. N.24, p.
501 a 523 – Jul./Dez. 2018. Disponível em:
<https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/1957>. Acesso em: 20 jan. 2022.

ÁVILA, V. P. S. CUSATI, I. C. NETO, R. A. Entre Impressos e Memórias: Formação e


Profissionalização Docente no Sertão do São Francisco (1950-1970). In: Desdobrando
Impressos: mulheres, Educação e história. / Organizadoras: Adriana Aparecida Pinto, Paula
Faustino Sampaio, Ana Gonçalves Sousa. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2020. Disponível em:
<https://omp.ufgd.edu.br/omp/index.php/livrosabertos/catalog/view/334/271/2730-1>. Acesso
em: 20 jan. 2022.

AZEVEDO, E. O. N. A Implantação do Curso Normal e a Formação de Professores


Primários no Município de Casa Nova - BA (1961-1977). Dissertação (Mestrado
Profissional em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e
Práticas Interdisciplinares, Universidade de Pernambuco, Petrolina, PE, 85f. 2020. Disponível
em:
<https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabal
hoConc lusao.jsf?popup=true&id_trabalho=9720636>. Acesso em: 15 fev. 2022.

ANJOS. Iracema Santos Carvalho dos. Formação e condições de trabalho do Magistério


Primário Rural no estado de Pernambuco: análise do Jornal do Professor (1955-1962).
Dissertação (Mestrado Profissional em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares, Universidade de Pernambuco,
Petrolina, PE, 85f. 2019. Disponível em:
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalh
oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=8733249 Acesso em: 23 de novembro 2022.

ANDRADE, V. S. Exercício da docência na formação de professores: identidades docentes


no município de Cansanção – BA; Jacobina – BA, 2017.

ALMEIDA, Y. Entrevista concedida a Cícera Maria Peixoto Rocha e Virgínia Pereira da


Silva de Ávila. Petrolina, 2018.

AMÂNCIO, M. H. CASTIONI, R.. Anísio Teixeira e o Plano Nacional de Educação de


1962 – qualidade social na construção da pessoa humana e da sociedade. Rev. bras.
Estud. pedagog., Brasília, v. 102, n. 262, p. 723-741, 2021.

BRASIL. Decreto-lei n° 8.530, de 2 de janeiro de 1946. Lei Orgânica do Ensino Normal.


Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-8530-2-
janeiro-1946-458443-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 23 de jul. 2022.

BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases da Educação


nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação-LDB. Brasília, DF, 1961. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4024.htm> Acesso: 23 de jul. 2022.
106

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Serviço de Estatística da Educação e Cultura.


Estatísticas da Educação nacional 1960-71.Rio de Janeiro, 1971. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692impressao.htm>. Acesso em: 28 de jul.
2022.

BRASIL. Lei nº 9.394/96 Estabelece Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996.


Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70320/65.pdf>.
Acesso em: 29 de jul. 2022.

BRASIL. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispões sobre o Fundo de Manutenção


e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista
no art. 60.§ 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, 26 dez. 1996b.

BRAGA, Ana da Rocha. Entrevista concedida a Maria do Socorro da Silva Carvalho.


Casa Nova. 2022.
BOSI, E. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

BARROS, J. A. FERREIRA, N. V. C. ―Pesquisa em história da Educação rural: professoras e


professores entre teias e contextos‖. In: CHALOBA, R. F. S. FILHO, M. C. MESQUITA, I.
M. História e Memória da Educação Rural no século XX. 1.ed. – São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2020, p. 440-491. Disponível em:
<https://www.culturaacademica.com.br/catalogo/historia-e-memoria-da-educacao-rural-no-
seculo-xx>. Acesso em: 18 jun. 2021.

BONIFACIO, G. H. A profissionalização do Docente Masculino da Educação Infantil.


Dissertação de mestrado UFSCar. São Paulo, 2019.

BOAVENTURA, E. M. Problemas da Educação baiana. Salvador: Gráfica Universitária,


1977.

CERVO, A. L. BERVIAN, P. A. SILVA, R. Metodologia Científica. 6. Ed. São Paulo:


Pearson Prentice Hall, 2007.

CHALOBA, R. F. S. FILHO, M. C.. MESQUITA, I. M.. História e Memória da Educação


Rural no século XX. 1.ed. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2020. Disponível em:
<https://www.culturaacademica.com.br/catalogo/historia-e-memoria-da-educacao-rural-no-
seculo-xx> Acesso em: 16 de out. 2021.

FARIA, A. H. TRAJETÓRIAS DOCENTES: Memórias de professores homens que


atuaram com crianças no interior de Mato Grosso do Sul (1962-2007). Dissertação de
mestrado. UFGD.2018. Disponível em:
<https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabal
hoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=6361437>. Acesso em: 03 fev 2023.

FONSECA, J. J. S. Metodologia da Pesquisa científica. Fortaleza, UEC, 2002. Apostila.


Disponível em:
<https://www.academia.edu/10355146/M%C3%A9todos_de_pesquisa_Gerhardt_e_Silveira>.
Acesso em: 19 jan. de 2023.
107

GONÇALVES, M. C. ―Eu era professora, era catequista, era enfermeira, eu era tudo!‖: a
profissão docente no meio rural piauiense (1971 – 1989). 198f. Tese (Doutorado em
Educação). Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Federal do Piauí,
Teresina, 2015
Disponível em:
<https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/06_TESE_FINAL_Marli20190705092251
.pdf>. Acesso: 10 mai. 2022.

GERHARDT. T. E. SILVEIRA. D. T. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora UFRGS,


2009. Disponível em:
<https://www.academia.edu/10355146/M%C3%A9todos_de_pesquisa_Gerhardt_e_Silveira>.
Acesso em: 19 nov. 2021.

JOUTARD, P. Desafios à História Oral do Século XXI. Ferreira, Marieta de Moraes (org.)
História oral: desafios para o século XXI. / Organizado por Marieta de Moraes Ferreira, Tania
Maria Fernandes e Verena Alberti. — Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz
/ CPDOC - Fundação Getulio Vargas, 2000.

KRAMER, S. Alfabetização. Leitura e escrita: formação de professores em curso. São


Paulo: Ática, 2001.

LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Unicamp, 1990.

LE GOFF, J. História e memória. Tradução: Bernardo Leitão, et al. 2.ed. Campinas:


UNICAMP, 1994.

LE GOFF, J. História e memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012.

LEITE, Kamila Cristina Evaristo. Memórias de professoras de escolas rurais (Rio Claro – SP,
1950 A 1992). Dissertação de mestrado UNESP, São Paulo 2018. Disponível em:
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalh
oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=6277672 Acesso em: 23 de novembro de 2022.

MINAYO, M.. C. S. (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 18 ed.


Petrópolis: Vozes, 2001. Disponível em:
<http://www.faed.udesc.br/arquivos/id_submenu/1428/minayo__2001.pdf>. Acesso em: 22
nov. de 2021.

MEIHY. J. C. S. B. Desafios da história oral Latino-Americana: O caso do Brasil.


Ferreira, Marieta de Moraes (org.) História oral: desafios para o século XXI. / Organizado por
Marieta de Moraes Ferreira, Tania Maria Fernandes e Verena Alberti. — Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getúlio Vargas, 2000.

MEIHY. J. C. S. B. OS NOVOS RUMOS DA HISTÓRIA ORAL: O CASO


BRASILEIRO. Revista de História Oral 155 (2ª – 2006) 191 – 203. São Paulo, 2006.

MONTENEGRO, A. T. C., E. V. S. Fagno da Silva (Org). HISTÓRIA ORAL ENTRE


REFLEXÕES E MEMÓRIAS: Revisitando o percurso de Antônio Torres Montenegro e
suas trilhas metodológicas do fazer historiográfico. Vol. 2, Revista Observatório, Especial 1,
maio. 2016. Disponível em:
108

<file:///C:/Users/socor/Downloads/2126-Texto%20do%20artigo-11703-1-10-20160530.pdf>.
Acesso em: 29 de jun. de 2022.

MOGARRO, M. J. Arquivos e Educação: a Construção da Memória Educativa. Sísifo /


Revista de Ciências da Educação, n.1, 1 set / dez, 2006.

MOGARRO, M. J. Memórias de Professores Discursos orais sobre a formação e a


profissão. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 17, p. 7-31, abr. 2005.

Mogarro, M. J. Arquivo e Educação. A construção da memória educativa. Sísifo. Revista


de Ciências da Educação, 1, pp. 71-84, 2006. Disponível em: <http://sisifo.fpce.ul.pt>. Acesso
em: 16 de janeiro de 2023.

MOGARRO, M. J. ALDA, N. Educação e Patrimônio Cultural: Escolas, objetos, práticas


perspectivas multidisciplinares sobre a cultura material. Edições Colibri, Lisboa, p. 9-44.
2015.

NÓVOA, A.. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profissão


docente. Teoria e Educação, Porto Alegre, n.º 4, p. 109-139, 1991.

NÓVOA, A. - Formação de professores e profissão docente. Lisboa : Dom Quixote, 1992.


Disponível em: <https://repositorio.ul.pt/handle/10451/4758> Acesso em: 08 de agosto 2022.

OLIVEIRA. V. F. Educação, memória e história de vida: usos da história oral. In:


HISTÓRIA ORAL: Revista da Associação Brasileira de História Oral, v.8, n. 1, jan-jun. São
Paulo, 2005.

OLIVEIRA, Cosme de. Entrevista concedida a Maria do Socorro da Silva Carvalho. Casa
Nova. 2022.

OLINDA. E. M. B. Artes do Fazer: Trajetória de vida e formação. Edições UFC, Fortaleza,


2010.

OLIVEIRA. V. F. Educação, memória e história de vida: usos da história oral. In: HISTÓRIA
ORAL: Revista da Associação Brasileira de História Oral, v.8, n. 1, jan-jun. São Paulo,
2005.

PRAVATO, C. M. Projeto Rondon e Ensino no Brasil: construção de uma aliança entre


conhecimento empírico e científico Universidade Salgado de Oliveira - Universo/Juiz de
Fora. 2007. Disponível em: <http://bocc.ubi.pt/pag/pravato-camila-projecto-rondon-e-ensino-
no-brasil.pdf>. Acesso em: 17 de agosto de 2022.

PORTELLI, A. Memória e Diálogo: Desafios da História para a Ideologia do Século XXI.


Ferreira, Marieta de Moraes (org.) História oral: desafios para o século XXI. / Organizado por
Marieta de Moraes Ferreira, Tania Maria Fernandes e Verena Alberti. — Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getulio Vargas, 2000.

ROSA, J. G. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.


109

RIBEIRO. S. L. S. APRESENTAÇÃO: Dossiê ―História Oral e Memória‖ História oral e a


consolidação de um campo de pesquisa. Revista Outras Fronteiras, Cuiabá-MT, vol. 3, n. 1,
jan/jun., 2016.

SILVA. Marineide de Oliveira da. Escola rural em Mato Grosso: de professor leigo a sábio
(1945-1965). UEPJMF, 2018.
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalh
oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=6241736 Acesso em: 17 de novembro de 2022.

SERRA, A. E. BARRETO, R. A. D. N.. A formação de professores rurais no Brasil (1940-


1970): O que as memórias revelam. In: CHALOBA, Rosa Fátima de Souza (Org). História e
Memória da Educação Rural no século XX. 1.ed. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2020, p.
400-439. Disponível em: <https://www.culturaacademica.com.br/catalogo/historia-e-
memoria-da-educacao-rural-no-seculo-xx>. Acesso em: 18 jun. 2021.

SCHELBAUER, A. R. SOUZA, J. E. Atuação docente no meio rural: Cultura e práticas


escolares. In: CHALOBA, Rosa Fátima de Souza (Org). História e Memória da Educação
Rural no século XX. 1.ed. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2020, p. 363-398. Disponível
em: <https://www.culturaacademica.com.br/catalogo/historia-e-memoria-da-educacao-rural-
no-seculo-xx/>. Acesso em: 18 de jun. 2021.

THOMSON, A. Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional da história oral.


Ferreira, Marieta de Moraes (org.) História oral: desafios para o século XXI. / Organizado por
Marieta de Moraes Ferreira, Tania Maria Fernandes e Verena Alberti. — Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getulio Vargas, 2000.

XAVIER, Maria de Lourdes Lopes da Silva. Entrevista concedida a Maria do Socorro da


Silva Carvalho. Casa Nova. 2022.

ZAMFERRARI, J. G. Histórias e Memórias de Professoras Rurais do Município de


Maringá – PR (1951-1982). Dissertação. Universidade Estadual de Maringá, 2020.
Disponível em:
<https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabal
hoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=8970335> Acesso em: 05 de setembro 2022.
110

ANEXOS
111

Os anexos compreendem a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética-CISAM/UPE, em 9 de dezembro de


2021. Parecer n.º 5.177.797
112
113
114
115
116
117
118
119

APÊNDICES
120

Os apêndices compreendem ao roteiro elaborado para a realização das entrevistas, ao


termo de consentimento livre e esclarecido com as assinaturas dos professores entrevistados
autorizando as suas participações por meio das memórias e acervos pessoais e ao termo de
concessão também com as assinaturas dos entrevistados autorizando o uso de suas imagens,
tais como: fotografias e documentos de seus acervos pessoais. Os documentos foram
elaborados de acordo com a Resolução 466/2012 CN5/CONEP.

TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO


PRIMÁRIO RURAL DO MUNICÍPIO DE CASA NOVA – BA (1960-1990)

Tipo de entrevista: história oral considerando as lembranças


Entrevistadora: Maria do Socorro da Silva Carvalho
Levantamento de dados: história oral e documental de acervo pessoal
Pesquisa e elaboração de roteiro:
Técnico de edição:
Duração:
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Dados de identificação: ___________________________________
Nome completo: _________________________________________
Nome fictício: __________________________________________
Data de nascimento:______________________________________
Local de nascimento: _____________________________________
Local onde vive hoje: _____________________________________
Local de realização da entrevista: Residência
Data de realização da entrevista: ____/___/______

Resposta da entrevistada:

Como foi sua infância? E o período de adolescência? E a vida familiar?


1. Formação
1.2 Qual foi o motivo da sua escolha para exercer a carreira docente?
1.3 Quando iniciou a atividade docente, qual era sua formação escolar
1.4 Qual foi a sua trajetória de formação para o Magistério?
1.5 A sua formação inicial auxiliou na prática docente para o Magistério Rural?
1.6 Fez curso de ―capacitação‖ ou ―aperfeiçoamento‖ para atender o Magistério no meio
rural? Se sim, fez estágios? Entregou relatórios durante o curso? Pessoas de outros estados
ou países foram professores nesses cursos? Quais os principais aspectos abordados? E os
materiais didáticos, como eram? E as aulas práticas, onde e como eram ministradas?
1.7 Se não fez qualquer curso, como se tornou professora de uma escola rural? Quais são suas
experiências formativas?
2 Magistério Rural
2.2 Conte como iniciou no Magistério e no Magistério Rural.
2.3 Em qual(ais) escolas rurais você trabalhou durante o exercício do Magistério?
121

2.4 Em que período exerceu a sua carreira docente? Deste tempo. quantos anos foram
dedicados à zona rural?
2.5 Relate sobre as condições de trabalho na zona rural (salário, instrumentos de trabalho,
documentação escolar, material didático, mobiliário etc.).
2.6 Você residia na cidade ou na fazenda onde lecionava?
2.7 Se na fazenda, onde morava?
2.8 Como fazia para chegar à escola? Havia algum tipo de incentivo financeiro ou de
transporte?
2.9 Houve a oferta de moradia e mobília para residir na escola? Permaneceu na escola rural
até aposentar-se?
3 Formação em serviço
3.2 Vocês professoras da zona rural tinham formação em serviço?
3.3 Se sim, conte como eram essas formações em serviço. Em qual(ais) locais aconteciam?
Quem oferecia? Era obrigatório, valia como pontuação para o concurso de remoção?
3.4 Como eram as reuniões pedagógicas? Quais eram as recomendações dos inspetores de
ensino/supervisores pedagógicos?
3.5 Os inspetores de ensino/supervisores pedagógicos realizavam visitas regulares às escolas
isoladas? Como eram as visitas?
3.6 Que relação você via entre a formação recebida e a escola em que atuava?
4 Práticas docentes
4.2 Como você desenvolvia as atividades pedagógicas nas escolas isoladas rurais?
4.3 Seguia algum material específico? O que era ensinado?
4.4 Quais informações pode dar sobre os alunos das escolas isoladas (condições
socioeconômicas, disciplina, interesse nas aulas, etc.)?
4.5 Como era a relação entre professor e aluno?
4.6 Quantos alunos havia por sala?
4.7 Como eram divididos os alunos? E a depender dessa divisão, como eram ministrados os
conteúdos?
4.8 Ao considerar que uma escola rural tem características especificas, dentre elas o cultivo de
hortaliças ou mesmo os cuidados com animais a exemplo de galinha, ovelha, porco, como
eram ministrados esses assuntos? Havia técnicos que auxiliavam? E os materiais, como
chegavam à escola?
4.9 E as escolas, como eram fisicamente?
4.10 Como era a sua relação com outras professoras que também ministravam aulas em
escolas rurais?
4.11 Como era ser a única professora da escola? Como registrava as aulas e a frequência
dos alunos?
4.12 Como você planejava suas atividades? Com que frequência?
Que informações você devia enviar para a secretaria ou órgãos municipais de Educação?

5 Relação do(a) professor(a) com o meio rural


5.1 Qual era a sua relação com o entorno da escola em que lecionava? Com a família
dos alunos, a comunidade e com os próprios alunos?
5.2 Participava de comemorações, festas e atividades realizadas na comunidade? Em
que situações você era chamada para ajudar/opinar/participar?
5.3 Relate alguma experiência vivida na escola rural em que trabalhou.
122
123
124
125
126
127
128
129
130

Você também pode gostar