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DADOS DE ODINRIGHT

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O Jogo das Bruxas
BRUXAS DE NOVA YORK, LIVRO DOIS

KIM RICHARDSON
Este livro é uma obra de ficção. Todas as referências a eventos históricos, pessoas ou locais reais

são usadas ficticiamente. Outros nomes, personagens, lugares e incidentes são produto da

imaginação do autor, e qualquer semelhança com eventos, locais ou pessoas reais, vivas ou

mortas, é inteiramente coincidência.

O Jogo das Bruxas, Bruxas de Nova York, Livro Dois

Direitos autorais © 2023 por Kim Richardson

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução

no todo ou em qualquer forma.

www. kimrichardsonbooks.com
Contents

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Contos de uma bruxa

Mais Livros De Kim Richardson

Sobre A Autora
Capítulo 1

E u não vi nem ouvi falar de Valen desde que removemos a maldição

de Jimmy e o colocamos de volta em seu corpo humano. Isso foi há

cinco dias. Talvez o gigante estivesse me evitando. Talvez ele tenha se

arrependido do beijo que me deu. Só de pensar no beijo, sentia uma

onda de calor em minhas partes íntimas. Mas isso não me impediu de

fazer uma pequena pesquisa.

Passei dias navegando em todos os links do Google, tentando

decifrar o mito, porque às vezes os contos de fadas escondiam um pouco

da verdade. Eu não queria deixar nada passar em branco. Todos nós já

tínhamos ouvido histórias e visto filmes sobre vampiros e lobisomens, e

eles eram tão reais quanto nós. Então, por que não os gigantes?

Mesmo assim, não consegui encontrar muita coisa sobre os gigantes.

Eu havia descoberto na mitologia humana que os gigantes eram

descritos como monstros idiotas e violentos, que às vezes comiam

humanos. Isso não era nem um pouco parecido com Valen.

Sim, ele era violento. Eu tinha visto isso com meus próprios olhos.

Mas isso era porque ele estava protegendo a mim e aos outros de

demônios que queriam nos devorar. Ele se descreveu como um protetor,

um sentinela. Portanto, as informações na Internet eram inúteis, apesar

dos meus melhores esforços.

Cheguei a pesquisar o banco de dados do sistema central dos

Merlins e fiquei seriamente desapontada quando não encontrei nada. Foi

somente quando liguei para o Conselho das Sombras e falei com uma
das secretárias pedindo permissão para consultar seus arquivos de

cidade de Nova York é que encontrei algo de real valor.

– Você pode me indicar a direção dos gigantes? Eu gostaria de ver

tudo o que você tem sobre eles – eu disse a um velho carrancudo, que há

muitos anos perdera os cabelos, enquanto ele estava sentado na recepção

da biblioteca de arquivos.

– Gigantes? – ele repetiu, como se eu fosse uma pateta.

– Foi o que eu disse. Gigantes – repeti, mais alto do que o

necessário.

– Por quê? Os gigantes estão extintos há centenas de anos. Receio

que alguém esteja levando você a uma caça aos fantasmas.

Ele estava errado, mas pelo menos sabia que eles eram reais.

– Então, para onde devo ir?

Embora o velho guarda-livros achasse que eu estava louca, no final,

ele me levou a uma seção restrita e me entregou um único e fino volume.

– Aqui – disse ele. – É o único material que temos sobre os gigantes.

Escrito pelo próprio Theodore Paine, chefe da corte das bruxas brancas

na época.

Eu nunca tinha ouvido falar de Theodore Paine, mas o volume

datava de trezentos anos. Parecia ser uma espécie de diário, descrevendo

sua própria experiência com um gigante chamado Otar.

Pelos registros dele, eu soube que ambos os pais não precisavam ser

gigantes para gerar uma prole de gigantes. Interessante. As mulheres

gigantes geralmente eram estéreis, a maioria sofria abortos espontâneos

quando engravidavam. Eu soube desses fatos porque, aparentemente, o

Conselho das Sombras havia tentado criar um exército de gigantes para

protegê-los. No entanto, segundo os registros, isso não tinha dado muito

certo e muitos bebês haviam morrido.

E, como nós, os gigantes tinham sangue de demônio. Eles eram

descendentes de um demônio chamado Gigas, descrito como sendo tão

grande como uma casa, embora os gigantes fossem consideravelmente

menores.

Incomparáveis em sua força, os gigantes também possuíam

habilidades de cura. Eu acreditei nisso depois entrei em contato com a

pele de Valen, enquanto cavalgava em seu ombro, e isso resultou na cura

dos meus ferimentos. Isso apenas validou minha teoria.


Não consegui encontrar nada sobre os feitiços dos gigante ou outras

habilidades, mas eu também as havia experimentado.

Após minha descoberta nos arquivos, decidi adotar uma abordagem

mais prática em minha pesquisa.

Decidi seguir Valen.

Sim. Eu era uma stalker total. Nas últimas três noites seguidas, eu

havia esperado no telhado do Twilight Hotel por volta da meia-noite.

Nas três noites, eu tinha visto Valen tirando a roupa no beco entre o

restaurante e o hotel. Então, com um lampejo de luz, ele se transformou

em um magnífico gigante, todo nu, todo glorioso e com tudo muito

grande.

Eu queria ver o que ele fazia sem acompanhá-lo de perto, como

naquela noite em que me sentei em seu ombro. A princípio, foi fácil

segui-lo. Eu me misturei às multidões de Manhattan, a população

humana nem imaginava que havia um gigante passeando entre eles e

protegendo-os, enquanto eu o seguia pelas ruas.

Mas quando Valen saltou para o telhado de um prédio, eu não pude

segui-lo. Se eu pudesse voar, eu o teria feito, mas não tinha uma

vassoura voadora ou feitiços mágicos de levitação. Eu não era esse tipo

de bruxa. Alguns aspectos mágicos estavam fora do alcance de uma

bruxa Estelar.

Meu corpo se aqueceu com a lembrança do beijo que

compartilhamos há alguns dias. Foi apenas um beijo, mas meu corpo

reagiu como se tínhamos nos atracado mais de uma vez.

– Terra para Leana?

– Hum? – Virei-me e encontrei Jade ao meu lado no saguão do

hotel, com seu cabelo loiro penteado parecendo uma colmeia. Brincos

de plástico cor-de-rosa estavam pendurados em suas orelhas, roçando a

jaqueta jeans. Ela não estava com seus patins hoje. Em vez disso, optou

por um All Star preto e branco.

Logo acima dela, na entrada do saguão, havia uma placa dizendo:

SEMANA DO CASSINO DO TWILIGHT HOTEL.

Após lidar com as Fendas e os demônios, os hóspedes evitaram o

Twilight Hotel como se fosse uma praga. A notícia das mortes havia se

espalhado e, embora tivéssemos resolvido o problema, o hotel estava


com apenas um quarto da capacidade, sendo bem otimista. Parecia

menos do que isso.

Basil teve a ideia de realizar um evento de cassino para atrair mais

hóspedes para o hotel e, assim, manter seu emprego. O lobby e as salas

de conferência foram transformados em salas de jogos com mesas de

blackjack, bacará, roleta, pôquer e muito mais máquinas caça-níqueis do

que o necessário.

Avistei Errol em um terno azul de três peças caro, com sua pele

pálida praticamente translúcida. Ele estava fixando uma placa de chão

em formato de A ao lado do balcão da recepção, onde estava escrito:

'SUBSTITUIÇÃO DE FICHAS DO CASSINO - SEM REEMBOLSO!

Ele me viu olhando e lançou um olhar de desdém em minha direção.

Com sua aparência angular e movimentos bruscos, ele realmente parecia

um lagarto, agora que eu sabia seu animal metamorfo.

Hoje era o primeiro dia da Semana do Cassino e, até agora, apenas

três hóspedes estavam sentados em uma mesa de blackjack no saguão.

Duas mulheres estavam aninhadas ao lado de Julian, que me viu olhando

e me deu um sorriso do tipo “você sabe que eu vou me dar bem hoje à

noite”. O outro era um bruxo idoso que não parava de bater com a

bengala em uma das máquinas caça-níqueis. Acho que ele não conseguia

fazer mágica para ganhar.

Errol arrastou outra placa de chão em formato de A pelo saguão e a

colocou na entrada. Nessa placa estava escrito: NÃO É PERMITIDO O

USO DE MÁGICA NOS JOGOS. OS TRAPACEIROS SERÃO

AMALDIÇOADOS E REMOVIDOS.

Na verdade, um grupo de bruxos e feiticeiros muito poderosos tinha

vindo hoje de manhã para colocar proteções e feitiços especiais para

impedir que os praticantes de magia trapaceiem. Eles poderiam até

tentar, mas acabariam com urticária ou verrugas, a decisão era deles.

Pareceu-me aceitável, se ao menos tivéssemos mais hóspedes.

– Você está com a cabeça totalmente nas nuvens – disse Jade, voltei

minha atenção para ela e vi seu sorriso. – Eu adoraria saber o que você

está pensando. É algo pervertido? Aposto que é pervertido. É, não é?

Sim. Sim. Sim.

– Não. Estou apenas… pensando em coisas aleatórias.

Jade riu.
– Claro, aposto que você está pensando em um certo gigante –

acrescentou ela com um sussurro.

Que droga de percepção.

– Ele pode ter cruzado meus pensamentos.

Nós cinco, incluindo Jimmy, juramos não contar a ninguém sobre o

fato de Valen ser um gigante. O cara não havia compartilhado sua

verdadeira natureza com ninguém além dos donos do hotel e Basil, e só

havia se revelado a nós para nos salvar. Decidimos respeitar isso e

guardar seu segredo.

– A propósito, onde ele está?

– Quem?

Jade revirou os olhos.

– Valen. Você sabe, o dono do restaurante que não é mais tão mal-

humorado desde que vocês se tornaram íntimos?

Dei de ombros.

– Não faço ideia. Não o vejo há algum tempo – Mentira total. Eu o

tinha visto ontem à noite.

A maneira como Jade me encarava dizia que ela não acreditava em

uma única palavra que saísse da minha boca.

– Bem, acho que você o mudou.

Meu pulso acelerou.

– Como assim?

Jade tentou afastar uma mecha, mas quando ela tocou a lateral do

cabelo, todo ele se mexeu, como se estivesse supercolado.

– Ele não está mais tão mal-humorado. Você não notou? Ele não está

sorrindo nem fazendo nenhuma loucura, mas está… mais simpático.

Muito mais simpático. E acho que isso se deve a você.

Fiz uma careta.

– Não, não é. Eu mal conheço o cara. Por que eu teria algum efeito

sobre ele? – Mas suas palavras fizeram meu pulso acelerar, e senti um

calor no meu estômago.

– Você sabe porque – disse Jade. – Ele está diferente agora. Você

causou um impacto significativo nele. Eu sei.

– O que você sabe? – perguntou uma voz feminina.

Nós nos viramos para ver Elsa se juntando a nós. Seus cabelos

ruivos cacheados e bagunçados roçavam sua blusa laranja-escura.


Enquanto ela caminhava, seus tamancos verdes apareciam por baixo de

sua saia longa azul-marinho.

– Que Valen gosta de Leana – respondeu Jade com um sorriso.

– Eu poderia ter dito isso a você – respondeu a bruxa mais velha,

sorrindo, com os olhos azuis cheios de pés de galinha. – Ele a deseja.

O calor subiu ao meu rosto.

– Acho que não. Além disso, acho que ele ainda não superou a morte

da esposa. Não que ele deva superar. Quero dizer, se eu amasse alguém

profundamente e essa pessoa fosse tirada de mim cedo demais por uma

doença horrível, eu provavelmente também não a esqueceria – Não. Isso

só me fazia gostar ainda mais dele.

Elsa bateu em meu braço com mais força do que o necessário.

– Não fale assim. Ninguém merece ficar sozinho. Tenho certeza de

que a esposa dele não gostaria que ele ficasse sozinho. É possível amar

novamente, sabia. Podemos ter mais de um amor na vida.

– Diz a bruxa que mantém os cabelos do marido morto perto do

pescoço – disse Jade, olhando para o pingente vintage pendurado no

pescoço de Elsa.

Elsa se enrijeceu e pegou seu pingente.

– Isso é diferente. Eu escolho ficar sozinha. Cedric foi meu primeiro

e único amor verdadeiro, e sei em meu coração que nunca amarei

novamente. E não me importo com isso. Não me arrependo de nada.

Estou perfeitamente satisfeita. Sinto-me sortuda por ter tido um grande

amor. Nem todo mundo pode dizer isso. E eu não preciso de outro.

– Você tem muita sorte – eu disse a ela, sinceramente.

Elsa colocou as mãos em volta do pingente.

– Eu sei. Sou uma das poucas sortudas.

Eu não precisava de um grande amor, ou de um homem, para me

sentir feliz, mas ter vivido um grande amor como Elsa vivenciou me

pareceu incrível. No entanto, nem todo mundo tinha tanta sorte. Eu me

casei com um homem que tentou me matar em um beco só porque eu

tinha quebrado o pênis dele. Essa era a minha sorte.

Eu não tinha visto ou ouvido falar de Martin desde então, e esperava

que ele tivesse recebido a mensagem “vou quebrar sua cara se você

chegar perto dela novamente” de Valen.


Eu tinha visto algo sombrio nos olhos de Martin naquele dia, minha

visão estava embaçada, mas eu vi. Talvez tenha sido mais uma sensação,

um instinto, que me disse que ele não deixaria isso passar.

Um homem pequeno, com um tufo de cabelo branco e uma barba

branca combinando, entrou em meu campo de visão. Seu terno escuro

lhe servia perfeitamente, e sua pele pálida típica estava vermelha.

Basil, o gerente do hotel, veio em nossa direção, com os olhos

arregalados sob os óculos.

– O que você está fazendo? Você deveria estar cumprimentando os

hóspedes, não conversando com suas amigas.

Ele ajeitou os óculos redondos no nariz e seus dedos tremeram

levemente. O cheiro de pinheiro e terra me atingiu, junto com a sensação

de energia conhecida.

Sua magia estava em modo total, como se estivesse vazando dele.

Isso acontecia quando os bruxos estavam chateados ou em uma batalha.

O cara estava estressado.

– Você me disse para estar no saguão à uma da tarde e aqui estou eu

– eu disse ao bruxinho. – Eu cumprimentaria os convidados se houvesse

convidados de fato. O que mais você quer?

– O hotel está pagando você – disse Basil, olhando para a porta de

entrada principal atrás de mim. – Você é uma funcionária e seu trabalho

é receber os hóspedes. Ah! Lá vêm eles agora!

Me virei para ver um casal de meia-idade, vestido com roupas caras

e com olhares idênticos de desdém, entrando pela porta da frente, seus

olhos percorreram as mesas de jogos.

Basil me agarrou pelo braço com uma força que me surpreendeu,

pelo seu tamanho, e me arrastou com ele.

– Olá, olá! Sejam bem-vindos, sejam bem-vindos! – disse Basil, com

a voz alta ao se dirigir aos novos convidados. – Bem-vindos à Noite do

Cassino. Temos tudo o que você poderia desejar. Temos salas de jogos

temáticas, dados, blackjack, mesas de roleta e máquinas caça-níqueis.

O casal olhava para Basil como se o considerasse louco. Ele parecia

um pouco louco, se não muito desesperado.

Quando seus olhos preocupados passaram pelo saguão, Basil disse:

– Esta é Leana, a Merlin do hotel – Ele me empurrou para a frente

enquanto eu lhes dava um sorriso desajeitado. – Ela derrotou sozinha o


demônio que havia se instalado no hotel.

Notei como ele disse “demônio”, como se houvesse apenas um.

– Ela é a bruxa Estelar de quem todos estão falando. Diga olá,

Leana.

– Olá, sou Leana – eu disse, sentindo-me como um Labrador de

estimação.

O casal pareceu ficar mais relaxado com a notícia, embora eu não

tivesse certeza se gostei do fato dele ter me usado na esperança de fazer

os convidados relaxarem e ficarem. Não gostei especialmente da parte

em que ele revelou meus atributos mágicos. Não foi legal.

– Deixe-me acomodar vocês – Basil conduziu o novo casal até a

recepção, onde Errol aguardava, enojado.

– Você se sente suja? – perguntou Jade ao se juntar a mim.

– Não, por quê?

– Por ser usada dessa forma? – acrescentou ela com um sorriso. –

Ele está exibindo você para os convidados. Você sabe disso, né?

– Deixe-a em paz – disse Elsa, de pé com as mãos nos quadris,

observando Basil com o cenho franzido. Acho que ela também não

gostou.

– Ah, lá está Jimmy – Jade fez um gesto para a sala de conferências,

que agora era uma sala de jogos, de onde Jimmy saiu. Ele usava um

terno escuro em seu corpo magro. Seus cabelos claros estavam mais

curtos do que antes, o que me indicava que ele havia cortado o cabelo.

Ele sorriu para os convidados, com as costas retas, enquanto caminhava

com um andar confiante e agradável.

– Ele parece estar gostando do seu novo cargo – eu disse. – O cargo

de gerente assistente combina com ele. Ele conhece o hotel melhor do

que Basil, por isso ele é perfeito para a função – O cargo foi aberto

depois que o falecido gerente assistente, Raymond, foi morto… ou

melhor, caiu em uma Fenda e, provavelmente, foi morto pelas centenas

de demônios que esperavam do outro lado. Jimmy não perdeu um

segundo sequer e pediu o emprego, que Basil lhe deu com prazer.

Depois que a maldição foi removida, Jimmy ficou com um dos

apartamentos vagos que antes pertenciam a uma das famílias, que não

retornou ao décimo terceiro andar após os ataques dos demônios. Com

sua própria casa e um novo emprego, nosso Jimmy parecia completo.


– Ele parece muito feliz – disse Elsa. – Mas sinto falta do cão de

brinquedo. Ele era tão bonitinho.

Eu ri.

– Ele era, mas não diga isso a ele.

– Ele está ótimo. Não é? – disse Jade com uma expressão estranha e

sonhadora no rosto, como se estivesse olhando para o Jon Bon Jovi.

– Ele está – Acenei com a cabeça. – E parece que ele está vindo em

nossa direção.

O rosto de Jimmy estava radiante quando ele olhou para todos nós.

– Senhoras – disse ele, e o rosto de Jade ficou vermelho.

Parecia que Jade estava desenvolvendo uma paixão por ele. Mordi a

parte interna da bochecha para não rir.

– Gerente assistente – provoquei, inclinando a cabeça.

Jimmy riu enquanto batia em seu crachá.

– Parece que sim.

– Sim. É o trabalho perfeito para você – Basil não poderia ter

encontrado um assistente mais disposto e perfeito – Você está

procurando alguém?

Jimmy assentiu com a cabeça.

– Sim. Você, na verdade. Isso acabou de chegar – Ele me entregou

um pequeno envelope branco.

Eu o peguei.

– De quem é?

– Do Conselho das Sombras – ele respondeu quando bati olhos no

envelope.

Conselho das Sombras? Eu nunca havia recebido uma carta deles

antes. Por que eles me mandariam uma carta se podiam me contatar por

telefone? Eu não tinha certeza de como me sentia em relação a isso.

Elsa cruzou os braços.

– Nunca vou entender por que eles não podem entrar em contato

com as pessoas por e-mail como todo mundo. Eles ainda estão na Idade

da Pedra. O que será que eles querem?

– Talvez você seja promovida! – disse Jade, com entusiasmo. – Ou

talvez seja um grande bônus. E você poderá finalmente comprar aquele

carro que queria.

Balancei a cabeça.
– Não. O hotel me paga, não o conselho – Abri o envelope, odiando

minhas mãos trêmulas, e respirei fundo enquanto lia a carta.

Prezada Leana Fairchild,

Esta carta é para informar que estaremos investigando um assunto que

diz respeito a você, pois foi feita uma reclamação sobre sua conduta.

Podemos mudar ou acrescentar algo a essas preocupações à luz de

nossa investigação. Levamos todas as reclamações a sério e as

investigaremos de forma completa e justa. Após a investigação, será

tomada uma decisão sobre a necessidade de outras medidas (incluindo

medidas disciplinares).

Você deve cooperar com nossas investigações e responder a todas as

perguntas. Marcaremos um horário para nos reunirmos com você e lhe

daremos uma oportunidade completa de fornecer sua versão dos

eventos.

Atenciosamente,

Clive Vespertine

Conselho das Sombras

– O que está dizendo? – perguntou Jade. – Você parece pálida, como

se estivesse prestes a vomitar.

Coloquei a carta de volta no envelope.

– Vai haver uma investigação. Alguém fez uma reclamação sobre

mim. E aposto que sei quem foi.

– Quem? – Jimmy me observava com a testa franzida.

– A única pessoa que irritei ultimamente cujo traseiro está no

conselho das bruxas brancas – eu disse a eles, meu coração batia forte

enquanto a raiva me dominava.

– Adele? – O rosto de Elsa se contorceu de horror. – Você acha?

Você acha que ela faria isso?

Assenti com a cabeça.

– Eu acho. Foi ela. Para o Conselho das Sombras abrir uma

investigação sobre alguém, isso significa que essa pessoa deve ter algum

poder e influência. Os Merlins estão sempre falando mal uns dos outros,

faz parte do trabalho, mas não procuramos arruinar os outros. E


mantemos nossos problemas dentro do grupo Merlin. Nunca vamos

chorar para o Conselho das Sombras.

Eu sabia que Adele não gostava de mim e estava irritada porque,

com a ajuda dos meus amigos, conseguimos salvar o hotel e expor seus

planos psicóticos. Essa era sua vingança.

– Ok, e agora? – perguntou Jimmy. – Você não fez nada de errado.

Podemos atestar isso para o investigador. Sabemos o que aconteceu.

– É fácil distorcer a verdade – eu disse a eles. – Ela poderia ter dito a

eles que coloquei a vida de todos em perigo quando me recusei a ajudá-

la a forçar as pessoas a saírem do hotel quando eu sabia que havia

demônios. Ela poderia fazer parecer que fui responsável por algumas das

mortes, alegando que eu deveria ter agido mais cedo. Ela pode fazer com

que pareça horrível.

Elsa balançava a cabeça.

– Então, o que você quer dizer com isso?

Soltei um suspiro.

– Isso significa que, se eu for considerada culpada de qualquer

acusação forjada, ou se eles acharem que fiz algo errado, então…

então… perderei minha licença e meu emprego. Perderei tudo.


Capítulo 2

A pós passar o resto do dia me forçando a sorrir ao receber os

convidados, o que foi apenas alguns, eu voltei para o meu

apartamento. Minha raiva me consumia e eu queria socar alguma coisa,

de preferência o rosto de Adele. Apesar de Errol me lançar olhares

petulantes e me corrigir quando eu explicava a configuração da mesa de

jogos, eu aceitei sua cara feia.

Eu estava irritada, e Basil finalmente me disse para ir embora por

volta das 19 horas.

– Parece que você precisa de um descanso, vá descansar. Mas espero

que volte hoje à noite. Mais convidados virão mais tarde. Você verá.

Será como nos velhos tempos. Teremos que recusar os hóspedes!

Ele ficou tão feliz com a ideia que não tive coragem de lhe dizer que

duvidava disso. A Semana do Cassino foi uma ótima ideia. Eu só não

achava que a comunidade paranormal esqueceria facilmente o que havia

acontecido aqui. Muitos rumores maldosos estavam circulando, um

deles em particular, era que os demônios ainda estavam no hotel e que a

gerência havia mentido para manter seus empregos e o hotel aberto. E,

bem, parecia que isso estava afastando os hóspedes.

Eu andava de um lado para o outro em meu apartamento, apertando

e abrindo os dedos enquanto um profundo pavor apertava meu

estômago. Se eu perdesse minha licença de Merlin, perderia meu cargo

aqui. Eu gostava de morar aqui. Gostava das pessoas. Eles pareciam uma

família, e eu não queria perdê-los.


Se Adele queria que eu fosse demitida, ela estava usando todas as

suas cartas para que isso acontecesse. Claro, ela poderia tirar minha

licença de Merlin, mas isso não significava que eu não poderia encontrar

trabalho como bruxa de aluguel. Eu poderia ser uma investigadora

paranormal particular, uma agente desonesta ou simplesmente uma

bruxa de aluguel.

Havia outras maneiras de ganhar a vida. Ela não se livraria de mim

tão facilmente, e eu também não ficaria de braços cruzados e a deixaria

arruinar minha reputação.

A carta não dizia quando eles enviariam um investigador, apenas que

haveria um. Dito isso, eu tinha certeza de que eles enviariam alguém

local, alguém que já tivesse feito isso antes, com muita experiência.

Valen conhecia muitas pessoas na comunidade paranormal. Eu

aposto que ele sabia quem eles enviariam como investigador.

Peguei meu celular e decidi enviar uma mensagem para o número

que Basil havia me dado. Tá certo que eu havia dito a ele que era apenas

para assuntos relacionados ao trabalho, e ele me deu o número a

contragosto.

Eu: Oi, é a Leana. Você conhece algum investigador que trabalha

para o Conselho das Sombras?

Fiquei olhando para o texto, sentindo-me nervosa e estúpida. Depois

mudei de ideia e apaguei a mensagem. Seria melhor se conversássemos.

Eu poderia lhe mostrar a carta. Além disso, ele não saberia que eu tinha

conseguido seu número de celular.

Usando isso como desculpa, porque todos nós sabemos que eu usaria

qualquer desculpa para falar com o gigante novamente e ver como ele

reagiria ao me ver, peguei uma jaqueta, coloquei minha bolsa a tiracolo

no pescoço e saí do meu apartamento. Depois de uma curta viagem de

elevador, encontrei-me de volta ao saguão, que estava praticamente

deserto.

– Leana! Você quer se juntar a nós? – Julian estava na mesma mesa

de blackjack em que estava desde a tarde. A única diferença era que ele

estava cercado por quatro mulheres, todas tentando chamar sua atenção.

Elas eram todas diferentes, em termos de idade e peso. A única coisa

que elas tinham em comum era o fato de estarem todas olhando para

mim. Claramente, elas não queriam mais competição.


Eu ri.

– Talvez mais tarde, querido – Pisquei para as mulheres. A raiva

delas me deixou toda arrepiada.

Vi Elsa e Jade discutindo em uma das máquinas caça-níqueis. Eu

esperava que elas não gastassem muito dinheiro nessas coisas.

Pensei em ir até lá, mas mudei de ideia e fui para a porta da frente.

– Leana! Aonde você está indo? – gritou Basil, marchando em

minha direção, com o rosto tão vermelho quanto esta manhã. Se ele não

se acalmasse, ia ter um ataque cardíaco. – Você precisa vir aqui!

– Preciso sair um pouco. Volto logo. Prometo – Abri as portas e fui

para a calçada. O fechamento das portas atrás de mim abafou os gritos

de Basil que ecoavam atrás de mim. Eu não tinha ideia do motivo pelo

qual ele estava gritando. O cara havia me dito para fazer uma pausa. E

era isso que estava fazendo.

Caminhei até o restaurante de Valen, no prédio ao lado, com meu

coração acelerado, como se eu tivesse corrido até aqui. Eu estava

nervosa. Por que eu estava nervosa?

O letreiro AFTER DARK estava iluminado com luzes vermelhas

suaves enquanto eu passava por baixo dele. A porta do restaurante bateu

atrás de mim quando entrei. O cheiro familiar de comida me deu as

boas-vindas. Meus amigos e eu tínhamos comido aqui duas vezes desde

o episódio do demônio com Raymond, mas Valen não estava presente

em nenhuma das vezes. Ou, pelo menos, foi isso que a anfitriã nos disse.

Se isso era verdade ou não, eu não sabia. Mas ela era irritantemente leal

ao gigante. Ele poderia estar em seu escritório.

O interior abrigava cadeiras contemporâneas e mesas de tonalidade

cinza-escura em uma sala de conceito aberto, com tetos altos de 3

metros, onde vigas e tubulações ficavam expostas. As amplas janelas que

iam do chão ao teto deixavam entrar a luz do luar.

A iluminação era suave, e a maioria das mesas estava ocupada por

paranormais desfrutando sua refeição. Nenhum deles olhou para mim

enquanto eu passava. Estavam todos preocupados com suas refeições, e

eu não os culpava. A comida aqui era incrível.

– Você vai jantar sozinha?

Olhei para cima e vi a mesma anfitriã irritante em pé atrás da

recepção. Ela tinha cabelos castanhos compridos e esvoaçantes, um


corpo perfeitamente esbelto sob a blusa branca e, imagino, uma saia

preta. Ela era bonita, bonita e fria, se é que isso existia. Mas se você

olhasse bem de perto, a pele dela tinha um efeito sutil de ondulação e eu

juro que, por um segundo, vi escamas. Talvez ela fosse uma sereia.

Valen havia me dito o nome dela e, é claro, eu o esqueci no

momento em que ele falou.

– Não. Na verdade, estou procurando Valen.

Se ela me dissesse que ele não estava aqui, novamente, eu a fritaria e

serviria seus pedaços aos hóspedes do hotel.

Seu rosto ficou inexpressivo e ela curvou os lábios.

– Ele está ocupado no momento – disse ela, batendo seus dedos

longos com unhas azuis no balcão.

Ok, agora fiquei com raiva.

– É importante.

A anfitriã me deu um sorriso zombeteiro.

– É claro que sim. É sempre importante para você. Não é? Sempre

mais importante do que qualquer outra pessoa.

– Porque é – É isso aí. Eu ia tirar aquele sorriso do rosto dela.

A anfitriã riu.

– Ele está ali – Ela apontou para a esquerda, para um ponto do outro

lado do restaurante.

Eu olhei para onde ela fez o gesto e meu coração afundou, o calor

subiu ao meu rosto como se eu tivesse derramado café quente sobre ele.

Valen estava aqui. Eu não o tinha visto quando entrei. O problema é

que ele não estava sozinho.

Uma linda loira estava sentada à sua frente, com a mão repousando

sobre a dele. A maneira como os dois se inclinavam sobre a mesa para

se aproximar um do outro me disse que esse era um encontro muito

íntimo. Eles estavam tão próximos que provavelmente poderiam se

beijar.

O pior é que ele estava… sorrindo. Valen estava sorrindo, era uma

expressão bastante rara para ele. Eu poderia contar quantas vezes o vi

sorrir. Ok, talvez não. Mas eram poucas.

Eu nunca tinha visto essa mulher antes. Talvez ela fosse sua

namorada? Ele estava namorando com ela? Seria ela o motivo de ele ter

se afastado do nosso beijo? Bem, se ele tinha uma namorada, não tinha
nada que me beijar. Jimmy havia dito que Valen tinha muitas

namoradas. Ele era um tolo se achava que eu faria parte do seu harém.

A anfitriã se inclinou sobre o balcão, com uma expressão de diversão

ao ver minha cara.

– Eu disse a você que ele estava ocupado. Mas, por favor… vá em

frente. Tenho certeza de que ele não se importará que você o incomode

neste momento.

Enrijeci, e uma chama de raiva acendeu em meu estômago. Sem

dizer mais nada, dei meia-volta e saí do restaurante. A risada da anfitriã

só aumentou o calor em meu rosto, como se eu tivesse uma mega

queimadura de sol.

Eu sabia que estava agindo como uma tola imatura. Ele não era meu,

e não éramos de forma alguma um casal. Ele podia namorar ou dormir

com quem quisesse. E agora eu basicamente disse ao mundo como me

sentia em relação a ele com minha reação. Boa, Leana.

A anfitriã iria rir muito ás minhas custas. Ela já estava rindo.

Fui humilhada e me senti decepcionada. Eu tinha sido uma idiota ao

pensar que Valen e eu tínhamos algo especial. Aparentemente, era tudo

coisa da minha cabeça.

Com o coração batendo forte, abri a porta e saí correndo. Virei à

direita no primeiro quarteirão e continuei, com as pernas cheias de

adrenalina. Meu ritmo era rápido e eu o mantive sem diminuir a

velocidade. Carros e táxis buzinavam quando eu atravessava a rua, mas

eu mal notava.

Enquanto caminhava, fiquei repetindo aquele beijo várias e várias

vezes em minha mente. Eu não era perfeita e, às vezes, não era tão forte

quanto pensava, pois minhas emoções tomavam conta de minha mente.

Eu odiava quando isso acontecia. Significava que eu não conseguia

pensar direito, pois meus sentimentos atrapalhavam minha capacidade

de tomar decisões.

Eu precisava ser racional. Precisava pensar com minha cabeça e não

com meu coração. Porque era assim que as pessoas se machucavam. Eu

sabia que, se quisesse manter meu emprego e morar no Twilight Hotel,

precisaria afastar esses sentimentos e aprender a conviver com o gigante,

já que ele estava tão perto e tinha uma conexão tão estreita com o hotel.

E eu sabia que nunca mais poderia beijá-lo.


Soltei um longo suspiro ao experimentar todas aquelas emoções

conflitantes. Isso não era o fim do mundo. O cara tinha muitas mulheres

em sua vida, e daí? Eu não ia deixar que isso me partisse em mil

pedaços. Era preciso muito mais que isso para partir meu coração. Isso

apenas significava que Valen e eu não fomos feitos um para o outro.

Simples assim.

E com esse pensamento em minha cabeça, andei com mais calma,

sentindo-me melhor por conversar comigo mesma. É claro que conversar

sozinha acontecia muito depois dos quarenta anos.

A lua era um disco branco sólido e brilhante no céu escuro. A

iluminação das ruas projetava sombras, enquanto o horizonte lançava

sombras profundas e gélidas sobre mim. Mesmo cercada por prédios

altos, eu ainda sentia que estava mais escuro do que deveria estar.

Reduzi minha velocidade até parar, percebendo que havia caminhado

sem me preocupar para onde estava indo. E, olhando em volta agora,

percebi que estava em algum lugar atrás do hotel, em uma das pequenas

ruas laterais, mais parecida com um beco. Mesmo assim, não deveria

estar tão escuro.

As janelas escuras dos prédios vizinhos me encaravam. As ruas

estavam mais silenciosas do que o normal para uma noite de sexta-feira,

à medida que a escuridão rapidamente avançava para preencher os

espaços não iluminados pelas luzes da rua.

É isso! Era sexta-feira à noite. Eu deveria estar me divertindo, e não

me deixando levar pelas minhas emoções.

– Eu deveria estar jogando com as meninas – murmurei.

Me virei e sorri ao pensar em tomar uma boa taça de vinho e rir de

Elsa enquanto ela perdia mais dinheiro no caça-níquel.

As pequenas poças de água da chuva da noite anterior refletiam tons

prateados sob a luz da lua. Andei mais rápido, torcendo o nariz ao sentir

o cheiro repentino de lixo. Eu estava tão imersa em pensamentos que

nem havia notado o cheiro, o que parecia quase impossível, dada a sua

potência. O fedor era uma mistura de pés sujos, fumaça e podridão,

como se as lixeiras não fossem recolhidas há semanas.

Prendendo a respiração, continuei andando. Mas meus olhos se

voltaram para a grande lixeira de metal ao lado de um dos prédios.

E então eu parei.
Lá, em uma pilha de sacos de lixo pretos, na base da lixeira, havia

uma perna.

Não, duas pernas.

– Mas que diabos?

Dei um passo à frente, ainda prendendo a respiração, e coloquei a

mão sobre a boca.

Não havia apenas um par de pernas. Eram três. Três corpos, a julgar

pelo grau de decomposição. Peguei meu celular e liguei a lanterna.

Consegui distinguir o primeiro corpo como sendo de um homem. Os

outros estavam empilhados embaixo dele, e eu não estava disposta a

tocá-los sem luvas, não havia necessidade de colocar meu DNA nisso.

A julgar pela cor cinza e cerosa de sua pele, o azul nas pontas dos

dedos, e os lábios pálidos, o corpo ainda estava no “estágio fresco” e

não havia começado o segundo estágio de decomposição, isso mostrava

que eles morreram em algum momento entre seis e doze horas atrás, se

eu tivesse que fazer uma estimativa.

Mas o fato de eu ter acabado de descobrir três cadáveres não foi a

razão pela qual quase deixei cair o celular, sentindo um súbito pavor no

meu estômago.

Eram os longos caninos que saíam dos lábios do homem morto.

– Puta merda. Vocês são paranormais.


Capítulo 3

– O que você acha que aconteceu com eles? – Jade tinha um pano

sobre a boca enquanto se inclinava sobre os três cadáveres. –

Meu Deus, eles fedem – Ela pegou um pequeno frasco de amostra de

perfume e borrifou sobre os mortos. Ela estava contaminando a cena,

mas não vi motivo para impedi-la. Agora era tarde demais.

Balancei a cabeça, enquanto uma sensação sombria se insinuava no

meu âmago.

– Não faço ideia. E por que eles estão aqui? Alguém simplesmente

os jogou ao lado de uma lixeira humana.

– Porque quem os abandonou esperava que a polícia humana os

encontrasse –respondeu Elsa, com os dedos no pingente, algo que só

agora notei que ela costumava fazer quando estava ansiosa e estressada.

Julian estava inclinado sobre os corpos, ao lado de Jade, com a boca

aberta. Eu sabia que ele estava respirando pela boca para evitar o mau

cheiro, mas isso me pareceu pior.

– Esse pobre coitado é um vampiro. Eles são todos paranormais?

Não consigo ver os rostos dos outros dois. Eles poderiam ter jogado o

vampiro com alguns humanos mortos e esperar que ninguém notasse

suas presas. É possível que eles não soubessem que ele era um vampiro.

Fiquei surpresa por ele deixar suas amigas para vir ajudar quando

liguei para Jade. Isso significou muito para mim.

– Vamos descobrir – Olhei para Elsa. – Você trouxe as luvas que

pedi?
– Aqui – Elsa tirou luvas de cozinha amarelas de sua bolsa de tecido.

Diante da minha reação, ela disse: – Não sou uma curandeira. Não tenho

luvas de látex à minha disposição. Isso foi tudo o que consegui encontrar

em tão pouco tempo.

– Está tudo bem. Obrigada – Coloquei as luvas de cozinha, agarrei a

perna do vampiro morto e comecei a arrastá-lo para longe dos outros. –

Droga. Ele é um filho da puta pesado – Eu mal o havia puxado até a

metade quando senti que ele estava preso, como se estivesse emaranhado

com os outros.

– Deixe-me ajudar – Julian se juntou a mim, agarrando a outra perna

com um par de luvas de látex azuis, que apareceram do nada. Ele puxou

facilmente o vampiro morto para a calçada.

Deixei Julian puxar os outros dois corpos ao lado da lixeira até

alinhá-los lado a lado no chão. A luz da rua iluminou o suficiente seus

rostos para que eu pudesse ver que um deles era do sexo feminino. Os

outros dois eram homens.

– Você acha que todos eles são vampiros? – perguntou Jade, com o

pano ainda sobre a boca.

Eu já havia me acostumado com o cheiro. O que isso dizia sobre

mim?

– Vamos ver – Ajoelhei-me ao lado da mulher e levantei gentilmente

seu lábio superior. – Ela tem caninos afiados. Espere um pouco. Tem

alguma coisa aqui – Peguei meu celular no bolso e apontei a lanterna

para mulher morta. – Veja. Ela tem um pescoço peludo.

– Isso é algo que eu nunca quero ouvir novamente – disse Julian,

parecendo mortificado.

Revirei os olhos.

– Bem, ela tem – Peguei a mão da mulher. – Ela também tem mãos

peludas. E tenho certeza de que ela tem dedos dos pés bem peludos

também.

– Urgh – Julian sacudiu o corpo como se tivesse acabado de sentir

um arrepio.

– Ela não é uma vampira – Os tamancos de Elsa apareceram ao meu

lado quando ela se inclinou sobre mim. – Ela é um lobisomem ou algum

tipo de metamorfo. Os vampiros não gostam de pelos em seus corpos –

Ela olhou para mim e acrescentou: – Foi o que me disseram.


– E o outro cara? – perguntou Jade. – Ele também é um lobisomem?

Me arrastei até o próximo corpo e verifiquei seus dentes.

– Caninos. Não há sinais de pelo nele. É um vampiro – Eu me apoiei

em meus calcanhares. – Então, um lobisomem e dois vampiros foram

mortos e depois jogados no lixo? Isso não faz muito sentido.

Fiquei feliz pelo beco estar quase coberto pela escuridão. Eu não

queria que algum humano nos encontrasse, pois isso seria péssimo. Não

precisávamos da polícia humana envolvida nisso. Isso era claramente um

problema paranormal.

Elsa respirou fundo e soltou o ar.

– Significa que quem fez isso não se importa com essas pessoas –

Tive que concordar com ela nesse ponto.

– O que você acha que os matou? – perguntou Jade.

Deixei escapar um suspiro.

– Não consigo ver nenhum sangue. Vamos ver se consigo encontrar

sinais de luta ou algo assim – Fui até o vampiro morto mais próximo e

examinei seu pescoço e braços. Quando levantei sua camisa para

verificar se havia ferimentos, vi um peito liso, sem cortes, hematomas,

nada que nos desse uma ideia de como ele morreu.

– Talvez ela estivesse transando com os dois caras e eles brigaram –

disse Julian. – O ciúme é terrível. Ele brinca com a mente das pessoas.

– Ok. Digamos que isso seja verdade. Então, um dos vampiros mata

o outro vampiro por roubar sua garota, depois mata a garota e se mata?

Isso não parece ser coisa de vampiro. Além disso, haveria sangue.

Muito, muito sangue.

– Ela tem razão – concordou Elsa. – Os vampiros são brutais.

Quando lutam, é geralmente de forma muito violenta. Não estou vendo

nenhum sinal de violência aqui.

Jade tirou o pano de seu rosto.

– E quanto a envenenamento? Pode ser isso, se não há sinal de

violência, aposto que eles foram envenenados.

Olhei para Julian.

– Você é o especialista em veneno. O que você acha?

Julian se ajoelhou ao meu lado e apontou a lanterna do seu celular

para os lábios dos cadáveres. Em seguida, abriu cuidadosamente os

olhos de cada um deles, um por um. Quando terminou, ele se levantou.


– Não é veneno.

– Como você sabe? – perguntei.

Ele apontou com a mão livre.

– Você está vendo os lábios deles? Se fosse veneno, eles teriam

feridas ao redor da boca. E suas pupilas estão normais. Elas estariam

dilatadas e vermelhas. Mas não estão. E geralmente há um cheiro

persistente quando você é envenenado.

Franzi a testa.

– Quer dizer que isso não é fedorento o suficiente para você?

O bruxo balançou a cabeça.

– Não, o que quero dizer é que cada veneno exala um certo cheiro.

Se eles estivessem envenenados, eu seria capaz de sentir o cheiro e dizer

a você qual veneno foi usado.

– Não tenho certeza de como me sinto sobre isso – disse a ele com

um sorriso. No entanto, parte de mim estava impressionada. Eu não

sabia quase nada sobre venenos. Julian era claramente um mestre em seu

ofício.

Elsa se abraçou.

– Que horror. Suas famílias devem estar muito preocupadas.

Algo me ocorreu.

– Eles estão mortos há algum tempo… como não ouvimos falar de

ninguém desaparecido? – A comunidade paranormal era pequena e

unida. Nós cuidávamos uns dos outros. Se alguém tivesse desaparecido,

teríamos certamente ouvido algo a respeito. Até Valen saberia e estaria

em busca deles.

– Vou verificar suas identidades – Verifiquei primeiro o vampiro

mais próximo de mim, sentindo-me mal por ter que mexer em seus

bolsos, mas não tive escolha.

– Nada. Nenhuma carteira – Estranho. Depois verifiquei os dois

últimos. Novamente, nada. – Ok, isso é ainda mais estranho. Nenhum

deles tem carteira. Como podemos identificá-los sem suas carteiras? – E

então me dei conta. – Porque não era para nós identificá-los.

– Não estou gostando disso – disse Elsa. – Parece premeditado.

– Parece que sim – eu disse. – Aposto que quem quer que tenha feito

isso, está esperando que a polícia humana os encontrem e classifique-os

como indigentes. Problema resolvido – Muito psicótico.


– Talvez eles tenham sido assaltados? – O rosto preocupado de Jade

estava envolto nas sombras. – Estamos em Nova York. Muitas pessoas

são assaltadas aqui. Talvez eles tenham sido mortos e assaltados por

humanos.

– Esse não é o caso – eu disse a ela. – Não há ferimentos nos corpos.

Os humanos não poderiam ter feito isso. Sem mencionar que os

paranormais podem se livrar facilmente de alguns assaltantes humanos.

Se fosse esse o caso, estaríamos olhando para humanos mortos. Não

vampiros e um metamorfo.

Quanto mais eu pensava sobre por que ou quem havia matado esses

paranormais, pior eu me sentia. O fato de não termos encontrado

qualquer evidência sobre as circunstâncias de suas mortes deixou uma

sensação desagradável em meu peito.

– Não acho que eles tenham sido mortos aqui – eu disse, sabendo

que era verdade. – Isso explicaria a falta de evidências e sangue e por

que eles foram jogados no lixo. Eles foram mortos em outro lugar.

– Então, quem fez isso? E por quê? – Os olhos de Elsa estavam

redondos, com a parte branca aparecendo no escuro.

– Boa pergunta – Olhei para os rostos preocupados de meus amigos,

compartilhando exatamente seus sentimentos. – Meu palpite é que sejam

paranormais. Não humanos. Mas por quê? Essa é a pergunta que não

quer calar.

– Como você os encontrou? – Julian estava olhando para mim e,

desse ângulo, as sombras cobriam metade de seu rosto. – Quero dizer,

não estamos nem perto do hotel. O que você estava fazendo aqui?

Meu rosto se ruborizou com a lembrança de ver Valen sorrindo para

a bela loira, e fiquei feliz com a escuridão. Dessa forma, eles não veriam

a vermelhidão em meu rosto. Levantei-me, com as coxas ardendo em

protesto. Eu precisava fazer mais yoga e alongamentos.

– Fui dar uma volta – Eu não ia contar aos meus amigos sobre meu

episódio humilhante no restaurante de Valen. Às vezes, era melhor

guardar a humilhação para si.

– Aqui? – Jade se virou, com uma expressão assustada no rosto. –

Nesse beco assustador? Com montanhas de lixo? À noite, com lugares

para estupradores e assaltantes se esconderem?

Meus lábios se abriram diante da seriedade em seu rosto.


– Eu só fui dar uma volta. Não estava realmente prestando atenção

para onde estava indo – Não, porque minha cabeça só pensava em Valen.

– Bem… – Elsa suspirou. – Ainda bem que você os encontrou. Pelo

menos um de nós encontrou. Talvez, com a ajuda da justiça, possamos

identificar essas pobres pessoas. Elas merecem um fim melhor.

– Eu concordo – Fiquei enojada com a insensibilidade da cena. –

Vou ligar para Basil. Precisamos da equipe de limpeza aqui. Ele pode

entrar em contato com a justiça paranormal, para ver se alguém

desapareceu.

Elsa balançou a cabeça.

– Mas estamos longe do hotel. Você tem certeza de que talvez não

seja o território de Valen?

– Sim, ligue para Valen – concordou Julian. – Ele é o gigante certo

para esse trabalho. Talvez ele saiba de alguma coisa.

Mais calor subiu ao meu rosto.

– Ele está ocupado – eu disse, com a voz mais seca do que eu

gostaria. – Eu fui vê-lo mais cedo – Engoli em seco. – Ele não está

disponível. Então… vai ter que ser Basil.

Sentia-me culpada por mentir para meus amigos, mas não conseguia

lidar com Valen no momento. Eu precisava de mais tempo para

processar o que eu tinha visto. Tipo alguns dias, ou meses.

Digitei o número do Basil. Depois de quatro toques, ele foi direto

para o correio de voz.

– Basil, é a Leana. Encontramos corpos em um beco. Me ligue de

volta – Encerrei a ligação e mandei uma mensagem de texto para ele

dizendo 9-1-1. Com sorte, o bruxo receberia a mensagem.

– Duvido que ele vá responder – disse Jade. – Ele está muito

ocupado com sua – Ela fez gestos de aspas com os dedos – “Semana do

Cassino”.

Dei de ombros.

– Ele quase não tem hóspedes.

– Não diga isso a ele – riu Julian.

– Por que você não quer ligar para Valen? – Elsa colocou as mãos

nos quadris, a luz da lua destacava seus cabelos ruivos. – Aconteceu

alguma coisa?

Soltei uma risada falsa que saiu alta demais.


– Eu não disse que não queria ligar para ele. Eu disse que ele estava

ocupado.

Elsa comprimiu os lábios em uma linha fina, examinando meu rosto.

– Eu não acredito em você.

Levantei uma sobrancelha.

– O que faz você pensar isso? – Eu era uma péssima mentirosa.

– Sim, você está agindo de forma estranha – disse Jade, estreitando

os olhos. – Ah, meu Deus! Você dormiu com ele!

– O quê? Não! – Se eu pudesse enfiar minha cabeça na calçada, eu o

teria feito.

– Sim! Você dormiu com ele e ele não ligou de volta! – Jade

continuou e bateu palmas, como se tivesse acabado de ganhar muito

dinheiro em uma das máquinas caça-níqueis. – É por isso que você foi

falar com ele agora. Você queria confrontá-lo.

Eu balancei a cabeça.

– Eu queria perguntar para ele sobre a carta que recebi do Conselho

das Sombras. Eu não dormi com ele – Quem eu estava enganando? Eu

queria dormir com ele. Queria, não mais.

Jade fez uma careta, claramente acreditando em sua história.

– Sim, claro.

Julian riu e, quando olhei para Elsa, ela estava com um sorriso tipo

“não acredito em você” nos lábios.

– Vou provar – eu disse a eles, sentindo-me nervosa de repente ao

passar o dedo na tela do meu celular. O nome dele estava na minha lista

de contatos. Estranho. Eu o havia colocado como meu contato número

um e nem me lembrava de ter feito isso. – Vou ligar para ele agora

mesmo.

Eu não queria, mas não era como se ela estivesse me dando uma

escolha. Além disso, talvez fosse melhor que Valen se envolvesse. Talvez

ele pudesse esclarecer um pouco sobre esses corpos também. O gigante

ainda era um mistério. Quem sabia que outras habilidades ele tinha?

Talvez ele soubesse como esses paranormais foram mortos. Pelo que

parecia, o lobisomem e os dois vampiros estavam em seu auge, eles

eram fortes, capazes e saudáveis.

Um lobisomem e dois vampiros, eu repetia em minha cabeça.

Um lobisomem e dois vampiros!


– Espere um pouco – Coloquei o celular de volta no bolso, com o

coração batendo forte.

– Eu falei – disse Jade sorridente. – Sexo, sexo, sexo.

Ignorando-a, dei um passo à frente e me inclinei sobre os corpos.

– Há algo de errado com eles.

– O que você quer dizer com isso? – Elsa se juntou a mim. – Tipo o

quê? Além do fato deles estarem mortos e não conseguimos descobrir

como eles morreram.

Balancei a cabeça.

– Não é isso – Ajoelhei-me novamente, sabendo em meu íntimo que

eu estava no caminho certo. – Eles não estão emitindo nenhuma energia.

– O quê? Você tem certeza? – Elsa colocou as palmas das mãos

sobre os corpos como se estivesse procurando por ondas de calor. Senti

um puxão de sua magia, como uma mudança na pressão do ar, e então

desapareceu. Ela abaixou as mãos. – Também não estou sentindo nada.

Mas talvez isso seja apenas porque eles estão mortos.

– Não, Leana está certa. Julian olhou para o corpo com uma

expressão confusa. – Devemos ser capazes de sentir algo. Mesmo os

paranormais mortos ainda têm um pulso de energia. Seria fraco, mas eu

o sentiria. E eu não estou sentindo nada.

– Eu também não – disse Jade após um momento de silêncio.

Esfreguei meus olhos.

– Pode ser… pode ser uma maldição ou algo assim para esconder

sua verdadeira natureza – eu disse, pensando em Valen. – Deixe-me ver

se consigo ir mais fundo. Para ver se alguém colocou um feitiço neles.

Respirei fundo e invoquei o poço de magia, a base do poder das

estrelas acima de mim. Meus cabelos e roupas levantaram quando senti

o pulsar do poder das estrelas. O ar sibilava com energia, crepitando

contra minha pele e formigando como picadas frias.

Puxei os elementos mágicos das estrelas e os mesclei com os meus.

Uma esfera branca brilhante pairou sobre minha mão como uma estrela

em miniatura.

Em seguida, soprei na palma da mão.

O globo se elevou no ar e, com um estalo, explodiu em milhares de

pequenas estrelas. As estrelas em miniatura dispararam para a frente,


deixando um rastro de luz brilhante como poeira de fada, antes de

caírem sobre os três corpos.

Eu estava tão conectada à minha luz estelar quanto elas estavam a

mim. Eu sentia o que elas sentiam. E, naquele momento, tudo o que eu

sentia era um monte de nada.

Não havia vibração de energia de vampiro, nem o formigamento do

poder dos lobisomens.

Nada.

Dei um último puxão em minha luz estelar e as soltei. Então, com

um suave estalo, elas desapareceram.

– Nada – eu disse. – Nenhum feitiço e nenhuma vibração

paranormal.

Jade começou a esfregar os braços.

– Não estou gostando disso. Não mesmo. O que você acha que isso

significa?

– Não sei o que é isso – eu disse. – Mas eles não são paranormais. É

quase como se… é quase como se eles fossem humanos? – Eu sabia que

não podia ser, mas ainda assim precisava dizer.

Julian soltou um grunhido.

– Mas isso é impossível. Claramente, eles não são. Quero dizer, olhe

para eles. Até o maior dos idiotas pode ver que eles não são humanos.

– Eu sei, mas foi essa a sensação que tive – Olhar para eles e

constatar com meus próprios olhos que eram, de fato, paranormais, mas

não sentir isso, estava começando a me assustar. – Eles são paranormais,

mas não são paranormais. Isso é loucura.

– Mas… – Elsa olhou para Jade. – Se eles não são paranormais, o

que eles são?

– Boa pergunta – Essa era uma excelente pergunta. Porque eu não

tinha ideia.

E eles estavam mortos.


Capítulo 4

A equipe de limpeza de Basil, um grupo de dois homens e uma

criança, apareceu cerca de dez minutos depois que ele retornou a

minha ligação. Bem, o jovem parecia ter uns quatorze anos e, para mim,

isso era uma criança.

Eles estavam vestidos com ternos pretos, sem óculos escuros dessa

vez, mas equipados com pastas médicas. Nós ficamos em silêncio e

observamos enquanto a equipe de limpeza tirava algumas fotos e

registrava a cena do crime. Mas quando o garoto tirou um frasco de sua

maleta, não consegui me segurar.

– Você é uma criança? – perguntei ao mais jovem.

A criança, garoto, adolescente, olhou para mim com seus olhos

castanhos e seu rosto gorduroso, cheio de espinhas.

– Eu não sou uma criança.

Levantei uma sobrancelha.

– Você tem voz de criança. Seus pais sabem o que você está

fazendo?

O adolescente se endireitou.

– Eu me formei mais cedo do que todo mundo. Sou um dos

melhores. Melhor do que vocês, seus velhos. E agora, você está no meu

caminho.

Levantei minhas mãos em sinal de rendição e dei um passo para trás.

– Vá em frente.

– Garoto gênio que escolhe como carreira pegar cadáveres – disse

Julian. – Pense nisso.


Sim, isso foi assustador. O adolescente jogou o conteúdo do frasco

sobre os corpos. Uma súbita onda de energia percorreu minha pele e, em

seguida, os três cadáveres se ergueram do chão, pairando no ar. Depois

que o mesmo garoto borrifou um pouco de pó branco, os corpos

desapareceram, como eu já tinha visto acontecer antes, e a equipe de

limpeza foi embora. Três fios brancos e enevoados seguiram o

adolescente, como se os corpos estivessem flutuando atrás dele.

Tudo levou apenas cerca de dez minutos, e parecia que os corpos

nunca haviam estado lá. No entanto, antes de isso acontecer, fiz questão

de tirar o máximo de fotos que pude. Minha memória não estava tão

afiada como nos meus vinte anos, portanto, qualquer informação salva

ajudaria.

Após deixar Elsa, Jade e Julian no saguão, voltei ao meu

apartamento para iniciar um arquivo sobre os dois vampiros mortos e o

lobisomem. Eu havia guardado o laptop de Eddie, o último Merlin, e

usei minha mesa de jantar como local de trabalho. Você pode chamar

isso de mórbido, mas por que desperdiçar um bom computador quando

eu estava procurando um? Além disso, nós dois éramos Merlins, então,

de certa forma, isso o tornava meu. Não é bem assim, mas foi o que eu

disse a mim mesmo.

Eddie, sendo o Merlin altamente organizado e minucioso que era,

tinha modelos de arquivos em branco já preparados. Então, com uma

taça de vinho tinto, comecei a preenchê-los com o máximo de detalhes

possível enquanto ainda estavam frescos em minha mente.

Conectei-me ao sistema central dos Merlins, imaginando se eu teria

permissão para entrar, já que estava sob investigação. Mas assim que

digitei meu login e senha, eu entrei.

Procurei no banco de dados por pessoas desaparecidas e não

encontrei nada recente. Uma bruxa chamada Karrin Weber estava

desaparecida desde 1993, mas ela nunca foi encontrada e o caso ainda

estava aberto. Fora isso, não encontrei nada. Era possível que esses

paranormais não estivessem desaparecidos há tempo suficiente para

alertar seus entes queridos. Eu ficaria de olho nisso.

Em seguida, pesquisei a lista do banco de dados de todos os

paranormais conhecidos, criaturas e tudo mais, em busca de uma pista

sobre o motivo de eu não ter sentindo suas energias. Mas depois de uma
hora explorando todos os arquivos, não encontrei nada. Segundo o banco

de dados, todos os paranormais emitiam uma vibração.

Exceto os que encontrei.

O som das tábuas do assoalho rangendo sob o carpete me fez olhar

para trás.

Valen atravessou o curto corredor do meu apartamento e se

aproximou.

Meu coração deu um salto mortal ao vê-lo. A luz fraca do meu

apartamento apenas acentuava sua aparência robusta, o maxilar

quadrado, o nariz reto e os cabelos escuros e ondulados que escovavam

seus ombros largos, pelos quais eu queria passar as mãos.

Ele vestia uma jaqueta de couro marrom por cima de uma camisa

preta, combinando-a com calças jeans escuras que se ajustavam

perfeitamente à sua cintura esbelta e realçavam suas coxas musculosas.

Fiquei surpresa ao notar o seu peito incrivelmente forte e largo,

imaginando como seria a sensação de tocar a sua pele quente com as

minhas mãos. O calor me invadiu e odiei que meu corpo reagisse dessa

forma ao vê-lo. Meus hormônios estavam fora de controle. Talvez eu

precisasse de remédios?

Ficamos nos olhando por um momento. Minhas entranhas pareciam

estar sendo reorganizadas na minha barriga e subindo para a minha

garganta, com o silêncio desconfortável acentuado pelo barulho da

geladeira.

– Você não bate na porta? – Minha voz saiu seca. Aparentemente, eu

ainda não tinha superado o fato de vê-lo com aquela linda loira. Mas eu

realmente não deveria estar irritada. Não éramos um casal nem nada

além de amigos.

Os olhos de Valen se estreitaram com meu tom de voz.

– A porta estava aberta.

Afastei meus olhos dele e olhei para a tela.

– Mesmo assim, você deveria ter batido. Estou no meio de uma

coisa.

– Essa coisa seria os corpos que você encontrou? – Ele parou atrás

de mim, olhando para o laptop. – Você ficou com o laptop de Eddie.

– Fiquei. Não achei que fosse correto jogá-lo fora. Está praticamente

novo – Deixei minha cabeça cair para trás para ver seu rosto. – Posso
ajudar você com alguma coisa?

Eu odiava a impessoalidade da minha voz. Ela estava me traindo,

traindo o que eu sentia por ele. Não sabia porque me sentia assim. Eu

estava agindo como uma namorada ciumenta de vinte anos, o que não

era o caso. Eu era uma mulher adulta e precisava começar a agir como

tal.

Valen se inclinou para trás e cruzou os braços sobre o peito.

– Você encontrou corpos em um beco atrás do hotel e eu tive que

ouvir isso de Basil. Por que você não me contou?

– Esqueci – O que era parcialmente verdade. A coisa toda sobre os

paranormais não liberarem energia me deixou meio confusa.

– Você deveria ter me contado – disse o gigante, com um tom um

pouco mais duro agora.

Deveria, poderia, mas não o fiz.

– Eu disse a você, eu esqueci. As coisas ficaram um pouco estranhas.

– Estranhas, como? – Seus olhos se voltaram para a tela do meu

computador e depois para mim. – O que você encontrou?

Valen havia sido contratado pelo Twilight Hotel e era responsável

por garantir a segurança dos paranormais do hotel e dos paranormais de

Manhattan. Nós dois éramos empregados do hotel e compartilhávamos a

responsabilidade. Eu tinha o dever de contar a ele, assim como ele faria

se tivesse descoberto os corpos. Ele precisava saber.

Movi minhas mãos sobre o teclado e cliquei nas fotos que havia

tirado dos mortos.

– O que você vê são dois vampiros mortos e uma lobisomem.

Os olhos de Valen estavam fixos na tela.

– Certo.

– Não conseguimos descobrir a causa da morte. E eles não emitiam

nenhuma energia. Nenhuma vibração paranormal. Era quase como se

fossem humanos. Mas, obviamente, eles não são. Você está vendo o meu

dilema?

Estudei o seu rosto em busca de qualquer sinal de que ele possuía a

resposta. Talvez ele já tivesse visto algo assim antes, mas não havia nada.

– Você já viu isso antes? – Achei que deveria tentar.

Valen olhou para mim.

É
– Nunca. É a primeira vez que ouço falar de algo assim. Onde estão

os corpos agora?

– Em algum necrotério paranormal – respondi. – Eu disse a Basil

que eu queria que fossem feitas autópsias neles. Quero saber a causa da

morte, para ver se a maneira como foram mortos explica o fato de não

terem vibrações. E não foi um feitiço, eu verifiquei. Eles também não

têm documentos. Verifiquei meu banco de dados Merlin para pesquisar

pessoas desaparecidas e não encontrei nada – Deixei escapar um suspiro.

– Não temos ideia de quem são essas pessoas.

Valen ficou em silêncio por um momento, dando-me a chance de

olhar seu rosto. Sua expressão facial mudava, como se ele estivesse

lutando com algo interno, como se quisesse me dizer algo, mas não

conseguisse.

– Eu poderia ter ajudado você – disse ele finalmente, com uma

suavidade na voz. – Você não precisava fazer isso sozinha.

Desviei o olhar de seus lábios deliciosos, que estavam me distraindo

seriamente.

– Eu não estava sozinha. Meus amigos estavam comigo. Além disso,

estou acostumada a trabalhar sozinha. Trabalho melhor assim.

Valen soltou um suspiro, com a mandíbula cerrada.

– Você está com raiva de mim? Por quê?

Por que você me beijou e agora está com outra pessoa?

– Não estou. Só estou cansada – Eu lhe dei um sorriso rápido. Eu era

uma péssima mentirosa. Mas eu precisava seriamente colocar minha

cabeça em ordem.

O olhar de Valen se intensificou, como se ele pudesse ler meus

pensamentos e soubesse que eu estava mentindo. Os gigantes podiam ler

mentes? Meu Deus, eu esperava que não. Porque isso seria

constrangedor.

– Você veio ao restaurante – disse Valen. – Mas não ficou. Você

estava procurando por mim?

Meu coração deu um pulo quando uma nova onda de calor subiu do

meu pescoço até o meu rosto. Ah, droga. Eu não conseguiria me livrar

dessa.

– Eu estava. Mas a sua anfitriã, seja lá qual for o nome dela…

– Simone.
– Me disse que você estava ocupado – continuei. Observei sua

reação, mas ele apenas me encarava. – Então eu fui embora.

O rosto de Valen estava cuidadosamente neutro.

– Do que você precisava?

Notei que ele não especificou que estava ocupado como aquela loira

bonita.

– Estou sendo investigada pelo Conselho das Sombras. Alguém…

alguém do alto escalão fez uma reclamação.

– E você acha que é a Adele – disse o gigante, arrancando as

palavras da minha boca.

Acenei com a cabeça.

– Essa é a única explicação. Eu arruinei seus planos e a expus.

– Não foi só você – Os olhos de Valen traçaram meu rosto e se

fixaram em meus lábios, fazendo com que uma onda de eletricidade me

percorresse.

Pigarreei.

– Talvez não. Mas ela concentrou seu ódio em mim. Acho que isso

tem a ver com o fato de eu ser diferente, de ser uma bruxa Estelar. Olha,

eu fui perguntar se você conhece algum investigador. Achei que, se você

conhecesse algum, isso poderia me dar uma oportunidade maior de me

preparar.

Valen passou os dedos pelo cabelo.

– O único que eu conheço é o Drax. E ele está aposentado agora.

Mudou-se para a Flórida.

Deixei escapar um suspiro, sentindo a decepção percorrer meu

corpo.

– Ok. Bem, obrigada – Eu só teria que esperar para ver quem eles

iriam enviar e torcer para que a influência de Adele não fosse um fator.

Seguiu-se um silêncio constrangedor por um tempo, meu coração

tocando música em meus ouvidos no turbilhão de sentimentos

conflitantes, enquanto meu corpo inteiro vibrava com um calor que não

tinha nada a ver com o calor do meu apartamento.

Parte de mim queria perguntar sobre a loira, mas eu sabia que não

era da minha conta. Além disso, no momento em que essas palavras

saíssem de meus lábios, ele saberia que eu gostava dele. Gostava muito.
Não ajudou o fato do gigante ter salvado minha pele duas vezes. Ele

era galante, forte e sexy como o inferno… mas não era meu. E eu não

compartilhava meus homens.

Valen deu um passo à frente até que seus joelhos encostaram na

minha coxa.

– Tem algo mais. O que é?

Desviei o olhar do gigante. Como eu poderia contar a ele sem me

trair? Eu achava que havia algo entre nós, algo real. Mas eu não ia ser

esse tipo de mulher. Eu estava velha demais para isso.

E foi aí que Jade entrou em cena.

A bruxa passou apressada pelo meu apartamento, ela deu uma

olhada em direção a Valen e a mim e parou, com as mãos no ar.

– Desculpe, estou interrompendo alguma coisa?

– Não – Valen e eu dissemos ao mesmo tempo.

– Oook – disse Jade. – Bem, o Basil me mandou buscar você. Ele

disse que precisa de você no saguão, imediatamente.

– Ótimo. Parece divertido – Sem olhar para Valen, peguei minha

bolsa e minha jaqueta e saí do apartamento atrás de Jade. Eu precisava

me afastar de Valen, o que seria quase impossível, já que ele morava ao

lado, pelo menos até que eu superasse esses sentimentos.

Mas algo me fez dar meia-volta antes de sair pela porta, então olhei

para trás.

Valen estava parado ao lado da mesa, olhando para o chão. Suas

feições estavam tensas e cautelosas, mas eu podia dizer que ele estava

preocupado com o que eu tinha acabado de contar. Eu também estava

preocupada.

Porque eu tinha uma sensação horrível de que isso era apenas o

começo.
Capítulo 5

O saguão não se parecia em nada ao que era uma hora atrás, quando

passei por ele em direção aos elevadores. Em vez de ter apenas

alguns hóspedes, estava lotado.

Os paranormais estavam em pequenos grupos, conversando

enquanto bebiam. Alguns até ocupavam as cadeiras confortáveis

enquanto uma música suave tocava em um ritmo constante. Porém, a

maioria estava nas mesas de jogo ou se reunia em torno das máquinas

caça-níqueis. O cheiro de cigarro chegou até mim e, senti uma vibração

leve e trêmula de energias, as vibrações paranormais.

Reconheci alguns rostos. Barb, a bruxa idosa, estava sentada em uma

mesa de pôquer. Ela usava óculos escuros para esconder os olhos

enquanto segurava as cartas, e parecia uma profissional. Essa não era sua

primeira vez jogando. Não reconheci os outros que estavam sentados à

mesa dela.

Vi Luke, o homem dos gatos do décimo terceiro andar, com um gato

grande e fofo de pelagem laranja sentado em seu colo enquanto puxava a

alavanca de uma das máquinas caça-níqueis. Olga, a bruxa fumante

inveterada, que gostava de Julian, estava sentada em uma mesa de roleta.

Ela tinha um cigarro em uma das mãos enquanto segurava um copo

pequeno com o que poderia ser água na outra. Eu duvidava que fosse

água. A sombra roxa que ela usava nos olhos era uma má escolha. Mas

eu não ia contar a ela.

As mãos de Basil se agitaram no ar, enquanto ele conversava com

um homem alto e uma mulher mais baixa que ele, possivelmente uma
hobbit, enquanto apontava para mim.

– Ela é a Merlin. É isso mesmo. Leana Fairchild. A bruxa estelar

que…

Me escondi atrás de um homem grande e corpulento com mãos

peludas. Estava cansada de ser a estrela do momento de Basil, e me vi

diante da recepção.

Um movimento chamou minha atenção e, por uma fração de

segundo, vi uma mosca pousada no balcão. Então, com um movimento

rápido, a mão de Errol apareceu do nada. Pisquei os olhos e a mosca

havia desaparecido. O movimento da língua cinza de Errol me indicou

para onde ela tinha ido.

– Você acabou de comer um inseto? – Fiquei olhando para ele, com

os olhos arregalados. Isso era nojento, até mesmo para ele. Será?

O concierge me encarou.

– Você está louca? – ele rosnou. – Você está sendo especialmente

idiota hoje. Você deveria parar de tomar esses remédios. Agora, vá

embora. Você está me incomodando.

Sorri para ele.

– Você comeu, sua criaturinha nojenta. Você comeu aquela mosca.

Eu vi – O quê? Eu tinha que me divertir um pouco.

O rosto pálido de Errol escureceu e ele estendeu os dedos sobre o

balcão.

– Não sei por que você continua aqui. O hotel cometeu um erro ao

contratar você novamente. Eu teria jogado você na rua. Você não

pertence a este lugar.

Inclinei-me sobre o balcão, bem de frente para ele, e acenei com o

dedo em seu rosto.

– Não mude de assunto. Você comeu aquela mosca. Você sabe disso.

Eu sei disso. O que mais você come? Baratas? Aposto que você adora.

Todas aquelas tripas de barata suculentas, parecendo um molho.

– Baratas? Eca – Jade apareceu ao meu lado e se apoiou no balcão. –

Achei que o hotel tinha cuidado disso no ano passado. Sem os gatos de

Luke, teria sido uma infestação – Seus olhos se arregalaram. – Elas

estavam por toda parte.

Sorri para Errol.

– Tenho certeza de que Errol cuidou disso. Não é, Errol?


O rosto de Errol estava praticamente roxo de raiva.

– Posso garantir a você que não há baratas no hotel.

– Claro que não. Você cuidou delas – Eu não conseguia parar de

sorrir. Ele era tão fácil de irritar.

Me afastei e puxei Jade comigo antes que a cabeça do concierge

explodisse.

– Você gosta de torturá-lo, não é? – perguntou Jade, puxando as

mangas da camisa. As pulseiras de plástico tilintavam em seu pulso.

– Uma garota precisa se divertir às vezes – Olhei ao redor do saguão.

Estava cheio de pessoas que eu nunca tinha visto antes. Algumas eram

da minha idade, mas a maioria era mais velha, com idade próxima à de

Elsa. Elas conversavam, riam e bebiam. Todos pareciam felizes por

estarem aqui.

– O hotel está bem cheio hoje. Que legal – Mais do que legal. Era

ótimo. Isso significava que eu poderia me esconder facilmente de Basil.

O olhar de Jade se deslocou de um lado para o outro.

– É verdade. Parece que a maioria das pessoas gosta de jogar à noite.

– É possível. Eu não jogo, então não sei – Eu trabalhava duro para

ganhar meu dinheiro. A ideia de jogá-lo fora para tentar a “sorte” de

ganhar me parecia estranha. Eu não era rica, e cada centavo contava.

Acredite em mim. Eu os contava.

Jade deu uma risada.

– Veja. Lá está a Elsa.

Segui seu dedo e vi uma mulher de 65 anos, ruiva e frustrada, com

uma bebida em uma das mãos, chutando uma máquina caça-níqueis e

aparentemente xingando-a.

– Vamos ajudá-la antes que ela quebre o pé – Jade enganchou seu

braço no meu e, juntas, nos juntamos a uma Elsa de rosto vermelho.

Os olhos da bruxa mais velha se arregalaram quando ela nos viu.

– Essa maldita máquina pegou meu dinheiro! – gritou ela. –

Devolva-me!

Pressionei meus lábios.

– É isso que elas fazem. As pessoas raramente ganham.

Elsa fez um punho com a mão livre e a levantou.

– Ela pegou tudo. Tudo. E não quer devolver. Tentei um feitiço de

número reverso, um sigilo de jackpot mágico e uma maldição da loteria


de Pandora. Nada funcionou.

Jade olhou para mim.

– Isso é porque as máquinas são protegidas contra trapaceiros.

Elsa respirou fundo, parecendo escandalizada.

– Você está me chamando de trapaceira?

Jade deu de ombros.

– Bem, você perdeu e agora está tentando enfeitiçar a máquina para

que ela lhe devolva o dinheiro. Eu diria que isso é um pouco de trapaça.

Elsa apertou os lábios com firmeza. Em seguida, tomou um gole de

sua bebida, e disse:

– Você tem razão. Eu sou uma otária.

Soltei uma gargalhada.

– Nunca imaginei que essa palavra sairia da sua boca. Gostei.

Elsa tirou uma mecha de cabelo da testa suada.

– Você descobriu alguma coisa sobre os corpos?

– É mesmo, você sabe quem eles são? – questionou Jade.

– Ah, sim – eu disse quando um garçom se aproximou e baixou a

bandeja com as taças de vinho para nós. Jade e eu pegamos uma taça de

vinho tinto cada uma. – Não consegui encontrar nenhum arquivo de

pessoas desaparecidas – eu disse a elas. – Agora, estou aguardando o

resultado da autópsia. Espero que isso esclareça o que os matou.

– É verdade – Jade tomou um gole de vinho e estremeceu. – Não é

tão bom quanto o vinho do restaurante de Valen.

Ela estava certa sobre isso. O vinho tinha um gosto muito forte de

álcool e um cheiro de vinagre.

– Basil não parece muito preocupado com isso – acrescentou Elsa

com uma careta. – Ele parece mais preocupado com o resultado de sua

Semana do Cassino do que com aquelas pobres almas mortas.

Olhei para a multidão e encontrei Basil conversando com um

homem importante de terno escuro. Quando me virei, Elsa estava

murmurando outro feitiço na máquina caça-níqueis, achando que não a

tínhamos visto.

Jade me viu olhando e fez um gesto com o dedo próximo à orelha,

insinuando que ela estava doida.

Eu ri e desviei o olhar antes que Elsa me pegasse olhando. Coitada.

Ela provavelmente perdeu muito dinheiro.


Meu coração deu um salto quando vi um par de olhos escuros me

observando do outro lado do saguão.

Valen estava parado com uma graça predatória que chamava a

atenção. Os que estavam ao redor dele mantiveram distância,

reconhecendo-o como um rei. Mesmo em sua forma humana mais

diminuta, ele era enorme, mais alto do que qualquer um. Ele estava todo

confiante e implacável, com os braços cruzados sobre o peito amplo,

fazendo com que seus ombros largos se destacassem e seus peitorais

ficassem salientes, ele era um homem-fera viril.

Mesmo à distância, eu podia ver a intensidade de seu olhar enquanto

ele me observava, fazendo os pelos da minha nuca se arrepiarem. A

sensação era inebriante.

Finalmente, ele desviou o olhar quando Jimmy se juntou a ele, e os

dois começaram a conversar.

– Você e Valen brigaram? – perguntou Jade, o que fez Elsa parar de

xingar a máquina caça-níqueis e se virar para mim.

– O quê? Não. O que fez você pensar isso?

– Então, por que a indiferença? – questionou a bruxa que adora os

anos 80. – Você praticamente queria uma desculpa para se livrar dele e

vir comigo. O que você tem?

Pensei em contar a elas sobre o beijo que havia dado em Valen, mas

decidi não fazê-lo. Quanto menos pessoas soubessem disso, melhor.

– Eu fui uma idiota – eu disse a ela. – Pensei… pensei que havia

algo entre nós. Mas eu estava errada. Não há nada – eu disse, pensando

na loira que eu tinha visto com ele. – Somos apenas amigos.

Jade inclinou a cabeça para o lado.

– O que faz você dizer isso?

– Eu o vi com alguém hoje – Achei melhor contar, elas acabariam

descobrindo. – Uma loira muito bonita. Eles estavam de mãos dadas,

mais ou menos, e compartilhando um momento íntimo. Definitivamente,

havia algo entre eles.

– Você o viu com outra mulher. E daí? – Jade colocou a mão livre no

quadril. – Valen conhece muitas mulheres.

Eu balancei a cabeça.

– Eu sei o que vi, e o que vi foi um homem e uma mulher realmente

interessados um no outro. Não há nada entre mim e Valen – Pelo menos,


não da parte dele. – Por que você está olhando para mim desse jeito?

Não tem problema. Nós nem sequer fomos a um encontro. Eu imaginei

que havia algo entre nós… e agora percebo que estava errada. É só isso.

– Pfff – Elsa tomou o último gole de sua bebida e bateu o copo na

parte superior do caça-níquel, com as bochechas mais vermelhas do que

o normal. – Que bobagem. Todos nós vemos a maneira como vocês se

olham. Como se vocês quisessem arrancar as roupas um do outro.

Definitivamente, há algo entre vocês. Não tente negar isso.

– Ela está certa, sabia – Jade tomou um gole de vinho. – Eu me

lembro de como ele a abraçou quando vocês dançavam no baile. Veja só

como ele está olhando para você agora… como se quisesse levá-la para a

cama e lhe dar orgasmos múltiplos.

Meu rosto ficou em chamas quando Elsa lançou os braços no ar e

começou a cantar:

Ah, ha, ha, ha, ha, orgasmos, orgasmos, enquanto a música Stayin'

Alive do Bee Gee´s, tocava. Claramente, a bruxa tinha bebido demais,

mas era uma bêbada divertida.

Os convidados próximos pararam de conversar e vieram em nossa

direção, querendo saber um pouco mais sobre os “orgasmos”. Eles

olhavam para Elsa, que ainda cantava e sacudia a máquina caça-níqueis

com as duas mãos, como se tivesse perdido a cabeça. Talvez eles

pensassem que orgasmo era a palavra secreta para ganhar nas máquinas

caça-níqueis. Eu ri mais.

Jade exalou longa e baixinho.

– Eu gostaria que alguém olhasse para mim assim.

Me inclinei e notei que Jade olhava para Jimmy em vez de olhar para

Valen. Parecia que ela ainda estava apaixonada pelo cara.

Elsa exalou.

– Ele é um animal complicado. Um animal muito bonito. Mas

complicado.

– Sim – Eu tinha que concordar com isso. – Uma fera complicada.

Uma súbita alegria encheu o ar, e vi Julian pulando de sua cadeira e

parecendo bastante satisfeito consigo mesmo.

– Ganhei, ganhei! – gritou ele.

– Julian está se divertindo – Voltei minha atenção para Valen, por

que diabos não, e vi uma mulher ao lado dele. Não era uma mulher, era
uma bruxa. Uma bruxa alta e magra que fez meu sangue ferver de uma

forma nada boa.

– Que diabos ela está fazendo aqui? – rosnei.

Adele apareceu no saguão vestindo um terninho azul-marinho sob

medida, uma blusa branca engomada sobre sua estrutura magra e um

sorriso radiante. Seu cabelo longo e loiro escorria em ondas soltas pelas

costas. Seu sorriso radiante me lembrou o sorriso de um boneco de

ventríloquo, falso e orquestrado. Com olhos radiantes, ela examinou a

sala e, quando seu olhar se encontrou com o meu, ela sorriu sem mostrar

os dentes.

Encontrei os olhos de Valen do outro lado da sala e vi a preocupação

cruzar suas feições. E então Adele se virou para ficar de costas para

mim. Imaginei que fosse uma tentativa de esconder Valen de mim, mas

o cara era enorme. Ela era apenas um obstáculo pequeno diante dele,

permitindo que eu ainda o visse perfeitamente… com a carranca em seu

rosto enquanto ele falava com a bruxa.

As posturas de Elsa e Jade se enrijeceram, e Elsa pareceu ficar um

pouco mais sóbria ao ver a outra bruxa.

Coloquei minha taça de vinho em cima de uma das máquinas caça-

níqueis.

– Acho que vou conversar com ela.

Elsa estendeu a mão e agarrou meu braço.

– Não – Ela me agarrou. – Não faça isso. Você não vai conseguir

nada de bom com isso.

Tentei soltar meu braço, mas Elsa o segurou com força.

– Quero saber por que ela apresentou uma queixa. Não. Na verdade,

quero confirmar que é ela – Eu sabia que era ela, mas queria ouvir isso

de seus próprios lábios.

– Sabemos que foi ela – disse Elsa, com a voz trêmula de medo. –

Deixe-a em paz. Se você for até lá, só vai piorar as coisas. Confie em

mim.

Balancei a cabeça, meus olhos voltaram para as costas magras de

Adele.

– Como as coisas podem ficar piores do que já são?

– Ela pode piorar as coisas – concordou Jade, com o rosto pálido. –

Você não a conhece como nós.


Eu estreitei os olhos.

– Você está falando por experiência própria? – Olhei para as minhas

amigas. – O que ela fez com vocês?

Jade olhou para Elsa e, finalmente, a bruxa mais velha falou:

– Meu marido perdeu o cargo por causa dela.

– O quê? – Uma chama de raiva se acendeu em minhas entranhas.

– É claro que era mentira – disse Elsa, com os olhos cheios de

lágrimas. – Meu Cedric nunca roubaria nada. Ela só disse isso para se

livrar dele. Ele trabalhava como bibliotecário no escritório do tribunal

das bruxas brancas aqui em Nova York. Ele era o único que se opunha a

ela. Ela intimidava todo mundo, mas não o meu Cedric – Ela enxugou as

lágrimas com as mãos e depois sorriu para o pingente.

Cerrei os dentes diante da necessidade repentina e louca de correr

até lá e puxar o cabelo de Adele. Então, lentamente, voltei minha

atenção para aquela bruxa horrível, imaginando sua cabeça explodindo.

– Agora, eu realmente quero falar com ela.

Um homem atravessou o saguão correndo e foi falar com Valen. Ele

se inclinou para frente e eles trocaram algumas palavras. Depois,

observei o gigante sacar o celular e colocá-lo no ouvido.

– O que foi isso? – perguntou Elsa, inclinando-se demais para a

frente e quase caindo. Então, ela se endireitou.

– Não sei – Fiquei observando enquanto as emoções percorriam o

rosto de Valen, manifestando-se em diversos tons, choque, raiva e um

senso de obrigação. Suas feições se endureceram novamente, e então ele

encontrou meus olhos.

– Parece que estamos prestes a descobrir – disse Jade. – Ele está

vindo para cá.

Eu vi o rosto indignado de Adele quando Valen a deixou para vir em

minha direção. Foi uma pequena vitória, mas eu a aceitaria.

O gigante musculoso se aproximou.

– Algo está acontecendo no Brooklyn. Um grupo de vampiros está

atacando humanos.

– O quê? – dissemos todas juntas.

– Acabei de receber a confirmação – disse o gigante. – O vampiro

chefe tem uma equipe lá, mas eles precisam de ajuda. A situação está

ficando fora de controle. Já houve três mortes.


Que merda. Isso não era bom.

– Eu vou até lá.

– Eu também – disse Elsa, agarrando-se à borda de uma mesa para

não tombar.

– Acho que é melhor você ficar – eu disse a ela, olhando para o copo

vazio.

– Vou ficar com ela – disse Jade, embora eu tivesse a sensação de

que ela queria ficar por causa de Jimmy.

– Tudo bem – Elsa colocou as mãos nos quadris. – Então vou

conversar com Adele – Antes que qualquer um de nós pudesse impedi-

la, Elsa marchou pelo saguão como se estivesse indo para a guerra, em

direção a Adele.

– Ah, não – Jade olhou para mim. – Acho que é melhor eu detê-la –

disse ela, correndo atrás de Elsa.

– Onde no Brooklyn? – Perguntei ao gigante.

Seus olhos escuros encontraram os meus quando ele disse:

– Marine Park, perto da trilha. Venha. Eu vou de carro.


Capítulo 6

F oi a viagem de vinte minutos mais desconfortável dos meus quarenta

e um anos. Mas não devido ao carro. O Range Rover Sport SUV

preto era extremamente confortável, luxuoso, espaçoso, sexy e muito

másculo, assim como Valen.

Sentei-me no banco do passageiro, e embora o banco fosse

praticamente moldado à minha bunda, meu interior estava uma

montanha-russa. Valen não havia dito uma palavra desde que saímos do

hotel. Eu meio que o segui até o estacionamento atrás do restaurante e

entrei em seu SUV reluzente.

A última vez que estivemos tão próximos e sozinhos foi na noite em

que ele me beijou em seu apartamento. Deixe-me repetir: ele se inclinou

e me beijou. Sim, eu pensei sobre isso, mas ele foi o instigador. E depois

que ele se afastado, ele se distanciou completamente de mim.

Mas eu tinha um trabalho a fazer. Eu sabia que isso acabaria

acontecendo e que Valen e eu teríamos que trabalhar juntos em um caso.

Eu tinha que controlar minhas emoções e hormônios, e colocar a

segurança do nosso povo e dos humanos em primeiro lugar. Eu tinha que

parar com as imagens daquele gigante nu maravilhoso, de preferência,

eu estaria nua também. Não é de admirar que eu estivesse tão excitada.

Eu não fazia sexo há mais de um ano, e tinha sido com Martin, o homem

de um minuto. Na verdade, parecia mais o homem de vinte segundos.

Vamos ser honestos.

Enquanto estávamos sentados em silêncio, meu estômago se

reorganizava em minha barriga, passando de um tango para uma


cambalhota, acentuada pelo ruído do carro, e os flashes dos postes de

luz e dos carros que piscavam em meus olhos.

Mesmo assim, senti seus olhos em mim. Valen continuava lançando

olhares dissimulados, achando que eu não notaria. Mas eu podia vê-lo.

Só não queria olhar para ele agora.

Mas isso era ridículo.

– O que você pode me dizer sobre os ataques? – perguntei, depois de

não conseguir mais suportar o silêncio entre nós.

Valen parou seu SUV em um sinal vermelho.

– Apenas que um grupo de vampiros está fora de controle e matando

humanos. Os vampiros chefes estão tentando manter as coisas sob

controle, mas parece que precisam de nossa ajuda.

– Houve outros ataques de vampiros na cidade ultimamente? –

perguntei quando o carro começou a andar novamente, pressionando-me

contra o banco.

Os ataques de vampiros eram raros, assim como os ataques de

lobisomens eram incomuns, mas aconteciam ocasionalmente.

Normalmente, os paranormais em questão estavam doentes ou tinham

algum problema mental, não muito diferente dos humanos quando

tinham um surto psicótico. Mas, em geral, isso acontecia com apenas

um vampiro ou metamorfo, não com um bando inteiro.

– Três nos últimos cinco anos, desde que estou aqui – respondeu

Valen, manejando o volante com suas mãos fortes.

– Em todas as ocasiões, os chefes controlaram o problema antes que

ele saísse do controle ou que a polícia humana se envolvesse.

Passei os olhos pelo seu rosto, contemplando como as luzes da rua

dançavam com as sombras em seu rosto.

– Você acha que esses ataques e os paranormais mortos estão

relacionados? – Eu não acreditava em coincidências. Quais eram as

chances de encontrar paranormais mortos sem suas essências e agora um

ataque incomum de vampiros?

A mão de Valen agarrou o volante com mais força.

– Eu não sei. Acho que vamos descobrir quando chegarmos lá.

– Por que você acha que eles estão agindo assim? Psicose coletiva?

Sim, isso soou muito nada a ver, mas eu não consegui pensar em um

motivo pelo qual um grupo de vampiros decidiu mastigar alguns


humanos.

Um músculo se esticou ao longo da mandíbula de Valen.

– Pode ser uma doença? Algo contagioso apenas para os vampiros?

– Hum. É um comportamento estranho – Fiquei olhando para a

frente, observando as luzes dos carros que passavam por nós.

Senti os olhos de Valen em mim novamente quando ele disse:

– Sei que você tem me seguido.

Me mate agora.

Pigarreei.

– O quê? – Quando estiver em dúvida, faça-se de boba.

– Nas últimas três noites seguidas, você tem me seguido – continuou

o gigante. – Você acha que eu não sei? – Seus lábios se curvaram em um

sorriso.

A irritação e o constrangimento me invadiram.

– Se você sabia, por que não disse nada?

Eu me senti uma idiota. Achei que tinha sido esperta em minha

furtividade, como a Mulher-Gato ou algo assim. Acho que não fui tão

esperta quanto pensava. A ideia de que ele sabia que eu o estava

seguindo o tempo todo era mortificante. Eu era uma grande idiota.

– E impedir que você tivesse a sensação de estar em posição

privilegiada? – provocou Valen. – Eu não queria ser um estraga prazer.

Meu rosto fervilhou.

– Bem, você acabou de fazer.

– Então, você encontrou o que estava procurando? – perguntou

Valen, com a voz divertida.

Que merda. Será que ele achava que eu queria vê-lo nu? Dei de

ombros.

– Sou curiosa. Nunca havia conhecido um gigante antes. Queria

observar você sem saber que eu estava lá. Era para o trabalho – Em

parte, é verdade. A outra parte foi porque ele me intrigou.

– Certo – Valen se virou para me olhar, e o riso dançou em seus

belos olhos.

Levantei minhas mãos.

– Ok, você me descobriu. Eu sou uma stalker.

Valen começou a rir.

– Pelo menos você é bonita.


O calor percorreu meu corpo, causando pequenos formigamentos em

toda a minha pele. Ok, agora eu estava perplexa. Valen não era um

sedutor. Não senti essa vibração nele. Mas eu sabia que ele saía com

muitas mulheres ao mesmo tempo, tipo encontros casuais, se você

preferir. Mas eu não era esse tipo de mulher.

– Se você quer saber, não vou mais seguir você. Consegui todas as

informações que precisava. Muito obrigada!

– Se você diz – disse o gigante depois de um momento, sua voz

dando a entender que ele não acreditava em uma palavra do que eu

disse. Ele voltou sua atenção para a estrada, sua expressão pensativa

suavizava suas belas feições, e sua postura era confiante e forte.

Chegamos ao Marine Park e continuamos até nos aproximarmos das

trilhas naturais. As sombras das gramas altas e arbustos cobriam a área.

Eram 22h00, e a escuridão dificultara enxergar. A única iluminação era a

lua e alguns postes de luz perto do estacionamento.

Valen parou ao lado de outra SUV escura e desligou o motor. Saí da

SUV e olhei em volta.

Árvores majestosas, como carvalhos e freixos, erguiam-se a alturas

comparáveis a edifícios de três andares acima de nós, e vastas extensões

de áreas pantanosas se estendiam em todas as direções ao nosso redor.

As folhas farfalharam e um vento soprou por entre as árvores, era forte,

calmo e sobrenatural. O cheiro de terra úmida e folhas molhadas subia

com o vento e, por um momento, quase parecia que estávamos

caminhando por uma floresta natural. Mas o cheiro espesso de sangue o

denunciou. Definitivamente, havia algo errado com essa trilha.

Avistei outro carro estacionado atrás de nós com a porta do

passageiro aberta. Um homem estava pendurado no banco, com as

pernas dentro do veículo, enquanto a parte superior do corpo estava no

chão. Apressei-me e diminuí o passo ao ver o que restava do seu

pescoço. Parecia que um leão havia arrancado um pedaço de sua jugular.

Havia sangue por toda parte. Os olhos sem vida do homem estavam

abertos, olhando para o nada.

Senti Valen se aproximar de mim.

– Eu não sabia que o corpo de um humano podia sangrar tanto assim

– eu disse a ele. – Os vampiros não drenam o sangue de suas vítimas?

Quero dizer, chame isso de clichê, mas por que desperdiçar sangue
fresco assim? Olha o pescoço dele! Parece que ele foi retalhado até a

morte.

Valen balançava a cabeça.

– Eu nunca vi isso antes. Parece mais com algo que um lobisomem

faria ou outro metamorfo. Mesmo assim, eles teriam que ser loucos para

ir tão longe assim.

– Mas o cara disse vampiros, certo?

O corpo de Valen se enrijeceu com a inquietação.

– Ele disse.

Senti-me mal pelo humano. Ele parecia jovem, não tinha mais de

trinta anos, com toda a vida pela frente.

– Que péssima maneira de morrer – Mas não podíamos fazer nada

por ele agora.

Gritos agudos reverberaram em algum lugar nos pântanos. A voz de

um homem emitiu um grito agonizante.

Olhei para Valen.

– Vamos lá.

– Fique atenta – advertiu ele, sua postura era predatória, emanando

uma ameaça. – Eles não são vampiros comuns. Os vampiros

enlouquecidos são implacáveis. E eles parecem mais animais selvagens.

Eles só pensam em matar, e estão apenas caçando por esporte.

Soltei um suspiro nervoso.

– Entendi.

O rosto de Valen refletia uma raiva determinada, cortante como uma

lâmina afiada.

– Se eles vierem até você, não pense. Apenas faça. Pensar fará você

morrer.

– Entendi essa parte também – Essa não era minha primeira vez

lidando com um vampiro louco, mas o fato de Valen estar claramente

nervoso me deixava mais nervosa. Se esses ataques estavam deixando

um gigante nervoso, o que diabos isso significava?

Sem dizer mais nada, Valen assumiu a liderança e correu em direção

ao grito constante, enquanto eu galopava atrás dele na trilha de areia.

Minhas pernas já estavam com cãibras e o vinho que eu havia tomado

antes ameaçava voltar.


Eu não sabia o que encontraríamos quando chegássemos lá, mas

estava feliz que o céu estava limpo. Entrei em contato com meu poder

interior e canalizei a energia celestial. Com o coração batendo forte,

respirei fundo, entrei em contato com meu interior e alcancei a energia

mágica gerada pelo poder das estrelas.

Eu estava pronta.

Gramas e phragmites tão altas quanto eu ladeava a trilha. Valen não

estava muito à minha frente. Percebi que ele não estava correndo o mais

rápido que podia, ele estava se certificando de que eu conseguiria

acompanhá-lo. Coisas como essa só me faziam gostar mais dele. Sim, eu

estava confusa, mas não podia pensar nisso agora. Isso era importante

demais para deixar meus sentimentos atrapalharem.

Eu me perguntava se ele se transformaria ou lutaria contra os

vampiros em sua forma humana. Eu sabia que ele queria manter

segredo, mas não pude deixar de me perguntar se outras pessoas sabiam,

além de mim, meus novos amigos e alguns outros. Será que o chefe dos

vampiros sabia? Foi por isso que eles o chamaram e pediram sua ajuda?

Achei que estava prestes a descobrir.

O gigante parou à frente e se inclinou sobre algo no caminho.

Respirando com dificuldade, corri até ele. Deitado no chão estava

outro corpo, dessa vez de uma mulher. A bile subiu em minha garganta

com o que vi. Não só a garganta dela estava aberta, mas suas roupas

estavam rasgadas, deixando exposto o que restava de seu peito e

estômago. Sua jaqueta, camisa e calça jeans tinham sido rasgados,

exibindo ferimentos ao longo dos antebraços e pernas. Senti-me mal e

irritada com a cena horrível.

– Isso é doentio – eu disse, tremendo de adrenalina e raiva, sabendo

que estávamos prestes a enfrentar alguns monstros seriamente doentios,

não vampiros. Não, isso era mais parecido com o que os demônios

fariam.

A expressão de Valen exibia irritação.

– Venha – Isso foi tudo o que ele disse quando saiu correndo

novamente.

Segui o gigante, com a adrenalina fluindo em minhas veias,

impulsionando minhas pernas para acompanhá-lo. Não precisei ir muito

mais longe.
A lua refletia em um lago, com sua água prateada ondulando com

uma leve brisa. E ali, do outro lado do lago, não havia um bando de

vampiros, mas cerca de cem.

– Ah, merda.
Capítulo 7

A cena assemelhava-se a um típico cenário de filme de terror, onde

uma multidão de zumbis repentinamente se abatia sobre os humanos

aterrorizados, que se viam impotentes, sem saber como se defender,

incapazes de fazer algo além de enfrentar o destino mortal.

O ar pulsava com o coro de gritos e os lamentos angustiados dos que

estavam à beira da morte. Os corpos de humanos paranormais jaziam

espalhados pelos pântanos, eram muitos e estava muito escuro para

saber o número exato.

Os vampiros estavam curvados, com suas garras roçando o chão em

uma postura semelhante à de um símio. Eles exibiam uma postura

animalesca distintiva, como se tivessem deixado para trás sua

humanidade, restando apenas a natureza selvagem de animais. Eram

criaturas.

Avistei um homem paranormal com velocidade sobrenatural lutando

contra um dos vampiros enlouquecidos. Ele se movia com precisão. Seu

ataque era habilidoso e organizado com uma graça mortal. Esse não era

o movimento de um vampiro louco. Esse vampiro era sã, por falta de

uma palavra melhor. Parecendo um vulto, ele atacou com suas garras e

cortou a cabeça do outro vampiro.

Agora eu sabia como determinar os não loucos, pude ver cerca de

uma dúzia de vampiros “normais” lutando contra os outros vampiros.

Eles eram fortes e ágeis, com uma velocidade incrível, mas os outros

também eram. E os vampiros loucos lutavam sem pensar, eram


selvagens e descontrolados. Eles só queriam matar. Aniquilar. Os outros

vampiros não durariam muito. Eles não eram muitos.

Foi aí que entramos.

As cabeças dos vampiros se viraram quando nos aproximamos. Isso

provocou gritos e rosnados de raiva. Fileiras e mais fileiras de dentes

brancos e afiados brilhavam à luz da lua. Que droga. Eram muitos dentes

afiados.

– Fique por perto – disse Valen ao exalar. A firmeza em sua voz fez

com que meus olhos voltassem para ele. A tensão cruzou suas feições.

– O que você vai fazer? – Um nó se formou em meu estômago

quando vi o tormento seus olhos.

Os músculos de suas costas enrijeceram. O rosto de Valen estava

perturbado. Suas feições oscilavam entre a frustração, a raiva e a

incerteza. Ele abriu as mãos. Eu podia ver facilmente que ele estava

lutando com a decisão se deveria ou não se transformar. Seu segredo não

seria mais tão secreto depois disso.

– Você não precisa se transformar – eu disse, reconhecendo sua

indecisão. – Eu posso enfrentá-los – No entanto, eu nunca havia lutado

contra tantos ao mesmo tempo, então teria que tirar uma magia séria do

meu traseiro. Eu tinha uma bunda grande, então talvez funcionasse.

Valen cerrou a mandíbula, com os olhos voltados para a luta.

– Eu não tenho escolha. Eles vão morrer se eu não fizer isso.

– Você sempre tem uma escolha. Posso atrasá-los e esperar por

reforços.

Valen olhou para mim, com uma suavidade em seus olhos que fez

minha garganta se fechar.

– É tarde demais. Você não pode cuidar de todos. Olhe para eles.

Você não percebe como eles se movem? Você enfrenta um, e é atacada

por cinco. Não posso permitir que isso continue. Isso deve parar.

Valen arrancou suas roupas com seu braço musculoso. Em um súbito

lampejo de luz, ele se erguia a impressionantes cinco metros de altura,

em vez de sua estatura habitual de 1,90 metros. Os músculos se

projetavam nos braços e coxas, e eram tão grandes quanto troncos de

árvores. Seu rosto era diferente, mais feroz, com uma sobrancelha mais

grossa, mas era ele. Era Valen, o gigante.


Senti um aperto no peito. Valen estava se expondo para salvar vidas,

e era difícil não gostar mais dele depois disso.

Com um poderoso impulso, o gigante disparou para frente e correu

para enfrentar os vampiros. Ouvi um grito e o som de carne sendo

rasgada. O gigante estraçalhava os vampiros com uma rapidez bárbara,

seu corpo poderoso era uma força a ser reconhecida e era assustador

como o inferno.

Esqueci de perguntar a ele se eu deveria atirar para matar ou se

iríamos apenas prendê-los até descobrirmos o que diabos estava

acontecendo.

Então tive minha resposta.

Um vampiro se atirou contra a coxa de Valen, suas presas afundaram

na pele do gigante e ele começou a morder.

Valen se abaixou, agarrou o vampiro pelo pescoço e o levantou como

se ele não pesasse nada. O vampiro parecia uma criança nas mãos do

enorme gigante. Usando as duas mãos, Valen dividiu o vampiro ao meio

e o arremessou.

Ok, isso foi um pouco nojento. Mas agora eu tinha minha resposta.

Sem dúvida, atirar para matar, mas eu tentaria nocauteá-los primeiro.

Um vulto chamou minha atenção à minha direita, e eu me virei. Um

grupo de três vampiros correu na minha direção como uma grande onda

negra mortal. Era impossível distinguir os machos das fêmeas com todo

o sangue espalhado em seus rostos e roupas.

Eles eram rápidos, muito rápidos, e muito mais rápidos do que eu.

– Parem! – eu gritei em desespero. Eu não queria matá-los. – Parem

aí mesmo! Não se aproximem mais!

Enquanto eles corriam pude ver o olhar vazio em seus olhos, não

havia nada além de uma fome de matar. Quem quer que eles fossem

antes, havia sumido.

Canalizei minha luz estelar, sentindo o poder das estrelas enquanto

ela atravessava meu corpo.

Duas bolas de luz branca saíram de minhas mãos estendidas e se

chocaram contra os dois primeiros vampiros.

A luz estelar explodiu ao redor dos vampiros, iluminando-os em

chamas de luz branca. Os vampiros se debatiam, uivando de dor

enquanto a luz das estrelas os queimava. Eu engasguei com o cheiro de


carne queimada. O ar cheirava a cabelo queimado e gordura

carbonizada. Eles não eram demônios que eu estava assando com minha

luz estelar. Eram vampiros. Com um estalo, os vampiros caíram no chão,

sem vida. Eles não explodiram em cinzas como os demônios. Os

demônios não pertenciam a esse reino, mas os vampiros sim.

Dois já foram. Falta um.

Sem saber ao certo como me sentia em relação a isso, tive um

momento de arrependimento, sentindo os efeitos do que havia feito. Eu

havia matado aqueles dois vampiros. Quero dizer, os vampiros não eram

minha raça paranormal favorita. Sua boa aparência me irritava, e eles

eram arrogantes. Mas eu havia jurado proteger eles e todos os

paranormais. Entretanto, quando o terceiro vampiro veio até mim, com

seus olhos brilhando de fome, essas emoções meio que desapareceram.

O vampiro se movia com uma velocidade sobrenatural incomparável,

muito mais rápido do que os outros dois.

A adrenalina alimentada pelo terror correu pelo meu corpo e me

colocou em alta velocidade. Desejei que a luz estelar viesse até mim e

lancei um raio de luz brilhante contra o vampiro.

Então, eu errei.

Ah, droga.

O vampiro bateu em mim com a força de uma van em movimento. A

dor reverberou por todas as minhas costas quando caí no chão com o

vampiro em cima de mim.

Eu sorri para o vampiro macho, vendo-o de perto agora.

– Sabe, você está avançando rápido demais para mim. Não sou esse

tipo de garota.

Esperei por um vislumbre de uma emoção humano-vampiro, mas

tudo o que consegui foi um rosnado, um hálito pútrido e uma baba

grossa e fedorenta que caiu em meu rosto.

– Obrigada por isso.

O vampiro abaixou a cabeça quando seus olhos negros encontraram

meu pescoço e ele lambeu os lábios.

Essa era a minha deixa para sair dali.

Bem, o que os homens têm que nós não temos? Isso…

Levantei o joelho e dei uma joelhada em suas bolas.


Os olhos negros do vampiro se arregalaram de dor quando ele rolou

para o lado, gritando de dor.

Eu me levantei.

– Seja um bom vampiro e fique aí.

Obviamente, ele não ouviu.

O vampiro se levantou, sibilando como um gato louco e saltou.

Canalizei minha luz estelar, juntei meus pulsos e soltei.

Um disparo grande de energia brilhante foi lançado e o atingiu. O

vampiro cambaleou, emitindo gritos de dor, seu corpo se contorceu à

medida que seus músculos convulsionavam como se estivessem sendo

submetidos a uma descarga elétrica. Ele caiu no chão, batendo as pernas

e se contorcendo, mas não durou muito. Ele se debateu por um momento

e depois parou.

Soltei um suspiro.

– Meu Deus, eu odeio isso. Viu o que você me fez fazer? Eu tive que

matar você

Dei um passo para trás e olhei para a luta em andamento,

procurando por Valen, que não era difícil de ver.

Ele balançava seus grandes punhos contra os vampiros

enlouquecidos com uma ferocidade terrível. Eles se lançaram contra ele

como um enxame de vespas, com os rostos transtornados, mas Valen os

derrubava com seus enormes punhos. Seus ossos foram esmagados, e

suas cabeças pareciam tortas de cereja esmagadas. Era nojento, mas

descobri que não conseguia desviar o olhar. Eu estava hipnotizada. Mas

estava confiante de que Valen, em sua forma humana, não teria tido a

menor chance contra essa horda de vampiros enlouquecidos.

Eu não conseguia mais distinguir os vampiros normais dos loucos.

Tudo o que eu via era vultos de dentes, garras e morte.

O som de algo pesado se aproximando me fez dar meia-volta. Mais

quatro vampiros entraram em minha linha de visão.

As probabilidades não estavam exatamente a meu favor, mas eu

quase sempre vencia as probabilidades.

Eu estava irritada. Irritada por eles quererem me matar, sim, mas

mais irritada por eu ter que matá-los também. Claramente, havia algo de

errado com eles. E eu não queria matá-los, mas se eles viessem até mim,

eu teria que me defender.


Sim. Eles estavam vindo atrás de mim.

O primeiro vampiro, um careca, vamos chamá-lo de Carequinha,

veio até mim com um uma velocidade realmente impressionante. Seus

ataques eram impulsionados por explosões de raiva descontrolada, em

vez de se basearem em alguma forma de habilidade ou precisão. Essa

era a única coisa que me dava vantagem. Se eles fossem vampiros

normais, não sei se teria conseguido sair viva.

O Carequinha se aproximou, mas eu me esquivei. Seu ataque foi

amplo e ele percebeu seu erro. Eu me virei, canalizei minha luz estelar e

bati palmas.

Milhares de estrelas brilhantes em forma de mini globo saíram de

minhas mãos e cercaram o vampiro como vespas frenéticas em busca de

vingança.

As luzes estelares dançavam ao redor do vampiro enquanto ele

uivava e agitava os braços em uma tentativa de impedir que elas se

prendessem a ele. As luzes estelares continuaram atacando até que o

vampiro ficou coberto por elas, elas se enrolavam em volta dele,

fazendo-o parecer uma múmia brilhante. Ele cambaleou e depois

tombou.

Minhas têmporas latejavam com a enxaqueca gigante que havia

surgido. Canalizar toda aquela magia tão rapidamente estava me

afetando, e meu corpo tremia de cansaço, era o pagamento pelo serviço

de canalizar todo aquele poder da luz estelar.

Mas não havia descanso para os ímpios.

Assim que a múmia-vampiro caiu, os outros três vieram na minha

direção.

– Sério mesmo?

Novamente, canalizei os poderes. Apontei e o enviei livremente.

Um disparo de energia branca atingiu os três vampiros que

avançavam. Ele atingiu o mais próximo com uma força tremenda. Com

um grito assustado, o vampiro voou para trás, atingindo seus dois

companheiros.

Ouvi um rosnado à minha direita.

Trazendo minha magia estelar de volta, girei e uma bola de luz

branca saiu de minha mão. Ela atingiu o vampiro que se aproximava em

cheio no peito. O vampiro se encolheu, uivando, seu corpo foi


consumido por chamas brancas. Isso durou três segundos antes do

vampiro cair no chão.

Só o cheiro já era suficiente para me dar vontade de vomitar.

– Droga. Tá vendo? Viu o que você me fez fazer de novo?

Me virei quando ouvi garras e rosnados se aproximando.

Mais quatro vampiros se lançaram sobre mim.

Isso estava se tornando ridículo.

Soltei um grunhido enquanto golpeava os quatro com uma rajada de

luz estelar. Eu estremeci quando ondas de dor me atingiram, a magia da

luz estelar estava recebendo seu pagamento mais uma vez.

Tonta, respirei fundo e me estabilizei, torcendo o nariz para o cheiro

de pele e cabelo queimados. O suor escorria pela minha testa e costas.

Eu estava cansada. Não conseguiria continuar assim. Eles eram muitos.

Simplesmente muitos.

Meu pulso acelerou quando vi Valen. Ele estava coberto de

vampiros. Sim, foi o que eu disse. Talvez trinta estivessem agarrados ao

gigante, com suas presas e garras mordendo e cortando. Ele os arrancava

como se fossem ratos irritantes, esmagando seus crânios.

Mas assim que ele arrancou um, outros dez apareceram.

– Parem com isso! – eu gritei, ofegante, enquanto minha magia

percorria meu corpo. – Não quero machucar vocês. Ouçam-me, seus

idiotas. Apenas parem!

Outros dois vieram, duas mulheres, pelo que pude perceber. As duas

pularam juntas, lançando-se sobre mim com as garras estendidas e as

mandíbulas abertas, como se eu fosse a refeição da meia-noite.

Não vou ter descanso, então.

Finquei meus pés enquanto mergulhava profundamente em meu

poder interior e canalizava o poder das estrelas.

E então as duas vampiras caíram de bruços na terra.

Fiquei olhando para minhas mãos.

– Estranho. Eu ainda nem tinha disparado.

Olhei para os pântanos, e como em um efeito dominó, os vampiros,

um a um, começaram a cair. Eles não estavam apenas caindo, mas se

debatendo no chão em convulsões até que o último vampiro

enlouquecido caiu. Seus membros se sacudiam e se agitavam, como

peixes fora da água. E então eles ficaram imóveis.


Com minha bota, chutei o mais próximo de mim. Ele não se mexeu.

Seus olhos negros estavam abertos, mas sem movimento. Ele não

respirava. Os vampiros estavam mortos.

Meus olhos encontraram seis vampiros em pé em meio ao mar de

cadáveres. Não havia nada de errado com eles, mas eles estavam

curvados de exaustão. Esses eram os vampiros “normais”. A julgar pelos

números, eles haviam perdido alguns.

O chão tremeu e eu vi Valen, o gigante, se aproximar de mim. Ele

estava sangrando e havia centenas de pequenos cortes e marcas de

mordida em seu corpo. Que horror. Mas o gigante não parecia se

incomodar nem um pouco com isso.

– O que você fez? – disse ele em voz alta.

Eu já tinha ouvido sua voz, mas ainda assim foi um pouco chocante

e surpreendente ouvi-lo tão de perto.

Dei de ombros.

– Nada. Não fui eu que fiz isso. Eles simplesmente… morreram.

Todos eles. Quase como… quase como se o tempo deles tivesse

acabado. Como se estivessem operando com uma bateria e então puf.

Elas acabaram.

Eu examinei a cena e, mesmo que esses vampiros tivessem tentado

nos matar, ver tantos deles mortos ainda era perturbador.

– O que poderia ter feito uma coisa dessas?

– Eu não sei. Nunca vi isso antes.

– Não é possível que tantos vampiros tenham enlouquecido de

repente – disse eu, com a cabeça latejando. – Alguém fez isso. Alguém

fez isso com eles. É a única explicação lógica – Mas por quê? Eu não

tinha a menor ideia. Mas eu tinha que descobrir, porque tinha a estranha

sensação de que isso ainda não tinha acabado.

Um pensamento veio à tona em minha mente.

– Espere um segundo – Ajoelhei-me ao lado do corpo mais próximo.

A sensação fria e familiar de pavor se instalou em mim, e senti um frio

na barriga. – Não estou sentindo nenhuma vibração de vampiro. Nada.

Um rosnado ressoou no fundo da garganta do gigante.

– Não estou gostando disso.

Eu me arrastei até o próximo corpo, era um jovem de vinte e poucos

anos.

É
– Nada aqui também – Depois passei para outra mulher. – É, não

encontrei nada.Continuei até verificar mais vinte corpos. Olhei para

Valen e balancei a cabeça.

Puta merda. Assim como os corpos que eu havia encontrado ao lado

da lixeira, esses vampiros não tinham vibrações de vampiro. Eles não

emitiam nenhuma energia paranormal. A julgar pela forma como se

moviam e atacavam, era inevitável concluir que eram vampiros.

Caramba, eles teriam me dado uma surra se não tivessem parado e

morrido.

Mas por que eles morreram?

– Eles estão conectados – disse o gigante, lendo meus pensamentos.

– Esses vampiros e os corpos que você encontrou.

Assenti e me levantei lentamente, com minhas coxas protestando.

Amanhã seria pior.

– Eles estão. Talvez os corpos perto da lixeira também tenham ficado

sem bateria.

Isso era muito bizarro, e além de tudo, eu não sabia a causa da

morte. Eles simplesmente morreram.

A única coisa que poderia ajudar agora era o resultado da autópsia.

– Precisamos levar pelo menos um corpo para o necrotério e

compará-lo com os outros. Para ver se eles podem nos dizer como eles

morreram.

– Precisamos levar os corpos para longe antes do amanhecer. Antes

que as pessoas comecem a aparecer por aqui para suas corridas

matinais.

– Não gostaríamos que isso acontecesse.

Valen exibia uma feição de dor. Percebi que tudo isso o entristeceu.

E a mim também.

– Vou fazer uma ligação. O celular está no Range Rover.

Acenei com a cabeça.

– Certo.

Valen me observou por um instante.

– Isso não é bom, Leana.

Eu exalei.

– Eu sei – Olhei para os vampiros restantes, vendo a angústia em

seus rostos e em suas posturas. – Não sei o que está acontecendo, mas
precisamos descobrir antes que aconteça de novo.

Porque todos nós sabíamos que as coisas sempre poderiam piorar

para mim.
Capítulo 8

E nvolvi as mãos na xícara de café e, de repente, ansiava por

acrescentar um pouco de Baileys em vez de simplesmente tomar

café. Eu estava cansada e, na minha idade, a falta de sono não apenas

fazia meu corpo doer, mas também me deixava mal-humorada.

Eu mal havia dormido na noite anterior com as imagens de todos

aqueles vampiros mortos me assombrando. Esperei com Valen a equipe

de limpeza dos vampiros aparecer e levar os corpos embora. Foram

necessárias dez vans, com cerca de dez corpos em cada uma delas, para

retirar os vampiros mortos. Tudo isso levou apenas vinte minutos. Os

vampiros eram altamente organizados.

De acordo com Valen, um corpo seria levado para o necrotério

paranormal da cidade. Se os outros corpos não pudessem ser

identificados, eles seriam cremados e enterrados no cemitério de

vampiros no Queens. Sim, ele existe.

Após voltar ao seu tamanho humano e pegar uma muda de roupa no

porta malas do seu SUV, Valen me levou de volta ao hotel. Nenhum de

nós falou uma única palavra durante a viagem de volta. Estávamos

ambos exaustos e possivelmente um pouco chocados com os eventos que

havíamos testemunhado. Experienciar a morte repentina de cem

vampiros foi bastante traumático. Na verdade, algo inédito. E isso nos

deixou confusos e, vamos ser honestos, um pouco assustados. Bem, eu

estava.

Isso era algum tipo de doença que só afetava os paranormais? Foi um

ataque cruel contra nós? Três mortos na noite anterior e agora cem?
Definitivamente, algo estava acontecendo em nossa cidade, e eu ia

descobrir o que era.

Não me incomodei nem um pouco com o fato do gigante não ter dito

uma palavra para mim enquanto eu saía do carro e entrava no hotel. Eu

estava cansada demais para conversar. Eu só queria minha cama. Então,

fiquei apenas grata por ele ter me trazido de volta e deixei para lá.

Me virei quando o Range Rover se afastou do meio-fio, vendo o

gigante de relance. As emoções no rosto de Valen me diziam que ele

também não estava pronto para falar, e eu não iria insistir.

– Noite difícil?

Olhei para Elsa à minha frente, seu cabelo ruivo e crespo estava mais

alto e mais fofo do que o normal, como se ela tivesse brigado com a

escova hoje de manhã.

– Podemos dizer que sim.

Aproveitei a oportunidade para olhar ao redor, meu nariz foi

envolvido pelos aromas de comida e temperos. Estávamos sentadas na

mesa circular no restaurante do hotel. Uma grande faixa laranja acima da

porta de entrada dizia BUFFET DO CASSINO.

O tilintar suave dos copos e o barulho alto das conversas se

espalharam. Eu nunca tinha visto o restaurante do hotel tão cheio.

Parecia que Basil estava fazendo algo certo. Apenas o cheiro irresistível

e apetitoso da comida seria suficiente para atrair qualquer pessoa que

passasse pela rua.

– Você vai nos contar o que aconteceu depois que você saiu com

Valen? – perguntou Jade, sentada à minha direita. Ela colocou um

pedaço de melão em cubos na boca. – Estamos nos sentindo um pouco

excluídos por aqui – Seu cabelo loiro estava preso em tranças altas e ela

tinha dobrado as mangas da jaqueta jeans sobre a camiseta com a

estampa de Kate Bush.

Elsa pousou o garfo, ocupado anteriormente com o frango português

apimentado.

– Conte tudo. Não deixe nada de fora.

– Não se esqueça da parte em que você e Valen tiram as roupas –

Jade levantou as sobrancelhas de forma sugestiva. – Essa é a parte que

eu quero ouvir.
Valen havia arrancado suas roupas, mas não desta forma. Assim que

abri a boca para responder, Julian apareceu, carregando dois pratos

cheios de comida. Ele puxou uma cadeira com o pé, colocou os pratos

na mesa e se sentou.

– O que eu perdi? – perguntou ele.

Fiquei olhando para a marca escura em seu pescoço, logo acima da

clavícula.

– Isso é um chupão?

Julian deu uma piscadela.

– Você pode apostar que sim, querida. Eu tenho mais. Você quer

ver?

Eu ri

– Não, obrigada.

– Não mude de assunto – ordenou Elsa, lançando-me um olhar de

reprovação. – Você parece que não dormiu nada. Dá para perceber que

algo aconteceu com você. Algo que manteve você acordada a noite toda.

– O sexo me manteve acordado a noite toda – Julian sorriu enquanto

cortava seu bife com uma expressão faminta, como se o que quer que ele

tivesse feito a noite toda o tivesse deixado faminto.

Exalei e me inclinei para frente. Então, mantendo minha voz baixa,

contei a eles tudo sobre os vampiros loucos, como todos eles morreram

de repente e como eles não tinham nenhuma vibração de vampiro.

Observei seus olhos se arregalarem quando terminei.

Elsa empalideceu e se recostou em sua cadeira.

– Que a Deusa, nos ajude. Isso é horrível.

– Nem me fala. Foi muito pior pessoalmente – Suspirei e encarei o

meu sanduíche de queijo grelhado, sem conseguir comer. O cheiro de

carne queimada e sangue ainda estava muito fresco em minha mente e

em meu nariz. A única coisa que eu conseguia manter no estômago era o

café.

Jade balançava a cabeça.

– Mas como pode ser? Não entendo como todos eles morreram

assim. E tantos deles – Seus olhos estavam arregalados de medo. – Será

que é contagioso?

Dei de ombros.
– Não sei. Acho que não. Se fosse, eu estaria doente ou algo assim –

disse eu, lembrando-me da minha luta com os vampiros loucos. Eles

tinham babado em mim e toquei em muitos deles. Se fosse contagioso,

eu teria pegado.

– Mas espero que os resultados da autópsia nos digam algo sobre o

que aconteceu. Eles vão comparar as primeiras vítimas com um dos

vampiros... para ver o que aparece – Eu já tinha ido ao necrotério

paranormal de Nova York algumas vezes. Talvez eu devesse ter ido

direto para lá. Talvez eu teria conseguido alguma coisa se tivesse ido.

Julian apontou o garfo para mim.

– Mas você acha que é a mesma coisa? O que matou esses vampiros

e os corpos perto do lixão?

Tomei um gole de café.

– É o que parece. Eu não vi como os outros morreram. Mas meu

instinto está me dizendo que eles estão relacionados. Valen também acha

isso.

O rosto de Jade se iluminou com a menção de Valen.

– Você perguntou a ele sobre a outra mulher?

Engasguei com meu café. Pigarreei e disse:

– Hum. Não. Não era hora de falar sobre isso. Além disso, não é da

minha conta. Realmente não era. Valen podia dormir com quantas

mulheres quisesse. Ele era um homem solteiro.

Meu rosto queimou ao me lembrar de que o gigante sabia que eu o

estava seguindo à noite. Eu claramente precisava melhorar minhas

habilidades furtivas.

– Briga de casal? – perguntou Julian enquanto enfiava uma batata na

boca. – Você quer que eu cuide dessa outra mulher? Não tem problema

nenhum para mim.

– Uhh... – Me mexi em na cadeira, sem ter certeza do que ele queria

dizer com isso. Será que ele queria dizer que a envenenaria? Eu não

queria que isso acontecesse. Eu tinha minhas inseguranças, não era

perfeita. Mas não era uma assassina.

O belo bruxo deu uma piscadela para mim.

– Eu posso facilmente seduzi-la. E depois de passar algum tempo

com o Julian aqui, acredite, ela não vai querer mais nada. Ela vai me

implorar por mais.


Eu realmente não deveria ter rido, mas não pude evitar.

– Você é louco, sabia? – Mas o fato é que ele estava falando muito

sério. Eu seria uma bruxa má se me sentisse tentada por sua oferta? Sim,

eu seria.

Julian acenou com o garfo para mim novamente.

– Pense nisso. Estou sempre aqui para você – Teria sido tocante se

eu não desconfiasse que aquilo era algo que ele gostava bastante de

fazer, conquistar mulheres de outros homens, como se fosse um esporte.

Uma mulher, cuja largura excedia sua altura, se aproximou de nossa

mesa. Manchas vermelhas, estranhamente semelhantes a sangue,

salpicavam o avental branco da cozinheira. Quase dava a impressão de

que ela acabara de matar uma galinha ou algo parecido. Os clientes

cochichavam enquanto ela passava, olhando-a com expressões

depreciativas, mas ela não ligou.

– Olá, minhas queridas bruxas e bruxo – disse Polly. Ela inclinou o

chapéu branco e pude ver seu cabelo puxado para trás em uma trança

francesa. Ela havia curado meus ferimentos do ataque dos demônios

gremlin e aparentemente era tão boa cozinheira quanto curandeira. Ela

encostou sua barriga grande na mesa, com uma bandeja de comida na

mão esquerda e uma colher na outra.

– Estão servidos carne de panela? Ou um guisado de frango? Eles

acabaram de ficar prontos.

– Sim, por favor – disse Jade, abrindo espaço no prato com o garfo.

O sorriso de Polly se alargou quando ela colocou duas porções

generosas no prato de Jade. Seus olhos percorreram a mesa e finalmente

pousaram em mim.

– Você quer um pouco? – Suas palavras saíram mais como uma

ordem do que como uma pergunta.

Balancei a cabeça.

– Não estou realmente com fome. Mas obrigada. O cheiro está

delicioso.

– Sim – gemeu Jade enquanto engolia. Ela tinha um pouco de molho

no lado da boca. E quando deu outra garfada acabou manchando o outro

lado. Pelo menos ela era consistente.

A chef lançou-me um olhar penetrante. Pude perceber os

pensamentos a mil em sua mente. Polly apontou sua colher para mim,
fazendo com que pedaços da sua carne de panela e guisado de frango se

espalhassem sobre a toalha de mesa.

– Fique longe de problemas.

Eu sorri.

– Não posso prometer nada.

Polly me deu um de seus sorrisos contagiantes e se afastou. E, com

isso, a chef se dirigiu à mesa seguinte de convidados, enquanto Jimmy

vinha em nossa direção.

– Basil está procurando você – disse ele ao se juntar à nossa mesa,

com o cheiro característico de cachorro emanando dele. Eu nunca havia

notado isso antes. Parecia que quanto mais tempo ele ficava em sua

forma humana, mais seu lado paranormal se intensificava. Jimmy

poderia ser um lobisomem. Ele era algum tipo de cachorro. Isso

explicava por que a maldição assumiu a forma de um cachorro. Eu ia

perguntar a ele mais tarde.

– Diga a ele que pode me encontrar aqui – eu disse a Jimmy. Desviei

os olhos dele e vi o rosto corado de Jade, que olhava para o prato e fazia

o possível para tentar se encolher em sua cadeira. Sim, ela estava

caidinha.

Jimmy deu uma risada breve.

– Eu vou – Seus olhos percorreram a mesa e se fixaram em Jade. –

Ah, você tem algo aqui – disse ele, enquanto pegava um guardanapo e o

passava cuidadosamente no rosto dela.

Seus braços se contraíram junto ao corpo, como ela tivesse sido

recém-submetida a um encantamento de imobilização. Acho que ela não

estava respirando. E seus olhos estavam mais arregalados do que eu

jamais havia visto.

– Pronto. Nova em folha – disse o gerente assistente, sorrindo para o

que só poderia ser descrito como uma Jade petrificada.

Julian riu olhando para seu prato e balançou a cabeça.

Olhei para o Jimmy, perguntando-me se ele não se importava com a

paixão de Jade. Mas parecia que ele não sabia.

– Aproveite suas refeições – disse ele, e então saiu, provavelmente

para encontrar Basil.

– Ele se foi. Você pode respirar agora – disse Elsa, com um tom

divertido.
Jade piscou os olhos.

– Nunca me senti tão humilhada em minha vida. Acho que fiz xixi

na calça.

– Pare. Isso não foi nada. Foi só um pouco de molho – eu disse a ela,

vendo a vermelhidão subir pelo seu rosto.

Jade balançou a cabeça.

– Nunca mais sairei do meu quarto.

– Não seja ridícula – esbravejou Elsa enquanto limpava a boca com o

guardanapo. – Ele só estava sendo gentil. Você não precisa ficar com

vergonha. E daí se você estava com o rosto coberto de molho como uma

criança de cinco anos?

– Eu quero morrer – murmurou Jade, e todos nós começamos a rir.

No início, achei que ela ficaria furiosa conosco por nossa falta de apoio,

mas depois ela começou a rir também. – Não acredito que fiquei ali

sentada como uma idiota enquanto ele limpava meu rosto – disse ela,

rindo. – O que ele deve estar pensando de mim?

– Que você é uma pessoa maravilhosa com um ótimo senso de

humor – eu disse a ela. Quando seus olhos se arregalaram com o elogio,

senti um aperto no coração. Jade definitivamente merecia um bom

homem. E ela não poderia encontrar alguém melhor que Jimmy, na

minha opinião.

– Leana!

O som do meu nome me fez girar na cadeira, e vi Basil marchando

em direção à nossa mesa.

– Ah, meu Deus, ele parece sério – murmurou Elsa. – O que será

que ele quer?

– Estamos prestes a descobrir – eu disse enquanto Basil pegava uma

cadeira vazia na mesa vizinha.

– Preciso falar com você – Basil puxou sua cadeira para perto da

minha e se sentou. Ele tinha uma pasta na mão.

– Sobre o quê?

– Aqui – Ele me entregou a pasta. – Estes são os relatórios da

autópsia – Ao escutarem isso, meus amigos se inclinaram mais para

perto.

Minha pulsação acelerou quando peguei a pasta e a abri.

– E? – perguntei, passando os olhos pelo arquivo.


– Inconclusivo – respondeu o bruxo.

– Inconclusivo? – Repeti e, em seguida, olhei para baixo e deparei-

me com essa mesma palavra no final do relatório, destacada em negrito.

– O que foi, Leana? – perguntou Elsa, com um tom de preocupação.

Levantei a cabeça e olhei para meus amigos.

– Eles não conseguiram encontrar a causa da morte. Nem dos corpos

que encontramos na lixeira, nem dos vampiros. Eles não sabem como

eles morreram.

– Mas isso não faz sentido! – disse Julian. – Eles morreram de

alguma coisa.

– Shhh! – sibilou Basil, olhando por cima do ombro. – Falem baixo

– disse ele ao se virar.

Encarei o arquivo. Eu esperava receber algo da autópsia. Mas agora,

era pior do que antes. Isso indicava que qualquer coisa que tenha

eliminado esses seres paranormais não podiam ser localizada. E isso era

consideravelmente mais preocupante.

O medo pesou em meu estômago como se ele estivesse cheio de

cimento. Eu não tinha nenhuma pista, nenhuma causa de morte e

nenhuma explicação de como eles morreram.

Mas alguém fez isso. Disso eu tinha certeza. Alguém matou todos

esses paranormais, e eu tinha que encontrá-los antes que fizessem isso

de novo. Porque eu sabia que eles fariam.

Basil se inclinou.

– Escute. Não sei o que está acontecendo, mas você precisa acabar

com isso.

Eu franzi a testa para ele.

– Estou tentando.

– Esforce-se mais – ordenou o bruxinho. – Você está vendo isso? –

Ele fez um gesto para o restaurante. – Nunca esteve tão cheio em vinte

anos. O hotel precisa disso. Eu preciso disso. E quero que continue

assim.

– É claro.

Ele apontou o dedo para mim, o que não me agradou muito.

– Resolva isso. Não quero que nada interfira na minha Semana do

Cassino.

– Eu entendi.
– Faça o que o hotel paga você para fazer e conserte isso – Basil se

levantou, sem se preocupar em colocar a cadeira de volta no lugar, e deu

um sorriso falso enquanto se dirigia a outra mesa e conversava com os

hóspedes.

– Às vezes, tenho vontade de dar um soco na cara dele – eu disse

com os dentes cerrados.

Elsa sorriu para mim.

– Todos nós temos.

Eu entendia o fato de Basil estar preocupado com seu emprego. A

Semana do Cassino estava se tornando uma ótima ideia. Eu também não

queria que essas mortes misteriosas interferissem nisso.

Senti um súbito aberto no estômago, não devido ao comentário de

Elsa, mas por causa de um certo homem-fera alto, grande e musculoso

que acabara de entrar no restaurante.

Meus olhos foram imediatamente atraídos para ele, para sua camisa

preta esculpida em torno de seus músculos, ombros largos e cintura fina.

Seus cabelos escuros estavam presos em um rabo de cavalo baixo, o que

só enfatizava sua aparência robusta. Era difícil não olhar. O cara era

enorme. Ele impunha respeito de uma forma que somente os alfas mais

fortes faziam.

Todos os outros olhavam para ele. Mais do que o normal, é claro.

Virei-me na cadeira quando os murmúrios de vozes se elevaram no

restaurante. Concentrei meus ouvidos para ouvir as conversas, meu

corpo tenso refletiu o nervosismo em seus tons, o fluxo de suas vozes

indicava a inquietação em suas energias.

– …É ele – disse um paranormal de uma mesa à nossa esquerda.

– …Aparentemente, ele é um gigante – disse uma paranormal de

outra mesa.

– …Seu nome é Valen – disse outra voz vinda de algum lugar atrás

de mim.

– …gigante… – disse outra voz, até que a palavra “gigante” ecoou

ao nosso redor, substituindo a conversa alegre de momentos atrás por

um silêncio urgente, como se todos estivessem olhando para um

unicórnio.

– Parece que o segredo dele foi revelado – sussurrou Elsa, com a

preocupação estampada em seu rosto. – Todo mundo sabe.


Um músculo se contraiu ao longo da mandíbula de Julian.

– O cara parece que está no inferno.

Valen interrompeu sua entrada no restaurante, seus olhos

percorrendo o ambiente, enquanto as pessoas apontavam para ele como

se ele fosse uma atração em um zoológico.

Eu sabia que isso era o resultado de Valen mostrar seu verdadeiro eu

para ajudar os vampiros. E agora, para agradecê-lo, eles revelaram seu

segredo.

Droga.

O rosto de Valen estava tenso, e eu podia ver as emoções e os

pensamentos brilhando em seus olhos. Nossos olhos se encontraram e se

fixaram por um instante. Abri a boca para dizer a ele que se

aproximasse, mas minha boca ficou fechada, as palavras evaporaram da

minha garganta.

Em seguida, ele deu meia-volta e saiu do restaurante.

– Isso não é bom – disse Jade. – Pobre Valen. Ele não parecia estar

bem.

– Não – Eu estava dividida. Será que eu deveria ir até ele? Falar com

ele? Minhas emoções estavam a mil, e eu não sabia o que fazer. Parte de

mim queria falar com ele para ter certeza que ele estava bem. Mas a

outra parte achava que ele preferia ficar sozinho. Ele era uma criatura

solitária.

Adivinhe qual parte ganhou?

Aquela em que eu me levantei e saí.


Capítulo 9

S erá que eu era uma idiota por ir atrás de um homem que

provavelmente estava saindo com outras mulheres? Possivelmente.

Sim, eu tinha sentimentos por ele que precisava controlar, mas Valen

provou ser um amigo e salvou minha pele mais de uma vez. Ele foi

gentil, com exceção de quando nos conhecemos. Naquela ocasião, ele

tinha sido um completo idiota, mas se desculpou desde então. Isso já

dizia muita coisa. E, neste momento, meu gigante amigo parecia precisar

de um amigo para conversar.

Eu sabia que Valen tinha tido o cuidado de manter sua natureza de

gigante, um segredo bem guardado. Apenas algumas pessoas sabiam,

inclusive eu. Provavelmente porque o homem queria evitar toda a

atenção. Sem mencionar que, provavelmente, restavam poucos gigantes

no mundo. Vamos encarar os fatos. Ele era um verdadeiro unicórnio, e

sexy também.

Pelo que parecia, os hóspedes do hotel sabiam sobre ele, o que

significava que eles haviam contado aos amigos e às famílias. Que droga.

Isso significava que, em breve, todos os paranormais da cidade saberiam

o que Valen era. Ele tinha que saber que um dia seu segredo seria

revelado. Ele não poderia mantê-lo por muito tempo, não com o trabalho

que estava fazendo para o hotel.

Quando saí do hotel e cheguei na calçada, o gigante não estava à

vista. Então, fui para o único lugar onde ele poderia estar.

Com a pasta da autópsia em uma das mãos, abri a porta do seu

restaurante, e entrei. Olhei para as mesas e cabines e, sem vê-lo, fui


direto para seu escritório.

Fui até a primeira porta e a puxei.

– Ei! Você não pode entrar aí! – gritou uma voz atrás de mim.

Eu sabia que era a anfitriã, que não sei o nome, então não me

preocupei em me virar. A sala era o escritório dele. Eu estava certa sobre

isso. Uma grande escrivaninha de madeira ocupava a maior parte do

espaço, com a parte superior cheia de papéis e uma xícara. Estantes de

livros ladeavam a sala, mas Valen não estava lá.

– Vou chamar o segurança para expulsar você! – gritou a anfitriã,

com o rosto parecendo com escamas de peixe corado. Sim, com certeza

ela era uma sereia ou um peixe. Parecia que ela estava prestes a se

transformar em qualquer peixe que fosse, mas não me importei.

Eu a empurrei para fora do caminho e fui em direção a outra porta,

que acabou sendo um depósito.

– Valen saberá disso – ameaçou ela, sacando o celular.

– Ótimo. Você será uma boa menina e contará a ele.

Ouvi sua respiração ofegante, mas eu não estava aqui para brigar

com ela. Eu já estava perto da porta da frente quando ouvi sua voz

gritando algo.

Eu estava na frente do restaurante, e meus olhos se voltavam para o

segundo andar. O prédio tinha apenas dois andares, e todo o último

andar era o apartamento de Valen.

Com o coração acelerado, fui para a direita do prédio, onde ficava a

entrada lateral do apartamento dele. Abri a porta com um puxão, subi as

escadas e, quando cheguei ao hall, bati três vezes.

Me afastei, um pouco sem fôlego por subir as escadas tão

rapidamente. Meu coração batia forte no peito e eu estava um pouco

tonta por não comer. Então, tive um momento de pânico. Que diabos

estou fazendo aqui?

Eu deveria ir embora. Eu não deveria estar aqui. O que ele pensaria

quando me visse? Ficaria irritado porque não queria ser incomodado,

isso sim. Isso foi um erro. Eu era uma idiota.

Dei meia-volta e me preparei para sair, quando ouvi a porta se abrir.

– Leana? O que você está fazendo aqui? – Um lampejo de surpresa

cruzou o rosto de Valen quando me virei. Seus olhos foram para a pasta

que ainda estava em minha mão e voltaram para o meu rosto.


– Uhh… – Droga. Minha boca não estava conseguindo acompanhar

meus pensamentos. – Eu queria ter certeza de que você estava bem –

Pronto. Pelo menos isso saiu certo.

Seus olhos escuros percorreram meu rosto.

– Venha – Ele se afastou e segurou a porta para mim.

Será que devo entrar? Claro que sim.

Eu entrei, e os aromas familiares de couro e especiarias inundaram

meu nariz. Eu só havia entrado aqui duas vezes, mas estava do mesmo

jeito.

– Posso pegar uma taça de vinho para você? – Valen passou por

mim, se dirigiu para a cozinha e começou a abrir as portas dos armários.

Tirei minhas botas e o segui.

– Eu realmente não deveria. Não comi nada desde ontem à noite.

Parece que não consigo segurar nada no estômago. Até agora, só bebi

café.

– A noite passada foi terrível – Valen me observou por mais um

tempo, mas não consegui perceber o que ele estava pensando. – Sente-se

– Ele apontou para o balcão da cozinha. – Vou preparar algo para ajudar

você com seu estômago.

– Não vou recusar – eu disse, sorrindo. Ele sorriu de volta, e meu

estômago deu um salto. Desviei o olhar antes que meu rosto revelasse

meus sentimentos. Peguei uma das banquetas de aço, que eram mais

confortáveis do que pareciam, deixei a pasta cair ao meu lado no balcão

e me sentei.

Contemplei Valen em ação, observando seus ombros largos, a

maneira como os músculos das costas se moviam e se contraíam

enquanto ele posicionava panelas e frigideiras no fogão. Ele pegou

alguns legumes da geladeira, que eram o dobro do tamanho dos meus, e

começou a cortá-los em uma tábua. Em seguida, despejou habilmente a

mistura em uma panela e acrescentou o tempero. Foi um espetáculo e

tanto, e eu estava na primeira fila.

Ele estava tão diferente do primeiro dia em que ataquei seu peito

com meu rosto. Naquele dia, ele tinha sido um homem-fera idiota.

Agora, ele era doce e carinhoso, o que não ajudava em minhas emoções

conflitantes.
Na última vez em que estive aqui, ele me beijou. E foi um beijo e

tanto, do tipo que fazia você querer arrancar a roupa e gritar “Aleluia!”.

O tipo de beijo que só podia levar para um lugar. O que, sejamos

honestos, eu teria permitido que acontecesse.

Mas Valen se afastou e eu vi uma tristeza em seus olhos que me

deixou sóbria rapidamente. Primeiro pensei que ele não estava pronto

para ficar com alguém. Então Jimmy me disse que Valen tinha muitas

namoradas e eu o tinha visto ontem mesmo com uma delas. Então, esse

não poderia ser o motivo.

Doeu. Eu não ia mentir para mim mesmo. Talvez Valen tenha

percebido que não gostava de mim daquele jeito depois do beijo. E não

tinha problema nenhum nisso. Essas coisas acontecem. Eu não podia

ficar com raiva dele por isso.

Eu só precisava me acostumar com isso.

– Então – comecei, querendo falar logo o que vim falar. Quanto mais

cedo eu dissesse, mais cedo poderia ir embora. – Os hóspedes ficaram

muito animados em ver você. Eles sabem. Não vai demorar muito para

que a cidade inteira saiba.

Meus olhos desceram por suas costas até seu traseiro gostoso. Sua

bunda ficava espetacular naquele jeans.

– Sinto muito por você ter se revelado ontem à noite –

Relutantemente, levei meus olhos de volta para seus ombros. – Mas se

você não tivesse feito isso… acho que não teríamos conseguido.

Sem ele, aqueles vampiros teriam chegado a Manhattan em pouco

tempo e matado centenas de humanos inocentes.

– Eu sabia que isso aconteceria um dia – disse o gigante enquanto

colocava manteiga em uma frigideira. O cheiro fez meu estômago

roncar.

Apoiei meus cotovelos no balcão.

– Então, você não está chateado?

Ele balançou a cabeça, sem deixar de prestar atenção na comida.

– Eu esperava prolongar isso um pouco mais. Mas depois da noite

passada, eu sabia que estava tudo acabado.

Eu não diria que gostei de sua escolha de palavras.

– Então, o que isso significa exatamente? Você não trabalha mais

para o hotel? – Deus me livre se isso significasse que ele perderia o


emprego. Eu já havia me acostumado com a ideia de ter um gigante

morando na casa ao lado. Eu me sentia mais segura sabendo que ele

estava lá, patrulhando as ruas à noite, mesmo quando eu o estava

perseguindo. Eu poderia não ser sua namorada, mas também não queria

perdê-lo.

Valen se virou. Um sorriso se formou no canto de sua boca.

– Foi por isso que você veio? Você achou que eu seria demitido? –

Ele fixou os olhos em mim. Eles eram hipnotizantes. Será que os

gigantes tinham habilidades hipnotizantes?

Dei de ombros, meu estômago se agitou, e não pelo que eu tinha

visto na noite passada.

– Eu não sei. Basil é um pouco idiota. Ele não quer que nada

atrapalhe sua Semana do Cassino.

– Ele parece durão, mas aquele Basil é muito mole – disse o gigante

ao se virar. Ele despejou o conteúdo da frigideira na panela fervente. O

cheiro de manteiga e especiarias e só Deus sabe o que mais estava me

fazendo salivar.

– Esses são os relatórios da autópsia? – perguntou ele enquanto

colocava o conteúdo na panela.

Suspirei enquanto pegava a pasta e a abria.

– Sim. Deu inconclusivo. Eles não conseguem encontrar a causa da

morte em nenhum dos corpos, o que não faz o menor sentido. Mas é

isso.

Os músculos das costas de Valen ficaram tensos. Obviamente, nós

dois sabíamos que esse era o pior resultado possível.

Sem uma causa de morte, não tínhamos muito o que fazer.

Basicamente, não tínhamos nada.

Fechei o arquivo.

– Jade pensou que um vírus ou algo do gênero poderia ser

responsável pelos vampiros na noite passada, mas a autópsia teria dito

isso. E nós dois estamos bem. Então não pode ser isso. Droga. Eu não

tenho a menor ideia de quem fez isso com aqueles paranormais.

Apoiei a cabeça em minhas mãos, relembrando a cena de ontem à

noite e tentando identificar algo. A única coisa que se destacou foi o

quão selvagens, desconcentrados e fora de si os vampiros estavam.

E todos eles morreram como um suicídio em massa.


– Aqui.

Olhei para cima quando Valen colocou uma tigela de algo fumegante

com vegetais flutuantes, frango e o que parecia ser arroz na minha

frente. Em seguida, ele colocou uma colher digna de um gigante, o que

me fez rir, e um guardanapo branco.

Fiquei olhando para ele.

– Você fez canja de galinha para mim? – Senti um nó na garganta.

Além da minha mãe, ninguém jamais havia feito sopa para mim. Nem

mesmo Martin. Tudo o que ele fazia para mim era um monte de nada.

Droga. Por que Valen estava sendo tão gentil?

Ele se inclinou sobre o balcão até que seu rosto estivesse

praticamente sobre minha tigela.

– É minha receita. Vai ajudar a acalmar seu estômago. Você precisa

comer alguma coisa.

Estreitei os olhos.

– Isso não vai me deixar bêbada, né? – Eu ainda me lembrava do seu

chá especial que me deixou bêbada.

O gigante deu uma risadinha.

– Não. Isso fará com que você se sinta melhor. Confie em mim.

Dei de ombros.

– Bem, se você diz – Fiquei olhando para a colher, sem ter certeza

de que ela caberia em minha boca. Levantei a enorme colher e disse:

– Você está pronto para a surra? – eu ri e depois me contive. Por que

acabei de falar isso?

Valen me mostrou seus dentes perfeitos.

– Estou pronto se você estiver.

Me. Mate. Agora.

Abaixei a cabeça e olhei para a sopa, mal sentindo o vapor em

minhas bochechas quentes. Provavelmente, eu mesmo tinha um pouco

de vapor saindo de meus ouvidos. Mergulhei a colher grande na tigela,

peguei um pouco da sopa, e levei a colher aos lábios.

– Mmmm, bom – eu disse enquanto engolia. – Bem apimentada.

Acho que nunca tomei uma sopa de frango tão gostosa.

Valen sorriu. Ele cruzou os braços e apoiou as costas no balcão ao

lado do fogão, enquanto me olhava.


– Fico feliz que você tenha gostado. Era o prato favorito da minha

esposa.

Fiquei paralisada, com a colher na metade da boca.

– Uh… huh…

Valen não parou de sorrir. Eu não consegui detectar nenhuma

tristeza em seus olhos, apenas carinho.

– Ela era muito parecida com você, obstinada, feroz, impulsiva.

Engoli outra colherada.

– Ela era uma gigante como você?

Valen balançou a cabeça, perdendo um pouco do sorriso.

– Uma lobisomem. Costumávamos fazer turnos juntos à noite. Ela

sempre me dava um perdido nos primeiros cinco minutos. Ela era rápida

demais para mim e achava isso engraçado.

Meu coração se apertou ao pensar que sua esposa morreu de câncer.

– Sinto muito pelo que aconteceu com ela.

– Eu também – Valen desviou o olhar por um instante, mas depois

seus olhos voltaram para os meus, eles brilhavam e estavam ligeiramente

suavizados. Vi algo em seu olhar que não consegui identificar. – Você

deverá se sentir melhor em breve.

Ele não estava mentindo. Assim que engoli mais três colheres

enormes de sopa, meu estômago não estava mais enjoado, e as dores da

noite passada, tanto físicas quanto mentais, desapareceram. Eu me sentia

bem. Muito bem!

Olhei para o gigante parado em sua cozinha. Ele parecia comestível.

– Você gosta de cuidar das pessoas.

Ele olhou para o chão.

– Eu gosto. É minha natureza, é algo que todos os gigantes

compartilham.

Acenei com minha colher para ele.

– Todos esses músculos precisam ser bem utilizados.

Valen riu, e isso me causou um delicioso arrepio.

– Você não vai comer? – perguntei, enfiando na boca outra colher

com cenoura ralada, aipo e algum outro vegetal que não reconheci. Não

me importava que ele me ouvisse mastigando e gemendo. Quando

comecei a comer a sopa, não consegui mais parar. Eu estava faminta.

– Eu já comi.
Quando olhei para cima, Valen ainda me encarava com um sorriso

estranho.

– Não conte para a Polly – Acenei com minha colher para ele. – Ela

vai pirar se souber que você sabe fazer uma sopa de galinha

maravilhosa. Provavelmente você terá que assinar um termo de

confidencialidade.

Valen riu, e meu coração se derreteu um pouco. Que merda. Eu tinha

que sair daqui. Eu não ia me apaixonar por esse cara. Não. Não. Não.

Peguei minha tigela com as duas mãos, inclinei-a nos lábios e bebi o

resto. Até a última gota. Por que desperdiçar uma coisa tão boa? Não

estou certa?

Coloquei a tigela no balcão e limpei a boca com o guardanapo.

– Nossa, estava tão gostosa. Muito obrigada! – Desci da banqueta e

peguei a pasta.

– Você está indo embora? – Valen descruzou os braços.

– Sim. Você precisa de ajuda com a louça? – O homem tinha feito

uma sopa de galinha do zero para mim. O mínimo que eu poderia fazer

era limpar.

O gigante me observou por um longo tempo e achei que ele aceitaria

a oferta. Mas, em vez disso, ele disse:

– Jante comigo hoje à noite.

Hã?

A pasta escorregou de minha mão. O sangue correu para o meu rosto

quando me curvei e peguei o arquivo, apenas para encontrar Valen a

centímetros de mim quando me endireitei.

Levantei uma sobrancelha.

– Como você fez isso? – A proximidade com seu peito duro e

musculoso estava me deixando um pouco bêbada, como se ele tivesse

me dado seu chá especial novamente. Estávamos quase nos tocando.

– Jante comigo – repetiu ele.

Eu estava quente, corada, com o corpo todo formigando. Engoli em

seco.

– Hã? – Ok, esse não era o plano. O plano era vir aqui ver o gigante,

certificar-me de que ele estava bem e depois fugir. Viu? Era um bom

plano.

Ele olhou para mim com aqueles olhos escuros hipnotizantes.


– Você virá jantar hoje à noite. Vou preparar algo especial para você

lá embaixo.

Meu coração batia forte em meus ouvidos.

– No seu restaurante? Você quer que eu… jante com você? – Eu

parecia uma idiota. Mas queria ter certeza de que ele sabia o que estava

dizendo.

Valen se aproximou mais, seus olhos mergulharam em meus lábios e

depois nos meus olhos novamente.

– Sim, eu gostaria de jantar com você, a menos que tenha outros

planos.

Imagens da linda loira passaram em minha mente. O modo como ele

sorria para ela, a maneira como se tocavam, a proximidade…

definitivamente havia algo entre eles.

O que eu deveria ter feito era dizer não a ele. Passei a língua nos

lábios, preparando-me para recusar gentilmente.

– Está bem, claro. Que horas? – Parecia que minha boca tinha outros

planos.

– Às sete horas – disse o gigante, com os olhos brilhando enquanto

encaravam meus lábios. Ele deu um sorriso presunçoso, como aquele

que os caras gostosos davam quando sabiam que tinham conseguido o

que queria.

Malditos hormônios.

Dei meia-volta antes que eles me colocassem em apuros. Calcei

minhas botas e saí.

Somente quando cheguei à calçada é que me lembrei de respirar.

Puxa vida. O que eu fiz?


Capítulo 10

– I sso não. Você vai parecer uma vadia – disse Elsa, pegando minha

blusa preta decotada e jogando-a na cama. – Você não quer dar a

ele essa impressão.

– Ela tem razão – disse Jade, mexendo em meu armário. – Você não

quer dar a ele a impressão errada. Você quer parecer sexy, não uma

vadia. Há uma diferença.

– Entendi – eu disse, me dirigindo para a cama e me sentando. –

Mas eu não tenho muita opção. Não tenho um guarda-roupa para

encontros. Tenho um guarda-roupa de trabalho, um guarda-roupa para

matar bandidos. Nunca pensei que estaria indo para um encontro agora,

depois do que aconteceu com Martin. A traição e, é claro, a tentativa de

assassinato teria dissuadido qualquer mulher a namorar.

– As coisas mudam – disse Elsa. – Quando você sabe o que é o

certo. O tempo não fará diferença quando você encontrar o homem

certo. Por que você tem tantas camisetas? – Ela segurou um conjunto de

camisetas brancas e cinzas.

Dei de ombros.

– Por que eu adoro algodão? Eu disse a você que não tenho nada

digno de um encontro – Eu sabia que Valen estaria usando algo caro e

requintado em seu corpo musculoso. Na verdade, eu não tinha ido

comprar roupas para sair. A única coisa que comprei recentemente foi

aquele vestido prateado para o Baile da Meia-Noite, e acabei rasgando-o

para poder correr. O vestido estava arruinado e eu o joguei fora.


– Sabe – disse Jade, enquanto tirava a cabeça do meu armário –

Tenho um vestido de tafetá azul muito bonito que acho que ficaria ótimo

em você. Ele faz um som de swooshing quando você se mexe!

Mantive minha expressão o mais neutra possível, não queria ferir

seus sentimentos, porque a ideia de me ver em um vestido de tafetá azul

era mais horrível do que sair com Valen.

– Obrigada, mas prefiro usar calças. Ficarei mais confortável, mais

relaxada. Calças são uma boa opção. Especialmente se eu tiver que

trabalhar depois.

Elsa bufou em desaprovação.

– Você precisa aprender a se divertir. Esqueça o trabalho por apenas

uma noite e divirta-se. A vida é curta demais, e quanto mais você

envelhece, mais rápido ela passa. Acredite em mim. Você sabe quantas

mulheres gostariam de estar no seu lugar agora?

– Em suas calças – riu Jade.

Elsa acenou com a cabeça.

– Isso também. Você sabe? – Quando não respondi, ela acrescentou:

– Todas as mulheres paranormais solteiras, é isso. Valen é o solteiro

mais procurado em nossa comunidade. Algumas mulheres já tiveram o

prazer de estar com ele, mas nenhuma delas conseguiu prendê-lo. Ele é

uma fera selvagem que ninguém consegue domar. Mas algo me diz que

ele está falando sério sobre você. Você será a única que poderá domá-lo.

Acomodei-me na cama, envolta pelo roupão de banho branco.

– Não quero domar ninguém – Ok, talvez isso fosse mentira. Eu me

imaginei com um chicote e um Valen nu amarrado na cama. – Eu falei

para você sobre aquela loira gostosa. O que torna isso diferente? Não

tenho vontade nem energia para ser a garota da semana de Valen. Estou

velha demais para essa porcaria.

– Não acho que seja isso – disse Elsa. – Dê a ele algum crédito.

– Como você sabe?

Elsa me deu um sorriso de quem sabia das coisas.

– Eu sei – Ela se virou e começou a remexer em minhas roupas nos

cabides. – Assim como eu sabia que Cedrico foi feito para mim. Claro

que Katie e Samantha estavam sempre em cima dele, mas ele era meu. E

é o mesmo com você. Valen é o seu homem… ou deveria dizer, o seu

gigante – acrescentou ela, rindo de sua própria piada.


Jade puxou as tranças com mais força enquanto olhava para si

mesma no espelho de corpo inteiro na parede.

– Você disse praticamente a todos o que sentia por ele, mais cedo. O

hotel inteiro está falando sobre isso.

Eu me inclinei para frente.

– Desculpe? O quê? – Senti uma explosão de calor subindo pelo meu

corpo em ondas.

Jade se virou para me encarar.

– Todo mundo viu a maneira como você correu atrás dele.

Outra onda de calor se instalou em meu rosto.

– Eles viram uma amiga preocupada – eu disse, embora, pelo seu

sorriso, eu soubesse que ela não acreditava em mim. – Eu vi a reação

dele, quando todos no restaurante estavam falando sobre ele, apontando

e sussurrando como se ele fosse um animal raro no zoológico. Eu

também odiaria isso. Queria ter certeza de que ele estava bem.

Sim, eu me importava com ele mais do que deveria, mas,

sinceramente, eu tinha ido lá ter certeza de que ele estava bem. A reação

dos hóspedes me irritou. Bem, as coisas acabaram ficando mais

complicadas agora.

– E com isso você ganhou um encontro – disse Elsa de dentro do

meu armário. Eu não conseguia ver seu rosto, mas podia ouvir o tom de

diversão em sua voz.

Algo me ocorreu.

– O que você acha que vai acontecer agora que todos sabem sobre

ele?

– O que você quer dizer com isso? – perguntou Jade.

Dei de ombros.

– Não sei… talvez ele não fique. Talvez ele comece a receber ofertas

de emprego melhores do que o hotel. Os gigantes são raros, acredita-se

que eles nem existam. Tenho certeza de que muitas pessoas no poder

vão querem ele agora.

Jade apertou os lábios, balançando a cabeça.

– Não, ele nunca irá embora. Eu não acredito nisso.

Elsa tirou a cabeça para fora do meu armário. Ela não disse nada,

mas pela carranca em seu rosto, eu sabia que ela concordava com o que

eu tinha acabado de falar. Quem não gostaria de ter um gigante em sua


equipe ou como soldado? Ele não era apenas o solteiro mais procurado,

mas também o paranormal mais procurado.

Observei enquanto Elsa se virava e continuava a examinar as roupas

que estavam penduradas no meu armário, com determinação.

– Devo perguntar a ele sobre a loira?

– Não –Elsa e Jade responderam juntas, fazendo-me estremecer.

– Mas…

– Você está louca? Você quer estragar tudo antes mesmo de

começar? – Elsa enfiou a cabeça para fora do meu armário novamente.

Um dos meus cabides estava espetado em seu cabelo, mas eu não estava

disposta a interrompê-la. – Não no primeiro encontro. Olha, mesmo que

ele estivesse saindo com ela, isso é problema dele. Isso foi antes de você

concordar em sair com ele. Então, por que atormentá-lo por causa disso?

Confie em mim. Não faça isso. Apenas veja onde as coisas vão dar.

Tenho certeza de que depois desta noite, você nunca mais verá aquela

loira misteriosa.

Eu não tinha tanta certeza disso. Havia algo na maneira como eles se

olhavam. Você pode chamar isso de instintos de bruxa, mas eu tinha a

sensação de que a veria novamente.

– E ele cozinhou para você – disse Jade, radiante. Ela soltou um

suspiro. – Nunca tive um homem que cozinhasse para mim. Isso diz

muita coisa.

– Jade tem razão – concordou Elsa. – Você disse que ele fez uma

sopa especial só para você.

– Do zero – repetiu Jade, com os olhos arregalados como se esse

fosse o ingrediente principal.

– Os homens simplesmente não cozinham para mulheres com as

quais não se importam – disse Elsa, batendo no nariz com o dedo, como

se isso devesse significar algo para mim.

– Certo – Talvez elas estivessem certas, mas a predisposição de

Valen era cuidar dos outros. Eu tinha a sensação de que se Jade ou Elsa

estivessem sentadas em sua cozinha mais cedo, ele teria feito aquela

sopa para elas também. Sim, ele era esse tipo de homem.

Jade tirou um par de fones de ouvido amarelos do seu Walkman

Sony vintage amarelo que estava pendurado no cós da calça jeans. Ela

colocou os fones, apertou o botão play e balançou a cabeça ao som da


música que estava ouvindo. Ela me viu sorrindo para ela através do

reflexo do espelho.

– Best of Journey! – gritou ela, sem se dar conta do volume de sua

voz.

Eu ri, ouvindo a risada abafada de Elsa no armário.

– Você acha que Jimmy sabe como ela se sente? – perguntei a Elsa.

Escolhi esse momento para fazer a pergunta que eu estava querendo

fazer, sabendo que Jade não poderia me ouvir.

– Não tenho certeza – O rosto de Elsa estava franzido enquanto ela

olhava para minhas botas de couro até o joelho. – É preciso se

acostumar a vê-lo como um homem. Estávamos todos tão acostumados

com ele sendo um cão de brinquedo. Agora é diferente. Mas se ele não

sabe, é um idiota. Todo mundo com um cérebro pode ver que ela está

apaixonada por ele.

Ri e olhei para Jade, que agora girava, seus lábios se mexiam ao som

de qualquer música que estivesse tocando em seus ouvidos. Eu adorava

seu espírito livre e sua atitude alegre. Eu precisava de um pouco disso

em minha vida.

Suspirei e esfreguei as palmas das mãos suadas em minhas coxas.

– Não tenho um encontro há mais de quinze anos. Provavelmente

vou acabar falando sobre o trabalho ou sobre o clima. Algo que não

combina com um encontro.

Meu coração disparava sempre que eu pensava em Valen e eu

sentados frente a frente em seu restaurante, com as luzes fracas e

românticas. Eu não gostava do fato de ele estar me deixando nervosa.

Por que diabos eu me coloquei nessa situação?

Peguei meu celular. A tela dizia 18:47pm.

– Tenho cerca de treze minutos para me arrumar – Eu já tinha feito

minha maquiagem, que consistia em um pouco de delineador preto nas

pálpebras superiores e inferiores, além de um pouco de brilho labial.

Não precisei de blush. Meu rosto já estava vermelho o suficiente sem

acrescentar mais nada. Meus cabelos fluíam em ondas suaves ao redor

dos ombros.

– Você tem tempo de sobra – disse Elsa, tirando do armário um par

de jeans escuros. Ela os observou, dobrou-os sobre o braço esquerdo e

continuou a vasculhar meu armário.


Jade tirou os fones de ouvido amarelos e os colocou no pescoço.

– Não se esqueça de usar calcinhas sensuais – disse ela, com as

sobrancelhas erguidas.

Balancei a cabeça.

– Não é necessário. Será apenas um jantar, é isso.

Os olhos de Jade se arregalaram.

– Claro, como você quiser.

Parte de mim achava que eu deveria ligar para ele e cancelar. Valen

era um colega de trabalho, e você nunca deve misturar relacionamentos

com trabalho. Alguém sempre se machucava e a relação de trabalho

sofria as consequências. Eu não queria arriscar meu emprego, adorava o

lugar onde morava, e meus novos amigos eram como família. Eu

também não queria perdê-los.

– Talvez eu devesse cancelar – eu disse. Minhas amigas eram mais

importantes para mim do que qualquer homem, até mesmo homens-fera

sensuais, e a ideia de perdê-las me assustava.

– Não seja covarde. Você vai – ordenou Elsa.

Jade riu, mas ficou séria quando viu minha expressão. Ela sentou-se

ao meu lado na beira da cama, e eu podia ouvir a música fraca de seus

fones de ouvido.

– Por que você está tão preocupada? Valen é um cara legal.

– Tenho certeza de que sim. Mas se… o que quer que isso seja, não

der certo… não quero que as coisas fiquem estranhas. Temos que

trabalhar juntos. E ele mora na casa ao lado.

Jade deu um tapinha em minha mão.

– Valen é um cavalheiro. Tenho certeza que ele poderá lidar com o

que quer que aconteça – Seu rosto ficou sério. – Você tem alguma

notícia sobre os vampiros mortos?

– Nada que eu já não tenha contado. Não precisa se preocupar. O

que quer que os tenha matado não é contagioso – Percebi que ela ainda

estava pensando no assunto.

– E você ainda não sabe quem eles são? – Os olhos azuis de Jade

estavam cheios de tristeza. – Não consigo imaginar morrer sem que

ninguém saiba quem você era.

– É difícil. Esperamos que, com mais investigação, possamos

descobrir quem são eles. Não me parece certo enterrá-los sem


identificação – Pensei em todos aqueles vampiros. – Eu realmente

esperava que a autópsia tivesse revelado algo. Agora, ainda estamos no

escuro.

Jade mexeu com os dedos em seu colo.

– Você acha que haverá mais, não é?

Olhei para ela.

– Se eu dissesse que não, estaria mentindo. Isso é coisa de alguém

doentio. Uma piada de mau gosto. O motivo pelo qual eles fizeram isso,

eu desconheço. Essas vítimas tiveram suas energias paranormais

subtraídas.

– Você acha que foi isso que os matou?

– Faz sentido. Mas por que a autópsia não informou isso? E por que

eles morreram todos de uma vez? – A lembrança de todos aqueles

vampiros morrendo de repente ainda estava fresca em minha mente, e

provavelmente me assombraria por um bom tempo.

Jade se remexeu em minha cama.

– Sabe, eles podem ser de outra cidade. Você disse que não havia

pessoas desaparecidas em nossa comunidade. E se eles não forem daqui?

Acenei com a cabeça.

– Sim, eu não tinha pensado nisso. Vou verificar com os outros

grupos de Merlin. Tenho fotos dos três que encontrei atrás da lixeira.

Vou começar por aí.

Depois disso, Jade e eu ficamos em silêncio. Os únicos sons vinham

do meu armário, quando os cabides eram arrastados pelo cabideiro de

metal.

Finalmente, Elsa saiu do meu armário, parecendo corada. O mesmo

par de jeans escuros estava pendurado em seu braço esquerdo.

– Você não tem nada aqui. Como isso é possível?

– Eu disse a você. Não tenho nada para vestir. Eu deveria ir pelada –

acrescentei com uma risada.

Elsa não sorriu. O rosto da bruxa estava tenso quando ela se

aproximou da minha cama e deixou o jeans cair no meu colo.

– Você tem uma blusinha preta?

Acenei com a cabeça.

– Sim.

– Está bem, então – Elsa suspirou. – Tragam a blusa de vadia.


Capítulo 11

M eu celular marcava 19:06 quando abri as portas do restaurante e

entrei. Sim, eu estava um pouco atrasada. Mas seis minutos não

matariam o cara. Eu estava atrasada porque tive que esperar que Elsa me

trouxesse uma bolsa de couro preta, já que minha bolsa de ombro era

uma “péssima ideia”, segundo ela.

Achei que estava muito bem vestida com a bolsa dela, um belo par

de sapatos pretos de salto alto emprestado da Jade, curiosamente,

usávamos o mesmo tamanho de sapatos, embora eu fosse bem mais alta,

e a blusa de vadia que não era tão de vadia assim com uma bela blusinha

cobrindo meus melões. Era um causal chic ou o que quer que fosse

chamado. Minha regra para vestir era que eu geralmente optava por

peças limpas.

A porta do restaurante fez um clique atrás de mim e eu entrei no

saguão. A mesma anfitriã, aquela que me amava, estava com um olhar

fixo enquanto eu passava por ela, procurando por Valen. O restaurante

estava lotado. Eu não conseguia ver um único lugar vazio. Também não

consegui ver Valen. Droga. Será que ele foi embora porque eu estava

alguns minutos atrasada?

– O restaurante está cheio – disse a anfitriã, cujo nome eu ainda não

conseguia lembrar, não que eu me importasse com isso. Ela sorriu para

mim, passando os olhos sobre mim lentamente, como se não tivesse

certeza se gostava do que eu estava vestindo. – Você pode tentar talvez

um dos restaurantes humanos e ver se eles deixam você entrar.


– Essa foi boa – eu disse, de repente me sentindo estranha por

segurar uma bolsa e desejando secretamente ter minha bolsa de ombro

comigo.

– Leana.

Ao ouvir meu nome, me virei e vi Valen se aproximando.

Uau!

A luz refletia em sua pele beijada pelo sol, ele vestia uma camisa

cinza-escura que parecia cara e calças pretas justas, exibindo seu físico

fantástico. Seus cabelos escuros estavam presos em um rabo de cavalo

baixo. Na luz fraca, sua beleza robusta era surpreendente, ele parecia um

rei élfico, gracioso, ameaçador e implacável.

O motivo pelo qual ele queria sair comigo era um mistério. Eu estava

repensando seriamente se foi uma boa ideia usar meu jeans comum.

Talvez eu devesse ter aceitado a oferta do vestido de tafetá da Jade?

Talvez não. O ponto principal aqui era o conforto, e eu estava

confortável em meu jeans, embora não tão elegante.

– Você está linda – murmurou ele. Ou será que eu murmurei? É

difícil dizer.

Meu estômago estava inquieto.

– Obrigada – Tentei abrir os lábios para dizer a ele o quanto ele

estava lindo, mas eles pareciam estar colados.

– Por aqui – O gigante fez um gesto e pegou minha mão,

conduzindo-me gentilmente para o mar de mesas. Minha pele formigou

com sua mão áspera e calejada. Seu toque, embora gentil, era forte.

Olhei por cima do ombro e dei o meu melhor sorriso para aquela

anfitriã irritante, do tipo, engole essa. Eu realmente não deveria ter feito

isso, mas foi muito divertido. E valeu a pena pelo olhar de puro ódio

com um pouco de ciúme que ela me deu.

Deixei que Valen me conduzisse pelo restaurante até a parte da

frente, onde as janelas altas se estendiam por toda a frente do

restaurante. Uma mesa vazia exibia um arranjo contendo todas as

tonalidades de rosas. Dei uma olhada ao redor. As outras mesas não

tinham flores, apenas esta.

Notei que ela também estava mais afastada das outras mesas para dar

mais privacidade.
Valen me soltou e puxou uma cadeira para mim. Sim, senhoras. Ele

era esse tipo de homem.

Sorrindo como uma idiota, sentei-me e aproveitei a sensação do

gigante empurrando minha cadeira para perto da mesa.

Meus olhos fitaram seu belo traseiro enquanto ele contornava a mesa

e se sentava na cadeira à minha frente. Meus olhos se desviaram para

seu tórax, onde seus músculos gritavam para serem liberados do tecido

que os prendia, e eu estava disposta a ajudá-los. Será que eram os

hormônios falando? Eu estava agindo como uma colegial apaixonada,

não como uma mulher madura.

Seus olhos escuros brilharam.

– Você deveria soltar o cabelo com mais frequência. Você está linda.

Meu rosto corou instantaneamente. Uma onda de calor se espalhou

pelo meu corpo.

– Chega de elogios – eu provoquei, embora não quisesse que ele

parasse. – Mas você também está ótimo – Pronto, falei.

Valen franziu o belo rosto em um sorriso.

– Eu tento.

Tive outra onda de calor. Droga, nesse ritmo, eu derreteria antes da

comida chegar.

Nesse momento, um garçom com a cabeça raspada bateu com a coxa

na nossa mesa. Ele tinha uma garrafa de vinho tinto em suas mãos.

– Este é o vinho que você pediu, chefe?

– Chefe? – eu ri e me arrependi imediatamente. Mas o sorriso de

Valen apenas se espalhou por todo o seu rosto. Era realmente difícil não

gostar desse cara.

– É sim – respondeu Valen. O garçom serviu um pouco em sua taça,

esperando pacientemente que ele provasse.

Depois que Valen acenou com a cabeça para o garçom, ele serviu

um pouco na minha taça e depois começou a encher a de Valen. Pude

sentir os olhos do gigante em mim, mas fingi não notar quando estendi a

mão, peguei minha taça de vinho e tomei um gole.

Havia algo incrivelmente íntimo no fato de jantarmos juntos e ele

estar tão próximo.

– Voltarei com as entradas – disse o garçom antes de sair, abrindo

caminho entre as mesas e cadeiras.


– Saúde, Leana – disse o gigante, com sua voz baixa e sensual. Ele

ergueu sua taça e a ofereceu a mim.

Que merda. Eu já tinha tomado um gole. Um bom gole. Meu coração

estava acelerado. Eu estava nervosa e sentia como se todas as

terminações nervosas do meu corpo pulsassem. Mas eu não sabia

exatamente porque estava nervosa.

– Saúde – eu disse e gentilmente bati minha taça na dele. Tomei

outro gole, deixando os sabores frutados penetrarem em minhas papilas

gustativas. – O vinho é muito bom. Provavelmente custa mais do que eu

ganho em um mês.

Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios carnudos.

– Não tanto assim.

Eu franzi a testa.

– Você sabe quanto eu ganho? – Eu não tinha certeza de como me

sentia em relação a isso.

Valen apoiou sua taça de vinho na mesa.

– Basil mencionou quando ele estava tendo um pequeno colapso.

Isso incomoda você?

Eu pensei no assunto.

– Não. Mas agora você precisa me dizer quanto lucro esse lugar dá

por ano – sorri, provocando. – Você sabe. Para ficarmos quites.

Valen acompanhou meu sorriso. Um arrepio de prazer percorreu

meu corpo. Ele passou a língua nos lábios, enviando uma onda de calor

direto para o meu âmago e fazendo meu estômago dar um nó de

nervosismo.

– Acho que ficaremos quites quando eu vir você nua – disse o

gigante.

Puxa vida.

Uma onda de calor irrompeu do centro do meu corpo em direção ao

rosto, correspondendo à intensidade dos olhos dele. Ele também não

estava brincando, e isso provocou borboletas em uma luta de boxe na

minha barriga.

Sim, eu o tinha visto nu muitas vezes quando ele se transformava em

sua forma gigante. E sim, eu olhei, muitas vezes. Não pude evitar.

Qualquer mulher de sangue quente o faria.


– Bem – eu disse, com o coração batendo no peito. – Primeiro

vamos ver como vai ser essa noite – Eu também podia jogar esse jogo.

Não era como se eu estivesse planejando fazer sexo com o gigante mais

tarde, mas eu estava totalmente pensando nisso. – Você poderia pensar

em fazer alguns shorts personalizados ou algo assim para usar… sabe…

quando você se transforma.

Os olhos de Valen se arregalaram de diversão.

– Ficar nu não me incomoda.

– Eu notei.

– É apenas pele.

– Muita pele.

– Quando estou patrulhando as ruas à noite, os humanos não podem

me ver – Ele deu de ombros e se inclinou para trás. – É como se eu nem

estivesse lá.

– Mas ainda há um homem enorme e nu andando por aí – eu disse. –

Admita. Você é um nudista.

Valen riu muito dessa vez, e eu tive um vislumbre daquela parte dele

que não era tão séria, mal-humorada ou triste. Foi maravilhoso ver isso.

Tomei mais um gole de vinho, apreciando minha pequena vitória. Eu

estava fazendo esse cara gostoso rir. Nada era melhor do que isso.

Virei a cabeça e vi a anfitriã nos observando, ela olhava

especialmente para mim. Seu rosto era uma máscara de ódio. Ok, isso

era definitivamente melhor.

– Se isso fizer você se sentir melhor, posso mandar fazer algumas

roupas para mim – disse Valen.

Fiquei olhando para o gigante, imaginando porque ele se importava

tanto com o que eu sentia. Esse encontro, ou o que quer que fosse, tinha

todos os elementos de algo mais sério a longo prazo. Mas eu estava

confusa, principalmente por causa da loira que eu tinha visto com ele.

Ele não transmitia vibrações de mulherengo. Sua atenção estava

voltada exclusivamente para mim. Seus olhos nunca se desviaram. Olhei

rapidamente em volta e vi pelo menos cinco mulheres olhando

abertamente para ele com luxúria nos olhos. Elas sabiam provavelmente

o que ele era e estavam imaginando como seria ir para a cama com um

gigante.
Valen era um protetor natural, um protetor poderoso, especialmente

para aqueles com quem ele se importava. Essa era uma qualidade

extremamente atraente. Que mulher não desejava um tipo robusto e

protetor? Era totalmente excitante, e eu podia entender o desejo nos

olhos delas.

A verdade é que Valen poderia ter qualquer uma dessas mulheres se

quisesse. Mas ou ele não percebeu, ou não se importou. Eu admito, isso

era bom, mais do que bom.

Mas eu não podia ignorar o fato de que mal conhecia esse homem.

Eu tinha que ser cuidadosa e proteger meu coração. E, embora eu

quisesse muito, muito, muito perguntar sobre a loira, forcei-me a não

fazê-lo.

– Vou deixar isso com você – eu disse.

Valen sorriu.

– Fale-me sobre você. Como era sua vida antes de você se mudar

para Nova York.

Tomei um gole de vinho maior do que o necessário e engoli.

– Minha mãe e eu morávamos na casa da minha avó. E depois que

minha avó morreu, ficamos só eu e minha mãe por um bom tempo –

Suspirei. A lembrança da morte de minha mãe ainda era muito dolorosa.

– Então minha mãe ficou doente. Depois que ela morreu, fiquei um caos

por cerca de um ano. Perdi cinco quilos e meio. Não estava comendo e

bebia demais. Perdi meu cabelo. Eu não conseguia mais viver naquela

casa. Então, vendi a casa e conheci o Martin. Eu ainda estava um caco.

Mas, naquela época, ele era mais gentil. E eu precisava disso. O resto,

bem, o resto, você sabe. O desgraçado tentou me matar.

Valen arqueou uma sobrancelha.

– Porque você quebrou o pênis dele.

Eu ri olhando para minha taça de vinho.

– Bons tempos.

Valen deu uma risada profunda.

– É isso que eu gosto em você – disse o gigante, fazendo meu pulso

acelerar. – Você é real, não tem medo de nada nem de ninguém, e não

aceita bobagens. Você é exatamente o que eu vejo.

– Uma bruxa de meia-idade e divorciada?


– Uma bruxa durona – respondeu Valen. – O fato de você ser bonita

é apenas a cereja do bolo.

Sim. Eu estava ronronando agora.

– Se você acha que flertar comigo vai me levar para a cama com

você, está muito enganado – Sim. Estava funcionando!

Ele sorriu.

– Estou apenas dizendo como você é. Gosto de uma mulher

obstinada que sabe o que quer. É muito sexy – Ele me encarou. – Se isso

vai levar você para a cama, sou totalmente a favor.

Pergunte a ele sobre a loira! Pergunte a ele sobre a loira!

– Primeiro vamos ver como vai ser esse encontro-jantar. Talvez nos

odiemos depois.

Valen me olhou com um olhar que dizia que isso nunca aconteceria.

– Isso não vai acontecer.

– Você nunca sabe. Depois de mais alguns encontros e noites juntos,

quando revelarmos nosso eu verdadeiro, talvez acabemos desprezando

um ao outro.

Valen se inclinou para frente e me surpreendeu quando pegou minha

mão.

– Você já me viu no meu pior momento. Eu fui um grosso quando te

vi pela primeira vez. Mesmo assim. Aqui está você.

– Aqui estou eu – Eu estava muito consciente de seu toque, seu

polegar áspero e calejado esfregando minha mão, e isso me provocou um

pico de desejo.

O sorriso malicioso de Valen penetrou diretamente em meu íntimo.

– Você poderia ter dito não para este encontro.

– Eu poderia – respondi, minha voz estava embargada pelo desejo.

Ele continuou a esfregar minha mão e eu mal conseguia pensar. Não

ajudava o fato de eu não estar com um homem há muito tempo. Meus

hormônios estavam à flor da pele.

Um sorriso pairou sobre suas feições, e seu olhar tornou-se mais

atento. Sua barba escura e grossa deixava-o ainda mais sexy. Meu olhar

deslizou para seu peito largo e seus músculos salientes em sua camisa

cinza justa.

Eu poderia ter retirado minha mão, mas não o fiz. Deixei que ele a

acariciasse enquanto eu olhava fixamente para aqueles olhos profundos e


escuros dele, tentando enxergar sua essência, um homem mais suave e

vulnerável.

Mas eu também deixei, porque a sensação era incrível.

– Aqui está – O mesmo garçom careca chegou trazendo pratos

variados, e eu afastei minha mão, meu coração martelava com o que

tinha acabado de acontecer entre nós. Ele me encarava com um olhar

que fez minha respiração ficar presa na garganta.

Ah esse gigante atraente como o pecado. O tipo imponente e robusto

que te resgataria de ex-maridos, assassinos e demônios. Ele me atingiu

como uma onda ardente, e eu estava prestes a me envolver

completamente. Que situação.

Voltei a olhar para o garçom enquanto ele colocava os dois pratos,

acenava para o chefe e depois sumia novamente.

Comida, que bom. Isso seria uma distração bem-vinda para a atração

caliente, muito caliente, que estávamos sentindo há apenas alguns

momentos.

– O que é tudo isso? – Perguntei, sabendo que Valen havia dito teria

algo preparado para nós, para mim.

Ele apontou para os pratos.

– Queijo calumet derretido, caramelo com uma emulsão de tomates

secos e nozes. Espero que você goste.

Inclinei-me para frente e cheirei.

– Se o gosto for tão bom quanto o cheiro, talvez eu tenha que lamber

meu prato.

Sua risada ecoou ao nosso redor.

– Eu gostaria de ver isso.

Peguei meu garfo e apontei para ele.

– Pode ser que você veja.

No início, tentei não gemer quando o garfo chegava à minha boca,

principalmente porque as pessoas estavam observando. Mas depois da

segunda garfada, deixei tudo sair.

– Oh, meu Deus, isso é bom – gemi, apreciando as explosões de

caramelo e queijo em minha boca. – Você deveria embalá-lo e vendê-lo.

Valen me mostrou os dentes enquanto tomava um gole de vinho.

– Que bom que você gostou.

– Gostei? Se eu pudesse fazer amor com ele, eu faria.


Se tivesse na casa dos vinte e poucos anos, com todas as

inseguranças típicas da juventude, eu teria sentido vergonha de comer na

frente dele, preocupada com a maneira como mastigava e se poderia

ficar com algum alimento preso entre os dentes.

Mas agora aos quarenta e um anos, eu não poderia me importar

menos. Não deixaria uma refeição tão boa ser desperdiçada. Eu comeria,

e comeria tudo.

Passamos o resto da noite rindo, conversando e desfrutando da

companhia um do outro. Eu me senti à vontade e confortável, algo que

nunca havia sentido antes com um homem, nem mesmo com Martin.

Especialmente com Martin. Senti-me relaxada, sabendo que poderia lhe

contar qualquer coisa e ele não me julgaria. Fiz questão de não falar

sobre a loira, embora esse pensamento tenha me ocorrido mais de uma

vez.

Antes que eu percebesse, ele estava me acompanhando de volta ao

hotel. Ele abriu a porta para mim e eu entrei, vi o hotel cheio de

hóspedes aproveitando a Semana do Cassino.

Minha pele formigava com a proximidade dele, minha mente

fervilhava com pensamentos sobre se e como eu deveria convidá-lo para

entrar em minha casa. Eu teria que descobrir como trancar a porta. Que

merda. E se a gangue estivesse lá? De jeito nenhum eu poderia ter um

tempo a sós com o gigante.

– Boa noite, Leana – disse Valen, e eu me virei quando ele pegou

minha mão. – Eu me diverti muito.

Eu sorri.

– Eu também – Uma sensação de desapontamento revolveu no meu

interior.

Valen inclinou a cabeça e me beijou. O deslizamento de sua língua

sobre meu lábio inferior provocou ondas de calor em minha pele até que

o calor se acumulou no meu estômago. Ele se afastou, e seus olhos

traçaram meus lábios. Ele olhou para mim e sorriu, com um brilho de

desejo em seus olhos, e então foi embora.

O beijo foi breve, mas ressoou com urgência e desejo, quase fazendo

meus joelhos cederem.

Soltei um suspiro e me dirigi ao elevador do outro lado do saguão.

Eu precisaria de uma ducha fria depois disso.


– Você tem uma mensagem – disse uma voz. Virei-me para ver Errol

atrás da recepção, com o rosto contraído em uma máscara de escárnio

enquanto segurava um pequeno cartão de mensagem.

Fui até a recepção.

– Nunca recebi uma mensagem antes.

– Eu não me importo – Errol deixou a mensagem cair no balcão e se

afastou.

– De quem é?

O concierge suspirou e se virou.

– Eu não sei. Era uma mensagem telefônica. Não deram o nome, só

queriam deixar uma mensagem. Ele parecia nervoso. Agora, vá embora.

– É sempre um prazer, seu lagarto idiota – murmurei a última parte.

Minhas entranhas se contorceram. E se fosse uma mensagem do

investigador do Conselho das Sombras? Curiosa, peguei o cartão com a

mensagem e o li:

Vá para a 501 West 16th Street.

Olhe dentro do depósito e você encontrará o que está procurando.

Tá, definitivamente, não é do Conselho das Sombras.

Agora, eu estava realmente curiosa.


Capítulo 12

S entei-me no banco do passageiro dianteiro do Range Rover Sport de

Valen, com a mensagem nas mãos enquanto olhava para a rua escura

à nossa frente.

– Ainda falta muito? – perguntou Julian do banco de trás.

Inclinei-me e olhei para a tela do GPS embutido no SUV.

– Aqui diz que falta seis minutos.

Ouvi o som do banco de couro atrás de mim.

– Quem será que deixou essa mensagem? – perguntou Jade. – Parece

quase um enigma. Ou poderia ser uma música? O que você acha que

significa?

– Saberemos quando chegarmos lá – disse Elsa logo atrás de mim.

Meu instinto me dizia que tinha a ver com os paranormais mortos.

Era a única coisa louca que estava acontecendo no momento. Eu estava

procurando respostas, e quem quer que tenha deixado a mensagem sabia

disso. Eu só esperava estar certa.

Após receber a mensagem, subi para o meu apartamento, peguei

minha bolsa e minha jaqueta, calcei umas botas sem salto e procurei a

turma. Encontrei Elsa e Jade nas máquinas de caça-níqueis e Julian no

elevador com uma ruiva linda, enquanto eu descia. Depois de informá-

los, liguei para Valen.

– Já está com saudades? – perguntou o gigante no primeiro toque.

– Vai sonhando – eu ri. – Ouça. Recebi essa mensagem agora mesmo

– Depois que li a mensagem para ele e expressei como eu achava que ela

estava de alguma forma ligada às mortes paranormais, o gigante disse:


– Fique aí. Estou indo buscar você. Vamos juntos.

A noite estava clara e, embora eu pudesse me virar sozinha, ter o

gigante comigo era um bônus. Sem mencionar as outras duas bruxas e o

bruxo. Enfrentaríamos o que quer que fosse juntos.

– Você acha que isso tem algo a ver com os corpos do lixo e com os

outros vampiros? – perguntou Julian.

– Você acha? – expressou Jade, com um tom de surpresa elevado. –

Como?

Virei-me para encará-los melhor.

– Eu acho. É só um pressentimento. Mas você não acha estranho

que, depois de encontrar aqueles paranormais mortos e os vampiros

ontem à noite, eu receba essa mensagem? Não acredito em

coincidências. Acho que elas estão ligadas.

– Também pode ser uma armadilha – disse Valen. – Se eles

estiverem observando você há algum tempo, saberiam que você viria

investigar. É isso que você faz.

Franzi a testa.

– Me observando? – Não gostei de ouvir isso. Seguir um gigante que

patrulhava as ruas à noite era uma coisa, mas ter um stalker assustador

me espionando me dava arrepios.

Elsa estendeu o braço e colocou as mãos no meu encosto de cabeça.

– Você acha que alguém quer machucar a Leana?

– Quem quer machucar a Leana? – perguntou Jade. Sua voz era

trêmula e preocupada.

Valen cerrou os dentes.

– Não sei, mas receber uma mensagem como essa não pode ser uma

boa coisa. Eles não deixaram um nome. Deram um endereço e disseram

para você ir até lá. Parece uma armadilha.

O nervosismo deu um nó no meu estômago. Eu não tinha pensado

nisso.

– Bem, logo descobriremos – Tive minha cota de inimigos ao longo

dos anos. Coloquei muitos “vilões” paranormais na cadeia, mas eles

ainda estavam na prisão, pelo que eu sabia.

Elsa se recostou no banco, com as mãos envolvendo seu pingente.

– Ainda bem que você nos contou. Eu teria ficado muito chateada se

você tivesse ido sozinha.


Eu sorri.

– Eu sei. Foi por isso que contei a vocês – Meu coração se aqueceu

com a sensação de ter essas bruxas cuidando de mim. Há apenas

algumas semanas, a ideia de trabalhar com outras pessoas teria me feito

desistir do trabalho. Agora, era estranhamente reconfortante saber que

eles estavam comigo. E isso também valia para Valen.

– Errol disse de onde a mensagem veio? – perguntou Jade. – Talvez

ele saiba quem a enviou.

Eu balancei a cabeça.

– Eu perguntei, e ele disse que chegou por telefone e que a pessoa

não quis deixar seu nome. Só queria deixar uma mensagem. Ele disse

que a voz parecia nervosa e que era masculina.

Jade franziu os lábios, brincando com as pulseiras de plástico branco

em seu pulso.

– Hum. Isso é estranho. Mas estou surpresa de que você tenha

conseguido toda essa informação de Errol. Ele é um idiota, raramente

está disposto a oferecer ajuda fora das suas responsabilidades.

– Tive que ameaçá-lo para conseguir essa informação – Sorri,

lembrando-me de como seus olhos ficaram redondos quando lhe disse

que jogaria um caminhão de baratas no saguão se ele não me desse mais

informações. As baratas em si não o assustavam, mas saber que ele seria

incapaz de se controlar e que comeria os insetos na frente de todos, sim.

Todos nós tínhamos nossos demônios.

– Então – começou Elsa, com um tom divertido – Como foi o

encontro?

Mas que diabos.

– Todos sabemos que vocês saíram juntos – continuou a bruxa. – O

hotel inteiro sabe. E nós – ela apontou para si mesma e depois para

Julian e Jade – gostaríamos de saber como foi. E então?

Fechei a boca e, quando olhei para Valen ele estava sorrindo, um

rubor subiu pelo meu rosto.

– Foi bom – eu disse, depois de um momento. Parecia que eu teria

que falar.

Julian riu.

– Foi bom? Fazer o imposto de renda é bom, não um encontro. Ou

você percebeu que não terminaria bem depois de dez segundos e foi
embora mais cedo, ou ficou para a sobremesa. Parece que vocês dois

ficaram para a sobremesa – acrescentou ele com sarcasmo.

– Vamos descobrir depois, então é melhor você nos contar –

pressionou Jade.

Valen ainda estava sorrindo enquanto eu respondia.

– Foi ótimo. A comida estava perfeita. O vinho estava excelente e a

companhia também – Fiquei olhando para Valen. – Você gostaria de

acrescentar alguma coisa?

O gigante balançou a cabeça.

– Não. Você está indo bem.

Elsa, Jade e Julian começaram a rir.

Eu os encarei com um olhar de reprovação.

– Vamos falar de outra coisa – Eu não queria falar sobre meu

encontro com Valen, não quando nem sequer tive tempo de pensar sobre

isso.

Fiquei olhando para o GPS.

– Deve ser bem ali, à sua esquerda.

O endereço 501 West 16th Street apareceu na nossa frente. Era um

prédio de containers de alumínio, tipo um depósito. A ferrugem marcava

a frente e as laterais do prédio. Não havia janelas, pelo que pude

perceber.

Valen entrou na garagem, estacionou e todos nós saímos.

Julian se aproximou e ficou de frente para o prédio.

– Parece deserto. Não há luzes acesas do lado de dentro.

– São quase onze da noite – disse Elsa, como se isso explicasse tudo.

Valen foi até a traseira de seu Range Rover e abriu o porta-malas.

Ele tirou uma lanterna de uma bolsa preta, testou-a e a entregou a mim.

– Aqui.

Peguei a lanterna.

– Obrigada. E quanto a você? Os gigantes têm visão noturna? – Os

vampiros têm, assim como a maioria dos metamorfos e lobisomens,

então por que não os gigantes?

A maior parte do seu rosto estava oculta nas sombras, mas ainda

assim, eu conseguia distinguir um sorriso.

– Temos uma visão melhor do que a maioria, mas não como os

vampiros ou outros metamorfos que enxergam bem no escuro – Ele tirou

É
outra lanterna de sua bolsa. – É melhor vir preparado – Ele a entregou

para Elsa, que acenou para ele com a mão em sinal de desdém.

– Não preciso disso – Revirando sua própria bolsa, ela tirou um

pequeno globo do tamanho de uma maçã, era uma lanterna de bruxa. Eu

já tinha visto outras bruxas usá-las antes, embora eu mesma nunca

tivesse usado uma. Sempre desejei poder fazer alguma magia elementar

para ter minha própria lanterna de bruxa.

Elsa estendeu a mão e sussurrou:

– Da mihi lux – Dê-me luz.

A esfera pulsou contra a palma de sua mão e, em seguida, uma luz

brilhou através dela, como se ela estivesse segurando uma lâmpada

LED. O globo se elevou no ar acima dela, iluminando a área com um

brilho amarelo suave.

– Exibida – murmurou Jade, embora estivesse com um sorriso

enorme no rosto.

Verifiquei o endereço uma última vez.

– Bem, este é o lugar – eu disse, enfiando a mensagem no bolso da

calça jeans. – Vamos ver se as portas estão trancadas.

– Se estiverem, tenho uma poção para isso – Julian caminhou ao

meu lado, com seu longo casaco esvoaçando ao seu redor enquanto se

movia. Suas mãos estavam nos bolsos, que continham poções e venenos.

– Ele pode estar protegido e amaldiçoado – eu disse, lembrando-me

da entrada secreta da feiticeira Auria embaixo da ponte. Ela ficou

furiosa por eu quebrar sua maldição, mas ainda mais por eu levar seu

precioso livro de maldições. A recordação despertou um sorriso em

mim.

Juntos, nos dirigimos às portas duplas de metal, o que eu supunha

ser a entrada principal. Uma das portas estava entreaberta, parecendo

um convite silencioso ou uma possível armadilha, como Valen sugeriu.

– Está aberta – eu disse a eles, virando-me e vendo a preocupação

estampada em seus rostos.

– Não estou gostando disso – Jade se mexeu, com traços de

ansiedade em seu rosto e medo em seus olhos. – Quem a deixaria aberta

desse jeito?

Boa pergunta.
– Eu não sei. Mas não me parece bom – Eu invoquei minha luz

estelar. A energia sibilou contra minha pele enquanto o poder das

estrelas formigava sobre mim. Centenas de globos brancos brilhantes e

em miniatura voaram de minha mão e atingiram as portas duplas de

metal, envolvendo-as em uma cortina de luz branca. Aguardei enquanto

as luzes estelares deslizavam ao redor das portas, esperando pelo

familiar arrepio gelado de uma maldição, mas nada senti.

Deixei meus braços caírem. As luzes das estrelas brilharam e depois

se dissolveram. – Não estou sentindo nenhuma vibração de proteção

nem de maldições.

– Não estou sentindo energia de proteção aqui – comentou Elsa

enquanto estendia as mãos sobre as portas, como se estivesse se

aquecendo em uma fogueira.

Suspirei.

– Bom. Parece que alguém a deixou aberta para nós.

O cenho franzido de Valen e o estreitamento de seus olhos eram

realmente assustadores. Ele claramente ainda achava que isso era uma

armadilha, e provavelmente não estava errado. Mas nós estávamos aqui.

Eu queria saber porque alguém queria que eu viesse aqui para ver algo, e

queria saber o que era.

– Vamos lá – Empurrei uma das pesadas portas de metal, e ela se

moveu facilmente para o lado com um guincho alto. – Vamos ver do que

isso se trata. Prontos? – eu disse e entrei.

Valen estava ao meu lado em um instante.

– Cuidado. Como eu disse, não sabemos se isso é uma armadilha.

Acenei com a cabeça e acendi minha lanterna, mas não foi preciso.

A lanterna de bruxa de Elsa voou e pairou sobre nós, lançando um

brilho suave e nos iluminando bastante. Mesmo assim, mantive a

lanterna acesa para ver os cantos escuros.

Eu não era idiota. Parte de mim concordava com Valen que tudo isso

poderia muito bem ser uma armadilha. Eu não queria que meus amigos

ou Valen se machucassem. Não sabíamos o que estávamos enfrentando,

e às vezes isso era pior.

O interior do depósito era tão sombrio e velho quanto o exterior,

tinha um cheiro de desinfetante, semelhante ao cheiro característico de


hospitais, acompanhado por um toque de algo azedo, como vinagre ou

sangue.

Com a lanterna de bruxa dançando acima de nós, pude ver as

estantes que se estendiam até o teto, repletas de caixas e aparentes

caixotes de madeira, cujas laterais de compensado estavam deformadas

devido à umidade e ao desgaste.

– O cheiro é nojento – disse Jade enquanto tapava o nariz. – Parece

um necrotério que esqueceu de ligar o interruptor de refrigeração.

Ela não estava errada. Algo cheirava estragado neste lugar.

Meus olhos se voltaram para Valen. Suas feições estavam duras e,

pelos músculos que se projetavam ao longo de seus ombros e pescoço,

percebi que ele estava prestes a se transformar em seu alter ego gigante,

ou como quer que fosse chamado.

– Demônios? – sugeriu Elsa.

Invoquei minha luz estelar novamente, o suficiente para despertar

meus sentidos. Uma energia familiar se formou em minha pele, a

combinação do zumbido frio e quente da magia. Havia magia aqui,

muita magia.

Mas havia outra coisa além disso, algo mais substancial que eu não

conseguia decifrar. Tinha as vibrações típicas da magia, mas era

diferente, como se as propriedades mágicas tivessem sido alteradas.

– Não estou sentindo nenhuma vibração de demônio – eu disse

enquanto avançava. – Mas tem algo aqui. Algo com uma magia

poderosa.

– Sim – Julian assentiu com a cabeça. – Eu também sinto isso.

– Eu também – respondeu Jade, e Elsa acenou com a cabeça.

Seguimos em frente em silêncio, com nossas botas fazendo barulho

no chão de cimento. Eu não tinha ideia do que esperar ou do que

encontraríamos, além das montanhas de caixas. Mas alguém havia me

enviado para cá por algum motivo. Poderia ser uma armadilha. Poderia

ser qualquer coisa, na verdade.

Continuamos caminhando. Meu coração era um tambor, batendo em

um ritmo selvagem que eu não conseguia parar. Valen estava ao meu

lado, ele era uma presença silenciosa e poderosa.

Eu não conseguia ver muito bem o resto do prédio devido às

prateleiras de caixas gigantes, mas vibrações vinham das sombras ao


meu redor. Avistamos uma entrada para outra sala e fomos em direção a

ela.

Assim que entramos na grande sala, a energia me atingiu com uma

explosão total.

A sala era mais ou menos do tamanho do saguão do Twilight Hotel,

repleta de computadores, armários de arquivos e mesas de metal com

microscópios e frascos de vidro. Senti-me como se tivesse acabado de

entrar em um filme de ficção científica de segunda categoria em que

cientistas loucos fabricavam bebês humanos e alienígenas. O espaço

parecia maligno, errado e incomum, como se o que estivesse

acontecendo aqui não devesse estar acontecendo.

Parei quando meus olhos se fixaram nas fileiras de tanques gigantes,

semelhantes a aquários. No entanto, não foram os tanques que me

fizeram congelar, mas as pessoas que flutuavam dentro deles. Tubulações

e cabos percorriam regiões vinculadas aos seus corpos nus, conectando-

se a máquinas próximos aos tanques.

– Em nome da deusa, o que é isso? – praguejou Julian.

Eu corri para o tanque mais próximo, sentindo a constante vibração

da magia e vendo um homem flutuando dentro dele. Seus olhos estavam

fechados.

– Os tanques estão enfeitiçados – Olhei para o tubo de líquido

vermelho-escuro que estava sendo bombeado para dentro dele como

uma máquina de diálise, mas essas máquinas não tinham magia fluindo

através delas. Mas as outras tinham.

– Eles estão vivos – disse Valen ao lado de uma das máquinas. –

Todos eles têm batimentos cardíacos constantes.

– Não estou entendendo. Isto é uma clínica? – Jade olhou ao redor. –

Eles estão sendo tratados de alguma coisa? E por que aqui?

– Boa pergunta. Eles estão sendo mantidos vivos por um motivo –

Peguei um arquivo que vi descansando em uma das máquinas quando

um gemido chamou minha atenção.

Virei-me para a esquerda e perdi minha respiração.

Lá, em uma gaiola de metal, havia uma pessoa. Não, não apenas

uma, mas três pessoas parecendo aterrorizadas.

Elas estavam sentadas, curvadas dentro de uma jaula projetada para

acomodar um cachorro de grande porte., com os pulsos e os pés


amarrados com uma corda. Elas tinham um pedaço de fita adesiva em

suas bocas, molhados de lágrimas. Uma delas, uma mulher, encontrou

meus olhos, e meu peito se apertou com o medo que vi.

Corri até a gaiola.

– Que diabos está acontecendo aqui? – A raiva aumentou quando

procurei a porta da gaiola e encontrei um cadeado. – Filho da pu…

– Deixa comigo – Julian me puxou para trás enquanto derramava um

líquido amarelo sobre a fechadura. Ela chiou enquanto a poção corroía o

metal como ácido. O cheiro de cobre inundou meu nariz. O barulho do

metal ecoou enquanto Julian abria a porta.

– Obrigada – Com a ajuda de Julian, puxei a mulher primeiro e, em

seguida, os dois homens. Assim que cortamos suas amarras e

removemos a fita adesiva, percebi que havia algo errado.

– Ah, droga – eu disse, olhando para seus rostos assustados. – Eles

são humanos.

– O quê? – Valen estava ao meu lado, seus olhos inspecionaram os

três prisioneiros muito humanos. A mulher se afastou de Valen, assim

como um dos homens. Eu não os culpei. O cara ainda era grande e

imponente, mesmo em sua forma humana.

Elsa tirou o que parecia ser um doce de sua bolsa e o ofereceu a eles.

– Aqui. Pegue isso. Vai fazer vocês se sentirem melhor.

Os três humanos se juntaram e se encolheram diante de Elsa, como

se ela estivesse prestes a envenená-los.

Ela se virou para me olhar.

– Isso é muito estranho. O que eles estavam fazendo naquelas

gaiolas?

Todas essas perguntas eram excelentes, e precisavam ser

respondidas.

– Quem fez isso com vocês? – Perguntei a eles com minha voz mais

gentil, embora um pouco apressada. – Quem trouxe vocês aqui? –

Esperei por um momento ou dois, examinando seus rostos assustados,

mas não achei que fossem me responder.

Jade se abraçou, olhando para os tanques.

– O que está acontecendo aqui? Que diabos é este lugar?

Meus olhos se voltaram para os tanques, e então eu me aproximei de

um. Puxando a manga da minha jaqueta, enfiei a mão no tanque com


uma mulher suspensa, e tentando não pensar no que havia na água, eu

toquei seu braço. Em seguida, fui para a frente do tanque e

cuidadosamente puxei seu lábio superior para revelar caninos afiados.

Eu me afastei, com uma espécie de pânico correndo pelo meu corpo.

Valen se aproximou de mim, me encarando com seus olhos se

estreitando perigosamente.

– O que é? O que você encontrou?

Esperei que todos os meus amigos me ouvissem antes de dizer:

– Ela é humana. Aposto que todas as pessoas que estão nesses

tanques são humanos.

Jade balançava a cabeça.

– Mas eu não entendo. Posso sentir magia aqui. Todos nós podemos.

Compartilhei um olhar com Valen.

– Eu acho… não… eu sei o que está acontecendo aqui. Tudo está

começando a fazer sentido.

– Por favor, diga-nos antes que eu tenha um ataque cardíaco – disse

Elsa, olhando para os humanos amontoados com pena em seus olhos.

A bile subiu em minha garganta com o que eu estava prestes a dizer.

– Esses humanos estão sendo transformados em paranormais.

Meus amigos me encararam como se eu fosse louca.

– Olhem ao redor – continuei. – Aposto que esse sangue aí – eu

disse, apontando para a engenhoca que me lembrava uma máquina de

diálise – É sangue paranormal. Eles estão criando paranormais a partir

de humanos.

– Não é tão simples assim – Julian examinou a máquina para a qual

eu havia apontado. – Você não pode simplesmente injetar um pouco do

nosso sangue e depois se tornar um paranormal. Não é assim que

funciona.

– Tenho de concordar com Julian – disse Elsa. – Nunca ouvi falar de

humanos que tenham se transformado dessa forma. Bem, sem contar os

que foram mordidos por um vampiro ou lobisomem rebelde. Mesmo

assim, nem sempre isso acontece. Geralmente o humano acaba

morrendo.

– Eu sei – respondi. – Mas talvez tudo o que você precise é de um

feitiço poderoso e magia para completar a transformação. Eu sinto isso.


Todos vocês podem sentir. Há um feitiço neste equipamento, ou talvez

esteja no sangue – Sim, definitivamente está no sangue.

O rosto de Elsa estava franzido de pena e nojo.

– Que a Deusa nos ajude, se isso for verdade.

Olhei para Valen. Ele estava quieto, com as feições cuidadosamente

neutras. Mas pude perceber pela rigidez de sua postura que ele estava

aborrecido. Todos nós estávamos.

– Fica pior – eu disse, olhando para os três humanos aterrorizados

que pareciam prestes a fugir a qualquer momento. Eu não os culparia.

Eles estavam ouvindo a nossa conversa o tempo todo, o que não era

permitido. Eu me preocuparia com isso mais tarde.

Jade esfregou as mãos nos braços.

– O que você quis dizer com isso?

Meu coração batia forte, eu estava apavorada e horrorizada.

– Isso significa que todos aqueles vampiros com quem lutamos e

aquelas pessoas que encontrei perto da lixeira… eram humanos. É por

isso que não senti nenhuma vibração paranormal – eu disse quando me

dei conta. – Porque eles não eram paranormais. Eles eram humanos –

Olhei para o rosto chocado de meus amigos e disse:

– Humanos que vieram deste lugar.


Capítulo 13

I ncluindo os três humanos aterrorizados que havíamos libertado,

outros quinze flutuavam nos tanques, e foram cuidadosamente

retirados pelos curandeiros do Conselho das Sombras e colocados em

colchonetes. Observei enquanto o décimo homem humano era retirado

do tanque, com os tubos e fios ainda presos a ele. Os curandeiros, todos

vestidos com jalecos brancos, começaram a puxar os fios e tubos dele.

Outro grupo de policiais vestidos com uniformes cinza, que era a

segurança tática do Conselho das Sombras, o equivalente ao esquadrão

de polícia, observava da porta. Eu não me importava com eles. Eles

eram arrogantes e se consideravam acima de qualquer lei que não fosse a

deles, por isso me afastei.

As luzes do depósito estavam acesas agora. Não adiantava mais

tentar ser discreto, então eu tive uma boa visão do interior e do horror

que habitava lá dentro.

Voltei meus olhos para o homem no colchonete. Sua pele tinha um

tom acinzentado e estava enrugada, como a de um recém-nascido. O

zumbido da magia pulsava no ar enquanto os curandeiros murmuravam

alguns feitiços. Os olhos do homem se abriram por um segundo e depois

se fecharam novamente. Parecia que ele estava dormindo.

Os curandeiros estavam assustadoramente silenciosos enquanto

trabalhavam como um grupo de monges após fazer um voto de silêncio.

Virei minha cabeça ao ouvir o barulho de rodas e vi outro curandeiro

empurrando uma maca em direção ao homem humano. Juntos, os dois


curandeiros levantaram o homem e o colocaram na maca. Em seguida,

ele foi levado pela porta até uma van que o aguardava.

– Para onde você os está levando? – perguntei a curandeira mais

próxima, uma mulher mais ou menos da minha idade.

– Para onde eles nos mandaram levá-los – respondeu ela, com os

olhos voltados para os oficiais de cinza. E então, antes que eu pudesse

lhe fazer mais perguntas, ela foi para o próximo tanque.

– Os três humanos estão dormindo agora – Elsa e Jade vieram se

juntar a mim.

Soltei um suspiro.

– Que bom. Isso é bom. E quanto ao que eles viram e ouviram? É o

suficiente para traumatizá-los para o resto da vida.

– Os curandeiros fizeram um encanto de memória muito poderoso

neles – respondeu a bruxa mais velha. – Eles não se lembrarão de nada.

Graças a Deusa.

– Melhor assim – Jade soltou um longo suspiro. – Alguns humanos

podem enlouquecer após testemunhar algo assim. É muito cedo para

eles, especialmente porque nunca tiveram nenhum contato com o mundo

paranormal e acham que não existimos. É melhor manter as coisas

assim.

– Eu concordo – Olhei para o lado e vi Valen e Julian ouvindo um

curandeiro que estava apontando para as máquinas de diálise estranhas.

Os braços grandes e musculosos de Valen estavam cruzados sobre o

peito e ele tinha aquele olhar que dizia: Não tenho certeza se gosto de

você ou não.

Jade esfregou os olhos.

– Bem, estou feliz que isso tenha acabado.

Olhei para a Jade.

– Não acho que tenha acabado. Sim, descobrimos o laboratório

deles, mas como sabemos que há apenas um?

O rosto de Elsa empalideceu.

– Você não acha que há mais?

Acenei com a cabeça.

– Eu acho. Tudo isso foi cuidadosamente pensado e planejado. Foi

preciso tempo e esforço. Provavelmente meses e anos para criar um


feitiço que fizesse a transição de humano para paranormal funcionar.

Não é possível que isso tenha acabado.

– Mas por quê? Por que fazer isso? – O rosto de Jade estava franzido

de tristeza enquanto outro humano era levado em uma maca.

Olhei para o laboratório, para os tanques e equipamentos.

– Parece que eles estão tentando criar algum tipo de exército – Ao

proferir as palavras, elas soaram verdadeiras.

– Um exército? – exclamou Elsa, com a voz alta o suficiente para que

Valen viesse em nossa direção.

Olhei para o gigante por um momento antes de voltar minha atenção

para Elsa.

– É isso que parece para mim. Por que esperar anos por um exército

paranormal quando você pode criar um com humanos?

Jade emitiu um som de nojo.

– Algumas pessoas são simplesmente retardadas.

– Elas são. Mas o exército tem falhas. Eles não duram.

Independentemente da transformação que esteja acontecendo, ela não

parece durar. Todos os vampiros com os quais lutamos ontem à noite

morreram quando o tempo deles se esgotou. É por isso que acho que isso

ainda não acabou. Veremos muito mais disso antes do fim, porque eles

continuam aperfeiçoando a transformação. Eles continuarão fazendo

isso até que os paranormais recém-criados permaneçam vivos.

Isso era coisa de Dr. Frankenstein. Mas Jade estava certa. A pessoa

ou pessoas que estavam fazendo isso eram claramente retardadas,

psicopatas sem empatia ou consideração pela vida humana.

– Por que um exército? – Elsa me observou por um momento.

Dei de ombros.

– Os exércitos são feitos para lutar. Lutar contra o quê? Ainda não

sei. Mas vou descobrir.

Outra maca veio em nossa direção com uma mulher humana

repousando sobre ela. Era possível ver suas veias azul-escuras em meio à

pele perigosamente pálida dela. Ela parecia estar em piores condições do

que as outras.

– Espere – eu disse e corri para lá. – Ela vai sobreviver?

O curandeiro, um homem negro, olhou para mim.

– Eu duvido.
Minha boca se abriu. Um pesado nó de pavor se formou em meu

peito.

– Sério? Não há nada que você possa fazer para ajudá-la?

O curandeiro balançou a cabeça, franzindo os lábios.

– Ela já está muito avançada na transformação. Não há nada que

possamos fazer.

– Você não pode reverter o que foi feito com eles? – As emoções

apertavam minha garganta, e eu não tinha intenção de ocultar esse

sentimento.

– Não podemos – respondeu o curandeiro. – Não há como voltar

atrás.

– Mas… – Olhei para os tanques restantes com um humano

flutuando. – Isso significa que todos os humanos que vocês tiraram de lá

vão morrer?

O curandeiro olhou para mim e percebi que ele estava tentando ser

gentil.

– Sim. Vamos mantê-los o mais confortável possível. Mas eles

morrerão. Todos eles. Somente aqueles que não foram submetidos à

mistura de sangue sobreviverão.

– Os três que estavam nas gaiolas – disse Elsa, ao meu lado. – Ah,

meu Deus. Que horror.

Minhas mãos caíram ao lado do corpo e meus olhos arderam de

tristeza e raiva enquanto eu observava o curandeiro empurrar a mulher.

– O que está acontecendo?

Virei a cabeça para ver Valen que se aproximava.

– Os curandeiros disseram que nenhum dos humanos sobreviverá –

Minha indignação cresceu, tornando-se algo fervente, implacável e

destrutivo, espelhando o turbilhão de emoções internas.

– Não estou surpreso – respondeu o gigante. – Nosso sangue é

venenoso para os humanos. E com a quantidade que lhes foi dada, não é

possível eliminá-lo com líquidos ou com mais sangue humano.

Cerrei os punhos.

– Isso não deveria ter acontecido. Essa ideia de criar paranormais é

de alguém doentio.

Senti uma mão em meu braço.


– Mas você salvou três – O rosto de Elsa estava cheio de compaixão.

– Pense nessas vidas. Elas teriam morrido se não tivéssemos vindo aqui.

Ela estava certa, mas eu ainda sentia que havia falhado com essas

pessoas.

– Quem me deixou aquela mensagem? Quem deixou a porta

destrancada?

– Alguém com emoções conflitantes – disse Jade, olhando em volta.

– E que provavelmente trabalhava aqui.

Fiquei olhando para Jade.

– Você está certa. Alguém que participou desse pesadelo… e que de

repente recuperou a sanidade – E eles entraram em contato

anonimamente. Mas, ainda assim, sem eles, nunca teríamos descoberto

esse laboratório e salvado aquelas três vidas humanas.

– Deve haver registros das pessoas que trabalham aqui. Alguma

coisa – Olhei por cima das máquinas para algumas mesas de metal

empilhadas com papéis e arquivos.

– Vamos ver se conseguimos encontrar alguma coisa. Pistas. Tudo o

que precisamos é de um nome. Um nome e teremos uma pista.

Todos nós começamos a examinar os papéis e arquivos, inclusive

Valen. Mas depois de cerca de quinze minutos, tudo o que encontrei

foram apenas anotações e dados sobre os pacientes humanos. Não havia

contas, nem recibos de qualquer tipo. Parecia que os responsáveis

tinham sido muito cuidadosos em manter suas identidades ocultas.

– Não há nada aqui – eu disse enquanto fechava um armário de

arquivos.

Jade segurou um pequeno pedaço de papel.

– Tenho um recibo do McDonald's. Dois Big Macs. Não há número

de cartão de crédito. Eles pagaram em dinheiro.

– Como vamos descobrir quem é o responsável sem um nome ou

algo assim? – perguntou Elsa.

– Talvez a pessoa que enviou a mensagem me envie outra? – Eu

achava pouco provável, mas se uma pessoa tinha consciência, eu

esperava que outras também tivessem.

Eu me virei e observei enquanto os três humanos sobreviventes eram

levados em macas. Sua reação de pavor diante de nós era justificada.

Eles haviam sido sequestrados e forçados a assistir a outros humanos


submetidos a essa transformação doentia, sabendo que isso logo seria

feito com eles. Se eu estivesse naquela jaula, teria provavelmente cagado

nas calças.

O único conforto é que eles não se lembrariam de nada.

– Para onde vocês estão levando isso? – A voz alta de Julian me fez

virar.

As máquinas de diálise mágicas, não sabia como chamá-las, estavam

sendo empurradas pelos curandeiros. Ele encontrou meus olhos do outro

lado da sala e levantou os braços.

– Mas que diabos?

Eu corri para encontrá-los.

– O que está acontecendo aqui? – perguntei, colocando-me na frente

de uma das máquinas, bloqueando o caminho deles. De repente, não

fiquei muito entusiasmada com o fato dos curandeiros levarem as

chamadas máquinas de diálise mágicas. E se eles pudessem estudá-las e

reproduzir os feitiços? Não. Isso não vai acontecer.

Os olhares se cruzaram entre os curandeiros até que um deles, um

jovem, respondeu. – Estamos seguindo ordens.

– Ordens de quem? – Valen estava de repente ao meu lado, com as

mãos nos quadris. E pela profunda carranca em seu rosto e o olhar feroz,

ele esperava uma resposta.

O medo brilhou nos olhos do mesmo curandeiro enquanto ele olhava

para Valen, sem dúvida ele sabia quem ele era e sua natureza.

– O Conselho das Sombras deu instruções específicas para levar

todas as máquinas – respondeu ele rapidamente, como se quanto mais

rápido se expressasse, mais rápido pudesse se afastar de Valen.

Franzi a testa.

– O Conselho das Sombras? – Olhei por cima de suas cabeças e vi

outro grupo de curandeiros enfiando todos os arquivos em caixas de

papelão com alças. – Todos os arquivos e dados também?

– Sim – respondeu o mesmo curandeiro. Seu olhar se voltou para os

oficiais de cinza que ainda estavam ao redor da porta. – Recebemos

ordens para levar tudo.

– Levar? Levar para onde? – perguntei, meu pulso estava

subitamente acelerado.
O curandeiro engoliu em seco, com o corpo tenso, e pude perceber

que ele estava se perguntando se estávamos prestes a lhe dar uma surra.

O suor lhe cobria a testa e uma grande veia latejava na lateral de sua

têmpora.

– Para o quartel-general.

– Para ser destruído, não é? Não para ser estudado? – Esperei por

uma resposta, mas os curandeiros não responderam.

Quando ninguém respondeu após alguns instantes, Valen deu um

passo à frente.

– Responda à pergunta dela, agora! Ou eu vou obrigar você – Os

músculos do pescoço e dos ombros dele se projetaram em uma

demonstração de força e domínio. Não tenho certeza de como ele fez

isso, mas funcionou.

O curandeiro parecia ter se borrado todo antes de responder.

– Eu… eu não sei. Eles não nos disseram – disse ele, com a voz

trêmula. – Mas nos disseram para ter cuidado com o equipamento e não

deixar nada para trás. Absolutamente tudo deveria ser levado – O branco

de seus olhos brilhava quando ele olhava para mim e para Valen.

Olhei para o gigante, vendo a mesma expressão de desconfiança que

eu estava sentindo. Mas não podíamos detê-los.

Relutantemente, dei um passo para o lado para deixá-los-passar

– Tudo bem. Vocês podem continuar.

Cruzei os braços enquanto observava as últimas macas com os

humanos sendo levadas para fora do depósito um pouco mais rápido do

que antes, graças a Valen.

Elsa ficou ao meu lado.

– Você está com essa cara feia de novo. O que está acontecendo? O

que você tem?

Cerrei os dentes.

– Não tenho um bom pressentimento sobre isso. Sobre eles levarem

tudo. Não parece certo – Não mesmo. Parecia que o Conselho das

Sombras estava prestes a montar seu próprio laboratório.

– O que você quer dizer com isso? – perguntou Jade. – Não pode ser

pior do que tudo isso.

Me virei para Jade.


– O Conselho das Sombras deveria ter pedido a destruição das

máquinas.

– Sim. Eles deveriam ter incendiado o lugar com tudo dentro – disse

Julian, com as mãos nos bolsos do casaco. Eu o olhei nos olhos e sabia

que ele havia chegado à mesma conclusão que eu.

– Mas eles receberam instruções específicas para levar tudo – eu

disse.

– E? – Jade deu de ombros. Ela estava balançando a cabeça, com a

ansiedade estampada em seu rosto e em seus olhos. – É melhor assim.

Não é?

Balancei a cabeça.

– Essas máquinas ainda estão com a mistura de sangue e a magia.

Isso significa que eles podem estudar a magia e o procedimento, e

podem replicá-la.

Deixei que eles absorvessem a informação, observando o horror

silencioso que se espalhava em suas expressões.

Elsa foi a primeira a quebrar o silêncio.

– Você não acha… Não… Não acredito que o Conselho das

Sombras faria isso.

– Eu acho – disse Julian, com o rosto tenso. – Eles fariam isso.

– Eu também – Fiquei olhando para o depósito agora vazio. As

últimas evidências estavam cuidadosamente embaladas em caixas

enquanto os curandeiros restantes saíam em fila pela porta, e os policiais

de cinza os seguiam. Não restava nada do laboratório que havíamos

encontrado. – Se eles precisarem formar um exército por qualquer

motivo… para combater demônios ou qualquer outra coisa… agora eles

têm as ferramentas para fazer isso. O procedimento ainda precisa ser

melhorado, mas eu vi o resultado, e funcionou. O que aconteceu aqui,

com esses humanos, é valioso demais para ser destruído.

– Talvez você esteja errada – disse Elsa, mas o tom de sua voz

sugeria o contrário, como se ela mesma duvidasse.

– Talvez – respondi. Mas meu instinto estava me levando na direção

oposta. Não. O Conselho das Sombras guardaria tudo isso por um

motivo.

Elsa suspirou.
– Bem, já é tarde. Acho que nós deveríamos dormir um pouco e

conversar sobre isso pela manhã.

– Já é de manhã – disse Julian. – Tipo três e pouco.

– Então, a tarde – ela disse. – Não sei quanto a você, mas meus ossos

velhos precisam de descanso, especialmente depois de uma noite como

esta. Voltaremos a nos reunir amanhã à tarde. Tenho certeza de que as

coisas ficarão mais claras depois que todos nós dormirmos um pouco.

Ela não estava errada. Estávamos todos com as emoções e a

adrenalina à flor da pele. Tinha sido uma noite estranha. Eu tinha ido a

um encontro com Valen e tinha até pensado em convidá-lo para entrar

em minha casa. E agora isso. Eu precisava dormir por alguns dias apenas

para me livrar desse temor inquietante que grudou em mim como um

suor desde a nossa chegada.

Porque eu tinha certeza de que as coisas iriam piorar antes de

melhorar.

Era sempre assim.


Capítulo 14

– O que você continua fazendo na cama? – gritou uma voz familiar. –

Levante-se. Levante-se! Levante-se!

Embora meus olhos estivessem fechados, eu sabia que era Elsa, e ela

parecia irritantemente animada e alegre.

– Vá embora. Ainda estou dormindo – Levantei o edredom sobre a

cabeça, tentando abafar sua voz. Minha cabeça latejava com uma

enxaqueca, como se eu estivesse com uma ressaca enorme, mas sem a

diversão da parte da bebida.

Quase não dormi. Como poderia, se ainda havia um cientista ou

cientistas loucos e doentes à solta em algum lugar da cidade? Durante a

noite eu acordava suando, com o coração batendo no peito enquanto

repetia a cena em minha mente. Meu estômago se revirava ao pensar em

todos aqueles humanos flutuando naqueles tanques no depósito, na

forma como os humanos se encolheram diante de nós naquela gaiola,

como se fôssemos monstros prestes a devorá-los. Só de pensar no que

esses humanos haviam enfrentado provocava uma reviravolta em minhas

entranhas e fazia com que meus olhos ardessem.

Parecia que suas vidas não significassem nada. Eles eram apenas

bonecos, e seus corpos foram usados para um único propósito. Para

matar? Isso ainda não estava claro.

Acho que comecei a cochilar no momento em que Elsa entrou no

meu quarto.

Senti um puxão, e o ar fresco invadiu meu rosto quando o edredom

desapareceu.
– Levante-se – ordenou Elsa. – Você não está dormindo. Você está

conversando comigo. Isso não é dormir – Ela soltou um suspiro. – Você

é exatamente como meu filho, Dylan. Eu nunca conseguia tirar ele da

cama. Ele dormia o dia inteiro.

Pisquei para tirar a crosta dos meus olhos.

– Você tem um filho? Por que nunca falou nada?

Elsa sorriu com orgulho.

– Sim, ele mora na Escócia com a esposa. É muito parecido com seu

pai – seu sorriso diminuiu. – Não mude de assunto. Levante. Vamos lá.

Já são quase seis horas.

– O quê? – Estiquei o braço para alcançar a mesa lateral, e peguei

meu celular. – Droga. Parecia meio-dia – Droga, eu realmente tinha

dormido o dia inteiro. Bem, eu não tinha exatamente dormido. Apenas

cochilei aqui e ali. Não foi exatamente um bom sono.

A preocupação cruzou as feições dela.

– Eu sei. Acho que nenhum de nós dormiu muito. Todas aquelas

pobres almas. É terrível o que aconteceu com elas.

Me sentei, sentindo-me um pouco tonta. Meus olhos se voltaram

para Elsa, notando que seu cabelo ruivo e selvagem estava

cuidadosamente preso para trás com uma presilha, embora alguns fios

soltos emoldurassem seu rosto. Botas de couro vermelho apareciam sob

sua saia listrada verde e laranja.

– Você está bonita. Por que você está toda arrumada?

Antes que ela pudesse responder, Jade entrou no meu quarto de

patins. Ela usava meia-calça rosa sob um suéter preto com um cinto

branco na cintura. Colares compridos de pérolas falsas estavam

adornando seu pescoço, pendendo abaixo de sua barriga.

Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto, como se ela o

tivesse feito sem um espelho.

– Ah, meu Deus, ela ainda está na cama? – Jade riu enquanto dava

uma pirueta, e se apoiava na minha cômoda. – Vamos nos atrasar.

Me sentei mais ereta.

– Atrasar para o quê?

– Apresse-se e tome um banho – Elsa me puxou para ficar de pé.

Minha camiseta longa era a única coisa que estava vestindo. – O hotel
está organizando um jantar especial. O jantar de cassino para os

hóspedes e inquilinos.

– Isso quer dizer nós – disse Jade, apontando para si mesma como se

eu não tivesse entendido essa parte.

– As bebidas começam às seis – disse Elsa, olhando para o meu

armário como se um ghoul estivesse escondido lá dentro prestes a sair.

– Encontre o que você tiver que seja apropriado e nos encontraremos

lá embaixo.

– Está bem, está bem – Eu acenei para elas. – Vou tomar banho

agora.

Jade riu e saiu rolando do meu quarto.

– Rápido, velhinha – disse ela para Elsa por cima da cabeça.

– Me chame disso mais uma vez e você perderá uma roda – ameaçou

Elsa.

Com meu celular na mão, corri para o banheiro e liguei a água

quente do chuveiro. Demorou um pouco para a água esquentar, então

aproveitei a oportunidade para olhar meu celular e ver se Valen tinha me

escrito ou ligado. Não. Nada.

A noite passada tinha sido estranha. Primeiro o jantar com o gigante

e depois a visita ao depósito. Mesmo assim, achei que ele entraria em

contato.

Fiquei olhando para o nome dele na tela, meu dedo pairando sobre

ele enquanto pensava em ligar. Não. Eu não seria essa mulher. Se ele

quisesse me ligar, ele sabia onde me encontrar.

Após tomar banho em tempo recorde, vesti uma calça preta e um

suéter preto. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo bagunçado, passei

um pouco de delineador preto e brilho labial transparente, calcei minhas

botas de cano alto, peguei minha bolsa e fui para o elevador.

Meu estômago roncou quando apertei o botão do lobby. O jantar

parecia uma ótima ideia no momento. Nada como uma boa comida para

curar a alma. Com sorte, eles teriam cheesecake de sobremesa. Isso

afastaria todas as tristezas.

Entrei no saguão, contornei as mesas de jogos e as máquinas caça-

níqueis e fui em direção ao meu concierge favorito na história dos

concierges.
Errol olhou para cima quando me aproximei, e seu rosto se

contorceu no que eu só poderia descrever como um olhar de

constipação.

– O que você quer? – disse ele, com o lábio superior se contorcendo

em um rosnado, eu vi sua língua cinzenta e bifurcada aparecendo

rapidamente. Percebi que ele fazia isso quando estava chateado ou

nervoso.

Inclinei-me sobre o balcão e me aproximei dele o máximo possível.

– Você tem mais alguma mensagem para mim? – Era muito provável

que a pessoa me enviasse outra, essa era a única pista que eu tinha. A

consciência pesada deles os levou até mim uma vez. Talvez acontecesse

novamente.

– Não – ele sorriu, vendo minha decepção.

– Você tem certeza?

– Positivo.

Bati no balcão com meu dedo.

– Você não está me escondendo nada, não é? Porque isso seria muito

ruim. Muito ruim para você.

Errol me olhou irritado.

– Eu preferiria cortar minha própria garganta. Agora… vá embora.

Levantei uma sobrancelha.

– Está bem. Foi bom conversar com você.

Saí da recepção e fui até o restaurante, que ainda ontem havia sido

montado como um bufê de almoço.

As mesas estavam dispostas da mesma forma, mas tinham um ar

mais elegante, com toalhas brancas e velas curtas no centro. Pratos

brancos e reluzentes repousavam ordenadamente sobre as mesas,

ladeados por talheres brilhantes e guardanapos brancos de aparência

cara com gravuras douradas.

Deixei meu olhar percorrer a sala, procurando aquele homem

robusto com olhos escuros e músculos intermináveis. Mas não vi o

gigante em lugar algum. Talvez ele não quisesse ter a mesma experiência

que teve ontem, quando todos o olharam como se ele tivesse acabado de

chegar de Marte.

Peguei meu celular e olhei para a tela. Nenhuma chamada nova.

Nenhuma mensagem. Lutei por um momento com meus dedos, eles


queriam mandar uma mensagem, mas imaginei que o homem

provavelmente precisava de espaço, então coloquei o celular de volta na

bolsa.

– Bonito, não é? – Elsa se juntou a mim, com uma taça de vinho na

mão e, pelo tom rosado de suas bochechas, eu sabia que essa não era a

primeira taça.

– É sim – Avistei Basil à nossa frente, acenando com as mãos para

uma Polly irritada, que segurava um martelo de carne como se estivesse

prestes a usá-lo no bruxinho. – Aquilo não parece bom. Será que ele não

sabe que você nunca deve insultar o chef? Se insultar o chef você arrisca

ter um cuspe ou coisa pior na sua comida.

Elsa deu uma risadinha.

– Basil é um tolo. As mesas já estão reservadas com os nomes em

cada prato. Aquela é a nossa mesa – Ela apontou para o outro lado da

sala, onde Julian estava de pé. Ele pegou um pequeno pedaço de papel

branco, retangular e ficou olhando para ele.

Jade já estava sentada à mesa, com a cabeça baixa e o queixo

esfregando o peito. Parecia que ela queria deslizar para baixo da cadeira

e se esconder embaixo da mesa.

– Qual é o problema com a Jade? Ela parece doente – Sua pele

rosada habitual foi substituída por uma palidez anormal.

Elsa riu.

– Ela convidou Jimmy para sair.

– Nãoooo – Voltei meus olhos para Jade. – Boa menina – Ela podia

parecer que estava prestes a vomitar, mas eu estava orgulhosa dela.

– Venha. Vamos nos sentar. Todos estão indo para suas mesas – Elsa

me puxou com ela enquanto a sala de jantar se enchia repentinamente de

hóspedes e inquilinos, o som da conversa alegre e do murmúrio era alto.

Vi Barb, a bruxa idosa, de pé diante de uma mesa. Ela pegou os

cartões com os nomes, encostou-os em seu rosto e cheirou cada um

deles. Tudo bom? Eu que não vou sentar lá.

Elsa me soltou e eu bati meu quadril contra a cadeira ao lado de

Jade.

– Fiquei sabendo o que você fez – eu disse, colocando as mãos no

encosto da cadeira e fazendo o possível para não rir.

– Acho que vou vomitar – murmurou Jade, com o rosto tenso.


Julian puxou sua cadeira em frente à de Jade e se sentou.

– Foi preciso coragem para fazer o que você fez. Não são muitas as

mulheres que convidam os homens para sair. Eu gostaria que elas

fizessem isso mais vezes. É muito excitante. E isso tiraria um pouco da

pressão. Você sabe o que quero dizer?

Eu ri.

– Na verdade, não – Voltei a olhar para Jade. – Quando foi que isso

aconteceu? – Não pode ter sido há muito tempo. Eu a tinha visto alguns

minutos antes em meu apartamento.

– Tipo, cinco minutos atrás – disse Jade. – Bem aqui. Na frente de

todo mundo. Eu quero morrer.

– Não, você não quer. Vai dar tudo certo.

Jade se inclinou ainda mais na cadeira, com os olhos brilhantes

como se estivesse prestes a chorar.

– Não, não vai. Não acredito que fiz isso. Sou uma idiota. Uma

grande idiota.

Tinha pena da bruxa. Eu tinha visto a forte paixão que ela tinha por

Jimmy. Passei o olhar pela sala e vi que ele estava elegante em um terno

azul, conversando com Basil. Esperei para ver se ele faria contato visual,

mas ele não fez. Alguns caras eram totalmente idiotas quando lidavam

com os assuntos do coração, mas não o nosso Jimmy. Ele era um

homem amável e generoso, que foi aprisionado em um maldito cão de

brinquedo por um período que ultrapassava minha própria existência.

Se alguém era sensível aos sentimentos dos outros, esse alguém era o

nosso Jimmy.

Voltei minha atenção para Jade.

– O que ele disse? – O pior que poderia acontecer à minha amiga era

se Jimmy dissesse não. Havia cinquenta por cento de chance. Mas, pela

reação dela, eu achava que ele tinha recusado. Tenho certeza que ele

havia recusado gentilmente, mas ainda assim é um golpe no ego de

alguém.

O rosto de Jade ficou mais pálido, se é que isso era possível.

– Nada.

Franzi a testa e me aproximei.

– Nada? O que você quer dizer com nada?


– Nada – repetiu ela, olhando para um ponto na mesa. – Quem faz

isso? Isso significa que ele não está interessado. Significa que ele ficou

tão enojado com meu pedido que nem teve palavras para recusar.

– Ah, meu Deus – Elsa se deixou cair em uma cadeira vazia. – Aqui

vamos nós.

Balancei a cabeça.

– Espere um pouco. Ele não disse nada? Ele simplesmente ficou

parado e não disse nada? Como estava o rosto dele? – Isso era estranho,

até mesmo para o Jimmy.

– Como se ele estivesse no inferno – murmurou Jade, fazendo Julian

rir.

Senti um aperto no coração pela dor em seu tom de voz.

– Certo, então você convidou um rapaz para sair e ele não

respondeu. Isso não é o fim do mundo. Há coisas piores na vida – Mas,

neste momento, eu podia dizer que não havia. Não para ela.

Jade apenas balançou a cabeça.

– Eu sabia que era um erro. Minha Jade interior me disse para não

fazer isso.

– Sua Jade interior? – Ok, dessa vez eu tive que rir. Julian e Elsa se

juntaram a mim. Sim, éramos péssimos amigos.

– Mas eu ouvi? – continuou Jade, ignorando minha pergunta. –

Nãoooo. E veja o que aconteceu. Ele provavelmente nunca mais falará

comigo. Vai me evitar como se eu fosse doente. Eu já vi isso acontecer

antes.

– O Jimmy não é assim – eu disse a ela. – Ele é um dos bons – Eu

sabia que ela também acreditava nisso, parte do motivo pelo qual ela

tinha uma queda tão grande por ele. – Olha, ele foi amaldiçoado e

transformado em um cão de brinquedo por muito tempo. Talvez ele não

esteja pronto.

– Duvido disso – disse Julian. – Se fosse eu, estaria transando com o

maior número possível de mulheres depois de ser um brinquedo por

tanto tempo.

Olhei para Julian.

– Você não está ajudando.

Julian deu de ombros.

– Só estou dizendo como é.


A verdade é que a única pessoa que sabia o que era ser amaldiçoado

e transformado em um brinquedo e depois voltar a ser ele mesmo era

Jimmy. Talvez ele quisesse ficar sozinho, e talvez Jade não fosse o tipo

dele.

Jade afastou os fios de cabelo que estavam em seu rosto.

– É humilhante. E agora tenho que procurar um novo lugar para

morar.

– Não seja ridícula – esbravejou Elsa. – Não é como se vocês

estivessem namorando por um tempo e você o pegou traindo.

Acenei com a cabeça.

– Bem colocado.

– Controle-se e vamos aproveitar a noite – disse Elsa, recebendo um

olhar de Jade. – Tudo vai se resolver. As coisas vão se ajeitar quando

você menos espera.

Jade puxou o elástico do cabelo e, com os dedos, penteou os fios

para a frente, em volta do rosto, como se estivesse usando o cabelo como

um escudo para se esconder.

Peguei a última cadeira vazia, mas examinei a mesa antes de puxá-

la.

– Onde está meu nome? Não o vejo em lugar nenhum. E só há três

lugares na mesa.

Elsa pousou a taça e pegou os três cartões com os nomes, relendo-os

como se os outros fossem analfabetos.

– Seu nome não está aqui.

– Eu sei – Senti um lampejo de irritação por esquecerem de

imprimir meu nome. Mas isso não foi nada comparado ao que Jade

estava sentindo.

– E daí? Você pode sentar. Vamos pedir à Polly que pegue outro

prato – ofereceu Julian.

– Isso não será necessário – Basil estava ao lado da nossa mesa,

esfregando os óculos com o canto do paletó azul-marinho.

– Por quê? – Perguntei-lhe, examinando seu rosto em busca de uma

pista sobre o que ele estava insinuando, mas não encontrei nada.

Basil colocou os óculos, endireitou-se e estufou o peito como um

pavão orgulhoso.

– Porque você está sentada na mesa dos importantes comigo.


Cerrei meus dentes e me esforcei para não rir.

– Estou? – Talvez os funcionários do hotel devessem se sentar

juntos. Ok, eu poderia fazer isso. Não seria tão divertido quanto

desfrutar de uma boa refeição com meus amigos, mas eu sabia que, ao

assumir o trabalho em tempo integral, eu teria que fazer alguns

sacrifícios em nome do Twilight Hotel. Sentar e jantar com Basil era

aparentemente um deles.

– É isso mesmo – respondeu Basil. – Foi uma solicitação especial.

Franzi a testa.

– Uma solicitação especial? – Não sei se gostei de ouvir isso.

O rosto de Basil se esticou em um sorriso largo demais para ser

considerado normal enquanto olhava para o outro lado da sala.

– Sim, Adele pediu que você se sentasse ao lado dela.

Nem ferrando.

Uma chama de raiva se acendeu em meu peito quando segui seu

olhar. Lá, sentada em uma mesa no fundo da sala, estava ninguém

menos que aquela bruxa magricela que quase destruiu o hotel e custou a

vida de Jimmy.

A que fazia parte do conselho das bruxas brancas. Aquela que eu

apostaria minha vida que fez aquela reclamação sobre mim.

Adele.
Capítulo 15

– A presse-se. Não queremos deixar Adele esperando – Basil me

pegou pelo braço e me puxou para junto dele com uma força

surpreendente para um bruxo tão pequeno.

Olhei por cima do ombro para meus amigos, vendo seus rostos

preocupados. Eles pareciam petrificados, como se eu estivesse sendo

arrastada para o centro da aldeia para ser enforcada. Até mesmo Jade

parecia ter esquecido seus problemas por um segundo e estava me

olhando com olhos arregalados e apreensivos.

– Aqui estamos – disse Basil quando chegamos à mesa.

Dei uma rápida olhada na “mesa dos importantes” e vi um grande

centro de mesa com uma mistura de velas dentro de vidros e flores

brancas. A toalha de mesa branca era feita de seda cara com símbolos

dourados gravados no tecido, diferente da toalha de algodão branca

comum que cobria todas as outras mesas da sala de jantar.

Adele levantou o olhar, onde atualmente era a única pessoa sentada.

Ela usava um terninho branco de tweed com cinto sobre os ombros

finos, uma peça de roupa que gritava alta costura e provavelmente

custava mais do que eu ganhava em um mês. Os diamantes caíam ao

redor de suas orelhas e pescoço, ocupando mais espaço do que

deveriam. Seu cabelo loiro estava penteado em um coque no alto da

cabeça, acrescentando uma semelhança de gato às suas feições já

marcantes. Seus olhos claros me seguiram lentamente, e não pude deixar

de sentir arrepios em minha pele.

Soltei meu braço.


– Eu não precisava ser arrastada – Olhei para o bruxo, com meus

dedos se contorcendo enquanto uma parte de mim queria torcer seu

pescoço.

– Sim, bem... – Basil pigarreou e se curvou ligeiramente. – Preciso

cuidar da cozinha. Não se preocupe, Adele. Vou me certificar de que seu

cordeiro esteja bem assado.

Adele deu um sorriso para Basil.

– Obrigada.

Basil pareceu satisfeito e saiu correndo, dirigindo-se para as portas

duplas à direita, que eu sabia ser a cozinha principal do hotel, o domínio

de Polly. Eu não tinha certeza se ela gostaria que Basil lhe dissesse

como fazer seu trabalho. A ideia me fez sorrir por dentro.

Eu podia sentir os olhos da bruxa mais velha sobre mim, mas me

recusei a olhar para ela. Vi meu nome no cartão colocado sobre a mesa,

ao lado do dela.

Fiquei ali pensando se deveria ir embora. Eu não queria estar aqui.

Sentar-me ao lado de uma bruxa odiosa, que fazia parte do conselho das

bruxas brancas, não era exatamente a minha ideia de um bom jantar.

Essa bruxa havia custado o emprego do marido de Elsa, havia feito uma

reclamação sobre mim ao Conselho das Sombras e quase matou Jimmy.

Eu nunca esqueceria isso.

Se eu fosse embora, Adele provavelmente tornaria minha vida muito

pior depois que todos vissem que eu a desprezara em público. Sim, ela

odiaria isso. Mas eu não me importava. Ela poderia me odiar o quanto

quisesse. Pelo menos teríamos isso em comum. Mas eu me importava

com meu trabalho aqui no hotel, e não estava pronta para deixar isso de

lado. Ainda não.

Cerrando os dentes, puxei a cadeira e me sentei. Eu tinha uma boa

visão da mesa dos meus amigos. Eles estavam todos reunidos,

conversando e olhando para mim com preocupação. Parecia que eles

estavam planejando meu resgate. Eu adorava essa turma.

– Olá, Leana – disse Adele, com uma voz carregada do tipo de

falsidade que fazia minha pele arrepiar. – Sabia que é muito rude ignorar

seus convidados.

– Convidados? – perguntei, embora ainda não estivesse olhando para

ela. – Não estou entendendo. Você não gosta de mim e eu não gosto de
você. Então, por que você queria que eu me sentasse aqui? Para me

torturar? Você quer fingir para o mundo que somos melhores amigas?

A bruxa deu uma risada falsa.

– Por que você é tão hostil, estrela cadente? É um crime agora querer

conhecer você melhor? Eu só quero compartilhar uma refeição agradável

na sua companhia.

Me encolhi e olhei para ela.

– Pare com essa besteira. Por que estou aqui? Você quer se vingar? É

isso que você quer? Essa é sua vingança?

O rosto pálido de Adele se transformou em um sorriso de escárnio.

De perto, ela era ainda mais feia.

– Acredite em mim. Se eu quisesse me vingar daquela sua façanha

com o Conselho das Sombras, não seria agora. Você entendeu tudo

errado, estrela cadente.

Estreitei os olhos diante da advertência em seu tom.

– Você quase matou meu amigo Jimmy. Estou muito feliz que minha

suposta façanha tenha salvado a vida dele e arruinado seus planos. Eu

faria isso de novo em um piscar de olhos.

Os olhos claros de Adele percorreram a sala e caíram sobre Jimmy.

– Ouvi dizer que você removeu a maldição dele. Como você

conseguiu isso?

– Você não gostaria de saber. – Ah-ha. Então, esse era mais um

jantar de interrogatório. Ela queria saber como eu havia conseguido

remover a maldição de Jimmy. Ela podia perguntar o quanto quisesse.

Eu não iria lhe contar.

Adele pegou sua taça de vinho branco e tomou um gole.

– O hotel contratou você em tempo integral. Acho isso interessante,

já que você foi um fracasso épico. Mas é isso que você é. Não é, estrela

cadente? Um tipo de bruxa fracassada. Mas você é uma bruxa mesmo?

Não tenho certeza se você se encaixa nesse perfil, como dizem. Suas

habilidades mágicas são um tanto ineficientes.

Se ela achava que ia me perturbar ao falar sobre minha habilidade

mágica incomum e, sim, às vezes ineficiente, estava muito enganada.

– Bem, eles me contrataram – respondi, evitando que minha voz

demonstrasse qualquer emoção. – Devo ter feito algo certo. Mas estou

muito surpresa que seu traseiro ainda faça parte do Conselho das Bruxas
Brancas. Especialmente depois de ter agido pelas costas do Conselho

das Sombras e tentado destruir o hotel, o hotel deles. Como foi isso?

O rosto dela estava franzido de irritação, e seus olhos pareciam

brilhar de frustração. Mas essa expressão sumiu em um instante,

cedendo lugar à sua face habitualmente arrogante e desdenhosa.

– Cuidado, estrela cadente. Esse traseiro aqui pode tirar tudo de

você. Este lugar. Este trabalho. Seus amigos. Eu posso tirar tudo de

você.

Não gostei da maneira como ela disse isso. Minha voz adquiriu uma

tonalidade distorcida, carregada de uma raiva, ao fitá-la.

– Isso é uma ameaça? Você está ameaçando meus amigos? Ameace-

me o quanto você quiser, mas deixe meus amigos fora disso.

Mais uma vez, ela colocou aquele sorriso falso em seu rosto, que

nunca alcançava seus olhos.

– Você é tão sensível. Eu nunca faria mal a seus amigos. Que tipo de

bruxa você acha que eu sou? Mas você deve saber de uma coisa. Nesse

tipo de trabalho, você precisa ser mais casca-grossa, estrela cadente. Ou

você nunca conseguirá nada.

Franzi a testa.

– Você não é tão boa mentirosa quanto pensa. Você precisa trabalhar

nisso – Afastei meus olhos do rosto dela antes que perdesse o controle e

lhe desse um soco. Ou a fizesse comer seus diamantes idiotas.

– Alguém já lhe disse que você é uma bruxa insolente e desprezível?

– Então, agora eu sou uma bruxa de novo? – Dei de ombros. – Se

você está se sentindo incomodada e frustrada, meu trabalho está feito –

Se ela achava que eu ficaria aqui sentada sendo educada, ela não me

conhecia tão bem quanto pensava.

– Acho que é isso que acontece quando você cresce na família de

bruxos errada – acrescentou ela em tom casual.

– Que diabos você quer? – Eu ia lhe dar um soco antes que o jantar

fosse servido.

– Para começar, uma conversa agradável seria bom.

Ela falava tanta merda que eu estava começando a sentir o cheiro

nela.

– Claro. Tanto faz.


– Que bom. Ouvi dizer que foi um grande show no terraço do hotel –

disse Adele. – Você derrotou muitos demônios e também fechou uma

grande fenda, se não me engano.

Acenei com a cabeça.

– É verdade – Ela havia dito que minha magia não valia nada, que eu

era um fracasso, praticamente uma humana, mas aqui estava ela,

intrigada com isso. Ela era tão fácil de ler.

Pelo canto do olho, eu a vi me observando. Foi assustador.

– E você fez isso sozinha?

Ah! Agora eu sabia onde isso ia dar.

– Não – eu disse, olhando para ela. – Eu tive ajuda. Meus amigos me

ajudaram.

Um sorriso estranho surgiu em seus lábios.

– Ouvi dizer que você e Valen estão ficando íntimos. Vocês estavam

em um encontro ontem à noite. Está ficando sério?

Minha raiva voltou à tona.

– Você está me espionando?

Adele deu uma risada.

– Se você quisesse que fosse um segredo, não deveria jantar em um

restaurante cheio de gente.

Um garçom veio a nossa mesa e segurou uma garrafa de vinho

branco em uma mão e uma garrafa de vinho tinto na outra. Ele olhou

para mim e disse:

– Posso lhe oferecer um pouco de vinho?

Acenei com a cabeça e empurrei minha taça de vinho vazia para

frente.

– Tinto, por favor.

Quando ele terminou, peguei minha taça e tomei um gole, pensando

no porquê Adele estava tão interessada em minha vida amorosa. Talvez

não fosse em minha vida amorosa, mas a de Valen. Eu tinha visto como

ela olhava para ele como se quisesse tirar sua roupa. Obviamente, ela

estava caidinha por ele, e estava com ciúmes por eu sair com ele. Agora

ela queria saber se era sério ou não.

– Você quer meu conselho? – perguntou Adele depois de um

momento.

Eu ri.
– Não.

– Ele não é do tipo que entra em relacionamentos. Ele esteve com

muitas, muitas mulheres nos últimos anos. Mas, pelo que sei, ele nunca

achou nenhuma delas digna o suficiente para ter uma relação séria. Para

se estabelecer. Nenhuma delas. E foram muitas.

– Sim, você já disse isso – Tomei outro gole de vinho. – Você espera

que ele convide você para sair? É isso?

– Você gosta dele, não é? – continuou a bruxa no mesmo tom

condescendente que usara com Elsa. – Você acha que tem o que é

preciso para domá-lo. Você acha que pode amarrá-lo?

– Ele não é um cão selvagem. Ele é um homem – eu disse, com a

irritação fluindo em meu tom.

– Um gigante – corrigiu a bruxa.

Estreitei os olhos para ela.

– O que você quer dizer com isso?

Adele se recostou na cadeira, equilibrando a taça de vinho na mão.

– Um gigante e uma estrela cadente. Um par interessante. Ninguém

imaginaria esse tipo de união.

Que droga. Ela estava conseguindo me irritar. Eu podia sentir a

elevação da minha pressão sanguínea, pulsando intensamente até ecoar

furiosamente por trás dos meus olhos, alimentando uma ira intensa, bela

e ardente. Eu estava furiosa, de verdade.

Um movimento chamou minha atenção, e vi Elsa se levantando da

cadeira, parecendo que estava prestes a vir até aqui. Provavelmente para

me resgatar.

Nossos olhos se encontraram, e eu balancei a cabeça. Esperei até que

ela se sentasse novamente e suavizei minha expressão. Não queria que

Adele soubesse que esse assunto tinha um efeito tão grande sobre mim.

Em vez disso, meu coração se aqueceu com o fato daquele pequeno

grupo de pessoas ter se tornado parte da minha família. E como família,

eles se importavam e se preocupavam comigo. Apesar de Adele ter

aterrorizado Elsa, ela estava disposta a vir aqui me ajudar. Isso era

amizade verdadeira.

– Chame do que você quiser – eu disse à outra bruxa. – Foi um

encontro. Apenas um encontro.

– Não foi isso que ouvi.


Virei minha cabeça para ela.

– O que você ouviu?

Adele sorriu maliciosamente, e foi preciso um enorme autocontrole

para não pegar seu colar de diamantes e enfiá-lo em sua garganta.

– Que o gigante está apaixonado por você. Que ele não consegue

tirar os olhos de você quando você está presente – Ela fez uma pausa,

dando a entender que uma grande notícia estava prestes a ser anunciada.

– Que ele salvou você de uma surra brutal do seu ex.

Meus lábios se separaram e meu coração bateu forte no peito.

– Quem disse isso a você? – Como diabos ela sabia sobre isso? Até

onde eu sabia, somente Valen, Martin e eu sabíamos. Ok, talvez eu tenha

contado aos meus amigos também. E talvez a notícia tenha se espalhado.

Que droga. Esse não era o tipo de notícia que eu queria que Adele

soubesse.

Impedi que minha expressão entregasse as emoções que fluíam

dentro de mim, como se tivesse borboletas em vez de sangue pulsando

nas minhas veias.

– Foi uma situação pessoal, que não é da sua conta.

Adele jogou a cabeça para trás e riu.

– Ah, estrela cadente. Você não sabia? Tudo o que acontece aqui é

da minha conta – Ela se inclinou para frente e colocou seu copo sobre a

mesa. – Mas não posso dizer que estou surpresa. Os humanos são

geralmente cheios de emoções incontroláveis. Eles são fracos. No meu

conselho, as bruxas são proibidas de se casar com alguém de outra raça.

Eu nunca teria permitido isso se você estivesse em Nova York naquela

época.

Eu ri.

– Nossa, esse pouquinho de poder realmente subiu à sua cabeça.

Os olhos de Adele brilharam.

– Poder é poder. Nada mais importa.

– Hum. Acho que você está torcendo por uma vaga no Conselho das

Sombras. É isso mesmo? Você acha mesmo que eles vão lhe dar uma

posição? Para a bruxa louca que queria destruir o hotel deles?

– Vou lhe contar um segredo, já que… bem… já que você está tão

interessada e tudo mais – disse Adele, como se estivesse falando com

uma criança de cinco anos. – O problema do Conselho das Sombras é


que eles não se importam com vocês. Bruxas, vampiros e lobisomens

são todos descartáveis. Um morre e é facilmente substituído. Contudo, o

Conselho das Sombras, este permanecerá inabalável e sempre virá em

primeiro lugar.

Balancei a cabeça, desejando estar sentada com meus amigos em vez

de estar com essa maluca.

– Pare com essa conversa de Yoda. Fala logo o que você quer dizer.

Ela tinha um tom de malícia em sua voz quando disse:

– Ainda não. Em breve. Em breve você entenderá.

Revirei os olhos.

– Esta vai ser uma noite longa.

Quando pensei em me retirar para o banheiro fingindo uma

insuficiência intestinal, Jimmy apareceu em nossa mesa.

– Oi, Jimmy – Me animei ao vê-lo. – Por favor, diga-me que você

está sentado nesta mesa.

– Uh… – Os olhos de Jimmy se voltaram para Adele e depois para

mim. – Sim. Mas não é por isso que estou aqui. Tem alguém na recepção

perguntando por você.

Salva pelo gongo, ou melhor, pelo gerente assistente. Me endireitei

na cadeira.

– Quem? – Pensei que fosse um dos esquemas de Julian para me

afastar de Adele, mas quando olhei para a mesa dos meus amigos meu

coração afundou. Todos eles ainda estavam sentados lá, olhando para cá.

Jade estava olhando para Jimmy como se estivesse prestes a vomitar.

– Não sei – respondeu o gerente assistente. – Nunca o vi antes. Eu

disse a ele que você estava em um jantar, mas ele não quer deixar

recado. Ele está realmente decidido a falar com você pessoalmente. Ele

é um sujeito um pouco nervoso.

Sorri para Adele.

– O dever me chama – Tomei o último gole de minha bebida e saí,

sem me preocupar em dizer mais nada àquela vadia fria. Quanto maior a

distância entre nós, melhor.

– Você é muito calmo perto dela – murmurei quando saímos do

alcance de seus ouvidos.

Jimmy parou quando chegamos ao final do salão de jantar.

– Eu não deixo que ela me afete. Você deveria fazer o mesmo.


– Touché – Eu o examinei. – Você vai me contar o que aconteceu

com Jade?

O rosto de Jimmy se contraiu e ele fez uma careta.

– Eu… eu tenho que ir.

Minha boca ainda estava aberta enquanto eu observava o gerente

assistente se afastar de mim, como se estivesse atrasado para uma

reunião.

– O que há com esses dois? – Balançando a cabeça, voltei para o

saguão e fui até a recepção. Meu melhor amigo, Errol, estava lá. E, pela

primeira vez, ele estava olhando para outra pessoa da mesma forma que

olhava para mim, como se fosse um cocô ambulante.

O indivíduo era um homem de meia-idade com cabelos loiros

avermelhados. Ele era largo, baixo, e usava uma camisa branca enfiada

até a metade no cinto de uma calça escura que era longa demais para ele.

Ele parecia bem desarrumado, o que explicava porque Errol o encarava.

Os olhos do estranho se arregalaram quando ele me viu se

aproximando.

– Leana? Leana Fairchild? A Merlin? – disse ele com um sotaque

que não consegui identificar.

– Sim – Me aproximei para ficar ao lado dele. – Eu conheço você? –

Ele tinha um rosto fácil de esquecer, parecido com o de Raymond.

Ele agarrou meu braço e me puxou com ele.

– Ei! – Me soltei, canalizando minha magia enquanto sentia uma

explosão de energia nervosa emanando dele. Certo, ele também era um

bruxo.

– Se me agarrar assim de novo, você vai beijar o chão – rosnei.

Ele pegou um lenço e começou a enxugar o suor do rosto e da testa.

– Desculpe-me. Eu só… – ele olhou nervosamente por cima do

ombro, mas sem se fixar em nada – Não quero ser ouvido.

Cruzei os braços.

– O que você quer dizer com isso? Quem é você?

O homem se inclinou para frente e murmurou:

– Meu nome é Bellamy Boudreaux. Fui eu quem deixou a mensagem

para você sobre o depósito.

Certo.
Capítulo 16

L evei o Sr. Bellamy de volta ao saguão do hotel para uma das áreas de

máquinas caça-níqueis que agora estava vazia e longe dos ouvidos de

Errol.

Quando tive certeza de que estávamos sozinhos, virei-me para o

bruxo.

– Você é bruxo? – Eu tinha que ter certeza.

– Sim – Bellamy acenou com a cabeça. – Sou o cientista-chefe, era o

cientista-chefe bruxo no projeto OTH – Diante de minha expressão

perplexa, ele acrescentou: – Origens de Transferência Humana.

– Espere, há cientistas bruxos? – É claro que sim. Não sei porque eu

disse isso.

Bellamy acenou com a cabeça. Ele olhou por cima do ombro

novamente.

– Sim, bem, como você já deve ter adivinhado, após ver o depósito,

fui encarregado de alterar o material genético dos humanos. Para

transformá-los em nós. Em paranormais.

– Eu notei. Funcionou.

O bruxo balançou a cabeça, com o corpo se contorcendo como se

estivesse tendo um espasmo.

– Não, nem sempre. O que você viu foi uma pequena porcentagem

de humanos que sobreviveram à transferência real.

O medo apertou meu peito quando as imagens daquelas pessoas

flutuando nos tanques voltaram à tona, me acertando em cheio como um

golpe físico. Inclinei minha cabeça para o lado.


– Então você está dizendo que muitos outros humanos morreram por

isso?

Achei estranho o fato de não ter encontrado nenhuma menção de

humanos desaparecendo nas notícias humanas. Criei o hábito de

verificar se havia algo suspeito nas mídias sociais.

– Infelizmente – Bellamy puxou o lenço para enxugar a testa e o

rosto suados e depois o colocou de volta no bolso – Principalmente

prostitutas e moradores de rua.

Não gostei da maneira casual como ele disse isso, como se eles não

fossem importantes de alguma forma, como se isso os tornasse menos

humanos.

– Eles ainda são pessoas, ainda são humanos. Ainda é ilegal

machucá-los – Toda criança paranormal sabia que era proibido fazer mal

a um humano. Todos nós fomos criados para conhecer nossas leis.

– Nem todos passaram pela transferência paranormal – disse o

bruxo, soltando um suspiro pesado, como se aquilo tivesse sido muito

entediante para ele.

– Você já disse isso – Eu estava começando a não gostar desse bruxo

cientista, possivelmente mais do que Adele no momento.

Bellamy pareceu se encolher diante do meu olhar duro.

– Não. O que quero dizer é que conseguimos, mais ou menos,

administrar sangue de lobisomem modificado em um hospedeiro

humano. O sangue de vampiro também funcionou, mas não

conseguimos manipular o sangue de uma bruxa. Ainda não sei porque,

mas o gene da bruxa não pôde ser transferido.

– Bom – A ideia de um bando de bruxas loucas e novinhas em folha

soltas pela cidade não era uma coisa boa. Já era horrível o suficiente

termos um caso de vampiros malucos. Mas bruxas? As bruxas podiam

fazer mágica. E eu não queria nem pensar nos horrores que elas

poderiam causar à população humana.

O bruxo cientista suspirou.

– Mesmo assim, não foi suficiente. Nunca foi suficiente.

Fiquei olhando para ele por um segundo. Parecia que a pessoa para

quem ele estava trabalhando tinha grandes expectativas.

– Mas seu projeto científico teve falhas – disse-lhe, vendo-o estreitar

os olhos para mim. – Lutei contra uma horda de vampiros recém-criados


e depois todos eles simplesmente morreram. Como se tivessem uma data

de validade. Como você explica isso?

– Outra consequência infeliz da transferência – disse Bellamy,

mudando de posição. – Tentamos fazer com que eles durassem mais. No

início, eram apenas alguns segundos. Depois, alguns minutos, horas.

Mas não conseguimos fazer com que durassem mais de seis horas.

Um arrepio frio de pavor me percorreu ao pensar em todas aquelas

cobaias. Cobaias humanas.

Mas, em um instante, minha raiva tomou conta do meu pavor. Eu

não gostava desse cara. Sim, ele havia nos dado a localização do

depósito, mas mesmo assim participou. Ele fez isso acontecer. Você

teria que ser muito doente para trabalhar em algo assim e chamar isso de

ciência. Não era nem mesmo ciência alternativa. Era bárbaro.

Engoli em seco, sentindo a tensão aumentar dentro de mim.

– Por que você fez isso? Como você pôde fazer isso?

Bellamy cerrou os dentes e engoliu em seco. Parecia doloroso para

ele.

– Dinheiro. Poder. Prestígio. Pensei que seria publicado em nossas

revistas científicas. Mas logo percebi que isso nunca aconteceria – Ele

hesitou. – Não há desculpa. Eu simplesmente… não conseguia mais

fazer isso. Não conseguia. Todos aqueles humanos. Foi terrível. Eu tinha

que contar para alguém. Agora, estou fugindo.

Fiquei olhando para ele, ainda pensando se deveria lhe dar um soco.

– Contar para mim foi a única coisa boa que você fez em toda essa

situação.

Os olhos pálidos de Bellamy se arregalaram, ele estendeu a mão e

agarrou meu braço.

– Você tem que me proteger! Eles vão me matar!

Tirei suas mãos do meu braço. Eu não queria que esse cara me

tocasse. Jamais.

– Fique tranquilo. Você está seguro aqui.

– Não. Não. Não. Eles têm espiões em toda parte – Sua cabeça girou

enquanto ele examinava o saguão, como se achasse que estávamos sendo

observados. – Eles estão atrás de mim. Eles sabem o que fiz. Serei um

bruxo morto se você não me proteger!


– Quem? Quem está atrás de você? Quem está por trás de tudo isso?

– Eu tinha minhas suspeitas, mas queria ouvir isso dele.

O lábio inferior de Bellamy tremeu.

– Não sei o nome. Eles apenas enviaram instruções para serem

seguidas por seus mediadores. Eles têm muito dinheiro e poder. Acho

que… acho que deve ser alguém do Conselho das Sombras.

Soltei um suspiro

– Exatamente o que penso.

Bellamy empalideceu ao mencionar o conselho.

– É por isso que eu não podia ir até eles. E se eu estivesse certo e

eles me matassem para me silenciar? – Seus olhos arregalados se

voltaram para mim. – Eles têm olhos e ouvidos em toda parte. Em todos

os lugares!

Certo. Ele era um pouco dramático, mas eu sabia que ele estava com

medo. Ele tinha informações, as únicas informações sobre toda essa

operação horrível. Ele era minha testemunha-chave. Minha única

testemunha. Eu tinha que mantê-lo seguro.

– Você é uma Merlin – disse o bruxo cientista. – Você jurou proteger

os vulneráveis. Aqueles que precisam de ajuda. Esse sou eu.

Não exatamente. Mas eu não iria explicar meu papel como Merlin.

– Vou proteger você – eu disse a ele, vendo sua postura relaxar. –

Primeiro, preciso encontrar um lugar seguro para você, uma casa segura.

Um lugar onde eles não pensarão em procurar por você.

– Aqui? – Bellamy olhou ao redor, não muito confortável com a

ideia de ficar em um hotel de propriedade daqueles de quem ele

supostamente estava fugindo.

– Não. Não acho que aqui seja uma boa ideia – Fiquei olhando para

ele, imaginando se deveria encontrar um capuz ou um chapéu para

esconder seu rosto, mas decidi que não tínhamos tempo para isso. –

Venha comigo.

Peguei Bellamy e saímos juntos do hotel. Quando chegamos à

entrada do hotel, olhei por cima do ombro para ver se alguém estava nos

seguindo, mas não havia ninguém.

– Para onde estamos indo? – perguntou o bruxo cientista, que suava

muito para o clima frio de setembro.

– Para a casa de um amigo – respondi.


Peguei meu celular e liguei para Valen. Depois do quarto toque, a

ligação foi para o correio de voz. Eu desliguei. Não era o ideal, mas

Bellamy estaria muito mais seguro no apartamento de Valen do que no

hotel. E eu também não achava que o gigante se recusaria a deixá-lo

ficar, sendo um protetor e tudo mais.

Além disso, Valen precisava saber o que estava acontecendo.

A fumaça dos escapamentos e o fedor de lixo invadiram o ar noturno

enquanto eu levava Bellamy comigo para o prédio ao lado. A escuridão

se apressou em preencher os espaços onde as luzes da rua não

chegavam.

Quando chegamos à frente do restaurante, olhei para cima e vi que

as janelas do apartamento de Valen estavam escuras como a noite. Não

achei que ele estivesse lá.

– Você vai me levar para comer? – perguntou Bellamy, semicerrando

os olhos para a janela, como se estivesse tentando ver melhor o

restaurante por dentro. – Estou com um pouco de fome.

Revirei os olhos.

– Vamos lá. Pegando Bellamy pelo braço, eu o arrastei pelas portas

do restaurante e fiquei cara a cara com ninguém menos que Valen.

E a loira misteriosa.

– Ah – eu disse, dando um pulo para trás e puxando Bellamy

comigo.

– Leana? – Uma expressão de surpresa cruzou o rosto de Valen.

– O que você está fazendo aqui?

Estreitei os olhos diante de sua reação. Eu esperava ouvir um “Qual

é o problema?” ou “Você está bem?”. Em vez disso, recebi um “O que

você está fazendo aqui?”. Sim, definitivamente havia algo entre ele e a

loira.

Falando na tal loira, eu me dediquei a olhá-la de verdade. Ela tinha

quase a minha altura, mas com um corpo mais voluptuoso e curvas em

todos os lugares certos. Sua silhueta esguia estava perfeitamente

envolvida em um confortável terninho preto sob um casaco de cashmere

preto. Ela usava o cabelo preso em um rabo de cavalo baixo e penteado

para trás, o que apenas acentuava seus belos traços. Ela era elegante e

bem arrumada, totalmente o oposto de mim. Se eu fosse adivinhar, diria

que ela era uma advogada paranormal.


Irritantemente, ela era ainda mais bonita do que eu me lembrava,

com grandes olhos azul-esverdeados e lábios carnudos, lembrando-me

de Christie Brinkley quando jovem. Vê-la de perto estava brincando

com minhas inseguranças, mas eu também podia ver suas pupilas

horizontais. Ela era um metamorfo.

Mas eu não podia deixar minha imaginação atrapalhar. Eu vim aqui

por um motivo. Esperei que Valen nos apresentasse, mas ele apenas

ficou parado, parecendo um pouco estranho e, eu ousaria dizer… se

sentindo culpado?

Bellamy se inclinou para frente.

– O que estamos fazendo aqui? Vamos comer ou não? Eu gostaria de

um bife grande com batatas fritas. O cheiro aqui é ótimo. Mas você

nunca sabe o que realmente acontece nas cozinhas. Você sabe o que

quero dizer, né? É muito importante escolher um restaurante com

cautela.

Valen me observou e, em seguida, dirigiu seu olhar para Bellamy,

avaliando-o. Uma carranca enrugou sua testa lentamente.

Ignorei Bellamy e me dirigi a Valen.

– Você vai nos apresentar? – Eu deveria ter ido direto ao assunto em

questão, mas não consegui me conter. Fazia dias que eu queria saber

quem ela era. Agora, ela estava bem aqui na minha frente.

Com isso, a loira misteriosa ergueu as sobrancelhas perfeitamente

bem cuidadas e um sorriso recatado apareceu em seus lábios. Ela achou

que eu era engraçada. Que ótimo!

Ouvi uma risada e olhei por cima dos ombros de Valen para ver

minha anfitriã favorita com um sorriso de vitória para mim, como se ela

soubesse que eu tinha sido enganada. Ou isso, ou ela sabia de algo que

eu não sabia.

Elas estavam achando graça em mim.

Fantástico.

Valen olhou para mim e Bellamy e apontou para a loira.

– Esta é Thana. Uma amiga.

Olhei para a mulher chamada “Thana. Uma amiga”, esperando ver

sua mão estendida para um aperto, mas ela apenas ficou parada com

aquele olhar divertido.


Ok, ou ela não queria apertar minha mão porque achava que eu

estava abaixo dela, ou talvez não quisesse apertá-la porque eu era uma

concorrente?

Meu olhar voltou para o gigante, esperando que ele dissesse mais

alguma coisa, mas ele apenas ficou ali, parecendo mais desconfortável

do que qualquer outra coisa.

Um silêncio doloroso se instalou e minha raiva aumentou.

– É só isso? – Olhei para ele. – É só isso que eu recebo? – Tudo bem,

talvez eu não tivesse o pleno direito de conhecer todos os detalhes de sua

vida pessoal e se ele estava envolvido com outras mulheres, embora

certamente parecesse ser o caso. Não éramos exatamente “exclusivos”.

Mas isso ainda me irritava.

– Vamos embora – Peguei Bellamy e o levei para fora do restaurante

com mais força do que o necessário.

Valen não me chamou e também não veio atrás de mim.

Não. Ele me deixou ir embora.

Doeu. Não vou mentir. Doeu muito. Mas isso foi culpa minha.

Eu nunca deveria ter me apaixonado por um homem que mal

conhecia. A culpa era toda minha.


Capítulo 17

– V ocê acha que estarei seguro aqui? – perguntou Bellamy, olhando

para todas as portas abertas no décimo terceiro andar, como se

achasse que um monstro fosse brotar e agarrá-lo.

Eu ri.

– Não se preocupe. Todos estão lá embaixo, no jantar especial. Não

há ninguém aqui além de nós.

– Mas é seguro? – insistiu o cientista bruxo, com o branco de seus

olhos à mostra.

Eu não tinha a menor ideia.

– É o lugar mais seguro que temos no momento.

A casa de Valen teria sido ideal, mas parecia que ele iria usar seu

espaço para uma noite de paixão com a loira mais tarde.

Eu me encolhia por dentro, esforçando-me para não pensar sobre

isso, mas o tema pulsava em minha mente como uma enxaqueca

persistente.

Eu não era perfeita. Ainda lidava com as inseguranças que surgiam

ocasionalmente, e o fato de ter vivido com um marido infiel não

contribuía para afastá-las. Isso apenas as ressuscitava com mais

intensidade.

Meus olhos ardiam. Não, eu não iria chorar. Não por nenhum

homem. Não mais.

Foi por minha própria culpa que deixei um estranho entrar em meu

coração. E agora eu tinha que arregaçar as mangas de uma mulher adulta

e começar a trabalhar. Eu tinha um trabalho a fazer, algo mais


importante do que minha vida pessoal. Além disso, eu superaria isso. Eu

sempre superava.

– Por que todas as portas estão abertas? – perguntou o bruxo,

acelerando o passo sempre que nos aproximávamos de uma porta. – Isso

é normal? Parece que todos saíram com pressa. Talvez houve um

incêndio?

– Não tem incêndio nenhum. Confie em mim. É assim que as coisas

são por aqui. Este andar inteiro é como se fosse um grande apartamento

– disse eu, sentindo um calor que se infiltrava e preenchia a pequena

parte do meu coração que doía. – Eu também fiquei um pouco surpresa

no começo. Mas agora estou adorando. Todos são incríveis. Todos nós

cuidamos uns dos outros. Como uma família.

– Hum – O rosto de Bellamy estava franzido de irritação e seus

ombros estavam rígidos. Claramente, ele não achava que isso fosse uma

boa ideia. Mas eu não me importei. Eu realmente não me importava com

seus sentimentos. O bruxo estava envolvido na tortura de humanos e os

submeteu a experimentos horríveis. Ele poderia se incomodar o quanto

quisesse.

– Aqui mesmo – eu disse quando chegamos ao meu apartamento no

final do corredor. Fiz um gesto para que Bellamy me seguisse para

dentro.

Dei cinco passos e parei.

– O que vocês estão fazendo aqui?

Elsa, Jade e Julian nos encarou quando entramos.

– Esperando por você – disse Elsa, com os olhos fixos em Bellamy e

uma expressão de interrogação.

Jade se levantou e veio até mim em seus patins.

– Quem é seu amigo? E por que ele está suando como se estivesse

em uma sauna?

Bellamy soltou um grito como o de um rato assustado, deu meia-

volta e começou a se dirigir à porta.

Ainda bem que eu o peguei.

Agarrei sua camisa, girei-o e o arrastei para a frente, ajudando-o

com um pequeno empurrão.

– Este aqui é Bellamy. Ele é o cientista bruxo do projeto Oh.

Julian sorriu quando se inclinou para frente.


– Projeto Oh? Contem comigo.

– Projeto OTH – corrigiu Bellamy, enunciando cada letra.

Arqueei uma sobrancelha.

– Não importa. Ele é um dos bruxos que trabalhou naquele

experimento com os humanos.

Vi as feições dos meus amigos se tornarem mais sombrias, revelando

uma expressão de desconfiança

. Sim, eles gostavam dele tanto quanto eu.

– Foi ele quem me deixou a mensagem sobre o depósito.

Bellamy olhou para mim, com horror estampado em seu rosto.

– O que você está fazendo? – sibilou ele. – Procurei você para me

proteger! E agora você está contando a eles tudo sobre mim. É melhor

você me matar agora.

Revirei os olhos e ouvi uma risada vinda de Julian.

– Bellamy tem um talento para o drama.

Bellamy fez uma careta para mim.

– Esse não era o plano.

– Estes são meus amigos – eu disse ao cientista bruxo, fazendo uma

careta para ele. – Eu confio minha vida a eles. Então, você pode confiar

a sua também, tá certo?

Bellamy não respondeu, mas ele realmente não tinha escolha. Se ele

quisesse minha proteção, bem, ela viria com meus amigos.

Olhei de volta para meus amigos.

– E quanto ao jantar? Não pode ter acabado tão cedo.

– Saímos antes do jantar ser servido – disse Elsa ao se levantar do

sofá. Ela viu meu olhar de desapontamento e acrescentou:

– Não parecia certo. Vimos como você estava desconfortável sentada

com… ela. Não achei justo que nos divertíssemos enquanto você

olhava…

– Como se você estivesse prestes a vomitar – disse Jade, sorrindo.

Seu sorriso se alargou quando ela viu Bellamy olhando para ela, mas o

cientista bruxo fez uma careta e rapidamente desviou o olhar, como se

alguém como Jade não devesse estar olhando para ele. Que idiota.

– Ficou melhor quando você saiu – informou Julian, despertando

minha curiosidade.

– O que você quer dizer com isso?


– Adele ficou furiosa por você tê-la deixado – disse ele, e vi Bellamy

enrijecer ao mencionar o nome da bruxa. Acho que ele também não

gostava dela. – Ela começou a gritar com Basil para que ele fosse buscar

você. Pobre coitado. Ele tentou, mas você não estava no hotel.

Ah, que inferno. Eu não queria que Basil se metesse na minha

confusão.

– Então, o que aconteceu?

– Ele encontrou outra pessoa para ela torturar – Julian olhou para os

outros.

– Quem? – Não gostei de ouvir isso.

– Jimmy – respondeu ele, e senti uma onda de raiva tomar conta de

mim. – Não se preocupe. Jimmy sabe se virar sozinho. Ele também

estava todo sorridente quando se sentou. Provavelmente vai tentar

arrancar alguma informação daquela vadia fria. Ele ainda estava com ela

e Basil quando saímos – Julian se esticou e cruzou as pernas na minha

mesa de centro. – Mal posso esperar para ouvir tudo sobre isso.

– Eu também – disse Jade, indo até a cozinha para se servir de um

copo de água.

Bellamy se inclinou e sussurrou em meu ouvido:

– Ela não é um pouco velha para andar de patins? – Sua voz estava

cheia de zombaria. – Ela parece ridícula. E olha o cabelo dela!

– Não, ela não é – eu disse. Inclinei-me para a frente até ficar bem de

frente para ele. – Se você fizer outro comentário como esse sobre meus

amigos, eu o mandarei pessoalmente para o Conselho das Sombras

embrulhado em um laço. Você entendeu?Eu também não estava

brincando.

O rosto de Bellamy passou do choque à irritação, mas ele foi esperto

e manteve a boca fechada depois disso.

Parece que meu pequeno encontro com Valen ainda estava mexendo

comigo.

– Por que você está tão tensa? – Os olhos de Elsa inspecionaram

meu rosto. – Você parece corada. Aconteceu mais alguma coisa com

você?

Balancei a cabeça enquanto pegava Bellamy e o empurrava para as

poltronas. Eu não ia contar o que havia acontecido com Valen. Não era o

momento. E eu não queria trazer à tona todos aqueles sentimentos.


– Morreram mais humanos do que pensávamos – eu disse a eles e

comecei a contar tudo o que Bellamy havia me dito sobre seus

experimentos.

– Acho que preciso me sentar – O rosto de Elsa estava pálido quando

ela caiu no sofá.

Julian apoiou os pés no chão e se inclinou para a frente, apoiando os

cotovelos nos joelhos, com a atenção voltada para Bellamy.

– E você não sabe quem está por trás disso?

Bellamy engoliu com dificuldade.

– Acredito que seja alguém do Conselho das Sombras. Mas não

tenho nenhuma prova. Nunca os conhecemos. Eles pagavam muito bem

e só davam ordens por meio de outras pessoas.

– E você continuou matando humanos porque pagava bem? – disse

Jade, quando voltou para a sala de estar.

O rosto do cientista bruxo ficou vermelho, e ele o enxugou com o

lenço novamente.

– Nós acreditávamos que era para o bem maior. Para o nosso povo.

– Quem somos “nós”? – Cruzei os braços, olhando para ele.

– Os outros cientistas bruxos – disse ele. – Foi isso que nos

disseram. Nós acreditamos neles.

– Por meio desses mediadores? – eu insisti.

Bellamy assentiu.

– Sim, por meio de ligações telefônicas e e-mails. Havia algo que

eles diziam constantemente – ele hesitou como se estivesse tentando se

lembrar de algo. – Chegou a hora dos paranormais. Devemos nos

levantar e proteger nosso povo. Isso era repetido constantemente, em

textos, e-mails. Isso se tornou normal.

– Quando tudo isso começou? – A voz de Elsa estava carregada de

raiva. – Quando foi que você… –Ela fez um gesto com as mãos.

– Há cerca de um ano – respondeu Bellamy. – No início, era só para

fazer o laboratório funcionar. As pessoas não sabem quanto trabalho é

necessário apenas para colocar o laboratório para funcionar. E então

conseguimos nosso primeiro paciente humano.

Eu me encolhi com o quão animado ele parecia com a perspectiva de

usar um humano para seu experimento.

É
– Então, o que você está dizendo – comecei. – É que você matou

basicamente o que… centenas? Talvez milhares de humanos inocentes?

A boca de Bellamy caiu, seus olhos percorreram a sala, mas não se

fixaram em nenhum de nós. Percebi que ele estava tentando encontrar

rapidamente uma maneira de defender suas ações.

– Nós pensamos…

– Que era para o bem maior do nosso povo – Senti um gosto amargo

subindo pela minha garganta.

Eu realmente odiava o que ele havia feito. Eu o desprezava por isso.

Mas, até agora, ele era a única prova de que o Conselho das Sombras, ou

alguém dele, era responsável pela morte daqueles humanos. Isso não

poderia acontecer novamente. Eu tinha que impedir isso. E, para isso, eu

precisava de mais.

– Vou precisar de nomes.

Bellamy balançou a cabeça.

– Eu disse a você. Não sei quem eles são.

– Os nomes dos outros cientistas bruxos com quem você trabalhou –

eu disse a ele, vendo seus olhos se arregalarem. – E uma cópia de todos

aqueles e-mails e textos. Você ainda os tem, certo?

– Sim – respondeu o cientista bruxo, com gotas de suor escorrendo

pelas têmporas. – O que acontecerá com eles? A mim?

– Bem, primeiro, precisamos manter você vivo e seguro – eu disse,

suspirando. – Você se entregou. Tenho certeza de que isso será favorável

quando seu caso for a julgamento. Você sairá provavelmente com talvez

seis meses a um ano de prisão.

– Prisão! Não posso ir para a prisão – gritou Bellamy. – Tenho um

QI de duzentos e cinco!

Julian riu.

– Alguém mais está se sentindo muito idiota neste momento?

Elsa colocou as mãos nos quadris e olhou para Bellamy.

– Bem, você deveria ter pensado nisso antes de começar a torturar

humanos, se é tão inteligente assim.

Jade se virou para ele.

– Isso que você fez não parece muito inteligente.

Bellamy olhou para Jade como se ela fosse uma criança irritante.
– Eu contei tudo para um Merlin, parei o que estava fazendo e

mandei a mensagem. Isso deve significar alguma coisa para você. Não

posso ir para a prisão.

– Não cabe a mim decidir – eu disse ao cientista bruxo. – Assim que

tivermos todas as provas e um caso sólido contra o membro ou membros

do Conselho das Sombras responsáveis, você saberá. Eu não ficaria

surpresa se seus colegas pegassem prisão perpétua.

Nesse momento, a pele de Bellamy ficou um pouco esverdeada.

– Isso não pode acontecer comigo. Ainda tenho planos, projetos que

precisam ser realizados.

Eu acreditava que Bellamy não deveria chegar perto de outro

laboratório em sua vida. Não depois do que ele havia feito. Ele era

perigoso. O que ele fazia não era ético. Sim, tudo bem, ele tinha um

pouco de consciência, que era a única coisa que o salvaria no momento.

– Tem mais – disse Bellamy em meio ao silêncio repentino.

Meu pulso acelerou e continuava a aumentar, enquanto a ansiedade

me envolvia, deixando-me tensa.

– O quê?

O cientista bruxo limpou a testa e o rosto novamente com seu lenço

úmido e coberto de suor. Que nojo.

– Se eu lhe contar, você promete me manter fora da cadeia?

Cerrei os dentes. Que descaramento desse desgraçado. E então me

dei conta de que esse era o plano dele o tempo todo, nos enganar e, no

momento certo, jogar sua única carta. Ou seja, não ir para a cadeira.

Quando olhei para meus amigos, todos eles estavam olhando para

mim, esperando. O medo estava estampado em seus rostos. Medo de

algo pior.

Aproximei-me até que minha coxa encostou na cadeira de Bellamy.

– O que é?

– Prometa – disse ele, apontando um dedo trêmulo para mim. –

Prometa-me, ou não contarei a você.

– Poderíamos dar uma surra nele – sugeriu Julian, olhando para

Bellamy como se quisesse testar uma de suas mais novas poções no

bruxo. – Ele meio que merece uma surra. E pior.

Eu não poderia concordar mais com ele, mas ao ver seu rosto

decidido, tive a sensação de que ele queria me contar. E eu sabia como


fazer isso sem dar uma surra bem merecida.

– Tudo bem – Evitei que meu rosto demonstrasse qualquer emoção.

– Prometo manter você longe da prisão. Me fala – Mentira total. E, pela

primeira vez, senti que tinha conseguido mentir, mas só a reação de

Bellamy diria isso.

O cientista bruxo relaxou e se recostou em sua cadeira. Ele acreditou

em mim.

– Obrigado – Ele soltou um suspiro, olhou em meus olhos e disse: –

Há outro laboratório na cidade.

Ah, que inferno.


Capítulo 18

A viagem de táxi até Upper Manhattan foi silenciosa e desconfortável.

Em primeiro lugar, porque tínhamos um motorista humano e, em

segundo lugar, estávamos todos com medo do que iríamos encontrar.

Seria pior? Um laboratório maior com mais humanos sendo submetidos

a experimentos?

Eu realmente esperava que o laboratório que havíamos descoberto

ontem fosse o único. Nunca imaginei que encontraríamos mais dessas

oficinas humanas pela cidade. Bellamy sabia da existência de mais um,

mas e se houvessem mais que ele não sabia? A ideia me fez sentir um

pouco de medo.

Eu havia deixado o cientista bruxo em meu apartamento. De jeito

nenhum eu iria arriscar sua vida. Ele era importante demais, um

maldito, sim, mas um maldito que eu ainda precisava.

– Você fica aqui e tranca a porta quando saímos – eu disse a ele

cerca de cinco minutos depois que ele nos deu a notícia do outro

laboratório. – Não deixe ninguém que você não conheça entrar. Você

entendeu?

Bellamy acenou com a cabeça.

– Estou com fome. Você tem algum alimento sem glúten nessa

engenhoca que você chama de geladeira? Algo de qualidade?

Eu bati a porta na cara dele. Eu o estava protegendo. Não precisava

gostar dele ou ser gentil com ele.

O silêncio foi subitamente interrompido pelo toque alto do meu

celular. Droga. Esqueci de colocá-lo no modo vibratório.


O motorista do táxi olhou para mim.

– Você vai atender? – Ele era um homem branco de meia-idade, com

uma barba rala e uma grande entrada nos cabelos. A princípio, ele se

recusou a levar todos nós em seu táxi, pois éramos quatro e no banco de

trás de seu sedã só cabiam três. Embora Julian tenha se oferecido, eu

não iria me sentar em seu colo. O taxista finalmente concordou depois

que eu tirei uma nota de cem dólares.

Olhei para o motorista do táxi, peguei meu celular e coloquei-o no

modo vibratório.

– Quem era? – perguntou Jade do banco de trás.

Virei a cabeça e olhei para a frente, piscando diante das luzes dos

carros que se aproximavam.

– Ninguém importante.

Ouvi um puxão no banco de couro e depois a voz de Elsa.

– Esse ninguém importante seria o dono do restaurante ao lado?

– Possivelmente – Eu ia contar a eles sobre minha visita abrupta a

Valen mais cedo. Eles iriam descobrir de qualquer maneira, mas não

agora, em um táxi sujo, com um humano estranho sentado tão perto de

mim e me encarando mais do que era considerado confortável.

Depois de mais dez minutos, o táxi parou em frente a uma grande

garagem.

– São cento e trinta e dois dólares – disse o motorista, com um

sorriso no rosto.

Julian assobiou.

– Passeio caro.

Paguei o motorista do táxi.

– Talvez. Ainda é mais barato do que ter um carro – Com o aumento

do preço da gasolina e todos os seguros e manutenção de um carro, não

achei que fosse comprar o meu tão cedo. – Você pode esperar por nós? –

Eu não estava com vontade de acenar para outro taxista que talvez não

quisesse levar todos nós.

O motorista me mostrou um sorriso com seus dentes espaçados.

– Isso vai sair caro.

– Tudo bem.

Ainda sorrindo, o motorista apertou o medidor e o ligou.


– Afinal, o que vocês são? Não parecem ser policiais. Talvez sejam

caçadores de fantasmas ou algo assim?

Eu dei uma piscadela para ele.

– Ou algo assim.

O motorista me olhou com uma cara de quem achava que eu estava

falando besteira e começou a olhar o celular.

Saí e fechei a porta assim que os outros saíram. Olhei em volta e vi

que estávamos em uma rua estreita, repleta de depósitos e prédios que

pareciam ter sobrevivido a uma guerra mundial. Do outro lado da rua,

um terreno baldio encontrava-se cercado por arame, e a grama alta se

desenvolvia nas fissuras do pavimento. Diante de nós, havia um longo

prédio cinza com um telhado de metal plano e sem janelas. Parecia mais

um contêiner do que um prédio, tipo a mãe de todos os contêineres.

– Parece que alguém deixou a porta aberta novamente – disse Julian

ao se aproximar do depósito em forma de contêiner e se dirigir à grande

porta de metal.

– Tão charmoso quanto o que encontramos ontem à noite –

murmurou Jade, patinando ao meu lado. Ela ainda estava de patins.

Franzi a testa, sentindo a inquietação me percorrer.

– Fiquem perto e alerta. Não sabemos que outras coisas eles estão

criando aqui.

– Não estou gostando disso – disse Elsa, segurando a bolsa.

Julian foi o primeiro a chegar à entrada, com um frasco em sua mão

enquanto abria a porta com a outra. A porta rangeu agudamente quando

entramos atrás dele, e adivinha, estava uma escuridão total.

– Espere um pouco – disse Elsa enquanto sussurrava um

encantamento e fazia uma lanterna de bruxa prateada e brilhante antes

de jogá-la no ar. O globo se ergueu acima de nossas cabeças, iluminando

o espaço com um brilho amarelo suave e agradável.

Nos encontramos em uma espécie de entrada, se é que se pode

chamar assim, com duas paredes de metal e uma abertura.

Jade estendeu a mão e se apoiou na lateral da parede de metal.

– O que faremos se encontrarmos algum desses cientistas bruxos?

– Provavelmente teremos que lutar com eles – Eu não tinha pensado

nisso. Esperava que eles não fossem rápidos na execução de magia.


Também poderíamos enfrentar alguma oposição com aqueles

mediadores de que Bellamy falou.

Por precaução, canalizei minha magia e invoquei meu poder, minha

magia da luz estelar. Uma sensação gélida de magia percorreu meu

corpo, e eu a segurei.

Se esses mediadores viessem até nós, eu estaria pronta para eles.

Também não senti nenhuma outra magia, mas não achei isso

estranho. Os outros humanos também não emitiram nenhuma vibração

paranormal.

– Preciso de algo que conecte esse laboratório ao Conselho das

Sombras – eu disse, mantendo minha voz baixa para o caso de não

estarmos sozinhos. – Todo o depósito é uma grande pilha de provas.

Desta vez, vamos levar algumas das provas.

Eu não ligaria para o Conselho das Sombras até saber quem deles

estava envolvido nisso. E se todos eles fossem corruptos, eu falaria com

o chefe de cada conselho paranormal e lhes mostraria as evidências. Isso

poderia até mesmo resultar na queda do nosso governo. A ideia me

deixou nauseada, mas que alternativa eu tinha? Nenhuma.

– Se apenas um desses humanos transformados sobrevivessem –

disse Jade, tirando esse pensamento da minha cabeça. – Poderíamos

incriminá-los com isso. Essa seria toda a prova que você precisaria.

– Ou aqueles que encontramos na jaula, caso suas memórias não

tivessem sido apagadas – comentou Elsa, com o rosto pensativo.

Com o meu coração palpitando com a ideia de encontrar mais

humanos, passamos pela entrada e entramos em um espaço muito maior,

o único espaço, pois não havia sinais de portas, corredores ou outros

compartimentos no enorme contêiner.

Assim que senti o cheiro de desinfetante e alvejante, percebi que algo

estava errado.

Passei o olhar pela área. Não vi nenhum sinal das caixas de madeira

espalhadas, igual no outro depósito, e as prateleiras que chegavam ao

teto estavam vazias. Não vi nenhum tanque com humanos flutuando e

nenhuma jaula com humanos aterrorizados. Nem uma daquelas

máquinas mágicas de diálise. Nem mesmo um único arquivo

permaneceu. Não havia nada. Era como se o laboratório nunca tivesse

existido. Ou isso, ou ele havia sido limpo.


– Aquele filho da puta mentiu para nós – praguejou Julian, andando

de um lado para o outro até chegar no meio do depósito, sua voz ecoou

nas paredes do espaço vazio. – Ele é um cara morto.

Senti uma brisa ao meu lado enquanto Jade passava por mim. O

barulho de suas rodinhas reverberou no chão de concreto.

– Por que ele mentiria? Qual seria o motivo? – ela disse enquanto

ganhava velocidade, claramente aproveitando o espaço vazio.

– Para nos despistar, talvez? – Elsa estava com o rosto franzido e

colocou as mãos nos quadris, parecendo uma mãe prestes a repreender

um dos filhos.

Olhei em volta.

– Nos despistar do quê? – Eu não achava que Bellamy tivesse

mentido. Ele queria muito ficar fora da prisão.

Meu celular vibrou na minha bolsa, mas eu o ignorei.

– Você sabe que pode se abrir conosco – disse Jade do outro lado do

depósito. – Nós não vamos julgar você.

Como ela ouviu meu celular?

– Eu sei. Só não quero pensar nisso agora – Atravessei o depósito e

depois me virei, fazendo o mesmo caminho de volta, percorrendo toda a

extensão da estrutura e esperando encontrar algo, qualquer coisa. Mas

não havia nada.

Estava começando a concordar com Julian sobre Bellamy estar

mentindo para nós, até que algo chamou minha atenção. Era algo

pequeno, foi um milagre eu ter notado na penumbra.

Era uma gota de sangue.

Peguei meu celular e liguei a lanterna, iluminando cuidadosamente o

local.

– Definitivamente, é sangue.

– O quê? Você achou alguma coisa? – Elsa se juntou a mim, Julian

veio logo atrás, a lanterna de bruxa pairava sob nós com luz suficiente

para que eu pudesse ver.

– Não é apenas uma gota. É um rastro de sangue – eu disse, vendo-o

claramente com a lanterna de bruxa. Era um longo respingo de sangue

que ia até a porta de onde viemos.

– O quê? – Jade veio em alta velocidade em nossa direção, ela tentou

parar, mas não conseguiu e passou direto.


Não querendo correr nenhum risco, acessei minha luz estelar. Uma

bola de luz branca, do tamanho de uma maçã, pairou sobre minha palma

e eu a soprei, fazendo com que a bola se transformasse em cem globos

menores. Eles voaram sobre o rastro de sangue e caíram sobre ele

formando uma passarela iluminada.

Assim que a luz estelar atingiu o sangue, eu senti a vibração de

energia paranormal e algo mais que eu não conseguia decifrar.

– Ele não mentiu – Observei minha luz estelar desaparecer. – É

sangue de paranormal, de metamorfo. E foi adulterado – Eu sabia que

esse era o mesmo tipo de sangue que estava sendo bombeado para

aqueles humanos no outro laboratório.

Jade voltou rolando e, dessa vez, conseguiu parar devagar.

– Eu ouvi que você encontrou sangue de metamorfo?

– Sim – Apontei para o rastro de sangue. – Bellamy disse a verdade.

Este era o mesmo tipo de laboratório em que ele trabalhava. Meu palpite

é que eles sabiam da invasão do outro e empacotaram tudo.

Elsa suspirou.

– Lá se vão nossas provas.

– Não necessariamente – eu disse, olhando para meus amigos. –

Ainda temos um cientista bruxo.

E agora, mais do que nunca, eu sabia que precisava mantê-lo seguro.


Capítulo 19

É claro que, quando voltei para casa, Bellamy não estava mais lá.

Olhei para a porta aberta do meu apartamento, a porta que eu me

lembro perfeitamente de Bellamy ter trancado quando saímos, e para a

sala de estar que ficava ao lado do corredor. Passei por ela com um

aperto no peito, pois já sabia que não o encontraria antes mesmo de

verificar os outros cômodos.

O cientista bruxo havia desaparecido.

Praguejei enquanto esfregava as têmporas e os olhos. A noite estava

sendo uma das piores da minha carreira, primeiro o depósito vazio e

agora o desaparecimento da única testemunha.

– Ele se foi – disse Julian, afirmando o óbvio. Ele começou a rir. –

Aquele merdinha simplesmente decolou. Ele é um homem morto, muito

morto.

– Ele foi embora? – Elsa parecia incrédula. – Por quê? Ele não sabe

que você é a única pessoa em quem ele pode confiar? Quem o protegerá?

Que estranho.

Balancei a cabeça, sentindo-me frustrada.

– Não sei. Talvez ele estava assustado e não queria ficar aqui. Ele

não confiava no hotel. Mas nunca imaginei que ele fosse embora – Ele

me procurou para protegê-lo, então por que ele simplesmente foi

embora?

– Talvez ele tenha ficado entediado e decidiu apostar um pouco do

seu dinheiro sujo lá embaixo – Jade entrou na cozinha descalça. Seus


patins estavam pendurados em seu pescoço, amarrados com os cadarços.

Ela pegou um copo e o encheu de água.

– Sim. É isso – disse Julian, com as mãos nos quadris enquanto dava

uma última olhada na sala. – Vou conferir – Antes que eu pudesse

impedi-lo, Julian saiu do apartamento e desapareceu.

– Acho mesmo que ele queria ver algumas senhoras – riu Elsa. Ela

parecia cansada enquanto se apoiava em uma das cadeiras da sala de

jantar.

Deixei escapar um suspiro.

– Eu deveria ter deixado alguém com ele. Que droga. Não deveria tê-

lo deixado sozinho. Agora, a única pessoa que pode expor os membros

do Conselho das Sombras está desaparecida – Eu estava com raiva de

mim mesmo. Se eu pudesse chutar meu próprio traseiro, eu o faria. Esse

erro me custaria caro. Foi um erro de iniciante, e eu não era uma

iniciante.

Fiz besteira porque não estava concentrada. Minha cabeça estava

cheia de Valen e daquela loira. Eu estava magoada e com raiva do

gigante, mas principalmente de mim mesma por deixar meu coração se

apaixonar por aquele homem. Tentei não pensar nele e me concentrar,

mas não consegui. E isso me custou minha única testemunha.

Droga. Isso não era bom. Esfreguei os olhos, olhando a sala em

busca de pistas, qualquer coisa que me desse uma indicação de onde

Bellamy havia ido.

Meu pulso acelerou quando outra coisa me ocorreu. Em uma súbita

explosão de velocidade, percorri a sala de estar, examinando as mesas

laterais, os sofás e as cadeiras, tentando analisar tudo de uma só vez.

– O que você está procurando? – Jade colocou seu copo de água

vazio na pia.

– Não tenho certeza – Girei, sem ver nada fora do lugar. – Estava

pensando se talvez Bellamy tivesse sido levado.

Elsa respirou fundo.

– Você acha?

– É possível. Não estou vendo nenhum sinal de luta, mas isso não

significa que não tenham apontado uma arma para a cabeça dele –

Poderia ser uma arma mágica ou algo com que pudessem ameaçá-lo.

Quanto mais eu pensava nisso, mais as coisas começavam a fazer


sentido. Alguém tinha vindo aqui e levado Bellamy. Mas quem? E para

onde o levaram?

– Mas como eles sabiam que ele estava aqui? – perguntou Jade,

vindo da cozinha até onde eu estava na sala de estar.

Elsa se deixou cair na cadeira.

– Eles devem tê-lo reconhecido com Leana. Devem tê-lo visto lá

embaixo. O hotel está cheio de hóspedes e estranhos. Aposto que viram

Leana com ele.

– E eles juntaram dois mais dois. Eles sabiam que eu o deixaria em

meu apartamento, e então só precisavam esperar que saíssemos…

– Para pegar ele – acrescentou Jade. Ela olhou para mim, com

determinação em seu rosto. – Então vamos procurá-lo e trazê-lo de

volta.

Eu lhe dei um sorriso fraco.

– Eu nem saberia onde procurar primeiro. Eu diria para procurarmos

em sua casa ou apartamento, mas tenho certeza de que aqueles que estão

atrás dele já estiveram lá. E ele viria até aqui, sabendo que sua casa

estava em risco.

– Observei as duas, notando as olheiras sob seus olhos. Elas estavam

claramente exaustas. – Além disso, vocês parecem exaustas. Não vou

fazer vocês correrem pela cidade à procura de um cientista bruxo

assustado, quando nem sabemos onde procurar.

– Não estou tão cansada – disse Jade, embora suas pálpebras caídas

dissessem o contrário.

– Ainda tenho disposição para fazer três horas de investigação –

disse Elsa. – Se eu não tiver que correr, ficarei bem.

Eu sorri para ela.

– Você não vai precisar correr hoje à noite – Dirigi-me até a

cafeteira, liguei-a e completei o reservatório com água. Eu não estava

nem um pouco cansada. Muito pelo contrário. Tinha dormido metade do

dia, então ainda estava com adrenalina e energia. – Isso é culpa minha, é

minha confusão – Eu tinha que encontrá-lo. E não descansaria enquanto

não o fizesse.

– Tudo bem – disse Jade, aproximando-se de Elsa ao lado da mesa.

Ela pegou os patins que estavam pendurados em seu pescoço. – Nós

iremos. Mas só se você nos contar o que aconteceu entre você e Valen.
Me encolhi quando me virei e apoiei minhas costas no balcão.

– Tenho mesmo que fazer isso?

– Sim – disseram as duas juntas.

– Quando encontrei Bellamy pela primeira vez, eu o levei ao

restaurante de Valen. Achei que era um lugar melhor para escondê-lo do

que o hotel.

– Faz sentido – disse Elsa. – Ninguém teria pensado em procurar lá.

– Era isso que eu estava pensando – continuei, vendo o foco delas

em mim, seus olhos brilhando de curiosidade.

– Você não encontrou Valen? – perguntou Jade. – Foi por isso que

você trouxe Bellamy de volta para cá?

Me virei e me servi de uma xícara de café.

– Oh, eu o encontrei, sim. Eu o encontrei com aquela loira bonita.

– Você os pegou fazendo sexo! – Jade bateu seus patins um no outro,

parecendo positivamente entusiasmada.

Suspirei.

– Não. Eles estavam saindo do restaurante quando chegamos lá.

– E você acha que ele está namorando vocês duas? É isso? É por isso

que você está com raiva dele? – Elsa me observou, com os lábios

cerrados.

Tomei um gole de café.

– Eu sei onde você quer chegar. Não tenho o direito de ficar

chateada. Nós só tivemos um encontro – O fato dele não ter me

procurado depois do encontro foi doloroso. – Mas eu reagi. Não usei

minha cabeça.

Um sorriso lento apareceu nos lábios de Jade.

– O que você fez?

– Eu não fiz nada. Bellamy estava comigo. Eu saí e trouxe Bellamy

para cá.

– Leana – começou Elsa. – Isso não significa que ele não goste de

você. Quero dizer, você não sabe quem é aquela loira.

Refleti sobre o momento em que pedi a ele que nos apresentasse,

lembrando-me de como Valen se recusou a explicar quem ela era. Isso

só consolidou minha crença de que ele estava em um relacionamento

com ela.

É
– Não importa. É isso. Isso é tudo o que aconteceu. E agora vocês

sabem – Eu não iria mais falar sobre isso. Precisava encontrar Bellamy, e

não deixaria minhas emoções atrapalharem o trabalho. Não cometeria

esse erro novamente. – Vocês duas vão para a cama – eu disse enquanto

as escoltava para fora do apartamento.

Quando chegamos à porta, Jade se virou.

– O que você vai fazer?

– Vou lá embaixo perguntar se alguém viu alguma coisa. Se ele foi

levado à força, alguém deve ter visto alguma coisa – Eu não tinha

certeza se teria tanta sorte, mas tinha que começar por algum lugar.

Tinha que fazer alguma coisa. Não podia ficar aqui sentada esperando

que Bellamy aparecesse, porque eu duvidava que ele o fizesse.

– Você vem nos buscar se encontrar alguma coisa – ordenou Elsa,

com as costas curvadas de cansaço.

– Claro – menti. Meus amigos já haviam feito o suficiente esta noite.

Eu ia arrastar Bellamy pelas orelhas sozinha quando o encontrasse. Se o

encontrasse. – Quem sabe, talvez Julian tenha encontrado alguma coisa.

Nos despedimos e fui para o elevador. As portas se abriram,

revelando um saguão movimentado com o murmúrio das pessoas, o

tilintar das fichas e o som das máquinas caça-níqueis. Caminhei em

direção à recepção.

– Você ainda está aqui? – Inclinei-me sobre a recepção, sabendo que

Errol ficaria irritado por eu estar contaminando seu espaço com meu

DNA sujo de bruxa.

O concierge ergueu os lábios em um rosnado.

– O turno da noite está atrasado. Isso acontece o tempo todo. O que

você quer?

– Você tem alguma mensagem para mim?

– Não.

– Tem certeza?

– Eu tenho três olhos, por acaso?

Eu sorri.

– Talvez? Às vezes é difícil dizer sob essa carranca.

Errol fez uma careta.

– Vá embora.
– Por acaso você viu um homem baixo e largo, meio desgrenhado,

com uma camisa branca?

Errol deu uma risada de escárnio.

– Muitos hóspedes de aparência desajeitada se encaixam nessa

descrição.

Levantei uma sobrancelha.

– Talvez ele estava com outra pessoa, ou estava sendo arrastado à

força? Alguém assim? – Eu sabia que Errol observava o saguão. Ele

podia ser um metamorfo lagarto, mas tinha os olhos astutos de um

falcão.

– Não – disse ele. – Você está fedendo – Ele se afastou de mim e foi

para o outro lado da recepção, onde uma hóspede com um vestido

vermelho curto esperava.

Cheirei minhas axilas secretamente. Elas não tinham o cheiro de

frescor quando acabamos de sair do banho, mas nem de longe eram tão

ruins quanto Errol me fez acreditar, especialmente depois da noite que

eu estava tendo.

Decepcionada, deixei a recepção e fui procurar Julian. Era muito

fácil encontrá-lo. Você só precisava procurar um homem alto e bonito

cercado por três mulheres.

Julian estava sentado em uma mesa de blackjack com uma morena

em seu colo. Uma mulher ruiva estava atrás dele, esfregando seus

ombros, e outra mulher mais escura sussurrava coisas em seu ouvido

que o faziam sorrir como um tolo.

Bem, ele não parecia estar se esforçando para encontrar Bellamy.

Ainda assim, não foi culpa dele que o perdemos. Isso foi culpa minha.

– Julian – chamei enquanto me aproximei. As três mulheres olharam

para mim. – Você sabe alguma coisa sobre Bellamy? – perguntei,

ignorando-as.

– Oh, ei, Leana – disse o bruxo. – Sopre aqui para dar sorte, querida

– disse ele para a morena em seu colo enquanto segurava os dados na

direção dela. Ela lhe deu um sorriso lascivo e soprou em seus dados.

Satisfeito, Julian jogou os dados e, pelos aplausos de vitória, eu achava

que tinha funcionado. Eu não me importava muito com esses jogos.

– Julian? – eu insisti.
– Ah – O bruxo se virou para mim. – Não. Desculpe. Ele não está

aqui.

Eu queria pressioná-lo com mais perguntas, mas a maneira como as

três mulheres estavam me encarando significava que não demoraria

muito para que suas unhas saíssem.

Balançando a cabeça, deixei Julian e seu harém para procurar

Jimmy. Talvez ele soubesse ou tivesse visto alguma coisa. O que eu não

esperava era ver Errol vindo em minha direção.

– Aqui. Isto chegou para você – Errol praticamente jogou um cartão

de mensagem em mim.

Eu a peguei antes que caísse no chão.

– Obrigada, lagartixa.

– Não tem de quê, bruxa – Todos nós sabemos que não foi essa a

palavra que ele usou.

Eu ri, porque não. Além disso, eu estava começando a me sentir um

pouco cansada agora que a emoção inicial de perder Bellamy havia

passado. Virei o cartão com a mensagem.

Desculpe, eu tive que ir. Encontre-me na 599 East 120th Street. Venha

sozinha. Não confio em seus amigos. Você é a única em quem confio.

-Bellamy.

Uma onda de alívio caiu sobre mim. Ok, então ele não tinha sido

sequestrado. O cientista bruxo havia fugido por conta própria porque

não confiava no hotel e em seus proprietários. Agora que eu sabia onde

ele estava, ainda podia construir meu caso. Nem tudo estava perdido.

Franzi a testa ao perceber que meus amigos estavam sendo

menosprezados. Mas eu entendia. Ele estava com medo, e precisou de

toda a coragem que tinha para me procurar e confiar em mim, como ele

disse. Eu teria que respeitar isso. Além disso, meus amigos estavam

ocupados ou já estavam dormindo.

Primeiro, eu iria encontrá-lo e depois descobriria onde escondê-lo.

Mesmo que isso significasse que eu teria que voltar para a casa de Valen,

já que ainda era o local perfeito para esconder uma testemunha

importante.
E, dessa vez, eu não perderia Bellamy de vista.
Capítulo 20

Q uando o taxista me deixou no número 599 da East 120th Street, já

era uma da manhã. Olhei para o enorme prédio de tijolos cinza

diante de mim, com altas chaminés projetando-se do topo, como a coroa

de uma fera gigante. As janelas escuras me encaravam, e a escuridão se

estendia pelas portas. Nenhuma luz brilhava do lado de dentro para dar

qualquer indício de onde Bellamy poderia estar. Nem mesmo o brilho

suave de uma vela.

– Por que você veio aqui, Bellamy? – sussurrei para mim mesmo. –

Você deveria ter ficado em meu apartamento.

O fato é que o prédio me dava arrepios. Ele era enorme e tinha

milhares de metros quadrados. Tinha seis andares de altura e era do

tamanho de um grande hospital. Bellamy poderia estar em qualquer

lugar. Eu levaria horas para examinar o prédio inteiro.

Suspirei.

– Você não poderia pelo menos ter me dado uma pista?

Meu celular vibrou me fazendo pular. Tirei-o da bolsa, vi o nome de

Valen piscando na tela e desliguei. O gigante era persistente. Talvez sua

culpa estivesse falando mais alto. De qualquer forma, eu ia falar com ele

depois. Mas agora não era o momento.

Parte de mim se perguntava se eu deveria ligar para Elsa e Jade para

ver se elas estariam dispostas a vasculhar um prédio assustador comigo.

Mas só de lembrar como elas estavam cansadas quando saí me fez

colocar o celular de volta na bolsa e abandonar essa ideia. Talvez

Bellamy nem estivesse aqui.


Não. Eu iria fazer isso sozinha.

Atravessei a rua em direção ao prédio colossal e grotesco. As janelas

da entrada da frente brilhavam à meia-luz dos postes de luz distantes. Os

grafites cobriam as paredes externas, mas as cores vivas não

melhoravam em nada a estrutura decrépita.

Havia uma porta aberta, era escura e assustadora como a boca de

uma fera. No entanto, mesmo na penumbra, eu ainda conseguia

distinguir as letras vermelhas e desgastadas logo acima da moldura,

onde se lia ENTRADA.

Suspirei e ajeitei a alça da minha bolsa no ombro. Minha apreensão

aumentou diante do prédio enorme e sinistro. Se Bellamy estivesse aqui,

eu o encontraria.

Peguei meu celular novamente, percebendo que deveria tê-lo

mantido em minha mão, dada a escuridão que refletia dentro do prédio.

Com um toque do meu dedo, liguei a lanterna. Um feixe de luz branca

banhou quatro metros com sua luminosidade. Era bom o suficiente.

Parei um pouco antes de entrar e olhei para o céu. O céu estava

nublado e nuvens escuras atravessavam o céu noturno. Seria mais difícil

usar minha magia estelar, mas talvez eu não precisasse. Talvez eu

simplesmente batesse na cabeça de Bellamy e o arrastasse de volta

comigo.

Passei pela porta de entrada. Uma sensação arrepiante de magia e

algo ainda mais poderoso me atingiu como se tivesse colidido de frente

com uma parede de névoa

. Respirei fundo e soltei a respiração, exalando a ansiedade antes de

continuar. Encontrei a escuridão e as sombras e nada mais. Embora

meus sentidos não fossem tão apurados quanto os de uma bruxa branca

ou das trevas em relação às energias paranormais e às vibrações da

magia, ainda assim senti uma vibração fria de energia assim que passei

pela entrada. A mudança na pressão do ar não tinha nada a ver com o

vento que passava pela porta aberta atrás de mim.

A magia estava aqui. E um monte dela.

Meu pulso acelerou quando entrei, segurando meu celular como se

fosse uma arma. Depois de um momento, meus olhos se ajustaram à

escuridão até que consegui distinguir formas e objetos de aparência

familiar. Objetos muito familiares.


– Ah… merda.

Semelhante ao primeiro laboratório que eu tinha visto com meus

amigos, o espaço estava cheio de fileiras de tanques, caixas e máquinas,

todos conectados a seres humanos submersos em enormes tanques

cheios de líquido. Eu podia ouvir os cliques e as batidas das máquinas

por cima do sangue que pulsava em meus ouvidos.

Essa era a mesma configuração, mas em uma escala muito maior. O

teto tinha provavelmente nove metros de altura ou mais, e desaparecia

nas sombras. Aqui, não havia apenas uma dúzia de tanques

emparelhados com um único humano flutuante, mas centenas de

tanques.

Uma sensação de desconforto se instalou em meu âmago. Essa era a

nave-mãe dos laboratórios. Os outros dois eram apenas a prole. Este era

enorme.

– Bellamy? – gritei, fazendo minha voz ecoar. Esperei cerca de um

minuto, mas não ouvi nada além do bip constante das máquinas e do

meu próprio coração. Talvez essa fosse a maneira de Bellamy me dizer

que havia outro laboratório. Talvez até mesmo onde tudo se originou?

Sim, tinha que ser isso.

Corri para a primeira instalação de tanque humano, peguei todos os

arquivos que cabiam na minha bolsa e os coloquei dentro dela. Eu

precisava de provas. Provas! Peguei meu celular, desliguei o modo

lanterna e comecei a tirar fotos do tanque, do pobre humano suspenso

dentro dele e de tudo ao redor, como um paparazzi movido a cafeína.

Após tirar cerca de trinta fotos, enviei cópias para mim mesmo por e-

mail. Por via das dúvidas.

Foi então que ouvi os passos.

Instintivamente, deixei meu celular cair, canalizei minha luz estelar e

girei com as bolas de poder estelar pairando em minhas palmas.

– Bellamy? – Abaixei as mãos e a luz das estrelas desapareceu, mas

não antes de ter uma visão clara de seu rosto. Ele parecia… parecia

estranho. O cientista bruxo balançava como se tivesse formigas nas

calças ou um problema de próstata.

– Merda – Abaixei-me e peguei meu celular. Mesmo com a pouca

luz, pude ver uma longa rachadura em toda a tela. Fiquei aliviada

quando os ícones brilhantes apareceram na tela. Ele não estava


quebrado. Levantei-me e liguei o modo de lanterna mais uma vez. Com

um movimento do meu pulso, eu a direcionei para o rosto de Bellamy e

o observei cerrar os olhos.

– Eu disse para você ficar lá – Eu o encarei com um olhar de

reprovação. – Não é seguro para você. Muito menos aqui. Por favor, me

fala por que você achou que vir aqui era uma boa ideia? – Quando ele

não respondeu, eu continuei. – Você poderia ter me contado sobre este

lugar em vez de eu ter que persegui-lo pela cidade. Teria sido muito

mais fácil e barato. Estou gastando muito com táxi – Passei meu olhar

pelo espaço. – Isso é enorme. Foi onde tudo começou, você não acha?

Foi onde tudo começou?

As mãos de Bellamy se contorceram nervosamente enquanto ele

pegava o lenço sujo e enxugava o rosto.

– Sim. É isso mesmo.

Franzi a testa e me aproximei dele.

– Você parece nervoso. Mais do que o normal. Por que você me

trouxe aqui?Definitivamente, havia algo errado com ele.

O rosto de Bellamy estava suado e seu cabelo estava úmido, como se

ele tivesse dado um mergulho em uma piscina antes de me encontrar.

– Sinto muito. Não tive escolha.

Senti um nó no estômago com o tom de medo e culpa em sua voz.

– Do que você está falando? O que diabos está acontecendo? – Eu

me aproximei mais. – Comece a falar. Por que você me trouxe aqui? –

Olhei novamente para o laboratório gigantesco. – Pensei que você estava

fugindo de lugares como este, e que teria medo de entrar aqui

novamente – Não fazia sentido que ele quisesse se encontrar aqui.

– Eu… sinto muito – Bellamy deu meia-volta e correu.

– Espere! – Corri atrás dele. A adrenalina subiu pelas minhas coxas,

ajudando-me a aumentar a velocidade. O bruxo estava em pior forma

física do que eu, e eu o alcancei em um instante. Estava prestes a atacá-

lo.

Então alguma coisa saiu das sombras e bloqueou meu caminho.

Parei de repente. Bellamy desviou para a esquerda, atrás de uma

parede ou de um armário alto, e ele desapareceu.

A coisa que bloqueou meu caminho não era apenas uma, mas

algumas coisas.
Milagrosamente, eu ainda estava com o celular na mão e o levantei.

Um grupo de paranormais se aglomerava diante de mim. E, pelo

cheiro de cachorro molhado, sangue velho e o que eu achava que eram

fezes, eu sabia que estava vendo vampiros, lobisomens e metamorfos

recém-criados. Alguns estavam nus e outros parcialmente vestidos. Um

homem estava apenas de cueca. Seus cabelos estavam úmidos e sua pele

brilhava com a umidade.

Meus músculos ficaram tensos.

– Fantástico. Vocês acabaram de sair dos tanques, certo?

Cerrei os dentes, com a raiva brotando em meu âmago. Bellamy

havia me armado uma cilada! O maldito bruxo me trouxe aqui,

esperando que esses paranormais recém-criados me matassem. E tudo

isso após eu ter tentado salvar seu traseiro suado.

Nota mental: nunca confie em uma pessoa que esteja suando muito.

Bem, ele estava errado em uma coisa. Eu não planejava morrer esta

noite.

Coloquei o celular na bolsa para liberar minhas mãos.

– Deixe-me passar – ordenei, canalizando minha luz estelar

novamente e esperando que eles ainda tivessem alguma humanidade

perdida em algum lugar. Talvez a transformação deles tivesse sido bem-

sucedida dessa vez e eles não estivessem loucos como os vampiros

anteriores que eu havia encontrado com Valen.

Um homem negro me mostrou seus dentes e suas garras pretas

afiadas em uma demonstração de violência e força.

Acho que não.

– Eu não quero machucá-los, mas se vierem atrás de mim… vocês

não me darão escolha – Eu sabia que eles eram humanos, transformados

com sangue paranormal, mas ainda assim humanos em sua origem. Eu

não queria matá-los, mas também não deixaria que eles me jantassem.

Mas toda a culpa se dissipou quando o primeiro enxame de cobaias

humanas se lançou sobre mim.

– Eu vou pegar você, Bellamy! – gritei enquanto estendia minha

mão.

Uma bola brilhante de luz estelar atingiu dois paranormais. Eles se

iluminaram como árvores de Natal brancas, se contorceram e depois

caíram no chão.
– Eu vou encontrá-lo, e você vai ver, Bellamy! – eu gritei. – Você

está frito! – Eu não sabia o que faria com ele quando o encontrasse

novamente, porque eu o encontraria. Eu só sabia que o faria chorar.

Um movimento chamou minha atenção à minha direita. Meu corpo

se inundou com a energia formigante da luz estelar que emanava do meu

corpo e corria pelas minhas mãos.

Uma vampira veio correndo em minha direção, com as presas e

garras para fora, como se estivesse pronta para fazer de mim seu jantar.

Ou seria o café da manhã?

Uma explosão de luz branca saiu de meus dedos estendidos e eu a

direcionei para a vampira. Ela a atingiu no peito, cobrindo seu corpo

com uma camada de luz branca.

A vampira soltou um grito de dor, e seus longos braços se agitavam

como se ela estivesse tentando nadar de costas. E então ela caiu no chão

formando um monte de carne carbonizada e enegrecida.

Não tive tempo de me sentir culpada por tê-la matado, pois outro

paranormal veio atrás de mim.

Me virei, com as mãos prontas. Um indivíduo de estatura imponente

avançou, exibindo mais músculos do que aparentava saber como

controlar, acompanhado de punhos esmagadores. Ele rosnou, e o cuspe

escorreu de sua boca. Meus olhos arderam com o fedor de vômito e algo

mais que eu não queria nem pensar.

– Você é minha – Ele soltou um rugido parecendo ter duas vozes,

como se a essência sobrenatural utilizada para criar essa coisa tivesse

moldado sua própria voz, combinando-se com a voz humana.

Caramba!

– Então, você sabe falar? – perguntei, surpresa.

Parecia que os humanos recém-transformados eram capazes de

pensar. O quanto eles pensavam ainda precisava ser determinado. Mas

eles não eram zumbis desmiolados.

O paranormal jogou a cabeça para trás e deu uma risada

profundamente divertida.

– Eu posso fazer mais do que apenas falar – E então ele avançou.

Ele avançou na minha direção, provocando uma sensação intensa de

medo em mim

E o medo também foi um combustível para minha magia.


Canalizando minha energia, eu o explodi com disparos de minha luz

estelar. Ela atingiu o sujeito humano no ombro, fazendo com que ele

cambaleasse para trás. E antes que eu pudesse conjurar minha luz estelar

novamente, sua boca estava em volta do meu braço.

Eu gritei, e lágrimas encheram meus olhos. Sua mandíbula tirou um

pedaço da minha pele com seus dentes em forma de agulha. Xinguei

quando a dor atravessou meu corpo e senti meu sangue quente

escorrendo pelo braço.

Dei um chute e minha bota vibrou quando acertei o joelho dele. Ele

cambaleou para trás, mas, em um piscar de olhos, voltou a me atacar.

À medida que o medo e a raiva cresciam, estendi a mão e o atingi

com uma única e fina camada de luz estelar, cortando-o horizontalmente

como uma lâmina branca brilhante.

A lâmina de luz estelar o atravessou como se ele fosse feito de

manteiga. Vi seu olhar de surpresa quando ele olhou para baixo. Então, a

parte superior do corpo escorregou da cintura e caiu em um aglomerado

ao lado da parte inferior do corpo cortada.

– Eu disse para você se afastar. Droga – eu disse a ele, embora

soubesse que ele estava morto.

Olhei para cima e encontrei uma fileira de paranormais sorrindo

maliciosamente para mim, seus olhos percorrendo meu corpo como se

estivessem imaginando qual parte arrancar primeiro ou qual era o meu

gosto.

Que droga. Eu estava me arrependendo seriamente de não ter

atendido o celular quando Valen ligou. A ajuda do gigante teria sido

extremamente útil neste momento.

Pensei em discar o número dele, mas esse pensamento ficou de lado

quando uma sombra veio da esquerda em minha direção.

Antes que eu pudesse impedi-lo, batemos juntos na parede com uma

força assustadora. Perdi o fôlego com o impacto da dor, e senti que a luz

estelar havia desaparecido. Uma chuva de fragmentos de madeira e o que

poderia ter sido fios, explodiu no ar, caindo sobre meu cabelo enquanto

a poeira soprava em meus olhos. Eu estava presa e não conseguia me

mover.

O vampiro deu uma gargalhada e seu hálito quente acertou meu

rosto enquanto ele falava.


– Vou arrancar a pele de seus ossos lentamente até que você implore

por misericórdia… e então sugarei seu sangue como um canudo.

Tossi e pisquei para afastar as lágrimas.

– Isso é realmente nojento – Canalizei minha luz estelar, alcançando

a magia das estrelas, e deixei-a passar.

Uma explosão de luz emanou de mim e atingiu o vampiro, fazendo-o

voar pelo laboratório. Um estrondo repentino ecoou, sugerindo que

talvez um dos tanques tivesse se rompido, mas a escuridão impedia

minha visão de alcançar tão longe.

Empurrei-me para a frente, cambaleando ao sentir os efeitos de usar

a luz das estrelas. Meu corpo se enfraqueceu à medida que a magia se

compensava.

Grunhidos ecoaram, me fazendo virar. Um grupo de paranormais

caiu de joelhos, seus ossos faziam barulhos de estalo, e seus membros se

estendiam. Seus rostos se contorceram e alongaram, suas mandíbulas se

estendendo em uma fusão grotesca de humano e lobo.

Uma penugem sedosa e espessa de pelo cinza e preto apareceu sobre

sua pele enquanto seus olhos amarelos me seguiam. Não havia mais

nada de humano neles. Seus lábios se curvaram em uma ameaça com

rosnados constantes em uma promessa de morte.

Senti uma onda de raiva e pânico.

– Super – eu exalei. – Estou ficando velha demais para essa merda.

Eu deveria ter ficado em meu apartamento. Era isso que eu deveria ter

feito.

Mal tive tempo de registrar a rapidez com que meu plano tinha ido

por água abaixo quando os lobos vieram até mim.

Eu me joguei embaixo de um dos tanques, girando enquanto me

abaixava e rolava, até que por pouco foi atingida pelas garras afiadas do

lobo negro.

Mas então algo agarrou meu pé e fui arrastada para fora.

Dentes e garras me golpearam, rasgando e arrancando minhas

roupas e pele. Doeu pra caramba, mas me levantei em um piscar de

olhos. A boa e velha adrenalina podia fazer isso.

Um punho veio do nada e atingiu meu rosto. A escuridão assolou

minha visão enquanto eu tropeçava e minha maçã do rosto gritava de

dor. Senti o sangue quente escorrer do meu nariz enquanto a sombra dos
vampiros pairava sobre mim. Mesmo com a energia da luz estelar que

fluía em mim, eu não era páreo para a velocidade sobrenatural de um

vampiro. Eles ainda eram muito mais rápidos do que eu e mais fortes,

capazes de se esquivar de meus ataques com facilidade.

Meu rosto latejava e eu o sentia inchando como um balão. Eu não

precisaria de preenchimento. Um vampiro se lançou contra mim, com os

dentes arreganhados e anormalmente brancos. Dei um salto para trás,

mas não rápido o suficiente, pois seu punho acertou minha cabeça.

Cambaleei, inclinando-me para a frente com náuseas, enquanto meu

cérebro tamborilava. Mal tinha consciência de minhas pernas que,

milagrosamente, ainda me sustentavam. Uma mão se estendeu e o

mesmo vampiro me agarrou, jogando-me no chão.

Eu ia mesmo matar o Bellamy.

– A brincadeira acabou – disse uma voz que parecia vagamente

familiar.

Com a cabeça latejando, esforcei-me para me sentar, mas algo

agarrou meus braços.

– Segure-a – ordenou uma voz feminina.

Eu vi flashes de jalecos brancos e, quando dei por mim, estava presa

ao chão frio de cimento, incapaz de me mover.

O medo desceu por mim em ondas. Eu me esforçava para não pensar

no latejar da minha cabeça ou no fato de que essas cobaias humanas

estavam recebendo ordens de alguém.

Uma picada de agulha atingiu a lateral do meu pescoço.

Imediatamente, senti uma onda de calor, e a sensação de fadiga

correndo em minhas veias. E, por algum motivo estranho, não conseguia

mexer minhas pernas ou braços.

Uh-oh.

Esforçando-me, tentei fazer com que minhas pernas, braços e até

mesmo um dedo se movessem, mas era como se eu tivesse sido atingida

por um feitiço imobilizador. Meu corpo não estava respondendo.

Que merda. Isso não era bom.

O medo impulsionou minha adrenalina, mantendo-me acordada. Eu

não conseguia me mover, e só isso já me aterrorizava.

As luzes se acenderam e eu pisquei, permitindo que minha visão se

ajustasse ao brilho repentino.


Uma forma atraiu meu olhar. E então a figura deu um passo à frente

em minha linha de visão.

– Estrela cadente – disse Adele, com um tom divertido. – Que bom

que você veio.


Capítulo 21

A dele? Minha mente parecia estar sendo afetada pelos efeitos do que

quer que tivessem me administrado, pois aquela figura se

assemelhava exatamente a Adele.

A menos que ela tivesse uma gêmea má? Acho que não.

Não, era ela. Eu reconheceria aquele brilho demente em seus olhos e

seu sorriso falso em qualquer lugar.

– Você? – eu disse, meus lábios apresentavam uma sensação

estranhamente formigante e entorpecida, semelhante à sensação após a

aplicação de Novocaína na gengiva

A tensão apertou meu peito, e todos os meus sinais de alerta foram

acionados.

Adele olhou para mim. A túnica branca do conselho adornava sua

estrutura alta e esguia, com gravuras douradas ao redor das mangas e

gola, ostentando sigilos e runas.

Era uma túnica requintada. Pena que estava no corpo de uma vaca.

– Sim. Sou eu. Quem mais poderia ser?

– Você me drogou – Olhei para a seringa que ela ainda segurava em

seus dedos longos e finos. – O que você me deu? O que é isso? – Tentei

me mexer, mas não adiantou. Era como se meus membros estivessem

cimentados.

Vi um vulto branco e avistei três pessoas trajando aventais brancos

acima de mim. Não eram apenas pessoas, mas cientistas bruxos como

Bellamy.
– Um poderoso relaxante muscular – respondeu Adele, sua voz

sedosa e venenosa como a de uma cobra. – Um agente bloqueador

neuromuscular, semelhante àquele administrado por médicos humanos

para manter os pacientes imóveis antes de procedimentos cirúrgicos.

Procedimentos cirúrgicos? Tentei franzir a testa, mas parecia que

meus músculos faciais também estavam descontrolados. Eu poderia

estar sorrindo ou fazendo uma careta.

– Mas você faz parte do conselho das bruxas brancas. Como você

pôde fazer isso? – Ela era realmente o tipo de psicopata narcisista que

poderia inventar algo tão doentio assim.

– A pobre estrelinha cadente foi pega – Adele se aproximou

calmamente.

Os paranormais restantes observavam, seus rostos voltados para mim

com uma expressão excitada nos olhos, antecipando o que Adele estava

prestes a fazer. Independentemente do que fosse, eu suspeitava que não

seria algo bom.

Esforçando-me, tentei me concentrar na minha luz estelar enquanto

tentava canalizá-la, mas era como se algo estivesse me bloqueando.

Algum tipo de parede ou obstáculo invisível me impedia de alcançar as

estrelas. A sensação era semelhante à de quando o sol me bloqueava,

como Julian havia dito, como se fosse meio-dia, embora fosse uma hora

da manhã.

– Você não pode recorrer à sua magia estelar – comentou Adele,

percebendo que eu estava lutando contra algo internamente. Ela olhou

para a seringa em sua mão. – Eu me certifiquei de adicionar um

componente de barreira mágica na injeção que dei a você. Bellamy a

preparou para mim. Sua magia não pode salvar você agora, estrela

cadente.

Maldito Bellamy. Eu nunca tinha ouvido falar de um bloqueador

mágico usado por meio de uma seringa. Pelo que eu sabia, você poderia

potencialmente bloquear outra bruxa ou qualquer praticante de magia

com um feitiço. Eu até já tinha ouvido falar de algemas mágicas que

podiam quebrar o vínculo mágico. Adele havia descoberto uma nova

maneira de bloquear minha frequência de luz estelar.

Tentei fazer uma careta, mas tenho certeza de que parecia mais com

prisão de ventre do que qualquer outra coisa.


– Meus amigos virão me procurar. Eles sabem onde estou – Mentira

total. Eu deveria pelo menos ter mandado uma mensagem para Jade ou

Elsa, dizendo a elas para onde eu tinha ido. O fato é que ninguém sabia

onde eu estava, exceto Errol, que recebeu a mensagem de Bellamy. Eu

estava morta se esperasse que Errol viesse me salvar.

– Acabou – disse Adele. – Você se acha muito importante. Percebi

esse defeito na primeira vez que nos encontramos. Você é tão arrogante,

tão egocêntrica. Você sempre será um nada, um fracasso. O fato é que

você nunca iria vencer isso. Para que os fortes sobrevivam… precisamos

nos livrar dos fracos.

– Blá, blá, blá – murmurei. – Você realmente gosta de se ouvir

falando – Mas, de certa forma, isso era bom. Eu queria saber tudo sobre

esse plano dela. Porque quando eu pudesse me mover novamente, eu iria

atrás dela. Para isso, eu precisava que ela continuasse falando.

Porque assim que o efeito da droga passasse eu iria conseguir me

mexer novamente, e então o traseiro dela seria meu. Eu só não sabia

quando isso aconteceria.

Adele estalou os dedos.

– Coloque-a em uma cadeira – ordenou ela. Os três idiotas de jaleco

branco me pegaram, me arrastaram e depois me colocaram em uma

cadeira de escritório com muito cuidado.

Minha cabeça se inclinou para o lado. Graças a Deus, a cadeira tinha

um encosto de cabeça alto o suficiente para evitar que minha cabeça se

soltasse do pescoço. Tecnicamente, eu sabia que isso não aconteceria,

mas foi assim que me senti. A única coisa boa da cadeira era que agora

eu tinha uma boa visão do ambiente ao meu redor.

Senti um fio de baba começando a escorrer pelo canto da minha

boca. Droga. Eu estava babando. Tentei sugá-la de volta, mas não deu

certo. Eu podia sentir, mas não podia fazer nada a respeito. Eu era uma

bruxa estelar paralisada e babando. Fantástico. O próximo pensamento

em minha cabeça foi agradecer à deusa que Valen não estava aqui para

ver isso.

Ouvi o barulho de sapatos e olhei para Bellamy, que estava agachado

atrás de um dos tanques.

– Você está morto – ameacei. – Você veio me pedir ajuda e faz isso?

Vou pegar você em seguida. Assim que eu puder me mexer, seu filho da
puta mentiroso!

O rosto de Bellamy ficou mais pálido. Mas, enquanto ele continuava

a me observar, pude ver sua expressão, sua postura pareceu relaxar um

pouco. Ele sabia que eu não ia me levantar tão cedo. Depois de ganhar

coragem, ele saiu de seu esconderijo e deu um passo à frente.

– Sinto muito. Mas ela não me deu escolha – disse o bruxo cientista.

– Era a minha vida ou a sua. E eu sempre escolherei a mim. Você é uma

Merlin. Há muitos de você. Mas você não pode me substituir. Eu tenho

um QI de….

– Cale a boca, seu idiota suado – gritei. – Quando isso acabar, vou te

dar uma surra. E depois vou fazer isso de novo porque é divertido. Você

pode contar com isso. Sou uma mulher de palavra.

Bellamy fechou a boca e seus olhos se voltaram para Adele. Era

quase como se ele não tivesse certeza de quem era mais assustadora, eu

ou a bruxa magrela.

Mas Bellamy, o traidor, era a menor das minhas preocupações.

Voltei meu olhar para Adele, tentando pensar em um plano para me

livrar dessa confusão.

– Essa é a vingança que você estava falando, né? – Fiquei feliz por

minha voz ter saído firme e forte, embora meu estômago estivesse um

caos. – Você quer me matar porque eu a impedi de destruir o hotel? Isso

é um pouco extremo, mesmo para você. Você não acha?

Os cantos da boca de Adele se retorceram diante da minha

provocação. Ela balançou a cabeça, olhando para mim como se eu fosse

uma subordinada que havia feito algo errado.

– O hotel precisava ser substituído por algo melhor. Maior. Maior é

sempre melhor. – Seus lábios finos se esticaram em um sorriso

assustador. – Eu farei com que isso aconteça. Um dia, em breve. Mas

não posso me distrair do meu trabalho – Ela foi até uma das mesas e

deixou cair a seringa.

Tentei erguer uma sobrancelha, mas, em vez disso, talvez tenha

balançado o lábio superior.

– E então, rainha vadia? Acho que você já alcançou seu objetivo –

Ok, essa provavelmente não era a melhor maneira de falar com minha

captora, que tinha os meios para acabar comigo. Mas eu odiava essa

bruxa. E, às vezes, minha boca era mais rápida que o meu cérebro.
Adele se virou e olhou para mim.

– Você não percebeu, estrela cadente? Olhe ao redor. O que você vê?

– Se eu pudesse mexer a cabeça, poderia ajudar você com isso –

Pisquei os olhos. – O que eu vejo é que o seu experimento científico deu

errado.

A bruxa se aproximou da minha cadeira e me encarou.

– Pensei que você fosse mais esperta do que isso, mais esperta do

que aqueles bruxos idiotas que você chama de amigos. Mas seu nome já

diz tudo. Não é mesmo, estrela cadente? Você é apenas uma idiota com

um rosto bonito.

Ao ouvi isso, Bellamy riu. Ele me viu olhando, e a expressão que viu

em meu rosto foi suficiente para fazê-lo desviar o olhar.

Voltei a olhar para a bruxa.

– Muito madura – Ainda assim, estava claro que ela queria que eu

visse algo ou apenas validasse o que ela havia feito aqui.

O bip constante das máquinas atraiu meus olhos para os tanques e os

tubos cheios de sangue paranormal que bombeavam para os seres

humanos.

– Como você conseguiu todo o sangue? Voluntários? – A quantidade

de sangue bombeada por essas máquinas mágicas de diálise

provavelmente era equivalente a dez litros ou mais. Mais da metade da

média para um corpo humano.

Os olhos de Adele brilharam. Então eu estava chegando a algum

lugar.

– Para a criação das raças, foram necessárias grandes quantidades de

sangue de paranormais específicos. Então, eu o peguei.

– O que você quer dizer com isso? Você os matou? – Ela era

realmente louca. Ela não só matava humanos, mas eu não tinha dúvidas

de que ela também havia matado alguns paranormais para conseguir o

que queria.

– Nem sempre – respondeu Adele, aproximando-se ainda mais. Ela

estava tão perto que eu podia sentir o cheiro do seu perfume doce e algo

mais, como cebolas velhas. – Alguns deram seu sangue em troca de

dinheiro. Mas, às vezes, eles não sobreviviam à retração. Às vezes, seus

corpos não aguentavam. E, bem, talvez tenhamos tirado demais. Acho

que nunca saberemos.


– Eu disse que estávamos tirando muito – disse Bellamy, cerrando os

dentes levemente, era o único sinal de arrependimento. – Você não me

ouviu.

Adele lançou-lhe um olhar irritado antes de voltar seus olhos para

mim novamente. – Eles eram um meio para atingir um fim.

– Um fim muito doloroso, sem dúvida.

A pontada de indignação no rosto pálido de Adele quase me fez

sorrir. Caramba! Era bom irritá-la. Eu deveria fazer isso com mais

frequência.

– Você ainda não disse por que está fazendo isso – tentei novamente.

E ao ver aquele brilho de satisfação em seus olhos, eu sabia que ela

estava prestes a me contar. Parecia que Adele queria se gabar de suas

conquistas antes de chegar ao ponto principal.

Um sorriso lento e profundamente satisfeito apareceu nos lábios da

bruxa.

– Está na hora dos paranormais se levantarem. É hora de

recuperarmos o que era nosso em primeiro lugar.

– E o que é isso?

Ela levantou os braços.

– Este mundo.

Uh-oh.

Adele fez uma careta.

– Os humanos são fracos, gananciosos e estúpidos. Há muito tempo

vivemos nas sombras das espécies mais fracas. Agora não mais.

– Se eu pudesse vomitar, eu vomitaria.

– Veja – continuou Adele. – Eliminaremos a raça humana, mas

manteremos apenas o suficiente para sustentar nossa sede. Eles serão

detidos e continuarão a fornecer-nos seu sangue. Estarão disponíveis

para quando necessitarmos deles.

– Como uma prisão?

– Como uma prisão – ela repetiu com alegria. – Minha querida

estrela cadente – Adele olhou para mim. – Vou lhe contar um pequeno

segredo, já que… bem… você vai morrer.

Não fiquei surpresa ao ouvi-la dizer isso.

– O que é?
Adele examinou meu rosto, como se estivesse se certificando de que

tinha toda a minha atenção para o efeito total do que estava prestes a

dizer.

– Não há espaço para os humanos em meu novo mundo – disse

Adele, falando claramente e enfatizando a palavra meu. Seus olhos

percorreram os tanques e voltaram para mim.

– Seu novo mundo? – Sim, ela era definitivamente louca. Senti-me

tonta. Era informação demais. – Puta merda. Você está tentando

eliminar os humanos. E para não precisar esperar, você está produzindo

paranormais? – Parecia ainda mais insano quando as palavras saíram da

minha boca.

– Vampiros, lobisomens, todo tipo de metamorfo – disse a bruxa

magrela. – Algumas espécies são mais difíceis de recriar, mas logo

conseguiremos o impossível. Certo, Bellamy?

Bellamy levantou os olhos de um arquivo que estava examinando.

– Sim. Sim, é isso mesmo. As bruxas estão apresentando um

pequeno problema, mas nada que não possamos ajustar.

– Excelente – O rosto de Adele se contorceu em um sorriso

malicioso.

Um calor aflorou em meu rosto. Tentei me mover mais uma vez, mas

foi em vão.

Meu corpo era tão inútil quanto a confiança de Bellamy.

– Mas seus experimentos são falhos – eu disse. – Eles não duram.

Todas essas… essas coisas têm uma data de validade. Isso não vai

funcionar.

– O tempo suficiente para eu conseguir o que preciso – disse Adele.

Ela olhou para mim e seu sorriso se alargou com a minha expressão. – A

destruição completa e total do mundo humano. Meus experimentos,

como você disse com tanta delicadeza, são a chave. Não seremos mais

mantidos em nossas gaiolas. Não viveremos mais em segredo, os

paranormais andarão livremente pela Terra. Este é o fim do mundo

humano como você o conhece. É uma pena que você não estará por

perto para ver. Bilhões de humanos serão substituídos e acabarão

morrendo.

Credo. Uma mistura de raiva e medo apertou meu estômago.

– Você é louca.
Diante disso, a compostura da bruxa pareceu mudar.

– E, assim como todos aqui, você tem um papel a desempenhar no

meu novo mundo, estrela cadente – acrescentou ela, com os olhos

brilhando.

Meu sangue esfriou quando, de repente, entendi o que eu estava

fazendo aqui, paralisada na cadeira, e porque Bellamy me fez vir até

aqui. Ele não tinha a intenção de me matar, bem, não no início.

– Não. Você não pode pegar meu sangue. Você não pode fazer outras

bruxas estelares. Não é assim que funciona – Cerrei os dentes, rezando

para que a deusa me concedesse o uso de minha magia novamente, mas

quando tentei canalizar o poder das estrelas, senti o mesmo bloqueio de

antes. Olhei para Bellamy.

– Você não pode criar bruxas. Diga a ela, Bellamy. Diga a ela!

Que merda. Eu não deveria ter vindo aqui.

Bellamy olhou para os outros cientistas bruxos, como se esperasse

que eles o apoiassem. Mas eles desviaram o olhar e lhe deram as costas,

parecendo tão apavorados com Adele quanto ele.

O suor escorria pelas têmporas de Bellamy.

– Há um problema na transferência de bruxos… – Seus olhos se

voltaram para Adele. – Mas nada que não possamos reparar. Eu garanto

a você – ele acrescentou rapidamente.

Que droga. Eles iam tirar meu sangue e provavelmente me matar no

processo. E eu não podia fazer nada a respeito.

Pior ainda, ninguém sabia onde eu estava. Eu me sentia idiota e

terrivelmente sozinha naquele momento. Lágrimas escorreram de meus

olhos.

– Você está chorando? – riu Adele. – Achei que você fosse mais

forte, estrela cadente. Chorar é para os perdedores.

Lágrimas de raiva, desespero e arrependimento caíram. Não me

importei com o fato de todos terem visto. O que isso importava, afinal?

Eles iam me usar como um rato de laboratório.

Adele se inclinou sobre mim. Ouvi um farfalhar, e então ela puxou

minha bolsa pela minha cabeça e a pegou.

– O que você está fazendo? – perguntei enquanto ela remexia na

minha bolsa.

Então ela pegou meu celular.


– Como eu disse. Você se acha demais, estrela cadente. Em alguns

minutos, você estará morta – disse ela. – Sua vida nunca terá sido

importante. Em breve, ninguém mais se lembrará de Leana Fairchild, a

bruxa estelar. Você não é nada e morrerá sem nada.

Minha expressão se distorceu enquanto eu procurava uma resposta

que não vinha. O pânico redobrou, obscurecendo minha mente e meu

foco. Eu não queria morrer assim, paralisada e incapaz de me defender.

– Isso não vai funcionar – sussurrei. – Meu sangue não pode ajudar

você.

Adele deu uma risada de escárnio.

– Ah, estrela cadente. Isso não tem a ver com você. Nunca foi sobre

você. Você não é tão especial assim.

– O quê?

– Quem é o mais raro, o mais especial de todos?

Ah, droga...

Adele segurou meu celular na mão.

– Eu disse, nunca foi sobre você. Mas sim o gigante. Bem, para fazer

mais gigantes eu preciso de um gigante – Ela sorriu maliciosamente e

disse: – Preciso de Valen.


Capítulo 22

E u era uma idiota. A maior idiota dos universos dos idiotas.

A cor se esvaiu do meu rosto. Eu estava errada, e sabia

exatamente onde isso ia dar. Tudo fazia sentido agora. O motivo por ter

sido trazida para cá e ser cuidadosamente mantida viva. Adele ia me

usar para atrair Valen de alguma forma.

Olhei para o celular na mão dela.

– Isso não vai funcionar.

– Sim, vai.

– Não vai.

Adele olhou para mim e disse:

– Ele virá. Ele virá por você. Eu vi a maneira como o gigante olha

para você. É como um homem deseja uma mulher. Ele só pensa em

você. Ele está apaixonado por você, eu acho.

Meu rosto queimou com o comentário dela.

– Ele não está. Eu sei disso. Ele está saindo com outras mulheres.

Hoje mesmo, ele estava com outra pessoa. Você entendeu tudo errado –

Será mesmo?

Os dedos de Adele se moviam sobre a tela enquanto ela digitava.

– Acho que não. Tenho observado vocês dois por um bom tempo.

Era nauseante, mas o trabalho tinha de ser feito. Ele é aquele tipo de

homem bonito, forte e superprotetor que virá se achar que sua mulher

está em apuros.

– Eu não sou a mulher dele – Embora eu tenha gostado de ouvir isso.

Ela colocou meu celular no bolso da sua túnica branca.


– Ele se importa muito com você, embora eu não tenha ideia do

motivo. Mesmo assim, ele virá. Eu sempre tenho razão.

– O que você quer dele? – Eu sabia o que ela queria, mas queria

ouvi-la dizer.

– Com um exército de gigantes à minha disposição – disse ela,

endireitando-se. – Os humanos nunca conseguirão se opor. Não sobrará

nada dos humanos depois que meus gigantes cuidarem deles.

– Você é uma vadia perversa – rosnei. – Você não vai se safar dessa.

O Conselho das Sombras vai impedir você – Eu não tinha tanta certeza,

não mais. Por mais que Adele tivesse criado esse laboratório, eu tinha a

sensação de que ela tinha alguns admiradores dentro do Conselho das

Sombras. – E estou certa de que você enfrentará alguma oposição dos

tribunais paranormais.

Eles não deixarão você destruir todos os humanos. Porque… bem…

porque isso é loucura.

Adele ajeitou sua túnica.

– Você está certa. A resistência é inevitável. Mas cuidarei deles da

mesma forma que cuidarei da resistência humana. Com meu exército de

gigantes.

O medo tomou conta de mim. Me senti inútil e envergonhada. Não

conseguia me levantar da cadeira de jeito nenhum. Meu corpo não era

mais meu, mas eu ainda tinha minha boca.

– Bellamy, ouça-me – eu disse, falando rápido. – Você está ouvindo

o que ela está dizendo? – O cientista bruxo inclinou o corpo em minha

direção de uma das estações de trabalho, mas não fez contato visual. –

Você não sabe que isso é genocídio? Você não pode fazer isso. Se

deixar, você fará parte disso. Você será tão culpado quanto ela. Mesmo

que você consiga colocar os planos dela em prática, nós o impediremos.

Você está me ouvindo! E quando o fizermos, você não chegará à prisão,

pois morrerá antes! – Seus ombros se tensionaram, eu sabia que estava

conseguindo atingi-lo. – Você pode detê-la. É só parar. Diga que você irá

parar.

Bellamy finalmente ergueu os olhos para mim.

– Você não entende. Eu não tenho escolha.

Eu rosnei enquanto tentava me mover, enquanto mais lágrimas de

raiva escorriam dos cantos dos meus olhos.


– Se eu pudesse me mexer, daria um chute na sua bunda. Você tem

escolha, Bellamy. Apenas não faça. Essa é a sua escolha.

O cientista bruxo desviou o olhar e voltou sua atenção para o que

estava fazendo. Quando ele mudou de posição, vi de relance três

seringas com pontas vermelhas colocadas cuidadosamente uma ao lado

da outra ao lado de uma pistola de dardos. Não eram seringas, mas

dardos cheios com o que quer que tenham usado em mim.

– Isso é para Valen? – Eu praticamente cuspi. – Você é um filho da

puta, Bellamy. Você é tão nojento quanto ela.

Adele riu como se eu fosse um show de comédia montado só para

ela, mas o cientista bruxo encolheu os ombros, seja por culpa, cansaço

ou medo, eu não sabia. Não me importava. Ele havia se preparado para

fazer com Valen a mesma coisa que fez comigo. Para mim, ele era tão

culpado quanto Adele. Ele merecia uma boa surra.

A raiva ultrapassou minha dor e meus sentimentos de traição. Fui

para um lugar muito, muito distante de mim mesmo. Lágrimas

silenciosas escorriam pelo meu rosto e pescoço, acumulando-se ao redor

de minhas clavículas. Sim, um pouco de ranho também estava misturado

ali, e eu não podia fazer nada a respeito.

Minha própria fúria e medo evaporaram ao pensar em Valen, e

foram substituídos por uma necessidade irresistível de protegê-lo. E daí

se ele namorava outras mulheres? Valen não era um cara ruim. Eu não

deixaria que ela o machucasse.

– Por que você não tira meu sangue em vez disso? Não sou boa o

suficiente para o seu experimento científico? Eu estou bem aqui, estou

pronta para a depenagem.

Adele jogou a cabeça para trás e riu.

– Por que eu iria querer mais estrelas cadentes? Você é o tipo mais

fraco de bruxa… você não consegue invocar o poder da deusa ou dos

elementos, e nem mesmo os demônios lhe darão a hora do dia. Não acho

que seja correto chamar você de bruxa. Você é mais humana do que

qualquer outra coisa – Ela soltou um suspiro. – Eu quero um gigante, e

um gigante eu terei.

– Ele não é um objeto. Ele é uma pessoa.

Adele ergueu as sobrancelhas.


– Ele é o que eu quiser que ele seja. Ele é o que eu quero e preciso

no momento.

Meus olhos ardiam enquanto mais lágrimas caíam pelo meu rosto.

– Você é uma vadia doente. Sabia disso?

– Já me chamaram de coisas piores.

– Ele não virá – eu disse. – Ele está ocupado – Era verdade. Ele

estava com aquela loira gostosona.

O som de vozes alcançou-me acima do pulsar alto do meu coração

nos ouvidos.

Meu pulso acelerou e lamentei profundamente minha decisão de me

encontrar com Bellamy.

Os olhos de Adele se arregalaram de entusiasmo.

– Ele já está aqui.

Olhei para o lado e vi os cientistas de jalecos brancos correndo para

a mesa com os dardos tranquilizantes. Um deles pegou a arma e, em

seguida, todos desapareceram para os lados, fora do meu campo de

visão. Os paranormais foram os próximos, pois todos se espalharam

como ratos assustados atrás de caixotes e desapareceram.

– Não! – Apertei minha mandíbula enquanto lutava com toda a

minha força. Eu acho que acabei peidando, mas foi inútil. Eu não

conseguia me mexer.

Adele estalou os dedos e, para meu horror, Bellamy avançou com

um rolo de fita adesiva.

– Não se atreva – rosnei. – Não! Valen! – eu gritei, olhando por cima

dos ombros de Bellamy. – Não venha aqui! É uma…

Bellamy colocou um pedaço de fita adesiva em minha boca.

– Sinto muito – Ele se inclinou para a frente como se quisesse dizer

mais alguma coisa, e então disse apenas três palavras em um sussurro: –

Não vai durar.

– Mrrghh! – eu gritei, minhas palavras foram abafadas.

Bellamy se afastou e foi para algum lugar atrás de mim.

Quando procurei por Adele, não a vi em lugar algum. Todos tinham

desaparecido. Éramos apenas eu, a cadeira e… Valen.

Valen entrou no depósito com uma graça predatória, mas seus

movimentos tinham um toque de pressa, como se ele estivesse

desconfortável ou ansioso. Embora seu rosto robusto estivesse franzido


pela preocupação, ele estava tão bonito e hipnotizante como sempre. Ele

vestia calça jeans e uma jaqueta de couro preta cobria seus ombros

largos sobre uma camiseta confortável. Mesmo à distância, eu podia ver

seu olhar sombrio e a tensão em seu rosto. A preocupação estava ali.

Nossos olhos se encontraram e meu coração disparou.

Os olhos de Valen se arregalaram por um segundo quando ele viu a

cadeira, a fita adesiva sobre minha boca, minha incapacidade de me

mover e meu rosto cheio de lágrimas.

As emoções cruzaram suas feições, o medo, a culpa e depois uma

fúria profunda.

– Mmhhh! – Mais lágrimas escorreram dos meus olhos enquanto eu

tentava dizer a ele para não se aproximar com apenas um olhar, mas

Valen já se aproximava rapidamente.

As lágrimas continuaram caindo, e a velocidade de Valen aumentou.

Isso estava errado. Tudo errado.

Pelo canto da minha visão embaçada, vi vultos caindo do teto e, em

seguida, eles o cercaram. Seus olhos negros brilhavam com uma fome

selvagem, enquanto suas garras se debatiam. Vampiros.

Valen parou.

O som de rosnados desviou meus olhos para a esquerda. Mais

formas surgiram, cobertas de pelo e exibindo corpos grandes demais

para serem considerados lobos normais. Suas orelhas estavam

pressionadas para trás, e os lábios se abriram, revelando dentes

semelhantes a lâminas curtas, acompanhados por patas do tamanho da

minha cabeça.

Em um rápido movimento, Valen arrancou suas roupas. Em seguida,

veio um flash de luz seguido de um som de ossos quebrando. Seu rosto e

seu corpo se contorceram, aumentando e expandindo até que ele ficou

em sua forma gigante de cinco metros.

E então eles avançaram.

A raiva se espalhou por minha pele, embora eu não pudesse fazer

nada além de observar.

Os vampiros e lobisomens atacaram Valen de todos os lados. O

gigante se movia com fluidez e com a graça habilidosa de um assassino.

Ele os golpeou com seus grandes braços, fazendo com que dois

vampiros caíssem em um dos tanques de água.


Valen se esquivou, girou e deu um grande golpe com os punhos,

esmagando os crânios de cerca de três lobisomens de uma vez. Eles

soltaram gritos sufocados de dor e choque enquanto o sangue jorrava de

seus corpos ensanguentados.

Se eu não soubesse que ele estava aqui para me ajudar, eu teria

ficado morrendo de medo.

Um som de metal ressoou, e vi um dos vampiros segurando uma

espada. Valen agarrou a espada, partiu-a ao meio e depois fez o mesmo

com o vampiro.

Caramba! Isso foi bem pesado. Mas eu não conseguia desviar o

olhar.

Mais vampiros caíram do teto como aranhas grandes e feias e se

agarraram ao gigante, cravando seus dentes e garras em sua pele.

Ouvi gritos quando Valen arrancou dois vampiros de cima dele e

bateu suas cabeças uma na outra. Ouvi um som de ossos se quebrando, e

ele os arremessou.

Ele esmagou seus corpos com uma rapidez voraz, seu corpo era

imparável.

Um vulto marrom apareceu na minha linha de visão. Com uma

velocidade paranormal, um lobisomem cravou seus dentes na coxa de

Valen.

O gigante gritou, mais de raiva do que de dor, e com um golpe do

seu grande punho, ele golpeou a cabeça do lobisomem. A fera

escorregou da perna do gigante e caiu no chão.

Outro grupo de lobisomens se lançou sobre Valen. Um lobisomem

negro abriu a boca enquanto rugia, seus olhos amarelos brilhavam

enquanto ele estalava seus enormes dentes. Ele se aproximou por trás.

Mas Valen girou e bateu com o pé na cabeça do lobisomem, matando-o

instantaneamente.

Gritos e gemidos soaram ao meu redor sem parar, seguidos pelo som

horrendo de pele sendo arrancada e o som rápido dos golpes de punhos.

Então, um silêncio repentino me atingiu. Piscando em meio às

lágrimas, olhei ao redor.

Valen estava parado em um mar de paranormais esmagados e sem

vida. Para onde quer que eu olhasse, corpos de vampiros e lobisomens

jaziam destruídos e muito mortos. Afastei a culpa que ameaçava surgir,


pois sabia que se tratava de humanos, bem, a maioria deles. Mas eu não

podia ter certeza. Alguns paranormais poderiam ter se aliado a Adele.

Meus olhos encontraram Valen novamente. Ele encontrou meu olhar,

e uma sensação estranha e quente vibrou em meu estômago.

A alegria e a esperança me encheram. Valen havia derrotado todos

eles, e não restava ninguém vivo.

Ele virou a cabeça para mim e eu tentei sorrir, mas a fita estava

muito apertada.

– Leana – disse Valen, e meu coração afundou um pouco com a

preocupação que ouvi em seu tom de voz. Preocupação por mim.

Ouvi um estalo repentino e alto, como o som de fogo de artifício.

Um pequeno objeto passou voando por mim e atingiu Valen no peito.

A penugem vermelha se destacou contra a pele de Valen.

Que merda. Os dardos!

Meus olhos se arregalaram de medo.

– Mmgghmm! – Senti o sangue sair do meu corpo e ouvi a

respiração ofegante atrás de mim. Uma onda de pânico tomou conta do

meu ser.

Valen estendeu a mão e retirou o dardo, olhando-o por um momento

antes de esmagá-lo com sua mão.

O gigante franziu o rosto de raiva e avançou na minha direção

novamente.

Ouvi outro estalo, e vi outro dardo cravado no pescoço de Valen.

O gigante também o tirou e o jogou no chão. Ele cambaleou por um

momento, e eu sibilei entre os dentes.

Ele deu mais um passo em minha direção no momento em que um

terceiro dardo atingiu seu bíceps direito.

– Mmhhmm! – gritei com minha boca fechada.

Valen puxou o terceiro dardo. Ele cambaleou e depois caiu de

joelhos, com o dardo ainda em sua mão. Observei, horrorizada, o dardo

deslizar para fora de sua mão.

Em seguida, as paredes e o piso do armazém tremeram quando o

gigante caiu no chão e tombou de lado.


Capítulo 23

– F inalmente – Adele surgiu de alguma parte atrás de mim. Seu traje

branco flutuava ao redor dela, enquanto ela se dirigia para onde

Valen estava deitado. Sua cabeça estava virada na direção oposta, então

eu não conseguia ver seu rosto.

Adele ficou parada sobre o gigante por um momento, depois o

chutou com sua bota.

– Grrrrrh! – eu gritei.

Ela olhou para mim por cima do ombro e sorriu.

– Ele está pronto.

Ouvi murmúrios distantes, seguidos pelo som de inúmeros passos

ecoando pelo chão do depósito quando os indivíduos de jalecos brancos

surgiram.

Estreitei meus olhos para eles. Trapaceiros. Se eles tivessem lutado

contra Valen como os outros paranormais, estariam esmagados e

deitados no chão com o resto deles.

– Não se preocupe – disse Adele ao encontrar meus olhos. – Ele não

vai sentir nada –acrescentou ela com um sorriso satisfeito.

Observei horrorizada, incapaz de me mover ou fazer minha mágica,

à minha direita, os seis indivíduos vestidos com jalecos brancos

arrastavam o que parecia ser a corrente de uma âncora de um grande

barco. Eles enrolaram a corrente nos braços de Valen e, com um clique

repentino, uma máquina foi ligada. De repente, o corpo grande e pesado

de Valen estava sendo arrastado pelo chão.


Eles o arrastaram para uma estação do laboratório e o deitaram de

costas. Em seguida, começaram rapidamente a espetar agulhas em todo

o seu corpo até que ele tivesse tubos conectados ao pescoço, pulsos,

braços, pernas e peito.

O ruído de rodas atraiu minha atenção para dois indivíduos vestidos

com jalecos brancos, empurrando um carrinho. Frascos altos de vidro

produziam um tilintar enquanto eles posicionavam o carrinho ao lado de

uma daquelas máquinas mágicas de diálise.

– Onde está Bellamy? – Adele jogou a cabeça de um lado para o

outro, seus olhos percorreram o depósito.

– Ele foi embora – disse um dos indivíduos de jaleco branco, um

homem com uma barba curta e castanha.

– Ele não conseguiu lidar com isso – Os outros riram.

– Ele é um rato – disse a única mulher de jaleco branco. –

Deveríamos tê-lo matado.

– Não é você quem decide isso – retrucou Adele, e o rosto da mulher

ficou vermelho. – Eu tomo as decisões. Bellamy serviu ao seu propósito

– Seus olhos se voltaram para Valen no chão e depois para mim. – Sem

sua traição, eu não teria meu gigante. – Adele se moveu para ficar ao

lado da cabeça de Valen. De onde eu estava, conseguia vislumbrar

apenas parte de seu rosto. Seus olhos estavam fixos no teto.

O pavor apertou meu estômago.

– Hhhhmmm.

– E quanto a ela? – O barbudo de jaleco branco apontou para mim. –

Ela sabe demais.

– Poderíamos fazer um encantamento de memória – disse o mais

velho do grupo, seu cabelo branco era curto e rosto coberto de rugas.

A mulher balançou a cabeça.

– Eles nunca duram. Talvez ela não se lembre daqui a um ano ou

talvez dois, mas tudo volta à memória. É muito arriscado. Deveríamos

matá-la.

Qual o problema dela e sua vontade de matar? Meu coração saltou

para a garganta e pude sentir o início de um ataque de pânico.

– Mais bruxas estelares podem ser úteis – disse o barbudo. –

Deveríamos tirar seu sangue e guardá-lo para quando estivermos prontos

para uma transferência de bruxa.


– Vocês não ouviram uma palavra do que eu disse? – Adele inclinou-

se sobre o bruxo cientista menor. – Eu tomo as decisões. Além disso –

Ela olhou para mim, com uma expressão curiosa no rosto – Darius a

quer viva.

Darius? Quem diabos era Darius? Será que era ele quem dava as

ordens do Conselho das Sombras? Aposto que sim.

– Mas… – Adele sorriu para mim com frieza. – Ele nunca disse que

não poderíamos brincar com ela primeiro.

Todos os cientistas riram, parecendo um bando de hienas selvagens,

e percebi um lampejo de fúria cruzar o rosto de Valen.

– Estamos prontos – declarou um dos homens de jaleco branco que

estava ao lado da máquina de diálise, com a mão próxima a um grande

botão vermelho.

Adele soltou um suspiro de satisfação.

– Vamos começar.

O homem de jaleco branco apertou o botão e o barulho de um motor

ganhou vida, com bipes e cliques ecoando por todo o depósito.

Eu me senti mal do estômago quando gotas do sangue de Valen

passaram por longos tubos e desapareceram dentro da máquina de

diálise. Em seguida, gotas de um líquido vermelho começaram a encher

os frascos de vidro.

– Rápido – ordenou Adele, estalando os dedos. – Tragam o humano.

Tragam o humano? Ela ia criar outro gigante agora?

Parece que sim. Observei outro grupo de cientistas que transportava

um tanque pesado e cheio de água sobre rodas com uma mulher

inconsciente dentro.

Que merda. Eles iam tentar criar um gigante com essa mulher

humana.

Olhei para Adele, tentando lhe dizer com meus olhos que ela era

uma vadia doente, mas ela andava de um lado para o outro sem tirar os

olhos de Valen, como se ele fosse um diamante valioso. Seu entusiasmo

por torturar e matar pessoas era doentio.

Senti a bile subir pela minha garganta e fiz um esforço para contê-la.

Se eu vomitasse agora, com a garganta parcialmente paralisada,

poderia me engasgar até a morte.


Voltei meus olhos para Valen e perdi a respiração. Sua pele estava

pálida, suada e quase tinha um tom esverdeado. Seu rosto era uma

máscara de angústia. Ele parecia doente, como se estivesse com febre.

Tentei me debater, dando tudo de mim, mas tudo o que fiz foi soltar

mais gases.

– Mmmm!

Adele olhou para mim e sorriu.

– Você deve estar pensando que estamos apenas desperdiçando a

vida dela, como a dos outros. Que seu corpo humano fraco não

suportará a transformação – Seu sorriso aumentou. – Desta vez,

adicionamos uma mistura especial. Um elemento-chave para preservar

todas as propriedades mágicas dos gigantes. Será como se ela tivesse

nascido gigante. Se ela aguentar à mutação, há uma boa chance de que

ela sobreviva. Ela nunca mais será humana. Ela será uma gigante.

Franzi a testa, ou pelo menos tentei, enquanto uma sensação de

pavor percorria meu corpo.

– Considere-se sortuda. Poucos testemunharam o nascimento de

gigantes.

O nascimento de gigantes? Ela era uma lunática.

A mulher de jaleco branco pegou os tubos conectados à mulher

humana e os conectou à mesma máquina que Valen estava. Eles estavam

tirando o sangue dele e tentando criar um gigante ao mesmo tempo. Eles

iam matá-lo.

Meus olhos se voltaram para Valen novamente, vendo seu corpo se

enfraquecer.

O som dos cânticos se sobrepôs ao bip das máquinas. Os indivíduos

de jalecos brancos e os cientistas bruxos estavam fazendo sua mágica.

Os cânticos assumiram um tom de satisfação feroz e continuaram a subir

de tom até parecerem quase gritos.

Senti o cheiro da magia branca, e uma sensação gélida e penetrante

me envolveu, que não era do vento de setembro. Minha pele se eriçou

com a alteração no ar, como se fossem pequenas correntes elétricas.

Praguejei ao sentir a picada delas, misturada com o aroma de doces e

ovos podres.

A humana no tanque se sacudiu, seus membros se debatiam

enquanto o sangue de Valen era bombeado para dentro dela. Parecia que
ela não conseguia respirar, como se estivesse sendo mantida debaixo

d'água à força. Ela virou o rosto e nos olhamos por um momento.

Através do vidro, vi o medo e o desespero neles. Eu queria ajudá-la,

fazer alguma coisa. Brevemente, vislumbrei o semblante assustado de

seu rosto humano; em seguida, seus olhos se fecharam e sua cabeça

tombou. Ela estava morta?

Eu nunca havia testemunhado algo tão terrível, tão desumano e

doentio em toda a minha vida. Jamais conseguiria esquecer isso. Ficaria

gravado em minha mente para sempre.

– Com meu exército de gigantes, serei invencível! – gritou Adele,

com um sorriso doentio no rosto. – Não precisarei de Darius ou de

qualquer um deles. Esmagarei todos os que se opuserem a mim. Terei

meu novo mundo. E serei a rainha!

Totalmente psicopata.

Os cientistas bruxos continuaram cantando. Uma luz azul

esbranquiçada brilhou tão intensamente que tive de fechar os olhos por

um momento para não queimar meus globos oculares.

Em seguida, surgiu um som sibilante, seguido por um estalo,

semelhante ao crepitar de uma fogueira, acompanhado pelo intenso odor

de terra molhada entremeada de enxofre.

A luz diminuiu e eu olhei para a mulher flutuando no tanque. Ela

tinha o mesmo tamanho de antes. Nada havia mudado, pelo que pude

perceber.

Adele estalou os dedos com impaciência.

– Esvazie-o. Vamos lá. Vamos lá.

Obedecendo à sua chefe, um dos homens de jaleco branco puxou o

que eu só poderia chamar de um tampão preto, e a água foi liberada em

um cano grosso e preto que se estendia até a lateral do depósito.

– Tire-a daí – ordenou Adele assim que o tanque ficou vazio.

Os homens de jaleco brancos arrancaram a mulher humana nua e a

colocaram no chão frio de cimento, ela estava molhada e provavelmente

morta. No fundo, eu esperava que ela estivesse.

A raiva no rosto de Adele provocou um sorriso em meus lábios.

Bem, eu tentei sorrir. Oooooh. Ela estava puta.

A bruxa ficou de pé sobre a humana.


– Levante-se! Levante-se e se transforme, ou eu vou queimar você

viva.

Os olhos da mulher humana se abriram. Puxa vida, ela estava viva!

– Levante-se, sua imunda – Adele se moveu e lhe deu um chute forte

no estômago.

A humana gritou de dor e rolou para o lado.

– Levante-se! – Adele gritou, com os braços esticados. Ela realmente

parecia uma aspirante a Dr. Frankenstein.

Aproveitei a oportunidade para dar uma olhada em Valen, e o medo

me sufocou. Sua pele estava úmida e pálida. As veias azuis estavam

sobressaltadas e pareciam tão finas e delicadas quanto papel de seda. Eu

quase podia ver o sangue sendo sugado dele.

Eles o estavam matando. Ele não sobreviveria a isso.

E a culpa era toda minha.

O medo revirou meu estômago, e mais lágrimas escorreram pelo

meu rosto enquanto eu olhava para o homem, o gigante, que eu

obviamente me importava mais do que queria admitir.

– Levante-se! Levante-se! Sua humana vadia idiota! – Adele chutou

a humana várias vezes. Até mesmo os cientistas tiveram a brilhante ideia

de se afastar e dar espaço a ela.

A humana soltou um grito e depois começou a ter convulsões. No

começo, achei que era o fim. Então senti um zumbido de magia no ar e

vi um flash de luz.

A mulher humana se curvou, emitindo uivos enquanto seu rosto e

corpo se contorciam e se distorciam em proporções incomuns.

– Sim! Sim! – gritou Adele.

O rosto da mulher inchou, assim como seus membros, até que seu

corpo ficou com o triplo do tamanho normal. O chão tremeu enquanto

ela se levantava, revelando coxas e pernas gigantes. Ela tinha uma

sobrancelha grossa e uma mandíbula superior saliente, o que lhe dava

uma aparência de ogro, assim como Valen. Ela não era tão grande

quanto Valen em sua forma gigante, mas estava perto. Talvez tivesse uns

quatro metros de altura. Ela era assustadoramente grande e forte.

Adele tinha conseguido. A vadia tinha feito um gigante.

Quando olhei novamente para Valen, seus olhos estavam fechados. E

seu corpo tinha voltado ao tamanho humano. Ele parecia… parecia


morto.

Meu desespero piorou. Uma sensação de pânico invadiu-me, fazendo

com que minhas entranhas se retorcessem, até que a percepção de que o

mundo desabava sob mim me fez sentir como se estivesse caindo da

cadeira.

E então algo estranho aconteceu.

Senti um formigamento. Uma picada. Primeiro ao longo dos dedos

dos pés e depois até os joelhos, esgueirando-se sobre minha pele, como

se eu tivesse milhares de insetos rastejando dentro e fora do meu corpo.

Era muito nojento. Mas o formigamento continuou até chegar ao meu

couro cabeludo.

O formigamento durou alguns segundos e, em seguida, senti um

alívio, semelhante à súbita liberação de uma corda que antes prendia

meu corpo.

Eu estava livre. Podia me mover novamente.

As palavras de Bellamy faziam sentido agora. Não vai durar muito.

Ele estava se referindo à droga paralisante. Ele a adulterou, e só tinha me

dado parte da droga. O suficiente para enganar Adele. O suficiente para

me libertar.

Canalizei as emanações poderosas das estrelas. A luz estelar

respondeu enquanto zumbia em mim, esperando para ser liberada.

Arranquei a fita adesiva e pulei da cadeira.

– Afaste-se dele!

E então deixei minha magia voar.


Capítulo 24

A raiva, o medo, o desespero, tudo isso me consumiu enquanto eu

lançava minha luz estelar na máquina que estava bombeando o

sangue de Valen.

Um homem de jaleco branco pulou na minha linha de fogo. Foi uma

pena.

Eu o explodi em pedaços, assim como destruí aquela maldita

máquina com minha luz estelar.

A engenhoca de metal voou para trás, e se chocou contra uma

parede. Todos os fios e tubos que estavam conectados a Valen foram

puxados e arrancados dele. Ele ainda não se movia, nem tinha aberto os

olhos. A raiva me encheu quando me virei lentamente e encarei meus

inimigos.

– Pegue-a – ouvi um dos homens de jaleco branco dizer e vi a única

mulher, com outra seringa na mão.

– Dessa vez, não, vadia – Estendi minha mão e disparei uma lâmina

branca e brilhante de luz estelar.

Ela atingiu a mulher logo abaixo de sua mandíbula. Seus olhos se

arregalaram. Mas ela não teve tempo de gritar quando sua cabeça se

soltou do corpo e ela caiu no chão, levando a seringa com ela.

Os homens de jaleco branco eram bruxos, e eles lançaram sua magia

contra mim.

Mas eu também tinha magia.

Como uma tempestade de magia selvagem, eles avançaram.


– Pelo novo mundo! – gritou um dos homens enquanto avançava

com chamas roxas saindo de suas mãos.

Raiva. Medo. Dor. As explosões das minhas emoções nutriram o

meu poder mágico. E eu estava pronta para utilizá-lo.

Firmei meus pés no chão, canalizei a luz das estrelas e bati palmas

uma vez.

Um disco branco e brilhante surgiu na minha frente como uma

armadura. A luz roxa se espalhou ao meu redor quando a magia do

bruxo atingiu meu escudo e depois ricocheteou.

Eu me mantive firme, com a luz das estrelas passando por mim e ao

meu redor enquanto me banhava com seu brilho.

O mesmo bruxo me atingiu novamente com uma onda de chamas

roxas. As chamas foram desviadas do meu escudo, redirecionando a

magia, e uma explosão de sua própria magia atingiu o bruxo que se

aproximava.

Abaixei o escudo e olhei para cima a tempo de ver o bruxo que eu

havia atingido voando para trás. Seu corpo ardia em chamas roxas.

Poderia ter sido eu.

Vi a expressão de choque de Adele ao ver meu escudo de luz estelar.

Ela não sabia que eu podia fazer isso.

Surpresa, vadia!

O murmúrio de uma maldição me fez girar para encarar outro bruxo.

Ele se movia de forma desajeitada, como se não tivesse certeza do

que estava fazendo, ou talvez nunca tivesse duelado com outro bruxo.

Eu sorri.

– Você está pronto? Eu estou. Vamos lá!

Ele riu quando viu a expressão em meu rosto, provavelmente uma

combinação de raiva e cansaço.

– Você está morta – rosnou ele. Uma magia verde se enrolou em

seus braços e me fez lembrar dos braceletes de plástico de Jade. Como

eu a amava.

– Iqtz M'atx! – gritou ele, direcionando as palmas das mãos na

minha direção.

Anéis de fogo verde irromperam de suas mãos estendidas, e meu

rosto ardeu com o calor de sua magia.


Estendi a mão quando um raio de luz estelar derrubou seus anéis

mágicos, a um palmo de distância do meu rosto.

Eu não queria ferir ou matar ninguém, exceto Adele, e talvez

Bellamy, mas isso era legítima defesa. Era uma questão de matar ou

morrer. E o bruxo estava tentando me fritar.

Os lábios do bruxo se moviam em um cântico das trevas ou em um

feitiço, eu não tinha ideia, mas eu estava muito à frente dele.

Com a luz estelar ainda pulsando dentro de mim, arqueei meu corpo

para trás e lancei meu escudo com as duas mãos. Ele disparou em linha

reta, girando como um disco e acertando o bruxo.

Ele soltou um grito de raiva, e então não ouvi nada além do som de

chamas queimando sua túnica e se corpo.

Mal tive tempo de recuperar o fôlego quando mais dois saltaram em

minha direção.

– Droga. Quantos de vocês estão aí? – perguntei, avistando outros

dois esperando nas sombras, como uma equipe de luta livre antecipando

sua vez de acertar minha cabeça.

Os olhos do homem mais próximo encontraram os meus e ele sorriu

preguiçosamente, como se estivesse satisfeito por estarmos prestes a

duelar.

– Vamos tirar seu sangue e depois vamos fatiá-la… pedacinho por

pedacinho.

Apertei meus lábios.

– Deixe-me pensar sobre isso… vá se ferrar.

Os olhos dele brilharam com uma magia laranja. Em seguida, ele

movimentou o pulso e um chicote laranja flamejante se materializou.

Belo truque.

Dei um pulo para o lado, e a ponta do chicote raspou no meu

quadril. Assobiei com a dor. Contudo, seu golpe se desviou antes que ele

tivesse a chance de perceber seu erro.

Girei e disparei uma bola de luz estelar contra ele. Ela o acertou no

peito e o fez cambalear, assim que outro homem de jaleco branco maior

tomou seu lugar.

Ele atacou com mais eficiência do que seu colega, com bolas de fogo

assobiando no ar, apontadas para o meu rosto. Tive uma fração de

segundo para girar antes que elas me atingissem.


Dei um pulo para trás, e suas bolas passaram por mim, sim, eu sei

como isso soou.

– Vocês não têm magia defensiva. Vocês deveriam se ater ao que

sabem: ser idiotas – Era óbvio que esses bruxos não eram treinados

nesse tipo de magia. Seu poder mágico se espalhava sem controle, sem

cálculo, seus ataques não tinham técnicas.

Mas eu tinha.

O grandão de jaleco branco rosnou para mim, ele suava muito, me

fazendo lembrar de Bellamy.

– Sou melhor do que você. Você nem sequer é uma bruxa de

verdade.

– Você precisa parar de dar ouvidos à sua patroa – Por falar em

patroas, dei uma olhada para a minha direita e vi que Adele ainda estava

ao lado da nova giganta. A expressão de pura alegria em seu rosto foi

suficiente para quase me fazer vomitar.

– Você vai tirar um cochilo muito longo… do tipo eterno – disse o

mesmo homem, chamando minha atenção novamente. Suas mãos

estavam cobertas de chamas alaranjadas. – Eu vejo o seu medo. Você

sabe que vai morrer e não pode fazer nada para impedir isso. Seus

amigos idiotas não estão aqui para te ajudar. Você está sozinha – Seus

lábios se curvaram quase em um sorriso, e seus olhos se arregalaram em

sinal de vitória. – E você vai morrer sozinha.

– Não vou morrer esta noite, amigo – Meu medo de morrer não foi o

que fez minha doce adrenalina disparar. Foi o horror e a dor do que esses

idiotas fizeram com os inocentes. Mas principalmente a Valen.

Minha dor se perdeu em minha fúria. Canalizei minha luz estelar e a

liberei. Um raio de luz branca saiu de minha mão.

– Ignitu det! – gritou ele, acenando com as mãos, e uma camada de

névoa laranja semitransparente surgiu diante dele. Minha luz estelar

atingiu o escudo de proteção como se tivesse atingido uma parede de

concreto sólida e caiu.

O sorriso dele se alargou com o choque que ele viu em meu rosto.

– Viu? Você não é a única que pode usar a magia do escudo.

Dei de ombros.

– E você acabou de dizer que eu não era uma bruxa de verdade. O

que vai ser?


Ele separou as pernas, adotando uma postura firme, enquanto suas

mãos se moviam com determinação.

– Você não é – ele ofegou, como se aquela magia tivesse exigido dele

um enorme esforço e energia. E ele não conjurou outro escudo.

Sorrindo para mim novamente, ele abriu a boca para lançar outro

insulto.

Mas eu não tinha tempo para essa merda.

Atirei meu pulso contra ele. Uma flecha de luz estelar atravessou seu

peito.

Ele tropeçou, enquanto o sangue saia de sua boca e ele caia de

joelhos.

Senti uma brisa atrás de mim e me virei para ver cinco caras de

jalecos brancos se aproximando, com a magia em volta de suas mãos.

Pelo que pude perceber, esses eram os últimos cinco.

E eu já estava farta.

Esforçando-me, respirei fundo e alcancei aquela fonte de magia, o

núcleo do poder estelar. Com os dentes cerrados, canalizei a luz das

estrelas, deixando que ela me inundasse até que cinco bolas de luz

branca flamejante pairassem sobre minha mão.

E então eu as joguei.

Cinco disparos de magia avançaram em linha reta atingindo-os. Os

gritos irromperam com o cheiro de pele queimada. Pisquei diante da luz

branca repentina enquanto seus corpos eram engolidos pela luz estelar,

como se estivessem iluminados por um milhão de luzes LED.

Cambaleei, sentindo uma súbita onda de tontura. Quanto mais eu

canalizava minha luz estelar, mais meu corpo parecia ter sido espancado.

E então, os últimos caras de jalecos brancos caíram no chão soltando

gritos lamentosos.

Curvei-me, com o suor escorrendo pelas costas e entre os seios.

Meus pulmões ardiam, como se eu tivesse acabado de correr cinco

quilômetros. Eu estava exausta. Precisava descansar. Mas, primeiro, eu

precisava cuidar de Valen.

– Mate-a!

Ao ouvir a voz de Adele, virei-me e a vi apontando na minha

direção, sinalizando para a giganta.


Droga. Havia me esquecido dela. Eu estava exausta, e nunca havia

lutado com um gigante, ou melhor, com uma giganta, e duvidava que

sobreviveria se o fizesse. Pelo que eu havia observado em Valen, não

havia muito que pudesse machucá-los. Eu nem tinha certeza de que

minha magia serviria contra uma giganta.

O rosto de Adele estava vermelho quando ela apontou para mim,

com um leve tremor na mão.

– Mate-a! Eu ordeno a você. O que você está esperando? Eu disse a

você para matá-la. Mate-a agora, sua idiota. Você fará o que eu mandar.

Eu sou sua dona! Obedeça-me!

Sim, como eu disse, ela era totalmente maluca.

O medo subiu ao meu peito quando vi as mãos enormes da giganta

que poderiam facilmente me esmagar até virar uma polpa. Aqueles

punhos eram realmente grandes.

– Mate-a, sua giganta idiota! – gritou Adele. – Mate-a agora ou

acabarei com sua vida miserável – Ela ficou lá, com as mãos nos

quadris, ostentando a mesma expressão de autossatisfação, como se

detivesse o domínio do mundo e estivesse além de todos nós, os simples

camponeses. Ela acreditava poder fazer conosco o que bem entendesse,

inclusive nos matar.

A giganta fixou seu olhar em mim do outro extremo do depósito, e

uma sensação de desconforto se espalhou por minhas entranhas.

Sua expressão era de desaprovação, e eu não tinha certeza se ela

estava com raiva ou se aquela era sua expressão pensativa.

No entanto, eu não estava preparada para o que viria a seguir.

O rosto da giganta se encheu de raiva quando ela se virou para trás e

olhou para Adele.

– Não – disse ela, com a voz alta e profunda como a de Valen, mas

com um toque mais feminino, se é que isso era possível.

– Não? – A raiva de Adele era palpável. – O que você quer dizer com

não? Eu sou sua criadora! Sou seu deus, e você vai…

A mão da giganta disparou e envolveu o pescoço de Adele,

levantando-a sem esforço do chão.

– Ah, droga – eu disse, sem conseguir desviar o olhar.

– Me solte! – gritou Adele ao bater na mão da giganta com os

punhos. Seus lábios se moveram em um cântico ou feitiço, e vi faíscas


de magia laranja, verde e vermelha atingindo a giganta. Mas a giganta

nem sequer vacilou.

Os olhos da giganta estavam cheios de raiva, mas eu podia ver a

angústia, a tristeza e o ódio ali. Ela odiava o que Adele havia feito com

ela.

Os lábios da giganta se curvaram em um rosnado, e a mão em volta

da garganta de Adele se fechou. Os olhos da bruxa se arregalaram,

deixando os brancos à mostra.

Ouvi um estalo, semelhante a um galho se quebrando e a cabeça de

Adele se inclinou em um ângulo incomum. Aconteceu tão rápido que

uma parte de mim achou que eu tinha imaginado aquilo.

Então a giganta jogou o corpo de Adele no chão. Seus membros se

estenderam e sua cabeça se virou para mim, e eu pude ver seus olhos

sem vida.

Adele estava morta.


Capítulo 25

T ive um momento de surto enquanto olhava para a bruxa morta e para

a giganta que a havia matado. Quem sabe o que a giganta estava

pensando agora? Ela poderia voltar sua raiva contra mim e quebrar meu

pescoço também.

Eu poderia correr, mas não deixaria Valen.

Eu não tinha certeza de quanto tempo fiquei ali, olhando para a

enorme mulher humana que parecia… perdida? Então a giganta olhou

para mim e tudo o que vi foi tristeza e dor. Eu poderia estar com medo,

mas também senti sua angústia.

A giganta então se abaixou e se sentou, deixando a cabeça cair sobre

os joelhos enquanto soluçava. Droga.

Engoli em seco, olhei para onde Valen estava deitado e corri para lá.

Me ajoelhei, e minhas coxas tocaram nele enquanto eu me e me

aproximava. Agarrei seu braço e estremeci ao sentir sua pele fria. Ele

parecia uma pedra de gelo.

– Valen? – Sacudi seu braço, com lágrimas grandes e quentes

escorrendo pelo meu rosto. Quando não obtive resposta, coloquei meus

dedos em volta de seu pulso. Soltei um suspiro de alívio quando senti

sua pulsação. Era fraca, mas ele estava vivo. Ele precisava de ajuda.

O som alto de soluços me fez girar a cabeça. Olhei para o corpo

morto de Adele e depois para a giganta que ainda chorava. Seus ombros

tremeram quando ela soltou outro grito.

– Esta é uma noite bem estranha.


Levantei-me com dificuldade e me aproximei de Adele. Ajoelhei-me

ao lado do seu corpo, levantando sua túnica pesada enquanto procurava

meu celular e fazia o possível para não olhar para seu pescoço

machucado. Tarde demais. Eu olhei. Que droga. De perto, era ainda pior.

Marcas roxas profundas envolviam a garganta da bruxa morta. Sua

coluna cervical perfurava a pele onde sua cabeça estava inclinada em um

ângulo incomum. Que horror. Voltei a me concentrar e procurei meu

celular. Coloquei minha mão dentro da túnica e senti algo sólido. Peguei

meu celular e corri de volta para o lado de Valen. Dei uma olhada por

cima do ombro. A giganta nem sequer tinha olhado para cima.

Valen precisava de ajuda. Ele havia perdido muito sangue, e eu não

sabia se ele sobreviveria.

Com os dedos tremendo, enviei rapidamente uma mensagem de

texto para meus amigos pedindo ajuda e pedi para Basil entrar em

contato com o Conselho das Sombras. Eu sabia que o tal de Darius

estava por trás disso, mas esperava que os outros membros do Conselho

não estivessem. Eles iriam descobrir isso mais cedo ou mais tarde.

Meu celular apitou.

Elsa: Estamos a caminho. O Conselho das Sombras também.

Soltei um suspiro.

– Leana?

Estremeci ao ver os olhos escuros de Valen olhando para mim.

– Ah, meu Deus, Valen! – Eu me abaixei e o puxei para o meu colo,

embalando sua cabeça. Minha visão ficou turva devido às lágrimas

repentinas. Não me importava que ele me visse chorando e soubesse o

quanto eu me importava. Eu já havia superado isso. Não se tratava de

mim, e ele precisava de ajuda. Eu me encolhi ao olhar para seu rosto.

Suas veias brilhavam sob sua pele e seus olhos apresentavam cavidades

profundas. Ele parecia fraco.

– O que posso fazer? Não sei o que fazer. Você precisa do meu

sangue? Sei que você não é um vampiro. Eu tenho que fazer alguma

coisa. Eu…

– O seu sangue não – disse Valen, com a voz embargada, o que me

fez soluçar.

Olhei ao redor da sala, onde os restos da máquina que eu havia

destruído estavam espalhados pelo chão, sem perceber naquele momento


que eu também havia destruído o sangue dele. Provavelmente, ele

precisava daquele sangue agora. Eu havia destruído o único sangue que

poderia salvá-lo.

O que eu fiz?

O medo tomou conta de mim, roubando-me o fôlego com a

lembrança da perda da minha mãe. Lágrimas brotaram em meus olhos e

senti um aperto na garganta. Eu não podia perder Valen. Especialmente

porque isso era minha culpa.

– Por que você veio, seu tolo? – eu disse a ele, enquanto mais

lágrimas escorriam pelo meu rosto. – Você deveria ter ficado no

restaurante.

– Você mandou uma mensagem… disse que estava com…

problemas… e precisava de mim – disse ele, com a voz fraca.

– Não fui eu. Foi Adele – Eu sabia que ela estava morta, mas ainda a

odiava pelo que havia feito.

– Imaginei – Um sorriso fraco apareceu em seus lábios, e senti uma

pontada no coração.

Limpei o nariz na manga da minha blusa.

– Sinto muito. Tudo isso é culpa minha. Eu não deveria ter vindo

sozinha. Mas eu queria trazer Bellamy de volta. Eu estava com ele

quando fui ao seu restaurante – Meu ciúme de antes parecia tão tolo. E

eu me arrependi. – Você deveria ter ficado no seu encontro com aquela

loira bonita. Pense nisso. Você perdeu a oportunidade de se dar bem

essa noite – Eu lhe mostrei um sorriso. – Em vez disso, você veio aqui e

conseguiu…bem… isso.

Valen piscou os olhos lentamente.

– Não foi um encontro. Eu a contratei.

Levantei uma sobrancelha.

– Certo, então ela é uma acompanhante. Acho que você não recebeu

pelo serviço que pagou. Sinto muito por isso.

Valen abriu a boca para falar, mas, em vez disso, começou uma tosse

agonizante, parecendo alguém que fumou três maços de cigarro por dia

durante toda a vida. Cada respiração parecia dolorosa, como se seus

pulmões não estivessem funcionando direito.

Esfreguei seus braços com as mãos, tentando aquecê-lo e fazer seu

sangue fluir.
– Não fale. Guarde sua energia.

– Ela não… – Valen pigarreou. Em seguida, ele fechou os olhos, seu

rosto estava contorcido pela dor. Ele abriu os olhos novamente e sibilou:

– Não é uma acompanhante. É uma detetive particular.

Eu não esperava por isso.

– Você está namorando uma detetive particular?

Seu semblante mudou, exibindo uma expressão de esforço. Quando

ele falou, suas mandíbulas estavam travadas, mas eu pude entender as

palavras.

– Não. Eu a contratei para procurar outros como eu. Gigantes. Ela

está procurando há seis anos.

Agora eu realmente me sentia uma idiota. Seis anos era muito tempo

para conhecer alguém. Isso explicava o que eu tinha visto em suas

interações. Eles eram amigos, não amantes.

Então Valen queria encontrar mais de sua espécie. Eu entendia isso,

pois era a única bruxa estelar que conhecia. Eu sabia que existiam outras

como eu por aí. Só não sabia onde elas estavam. Mas não era a mesma

coisa. Eu ainda era uma bruxa, e muitas bruxas viviam em nossas

comunidades. Não os gigantes.

Um sorriso fraco curvou seus lábios.

– Ela encontrou alguns.

Minha boca se abriu e eu tentei assimilar suas palavras.

– Gigantes? Ela encontrou outros gigantes? Onde? Quem? – Meu

corpo se aqueceu com o brilho em seus olhos.

– Dois. Um casal de irmãos, na Alemanha.

Apertei seus braços com mais força, sem sentir nenhum calor neles.

Sua pele estava ficando mais fria?

– Estou muito feliz por você – eu disse, tentando evitar que minha

voz demonstrasse o medo que estava redobrando. – Se você quiser…

posso ser seu guia de viagem na Alemanha. Embora eu nunca tenha ido,

sempre quis ver o Castelo de Neuschwanstein. Posso fingir que ele é

meu e tudo mais – Era verdade, mas eu não tinha dinheiro para ir a lugar

algum, especialmente à Europa.

Valen soltou um suspiro.

– Não é necessário. Eles estão vindo para cá.


– Isso é ótimo – Esperei que ele dissesse mais alguma coisa, mas ele

não disse. – Então teremos que dar uma festa quando eles chegarem

aqui. Ah, espere. Talvez eles sejam reservados como você, certo? Eles

não vão querer que saibamos.

– Eles são – disse Valen. Sua voz estava tão baixa que tive que

abaixar a cabeça para ouvi-lo melhor. Seus olhos se voltaram para a

giganta. – Ela está… ela está bem?

Segui seu olhar. A giganta ainda soluçava baixinho, com os ombros

trêmulos e a cabeça ainda escondida entre os joelhos. Meus olhos

lacrimejaram ao vê-la assim.

– Não, ela não está – eu disse a ele. – Eles a pegaram, aprisionaram-

na. E a transformaram em uma criatura que ela nunca pensou que

existisse. Ela nunca vai ficar bem – Nunca. Se ela fosse paranormal,

talvez não tivesse sido tão traumatizante, embora ainda fosse

perturbador ser transformada em outra criatura. Mas ela era humana.

Ainda ontem, ela não acreditava em vampiros, ghouls e fadas. E hoje,

ela era uma giganta. A mulher provavelmente enlouqueceria se vivesse o

suficiente. E, se sobrevivesse, precisaria de muita terapia. Mas depois de

ver o que aconteceu com os projetos científicos de Adele, não parecia

que ela teria um futuro brilhante.

– Adele é, era, uma vadia doente – eu disse a Valen, vendo que ele

tinha ficado em silêncio novamente, com os olhos fechados. – Ela queria

criar um novo mundo sem humanos, onde ela queria ser rainha ou um

deus. Deusa talvez? De qualquer forma, a questão é que ela não estava

sozinha em sua insanidade. Ela estava recebendo ordens de alguém

chamado Darius. Você conhece alguém com esse nome que faz parte do

Conselho das Sombras? Valen? – Eu tinha que mantê-lo acordado. Eu

sabia que se ele dormisse, talvez nunca mais acordasse. – Valen? – Eu o

sacudi, e seus olhos se abriram.

– Hum? – Ele piscou para mim, seus olhos estavam sem foco, como

se não tivesse certeza de quem eu era.

– Você conhece alguém chamado Darius? Acho que ele faz parte do

Conselho das Sombras.

Os olhos escuros de Valen examinaram meu rosto.

– Não. Acho que não.


Droga. Eu mal conseguia ouvi-lo. Suas pálpebras começaram a se

fechar.

– Você tem que ficar acordado, Valen. Você está me ouvindo. Não

dorme.

– Tão… cansado…

– Eu sei – Esfreguei seus braços novamente, eu tinha que continuar

fazendo alguma coisa, ou eu o perderia. – Mas você tem que continuar

lutando. Você está me ouvindo? Valen? Valen!

Os olhos de Valen se fecharam. Eu o sacudi e depois o sacudi

novamente com mais força, mas ele não abriu os olhos. Ele parecia ter

entrado em coma. Em pânico, aproximei meu ouvido de sua boca. Sua

respiração estava fraca.

Ok, agora eu realmente tive um momento de surto. Meu estômago se

contorceu, e uma sensação de puro pavor emanava de dentro de mim.

Um mal-estar se instalou, e eu perdi a respiração, precisei piscar várias

vezes para impedir que o ambiente girasse ao meu redor.

Valen estava morrendo.

Quando a equipe chegasse aqui, seria tarde demais.


Capítulo 26

E u precisava fazer alguma coisa. Pense, Leana!

E então me lembrei de algo. Os gigantes tinham propriedades

curativas diferentes de tudo o que eu já havia visto. Talvez… talvez

valesse a pena tentar.

Com cuidado, coloquei a cabeça de Valen de volta no chão e me

levantei. Com o coração disparado, corri até a giganta. Um suor frio

escorria pelas minhas costas enquanto eu tirava uma longa mecha de

cabelo dos olhos.

– Com licença – eu disse, parado a cerca de um metro e meio dela,

com o pulso acelerado. Meus olhos passaram por suas mãos do tamanho

de rodas de carro. Eu tinha acabado de ver o que ela podia fazer com

aquelas mãos gigantes, e queria evitar que meu pescoço fosse esmagado.

Respirei fundo e repeti:

– Com licença…

A giganta levantou a cabeça.

– Ah! – Me assustei e caí de bunda no chão com força. Talvez eu

tenha quebrado o cóccix. O olhar dela foi suficiente para eu fazer xixi

nas calças, mas, por algum motivo estranho, mantive minha bexiga sob

controle. Parece que aqueles exercícios de Kegel não foram tão inúteis,

afinal.

Ainda com a bunda no chão, levantei minhas mãos.

– Por favor, não me mate. Não estou aqui para machucar você – eu

disse rapidamente. – Você tem um olhar sério, sabia? Hum… escute.

Meu amigo está morrendo. Você pode ajudá-lo?


A giganta olhou para Valen, mas eu não consegui ler suas

expressões. Ela ainda tinha um olhar sério.

Decidi tentar outra abordagem.

– Meu nome é Leana. Qual é o seu nome?

As feições da giganta pareceram se suavizar um pouco.

– Catelyn.

Estremeci com a ferocidade de sua voz.

– Prazer em conhecer, Catelyn – Esperei e então disse: – O nome do

meu amigo é Valen. Aquela vadia malvada que fez isso com você o

machucou também. Ele está morrendo. E acho que você pode ajudá-lo.

Catelyn olhou para as mãos como se não pudesse acreditar que

pertenciam a ela.

– Eu não quero ser assim. Quero voltar a ser eu mesma – Seus olhos

encontraram os meus. – Você pode me trazer de volta?

Ah, droga.

– Não tenho certeza. Mas prometo que farei o que for preciso para

trazer você de volta. Para a Catelyn humana – Eu não tinha certeza se

ela poderia se transformar em humano de novo. Eu tinha visto Valen

fazer isso, então talvez ela pudesse. Talvez ela só precisasse de

treinamento.

Catelyn balançou a cabeça, com lágrimas escorrendo pelo rosto.

Olhei para Valen. Seus olhos ainda estavam fechados, mas, de alguma

forma, ele parecia pior, como se estivesse emagrecendo.

– Por favor – Eu me levantei e a encarei. – Você me viu amarrada

naquela cadeira. Eu sei que você sabe que eu não tive nada a ver com

isso. Eu tentei impedir tudo isso. Não quero que mais pessoas morram.

E, neste momento, você é a única pessoa que talvez possa salvá-lo. Por

favor, Catelyn. Você ajudará meu amigo? – Ok, agora eu estava

realmente chorando. Minha voz estava embargada pelas emoções.

Catelyn me encarou com os olhos cheios de lágrimas e disse:

– Tudo bem.

Enxuguei minhas lágrimas e corri até Valen, tentando não me

desesperar com a aparência frágil dele.

– O que eu faço? – perguntou Catelyn, enquanto se levantava e se

posicionava sobre Valen.


– Acho que você precisa tocá-lo – eu disse, esperando estar certa. –

Se você puder colocar as mãos sobre ele um pouco, acho que vai

funcionar – Que Deus ajude que eu esteja certa.

Catelyn fez o que pedi e se ajoelhou ao lado de Valen, que parecia

minúsculo em comparação a ela. Ela colocou as mãos gentilmente sobre

o peito dele e seus olhos o percorreram. Vi confusão em seu olhar, mas

também vi uma centelha de preocupação por Valen.

Após aproximadamente um minuto, eu aguardava ansiosamente por

qualquer sinal. Talvez faíscas. Que ele abrisse os olhos. Mas depois de

dois minutos sem nada, percebi que eu estava errada. Catelyn não

poderia salvá-lo. Ninguém poderia.

Meus olhos arderam e eu balancei a cabeça, com o medo formando

um nó em meu estômago.

– Não é o que…

A pele de Valen começou a brilhar, primeiro suavemente e depois

com mais intensidade.

– Veja! Está funcionando! Catelyn, você conseguiu!

Catelyn estremeceu, pois o que quer que ela estivesse fazendo

também a surpreendeu. A giganta tinha um olhar determinado no rosto

agora, enquanto mantinha as mãos no peito de Valen. Ela queria salvá-

lo. Mesmo depois do que lhe foi feito, ela ainda queria ajudar. Uau. Ela

era minha heroína.

A pele de Valen passou de pálida para sua cor natural dourada e

saudável. As veias que cobriam seu rosto desapareceram, deixando sua

pele macia.

Estudei seu rosto.

– Valen?

Os olhos de Valen se abriram.

– Estou bem – Ele olhou para Catelyn e sorriu. – Obrigado.

A giganta corou e afastou as mãos, percebendo que estava tocando

um homem muito bonito e muito nu.

Coloquei minha mão em seu ombro.

– Obrigada. Você salvou a vida dele.

Catelyn olhou para mim, com seus olhos tristes. Seus lábios se

entreabriram, mas ela acenou com a cabeça, parecendo incapaz de

formular palavras.
Senti um aperto em meu coração.

– Valen – eu disse, olhando para ele. – Esta é Catelyn. Ela foi criada

com seu sangue. Droga, isso parece tão estranho. Hum, ouça. Isso

significa que ela pode voltar para sua versão menor? Da mesma forma

que você? – Eu sabia que se ela voltasse ao seu corpo original, ao seu

tamanho humano, talvez não fosse tão assustador. Ainda assustador, mas

controlável.

Valen se apoiou nos cotovelos, soltando um pequeno gemido ao

expirar.

– Catelyn. Tudo o que você precisa fazer é se acalmar. Respire

fundo. Pense em você antes da transformação. Mantenha essa imagem e

deixe que a mudança se desfaça sozinha. Tente fazer isso agora. Você

consegue.

Eu não sabia se conseguiria ficar calma depois de uma provação

dessas. Seria necessário um sério autocontrole.

– Vou tentar – disse a giganta, eu fiquei realmente impressionada

com a força interior dessa mulher. Eu achava que era durona, mas ela era

ainda mais durona.

Observei enquanto ela fechava os olhos, aparentemente em um

estado meditativo. E então, assim como eu tinha visto Valen se

transformar várias vezes, com um lampejo de luz, o corpo de Catelyn se

encolheu, ficando cada vez menor, até que ela tivesse quase a minha

altura e tamanho.

Ela conseguiu.

– Você pode abrir os olhos agora – eu disse a ela.

Os olhos de Catelyn se abriram. Eles estavam vermelhos de tanto

chorar e seu rosto estava corado. Ela parecia ter mais ou menos a minha

idade, talvez alguns anos a mais. Ela levantou as mãos lentamente para

vê-las, virando-as enquanto as inspecionava. Ela olhou para baixo, para

si mesma e depois para mim. Ela abriu a boca para falar, mas seus olhos

transbordaram de lágrimas. Levou alguns segundos para que ela

conseguisse falar:

– Sou eu. Não consigo acreditar.

– E muito nua – Eu ri e corri até um dos bruxos cientistas mortos.

Arranquei um jaleco branco e o dei a Catelyn para que ela pudesse se

cobrir.
– Obrigada – disse ela, envolvendo os braços em torno de si mesma,

com os olhos arregalados e ansiosos.

– Sei que você deve ter muitas perguntas – comecei.

– Eu tenho – disse ela. – Tudo isso… tudo isso é real. É muita coisa

para processar.

– É sim, Catelyn. Acho que é melhor você ficar conosco por um

tempo. Meus amigos e eu moramos em um hotel muito bom. Lá você

estará segura. E terá pessoas amigas com quem conversar. Para orientar

você e explicar o que aconteceu. Você tem família?

Ela acenou com a cabeça.

– Tenho.

– Certo, então ligue para eles – Entreguei a ela meu celular. – Diga

que você está bem e que vai ficar com alguns amigos por um tempo.

– Será que vou vê-los novamente? – O lábio inferior de Catelyn

tremeu, e senti um aperto no coração.

– Você poderá vê-los… assim que conseguir controlar sua menina

grande – Eu não sabia como dizer isso.

Os olhos de Catelyn se iluminaram. Ela pegou o celular e se afastou

para ter um pouco de privacidade.

O som de uma respiração pesada me fez virar. Valen estava deitado

de costas novamente. Ele virou a cabeça e olhou para mim.

– Acho que ela vai ficar bem.

Acenei com a cabeça.

– Sim, eu também acho – Por mais estranho que pareça, isso soou

verdadeiro. Me ajoelhei ao lado dele. – Ela vai precisar da sua ajuda para

explicar todas essas – Acenei com as mãos em volta do corpo dele –

Coisas de gigante.

– Ela terá.

– Você está com frio? – perguntei, passando os olhos por ele, e

nossos olhos se encontraram.

– Não –Valen deu um dos seus sorrisos sensuais. Ele estava mais

bonito do que nunca, nu, claro, e com o cabelo escuro e espesso jogado

para trás. Mas ele parecia bem.

E o homem ainda estava nu. Mas eu gostava dele nu. Ele arrasava,

nu. Ainda assim, eu precisava encontrar algo para cobri-lo antes que os

outros chegassem.
– Só um segundo.

Levantei-me com um pequeno gemido, minhas coxas e os joelhos

protestaram. Mesmo assim, atravessei a sala sem cair. Eu estava cansada

e ainda sangrava devido alguns dos ferimentos que aqueles vampiros me

causaram. Eu teria que ver Polly mais tarde para que ela pudesse me

curar. Mas Valen primeiro.

Encontrando o que precisava, arranquei outro jaleco de um cientista

bruxo morto, um pouco bruscamente demais, pois sua cabeça bateu no

chão duro de cimento, mas o cara estava morto mesmo.

– Aqui está – Ajoelhei-me novamente ao lado de Valen e coloquei o

jaleco sobre ele. Obviamente, o jaleco era muito pequeno, mas cobria as

partes importantes e enormes.

Seus lábios se curvaram em um sorriso.

– Beije-me.

– O quê? – Senti um calor no peito e virei a cabeça para ver se

Catelyn tinha ouvido, mas ela estava ocupada falando com alguém no

meu celular.

– Venha aqui e me beije.

Virei minha cabeça para encará-lo. Ele me olhava com expectativa e

confiança, como se já soubesse que eu estava na dele. Era errado eu estar

excitada?

Meu coração pulsava freneticamente, inclinei-me, fixei meus olhos

nos dele por um instante, e então aproximei meus lábios dos seus.

Eu estava esperando um beijo suave. Mas não foi isso que recebi.

As mãos de Valen envolveram minhas costas e meu pescoço,

puxando-me mais para baixo, mais para perto, enquanto ele esmagava

seus lábios nos meus.

Seu beijo foi diferente dessa vez. Cauteloso. Mas foi intenso,

enquanto era tomado pelas emoções. Minha respiração acelerou quando

ele introduziu a língua em minha boca, e um impulso de desejo foi

direto para o meu âmago. O calor de sua boca, de sua língua, era um tipo

de tortura.

Soltei um pequeno suspiro, e ele gemeu. Suas mãos ásperas e

calejadas entraram por baixo da minha camisa e passaram pelas minhas

costas, descendo até a cintura.


Eu não queria parar de beijá-lo. Era uma sensação muito boa,

inebriante. Mas este não era o lugar para um beijo tão sensual.

Eu me afastei, sem fôlego. Ondas de desejo pulsavam em mim

enquanto eu me apoiava em meus joelhos.

– Um cara que esteve tão perto da morte não deveria ser capaz de

beijar assim.

– Não consigo me conter – disse ele com voz rouca. Ele deu uma

piscadela e acrescentou: – Especialmente com você. Eu só quero

continuar beijando você.

Ok, isso fez um bem danado ao meu ego. O modo como ele me

encarava desencadeou diversas sensações nas minhas partes íntimas.

O som de passos correndo me fez dar meia-volta.

Jimmy aproximou-se rapidamente, suas pernas esguias

impulsionando-o com rapidez, enquanto seu rosto exibia uma expressão

preocupada.

– Jimmy? – eu disse, surpresa. Logo atrás, surgiram Julian, Elsa e

Jade. A equipe do décimo terceiro andar estava completa.

Jimmy parou. Ele olhou para nós e depois para os caras de jalecos

brancos espalhados entre alguns paranormais mortos.

– Merda. Que diabos aconteceu?

– Longa história.

– Aquela é Adele? – Elsa encarava a bruxa morta. Ela não estava

sorrindo, mas também não parecia incomodada. Ela parecia… curiosa.

– É – respondi.

– O que aconteceu com o pescoço dela? – perguntou Jade ao se

juntar a ela. – Posso ver sua traqueia – Ela tinha uma caneta na mão e

cutucou a bruxa no chão, como se não tivesse certeza que ela estava

realmente morta. Não com um pescoço como aquele.

Meus olhos se voltaram para Catelyn, que tinha desligado o celular e

olhava para meus amigos como se não tivesse certeza se deveria mudar

para sua forma de menina grande e quebrar o pescoço deles também.

– Esses são os amigos que mencionei a você – eu disse a Catelyn.

Esperei que ela fizesse contato visual. – Você pode confiar neles.

Ela acenou com a cabeça, mas ainda os observava com incerteza e

medo. Ela ia precisar de tempo.


– Onde está Bellamy? – Julian olhando para um dos tanques com um

humano flutuando. Vi a raiva tomar conta de seu rosto quando sua

mandíbula se contraiu e as veias em suas têmporas se destacaram.

Dei de ombros.

– Ele foi embora justamente quando as coisas ficaram interessantes –

O desgraçado tinha fugido, mas eu o encontraria. Ele tinha o

conhecimento e a experiência para fazer isso novamente. Ele era

perigoso e teria de lidar com as consequências de suas ações. Ele pode

ter enganado Adele e os outros, submetendo-me apenas a uma parte

daquela injeção paralisante. Mas ele havia me traído e me atraído para

cá sob falsos pretextos que quase mataram Valen. Sim, eu precisava

cuidar dele.

– Aposto que sim – Os olhos de Julian se fixaram em Catelyn. Ele

lhe lançou um sorriso, mas ela não sorriu de volta.

– O Conselho das Sombras deve chegar em breve – disse Jimmy

enquanto olhava pelo depósito. – Este lugar é assustador.

– Nem me fala – respondi.

– Quem é ela? – Jimmy encarava Catelyn, pensando se ela era uma

das mocinhas ou se era aliada de Adele.

– Essa é a Catelyn. Ela é, era, apenas uma humana comum.

– Ela é uma das cobaias humanas – Jimmy olhou de volta para mim.

– Um lobisomem ou uma vampira?

Balancei a cabeça.

– Uma giganta.

A boca de Jimmy se abriu enquanto o resto do grupo dirigiam seus

olhares para Catelyn e para mim.

– É uma longa história – eu disse a eles, sorrindo para seus rostos

chocados. – Tenho muita coisa para contar. Catelyn vai ficar conosco por

um tempo. Precisamos cuidar dela.

– É claro que sim – disse Elsa, dando a Catelyn um de seus sorrisos

maternais. – Nós vamos cuidar de você, Catelyn. Não se preocupe. Você

vai se encaixar perfeitamente com o restante de nós, os excêntricos.

E quando Catelyn lhe devolveu um sorriso fraco, eu soube que ela

ficaria bem.

Soltei um suspiro, com a tensão ainda percorrendo meu corpo. Esta

noite poderia ter sido uma das piores noites de minha vida, mas não foi.
Eu estava viva. Valen estava vivo. E a ameaça, que era Adele, estava

morta. Eu não era idiota. Sabia que isso não tinha acabado. Eu ainda

precisava encontrar esse Darius, mas eu consideraria isso uma vitória

por hoje.

– Você está pronto para ir? Valen?

Quando olhei novamente para baixo, os olhos de Valen estavam

fechados. Ele produzia um suave ronco, exibindo um leve sorriso no

rosto.
Capítulo 27

E u estava no saguão do Twilight Hotel, com uma taça de vinho tinto

na mão enquanto olhava ao redor. O ar cheirava a carne grelhada e

fervilhava de conversas animadas. O tilintar das fichas ecoava das

inúmeras mesas de jogo espalhadas pelo saguão e pelas salas vizinhas.

Espiei pela porta da sala de jantar e vi longas mesas cheias de comida e

todas as bebidas alcoólicas que você pudesse imaginar. Polly estava de

pé atrás da mesa de carnes, com pinças de metal na mão e seu chapéu

branco na cabeça, enquanto servia os hóspedes felizes e famintos.

Eu nunca tinha visto o hotel tão cheio de hóspedes. A ideia de Basil

de realizar uma Semana do Cassino ajudou a revitalizar o hotel.

Ninguém mais falava de demônios. Para onde quer que eu olhasse, via

rostos felizes e sorridentes.

Era a última noite, e parecia que ele tinha se esforçado ao máximo.

– É um número bom de pessoas – Jimmy veio se juntar a mim,

parecendo elegante em um terno cinza-escuro de três peças, com o

cabelo penteado para o lado estilo anos 50. Ele parecia um mafioso

clássico daquela época.

– Bom mesmo. É ótimo para o hotel. Para nós. Afinal, não

perderemos nossas casas – Embora tivéssemos impedido Adele de

destruir o hotel, parte de mim temia que a falta de hóspedes pudesse

prejudicar a reputação do hotel, forçando-nos a procurar um novo local

para morar. Agora parecia que ficaríamos bem por muitos anos.

– O movimento vai diminuir depois disso – disse Jimmy, acenando

para um casal de vampiros que passava por nós. – Mas será melhor do
que era. Eu ofereci a Basil algumas ideias para o próximo tema.

Levantei uma sobrancelha.

– O próximo tema?

– Sim, estamos considerando tornar isso uma atividade regular,

mensal ou bimestral, para manter a satisfação dos hóspedes e atrair

novos clientes.

– Gostei disso. Um tema diferente a cada dois meses? – Eu estava

curiosa. – Qual é o próximo tema que vocês planejam?

– Rock and roll – disse o gerente assistente sorridente. – Vai ser

incrível. Você vai ver.

Eu sorri.

– Não tenho dúvidas – Eu o estudei por um momento, sentindo a

energia de sua essência sobrenatural. – Sabe, você nunca me disse que

tipo de metamorfo você é.

Jimmy deu uma risadinha e ajustou as mangas do terno.

– É verdade – Ele se virou e, quando piscou, seus olhos brilharam

em uma cor dourada. Ele piscou novamente e seus olhos voltaram à cor

azul normal. – Uma raposa.

– É por isso que a maldição de Auria transformou você em um cão

de brinquedo? As raposas são da família dos caninos.

Jimmy soltou um longo suspiro.

– Não faço ideia, talvez. Ou essa era apenas sua maneira doentia e

perversa de me fazer sofrer. Fazer com que eu me sentisse inútil, um

tolo.

– Você nunca foi inútil. E definitivamente, não é um tolo também –

Fiquei olhando para seu rosto bonito. O fato de ele andar

sorrateiramente pelo hotel, e conhecer todos os cantos, era

definitivamente atribuído a seu jeito de raposa. Ele era astuto como uma

raposa. – Então, quantos anos você tem?

– O quê? – Jimmy riu. – Noventa e oito.

– Bem, droga. Você é muito atraente para um avô.

Soltei uma gargalhada que não consegui conter, e então Jimmy se

juntou a mim. Quando começamos, foi como se um interruptor tivesse

sido ligado. Não conseguíamos parar de rir até que lágrimas escorressem

por nossos rostos.

– Ei, pessoal. Qual é a graça?


Limpei os olhos e olhei por cima do ombro de Jimmy para ver Jade

se juntando a nós. Seu cabelo loiro estava tingido de rosa. Ela usava um

chapéu preto vintage, um cachecol floral rosa e vermelho, um blazer

retrô preto comprido e um colete floral sobre uma blusa branca. Ela

completou o visual com pulseiras e broches cor-de-rosa.

Dava a impressão de que ela estava buscando criar um toque ao

estilo do filme A Garota de Rosa-Shocking. Eu adorei.

– Esse Jimmy parece mais novo do que nós, mas o fato é que ele é

um velho.

Jade dirigiu um olhar para nós. Ela abriu a boca para dizer algo,

pareceu pensar melhor e virou a cabeça.

– O Basil se saiu bem. Não foi?

– Nós percebemos – eu disse. – Elsa está com você?

Jade apontou para a área das máquinas caça-níqueis.

– Está com Catelyn. Ela está se saindo muito bem para uma humana.

Quero dizer, ela só deu alguns gritos de pânico. Dois ontem à noite e um

hoje de manhã. Isso é incrível para uma humana.

Olhei para a humana, que agora era uma giganta. O rosto de Catelyn

estava tenso. Ela parecia a nova aluna da escola, parte aterrorizada, parte

empolgada, enquanto ouvia atentamente o que Elsa lhe dizia. A bruxa

parecia positivamente entusiasmada com o fato de alguém estar

descobrindo sua sabedoria.

As duas mulheres tinham taças de vinho nas mãos, embora a de

Catelyn estivesse vazia. Eu sentia pena dela e estava feliz por Elsa ter lhe

dado o quarto vago em seu apartamento por enquanto. Elsa era

exatamente o tipo de figura maternal, tolerante e carinhosa de que

Catelyn precisava no momento. Além disso, precisávamos ficar de olho

nela. Não tínhamos certeza se ela enlouqueceria como as outras cobaias

humanas que eu havia encontrado. Ou pior, morrer de repente. Até

agora, ela não estava mostrando nenhum sinal de loucura. E ainda estava

viva. Graças a Deusa. Talvez o sangue dos gigante fosse diferente. Talvez

Adele tivesse descoberto o elo que faltava para a transferência, como ela

havia dito. Talvez, apenas talvez, Catelyn sobrevivesse a isso.

– Você está pronta? – Jimmy estendeu a mão para Jade.

Meus lábios se abriram de surpresa quando olhei para Jade, cujo

rosto ficou cor de beterraba. – Vocês dois…


Jimmy sorriu orgulhoso ao pegar a mão de Jade e colocá-la em seu

braço.

– Nossa noite de encontro.

– Noite de encontro – repeti. Meu coração disparou ao ver Jimmy e

Jade se afastando. Os dois eram absolutamente perfeitos um para o

outro. Ri quando Jade olhou por cima do ombro e me deu um sinal de

positivo com o polegar.

Eu estava de tão bom humor depois disso, que precisava manter as

boas vibrações. Então, quando meus olhos encontraram Errol me

olhando com um olhar de desdém do outro lado do saguão, eu sabia que

tinha que ir cumprimentá-lo.

Me inclinei sobre a recepção de pedra reluzente.

– Você tem alguma mensagem para mim? – Eu havia espalhado a

notícia de que estava procurando Bellamy, mas, até agora, nada havia

aparecido. No início da manhã, eu havia pegado um táxi para o

apartamento elegante dele na East 34th Street, 499, com vista para o

East River, e o encontrei saqueado sem nenhum cientista bruxo. Quando

verifiquei sua conta bancária, com a ajuda das habilidades de hacker de

Jimmy, ela havia sido esvaziada no dia anterior. Parecia que Bellamy

estava fugindo.

Errol parecia querer cuspir em meu rosto. Ele se abaixou, tirou um

cartão de mensagem e o jogou em mim.

Se eu não tivesse esperado, ela teria me atingido em cheio. Mas eu

conhecia o pequeno lagarto bastardo bem o suficiente para prever o que

ele estava prestes a fazer. Ele era convenientemente previsível.

Peguei o cartão.

– Cuidado, Errol. Coisas como essa vão colocar você em apuros.

Problemas com baldes cheios de baratas, talvez.

Errol me olhou com raiva.

– Eu odeio você.

– O sentimento é mútuo, lagarto.

Olhei para o cartão.

Pare de me procurar. Você nunca vai me encontrar. Sinto muito pelo que

fiz a você, mas não tive outra escolha. Bellamy


– Eu não vou parar – Enfiei o cartão com a mensagem no bolso da

calça jeans, vendo Julian jogando cartas com as gêmeas de dez anos do

décimo terceiro andar, elas usavam vestidos idênticos de princesa azul

brilhante. Tilly e Tracy eram os nomes das gêmeas, embora eu não

conseguisse distingui-las. Julian não parava de olhar para a mulher

bonita que estava sobre as meninas, a mãe delas, Cassandra, acho que

era o nome dela. Mas ela estava completamente indiferente à atenção

dele. Parecia que ela estava ignorando-o. Isso foi interessante. Parecia

que Julian tinha um trabalho difícil de sedução a fazer.

Suspirei e bebi o último gole de vinho. De forma alguma eu deixaria

de procurar Bellamy. Ele tinha que pagar pelo que fez, e eu o

encontraria. Não descansaria enquanto não o encontrasse.

Os oficiais do Conselho das Sombras apareceram alguns minutos

depois dos meus amigos. Novamente, eles empacotaram tudo e levaram

embora, sem deixar um único pedaço de papel. Nada. Mas eu havia

tirado fotos suficientes e roubado alguns arquivos para me manter

ocupada. Eu ainda estava construindo um caso contra esse tal de Darius.

Se Adele estava seguindo suas ordens, talvez ele fosse ainda mais

doentio e perigoso do que ela. Eu tinha que encontrá-lo. O Conselho das

Sombras estava corrompido, e eu tinha que acabar com essa bagunça. E

começaria com Darius.

– Você está linda esta noite.

Meu coração disparou ao ouvir aquela voz grossa e profunda. Me

virei para encontrar Valen parado ali, todo másculo, sexy, parecendo um

homem-fera. Uma jaqueta de couro marrom caía sobre seus ombros

robustos, complementando uma camisa preta justa e calças jeans

igualmente justas. Uma brisa de colônia almiscarada e especiarias

inundou meu nariz, deixando minha pele com pequenos arrepios. Só o

cheiro dele já me excitava. Sim, meus hormônios ainda estavam fora de

controle.

Caramba, ele era bonito. No entanto, apesar do seu cheiro agradável,

ele ainda exibia olheiras. Ele não estava totalmente recuperado.

– Você também está muito bem para um homem que quase morreu

há algumas horas. Você não deveria estar descansando?

Seus olhos escuros brilharam intensamente.


– Não – Seus olhos se voltaram para Catelyn. – Como ela está se

saindo?

Soltei um suspiro.

– Melhor do que o esperado. Muito bem, na verdade. Ela continua

bem de saúde também. Ela sabe que deve nos avisar caso se sinta mal…

pior do que quando se transforma em um gigante.

– Conversei com Polly e, entre nós, começaremos a dar a Catelyn um

tônico especial semanal. Tipo uma bebida energética, para mantê-la o

mais saudável possível.

– Essa é uma ótima ideia.

Valen deu de ombros.

– Quem sabe. Talvez ela viva mais do que nós.

Assenti com a cabeça, sabendo que os gigantes tinham habilidades

inerentes de cura. Talvez esse fosse o ingrediente secreto para permitir

que os humanos se transformassem em paranormais para sempre, sem

ter que se preocupar com o tempo se esgotando.

Meus olhos percorreram seus ombros largos e desceram pelo peito.

Valen me viu olhando e me deu um sorriso presunçoso, do tipo que

fazia minhas partes baixas vibrarem. Seus olhos escuros se fixaram em

mim e vi um lampejo de desejo neles.

Ele pegou minha mão e, quando dei por mim, o gigante estava me

puxando da recepção para o escritório de Basil.

Valen fechou a porta e me empurrou contra a parede.

Minha pulsação latejava.

– O que você está fazendo? Este é o escritório de Basil.

Puxa vida. Ele me queria aqui! Não que eu estivesse reclamando,

mas sempre imaginei fazer sexo com Valen na casa dele, em sua cama

confortável e em particular. Mas eu podia ser espontânea.

Espontaneidade era meu sobrenome.

Seu corpo musculoso foi pressionado contra o meu.

– Você está tão sexy hoje. Você me deixa louco.

Engoli em seco.

– Eu tento.

Valen rosnou e colocou seus lábios sobre os meus. Sua língua entrou

em minha boca e senti meus joelhos fraquejarem. Minha pulsação

acelerou quando suas mãos deslizaram por baixo da minha camisa e


agarraram meus seios. Seguindo seu exemplo, deslizei minhas mãos por

baixo de sua camisa, sentindo os músculos quentes e fortes de suas

costas, que eram um contraste gritante com sua pele fria da noite

passada.

Seus dedos encontraram habilmente o fecho do sutiã e o soltaram,

deixando as meninas livres. Gemi quando ele as segurou, minha pele se

arrepiou com os calos ásperos de suas mãos.

Arranhei suas costas com minhas unhas, e ele gemeu novamente, ou

talvez tenha sido eu?

Afastei minha boca.

– Vamos fazer isso agora? Aqui?

Os olhos de Valen se voltaram para os meus.

– Podemos parar se você quiser. É isso que você quer?

– Claro que não – Minhas partes íntimas estavam latejando.

Valen riu e abaixou a cabeça. Sua boca encontrou meu pescoço e ele

deu pequenos beijos, provocando com a língua.

Estremeci quando minhas mãos encontraram seu cinto e o puxei

com força, abrindo o botão superior de sua calça. O botão caiu. Talvez

eu tenha puxado com um pouco de força demais. Culpa dos hormônios

alucinados.

Valen riu novamente e, quando dei por mim, ele havia me agarrado

com seus braços fortes e me arrastado até a mesa de Basil. Papéis,

objetos de recordação e canecas voaram quando o gigante me colocou

sobre ela.

– Basil vai nos matar – murmurei entre beijos.

– Ele pode tentar – disse o gigante, com as mãos em meus seios

novamente. Ele se colocou bem no meio de minhas pernas e senti como

ele estava duro. Sim. Nós íamos fazer isso no escritório de Basil!

Eu estava tonta de desejo e emoções. E o fato de não fazer sexo há

muito tempo estava me deixando louca.

Afastei minha boca por um segundo.

– Faz muito tempo para mim – eu disse, sabendo que ele

provavelmente era um destruidor de vaginas pelo que eu tinha ouvido.

– Ótimo – disse o gigante, pegando meu cinto.

– Podem ser teias de aranha lá embaixo – eu disse.


Valen soltou outra risada. Mas quando ele olhou para mim, tudo o

que vi em seus olhos foi desejo e uma vulnerabilidade que apertou meu

coração.

Senti-me um pouco envergonhada por minha habilidade abaixo da

média no quarto. Martin era mais um amante do tipo vapt e vupt. Não

dá nem para chamar isso de amante. Era mais uma transa egoísta e

unilateral.

– O que, em nome da deusa, está acontecendo aqui?

Olhei por trás do ombro de Valen e vi Basil parado na porta. Ele

colocou os óculos no nariz, como se isso pudesse ajudá-lo a interpretar a

cena em seu escritório.

Ops. Mordi minha língua para não cair na gargalhada. Pobre Basil.

Ele realmente parecia estar no inferno.

Valen soltou um sorriso sombrio enquanto se afastava lentamente de

mim.

– Você precisa da sua mesa?

O rosto de Basil ficou corado, seus olhos se moviam para todos os

lados, menos para minha camisa e sutiã abertos. Olhei para Valen e

sorri.

– Tem alguém procurando por você – disse Basil, olhando para o

teto. Ele segurava um cinzeiro. Isso era estranho. Pelo que eu sabia, o

bruxinho não fumava.

– Por mim? – perguntou Valen.

– Não, Leana – disse o gerente do hotel. – Vou esperar lá fora – Basil

tropeçou em sua própria cadeira, se segurou antes de cair e saiu

correndo de seu escritório.

– Vou com você. Preciso de um minuto – disse Valen enquanto

ajustava a calça.

– Quem será que é? – Fechei meu sutiã e prendi meu cabelo em um

rabo de cavalo bagunçado. Fiquei um pouco irritada por Basil ter

interrompido o que poderia ter sido o melhor sexo da minha vida, mas,

de certa forma, achei que foi melhor assim. É melhor ter essa

experiência em outro lugar e em particular.

Me virei na porta.

– Vejo você mais tarde.

Valen sorriu, com o desejo ainda em seus olhos.


– Conte com isso.

Uhu! Então estava marcado!

Eu sorria, como se estivesse em um sonho, sentindo que as coisas

finalmente estavam melhorando na esfera dos relacionamentos, enquanto

deixava o escritório de Basil. Fechei a porta e me juntei a ele perto da

recepção. A princípio, achei que Bellamy poderia estar se entregando,

como qualquer patife deveria fazer. Mas não era ele. E não era ninguém

que eu reconhecesse.

Três indivíduos acompanhavam Basil. Dois deles estavam vestidos

com roupas cinzentas e expressões severas que poderiam assustar

criancinhas. O terceiro usava um terno preto feito da mais fina seda.

Todos eles me encaravam quando me aproximei.

Eu não me lembrava de ter visto esses caras antes. Talvez eles

fossem me contratar para um serviço. Meu coração ainda batia forte no

peito devido aos beijos e do toque de Valen.

– Você está procurando por mim? – Eu me posicionei diante deles,

cruzando os braços. Senti uma mistura de pinheiro, enxofre e vinagre, o

cheiro de bruxas brancas e das trevas. Ok, agora eu estava realmente

curiosa. Por que uma bruxa das trevas procuraria meus serviços?

O bruxo que usava terno franziu a testa diante da minha atitude, seus

olhos claros me avaliaram enquanto ele dava uma tragada em seu

cigarro. Basil estendeu o cinzeiro, tentando pegar as cinzas quando elas

caíam, mas não conseguiu. Isso explica o cinzeiro.

Os olhos do engravatado brilhavam demais, demonstrando uma

inteligência que me incomodava. Eles percorreram meu corpo,

demorando-se em meu pescoço, onde provavelmente havia um chupão.

Resistindo à tentação, evitei colocar minha mão ali.

Por falar nesse chupão, o ruído de uma porta se fechando fez com

que eu virasse a cabeça, e observei Valen se aproximando de nós, sem

nenhum sinal de desconforto em suas calças. Ele me viu olhando e deu

uma piscadela, provocando um pico de desejo em meu âmago.

Mordi os lábios e voltei minha atenção para os três bruxos.

– Leana Fairchild? – perguntou o homem de terno escuro. A luz

amarela suave do saguão do hotel brilhava em seu cabelo escuro e liso.

– Sim.
– Eu sou Clive Vespertine, o investigador do Conselho das Sombras

– disse o bruxo. Sua voz assumiu um tom mais leve, quase sarcástico, e

isso provocou uma reação em mim.

– Certo. É bom saber – Droga. Eu tinha me esquecido totalmente da

investigação com tudo o que tinha acontecido. – Como posso ajudar

vocês, senhores? – Eu não tinha certeza se gostava da maneira como eles

me encaravam, como se eu tivesse feito algo errado.

Clive deu um passo à frente e sorriu.

– Você está presa pelo assassinato de Adele Vandenberg.

Droga, isso foi inesperado.


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Sobre A Autora

KIM RICHARDSON é uma autora best-seller do USA Today de fantasia urbana, fantasia e

livros para jovens adultos. Ela mora no leste do Canadá com o marido, dois cachorros e um gato

velhinho. Os livros de Kim estão disponíveis em edições impressas e as traduções estão

disponíveis em mais de sete idiomas.

Para saber mais sobre a autora, acesse:

www. kimrichardsonbooks.com

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