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REITOR
Alfredo Júlio Fernandes Neto
CONSELHO EDITORIAL
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Maria Clara Tomaz Machado
ED FU
Editora da Universidade Federal de Uberlândia
Av.João Naves de Ávila, 2121 - Campus Santa Mônica - Bloco A - Sala IA-OI
Cep 38408-100 - Uberlândia - Minas Gerais
Te!: (34) 3239-4293
www.edufu.ufu.br c-rnail: Iivraria@ufu.br
Adilson Floren tin o
N arciso Telles
organizadores
ED FU
2009
ED fU
Editora da Universid ade Federal de Uberl ândia
Inclu i bibliograiia.
ISBN 978-85-7078- 190-1
C DU: 792
7 A PRESENT AÇ AO
95 I MPRO VISAÇ ÃO: DA ESPONTANEIDAD E ROMÂNT ICA AO "M OMENTO PRESEN'[ E"
Gilberto Id e
201 T EATRO, JOGO E BRINCADEIRA: UMA PROPOSTA DE REE LAIIO RAÇAo DO CAVA LO- MARIN H O
EM PROCEDI :--I EN T O S PEDAGÓGI COS PARA O ATOR
Mariana Oliveira
Mona lHagalhães
Na rciso Telles
Renan Tavares
APRESENTAÇÃO
7
A reunião de vinte e nove textos pretende oferecer ao estudante de Teatro
e ao leitor de uma maneira geral a utilização de um caleidoscópio para o q1ll 1 " I'
fluem diferentes teorias e práticas que têm como foco de análise o teatro , j I , u.i.:
nuances e matizes. Todavia, a policromia que envolve a questão teatral não constrtui
a garantia de um brilho suave e harmonioso, mas a efusão de um brilho incandes-
cente a deixar na margem a solidão das cores monocromáticas. Oueremov r-ocar
que as tensões e contradições colocadas pela questão teatral emergem no conjunto
dos textos como um modo de situar o teatro como um campo de conhecimento
perspectivado pelas lutas e disputas paradigmáticas. E no leitor o efeito deve ser o
de exercitar a reflexividade e a criticidade, sem perder o entusiasmo e a paixão pelo
teatro.
Os organi71ilcirt·\
8
A PROBLEMATICIDADE EPISTEMOLÓGICA DO SABER TEATRAL
Adilson Florentino
9
dade existente em cada um desses momentos; o que preocupa não é a quantidade' de'
investigações realizadas, mas, sobretudo, saber como é considerado o teatro (()IIl()
I KHUN, Thomas. La estructura de las revoluciones cientificas. 2. ed. Madrid: Fondo de Cultura
10 ADILSON hOfU'.NTINO
As concepçõ es podem funci onar como paradigmas, isto é, como mar co s in -
terpretativos assumido s pelo pesquisador e podem produ zir teoria s so h re ,1 r ll !l U ! )
teatral, o discurso e a prática teatrais. Com o pre ssupostos de in vcst i ~ 'A " I () '; ' ll l l
cepções funcionam co m o uma antecipação daquilo que se deseja cons cguir l ' OI i " I I I , \
a observação do fen õmeno teatral na perspectiva daquilo qu e adquire um scnt ;dl) no
interior de uma específica perspectiva.
Um ponto cur ios o dessa que stão é que a perspectiva teatral, mu itas \' ('Zf'S ,
n ão se encontra explicitada no exercício da inv estigação e, contraditoriamcnrr-, de la
depende o sen tido do que é afirmado e ne gado sobre o t eatro. Talvez, por isso, cada
concepção redefine o campo de conhecimento do teatro, produz no vo s \ ' . d ~ )) , ' S e
reformula os já exist entes.
Cada concepção sobre o teatro deve exi gir rigor ló gico e significação, () rigor
lógico se define com o uma das características defendidas com exclusividade ( '111 111iJ , ]
dada concepção e, ao mesmo tempo, determina um modo distint o (k L11 1, l i ' ! , I . :
teatro como objeto d e conhecimento. Por sua vez, a sign ificação se define co mo
a cap acidade qu e tem a representação do co nhecim ento teatral, resultante llc uma
ló gica, de organiz ar hi storicamente a produ ção desse co n hecimento. A siglJiJ iL',lção
possibil ita identificar a tendência do conh ecim ento teatral d e um a determ inada pes-
quisa, de um livro so b re o teatro o u até m esmo de uma prática teatral con creta. O
fato de serem incluídos em uma tendência pressupõe a defesa de uma determ i nada
concepção de teatro co mo objeto de conhecimento.
C ada tendên cia tem um mar co referen cial que permite uma respo sta específica
às qu estões de análise das investigações teatrais. Precisam ente por isso, plll!C <; 'ii' t'r
que tudo o que afeta o tema de estu d o (do teatro), desde qu e não contr.id ip..; , i l-Lv,
resp ostas, cabe no território de uma dada tendência. Por est a razão, as tend ências n ào
se definem nem por um método nem por um a co ncepção de ciência, !l l.' : ~ ; ' ' '1'
filo sofia de vida. N un13 tendência, cabem todos esse s eleme nt os , des.l. ', I' . i.u .
compatíveis com o marco refer enci al estabelecido. O que há de variar em C.1J .1 .u u Jus
elemen to s acima descritos são as finalidades qu e defendem so b re o te.it r, "
O teatro é um cam po ampl o e profundo para investi gar ; sua riq w / 1 -. "il ' i
ções, te oria s, práticas e processos form am parte de um material qu e pl'r n' I!' ' ;", la'
di stintas invest igaçõ es. Junto de sse material enco ntramos a co m plexidad e ( 1 1)': ff'..
nômenos teatrais qu e só podem ser capt ados mediante investi gaçõ es 1"1,' ." " 1
algumas persp ecti vas e, desse modo, o es tudo heurísti co do teatro P OS:"IL11i l.l u n ia
ampla variedade de modos de inve stigação.
Não existe acordo na classificação dos métodos e variações de C:H1 1 )l - , in ';t
investi gação no campo teatral. O método pode ser colocad o a serviço de \ ariad os l i-
pos de ob jetivos, no s ma is diferentes ramos do saber e, no se u interior, co :u '.!;'; c rsas
persp ecti vas e caracte rísticas. As diferen ças ent re os m ét odo s de invest .i ga çâo não
radi cam no fato de qu e podem ser co nc ebidos co mo "ias alt ernativas para alcan çar o
me sm o fim ou re sp onder de man eir a diferente a me sma pergunta o u quest ão . ( ) qu e
distin gu e radi calment e os mét odos entre si nã o são o s procediment os q\ll: apl icam .
mas sim , fundam entalmente, o tip o de quest ões que pretendem ou p O J l' !11 re« .lvcr.
assim como pres supostos e postulados bá sico s que determinam e es\',. ific,illl os
critérios de evidência e a interpret ação das resp ostas obtidas.
A diversidade m etodoló gica da in vestigação teatral re sponde à existê ncia de
2 GUINSBURG, Jaco; C O ELH O NETO, J. Teixeira; C ARDO SO, Ren i C haves. Semiologia
do teatro , 2. ed. São Paulo: Perspecti va, 2003. 380 p.
.i MARINIS, Marco. C omp rem/a el teatro: cl lineam icnt os de una nueva teatr olo gía. Buenos Aire s:
Galerna, 1997. 287 p.; UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2006 . 202 p.
J MARINIS, 1997; PAVrS, Patrice. A análise dos espetácu los. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
323 p.
; FEYERABEND, Paul. C on tra o método. 2. ed. Lisboa: Relógio D'Água, 1997 .364 p.; KHUN,
1995; LAKATOS, Imr e. Historia de las cten cias )' 5/(S reconstruciones racionales, 2. ed. Madrid:
Teenos, 1987. 188 p.; POPPER, Karl. A lógica da pesqu isa científica. 2. ed. São Paulo : Cultrix,
1980.256 p.; UBERSFELD, 200 6.
(, ADORNO, Th eod or. Tem-ia estéti ca. 2. ed. Lisb oa: Edições 70, 2006. 294 p.
12 A Dl lSO rJ h O Kf rJTI NO
verdade não é reflexa de um objeto. Impõe- se ao artista mai s que a exposição de
resultados ou conclusões ao expor o próprio caráter problemático do p en sar l' , ]. ,
conhecer. A verdade da obra de arte não pode ser outra coisa do que a co m unic.i.j.. .
do incomunicável, a manifestação explosiva da consciência oprimida. Para Adorno,
as obras de arte são evidências do inevidente, a compreensão do incompreensível.
pois em nenhum momento cabe à tarefa da filo sofia da art e elucidar o inc ompree n -
sível, senão tratar de ente nd e r a própria incompreensibilidade.
A arte seria capaz, segundo Kanr' de servir de ponte de mediação entre dois eixos
contrapostos: a natureza e a liberdade, entre as funções intelectuais e a atividade moral,
a fim de garant ir uma unidade harmônica no ser humano. A espontaneidade da razão l'
levada ao terreno da sens ibilidade, cobrindo o imenso abismo existente entre ambas.
Schiller", o fundador da educação estética como disciplina, considerava-a como
o fundamento principal da educação humana, como a essência da própria educação :10
entendê-la como media ção entre racionalidade e sensib ilidade. Para Schiller, a arte con x .
titui uma síntese de natureza e liberdade, realid ade e identidade, ent re matéria e forma.
No entanto, Hab ermas? propõe que a experiência est ética não deve ser capa z
de ren ovar as interpretações da s necessidades à luz do que percebem o s do mund o,
pois d everá ser capa z, também, de intervir na articulação co gnitiva da s experiências
norma tivas, transformando o m odo como os discursos est ético, prático-moral e
factual se referem un s aos outros. Habermas optou em co nsiderar a obra de art e
como uma possível função de mediação, sustentando que as experiências estéticas,
as int erpretações co gn iti vas e as re gula çõe s normativas não são independentes entre
si. Isso significa pr essupor qu e os discurso s es té t ico, prático-moral e Iactual não es-
tão se pa rados entre si por um abi smo , mas es tão relaci on ad os de múltiplas forma s.
Toda essa di scu ssão de caráte r filo sófico es tá aqui apresentada para ju stificar
;1. importân cia e o aprofundamento que a qu estão art íst ica e, mais esp ecificament e,
7 KANl Immanuel. Cbseroacion es acerca del sentu n iento de lo bello y de lo sublim e. 2. cd. Madrid:
~ HAB ERM AS, Jürgcn . O di scu rso fi losófico da mo dern idade, São Paulo: M. Fontes, 2002. 540 p.
ic CA RREIRA , And ré e t a]. (O rg.). Metodologias de pesquisa em artes cênicas. Rio de J an eir o: 7
Letras , 2006. 159 p.
14 AD IL ; ON h O KEN T IN O
r
!
REFERÊNCIAS
GUIN SBURG, Jaco; COELHO NETO, J. Teixeira; CARDOSO, Reni Chaves. Sem ;n!o·
gia do teatro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
KHUN, Thomas. La estructura de las revoluciones cientificas. 2. ed. Madrid: Fondo de Cul-
tura Económica, 1995.
LAKATOS, Imre. Historia de las cicncias y sus reconstruciones ractonales. 2. ed. Madrid:
Tecn os, 1987.
PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 2. ed. São Paulo: C ultrix, 1980.
Nosso interesse prin cipal concentrou-se n o exa me da inserção/parti cip ação (j,
I Após os aco nt ecime n tos de maio de 1968, in spirand o-se em Che Gu evara, Ga n i puh li! 1 lê
I;
Armand Gatti e Um dia na vida de uma enfermeira
Augusto Boal
o Teatro-Fórum
Um espe tác ulo de Teatro-Fórum se d ecompõe em três partes: um aqueci-
men to para favor ecer o contato e aproximação de atores e espectadores pr esentes,
seguido da repre sentação da peça den ominada antim odelo e, finalm ente, do fórum
propriamente dito . Pr eliminarmen te à montagem do espetáculo, a troupe deve efe-
tuar u m a pesqu isa de ca m po (caso a opressão se ja exterior aos membro s do grupo ),
ou então ela organiza um estágio de sensib ilização com o grupo implicad o na opres-
são debatida. Após a representação do antim odelo, o Curinga' expõe brevemente
os m ecani smos das ações/ intervençõ es que se seguirão. Passando rapidamente (b
te ori a à pr át ica, ele co nvi da os espectad o res a " invad irem" a cena para se expressar
co m o corpo (assim ilar algumas posturas, co ns t ru ir imagen s a partir d e outras) ,
ma s também para tomar co nsciência da sua profunda mecanização . Est es exercíci os
sim ples dist end em a at mosfe ra e un em o públi co presente. A esse ritu al seg ue-se
a representação do Antimodelo , peça escrita so b um tema úni co, a opressão. Após
a presentaçdo, a troupe propõe-se a reapresentar a peça. Por ém, desta vez, quando
um esp ectador con sid er ar que um dos persona gens comete um erro, favorecendo a
o pressão, ele pod e gritar Stop!, entrar em cen a para subs titu ir a personagem op rimida
e os o ut ros atores irão im provisar co m ele a so lução propost a. Mas, o jogo não é tão
sim ples! Co mo na vida real, se a solução do espectador não é v iáv el, ele perde e é
d evolvid o à plat éia pelo o rg aniz ado r do jo go, o Curinga.
Nossa experiência
Em nossa pesqu isa, para viabilizar o jogo ent re atores e espectadores, foi necessá-
rio invert er um pouco a orde m dos fato s. Tend o em vista que a base do nosso anttmo de-
lo era o texto Um dia na v ida de uma enjen neira, primeirament e fizemo s a presentaçdo
do espetáculo para, so me nte em seguida, aqu ecermos o público pelo viés da técnica do
teat ro-imagem. Em out ras palavras, apenas no final da prim eira presentaçâo, construía-
mos três imagens, que captu ravam e retratavam os momentos mais cruciais da opressão
debatida e exibíamos ao espe ctador. Essas imagen s eram a única ponte ent re a sala e a
cena, o único viés ent re a ficção e o jogo, o motor da entrada do espectador em cena.
O espe ct ador pod eria, se quisesse e quando quisesse, assumir uma ou todas as imagen s,
usand o da palavra ou apenas de gestos, e propor um a solução à opressão de Louise, a
en ferm eira prot agon ista'}.
(, Para saber mais sobre o Teat ro do O primido ver nosso livro Le Tb éâtre de I'Opprimé et la
notion du spectateur-acteur ( G cn êse personne, p ersonllage, personnalité], BEZ ER RA, Anrania Pe-
reira . Le tbéâtre de l 'opprim é et la notion du spectateur-acteur (C enêsc personn e, pers onn age,
personn alité). Lille: AN RT, Pre sses U nivcrsitaires de Lille, 2002. 245 p.
; O Teat ro-Fórum nasce na periferia de Lima, Peru, em 1975, mas evolui na Europa.
x In spirado nas técni cas brecht ianas, este personagem aparece em Arena conta Tiradentes (Tea-
tr o Arena de São Pau lo, 1968) . Numa sessão de Teat ro -Fórum, o Curinga desem penh a o pap el
de med iador do jogo, exege ta e tem um a função m ai êut ica , pedagógica.
9 Para se ter um a idéia mais con cret a e global dos disp ositivos dramatúr gicos e técni cas de jo go
aplicadas ao espetác ulo, ver nosso vídeo so bre ele qu e est á di sp onível n o acervo videográfico da
Escola de Teat ro /PPG AC da UF BA .
I [ C laud c L évi-Stra uss, Michel Lciris, Roger Bast ide c Sigm und F rcud , entre outro s, co nt ribuí-
ciment o tr aumático qu e o libera da rep ress ão à qual estava sub me t ido e que pode se r espon t ânea
ou ma nif esta r-s e no cur so de certo s pr o cessos psicotcr ápico s, por ação deles. p SrC A NALIS E.
In: F ERREI RA , Auré lio Buarqu e de H olanda. No vo dicionário Aurélio de língua portuguesa . 2.
ed. rev. e amp l. Rio de Jan eiro : N ova fronteira, 1986. p. 13.
torna r-se o o utro - o per sona gem ati vo (o ator), mas apen as ele mesmo, a pessoa passiva
(o espec tador). A Commedia dell'arte se co ntent a em oferecer um rico e "b elo arsenal"
de máscaras, de espelhos e disfarces. Se quatro séculos mais tarde a representação se In l O•.
te nde o duplo da v ida, co mo desejou A rtaud em seu pr ojeto visionário, atu almen t e, 110
Teatro do Oprimido, ela pretende desfazer- se de todo um revestiment o anacrôn ico para
tornar-se a própria vida. Boal sustenta, com efeito, que o Teatro-F órum, em parI icu l.ir,
é um meio "muito mais rico qu e um a asse mbléia" onde acontece, freqüentement e, qu e
se digam coisas co mo se diriam mu itas o ut ras.
13 N essa peça, um a trupe represe nta o dr am a verd ad eiro de um a atriz decadent e (La Mareno, a
qual se enco nt ra na sala). Indi gnada, ela ameaça entrar em cena, mas se u marid o a co ntém . N o
entreato , ela decide ir às cox ias invectivar a trupe e, particularmente, a atri z qu e repr esenta seu
papel. Isso lembra um F órum relat ado por Ba al, em }ogos para atores e não atores , oco rrido em
1980, em Grod ano (povoado da Sicília), o nde o pr efeito , to mado de có lera diante do ator qu e
represent a seu papel (é um opressor, se é pr eciso esclarece r) e, não se co ntendo, mais grita Sro p l,
entra em cena e rep resenta ele própri o.
A representação e o sagrado:
outra vez o lúdico, outra vez a pedagógica da interven ção
H PlRA NDEllO , lu igi. Six penonnagcs en qu ête d 'auteur (suivi de Chacun sa uérité, H enri l\~
Os me stres loucos
Para aprofunda r essa qu est ão, evoca rem os Os mestres loucos, film e q ue no s
mos t ra uma cerimô n ia sac rificial entre os afr ica nos do subúrbio de Accra (cap ital de
G an a) . H abi tantes d o vilarejo da et n ia H aou ka transfo rm am-se em po ss uid . « : um
cão é de golado (nesse m om ento , o s iniciad o s be be m seu sang ue), dep o is l ' SYU .llIC) ,l-
do e comido . A lém da dan ça e do tr anse, podem o s int erro gar-n o s como o cine asta ,
por que co me r um d o ? Po sto que se trata de uma carn e to talment e proil .i.l.r. , l \ H .l ·
o ukas pensam qu e ao ingeri-Ia se rão mais po der o so s que to do s os o u t ro s ho. u cn x.
n egr o s ou bran cos.
O film e de J ean R ou ch rem et e não so me nte aos rituais do sac rih c .» ,:.l ' h · . i o
b ode, mas também à refei ção tot êmi ca fr eudi an a, o mi to dos irmão s C1S ';l d os qu e
mat am e comem o pai, o ances tral do gru po, o esp írito pr ot etor. Tran sgred ilHlo J
o rde m das co isas, do sag rado co ns agra do , eles se to rnam tabu s. Ora " 1 ( , i.i l-u r...
é um ato proibid o, em cu ja d ireção o in consciente inclina-se co m urn a ' cn ,k i:cu
mu ito forte"!"'. Essa que stão concerne não so mente o teatro, mas também todo um
ramo m édico e político . Em Magia e religião, Claude L évi-Strau ss part i' di.' ;"ill t ,
pio qu e "eficácia sim bólica, cura xam ânica e cura psican alít ica são reu !"l.; l IJ1. .il,' '' ::·,
estruturais entre corpo e psiqu ism o". A ess e respeito ba sta escutar a voz em ojJ' de
]. Rou ch para se conve ncer:
[...] q uando o sac rifício é co me tido , o inco nsc iente é liberado; os miras podem entra r
em ação. E des ses O P RIMI DOS, livres do s limites, a chaga do med o jo rra à lu z dia: o
mai s constra ngedor d e seus mi ra s, a imagem d e seu s O PRESSO RES, eles cnc.un.uu
a imagem incoerent e, incom preensível, qu e se fazem dos bran co , poderosos e diie-
rent es at é parecerem desuman o s.
Antonin Artaud
Em bu sca de rem édi os para curar a vida, a exemplo de Freud, mas ao contr.iri..
de Brecht qu e concebia o poder ideoló gico apenas com o uma potência "e xteriora",
Artaud, em sua inquietante trajetória, também sab ia qu e o no sso "ser profundo" é
infectado por monstros, por todo um conjunto de pul sões destruidoras acumula-
das em nós desde a infância. Porém, Artaud jamai s pôde praticar seu teatro. Suas
aplica ções teóricas conheceram o frac asso, suas peças nã o tiveram repercus são nem
na França nem alhures ". Les Ce n ci foi "um desastre fin an ceiro" (som en t e dezessete
representações), ainda que, para ele, tenha sido "UJn sucesso no absoluto"?". A breve
aventura do teatro Alfred Jarry (192 6 - 1930) faz nasc er no plano te órico - e com
furor - aquela do teatro e seu duplo: poesia, loucura, filo sofia e profecias dialogam
de maneira ext raordinária. Em 1935, o autor parte para o México, país dos Tarahu-
maras, em busca do mana. Ma s, as montanhas mexicanas, gravadas com corpos de
hom ens esculpidos como sinais na rocha, já ronda vam o ima ginário de Artaud des-
de 1933, an o em qu e inicia suas p esquisas so bre Héliogabale ou o anarquista coroado .
Em 1934, ele publica um primeiro en saio, EI GabaI - encarnação do mito hermafro-
dita adorador do so l e da pedra negra ELAGABALE: "Esse Deus ELAGABALUS,
ou saído da m ontanha, cume brilhante, vem de muito lon ge"!' ,
19 N otadam ente Ventre brul éou la mére f olle (1926) , L es C enci (1930) adaptada de Shelle y, di-
rigida e representada pelo própri o Artaud,
zo ARTAUD , Antonin . Le tb éâtre et son d ouble. Paris: Payot, 1960. p. 10.
l i ARTAUD , Antonin. H éliogabale ou l'an arcbiste couronné . Pari s: Gallimard, 1979. p. 17.
de estabelecer um equilíbrio estático entre Apolo e Dioni sio ou, para retomar as
oposições binárias, de co locar um pouco de «pap el» e um pou co de "pers onalidade" ,
um pouco de Brecht, um pouco d e Artaud, so b pena de co n fu ndir do is en fo q uc ~,
abs olutamente distintos: o da art e e o da vida co tid iana. Seguir quem acre d it a qu e
"o hom em-espectad or " pode se r o criad o r e me stre d o d estin o do "ho me m -pe rso -
na gem ", qu em clama como Bo al "Não di gam! Venham em cen a e mo strem-n o s suas
visões d o mundo" :", o u qu em prefere, como Gatti, ir ao encontro do s "at ores da re -
alid ade" e reapropri ar- se com eles d o "p o der da lin gua gem t eatral" para se to rn arem
"criadores" seria uma opção eficaz? A dimen são prática d es se projeto re spondeu a
muitas dessas importantes questõ es.
\
i
~
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
BOAL, Augusto. Stop! C' est magique. Paris: L'Échappée BellelI-:Iachene Littérature, 1980.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas politicas, Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1988.
PlRANDELLO, Luigi. Six personnages en quête d'auteur (suivi de Chacun sa uérité, Henri
IV, Comme ci (ou comme ça). Paris: Gallimard, 1950.
1 CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratég ias para ent rar e sair da mod ern idade. São Paulo:
29
r
Desde Aristóteles, tem-se pensado muito sobre o potencial reflexivo que per-
meia o fazer e o fruir, o pensar e o sentir contidos na arte dramática. A palavra drama
vem de dromenon, referindo-se à ação, ao passo que teatro, vocábulo que também
veio do grego, significa lugar donde se vê. Essa capacidade de ver-se em ação, cri-
ticando e apreciando os próprios gestos e atitudes, constituiu-se num recurso vital
para o processo de humanização da natureza e, sendo inerente à atividade artística,
tem implicações ontológicas no campo da educação.
Os nexos epistemológicos originários do Teatro-Educação remontam a um
passado longínquo, embora sua vertente no ensino formal tenha sido consolidada
somente nesse século, em resposta às necessidades do teatro moderno e aos recla-
mes da sociedade em prol de uma consciência cidadã plenamente democrática.
Assim, no âmago de sua própria historicidade, criou-se uma cultura COIll-
preendendo os fins do Teatro na escolarização, suas metas pedagógicas e estéticas.
conteúdos, atividades Iacilitadoras do aprendizado e procedimentos de avaliação.
Ao longo desse processo de tomar-se disciplina foram sendo configurados métodos
e teorias, visando-se superar os obstáculos suscitados através da ação.
Não consigo pensar em desenvolvimento curricular sem visualizar a imagem
dos sujeitos que, na prática, são os deflagradores do processo de ensino e, como
motivadores do aprendizado, escolhem os caminhos da ação pedagógica.
Para Gisêle Barret, o especialista em Teatro-Educação é um personagem estra-
nho entre-deux, considerando-se a ambigüidade de sua atuação no limiar do teatro
e da educação. A autora entende que essa área carece de definições no âmbito do.:
fundamentos, apesar de sua história importante no cenário acadêmico e escolar,
propondo as seguintes reflexões:
N ó s qu er em os qu e o estudante aprenda, t ran sform e- se e bu squ e desen vo lve: .-; -", 11."';
ens in amos, agimo s, en cenamos , cr iam os per formances cotidianam ent e c' ;'" ,., i \ r : )(\ '
medi ando ações dentro das esco las, em co ntextos formai s o u infor mais ; lI S .1 t~ H ) ' ' !1 C~
todo s de ensin o, formas art ísti cas e valores culturais no nosso trabalh o ; trabalh am os
co mo art istas , pr ofessores e mediadores - nó s de sejam o s que o estu dant e o u pessoa
co n tin ue a aprend er e :I de senvolv er- se através da vida sem a nossa in terv e uç ào ' .
Citei o s POntos de vista desses dois especialistas internaci onais com a in-
tenção de atu alizar o debate sobre os alicerces do Teatro-Educação e, a"~;'n ,
compreend er melhor o perfil atribuíd o ao s docentes, alimentand o ! 1 I. " . \ :
Até aqui bu squei situar a disciplina Teatro frente ao estad o atual ,11 ",;ll.-i j
como pan o de fund o para entend er sua pr áti ca escolar numa época "d e teu j!,)ut, ia
avançada, iluminism o científico e iluminação es t ét ic a?", ao tempo em qu e propus
uma refle xão so b re algumas qu est ões pontuais. Tentarei agora discutir a insurgência
do s m ét odos a partir de contribuiçõ es histori camente situadas, dand o ê nfase ;í <, in-
flu ên cias abso rvidas pela edu cação b rasileira.
O apre ndizado cê n ico secularizo u-se através do fazer e, so b re t u do, funda-
.\ C01\IBS, C. E. Th e drarna/th car re/ artist /teach cr / cduca to r/ scho lar matrix.YDEA Journal: Poly-
phoni c voiccs, rainbow wo rlds: one dcstin y, v. 1, n. 1, p. 10, 1997. Tradução livre do auto r em
parceria co m Gera ldo Salvado r de A raújo .
, C orn bs regist ra :I seguinte r el a ção de person agens e instituições: Winifred Ward / N orthwest-
em U niversitv: Kcnncth C rah arn / Th c U nivcrsitv of M inneso ta; Geraldin e Silks / Th e U nivcr-
siry o f Washil;gro n; Jcd Davis / Th c Un iver sity of Kansas (C O MBS, 1997, p. 11).
, Mesm o correndo o risco de esq uece r nomes imp ortant íssim os para a história do Teatro-Educa-
ção nacio nal, cito os seguintes: Aladir Santo s Lopes, Amic y Sant os, Anton io Janu zelli, Augu sto
Boal, Beat riz Angela Vaz, B. de Paiva, C lóvis Garcia, Dilza Délia Dut ra, Fanny Abramo vitch.
Flávio Império, H elena Barcelos, Hilton Carlos de Araújo, Ilo Krugli, Ingrid D ormien Koudcla,
Joana Lop es, Laís Aderne, Lúcia Bened etti , Luiza Barreto Leite, Luiz Paulo de Freitas, Maria Ali
ce Vergueiro, Maria C lara Machado, Maria Lúcia Pupo, Paschoal Carlos Magno, Olga Rcvcrlxl ,
Santa Rosa, Yan Michalski, Yara Silveira e mui to s out ro s (a relação foi elaborada, originalmente,
por Marcos Bulhões).
(, N UNES, B. Educaç ão artisttca e filosufia da arte. Rio de Janeiro: MEC: FUNARTE, 1986. p. 3.
J1LT o !JOLO (;/ .i \ (, O.\' TL.lIl' OK4S í. 4S no LN H NO J)[ fCtTRU : [.1 / fOCO .~ \ .-IL -1 D[ A Ul A 31
mentado na instrução do mestre, procedimento que assegurou a existência de troupes
e famílias de artistas, inclusive nos momentos em qu e O teatro era uma at ividade
proibida pelo poder instituído.
Na per spectiva da educação , Rousseau, Pestal o zzi e Froebel ob servaram q ue o
jogo proporcionado pelo teatro era um poderoso estímulo para o desenvolvim en to
da criança, sug erindo pista s para a in vestigação de pensadores como D ewe y, Pi"t,Cl c
Wygotsky. Esse legado conceitual possibilitou ao s ed ucado res do pre sente sé culo a
formulação de id éias e métodos de ensino, calcados no m ovimento conhecido mun-
dialm ente por escola nova. Foram muitas as tendências teatrais representativas desse
momento da pedagogia ocidental, destacando-se o play w ay, de Caldwell C oo k;
jogo dramático infantil, de Pet er Slade; creatiue dramati cs, de \X1inifred Ward l: DI ia n
Way; dança moderna educacional, de Rudolf Laban, Alan Garrard e Lise Ullman;
linguagem criativa, de Marjorie Hourd; psicodrama , de Jacob Moreno.
Apesar do s avanços te óricos e metodológicos qu e vieram à tona com esse,
movimentos, predominou na escola uma visão espontane ísta que velava a essência
da arte dando ênfase à livre-expressão, ao invés de instaurar exp erimentos geradores
de saberes, práticas e frui ção de obras . Educadores e artistas de sfraldaram bandeiras
alardeando a imp ortância do processo educativo em detrimento do produto estético ,
seja nas escolas ou nos movimentos políticos de co n scientização popular?
Era esse o pensamento praticado na escola bra sileira quando a Educação Artística
foi implantada, salvo raríssimas experiências isolada s. Nas aulas de Artes Cênicas, os
professor es limitavam-se a propor temas e distribuir material, deixando os alun os livres
para improvisar à vontade. Som ente aqueles mais tradicionais incorporavam o texto dra-
mático, sendo muito comum a montagem de pecinhas em datas comemorativas. Nes se
cenári o, desen volveu-se uma pseudoteoria que separava o que era arte do qu e poderia
ser edu cação, mapeando em cate gorias estanques o teatro formal e o teatro educativo.
Durante an os de 1980, o quadro da Edu cação Artística polivalenre - e, portanto ,
das Artes Cênicas - transfigurou-se aos poucos. Foram implantados cursos superiores
em proporção geom étrica, os professores tomaram as réd eas de sua pr ópria história,
ao tempo em que surgiram pesqui sas sobre o Teatro na educação fundamental , dand o
início a uma profusão de idéias e práticas que hoje em dia vêm sendo avaliadas .
Além das experiências que se avolumaram no interior de esco las e instituições
culturais, o ut ro s fatore s contribuíram para esse salto qualitativo do Teatro-Educa-
ção, ressaltando- se os seguintes : i) o intercâmbio com o es t rang eiro , seja através da
divul gação de livr os ou da vinda de especialistas renomados para ministrar curso s,
participar de seminários e dar consultoria; ii) a lar ga difusão de obras como Impro-
visação para o teatro, de Viola Spolin, indic ativa de caminhos para o ensino da lin-
guage m cênica para crian ças, ad ole sc entes e adulto s; iii) o surgimento tímido, mas
eficiente de cursos de pó s-graduação esp ecíficos em Arte, bem como a ab ertura de
linhas de pe squisa sobre ensino de Teatro nos me strado s de áreas afins; iv) o agru-
pamento de profissionais em ent id ades para-acad êmicas, fed era çõe s e sind icatos, o
que pr opiciou a realização de sim pósios regulares.
7 O ideário dos movimen to s de con scientização popular dos an os 60 - a exemplo dos CPCs da
U nião Nacional dos Estudantes -UNE aproximava-se ao difundid o pela esco la no va e muitos
dele s baseavam-se no culto à livre-expressão, embor a seu o bje t ivo fosse a resist ên cia cu ltu ral.
Ver C AN C LI N I, 1998, p. 139-14 0.
No bojo desse moviment o, emergiram exper iências de pessoas interessadas
em contemporiza r as idéias de Stanislavski, Brecht, Artaud, Gr ot owski, Barb ;l t'
Perer Brook , dent re out ros aut or es qu e referenci am a inovação metodol ógica COI!
temporânea. Em meio a essas tend ências, as mais relevantes privilegiam o jogo c a
improvi sação, e não se cercam , co mo no passado, de receios quant o ao uso do te xto
e à instrução enquanto regra didátic a. C on siderando- se a diversidade de enfo ques c
procedimentos pedagógicos disseminados por escolas, instituições culturais, me s-
tres e grupos teatrais, to rna-se extremamente salutar o estu do dessas diferent es
propo stas, embo ra seja compli cado analisar, sistematicame nte, seus resultados".
C om a con figuração dos fen ôm en os anunciados at é aqui, a discussão de pr á-
ticas e a divulgação de pesquisas nas várias linguagens artística s - marcas dos anos
90 -, percebe-se agora um cintilar alvissareiro no espaço do Teatro-Educação, muito
embora, no plan o prático da escolarização, tudo isso seja ainda uma incógnita.
Na grande maioria dos Estados brasileiros são raras as redes de ensino dota-
das de profe sso res devidamente pr epar ados e, até mesmo nas escolas públicas das
capitais, a realidad e insiste em ofuscar o brilho das conq uistas. Dentre os fato res
que sobrevivem co mo fant asmas atormentando o ensino de Arte, sobressaem-se :
turmas abarr ot adas de aluno s; espaço inadequado para a prática teatral; tempo in-
suficiente para preparação e desenvolvim ento das aulas; má qualidade do mat erial
didáti co; diálogo truncado e falta de parcerias, mesm o entre docent es; inexist ên cia
ou desconti nuidade no aperf eiçoam en to profissional; mentalidade servil e avessa à
ousadia; e baixa re muneração dos trabalhadores da educação .
Tend o em vista o enfrenta me nto dessas questões o pod er público vem an un-
ciando uma série de medidas, a exem plo dos Parâm et ro s C urr iculares N acionais
- PCN. Essa estra tégia repr esent a um a novidade substantiva para a área da A rte,
pois, pela primeira vez, o Mini stéri o da Educação c Cultura - MEC pr esta orient a-
ção formal para o planejamento cur ricular da Música, das Artes Visuais, da Dança e
do Teatro. Mu ito já se disse sobre o assunto e, pessoalmente, acho que os PCNs só
deixarão de ser mais uma ação burocráti ca e prescritiva caso seja possível superar...
[...] a visão redu cioni sta d a esco la, ins erindo -se u ma no çã o de cu rríc ulo como te c id o
ar ticulador no qual a fo rmação d e profes so res, as p ráti cas pedagógicas e o s processos
de en sino, aprend izag em e avaliação se relac io ne m mutu amente. No momento, esses
vínc ulo s não existem"!
I
Ii S Aind a não existe no Brasil um estud o siste matizado sob re as me todol o gias prati cada s no en si-
no do Teatro. A bi bliog rafia estran geira tam bém não é muito exten sa, exce t uando-se trabalhos
l Como o de SO MERS, J. Drama and theatrc in educat ion : contemporary research . O n tario : Captus
University Publi cation s, 1996.
9 SANTANA, A . N . P. Recon siderando o en s ino de artes cênicas. In: CO NGRESS O NACIO-
NAL DA FED ERAÇÃO DE ARTE ED UCADO RES DO BRA SI L, 11., 1998, Brasília.
A nais.. . Brasília, DF: FAEB, 1998. p. 9- 10.
J / r ! ü / lOLOG/.4\ ( .o s r [.l !PO R.-lS L 4S DO [,\/ \/.'\1{' 1)[ TLATko : L.\I FOCO .-1 S.-lL-t IJL .-Il fL 4 33
d e registro e documentação, como forma de organizar as atividades e as interven-
çõ es do professor junto ao aluno.
A ação de planejar um curso requer do educador uma atitude criad o ra, a se le-
ção d e conhecimentos e práticas que tornem possíveis desc obertas e construção de
saberes, desconsiderando o método enquanto modelo pronto. Essa é uma tarefa cs
se n cial ao ato de ensinar, pois "os encaminhamentos did átic o s expressam a seria ç:« I
dos co n t eúdos da área e as teorias da arte e da educação selecionadas pelo docen ..
t e' ?" . Contudo, como este precisa conhecer referenciais e utilizá-los na prática pe-
dagógica, é recomendável que se aproxime de experiências s ist em atizadas, teorias,
pesquisas e, sobretudo, que participe de oficinas práticas no seu campo de saber/I .
simples galinhas, confinadas aos limites do terr eiro. Como vamo s dar asas à águia,
ganhar altur a, integrar também a galinh a e sermos heróis de nossa própria sagal 2 ?
10 BRASIL. Ministério da Educação. Parâm etro s curriculares nacionais da área de arte: r e rr ci-
BARBO SA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva/I och epe, 1991.
BOFF, L. A águia e a galinha: uma metáfora da co ndição humana. São Paulo: Vozes, 1997.
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COMBS, C. E. Th e drama/t heatre/a rtis t/ teac he r/ed ucator/scholar mat rix.lD EA [ourna l:
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University Publi cation s, 1996.
SPO LIN, VioJa. Th eatre gam e file. Evanston: N orr hwes tern U niversiry Press, 1989.
I Dorothy H eath cote é co nsiderada a criadora do proccss drama, form a teatral in glesa, desenvol-
37
o padrão de mudança de qualquer co nceito ou significado que resulta da co locação
da fo nte de refer ência em um novo co ntexto de relevância, um a nova per sp ectiva
inten cion al:".
O s crít icos de Br ech t apo ntara m para o fato d e q ue "o fo co na for ma
reduz o eleme nto dialétic o das peças em tal grau que n ada rest a lá a não ser a
di alética'> ". Porém , não apenas Bre ch t, mas tam b ém Bo al e H eathco re, em di -
fer en t es cu lt u ras e at ravés de m étod o s distintos, usam a fo r ma para d esa fi ar os
códigos de re p resentação ace itos e es ta belecidos. É jo gando co m a form a que
eles interrom pem, co n gelam e m arcam a ação , a fim de sa lient ar as con tradi çõe s
da o rde m social.
D o is artigos são referen ciais para se co nside rar a influên cia de Brecht e Bo,"
na práti ca d o teatro na esco la nos países de língua in glesa: "Ways of seeing'" e "D ra-
ma in educ atio n an d radical theatre practice'". A mb os se refer em ao efeito de di s-
tanciamento e ao lugar do especta do r na aula de dram a.
O 'N eill observou em 1989:
[...] a ún ica experiên cia d e p lat éia q ue o s participa nt es deveriam ter d urante um a
au la de dra ma ser ia qu an do ' ap resentaçõ es e m peq u e n o s grupos ' o u im prov is a-
çõ es ' p o lidas' fos sem co m parti lha da s com o restan t e da tu rm a, usua lme n t e co mo
co n cl usão de u m t rab alh o . E sta é t alvez o t ipo de pla t éia me no s ú t il para int er-
p ret ar o u se r pa rt e do pro ces so. Tal plat éia po d e ser ego ísta, crí tica o u m esm o
d est rutiva em suas re spo stas [.. .]i'.
Alternativamente, ela ch ama ate nção para a dup la realidade de ser part icipante
e especta dor ao mesmo tempo, e lembra que Boal esclarece u a natureza desta dupla
realidade, desen volvendo um mé todo onde os espectad o res não só recebem idéias, ma s
tamb ém sobem ao palco e as pra ticam, criando um a dup la co nsc iência, por ele den omi-
nada 'metaxis'.
M as, se pa ra Boal os espectado re s são obs ervado res ativos que supostamente
intervém na ação como indi vídu os, o ' espe cta dor con sc ien te' de O' Neill im p lica um
gr upo co m 'un icidade de resp os ta' :
o co ntágio so cial opera para cr iar pressão em dire ção a um a conformidad e do gru p o ,
acordo e aceitação [...] o professor de dr ama pode co ntro lar esta energ ia d o gru po,
am p liar se u efeito e fo rça r o aco rd o, especialmente nas etapa s iniciais do trabalho ,
para es tab elecer o co nt exto dram áti co ".
! WRIG HT, Elizabeth. Post-m odern Brecbt. Londr es: Rou tledgc, 1984. p. 14.
) WRIG HT, 1984, p. 15.
• O 'NEILL, Cc cily, Ways of seeing: aud icnce function in dr ama and th eatr e. 2D, n. 8, p. 17-29,
1989.
S LACEY, Stcphan; WO OLLAND , Br ian. D rama in education and radical rheat re p rac t icc, N ew
o relacionamento espectador-ator
Para Lacey e WoolIand 1o, "o Drama Educação não apenas se entrelaça com o
teatro por caminhos marginais, mas é em si uma forma de prática teatral". Eles ilus-
tram seu argumento discorrendo sobre aspectos do modernismo pós-Brechtiano
na Inglaterra, principalmente sobre a influência de Augusto Boal e Paulo Freire na
prática do drama. Em vez de focalizar o percipiente, eles analisam a troca de funções
durante a atividade - os participantes como platéia, uns dos outros.
Os autores enfatizam que para Brecht, a forma não é apenas o que é dado aos
participantes para ser interpretado, mas é também o que deve ser negociado. A de-
corrência foi colocar o espectador no centro do debate e a criação da Lebrstucle", As
lehrstücke, segundo Lacy e Woolland, foram criadas, inicialmente, para uso com um
grupo de participantes sem a presença de um público além dos próprios atores. O ob-
s ROBINSON, Ken. Exploring theatre and education. Londres: Heinemann, 1980. 185 p.
~ O'NEILL, 1989.
ic LACEY; WOOLLAND, 1992.
11 Brecht traduziu Lehrtuck como 'lcaming play' (peça de aprendizagem) em seu ensaio "Das deuts-
che Theatrer der Awanziger Jahre", Arquivo Bertolt Brecht 147/33-36. Referência de Reiner Steinweg
em KOUDELA, Ingrid. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 98.
DOROFlfj" HLiíHCOTL -- "\/[lJJ.1Ç~O [INTER\L"v'(Ao N.o1 COi\'STRL'ç.'.40 1).4 .\.4RR.4TlU TEATRAL FI! CRUPO 39
r
i
jeti vo era trans formar a arte numa prática so cial atr avés de um processo de observaç ão I!
e ação, traba lhar e re-trabalh ar o texto, o q ua l es tar ia sem p re abe rto a mudanças.
Boal baseo u seu m ét od o em Brecht e n a pedagogia radical de Paul o Freire .
Am bos foca liza m o co nceito de "p ráxi s" e enfa tiza m qu e n ó s p o dem os co m preen-
d er e tran sformar o mu n do at ravés da associação entre te oria e prática, isto é, at ra-
vé s d a reflexã o e da ação . N o âmbito da m e tod ologia, es ta pe rs pec tiva propõe u m
ex pe rim enta r de alte rnativas basead as n a es colha do espectador, e abre espaço para
to m ada s de decisão , o qu e oferece m eio s d e co nt ro le sig nifica tivos ao o bse rvado r-
participante. Segun do Boal, o esp ectador "delega poder ao at o r, qu e então age em
seu lu gar". Lace)' e \X/o oll and exe mplifica m s ua pr ática com es ta atuação de exp ec ta-
ti vas através da descri ção de uma aula o n de os person agen s n ão são apenas vistos ser
cons t ruídos , são tamb ém p roposit alm ente cri ad os por espectado res ativo s.
12 ü 'NEILL, 1989.
13 ST EINWEG , Reiner. Das lehrstuck . Stu tt gart: M et zler, 1972. p. 87.
1-1 BENJAM IN , Walter. Versltche iiber Brecht. Fran kfurt: Sührkamp, 198/. p. 36.
I S D orothy H cath cor e cunhou a expr essão "sclf-spcct ato r" (auto -espectad or) para identi ficar a
o trab alho didáti co de Brecht est ava baseado não ape nas em textos, ma s em
bons textos. As Lehrsr ücke contê m um teor desafiant e (quanto à fo rma e ao as-
sun to ) e de gran de dramati cidade, qu e chamam po r diferentes atitudes e permitem
desvelar vieses ideológi co s.
Baal re-trabalh ou os critérios de Bre ch t e intro duz iu novas convenções para
aumentar o dist anci am ento ent re o obse rvador e o personagem , por exem plo, o
"sistema coringa", através do qual os atores se alte rna m para rep resent ar a mesm a
personagem. Ba al não usa texto , mas trabalh a co m um grupo de ato res co m ha bili-
dad es para aceitar as su gestões da plat éia e ex peri mentá -las para checar possíveis al-
tern ativas para o problema". Para tradu zir estas experiências para o Drama, em sala
de au la, sem um tex to dramático ou atores que interpretem as contribuições dos es-
pect adores, a ampliação do campo de referê nc ias e do conceitual dep end erá do input
do professor. -Isto se refere tant o à qu alidad e da atuação do pr ofessor (pedagóg ica
o u artís tica), quan to ao (s) texto (s) usado (s) para en gajar os part icipantes co m a
cons t rução verbal (falada, escr ita ou cantada) e visual (física, espa cial e cênic a) do
processo do Drama. Um procedimento que assegura ao profes so r a delimitação de
um campo de atuação, o nde pod erá ampliar, grad ualmente, a int rodução de referên -
cias, problemas a serem resolvidos, e desafio s (confrontos) , sem perder a coerência
int erna da narrativa em co ns tr ução, tem sido o uso de um texto co mo pr é-t exto.
O texto , co mo pr é-t exto, segundo Cecily O'Nei ll, "o pera em diferent es mo -
mento s como uma espéc ie de 'forma-sup ort e' para os demais significados a serem
explorados!". Como pano de fundo, o texto torna-se uma referência para altern ativas
de ações, e subsidia o pro fessor na seleção e orientação dos jogos teatrais na identifi-
cação do contexto e na busca de coe rência int ern a para a narr ativa em processo.
A noção de pré-texto indica a necessidade de desconstru ir o tex to dra mático
a fim de adaptá-lo às co ndições e mot ivações do grupo, ou int roduzir parâmetro s
artísti cos de estrutura e linguagem a fim de tran sgredi r os limi tes do co tidiano e do
"já visto ". Trata-se de um pr ocedimen to metodológico que permi te, por um lado,
delimitar as int eraçõ es dos parti cipantes a partir do cruzame nto de fra gmentos do
texto com hist órias de vida, e, por outro lad o, ampliar as form as de olh ar e en ten-
der o texto e a cen a através do jogo teatral. Ent retanto, a re- construção do te xto
dramático ou a cria ção coletiva a partir de fra gm entos do tex to , exige a habilidad e
de um dramatur gist a. N o co ntexto esco lar, es ta constatação exige uma invest igação
metodológica co ntín ua.
A preocup ação co m o que os alunos aprendem ao part icipar do D rama tem
sid o expre ssa e anali sada po r D avid H ornbroo k, o qu al sugere que devem os inves-
tiga r métodos que possibilitem aos alu nos seu desenvolvimento co mo leitore s do
D rama, co mo espectadores das hist ó rias de o ut ras pessoas, to rna ndo-se assi m "al-
fabe tizados nas qu est õ es do palco '?",
1(, N ão esto u incluindo aqui o "teatro de imag ens", por con siderá-lo uma estratégia c não um a
form a teatral que introdu za element os da linguagem cênica - estes podem ser trabalhados se o
prof essor acrescentar o ut ras estratégias de leitur a ou construção da cen a.
17 O'NEILL, Ce cily. Dra m uiorlds: a framework fo r process drama. Londres: H einemann , 1995.
p. 22.
IM H O RNB RO O K, D avid. Education in drama. Lo ndres: Falm er Press, 1991. p. 6.
M uito tem sido escri to a respeito da influên cia de D orothy H eathcote so bre os
professores de Drama e o alto grau de intervenção de seu modo de ensino. O argumen-
to, aqui , é que este co ns iste em um método dialético, no qual a interven ção funci on a
co rno um quebra-cabeça que oscila constante mente ent re os níveis metod oló gico e ide-
ol ógico. No seu aspecto extern o, a int erven ção reside na esfera da m etodolo gia - ao
estru turar e seqüenciar o trabalho - cada tarefa proposta por Heathcote põe em chequ e
a criação ant erior e traz à to na as implicações das atitudes to madas pelos alunos na tarefa
pr ecedente. Quanto ao nível ideológico, a int erve nção de H eath cot e tem como foco o
"leitor?" - ela aceita todas as contribuições dos alunos e int erage com eles atra vés de de-
safios postos pelas tarefa s que vai introduzindo a seguir. Pode-se dizer qu e ao selecion ar
as conven ções e estra tég ias e em dar prosseguimento à narrativa, Heathcote administra
a percepção dos participantes sobre a situação em pauta e, dest a forma, intervém ideo-
lo gicam ent e no processo.
Entretanto, em bo ra ela determine o material de trabalho" , ao introduzi-lo
e propor as tarefas para sua explo ração, os alunos o lêem e o u sam à vo ntade.
Su a interven ção não é ex plícit a; ocorr e in d ire ta m ente, atravé s d e ta refa s q ue
to rn am evid ent e as impl icaçõ es das ações to m adas ante rio rme nte . A cada novo
epis ódio, H eath cote leva em consideração as decis õe s e ritmo d os alunos, tal
co mo o bservados na et apa ant erior - isto t orna po ssível di zer qu e são os alunos
1'1 O co nceito de leitor, qu e nas recent es teo rias de p rod ução e recepção adquiriu um fone senti -
do de "produto r de significado s", mantém aqui as noções de esp ectador e percipiente; e tem sido
com umente usado para af irm ar a auto ria do aluno so bre o texto que está sendo prod uzido .
20 Ma terial de trabalho refere-se aqui a tud o o que o pro fessor intro duzir para in iciar o Dram a ou
durant e seu proces so - texto o u fragmentos de texto, objetos de cena, foto s e o ut ros impressos,
figu rino, etc.
o bom samaritano
"Um homem caminhava de Jerusalém para Jericó quando caiu nas mãos de
assaltantes. Os ladrões tiraram tudo o que ele tinha, bateram nele e o deixaram
semimorto à beira da estrada. Aconteceu que um padre seguia pela mesma estra-
da; mas quando ele o viu, passou para a outra margem. Assim, também um Levita
chegou ao local e quando o viu passou para o outro lado. Mas um samaritano que
estava fazendo a mesma jornada, chegou até ele e ao vê-lo foi tomado pela piedade.
Ele o levantou e fez uma bandagem em seus ferimentos, banhando-os com óleo e
vinho. Então, ele o colocou em seu próprio animal e o levou consigo para uma es-
talagem, cuidando dele ao chegar. No dia seguinte, ele deu duas moedas de prata ao
estalajadeiro e disse, 'cuide dele; se você gastar mais, eu lhe re-embolsarei em meu
caminho de volta"?".
Dorothy Heathcote, ao propor o uso de O bom samaritano como pré-texto
em um seminário do curso de Mestrado em Drama Educação, na Politécnica de
Birmingham em 1992, salientou a importância de o professor lembrar dois procedi-
mentos básicos para se iniciar qualquer processo de drama:
1. achar o elemento de tensão em cada episódio, sempre lembrando que lidar
com limitações evita que nos fixemos nas circunstâncias. Por exemplo, o homem
não poderá evitar a viagem, mesmo sabendo ser ela perigosa;
21 Neste período, participei dos scguintes trabalhos: "Mary Morgan", "O bom samaritano", "Dr
Knox", "Vivendo sob uma ditadura", "Channel Islands durante a ocupação nazista", "O projeto
de pcsquisa Oxfam", todos disponíveis em vídeo no Centro de Estudos em Drama na Educação,
da University of Central England, em Birmingham.
22 Lucas 10,29-35
DOR O inv Hr4THCO!E - MElJJ4ÇW E INJTRVENÇAo NA CONSTR['çio D,' NARIUT/I',4 IL4FRAL LII GRUPO 43
2. a tarefa escolhida não deve ser negociada, pois o tipo de aprendizagem ge-
rado relaciona-se com ela. Cabe ao professor determiná-la.
De acordo com Heathcote, o professor deve definir os elementos de tensão e
tarefas para cada episódio a partir do enquadramento e perspectiva da cena. Com a
parábola do samaritano, ela pretende levar os participantes a considerar a natureza
de correr riscos, aqui decorrentes da ajuda a inimigos moribundos. Assim, seja qual
for o enquadramento escolhido, o objetivo da escolha é se aproximar deste entendi-
mento sobre a natureza dos riscos. Os diferentes enquadramentos vão determinar
o relacionamento do grupo com a parábola e seu olhar sobre as situações propostas
em cada episódio. Como ressalta Heathcote, em sua prática, se as crianças querem
uma "batalha", rememorá-la, compreendê-la e entender suas estratégias é de dife-
rente ordem do que interpretá-la.
Perspectivas de Enquadramento - alternativas para O bom samaritano:
Agente: como argumento é proposto um programa de TV, onde um comer-
ciante aleijado (juntamente com seu libertador) está relembrando o momento
em que foi atacado. O programa dará a seu salvador uma medalha de bravura.
O contexto requer uma imagem acurada e detalhada - repórteres, câmera, som,
tribunal. A violência seria demonstrada e não interpretada - não haveria o fazer
de conta.
Observação: a linguagem gerada é a de um quadro sobre como "as coisas
eram" na época em que ocorreram. Há distanciamento e os papéis são de interme-
diários - os agentes que construirão a imagem do passado.
Guia: pastores encontraram evidências de que pessoas andam usando seu
abrigo - sinais de cavalos, lixo. À distância, observam um encontro entre ladrões e
um comerciante. Ficam com medo de interferir, mas foram vistos pelos ladrões. Na
vila, suas mulheres esperam ansiosas, vão ao seu encontro e os descobrem amarra-
dos e bastante machucados.
Observação: a linguagem gerada é a dos que contam - eles viram - eles esta-
vam lá. É importante que a violência haja ocorrido no passado, e que a tensão do
momento presente esteja concentrada na impossibilidade de revidar. É fundamental
que os alunos não sejam solicitados a fazer de conta que estão lutando, porque isto
seria inverossímil e, portanto, ridículo.
Autoridade: os participantes, como os pastores e suas mulheres, são con-
duzidos ao templo para fornecer detalhes sobre rumores de que haviam sido
atacados após um roubo, e que um padre e um Levita deixaram de socorrer o
homem que fora ferido, passando com indiferença pelo local. Os pastores e
as mulheres são pressionados a mudar de opinião e admitir que estavam en-
ganados. A cena estará centrada na força da autoridade e na pressão. A classe
representará as autoridades, o professor será o pastor que estará representando
todo o grupo de pastores. O contrário seria problemático, pois o professor ao
assumir um personagem de autoridade corrupto estaria ensinando posturas e
linguagem equivalentes.
Observação: a linguagem gerada é a do questionamento sobre o assunto - exi-
gir esclarecimentos, definições, explicações, de tal maneira que o registro seja útil
para as investigações.
Repórter: os pastores já se incomodaram o suficiente com este evento e com o
H eathco re co nd uz proc essos de Drama caracte ri za dos como uma seq üê ncia
de episó d io s delimitados pelo me smo pré-t exto. Cada episó dio significa - em - si,
isto é, focaliza um aspecto do pré-texto qu e é apresen tado e apreciad o independen te
do que o antecedeu. Trata-se de um processo de decompo sição - de uma peça, um
texto, um problema ético, de paradoxos e metáforas d e o rdem pes soal ou social -
que já possui um percurso traçad o na área da pedago gia d o teatro.
Doso n t v Hr.cnn .ort - .If[J)H ç:Ao [ },\' rE RI '[.\'Ç.40 NA CO SS1 R U Ç4() D.' N 4RR4TJ\:' nA r R.U [11 GR UP O 45
Ao anali sar as cenas Brechtianas, Ban hes parte da es tét ica de Diderot e sua
identificação entre cen a teatral e pintura: "a peça perfeita é uma sucessão de qu a-
dro s, isto é, uma gal eria, uma exposiçã o : a cena oferece ao es p ecta dor tant o s qu a-
dros reais, quantos momentos há na ação, favoráveis ao pintor" 13. No teatro ép ico
de Br echt (qu e procede por qu adros sucess ivos ), diz Banh es,
[...] toda a carga significante e aprazível incide sobre cada cena, não sobre o conjunto ;
ao nível da peça, não há desenvolvimento, não há amadurecimento, há um sent ido
conceptual, certa mente (até mesmo em cada quadro ), mas não há um sent ido fin al,
são apenas recortes, cada um com suficiente força dem o nstrativa" ,
Esta carga significante e aprazível que incide sobre cada cena foi con siderad a p o s-
teriormente por Lessing como instantes plenos. O teatro de Brecht e o cinema de Ei-
senstein, diz Banhes, são seqüê ncias de instantes plenos. O cin ema de Eisenstein inclui
todas as ausênc ias (lem branças, lições, promessas), que to rn am a história simult anea-
mente inteligível e desejável. Em Brecht, é o gestus social qu e retoma a idéia do instante
pleno. Este:
Par a Brecht o gesto soc ial pode se r o bservado até m esmo na língua. U m a lin -
guage m pode ser gesrual, ele afirma , qu ando ela indica ce n as atitudes que o o rad o r
ado ta em relação ao s outros. Assim co mo a lin guagem , as at it ude s são socialm e n t e
co nst ruídas , e de term ina m a fo rm a co m q ue perc ebem o s o mund o . D esven dar es ta s
at itu d es, e perceber o qu e Witt gen st ein co n sid era co mo "o p oder en ganador da lin-
g uagem" é o d esafio da educação co nte m po râ ne a. Segundo o filósofo , as fo rmas de
falar não são elemen tos isolados e sim u m a pan e profun dam ente arra igada de n o sso
estilo de pensar e ex p ress ar, que no s m antém so b co nt ro le". El e esclare ce que n ão
podem os forçar o pen samento, ma s para se ch egar a um a at itude pen sante é n eces-
sá rio qu e se produ za um corte. Ao lon go de seu tr abalh o , fez algu mas obs erv ações
sobre a maneira pel a qual podemos chegar a o bservações esclarece do ras ao abordar
um fenôm eno (o u problema) por uma per sp ectiva difer ente: memórias, de scriçõ es,
chistes, m etáforas e ironia. Acima de tud o, bu scar clar eza e co m preensão através d a
linguagem.
O trabalh o de Heathcote revela um método de ensin o ce ntrado em diferentes
níveis de inte rven ção do professor nas formas de ver o mun do e int era gir em grupos,
em torno de conflito s e so lução de co nflitos. Ao prop or fo rma s dist intas de enquad ra-
mento para um me smo texto ou pré-texto, ela está mudando per spectivas e priorizando
a linguagem co mo fo rma de intervir na ação do gru po e levá-lo a interagir ent re si e em
23 BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. 4. ed. Rio de Janeiro: Nov a Fronteira, 1990. p. 86.
24 BARTHES, 1990, p. 87.
2S BARTHES, 1990, p. 88.
2(, H EATON, John M . Wittgenstein y e]psicoaná fisis. Barcelona: Gedisa, 2004. p. 14.
D O RO Il Il · H é.4THCO {[ - .I1[}! I.4(.:40 [ I NUR\ ,[N(.A o -:..4 CON\JR i :(Ao 1).4 NARRATII :; TL.n R.·'L [.<1 C RUO 47
r
REFERÊNCIAS
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Ca rmela Soares
I Este art igo teve ori gem a parti r de mi nha di ssert ação de mes trado, int itu lada Pedagogia do jogo
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atro na Esco la Pública. 2003. D isse rta ção (M estrado) - Ce nt ro de Letr as e A rte s, Universidade
Federal do Estad o do Rio de Jan eiro , Rio de Janeiro, 2003.
! BYIN GT O N, C arlos Ama deu Bo te lho. Pedagogia simbólica: a construção amo rosa d o co nhe-
cimento do se r. Rio de Janeiro: Reco rd: Rosa do s Tempos, 1996.
•
49
Em sua n atureza , o jogo teatral pressupõe a inv en ção e a rein ven ção , a partir
d o vazi o; dos jo gos de corpos e do uso d o espaço, nas co n d içõ es em qu e se apresen-
ta. E até mesm o da falt a. D a falt a d e int eresse do s alun os , da falta de escuta, da falt a
de co m unicação, da falta de auto-es t im a e, principalmente, da falta de ot im ismo qu e
caracteriza o s jovens de no sso país, muitas veze s massac rados por uma realidad e
social, famili ar e escolar, qu e os dist an cia de si mesm o s e de se u pod er e direito d l'
expressão.
Partindo- se desta per spect iva, o jo go teatral é elevado à categor ia de obj eto
est éti co, ou se ja, p ossui um a elabo ração formal e, enq ua nto tal, é produtor d e um a
te atralidade em sala de aula, que poderá se r reconhecida e ap re ciada à medida que o
olhar do alun o , como também d o pro fe ssor, for trabalhad o n esta dire ção.
Esta teat ralid ade , no en tanto , tem características particulares ao co ntexto es-
col ar e está sujeita a inúmeras variá ve is. Seu aspe cto é t ênu e, impreciso e manifest a-
se em meio à profusão de corp o s, ges tos, sons, ru ídos, num m o vim ent o de o rde m l'
de sordem, caract erístico da sala de aula. Ela não se define co mo no teat ro profissio-
n al, po r seu alto grau de acab amen to formal , mas, mesmo assim , pod e se r reco n he -
cida, enquant o forma expressi va dotada de qu alid ades es té ticas.
E n qua n to objeto est étic o , o jo go te atral ca m p a n a, e m sua an ális e, doi s
el em entos di st in to s e co m pleme nta r es: um eleme nto m ateri al e o ut ro n ão m ate-
ri al. I sto sig n if ica qu e, se po r um lado , o jo go teatral p ode ser rec onhe cid o por
suas ca rac te r íst icas formai s, ist o é, p or seu asp ecto co ncreto, visíve l e se ns íve l,
p o ssui tamb ém um a dimen são sim b ó lica, o u seja, é da o rd e m d o vivido, d a ex pe -
ri ênci a e, en qua nto tal , é capa z de co locar o aluno e m co n t ato com o d entro e o
fo ra d e si m es m o. Ass im, at ravé s d e um subs tra to m at eri al próprio da lin gu agem
t eat ral, pod em o s ve r s urgi r, em sa la d e aul a, im agen s poé tic as de grande sig n i-
fi cac i o para o s alu no s. Tr adu zidas e m sens açõ es, se nt ime n tos , pen sam en t o s e
percep ções int eri ores, est as im agen s n ascem d a rela ção d e tro ca ent re o s u je ito
- jo gad o res e es p ect ado res - e o obje to , ou sej a, as fo rm as sens íveis gerada s n o
d ecorrer d o própri o jo go.
A ssim , a n oção d o objeto esté t ico permite-nos reco nh ecer que o jogo teatral
praticado em sa la de aula comporta um sent ido qu e perten ce à própria es fera d a
expe riênc ia do te at ro, co m pree nd ida como um aco ntec ime nto ún ico , realizado n o
m om ento presente e dotado de uma carga expressiva capaz d e despertar, n o alun o ,
o co nhec ime nto de si mesm o e do mundo .
Portant o , o n de resid e a beleza d o jogo teatral realizado em sala de aula ?
Segundo Duarte" a beleza nã o é atributo ali pr opri edade qu e pertença ao su-
jeito ou ao ob jeto, mas se local iza n esta zo na de enco n t ro ent re um e outro .
50 C4 R I / [ U S"' R[ '
D a mesm a maneira, a beleza do jogo teatral resid e ne ste espaço int errnedi ário
entre sujeito e ob jeto, que Winnico rr 5 den omina de "espaço em potencial ". Seglll l L
es te autor, o jogo tem localização particular, ocorre num en tre doi s, não esi a 1 )( )I :
d en tro e nem fo ra do sujeito, mas se dá nest a relação de tro ca, de intercâm bio , C I I UC
su jeito e objeto, ent re realidade e fanta sia. É então, por m eio do jog o, que o h (lll ll ' l ]l
ass ume, em relação à realidade, uma po stura at iva e dinâmica de transforrna çào da
mesm a. Por co nseguinte, é jogando qu e o homem atribui sentido e significado à vida .
A realidade é, dest a maneira, uma criação do indivíduo qu e joga. Aqu eles qu e têm
prejudicada sua "cap acidade jogo " ou interação lúdica com a realidade, encontram-se
num estado de to tal "s ubmissão" , de indiferencia ção em relação a si mesmo e ao (lI!
t ro, o qu e termina por acarretar no indivídu o pr obl ema s d e o rde m psicológica.
O "espaço intermediário" característi co do jogo , como defin e Winniccon h , ~
também o espaço da ex periência est ética, "o pla)'ground", o u mai s especificamo» te , " . \
campo de experimen tação criativa da realid ade", que permitirá ao bebê e, mais t.n de,
ao homem, em relação a este mundo, desenvolver um sen t ime nto de perten cimento ,
de int egração, de totalidade e, ao mesm o tempo, descobrir sua própria singularida d e.
Na experi ên cia esté tica co m o jogo teatral , a co nsc iê nc ia do alun o é la n -
ça da n este espa ço int erm edi ário , ond e a pe rce pção d o o bje to pa ssa a oco rre r a
partir de um a co nsc iê nc ia mai s expandida em qu e cabe aos se nt im ento s e às se n -
sações , difer ent em ent e, da con sciên cia p ráti ca (n o se n t ido d e ape nas co nce it ua l,
rac io n al), o rie nta r a rela ção su jeito-o b jeto, agor a d ent ro d e uma per sp ecti va d e
to ta lida de .
Ao conceb er a n o ção de "es paço-vazio" , inspirad o no pen sam en to de d i··
ve rsas cult uras , veri ficam os qu e Br o o k também no s rem et e à id éia do terceiro
espaço , ou se ja, d o "es paço em po ten cial", definido por W in n ico tt. N o "espa co -
va zio", o sent ime nto d e du alidad e, pro voc ad o pela vivência de se paração sujci « ,.
mundo, é supe rad o . O joga do r, através d e um a at itu de lúdi ca, que co m po rt ;l o
in esp erado , ent re ga-a ao mom en to presente , alcançaria um a área de silênc io q ue
co rres po nderia à ex periênci a do sag ra do, do absoluto o u d a to talidade, em ljl ;, '
s u jeito e mund o são per cebid os co mo pa rt es integrant es e, ao mesm o tem p o , di -
ferenciadas de uma m esma realid ad e.
Pela co nce pç ão do "espaço vazio", as ações cênicas n ão estariam restritas o u
limitada s a construçõ es mentais, ma s surg iriam de dentro d e um espa ço in teri o r
am p lo, aberto, enraizado. A partir deste es paço, não é preciso "fazer nada", n ão é
ne cessári o "pensar em n ada": toda ação na sce espontaneamente da completa prc··
sença e disponibilidade do ato r em cena. Quand o o ator alc ança est e esp aço , ele ext á
totalmen te im er so num estado criativo. N ão recorre a cli ch ês o u a ações me cânicas
como forma de ex pressão , mas é capaz de se co locar aberto e se m m edo, diante d a s
in certezas qu e es te lu gar provoca.
Par a Brook", n o teatro, a inte ns a ativid ade mental qu e d iri ge as ações hum a-
n as, princip alm ente do ho mem oc ide ntal, a partir do es paço-vazio, cede lugar à vi-
vê nc ia de um a expe riênc ia sensível e dire ta co m a realidad e cê nica e, portan to, m a is
5 W INN ICOTT, D o nald Woo ds. O b rincar e a reillida de. Rio de Jan eiro: Im ago, 1975. p. 7 1.
(, WI NI C OTT, 1975.
7 BRO O K, Pete r. A porta aberta : reflexões sobre a inter pretação e o teat ro. Tradu ção A nt ô nio
9 HUIZINGA,]oh an. H omo Ludens: o jogo co mo elemento da cultura. 4. ed. São Paulo: Perspec-
tiva, 1996. p. 10.
10 HUIZINGA, 1996.
52 C 4R,IfEU SOARE.\
çar jogador e espectador numa experiência de troca -e de partilha. Nesse momento,
podemos perceber, em meio ao movimento de corpos, ruídos e sons caracter ísticos
da aula de teatro no ensino público, o tra çado de pequenos desenhos cêni cos, isto
é, de "pequenas forma s", pequenos momentos de criação. Estas pequenas form as
estão fortemente determinadas pelos valores expressivos da contemporaneid ade,
uma vez que a falta de se nt ido do mundo atual e o aspecto desarmônico das estru-
turas sociais resultaram na criação de uma linguagem teatral em qu e o fra gmento e a
descontinuidade predominam, enquanto qualidades estéticas e formais.
Por conseguinte, as imagens criadas no decorrer da aula de teatro nem sempre são
nítidas ou totalmente delineadas. Podemos compará-Ias a um borrão no pap el, onde as
formas se esboçam, mas não se desprendem totalmente, imagens tran çadas num tempo
ínfimo, num segundo, mas, assim mesmo, com poderes de encantamento e formadoras
de memória.
À semelhança co m o teatro contemporân eo , podemos verificar qu e o jogo
teatral realizado em sa la de aula produ z im agen s independentes, flashes, supe rpo -
sições, que um olhar at ento e bem treinado poderá captar. D este modo, basta tr a-
balhar sobre esta forma expressiva, dar-lh e dimensão , acentuar seu aparecimento e
desap ar ecimento, m ostrar sua exist ência e as m aneiras co mo del a podem os di spor,
inten cionalmente, no ato da comunicação te at ra l.
A comunicaçã o dentro da escol a oco rre nesta dimensão múltipla do olh ar,
caract erística do teatro e do mundo cont emporâneo. Um olhar qu e já não abarca o
tod o como no teatro rena scentista, época em qu e o homem é co locado no cent ro
do espaço e, a partir daí , relaciona-se co m a natureza e com o mundo ao seu redor.
O o lhar contemporâneo tem a visão dos frag m ent os que compõem es te tod o, a sua
supe rfície, virt ualidad e e desdobramentos, como no s lembra Fayga O strow er !'.
A ocupação desordenada do espaço feita pelo s alun os ao ent rare m em sala Jc
aula, a pr ofusão de movim entos, uma guerra de papel, o repicar do sino da igreja ao
lado, o chão cobertos de folhas de amend oeira s podem transformar-se em motivo de
jo go. Tudo pode ser usad o para aprender a lin gua gem do teatro: seus elementos, cli-
mas, tons, a importância de um objeto no espaço, a força express iva do silêncio, o sig-
nifi cad o do "espaço-vaz io" que comporta o ges to, o olhar e suas inúmera s representa-
ções . Trata-se, portanto, de identificar, no cotidiano da escola e da vida, a pres en ça de
uma mat erialidade específica ao fazer teatral, qu e não está restrita apenas ao domínio
do texto e do diálogo. D este modo, antes m esmo de qualquer tentativa de teatraliza-
ção da cena, que muito fr eqüentement e leva à aplicação mecâni ca do s có digos teatrais,
é importante direcionar o olhar do aluno, co m o nos faz recordar Ryngaert " , para os
elementos de teatralidade, involuntários, advindos do lugar real.
A per spectiva é de qu e os alun os possam identificar os ele me ntos de teatrali-
dade manifestos espontaneam ent e, como também sejam capa ze s de incorporá-los,
progres sivamente, dentro do campo da ação cênica propriamente dita. Assim, um
espaço, um gesto, um balançar de árvores, uma mudança de luminosidade, o baru-
lh o re pentino da ch uv a, tud o pod e ser tomado pelos alunos , durante o jogo tea-
tral, co mo signos con cr etos de um a teatralidade. D essa maneira, o aluno aprende,
11OSTRü WER, Fayga. C riatividade e processo de criação. Petróp olis: Vo zes, 1999.
11RYN GAERT, Jean -Pierre.Jouer, représenter: pratiques drarnatiques et for mat ion . Paris: C edic,
1985. p. 60.
13 STAN ISLAVSK I, Constantino A preparação do ator. Tradução Pontes de Paul a Lim a. 17. ed .
Rio de J an eiro: C ivilização Brasi leira, 200 1. p. 112.
H STAN ISLAVSK I,200 \.
54 C 'k,l/LU SOAREI
atenção", que correspondem a enquadramentos espaciais diferenciados, pequeno,
médio e grande, o aluno estabelece um foco de atenção em relação aos, d" ' )
colocados mais próximos ou mais distantes dele. Ao realizar tal objetivo \, j ,i
colocar de forma atenta na relação com o espaço do jogo, o desconforto d , ' UJI
diante de uma platéia é superado, ampliando-se a consciência do aluno em relação
aos elementos necessários à criação da realidade cênica.
Neste estado de atenção concentrada, o aluno, de acordo com Stanislavski lS
tem sua percepção estética ampliada, pois intensifica a relação com o espaço ao
redor e com os elementos necessários à criação da realidade cênica. Desta forma,
percebe os objetos nos seus detalhes mais intricados e, ao mesmo tempo, entra em
contato com as variações e os matizes dos seus sentimentos e pensamentos.
Outro aspecto importante da teoria dos "círculos de atenção" é a perspectiva
de que o olhar, direcionado dentro de um espaço delimitado, leva o aluno à ação,
Ao entrar na relação com o objeto, através da observação, o aluno é movid. a af~ ir I
A origem grega da palavra teatro, o theatron, revela uma propriedade esquecida, po-
rém fundamental, desta arte: é o local de onde o público olha uma ação que lhe (-
apresentada em outro lugar. O teatro é mesmo, na verdade, um ponto de vista sobre
lS STANISLAVSKI,2001.
16 STANISLAVSKI, 2001, p. 111.
Por esse m otivo, Ryn gaert 1S ressalta que a prática do jo go n o ensino do teatro
deve levar em consideração o lu gar de o n de se vê e o lu gar de o n de se é vis to . f'\k '; -
t e se n t ido, é im portant e colo car o o lh ar d o s alunos em rel ação ao espaço do jo go, t
levá-l os a o bserva r e a p er ceb er o es paço, antes, durant e e de pois do jogo ; lev á-los !
a compreender e a an alisar as ima gens qu e dali surgira m, a sua te xtura e a man eira I
co mo foram elaboradas. I
Na prática, o bse rvamos, portanto, que o enquadramento d o espaço estim u la ()
aluno a enfrentar os riscos inerentes ao " es paço-vazio" , inten sifica a atenção do grupo e
prepara internamente os jogadore s para apreender o espa ço em suas possíveis relações
es té ticas . Marca, portanto, a en trada do aluno num círculo m ágico, diferente do 1Ja1o iw ·
aI. Lembremos, também , qu e para Huizin ga' ", a criação de um círc u lo mágico é um dos
elementos formais d o jo go, que no s permi t e reconhecê-l o no seu carát er est ético. D essa
m aneira, o jogo oc o rre dentro de um espaço-tempo, qu e lhe é es pecífico. Por sua vez,
O berlé" chama nossa atenção para o fato d e o espaço ser um elemento estrut urante d o
próprio jogo, propondo o seguint e parad o xo: "Jogar implica a ex istê ncia de um espaço,
um espaço diferente da realidade; mas é ap enas jogando que este espaço se co ns t itui.'! "
A ssim , se po r um lado, o espaço p ermite o surgiment o d o próprio jo go , po r
o ut ro lad o, é ta m bém um eleme nto sig n if ican te e, en q ua nto tal, es tá repleto d e
sentido. Nes te aspecto, Ryn gaert" es cla rece: "Os es paços ins t ituc io na is o nd e c ir-
culamos es tão ca rrega dos de se ntido pel o s que neles vive m o u trab alham. É be m in -
t eressante esva z iar esse sentido e t er o prazer em todo s os cruzame nt os de sentido
qu e aparece m . O jo go é um meio de recarregar os espaço s".
Por meio do jo go tea tral, po d emo s desdobra r o s ign ificado original d e um
m esmo esp aço, e pro por in úmeras imagen s e leituras. O s alu n o s se surpreend em c
se d ivert em ao pe rcebe re m as possibilidades de inven ção e reinven ção de u m nies-
m o espaço, a par t ir de sua pr ópria im agin ação. Des t a m an eira, ini ciam os O t ra balh o
p rático , deli mitando um a área de jo go, de pois explorando com o corpo sua ge o gra -
fi a, volumes, di stâncias, aberturas, reentrâncias, lumin osidade, cri ando a partir d aí
n ovas metáfo ras. Assi m , de um m esmo es paço, su rge um co n fess io ná rio, urn a casa
d e d et en ção, um a ca de ira de rodas, um a ca rrua gem e, portan to, d este modo, o aluno
p ercorre um t ra jeto pedagógico que vai d o plan o real, fís ico, p ar a o plan o im agi-
n ário, estabel ecendo o "e spaço po ético ", qu e pode se r d efinido, segundo L essa" ,
co mo o enco n tro d est es dois espaços: o real e o ima ginário .
Bu scan d o d escobri r espaços de ap rendizagem e do fa zer t eatral "não -con ven-
cionais " o u "não -t ra dic io nais", percorremos co m os alu nos os d iverso s espaço s da
sala de aul a, da es co la, do bairro e d e outras lo calidades, con ferindo-lhes maior sen -
~. ARTAUD , Anton in. O teatro e seu duplo. Tradução Teixeira Coelho . 2. ed. São Paulo: M . Fon-
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~; SPO LIN, Viola. I m prov isação para o teatro. Trad ução In grid Dormi en Koud ela. São Paulo :
Perspect iva, 1982 . p. 15.
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27 A U G É, Marc. Não lugares: introdu ção a um a ant ropo log ia da supermo dern idade. Tradução
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Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Tradução Ingrid Dormien Koudela. São Paulo:
Perspectiva, 1982.
STANISLAVSKI, Constantino A preparação do ator. Tradução Pontes de Paula Lima. 17. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
Eleonora Fabião
Performance
Ao longo dos últimos anos coleciono histórias verídicas baseadas nas práticas
de artistas que se auto-definem perjormers. A história do homem que arrastou um
bloco de gelo pelas ruas da Cidade do México até seu derretimento completo. A
história da mulher que se submeteu a nove cirurgias plásticas combinando em seu
rosto traços de nove beldades da pintura ocidental. Do homem que introduziu uma
boneca Barbie no ânus e, com controle absoluto de sua musculatura abdominal,
expeliu-a lentamente na frente de uma audiência. Ou do homem que se trancou
numa cela por um ano e não leu, não falou, não escutou música, não se comuni-
cou com nada nem com ninguém. Este mesmo homem propôs-se a ficar um ano
sem adentrar qualquer tipo de espaço coberto, ou seja, passou 365 dias "sem-teto".
Este mesmo homem levou a cabo o seguinte projeto: clicar um auto-retrato a cada
hora certa, ou seja, 24 vezes por dia, ao lado do mesmo relógio de ponto e no mes-
mo lugar, ao longo de 12 meses. A história de outro homem que raspou a cabeça,
cobriu-a com mel e folhas de ouro, tomou uma lebre morta nos braços e explicou-
lhe, silenciosamente, os quadros de sua exibição. E outro que se trancou por 5 dias
consecutivos num escaninho (60 em de altura x 60 em de comprimento x 90 em de
61
profundidade) recebendo água por um tubo e expelindo urina por o utro . E outro
qu e con vidou amigos para mastigar páginas do célebre Art and C ultu re, de C lem cnt
Greenberg, juntou à polpa ácido sulfúrico, açúcar e bicarbonato de só dio , dep osi-
to u a mistura num pote qu e etiquetou com os di zer es "Art and C ul t ure" e retornou
o o b jeto para a biblioteca (perdendo, nest a ocas ião, seu emprego co mo pr ofessor
n a San Martin's Sch o ol of Art). A mulh er que to mou o metrô sába do à noit e c foi
a uma livraria movimentada vestida com ro upas que havia deixad o de molho por
uma semana num cald o d e vinagre, leite, ó leo de rícino de bacalhau e ovos. U ma
m u lhe r que con struiu uma miniatura de palco Italiano, tap ou os se ios nus com a
maq ue te e con vidou os passantes na ru a a toca r-lhe os peito s at ravés das cortinas
do pequ eno palco. A mulher que subiu co m os pés descal ços um a esca da cujo s de-
gra us eram feitos de lâminas cortantes. O homem que comem orou seu an iversár io
na ru a, partilhou seu bol o, trocou abraços e receb eu votos de felicidad e dos ami go s
desc onhecido s. A mulher que giro u uma longa vo lta (cerca de uma h ora de duração )
numa praça do Rio de J an eiro. A dupla (um homem e um a mulhe r) qu e, por um
ano, ma nteve-se atada pel a cintura por uma co rda de cerca de do is metros e me io
se m tocarem-se. A mulher qu e con vidou os es pe ctadores a usarem nela, enquanto
se manteve passiva e parada por seis horas, inúm er os obj etos, dentre eles um a rosa,
uma pistola, um a bala , t esoura, mel, correntes, cane ta, bat on, um a câm era Polaro id,
faca, chicote e vários o utros "instrument os de pr azer e de dor" (os objetos puderam
se r utili zados livrem ent e e a performer ass um iu plena resp o nsabil idade pelos ato s
dos es pectadores) . O h om em negro qu e se se ntou numa calçada cinza, exibiu três
vid ros de maion ese branca, e tentou vend ê-l os por 100 dólares cada. A mulh er qu e,
t rajando camisolão branco , usou terços para realizar desenhos de pêni s no chão . A
mu lhe r que per guntou a se us compatriot as palestinos exilados: "Se eu pudesse fazer
algo para você, em qu alqu er lugar na Palestin a, o que ser ia?" E, graças a seu pass;\-
po rte A mericano, cruzo u a front eir a inúmer as vezes e atendeu ao s pedid os que lhe
fo ra m feitos: regar uma planta, pagar uma co n ta, co mer doces, visita r um túmu lo,
tirar fo to grafias, jo gar fu tebol com menin os, ch eirar o mar '.
Estas e muitas o ut ras histórias descrevem pro gramas co ncebidos e perfo rma-
dos por artistas int eressad os em relacion ar co rpo, estética e política at ravés de ações
intensas e extre mas. G osto de passar estas hist óri as adiante, de artic ulá-las em fra ses
curtas, de lançá-las como dardos de adr enalina, sem detalhá-Ias, sem adjetivá-las, para
que cravem secas; estilhaços de mitologia co ntem porânea. Penso qu e estas práticas
alarg am, que estes programas oxigenam e din ami zam nossas maneiras mesmas de agir
e de pensar ação e arte contemporaneam ent e. Es ta é, a meu ver, a fo rça da per fo r-
mance: des-automati zar a relação do cidadão co m a polis; do agente histó rico com
se u contexto; do vivente co m o tempo, o espaço, o corpo, o o utro e co ns igo mesmo.
Es ta é a potência da performance: não se trata de operações bizarr as e provocat ivas
promovidas por um punhado de sado mascq uistas e idioss inc ráticos para choc ar o
"senso-co mum" (que atu rd ido pergunta-se "o qu e é isso?" "para que isso ?" "afinal, o
I Es tas ações foram resp ect ivam ent e criadas pelos seg uintes art istas: Fra ncis A lys (2000), Orl an
(an os 9o) , D enis O'Con no r (1999), Th echin g H sieh (1978/79, 1981/ 82 e 1980/ 81), Jo seph
Beuys (1965), C hris Burden (1971), John Lath an (1966) , Adri an Piper (1970) , Valie Exp ort
(1968 ), Gina Pane (1971), Eduar do Flores (2002) , Eleonora Fabi ão (2003) , Lind a Montano e
T hechin g H sieh (1983/ 84) , Ma rina Abram ovic ( 1974) , William Po pe.L (199 1), Márcia X (2000-
03) , Emi ly Jacir (2003) .
62 E LfONOI<A r ABIAo
qu e eles qu er em dizer co m isso? " "e nt ão isso é art e co ntemporânea?"), m as da expan -
são da noção de dramaturgia, ou seja, da idéia do que seja ação e "artisticidade" da ação,
COlpO e ''politicidade'' do C01pO .
Chamo as ações perforrnativas de programas 2, pois esta me parece a pal avra
mai s apropriada para de screver um tipo de ação metodicamente calculada, conceitu -
alm ente polida, que exig e extrema tenacidade para ser levada a cabo, e qu e se ap ro -
xim a d o improvisacional única e exclusivamente na m edida em qu e nã o será pre-
viame n te ensaiada. O performer não improvisa uma idéia: ele cri a um progr ama e
programa-se para realizá-l o. A o agir seu programa, necessariamente, des-programa
seu o rg anism o e seu m eio. Tratam-se de expe rime ntaçõe s, de açõ es "extracotid ia-
nas ", da vivência de estados psicofísicos alterados que disseminam disson ân c ias di-
versas: dis sonâncias de ordem econômica, política, emocional, orgânica, ideoló gica,
psicológica, espiritual, identitária, senso rial, sexual, social, racial... Programas criam
C01p OSnaqu eles qu e os performam e naqueles que são afetados pela p erform an ce.
Pro gramas anunciam qu e "corpos" são sistemas relacionais abertos, alt amente sus -
cetíveis e cambiantes . Programas geram corpos com proporções qu e ultrapassam
em mui to os limites da pele. O performer é um criador de corpos in d ivid ua is e
col eti vo s, públicos e pri vados. Se o performer potencializa a relação co m se u cor-
po é para disseminar uma reflexão e uma experimentação sobre a corporeidade do
mundo, da s relações, do pensamento.
Su giro que pro gramas performativos ba seiam-se em elem entos dram atúrgi-
cos di sc erníveis. D estaco algun s: 1) o desl ocam ento de referências e signos de se us
habitats naturais; 2) a apro xim ação e fric ção de ele me ntos de distintas es pécies,
naturezas e esferas o nto lóg icas; 3) acumulações, exage ros e exube rânc ias de todos
o s tipo s; 4) aguda sim plificação da forma e co n de n sação de mat eriai s e idéia s; 5)
a acele ração ou des-a celera çã o da experiênc ia de se nt ido at é seu co lapso; 6) a ace -
lera ção o u de s-acelera ção da n o ção de identidade até se u co lapso; 7) a recu sa de
performar personagen s fict ícios e o interesse em explorar cara ct erísticas próprias
(e tn ia, nacionalidade, gêne ro , es pe cificidades corporais) , em exibir se u tip o o u es-
tereótipo so cial; 8) o inv estimento em dramaturgia s pes soai s, por vezes bi o gr áficas,
o nde posicionamento s e reivindicações pessoai s sã o publicam ente perfo rm ad o s; 9)
o curto- circuito entre art e e não-arte; 10) o es t re it am ent o ent re pol íti ca e es té t ica;
11) ag udez co nceitu al; 12) o en curtamento ou a di stensão da duração at é limites ex-
tremos; e 13) a ampliação do s limites psicofísicos do performer e de s ua audiência;
Porém , veja bem, restrinjo-me a apontar tendências dramatúrgicas ge néricas,
pois considero vão e mesmo equivocado qualquer esforço no se nt ido d e definir o
qu e seja "p erformance". Trata-se de uma forma d e expressão tã o híbrida e flex í-
vel qu e dribla defini ções rígidas d e "arte" , "art ist a", " es pectado r" o u "cena" . N est e
sen t ido, proponho, ao inv és d e uma investigação so b re o qu e significa a performan-
ce, uma refl exão so bre o que move a pelfonnance e o que a perjorma nce é capaz de
mov er. Estrategicam ente, a performance escapa a qualqu er formata ção , tanto em
t ermo s da s mídias em p reg adas quanto do s materiais o u espaços utili zad o s. C o mo
suge re Eduardo Flores numa assertiva propositadamente gene ralizan te, "a matér ia
2 A inspiração para a esco lha d est e vocábulo vem do texto "C om o criar para si um corpo sem
ó rgãos" (D ELEU Z E, Gill es; GUATTARI , Féli x. A thousand plateaus. Minn eap oli s: Univer sity
of M innesota Pr ess, 1987. 107 p.) o nde se prop õe qu e o programa é moto r de experimentação.
P [ Rr OR,II,' .vC[ , l L< TRO [ [NSINO : rotrtc»s [ POLÍTICAS D" l NTCRD/SC1PLl NAR1D,W [ 63
da performance é a vida, seja do espectador, do artista, ou ambas'", Flores sugere
que a arte opera sempre no sentido de transformar algo, seja matéria em objeto, ou
movimento, som, palavra em composição. No caso da performance, a matéria a ser
trabalhada é a própria vida. O ofício do performer seria o de "transformar a vida"
como sugere Flores, ou ainda, o modo como a vida pode ser vivida. O performer é
aquele que evidencia e potencializa a mutabilidade do vivo.
A performance desafia definições, pois ativa dinâmicas paradoxais que com-
plicam estatutos tradicionais tanto do fazer quanto da fruição artística: trata-se
da fundação de uma cena-não-cena equiparável ao teatro-não-representacional
vislumbrado por Antonin Artaud. É trans-real, pois que move e move-se por múl-
tiplas camadas de sentido sem deixar-se fixar. Artaud preconiza um "teatro da
crueldade" sendo que, como explica, "crueldade não é sinônimo de sangue, mar-
tírio e inimigos crucificados. Essa identificação de crueldade com vítimas tortu-
radas é um aspecto menor da questâo":', Ele esclarece: "Eu disse 'crueldade' como
.. poderia ter dito 'vida' ou 'necessidade?". O projeto artaudiano, assim como a
performance, não visa tampouco a formação de um teatro inconsciente. "Qua-
se o oposto", argumenta Jacques Derrida: "Crueldade é consciência, é lucidez
exposta'". A performance, assim como o teatro artaudiano, é cruel na medida em
que ativa fluxos paradoxais, ou seja, lógicas que escapam à regulamentação da doxa
(senso comum e bom senso); é cruel na medida em que ativa consciência crítica
atrelada à consciência corporal, ou seja, ativa consciência como "coisa corpórea".
A performance, assim como o teatro de Artaud, é cruel ao minar fundamentos
determinantes da cultura ocidental: logocentrismo e tirania teológica. Fundamen-
tos estes que silenciam, anestesiam, minguam nossos corpos; forças de subje-
tivaçâo que descorporalizam nossas maneiras de nos relacionarmos e criarmos
mundo. Como propõe Artaud, o julgamento de Deus precisa ser erradicado para
o nascimento do Corpo (self corpóreo); a fúria logocêntrica precisa ser acalmada
para o nascimento do Corpo (self corpóreo). Como propõem os performers com
seus programas cáusticos, o tipo de conhecimento de que precisamos no presente
momento se faz nos Corpos, através dos Corpos, com Corpos, como criação de
Corpos. Ou como convoca Gilles Deleuze: "É preciso que estiquemos nossa pele
como um tambor para que uma nova política comece'",
A partir de uma perspectiva histórica, destaco ainda a (in)definição da "ori-
gem" deste gênero. Alguns pesquisadores associam a origem da performance ao
teatro de vanguarda europeu do início do século XX - especificamente às práticas
cênicas futuristas e dadaístas e ao "Teatro do Absurdo", como sugere RoseLee Gol-
dberg'. Diferentemente, outros historiadores e teóricos propõem que a origem da
J Notas tomadas na visita do artista mexicano Eduardo Flores a uma aula do curso "Performan-
ce!" que ministrei no primeiro semestre de 2005 como disciplina opcional para alunos de sexto,
sétimo e oitavo períodos do curso de Direção Teatral, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
4 ARTAUD, Antonin. Tbeater and its doublé. New York: Grave Prcss, 1958. p. 102. Traduzido
do inglês.
s ARTAUD, 1958, p.114.
(, DERRIDA, J acques. A escritura e a difererzça. São Paulo: Perspectiva, 1995. p. 165.
7 DELEUZE, Gilles. The fagic of sense. New York: Columbia Univcrsity Press, 1990. p. 72. Tra-
duzido do inglês.
s GOLDBERG, RoseLee. Perjormance art, from futurism to tbe present. New York: Thames and
Hudson, 2001.
64 ELWNORA FABIAo
performance está relacionada não ao teatro ou à dança, não às art es cêni cas, mas a
transformações ocorr idas nas art es pl ásticas em mead os do séc ulo; espec ificame nte
à in serção do m ovim ento como elemento da composição plásti ca e à decorrente
e gradual des-materialização do obj eto de arte . Fato é qu e a valorização da ação
resultou num encontro do artista com seu próprio corpo, num confronto co m a
m at erialidade de sua pr esen ça que se tornou material de trabalho. Ou, co mo se con-
ve nc ionou dizer, o artista tornou-se sujeito e objeto de sua obra. D e aco rdo com
esta perspectiva, o marco de origem das práticas performativas teri a sido a action
painting norte-am ericana e experim entos correlatos acontecendo em outros países
protagonist as da Segunda Guerra Mundial, especificamente na Ásia e na Europa
como suge re Paul Schimmel", D e fato, enquant o gêne ro, a performan ce começa a
adquirir feiçõe s m ais definidas depois da Segunda Guerra Mundial e suas cat ástro fes
correlata s. A exp eri ência de morte massiva e, significativamente, a experiênc ia da
ex plosão at ômica, foram refer ên cias det erminantes para um certo entendimento
d e "co rpo", "co m unicação" e' '' experi ência'' investi gad o por performer s. A par-
tir de então, começaram a espocar pe lo mundo afora sé ries de práticas difíceis de
cla ssificar, a mai oria dela s envolvendo o corpo do artista d e fo rma inédita e radi cal,
baseadas em aguda materialidade e força co nceitu al.
Ent retanto, sej a afirmando qu e a performanc e origin ou-se a partir o u de prá-
ticas cênicas o u d e prática s plásticas, muito pouco muda em relação ao estat uto
artísti co da performance e sua in serção na tradição cultural oc idental. Este é o ar-
gu me nto de Th omas McEvilley em "Stages of En er gy: Performance Art G ro u nd
Z ero?"lo. N est e art igo, o aut or defende a idéia de qu e a performanc e é u ma forma de
recu sa aos valo res e procedimento s da arte ocidental, o u, mai s enfaticame nte, um a
ruptura e um afa st am ento desta tradição. McEvill ey suge re qu e o "n ovo gênero" se
originou em mani festa ções rituais antiqü íssima s, prát icas qu e o autor define como
" p ré" o u "ex t ra" civilizató rias.
Pessoalm ente pen so qu e uma discussão sobre a "orige m" da perfo rm an ce é
inte ressante ap en as na medida em qu e se mantém ab erta. Se co nside ramos o ca-
ráter emine n teme nte híbrido do fato perforrnativo, ter d e optar se foi a pintura, a
dan ça, o teatro o u qualquer gênero artístico o ber ço da performance, soa redutor.
Diferentem ente de McEvilley, não penso que a performance represente uma refuta
ma s uma contrapa rtida a valores predominantes da cultura oc ide nta l co n te m porâ-
n ea - nomeadam ente: reprodutibilidade, eficiência, eficácia, efe tividade , durab ili-
dade, segurança identitária e material, conforto e solidez - se m contudo deixar de
ser um compon ente cada vez ma is importante da no ssa cultu ra. A performan ce
atualmente é refer ência contund ente, ainda qu e marginal; é prática margina l, ainda
que con t unde n te!'.
9 SCHIMM EL, Paul (O rg.) Qut of actions: between performance and the object 1949-1 979. Los
A ngeles: Th aru s and Hudson , Th e Mu seum of Conte mporary Art, 1998.
10 McEV ILLEY, Tho mas. Stages of ene rgy: perform ance art gro und zero ? In: Artist's o
A pergunta é direta: por que considero fundamental, cont ernp oraneam cnrc,
en sinar, ou ainda , instigar o debate e a pr áti ca da performanc e em co ntextos de
en sino superior de teatro? E de que maneira uma aproximação ped agógica entre
pe rformance e teatro pode beneficiar estudantes de teatro"?
Fato é que entrecruzamentos entre teatro e performance são moeda corrente nos
palc os contemporâneos. Grupos de teatro exp erimental com o o bri tânico Forced En-
tertainment, os norte-americanos \Vooster Group e Goat Island, ou os brasileiros Teatro
da v ertigem e Companhia dos atores13, bem como Denise Stoklos e seu Teatro essencial,
para cit ar alguns casos , desenvolvem trabalhos influenciados e/ ou consonantes com es-
téticas e éticas performativas. Em nível peda gógico, porém, o ensino da performance
em cursos de teatro no Brasil ainda é prática embrionária e precisa ser cuida dosamente
discutido.
C onsidero a inserção da prática e da teoria da performance no' circuito peda-
gó gico tea tral estimu lan te por vários motivos e destaco algun s dos principais: 1)
sofisticação de pesquisas corporais; 2) ampliação do repertório de métodos compo-
sicionai s; 3) investi gação de linguagens e dramaturgias não-convencionais e hibri-
da ção de gêneros artísticos; 4) discussão de questões cênicas através de outro vié s
qu e nã o os da teoria do drama ou das histórias e po éticas espetaculares; 5) aprofun-
damento de debat es e práticas teatrais fo cados em políticas de id entidade e em pol í-
tica s d e pr odução e rec epção cada vez ma is articuladas e acutilantes; 6) valorização
da in vestigação sob re dramaturgias do espec tado r. Est es serão os temas abordados
ao lon go das próximas página s.
Para o alun o de teatro em gera l (não apenas fut uros at o res, mas ta mb ém
futur o s diretores, professores e t eórico s) pen so ser de extrema valia confrontar-
se co m ex pe riênc ias psi cofísicas ba seada s na tradi ção da performance. Tais v i-
v ências (para usar o t ermo cunhado po r Lygia C lark e Hélio Oiticica nas fases
de seus trabalhos vo lta das para a exp an sã o da sen sorialidad e d o espectador)
visa m à de sconstruçd o de hábit os cotidianos (e automatisrno s teatrais ). A pro -
po sta consi ste em op erar mudanças radi cais nas dinâmicas es p aço s-tempo rais
habituais par a que outros estados psicofísico s possam aflorar. Trata-se de uma
op ortunidade para o aluno abrir horizonte s perceptivo s in su speitados, aprofun-
dar auto conhecimento e questionar-s e a respeito de padrões culturais e sociais.
12 N os últim os anos lecion o cursos e workshops em performance para faz edo res de teatro e
dan ça em diversas instituições e países, em nível de grad uação e pós-gradu ação. Ser professora
é parte do meu proj eto art ístic o. Considero est es cursos performances em si, programas que
realizo com grupos de alun os atr avés de uma pedagogia relaciona!. Com o en sinadora da per-
for man ce, prop onh o diversas experiências psicof ísicas bem co mo a leitura e debate de texto s
hist óri cos e filosóficos, e apo nto técnicas de co mpos ição para que os participantes criem peças.
N ão tr abalho propond o exercícios em perf orman ce ou co nduzindo ensaios para a realização de
futuras peças. Sou uma pro positora de experiên cias. Como profess or a-perforrn er, meu trabalho
é propor e vivenciar experiê ncias. Tais experiências visam o desenvolvimen to e a inte gração
das capacidades orgânica s, criativas e co municacio nais do atu ante (perfo rrner, cidadão, sujeito
hist órico, vivent e) e visam seu fortaleciment o através do aum ento de agilidade, flexibilidade e
dispo nibilidade. Consider o a sala de aula um dos mais int eressant es espaços p erforrn ativos, pois
qu e estabelecemos , de ant emão, um pacto colab or ativo. Trata-se de um espa ço de criação e ex-
perimenta ção, um microcosm o político a ser poeti cam ente e pedagogicam ente explorado.
IJ N o caso da carioca Cia. d os atores, percebo este tônus perf ormativo especificame nt e numa
m ontagem recente: Ensaio . Ha mlet.
66 E U O NO RA F.~ BI A o
Não se t rat a de focar na c r iação de person age n s ou na ex plo ração de téc n icas
in t erpret ativas o u jo go s improvisacio nais, ma s de acessar algo q ue an tecede ,
que en ervá at uação e at ua nte. Trata-se de um confro nto do faze do r de teat ro
com sua psico fisica lida de , com sua m etafi sicalid ade, com seu C o rpo e hist ó ria;
confron to este que , pe ns o , sofist icará enormem ente a rela ção com p ersonagen s,
pa rc eiros de equipe, es paç os, ob jetos, esp ectad ores, co nceitos . Co mo pr op ô s
Gro towski "O Perjo rmer, co m maiúsc ula, é o home m de ação . Não é o ho m e m
que faz o pap el d o o utro. É o dan çant e, o sacerdo te, o guerreiro : está fora d o s
gêne ros estét icos . [.. .] Po de co m preen d er apenas se fa z. Faz o u não faz. O co -
nhecime nto é um prob le ma d e fazer"! ",
Aq ui, interessa evo car as fo rmas de conhecimento ativo do gr upo paulis ta Tea -
tro da Vertigem. Interessa co mo o Vertigem invest e em mecan ismos dram atúrgicos
de alta vo ltagem perfo rmativa pa ra a criação de se us esp et áculos". O gru po pri-
vileg ia o que chamo dramaturgia do ator, o u seja, processos criativos onde o ato r
não é exclusivame nte um intérprete, mas u m co-autor do espetáculo assim co mo
o direto r, o cenógrafo, o iluminad or, o figuri nis ta e todos os dem ais membros da
equipe q ue, geralmente coorde nados por u m d iretor, colaboram pa ra a criação da
dramaturgia do espetácu lo . Ou, como os atores do Vertigem definem sua função,
o ator "é sim ulta neamente au tor e performer"". N o artigo "O qu e fazemos na sala
de ensaio" os atores-aut ores-perf ormers d o Vertigem de stacam a importância do
que chamam "depo im en to pe ssoal": "D epo ime nto pessoal é sua col o cação como
ser hu m ano, como cidadão e artista. [. . .] É deixar que sua experiênc ia vire arte, seja
ma ni p ulada"!' , escla rece Ma riana Lima. Como di zem, não estão in teressados em
"ca m uflar característ icas, m as am pliá-las"".
Q uanto aos m étodos de ensai o, com posição de cena e personage ns, o grupo
des taca quatro modalidades de práticas: a uiuência (método que se aprox ima do
labo rat ório teatral, semp re po nt uado com atividade de escrita auto mática), a impro -
utsaç áo (im provisações se m preparo prévio a partir de mat eriais diverso s relaciona-
dos com o te ma pesquisado ), os uiorkshops (cena-respos ta a u ma qu est ão lan çada.
com posição a ser preparada de um dia para outro ut ilizando qua lquer tipo de mídia )
e as v isitas (pesquisa de cam po, sempre em espa ços públicos, a pa rti r d a qual o ator
elabora cenas e/o u personagens).
Atrelada à pe sq uisa dramat úrgica em sala de ensaio há o utro elemen to de-
terminante: o interesse em oc upar espaços não co nvencionais" . "A apresentação
em lu gares impró pr ios pa ra o aco nchego do público ou para o confort o dos ato res
abre ou t ras possibili dades, que reinventam o teatro nã o ape nas como ent reteni-
mento, mas co mo experiência"?". Refle tindo sobre a relevância des tes espaços ativos
para o de senvolvime nt o de suas práticas teatro-perforrnativa s afirmam: "A relação
14 REV ISTA JvlÁSC A RA. C idade do México : Fond o de Cultura dcl M éxico , [19--] p. 78. Nú-
(1992 ), O livro de}ó ( 1995) e Apocalipse 1,11 (2000) . NESTROVSKI, Art hur (O rg.) . ]i'ilogiü
bíblica: teatro da vert igem . São Paulo: Publifolha, 2002 . 359 p.
1(, "O que faze mos na SJb de ensaio" em NEST ROVSK I, 2002, p. 45.
I, NESTROVSKI,2002 ,
19 No caso da ]i'ilogia bíblica, respectivamen te, igr eja, hospital e pr esídio .
P LR/ OR II,IX CE, JLXIRO E LVI/XIJ: rotrn». / ro unc:« IH n -nL RD l.lu n / SARID ADE 67
com o público é conseqüência de uma situação híbrida em que representação e re-
alidade se confundem ":". A criação de uma cena híbrida onde elementos fiet i<:i(,s
e nã o-fictícios são justapostos, a ativação políti ca provocada por tal just J p ( , ~ i ~ ;í f\ .
a ocupação de espaços " ex t rac ênicos" (para que possam circular outras d in.i m ic,ls
relacionais), a ampliação de características pessoais (em busca de uma dramatu rgia
pe ssoal, por vezes bio gr áfica) , a valorização da experiên cia e da experimen ta ç.io i' ~ ; .
cofísica através do s métodos criat ivos utilizados, a valo rização do ator-dramaturgo
e do artista-etnógrafo, são elementos marcadamente períormativos ex p lo rado s pelo
Teatro da Vertigem. Grupo qu e, como o próprio nome diz, não pretende um teatro
de es tabilidade ou uma relação co nfortável co m a "cena".
Da me sma forma, a performance. Sua inserção no âmbito de en sino do teat ro
cau sará algum desconforto e desassossego, mas, segu rament e, proporcionará fricções
interdisciplinares de enorme valia. Por posicionar-se como uma prática "antiteatral"
- ou seja, desinteressada nos espaços teatrais, m étodos criativos , fun çõe s espccial-z,,-
das , possíveis hierarquias na s equipes, poéticas e ec o n o mias de ensaio e repetição - a
performance representa um referencial dialógico fascinante (no mínimo uma pedra
no sapato que nos faz parar, descalçar, sacudir, e voltar a caminhar com novas per-
cepções do pé, do terreno em que se pisa, do calçado que se escolhe usar, ou seja,
das relaç ões entre corpo , objeto e meio ). Um perfonn er não apenas colo ca proposi-
tadamente pedras em seu sapato, mas usa sapatos de pedra para qu e o s flu xos ditos
"naturais" sejam interrompidos e outras maneiras de percepção e rela ção possam se
des envolver. Muito me interesso pelo valo r crítico - pedagóg ico de atos que su speitam
dos "padrões de normalidade ".
Penso qu e o alun o de teatro se benefi cia nã o apenas no contato prático, mas no
estudo da teoria da performance através do qual poderá refletir sob re aspecto s cen-
t rai s do teatro do sé cu lo XX. Interesssa por exe m p lo, à luz da performance, ab orda r
temas como o ilusionism o (co ns trução e dem oli ção ) e a narratiua [iccional (ade são
e de sconstrução). A performance, em sua aguda materialidade, des-narratiuização,
antificcionalidade e instantan eidade, ou seja, por operar em ext rem a op osiçã.\ ;l ()
ilu sionismo e ao narrativisrn o , torn a-se uma referên cia importante para um certo
teatro contemporâneo interessad o em di scutir se us espa ço s de atuação, p olíticas de
produção e recepção, n oções de corporeidade e dramaturgia.
Est e é o caso do grupo de teatro Forced Entertain ment (Ent re ten imento For-
çad o ), esp ecificament e em suas peças de lon ga duração. O grupo expõe o projeto:
Dep ois de anos fazendo teatro, em que uma parte do trabalho con sistia em ensaiar e
fixar coisas - fazer a mesma peça funcionar da mesma maneira repetidas vezes - nós
resolvemos fazer algo diferent e, algo mais extre mado. As peças lon gas foram um
passo nessa direção: trab alhos ent re seis e vinte e quatro horas de du ração nos quais
os ato res improvi sam dentro de um sistema pré-definido de regras. [... ] C onsidere
cada peça como uma tarefa ou um jogo [.. .] e considere que cada jogo tem regras,
estratégias, movimentos conh ecidos e também limit es".
I f' U f O R,IIA NCé , T[,HP O L [ S .l/SO: I'ot n c.ü [ rounc»: DA J,VIER D/I C I/' UN.U<1IJ.1/JE 69
l
programas deflagram (relações consigo, com o outro, com o objeto, com o meio).
É determinante o fat o de que o decréscimo ficcion al, ilusionista e narrativ o implica
num acréscimo de presença e participação do espectador. O es p ectador torna- se um
elemen t o fundam ental na trama performativa, um ag ente direto ou indireto,
uma te stemunha, ou, por vezes, um co-autor da ação proposta pelo performer.
C o memo rar o aniversário de um desconhecido na rua, abraçá-lo, dese jar-lhe
sinceros ou in sinceros voto s de felicidade e comer do se u bolo; ver uma pessoa
co rt ar-s e e não impedi-la; interferir co m objetos qu e provocam dor ou pra-
zer no corpo de um alguém des conhecido e passivo; comprar ou não um vidro
de maionese por 100 dólares; divertir-se ou chocar-se com o fato de qu e uma
p essoa transforma seu próprio rosto , a cirurgia plá stic a e o set cirúrgico num
circo macabro; indi gnar-se ou não com um cidadão que decide, não por falta de
recursos , tran sformar-se temporariamente num sem-tet o e chamar isso "arte";
revoltar- se ou rir com outro qu e esculpe caralh os com terços; optar por tocar
ou não nos seios de uma mulher atravé s das cort ininhas de um teatro à italiana
são provocações qu e implicam não num en saio psicol ó gico de posicionam ento,
mas em tomadas de posição imediatas . O chamad o da performance é justamente
este: po sicione-se já, aqui e agora. Chamad o este que in sti ga n o aluno de t eatro
um posicionament o político consciente e ativo e apo nta para a importância da
dramaturgia do espectador, ou seja, para as man eiras co m o o teatro ativa seu
público.
Entretanto, é preciso esclarecer: me sm o abolind o a fic ção, não escapamo s
da narrati va, visto que o processo de co gni ção humana é fortement e narrativo.
A desaceleração narrativa tampouco elimina por compl eto a dimensão represen-
tacional , pois co m o ressaltado anteriorment e, estamos tratando de cenas, ainda
que im ediatas e cruas. Porém, ao esva ziarm os ao má xim o a narratividade de um
eve nto, sua condi ção de decifração através de um ato de " leit ur a" será minimizada
em favor de uma experiência relacional com o mesmo. Conforme propo sto na
primeira part e deste ensaio, nã o pens o que a melh or man eira de acessar o evento
se ja definindo o significado ou sign ificados da ação performada, mas bu scand o
per ceber qual seja sua força motriz e que novas força s daí se rep ercutem. (Defin ir
O que significa um sujeito arrastando um blo co de gelo pela Cidade do México ou
alguém rodando por um longo período de tempo numa praça pública do Rio de
Janeiro me parece menos importante e interessante do que atentar para as moti-
vações dramatúrgicas e políticas de seus agentes e para as ações e reflexões que se
derivam nos que experimentam tais programas - se ja assistindo, performando ou
o uvindo falar ).
E ne st e ponto ad entram o s, tal ve z, a mai or z o na de turbulên cia ativad a
pela perform ance: sua maneira de opera r "com unicação". C o mo sabe m os, o con-
ceito de comunicação sofreu si gnificativas alterações quand o se flexibilizaram
as no çõ es de su jeito , objeto, lin gua gem, meio, corpo .. . (co m Einst ein , Freud,
H eisenberg, Merleau-Ponty, Beckett e tanto s outro s qu e dem onstraram como o
relativi smo, a inconsci ência, a indet erminação, o parad oxo e o vaz io são forças
constitutivas da experiência comunicacional). A ilusã o da comunicação co m o
t ran smissão mecânica de uma men sa gem - que trafe ga invari ável entre emiss o-
re s e receptores d e forma transparent e e inequ ívoca - espatifou-se. O t emid o
Está claro que h oje em dia até a arte existe como parte de uma situação políti ca . ( )
que não quer di zer que a art e tem de ser vista em t ermo s políticos ou ser ex p licita-
mente en gajada, mas a man eira co mo os arti sta s t rat am sua art e, o nde eles a fa/ ('fl) , • .
chances qu e se tem de fazê-la , co mo ela será veiculada e para qu em - é tud o part e de
um estil o de vid a e de uma situação política-' .
23 LIPPARD, Lucy R. Six yean: th e demat erialization of th e art object. Berkley: Uni ver sit y of
Ca lifornia Press, 1973. p. 8-9. Traduzido do inglês.
PERraR .IIAN eL, JEMRO r ENSIN O: Po t'rIC.4\ t: pOLÍn u s DA ! N I LRDI SU f UNARI/)A f)[ 71
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Elza de Andrade
73
teat rológica não mais parcial, e sim orgânica e inte gradora. Uma perspectiva capaz de
enfatizar um a visão global e unitária do fato teatral, ba seada em seus eleme ntos fun-
dantes - o ator e o espectad or - e, mais pre cisamente, na relação que os un e, qu e ele
den omina simplesm ente relação teatral.
De Ma rini s ', analisand o o ator cômico no teatro italiano do sé culo XX,
constrói um m odelo de atuação, do qual utili zo algu ns procedimentos na o rga -
ni zação da metodologia de es tu do dos mecanismo s de comicidade. Escolhi esse
te xto com o um a das principai s refer ên cias de uma p arte de minha pe squisa por
encontrar nele ele m ento s de uma estrutura mais ampla , que pode ser a d o ator de
teatro em geral, e não apenas do cômico italiano do sécu lo XX. Além di sso , esse
m odelo apres en ta procedimentos ligado s diretamente à cena, ao trabalho d o ator e
à rec epção da comicidade, sendo, p ortanto, muito apropriado para o entendimen-
to da essência da represen ta ção cômica, encarada com o uma tensão entre atuação
(ges to , vo z, pala vra , em oção ) e o público. Ten são qu e só p ode ser compreendida
e test ada a partir do olhar do o ut ro, que é o espectador. Estudar a comicidade se m
con siderar a presença d o público é perder um per sonagem fundamental, que serve
de guia e est ím u lo par a o ator.
Trabalh o tamb ém com as an ális es conceituai s de N o r t ho rp Fry e (19 12-
1991 ) , Vl adimir Propp ( 1895- 19 70) e H enri Bcr gson ( 1859- 194 1) sobre o fe-
nômeno cômico . Est as análi ses t êm caráter eminentement e te órico, a partir de
refer ências literárias, folc lóricas, dramatúrgicas e fil o sóficas. Pr o curei destacar
da o br a de cada um dele s algun s princípios qu e pro curo co m pree nder e utili zar
com o "matri ze s de comicidad e" , co m o intuit o d e se rvir de ref er ência à reali-
zação do s exercícios práti cos para o ator, posto qu e tra zem implíci to caráter
dramático , teatral e cênico .
I D E MARINIS, Marco . Comprender el teatro: lineamiemo s de un a nova teat ralo gía. Bueno s
74 EL ZA m A :--; OR.\DE
Autotradiç âo: bricolage; bricoleur
o ator cô m ico vive em um a so lidão hist óri ca. Não é possível faze r referê n cia
a um m odelo único de trad ição atorial côm ica. Encontra mo s um a série de "tra-
dições" individuais ou, melhor, de "aut ot radiçõe s". E ssa autotradi çâo nã o nega a
existê nc ia de mestres nem de par adi gm as; apenas não concebe a atuação como algn
já preexistente, e sim co mo invenção d e algo novo - portanto, co mo reco n strução
do próprio mecan ismo de atuação.
A au to tradi ção deve ser considerada nece ssidade vital para o at o r côm ico,
fonte de reo rgani zação de seu próp rio acervo, por m eio da relação livre co m o pen-
same nto. E la pode ser co ns truí da p o r mei o de um trab alh o minucioso e com p lexo
de bricolage: seleçã o, desmon tagem , recomposição, assimilação e reelaboração.
O antrop ól ogo fr ancê s C lau de L évi-Strau ss, em sua ob ra O pensamen to
selvagem (1962) , exp lora as n o çõ es de "brico lage e bricoleur" co mo conc e it os
fun dant es p ara o ca mpo da ant ro po logia qu e t ra ba lha com mitos, arte e c iê nc ia.
Par a ele, esses con ceitos ref er em- se à refl exão mi top o éti ca das cu lt uras prim i-
tiva s em qu e bricoleur é aqu ele qu e "e xecu ta u m trab alho usando meio s e expe-
dient es qu e den u nciam a ausência d e um pl an o precon cebid o e se afas ta m d os
pro cesso s e n o rm as adota do s pela técni ca. Carac te riza-o especialme nte o fato
de ope rar co m m ateriais fra gm entári o s já elabora d o s, ao contrári o, p or exe m p lo ,
do 'en genh eiro ' qu e, para dar exe cuç ão ao seu trab al h o , necessit a da m atéria-
prima"".
A regr a do jogo para o bncoleur é arra n jar-se co m os "meios-lim ites ", isto é,
um co n junto sem pre fini to d e ut ensílio s e de mat eriai s bastante sing ulares (h eter ó-
elites) . Esses elem entos são reco lh idos segun do o princíp io de que "isso p o d e servi r
para alguma coi sa", e não em função de algum pro jeto . Os materiais do bricoleurv s
io ram usado s ant es par a o utros fins o u em o utros contextos, sendo agora ada p ta dos
a outras funç õ es, de acord o com as n ecessidade s. Ele co nstrói co m restos/fragmen-
to s algo novo e pess oa l, a qu e ele soma seu pró pr io m o delo e lhe dá uso d iferente
daqu ele que t iver am suas part es com po nentes . Sua for ma de tra balha r supõe a ca-
pacidad e de criar, tra zendo implícita a necessid ade de ada p tar-se às circ u ns tâncias e
ao in esperado.
Lévi-Strauss chama ate nção para as decisões q ue o bricoleur to ma em face dos
elem entos predet erminad os qu e entram na co ns trução de sua bricolage; são escolhas
e permutas que se ent relaça m, crian do um a nova estrut ura .
Apro ximando o co n ce ito d e bricoleur do universo do ator cômi co, po-
dem o s percebe r que a auto t radição a qu e D e Ma r in is se refere es tá rel aci on ad a
à man eira pela qua l o ato r o pe ra suas ref er ên cias/ fr agm ent os. Sua ass ina t ura -
bem co mo s ua co m pe tê nc ia, seu virt uosis mo - t radu z-se na man ei ra p ela qual
ele as reún e e reelabora, criando, a partir de materia is já co nh ec id o s, um n ov o
mod elo , um a n ova est rutu ra.
Pod em os ob servar qu e, muitas vezes, a comicidade é co nseqüência dessa nova ar-
rumação. O espectado r ri ao iden tificar as partes com po nentes colocadas em um novo
padrã o.
2 LÉVI-STRAU SS, C laude. O pensam ent o selvagem . 3. ed. C ampin as, SP: Papirus, 2002. p. 32.
o ator cô m ico n ão trabalha dentro num a única fo rma es petacu lar, mas circ u la
e m meio a gran de variedade de lingua gen s teatrais:
Aqui nasce o tão celebrado ecleti smo do ato r cômic o (algumas vezes um pou co me -
diat izado) que sabe recitar, cantar, dançar, rep resentar uma farsa ou uma comédia sé-
ria e muitas outras co isas. Daqui nascem a amplitude, a variedade e tamb ém a pr ecisão
de seu saber-fazer, em comparação aos limit es técnicos (e por out ro lado tam bém
culturais) do ator bu rguês, que é, esse ncialmente, um ato r de voze s, um declamador,
bem mais desajeitad o no manejo corporal' .
Metatuaçâo carnavalesca
76 ELZ.~ V I. A NV I<.~ VI
tórica se preparava nelas também. Por esse motivo, essa consciência encontrou
sua expressão mais radical no riso'",
Todas as imagens da festa popular estavam dialogando com essa nova sensação
histórica, produzindo uma despedida cômica e popular do velho poder e da velha ver-
dade:
Naquela época, era absolutamente necessário estar armado do riso não oficial para
aproximar-se do povo que desconfiava de tudo que era sério, que tinha o hábito de
estabelecer um parentesco entre a verdade livre e sem véus e o risos.
o verdadeiro riso, ambivalente e universal, não recusa o sério, ele purifica-o e com-
pleta-o. Purifica-o do dogmatismo, do caráter unilateral, da esclerose, do fanatismo
e do espírito categórico, dos elementos de medo ou intimidação, do didatismo, da
ingenuidade e das ilusões, de uma nefasta fixação sobre um plano único, do esgota-
mento estúpido. O riso impede que o sério se fixe e se isole da integridade inacabada
da existência cotidiana. Ele restabelece essa integridade arnbivalente".
o teatro ilusionista preserva seus atores ao fechá-los dentro da caixa preta, po-
rém o ator cômico incorpora o espectador no centro de sua atenção, convertendo-o
em sujeito e objeto de seu espetáculo. O espectador é arrancado de seu voyeurismo
quando o ator derruba a quarta parede e fala diretamente com ele, atribuindo-lhe
uma dupla função ao transformá-lo em confidente e parceiro de cena.
Invadindo a intimidade do público, o ator torna-se também vulnerável a uma
reação imprevisível, pois não tem certeza da resposta do espectador. O ator cômico
fica exposto a sofrer diretamente todas as conseqüências de sua atuação: indiferença,
agressividade, fascinação ou, então, uma reação totalmente inesperada e imprevisível. E
precisa saber incorporar essas reações a sua atuação, transformando-as em possibilidade
de diálogo, de texto na cena, o que exige o domínio de técnica específica.
Para Vladímir Propp, filó logo sov iético, a contraposição do cômico ao tr ágico
e ao su b lime não revela a natu reza da co micida de em sua especi ficida de . É pr eciso
d efi nir o cô mico co mo tal, e nã o co mparativa o u negati vam ente, poi s seria negar a
especificida de do gênero.
Pod e-se rir do hom em em qu ase todas as su as m anife st ações, podendo ser en-
co nt rados aspectos ridícul os em sua vida física, mo ral e intel ectual. A única exceção
co loca -se nas mani festaçõ es de dor e sofrime nto que, inst antaneam ente, bl oqueiam
os im p u lsos do riso.
P rop p e Bergson co nco rda m qu e a natu reza não é ridícula - não existe m
flo rest as, est relas, mo n ta nhas en graçadas. N o en tanto, o ani mal po d e ser rid ículo
qua ndo n os lembra o ser humano e seus movimentos. Podem os concluir, então, que
FRYE, N or throp , An atom ia da crítica. São Paulo: C u lt rix, 1973. p. 39- 40.
, FRYE, 1973, p. 40.
A inda mais di vert id a é a pe ssoa ridicul ari zada q u e, apesar d isso , se rec u sa :l 1'11' "
qu e lh e aco ntece u algu m a coisa de ex traord iná rio e teima em def en d e r ,1 • J ' "
ou do p adrão .
É po ssível parodiar tudo: os mo vim en to s e as ações de um a p esso a, .~ L U
to s, o and ar, a mími ca, a fala , o s háb ito s de sua profis são e o jar gão pro fi" i' ,11 :
paródia busca dem onstrar qu e por trás das formas exteri ores de um a m anih-s;». ;
es piri tu al não há nada, qu e p or trás delas existe o vaz io . A par ódia é cômica quan d . .
re vela a fr agilid ad e inte rio r do qu e é par odiado . Para Pr opp":
12 PAVIS, Patrice. D icionário de teatro, São Paulo : Persp ecti va, 199t). p. 278 .
u PAVIS, 1999, p. 279 .
I , H UTCHEO N , Linda. Uma teoria da paródia. Lisboa: Edições 70, 1989. p. 17.
80 E lZ.' Df i\NDRADf.
A descoberta d o s defeitos d as pe ssoa s e o u t ras de scoberta s seme lh antes
só levam à comi cidad e quando são in e speradas. Uma piad a nos fa z ri r pn , . I
final es p irit uoso e s ur p ree nde n te. A essên c ia da piada é a inesperada c LL " ; '
aproximação de doi s o b jetos que por sua natureza pert en cem a duas Categ ol'.!
diferentes.
H enri Bergson \ S, filósofo fran cês, ven cedor do Prêmio Nobel de lit erat ur.i
de 192 7, apre senta uma visão metafísica do riso. Pa ra ele, rim o s se mp re do human o
que d eix ou de ser, circu ns tancialme nte, humano para se tornar m ecânico , autômato,
envo lvido na rep eti ção e na caricatura. Ber gson propõe a ex ist ên cia de mecani s-
mo s que interrompem, d esarranjand o a vida es po nt ânea, cri at iva, livr e. Uma de suas
idéias principai s d em onstra que o cô m ico é o mecânico que se so b repõe ao vi vo .
Para Bergson, o ris o é uma espécie de gesto social:
[...] uma cert a rigidez do corpo, do espírito e do caráter, qu e a sociedade gostaria ,t,
eliminar para ob ter de seus memb ros a maior elasticidade e a mais elevada sociabili-
dade possíveis. Essa rigidez é a comi cidade, e o riso é seu castigai".
A utoma tismo, ri gidez, hábito adquirid o e co ns ervado são alguns traços físi-
cos qu e pr ovocam o cô m ico e qu e ganh am ma is intensidad e quando lh es so mam os
uma cau sa profunda, que os relacionam a um desvio de caráter. No cômico da s
forma s e dos gestos, Bergson propõe que a co m icidade surge quando o corpo nos
leva a pen sar num sim ples mecanism o , perdendo sua humanidad e. Nesse princípi o ,
e nc aixam-se muitos do s art ifícios usu ais da co mé d ia, com o a re pe t ição de ges tos,
expressões e movim ent o s.
O o ut ro me cani s m o de comi cid ade o co rre quando se dá uma transfer ência d e
a t en ção da alma para o co rpo. A co rpo ralidad e do persona gem e suas necessidad es
físicas e fisiol ógi cas n o s remet em ao cô m ico. Seg u ndo Bergson", essa é a razã o pcl.i
qual o poeta trágic o evita "tudo o qu e possa cha mar a nossa ate nção para a materia-
lidade de seus herói s".
Esse princípio pode te r vár ios desdobram entos, como , p or exemplo, a fo r ma
qu e se impõe ao co nte úd o, o ridícul o físico e o rid ículo pr o fissional.
D entro da co m icidade de situação e de palavra s, Ber gson de staca a inversã o ,
que pode ser ente ndida também como o contrast e, um dos m ecani smos mai s traJi -
ci onais, se mpre presente nas co mé dias anti gas.
Chaplin confirma a tend ência do público para gostar d o s contrast es e das xur-
presas, e do confli to ent re o bem e o mal, o ric o e o pobre, o bobo e o espert o . Por
isso, na maioria de se us filme s, quando seu per sonagem é per se guido por policiais,
esses são pesad os e d esajeitados, enq uanto ele, pequeno e ág il, es capa por ent re as
pern as de seu per seguidor:
É evidentement e um a sorte que seja pequeno e possa assim fazer estes co ntrastes S~ 111
custo. Sabendo des ta inclinação pelo fraco, arra njo sempre uma maneira de acent uar
a minha fraqu eza enc urvando as costas fazend o uma cara medrosa e tom ando um ar
t empo s da hist ória do ator e d o teatro. Exi st e uma ló gica nas oposições qu e se pode
m anifestar de várias formas: na própria lin guag em (na fala do personagem ), em seu
corpo (d iferenç as no andar, na dimensão, no ges to), na pul sação rítmica e temporal ,
no temperamento e na m oral, no figurino e na caracterização, ou seja, em qu ase
to d as as possibilidades de co m pos ição externa e interna dos personagens.
Por co n t raste, podem o s pen sar em vár ios ní vei s de o pos ição, co mo, por
exe m p lo, na cen a da com m edia dell'arte, em qu e en co n t ram os d oi s plan o s d e
ação: um "sé rio" , com a pres en ça do s en amo rados, e outro " ridíc ulo", do s cria-
d o s e dos velhos, rep res entantes de tradiçõe s e códi go s at oriais dife rente s. O
co n t ras t e, tã o nitidam e nt e característi co d a ce na d a commedia dell'arte, ap re -
se nta-s e em vá rios ou t ros m omentos da hi st ória do teatro, também com o um
recurso de co m pleme n t ar idade e n t re o s persona gen s; e, amplian do se u se nt ido,
p odem o s lo calizá-l o na b ase fu nda n te d o t eatro e da dr am atu rgia se enten d er-
m o s o co nfl ito também co mo um jo go d e contrast es.
82 EL ZA D E ANDKA DE
Em nossa sociedade, fomos acostumados a distinguir técnica e arte. Técnica é a apli-
cação de um conhecimento com finalidade prática e instrumental. Arte é ,i.i iCICác,
gra ma de P ós-G radu a ção em Teat ro , Univer sid ade Fede ral do Es ta do do Rio de J aneiro.
2005.
BAKH TI N, Mikhail, A cultura popu lar na Idad e Média e n o Renascime nto: o cont exto de
Fra nço is Rabclais. 2. ed . São Paulo: Hu cire c, 1993.
PAVIS, Patr ice. D icionário de teatro. São Paul o: Persp ect iva, 1999.
84 ELZ A IH A N D !{AD I
A PO SIÇÃO DO ESPECTADOR: PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS
Flávio Desgranges
A formação de espectadores
I "A art e é educado ra enquanto arte , não enquanto arte educadora", \Valter Benjamin [1892-
1940], filóso fo alemão.
85
cada vez maior de implementação de práticas de formação: a necessária participação
do s espectadores no desenvolvimento da arte teatral, o que sugere a efetiva aru a çâo
de um público teatral interessado nos próprios rumos desta arte ; e a formação crítica
do indivíduo contempo râneo qu e, numa so ciedade espetac ularizada, vê-se exp ost o
cotidianamente a uma enx ur rada de signo s, diant e do s os qu ais precisa encontrar- se
apto para dialogar e produzir sentidos próprios.
Assim, o primeiro dos asp ectos citados di z respeito à importância de que haja
espectadores int eressados em ver e debater teatro, já qu e não há desenvolvimento
da arte teatral que possa se dar sem a efetiva participação dos espectadores. Não existe
teatro sem platé ia e a importância da presença do esp ectador nele precisa ser vista
n ão so ment e por uma razã o eco nô mica, de suste ntação finan ceir a das produçõe s. l'.~
evidente qu e o fator econômico é vital e não pode ser esquecido, at é porque o pre-
ço do ingresso torna o ace sso inviável, excluindo das salas um a parcela do público
qu e tal vez fosse a mai s inter essada. Como um livro que só exist e quando alguém o
abre, o teatro não existe se m a pre sen ça deste out ro com o qual ele dialoga so b re
o mundo e sobre si m esmo. Sem esp ectad ores interessad os neste debate, o teatro
perde co nexão com a realidade a qu e se propõ e refletir e, sem a referência deste
outro, o seu discur so se torna ensimesmado, desen contrado, est éril. Não há evolu-
ção ou transformação do teatro que se dê, portanto, sem a efetiva participação dos
es pecta dores.
O olhar do obse rva do r sobre o espe tá cu lo suste nt a o pr óprio jogo do teat ro .
A necessidade de companheiros de jogo, companheiros de cr iação , anima o mo-
vime nto de formação d e espect adores. Uma pedagogia do esp ectador se justifica,
assim , pela necessária presença de um outro qu e exija diálo go, pel a fundamental
p articipação criativa deste jogad or no evento teatral; participa ção que se efetiva na
sua res pos ta às prop o siçõ es cênicas, na sua capac idade de elabo ra r os signos trazi-
do s à cena e de fo rmu lar um juízo pr óprio do s se nt idos .
O público participativo é aqu ele qu e, durante o ato da representação, exige
qu e cad a instante do es pe tác ulo não se ja grat uito, o qu e não sign ifica que seja ne-
cessário, pois, se manifest ar o u int ervir diretamente para parti cipar do evento. A sua
presen ça se efetiva na cum plicidade que ele estabelece com o palco, na vontad e de
co m pa ctu ar com o evento , na at ençã o às proposições cên icas, na atitude desp erta,
no o lh ar aceso. Este espe cta dor crítico, exigente e participativo é aliado fundamen-
tal nos diálogos travad os acerca dos rumo s da arte teatral.
O outro fator rel evante para se pen sar uma pedago gia do es pectador, em no s-
sos di as, diz respeito à es pe ta cularização da soc iedade, ocasionada pela proliferação
de meio s de comunicação de massa. Esses m eios condicionam a sensibilidade e a
percepção dos indi vídu os contemporâneo s, e indicam a necessidade de uma forma-
ção reflexiva do obse rva do r, visando a sua ap tidã o tanto para per ceber os recursos
es p etac ulares util izados, quant o para analisar a produção de se nt idos veiculada po r
estes canai s de comunicação.
Em um a sociedad e baseada na espetacularidade do s aco ntecime ntos e apo iada
na indústri a mo dern a, q ue "não é fort uitame n te o u superficialme nte espetacular, ela é
fundam entalmente 'e sp etacularista'", em que o espetáculo é "o sol qu e não se esconde
jam ais sobre o império da passividade moderna":', formar espectado res con siste tarn -
2 D EBüRD, G uy. La soci ét édu spectacle. 2. cd. Paris: G allimard, J 992. p. 21.
É uma opinião antiga e fundamental que uma obra de arte deve influenci ar todas as
pessoa s, independente da idade, status ou educaçã o [...]. Todas as pessoas podem
entender e sent ir praz er com uma obra de arte porque todas têm algo artístico den-
tro de si [...). Existem muitos artistas dispostos a não fazer art e apenas para um
pequeno círculo de iniciados, que querem criar para o povo. Isso soa democrático,
mas, na minha opinião, não é totalmente dem ocrático. Democrátic o é tran sform ar o
pequeno círculo de iniciados em um grande círculo de iniciados. Pois a art e necessit a
de conhecimentos. A observação da art e só poderá levar a um prazer verdadeiro, se
houver uma arte da ob servação. Assim como é verdade que em todo hom em existe
um artista, que o hom em é o mais art ista dentre tod os os anim ais, também é certo
que essa inclinação pod e ser desenvolvida ou perecer. Subjaz à arte um saber que é um
saber conquistad o através do trabalho".
apreen são da linguagem teatral. O prazer est éti co, portanto, solicit a aprendizado . A
arte d o espectador é um saber que se conquista co m trabalho.
Familiarizado co m os código s teatrais, es t e es pect ad o r iniciado descobre
pistas próprias de como se relacionar com a obra, perc ebend o- se no ato da re-
cepção capaz de dar unidade ao conjunto de signos utilizados na encenação e
d e estabelecer conexões entre os element os apres entad o s e a realidade exterior.
A conquista da linguagem teatral propicia ao e s p ec tado r uma atitude nã o su b -
mi ssa diant e do fato narrado e da s opçõ es cê n icas propostas. Conhecendo o s
si gno s que vêm sen d o estabelecido s ao longo da hi stória do teatro, bem como o
funcionam ento dos m ecanismos utili zado s em uma en cenação, e os efeito s qu e
produzem, o espectador gan ha di stância para m elh or apreciar como estes ele-
mentos de sign ificação podem ser apresentad os em um esp etáculo. A aqui sição
destes conhecimentos permite qu e o observador es t eja em melhore s c o nd içõe s
para tra çar linhas d e reflexão a resp eito d a obra e elaborar um juízo d e valor da
mesma.
j BRECHT apud KOUDELA, Ingrid Dormien. Bre cbt: um jogo de aprendizagem. São Paulo:
Perspectiva, 1991. p. 11 0.
Procedimentos pedagógicos
A l' osl ç:Ao tu: f.l PECT W OR: I'ERSPEC Tl HS I'ElJ AG O G I CAS 89
o dist an ciamento proposto p elo teatro épico brechtiano ao espectador tem
nos eleme ntos narrativo s trazidos par a a encena ção se us principais recurso s art ísti-
cos e pedagó gicos.
O épico é um gênero literári o em que a hist ória é contada tanto por um nar-
rador, em sua descrição dos acontecimentos, quanto pelos pers onagens, n os diálo-
gos que interrompem a narrativa. O épico tem , portanto, um caráter fort emente
narr at ivo, ao contrário do gênero d ram átic o, em qu e a hist óri a vai sendo contada
so mente por meio do diálo go dos personagens ent re si, se m a interferên cia direta
de um narrad or (auto r).
N o gêne ro épico, o auto r rel at a uma hist óri a já ocorrida e, em geral, uma hi s-
tó ria qu e aco nteceu com uma outra pessoa. Portan to, o narrador fala n o pret érito
(a história foi assim) e na terceira pe ssoa do sin gular (aconteceu com ele). "Isto
cria uma certa distância entre o narrador e o mundo narrado'" , pois, se a hi st ória já
aco nteceu e aquele que a co nta conhece bem tod o o seu desenrolar, este narrador
não tem o me sm o envolvime nto em ocional com o fato oco rri do que tem o au to r do
texto dramático, já que este apresenta o fato no tem po presen te, como se o es t ivess e
conh ece ndo pela primeira vez . D a mesm a maneira, o leitor qu e entra em co ntato
com um texto épico, com uma hi st ória já ocorrida, hi st ória que lhe é narrada, man-
tém cert a distân cia do fato e nã o tem o mesm o envo lvimento que o leitor do texto
dramático, ao qual os fato s, mesmo quando se trata de um acontecimento hi st órico,
são apresentados como se estivessem aco ntecendo naquele mom ento.
O texto no teatro épico, portan to , procura ap rese ntar as situações d e forma
narra tiva, trat and o os fato s co mo histó ricos - fato s já ocorridos e que têm relevânc ia
hist óri ca. Esta dist ância qu e se estab elece entre o espe cta do r qu e assiste no presente
a um fato oco rrido no passado permite qu e ele mant enha um a atitude refl exi va acer-
ca do assun to narrado. N o texto do teat ro dramát ico , o au tor se ausenta da h ist ória,
que parece gan har vida pró pria; o es pectado r vivencia a hist óri a que acontece diante
dele no tempo presente. Vinculado em ocionalme nte à trama, o espectado r do drama
teria diminu ída a sua capacidade de refletir sobre a m esma.
C o mo o texto, os elementos cê nicos do teat ro épico também têm um cará ter
narrativo. Embora a fábul a seja considerada o co ração do teatro épico, pois é ela qu e
revela as vicissitudes soc iais que enreda m os perso nagens , na concepção brechtiana,
no entanto, não ape nas o texto, mas a encenação co mo um to do assum e o papel
narrativo; o palco co nta de mane ira crít ica a hist ó ria. Tod os os recursos cê nicos - a
luz, o cená rio , os figurinos e adereço s - podem desempenhar função narrativa, co-
mentando a ação, tomando posição em face dos acontecimentos. O palc o assume
uma fun ção narrativa.
Um dos recursos épicos utilizad os por Brec h t em suas encenações era, por
exemplo, a co locação de grandes t elas, em que se proj et avam document os co m ci-
fras con cretas, ou foto s ou citações, e que permitiam trazer à memória o utros pro-
cessos qu e se desenrolavam simu lta neament e em out ros lu gar es e que co ntradi ziam
ou comentavam as palavras e ati tudes de alguns personagen s.
Est a postura narr ativa do palc o diante dos fatos trazidos à cen a, ressalte-se,
somente se torn ou viável devido a certas conquist as técnicas do período. A partir de
então, par a efe tivar esta postura, podia-se contar co m as proj eções de slides e co m
(, ROSENF ELD, Ana to l. O teatro épico. 3. ed. São Paulo: Pe rspectiva , 1985. p. 25.
90 FL AVIO D l SGRANGf S
os recursos cinematográficos, além de um maquinário motorizado que aumentou
as possibilidades de transformação do palco . Esta s ino vaç ões permitiram ao te ;! 1) t l
incorporar est es elementos cenográficos, qu e davam à en cenação um caráter i]lJ ,: ;'-
literário, co m a inclusão na peça de críticas e comentári os do autor qu e, p or vezes,
assemelhavam- se a notas de pé de página.
A cena co m eça, assim , a exercer uma funç ão p edagó gica. Distante da ae,;.1 u
dramática, o espectador do teatro ép ico pode deparar- se com questões que lhe di-
gam resp eito . Assim, o petróleo, a inflação, as lutas sociais, a família, a reli gião, a
manteiga, o pão e o com érci o de carn es passam a ser objetos de repre sentação t ea-
tral. A intenção era trazer o pano d e fundo social para a ce na, afirmando a dimens ão
hist órica do acont ecimento apresentado por meio d o s elementos narrativo s qu e
a golpeiam, interrompendo a corrente dramática e afirmando a atitude crítica do
esp ectador. Brecht elaborou uma série de técnicas e recursos cênicos com est a fina-
lidad e, entre eles se de st acam , por ex emp lo: jornaleiros qu e per correm a sala, anun -
ciando man ch etes que caracterizam o clima soc ial, ou slides com fot os ·hist óri cas,
ou ainda canções (songs) e cartazes com diz eres que propunham uma visã o crítica
so b re o fato representado.
Outro importante aspecto pedagó gico dest e teatro brechtiano está n o fato de
qu e cada elemento da encenação (cenário, figurino, iluminação, etc.) ser apres en-
tad o sep arad ament e, e manifestar-se com voz pr ópria em face dos acontecimento s.
Assim , ao obser var em os element o s da encenação, os es pectado res podem perceber
a existência, o fun cionamento, e a utilização de cada um del es. Isto porque a ence-
nação deixa cla ro co mo o artista teatral (direto r, ce nóg rafo, figurini sta, at or, e rc.)
os es tá utili zando , possibilitando que o esp ectador perceba que , se a cen a é assim
apresentada, ela poderia também ser concebida de outras maneiras; e que as cons-
tru ções da e nce nação são sem pre o pç ões do artista, que se apresenta enquant o aut or
uo espet áculo e assume uma po sição em face da h ist ória qu e apresent a. Ao se torn ar
conhecedor da utili zaçã o dos div ersos elementos que co m põ em uma en ce na ção, e
atento para a dim en são hist órica d o s fat os , o esp ectad or do teatro épico se torn a
um especialista, ap to a compreend er criticamente as cenas apresentadas n o palco , e
estimulado a produ zir sent idos próprios par a os acontecim entos hist óricos.
A l 'o \lç Ao In LS/' [CI:, /WR : /'[RI P[CT/\ :4> 1'[ [). 4(;O(;IC4I 91
Os procedimentos pedagógicos de integração escolar, como o pr óprio termo
sug ere, buscam integrar a obra teatral ao processo de aprendizagem escolar. O esp c -
táculo motiva atividades variadas, torna-se o pivô de um estudo que pode interl igar
diversas disciplinas do currículo escolar, se ndo utilizado com o ati vidade de reforço.
A peça propicia, assim, a aplicaçã o de exercício s, visando a uma dinami zação do
aprend izado em múltiplas áreas do conh ecimento.
O s procedimentos pedagógi cos de integração escolar acontecem, por via de re-
gra, após o espetáculo e estabelecem relações entre a encenação vista pelos alunos e as
diversas áreas do co nhecime nt o. As atividades de desdobramento da peça enfo cam, por
exem plo: noções de matemática (exercícios de con junt o, os personagens são em gru-
pos); abordagens históricas; exercícios de expressão escrita (redações sobre a peça ou
aplicaçã o de ditad os); atividades de artes plásticas (a criação de cartazes para a peça ou
de desenhos animados que retratassem a história contada). Entre outras tantas ativida-
des que variavam em fun ção das possíveis ab ordagens suscitadas pelo espetáculo e (I.t
faixa etária dos alunos.
Estas práticas de pr olongamento de um espetáculo, visando à integração da
art e ao cur rículo da esco la, têm sid o muit o criticadas, acu sadas de "pedago gizar " o
teatro pelo fato do esp etáculo ser utilizado como instrumento de aprendiza gem de
determinadas disciplinas da grade curricular ou como mero pretexto para atividades
normalmente apli cadas n o cotidian o esc olar. A art e teatral acaba, deste mod o, por
se r "fagoc itada" pelo sistema de ens in o. Co nsidera-s e qu e a utili zação do t eatro
co m o ferramenta para a apreensão de conteúdos disciplinar es empob rece o diálogo
d o aluno-espectador (e os desdobramen tos deste diálogo ) com a peça, e torna a
ex periência estética padronizada , ao atrelar a recepção às ne ce ssidades imediatas da
escola.
O s procedimentos pedagógicos de leitura podem ser divididos em horizontal c
transversal. N os pr oc edim entos de leitura horizontal , o co nte údo da peça é priori-
ta riam ente abordado no s exercícios propostos. O s artistas e ed ucado res estimulam
o gru po de alunos a debater o assunto em questão e a imp ro visar cenas qu e se re-
lacionem co m o tem a da peça. Es tas práticas chamam a at en ção dos participantes
para o discurso da ob ra, para a atu alidade dos temas tratados, além de provocar a
o bs ervação dos es pe ctado res para como a encenação lida com tais que stões e que
t écnicas teatrais são utili zadas nesta aborda gem.
Est es prolon gamentos, que enfocam primordialmente a temática da peça, po-
d em, por exem plo, ser es t ruturados a partir das seg uintes atividades: 1) expos ição
prévia so bre a vid a d o autor, de seu tempo (em se tratando de uma peça de época) e
do conteú do do texto; 2) debates po steriores ao espetáculo abordando a atualidad e
das situações en cenadas; 3) proposição de exercícios dramáticos em que os alu-
nos transpõem cen as da peça para aco ntecim entos contemporâneos ou mesmo para
situ ações o ut ras qu e, de algum mod o, este jam relacionada s àquelas apresentada s
pelos ato res.
N os procedimentos pedagógico s de leitura transversal, que têm co mo ob jetivo
estim ular os alun os-esp ect adores para o re conhecimento, a decodificação, a inter-
pretação dos sign os do espetácul o e o enfoque dad o às atividades propostas redu-
z em a imp ortância da per cep ção imediata provocando o es pec tado r a empreender
uma análise det alh ada da encenação, est im ulan do -o a efetivar a sua compreensão
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Gilberto Iele
Este; texto pret end e aborda r de man eira in tro du tória o te ma da impro visação
teatral co rno natureza e procedimento do trabalh o do ator. É preciso in iciar escla -
rec endo qu e o term o ator, aqu i, pode ser generalizado para to dos os âm bitos nos
qu ais seres humano s se dã o a ver em sit uações espetaculares o rganiza da s. Ass im,
podem os incluir crianç as em situação de jogo, ato res pro fission ais num palco à ita-
lian a ou oficiantes de um ritu al religioso. Con tu do, neste texto, vo u o cu par-me da
atividade sistematizada na qual os praticantes jogam em situ ação d e com o se. Ou
seja, t rata-se de atividad es na s qu ais os jo gad ores se tran sp ortam para um a sit uação
fictí cia, brincando , faze ndo de co nta ou atuando t eatralm ente.
O senso com u m, f reqüent em en te, ac redi ta q ue a improvisação é fru to de
um talent o espo n tâ neo, d e um jogo qu e ini cia e se compl eta ape nas n o m omento
em q ue é revelad o. No en ta nt o, co mo vere mos a seg ui r, a idéia de improvisação
é mui to mai s complexa e envo lve um movimen to entre o passa do, a p ro jeção d e
futur o e o momen to p resente.
A idéia de improvisação perp assa o próprio cerne do tr abalho do ato r, pois tudo
o qu e o ato r faz diante do público consiste nu ma impro visação, cont udo, não se trata
de pen sar a improv isação co mo um a revelação, pois em bora o ator faça parecer que suas
ações são realizadas naquele instant e, elas são fruto de um trabalho ou d e uma co nstru-
ção anteno r.
Por o utro lad o, p rincipalm ente no séc ulo XX, a imp rovisação teat ral foi tid a
como um procedimento para alcanç ar êxito na at uação. Ela passou a co ns tituir mé-
tod o s e modalidades que ajudam o ator a co ns t ru ir um personagem , a edificar sua
presen ça cênica, a acessar uma det erminada lin guagem cêni ca, a ligar di fer entes ato-
res na co ns tituição de um ensem ble teatral ou, ainda, a auxiliar dire tores e ato res na
inves ti gação de p rocesso s po éti co-p eda gó gico s.
95
o primeiro aspecto que e mreressante reter da experiência da Commedia
dell'arte, principalmente nos séculos XVI e XVII, é o fato de que a noção de impro-
visação tem pouco a ver com espontaneidade. Ao contrário, os atores desse tipo de
teatro europeu, principalmente italiano, eram esp ecialistas em uma única máscara
por toda sua vida. Os documentos da época revelam que em pouquíssimos casos
um mesmo ator jogava mais de uma máscara. Isso, aliado ao fato de se tratar de
exímios cantores, instrumentistas, acrobatas, oradores, mímicos entre tantas outras
habilidades, oportunizava a esse ator um jogo bastante rebuscado. Trata-se de uma
intervenção de temas e assuntos do presente, de cada lugarejo no qual a trupe esti-
vesse , no repertório de histórias, gags, piadas e roteiros já conhecidos.
O canovaccio era um instrumento precioso a esses atores. Tratava-se de um
roteiro que os atores tinham de memória, com o qual era possível atuar de forma im-
provisada, pois ele era constituído de forma aberta, delimitando apenas as entradas e
saídas e algumas situações básicas, para se poder introduzir a imitação de um político
corrupto daquele local ou uma piada sobre um' adultério conhecido dos moradores ,
por exemplo. Esse roteiro passava de geração a geração, mas o que o público via em
cena era a dialética sempre renovada entre essa tradição, essa história roteirizada e
quase arquet ípica - que muitas vezes envolvia a figura do Arlecchino (criado faminto e
atrapalhado) - em confusões com seus patrões e o momento presente.
Taviani ' afirma que a idéia de espontaneidade associada à improvisação é fruto
do romantismo, pois até o século XVIII a improvisação era um exercício comum em
academias e escolas e consistia em saber muitos poemas de memória, para se poder
improvisar uma poesia, por exemplo. Tratava-se de um exercício de memória, de reor-
ganização do conhecimento constituído, de mostra de saberes. Mostrava-se o domínio
de um determinado campo de saber e não um dom espontâneo. Na Commedia dell'arte
não era diferente.
1.1I/'RO \"}I.1Ç 40 : D.; tl PON7: 4:';[{ D.;{)[ R O.\iÁN Tl C.' AO "J IO J/[ N TO PRES[ N n " 97
.•i'C'
[00'] jogo teatral e jo go dram átic o, fun damentam-se na id éia d e qu e a depuração est éti-
C1 da comu nicação t eatral é indi ssociável d o cr escim ento pessoal do jogador. Ambos
têm na plat éia - interna ao grupo de jo gad ores - um eleme nto essencial para a ava lia-
ção dos avan ços co n quis tados pelos participantes. Prescindem da no ção de tal ent o
ou de qu alqu er pré-requi sito anterio r ao próprio at o de jog ar e ap resentam propostas
de caráter est rut ural, deri vadas da lin guagem do teatro , qu e permitem a formulaçã o,
pejo próprio grupo , da s situações, tem as, desej os , qu e quer traze r à tona.
O jo go teatral - tbeater game - foi sist ematizado p or Viola Spolin, nos Esta-
do s Unidos, e se diferen cia d o jo go dramático, prin cipalmente porque no primeiro
há a n ece ssidade d e se es tabe lece r regra s preci sas qu e en vol vam os princípios tea-
trais, dentre as quais o estabelecimento da rela ção palco/platéia, ou seja , jogado-
2 PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. O lúd ico e a con stru ção do senti do. Sala Preta , São Pau-
lo, v. I, n. 1, p. 181-1 87,2 001.
')8 G lI l lf KTO le u
res que atua m e jogado res q ue assist em. Al ém disso , Spolirr' propõe um Ponto de
Concentração para ca da jogo, pautand o a atuação d osjo gad ores em regras pontu ais
a sere m obse rvadas durant e a atuação e a serem discutidas na ava liaçã o. A id éi.i de
In strução tamb ém é uma característica diferenciadora do J o go Teatral, po is o orien -
tador do jogo pode in struir os participantes durante o próprio jo go a fim de garanti r
o an da me nto do m esmo e o melhor cum pr ime nto das regras.
O s exe rcíc ios d e Vio la Spolin se ag r u pa m principalm en te na inves tigação c
proposição de circ uns tâncias - ao gosto d a t rad ição instaurada por Stanislavski -
resu midas, pr incipalm ent e, em gru pos de exe rcícios de O nde, O que e Quem.
Pa ra Ryngaerr", o jogo dramáti co pode se r ca racte rizado por sete elem en t os:
1) aná lise da realidad e tradu zida em lin guagem não naturalista; 2) trabalho coleti -
vo; 3) não subo rd inação a um te xto co mo p on to de partida, m as poderá existir um
t ex to imp ro visad o ; 4) di scu ssão sobre o qu e se fez no jo go , ava liação d o pro cesso ;
5) negação do virt uos is mo ou de habilidades, todos se co loca m como jo gad o res,
não como ato res profiss io nais; 6) descart e d e cenograf ia e indu m entária, t udo é
produzido pelo próp rio jogo, no corpo e co m o co rpo; 7) prazer como elem en to
indispensável.
O jogo dram át ico não necessita de gru pos distint o s de jogado res, embora
p ossa utili zá-los, co mo no jogo teatral no qu al deve haver atuado res e assis tentes,
m esm o qu e esses pap éi s se jam constantemente trocados en t re os jo gad o res, em b o ra
ambas as mod alid ad es d e jo go trabalh em co m os princípio s do d ram a.
o momento presente
Ao mesmo tempo em que o t raba lho do ator é fruto de u m complexo e contí-
nuo processo de const rução de co nhec ime nto q ue o faz est ruturar conhecim ent o s
precisos e d ife rentes do m undo cot id iano, o gran de desafio do jogo da atuação é
consegu ir estar no momento presente.
Quando fala mos em improvisação , es ta mos pretend en d o evocar um dupl o
p ro cedimen to: es ta r n o aq ui-ago ra e, ao m esmo tempo, refaz er o proc esso qu e
nos conduziu a esse momento . Vejamos qu e paradoxo complicado: estar no pre-
sente recu per an d o o p assad o.
Para Brook", "o teat ro não tem a ver com edifícios, nem com textos, ato re s, es-
t ilos ou formas . A essênc ia do teat ro resid e num mi st éri o chamado 'o mom en to p re-
sente'". Mas co mo é po ssível ao ato r estar d e co rpo e mente no momento present e?
Pod e par ecer fác il, ma s unir mente e co r po numa úni ca ação é o grand e desafio
d o ator. No mund o co t id iano nos aco stum am os a auto ma tizar no sso co mporta-
mento. Fazemos ações, mov imentos e gestos auto maticamente . Podemos diri gir
u m carro e pensa r no q ue faremos a noi te; faze r co m pras e programar mentalmente
u m a viagem; caminhar e relem brar um acontecimento. O ator não pode deixar sua
mente viaja r além da ação do present e. É esse conhecimento que caracteri za o qu e
chamamos tea t ro e define a dif er en ça ent re co ti d iano e extracotidiano".
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I. II PROI 'I\AÇA o : D.' ESpmn .NEID A[) [ RO.l/.' N Tl CA .• 0 ",II Ol f [NTO PRESENTE " 99
Ao permanecer no mom ento presente, o ator cria um comportamento qu e
se diferencia do co mporta me n to cotidiano . C ha mo extracotidian o o co m porta -
m ent a qu e se caract eriza pela sist ematização de aç ões, ob jetivando se dar a ver dt'
m od o distinto do cotidian o. N esse momento, o pe ra-se um salto o u uma t ran s-
cend ên cia do cotidiano a um estado no qual corpo, mente e espírito se unem
numa fun ção supe rla tiva. O co rpo parece mai or, o tempo parece sus pe n so e quem
ass ist e é to cado e condu zido ao illud temp us.
É esse co mpo rt ame nt o extracotidiano que a improvisação visa atin gir. Assim ,
a idéia de um a improvisação teatral como procedimento permite pen sar qu e a im-
provisação é também a nature za do tr abalh o do ator.
Mas como o ato r lo gra acionar essa união m ente/corpo no momento presen-
te? Da me sma forma qu e os atores da Comm edia dell'arte conseguiam improvisar,
porque possuíam de memória um repertóri o de te xtos, cenas , gags, entre o ut ros ,
um at or qualquer atinge a capacidade de imp ro visar no momento pr esente po rq ue
improvisou muitas situ ações e acumulou um repertório de açõ es, textos, gags, ce nas,
ef eitos que podem ser utilizadas agora, no entanto, produ zida s no passado.
Es sa dialética en t re passado e momen to presente é bastante complexa, pois ao
m esm o tempo em que o ato r usa esse repertório de açõ es do passad o, ess a utili zação
não pode ser plan ejad a. Ela flui no momento pr esent e sem qu e o ator de va (nem
precise) pen sar de an temã o na s soluçõ es cên icas. O qu e, de fato, caracteriza o at o
d e improvisar é essa dial ética qu ase impossível d e recuperar o passad o e fazer del e
mom ento presente. Tão presente que parece se r realizado de fo rma espontâ nea,
como se nada hou vesse sido planejado, com o se nad a foss e organiza do, co mo se
t ud o es t ivesse send o reali zado ao acaso, pela prim eira vez.
Mas só parece. Al guns poucos minu tos do tr abalh o do ato r podem ser tão
im pr essionantes e to cantes qu anto os an os de trabalh o que eles esconde m .
O exercício dessa dialéti ca em recupe ra r o passad o e co nvertê -lo em m omen-
to presente permite ao ator a in corporação do qu e acontece no momento pr esente.
Co nverter em mo men to pre sente o passado é, também , incorpora r os dados do
aqui-ag o ra: as reações ou a falt a d e reação d o pú blico, um imprevisto com algum
eq uipa m en to, as reaçõ es d os o ut ros atores, en t re o ut ro s.
E sse jogo entre pa ssado e presente faz trans cender as ações e, de certa forma,
faz o ator prever o futuro . O ato r seria, então, um vide n te? N ão é bem assi m, con-
tudo, a improvisação, co mo nature za e pro cediment o, faz o ator oferecer resp ost as
antecipadas aos problemas cênicos, faze ndo parecer qu e se antecipa aos aconteci-
mento s. O momento presente é, também, futuro.
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CEN OGRAFIA E IN D UMENT ÁRIA NA A RTE-ED UCAÇ ÃO
Gilson Mott«
Cenog rafia, indumentária, iluminação e maquia gem são chama do s de elem en-
tos visuais do espe tác ulo . Em sua int er ação e integração no espe tác ulo, eles t ra ns-
mitem mensagens visuais , construindo um efeito visual. Em b ora os at o rr- t:111.\ ,(~ n1
possam ser vistos co mo elemento s t ransm isso res de men sa gens visuais :.L ,Iu ' l d o
com sua pos ição e deslo camento no espaço, só os elementos acima co ntêm um a lin-
guage m visual, isto é, um co nj unto de signos visuais arti cula do res de um se n tid o.
Codificada p ela psicologia da G estalt e pela Bauh aus, a lin guagem visual m a-
nifest a sua pr esen ça nas obras, so b re a pla sti cidade do teat ro , produ zidas na Europa
e nos Estado s Unido s a partir da décad a de 1950. Ass im, a m odernidade no teat ro é
co ns t ruída co m os es tu dos so bre a lin gua gem visual e co m as expe riência'; lu t'l1 1.lis
desenvolvida s entre o final do século XIX e as van guardas artíst icas. Po r um lado ,
as experiências form ais geram nov as relaçõe s entre os elem entos da lin gua[;t'!li v'i-
sual; p or outro, tai s eleme nt os tornam legíveis os estilos e for mas teatrais. Este fato
tornou possível - em espec ial nos textos norte-am eri can os - a presen ça de c1assifi-
103
cações de cenários, por tipos ou estilos'. Embora esta classificação não tenha mais
efeito na cena contemporânea, ela é importante por permitir realizar na esfera da
composição visual do teatro aquilo que Donis A. Dondis chama de "alfabetização
visual'": o entendimento da s mensagens visuais presentes em cada estilo ou form a
teatral. Este entendimento da cultura visual é o ponto de partida para o desen volvi-
mento do gesto criativo do aluno.
Em suma, enquanto pertencentes ao universo da visualidade e da plasticidade,
os elementos visuais do espetáculo são regidos pela linguagem visual, sendo idênti -
cos em seu s fundamentos. Daí a interdependência dos mesmos, quando da cria ção
de um espetáculo teatral. Portanto, um primeiro aspecto a ser considerado na Indu-
mentária e na Cenografia é que ambas são atividades artísticas cuja criação e recepção
f unda-se na linguagem v isual.
I Est a classificação apresenta-se em várias obras. Ver, por exemplo: SELDEN, Samuel; SELL-
MAN, Hunton , Stage scelle1J' an d lighting: a handbook for non-profession als. New York: Appl e-
ton -C cntry-Croits, [19--]; PARKER, Oren; SMITH, Harvey K. Scene design and stage lighting,
N ew York: H olt, Rinehard and Winston, 1966; NELMS, H enni g. Scene design: a guide to th e
stage. N ew York : D over Publicatons, 1975.96 p.
2 Cf. q ONDIS, Donis A. Sin taxe da linguagem v isual. São Paulo: M. Fontes, 2000 . 236 p.
3 GUENOUN, Deni s. A exibição das palavras: uma idéia (política) do teatro. Ri o de Jan eiro :
Teatro do Pequeno Gesto , 2003 . p. 55.
10
de, os fat ore s internos, a in spi ração e a capacidade do art ista, depende m do talento e
de da formação profiss io nal; da chamada alma de art ista, bem como de paciência e calma
tO
para desenvolvê-la'.
IS-
Uma dime nsão é es té tica n o se nt ido d e um trab alh o co m as for mas (a co mpo-
sição , o sign ifica do do o b jeto artístico) . Outra é es té tica por se refe r ir ao p roc esso
da dinâmi co da sensib ilida de. A p resença simultânea destes fato res externos e internos é
:111
um fator problemático na formação do arte -educador, po is os elementos técnicos e ex-
ão pressivo s nem sempre podem ser contemplados nos CU1"50S de formação .
ra- Cenógrafo e figurinis ta são pro fission ais q ue devem dominar técnicas de pro jeção
gráfica, téc nicas de construção, devem sabe r dialoga r co m profission ais diversos, devem
ter o co n hecimento de d iversos materiais expressivos . O oficio do figurinis ta e do ce-
.L- nó grafo envo lve um a grande gama de co nhecime n tos (históricos, teóricos, artístico s,
,Ie- técni cos, cu ltura is), ma s é somente na pr ática art ística que a razão de ser destes conheci-
IIg.
.hc mentos é pos ta à prova. O fundamental nest es dois ofícios é, portanto, o domínio técni -
co, u m sabe r instrumental que possa vir a fornecer soluções para problemas tópicos. Se
ro:
4 DI AS, Jos é. A import ância da cenografia. O Perceucjo, Rio de Janeiro, ano 7, n. 7, p. 29, 1999.
Cenografia e indumentária na
forma ção e na prática profissional do arte-educador
106 c;11 , O N M U IT A
1) O professor-orientador tem poucos recursos de expressão gráfica ou plás-
tica, mas precisa elaborar um cenário para cenas criadas pelos alunos.
4) Uma montagem teatral está sendo realizada com trajes recuperados, mas a
diversidade das peças dificulta o estabelecimento da unidade do figurino.
o material de desenho é imp ortante para poder tradu zir em linh a, co res o u so mb ras
no ssas idéias, m as acho que se pensarm os em m ateriais nos sa t ar efa ficará potencializa-
da: quer diz er, deixar que a matéria aceite o u não ser utilizada p or nossa imaginação'.
5 RATTO, Gianni. A ntitratado de cenografi a. São Paulo: Senac São Paul o, 1999. p. 52.
Vimos que a criação visual no teatro funda-s e numa articulação entre os ele -
mentos visuais e os não visuais, na interpretação do conceito de en cena ção e do
texto dramático, e, por fim , na capacidade técnica. Acredito que, para atender ao
mercado teatral, a metodol ogia presente nas obras didáticas ou técnicas so bre cen o -
grafia e indumentária são suficien tes.
O modo pelo qual um cenógrafo ou um figurinista chega a uma idéia envolve
vários fatores subjetivos, de forma que tentar estabelecer um "método" comum a
todos é um contra-senso , já que , por sua nature za, este proc esso resiste à transmis-
são ou à reprodução. Contudo o sistema de produção teatral determina um mod o
de cria ção semelhante para todos os artistas. Por co nseguint e, apesar da dimensão
subjetiva, é possível se identificar fatores gerais, sujeitos a um registro objetivo, logo,
passíveis de tran smissão. São estes "fato res gerais" q ue aparecem nas o bras didáticas
ou técnicas. Para orient ar e estim ular o pr ocesso criativo, algumas obras apresentam
que stões que o figurinista o u cen ó grafo deve col ocar na ocasião em que elaboram
projetos. Qual o sentido do texto (análise drarnat úrgica)? Qual o con ceito da encena-
ção? Que tipo de espaço cênico é mais apropriado para a encenação? Qual o estilo da
representação? Que abordagem de figurino s deve ser adotada (realistas, estilizados,
abs t ratos)? Quais as necessidades do ator em relação aos figurinos? Qual a dinâmica
do movimento dos atores? Que materiais iconográficos serão nece ssários para a defi-
nição form al? Que cores e formas podem traduzir melhor uma idéia?
Estas perguntas constituem um estímulo válido para o aluno apreender o
modo como o drama informa a cenografia e a indumentária. Mas, deve-se entender
que , o processo de cria ção visual no teatro env o lve uma experimentação contínua.
Ist o é, es tas per guntas não são respondidas conceitualmente, mas sim plasticamen -
te. A idéia gera formas que, por sua vez, esclarecem a idéia dando-lhe materialidad e.
É neste ponto que a confecção de maqu etes tem se afirmado como um elemento
fundamental do estu do e da criação: nela, os materiai s são potencializados, de modo
a supe rar as pr óprias dificuldades de expressão gráfica. Na maquete, as mas sas, as
core s e os vo lumes são postos em cena, são visuali zados concretamente, po ssibili-
tando uma antevisão do fe nô m eno cênico.
Aqui, mais uma vez, sugere-se que as escola s de teatro possuam oficinas ne-
cessárias para tais experimentos. Mas, além disso, sugere-se também que haja uma
inter-relação das disciplinas: Direção Teatral e Dramaturgia, por exemplo, podem
ser di sciplinas gerado ras de materiais para a exp er ime nt ação plástica. O mesmo pode
se dar com as disciplinas de Interpretação em rela ção à prática do figurini sta. Enfim ,
o que se vislumbra aqui - no interior da metodol ogia tradicional - é que os cursos
de teatro sejam mais centrados na prática ou experimentação cênica, envolvendo
ati vidades interdisciplinares. Isto porque C eno grafi a e Indumentária são di sciplinas
teóri co-práticas que contêm elem entos conceituais e elementos ref erentes à ordem
do faz er. Um t erm o não existe sem o outro, eles se alimentam e se interpenetram,
num mo vimento circular, o nde a teoria gera o faz er e o fazer gera a teoria.
Mas, devemos pen sar ainda que o licenciad o em teatro atuará, em boa par-
te dos casos , em cir cu itos alhei o s a este gran de mercado . De vemo s pensar tam-
bém que, por nature za , o ges t o cri ador é sem p re transformacional. Ele é agent e
DIAS, J osé. A imp ortância da cenografia. O Percevejo, Rio de Jan eiro, ano 7, n. 7, p . 11-17,
1999.
GUÉNO UN, De nis. A exibição das palavras: uma idéia (po lítica) do teatro. Rio de Janeiro:
Teatro do Pequ eno Gesto, 2003.
HO LT, Micha el. Phaidon Theatre manu al: costu me and mak e-up. Lond on: Phaidon Press ,
1993.
NELMS, Henn ig, Scene design: a guide to the stage. Ne w York: Dover Pub licaron s, 1975.
PARKER, O ren; SMIT H, Harvey K. Scene design and stage lighting, New York: H olt, Rine-
hard and Win ston, 1966.
RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia. São Paulo: Sena c São Paulo, 1999.
SELDEN , Samuel; SELLMAN , H un ton, Stage sce/le) )' and lighting: a handb ook for non-
profession als. N ew Yor k: Appleton-Centry-Croft s, [ 19--] .
Em um a p ersp ecti va p eda gó gi ca, Teatro e Drama são ut ili zad o s e m dife-
rent es cu lt u ras co m di ferent es conce pções e sig n if ica dos. O Teat ro é uma áre a
de aqui si ção e co ns t ruç ão d e co n heci mento na esc o la. Deve ri a es t a r pre sen te
no cur rí cul o escolar, sen d o - lhe atr ib uída a mesma imp o rt ân ci a que as outras
áreas de co n hec im en t o .
Na Edu cação Básica (infantil, fund am ental e média), o Teatro deveria ser par-
te da ár ea de co n hec iment o den ominada Arte, ao lado da Dança, da Música e das
Artes Visu ais, dentro de um pro grama integrado e interdi sciplin ar.
113
Nas últ imas sé ries do Ensino Fundamental e ao lon go do Ensino M édi o, o
Teatro deveria ser considerado como uma disciplina autôn oma, de forma articu lada
com as outras lin gu agen s artísticas.
As quatro lin gua gens artísticas (Teat ro, Mú sica, Dan ça e Artes Visu ais) de -
ve riam estar pr esentes no currículo escolar, tant o individualm ente como através de
pro gramas int erdi sciplinares. O Teatro deveria estar pre sent e todas as vezes q ue for
concebido um programa multidisciplinar.
O Teatro dev e ser considerado como uma metodologia de ensino na Ed uca-
ção Básica.
Formação pré-servi ço
Na formação do professor gen eralista, a área de Teatro deve compo r o cur ríc u-
lo em co njunto com as o ut ras linguagen s artísticas (D ança, Mú sica e Artes Visuai s)
reservando-se como um mínimo de 60 horas para cada uma delas. Recom enda-se que,
dep ois de cumpridas essas quatro disciplinas, sejam reservadas mais 60 horas para o
desen volvimento de pr ojetos interdisciplinares. O s professores qu e atu am na Educa -
ção Infantil e primeiras séries do En sino Fundamental qu e não tenham recebid o essa
fundamentação em cada uma das linguagens artísticas deveriam participar de cursos
equivalentes.
Formação em serviço
O s pro fessores de veriam colab orar .com os mu seu s que ut ilizam o Teatro
para to rn ar viva a hi st ória e a cultura. Eles deveriam coop er ar com o t ea t r o
profissional , proporcionando aos a lu nos o aco mpan ham ento do pr o cesso d e
produção de uma enc enação teatral, a discuss ão com atores e diretor, incluind o
esse tema na s au las de teatro. Deveri am incentivar seus alun o s a parti cipar d e
fe stivais de te atro d e alt a qualidade, d esde que tenh am uma o rie n tação ed uca-
cio na l; deveri am in centivar seus alun o s a se aprese nta re m em ho spit ais, asil o s ,
fábri cas e o u t ros lo cais co mu nitá rios; e in centivar se us alun o s a desen vol ver e
apresentar ce nas e peças sobre event o s locais, acont eciment o s hist órico-, " ou -
tro s . Por ex emplo, os aluno s podem p esqui sar um tema entrevi stand o f" \ ,,< ',I '
co m co nhec ime nto e desen vol ver uma peça de teat ro qu e e nvo lva todas as lor-
ma s de arte. Por fim , os prof essores d everiam co nvida r os pais a se (: 11 ,',.1 j.II "Il 1
nas ativ idade s de teatro, fazend o fi gurin o s, ce ná rios etc .
Objetivos
Ao final do pro gr ama , os alun o s devem estar ap to s a:
- Usar estó rias e jogos tradicionais para criar teat ro
- Inici ar suas próprias atividades cênicas
- Realizar ati vid ades de mímica usando a experiênci a pessoal
- Usar a narração na s aprese ntações teatrais
- Usar boneco s e o bjetos animad o s na s suas aprese n tações
- Usar ade reços e figurin os para criar per sonagens
- Improvisar diálogos
- Escrever e grava r diálogo s a part ir de improvisaçõ es
- Inter agir com o ut ras persona gen s em cenas imp ro visadas e escritas
- Exp erimentar várias formas d e apresentação do teatro
- Conhecer formas at ravés das quais o teatro afet a a vid a
- Apreciar e criticar sua apresentaçã o dram ática e aquela d e seus pares
- Apresen tar diante de fun çõe s da escola, da co m u n idade e em festivais
- Entender e ap rec iar várias form as culturai s
A RT,) un.csrto« IN L'l rFS A,II L R1C4 AS/) TH E CARI HHl.tN .UEL T/ ;\( , oi L \ P f RT'i 115
1
- Apreciar a co ntribuição de praticant es de teatro e o desenvolvimento dessa for
ma de arte.
Propostas metodológicas
J osé da Costa
Segundo N elson de Sá, N ova velha estória, es petá cu lo qu e Antunes Filho reali-
zo u a part ir do co nto de Chapeuzinho v ermelho d o s irmãos Grimm, e ra um a es péc ie
de pan flet o co nt ra o teatro visual: "O diretor, com 40 anos de teatro, ch utou glórias
passad as e saiu a cam po con tra o teatro ininteligível , de ima gen s e ge lo seco". C om
essas palavr as, o crítico paulista se referia aos procedimentos cênicos ut ilizados po r
Ger al d Thomas. N elson d e Sá justifica o caráte r de o bv iedade que enxe rga nos sig-
nos e na dramaturgia de Nova v elha estória co mo uma man eira pela q ua l A nt unes
Filho es ta ria co nt ra po ndo -se à rar efação do sign ificado em certo teatro b ras ileiro
co n te m porâneo e co mo um a reação ao ch am ad o teatro visual. A referên cia a G erald
Tho mas, no co me ntá rio à p eça de Antunes, ex p lícita-se sem am bigü ida de :
Nova 'velha bist ôna é, po r assim dizer, o fundo do poço. Depois de cinco anos de Gerald
Th omas, era preciso uma "terra arrasada" para mudar. O próprio Thom as tentou isso
com MO/te, espetáculo contido, apesar do título. A peça de Antunes Filho é um novo
passo nessa direção. Um espetáculo mais para destruir do que para apont ar alt ernativas'.
ISÁ, N elson de. Diva s!Idade: um guia para o teatro dos anos 90. São Paulo: H ucitec, 1997. p. 49.
!BRANDÃ O, Tânia. Visionários ou alienados. Revista da U5P, São Paulo, n. 14, p. 28-33, jun./
ago. 1992.
11 7
N o trabalho dos quatro diretores tomados como representantes das tendên-
cias dominantes no teatro carioca no final dos anos 80 e início do s 90 , a ensa íst a
verifica outro traço comum. Trata-se de uma segun da redução, aquela imposta ,!
função do texto verbal , levando a uma espécie de "morte da palavra", que teria a ver
com razões diver sas interligada s ent re si. A rejei ção por vários daqueles diretores
de en cenarem textos disponibilizados pelo repertório da literatura dramática oci -
dental seria uma das causas do sacrifício da palavra dia gnosticado pela pesquisadora
carioca. A única exceção seria Moac yr Góes, que lan çou mão de obras de Brecht,
Büchn er, Marlowe, Guelderode, Sakespeare e Sófocles em su a trajet ória de encena-
dor. Entretanto, na visão de Tânia Brandão, a ênfase dada à corporeidade (em uma
orientação mecânica ou automatizada) reduzia a importância do texto nos empre-
endimentos teatrais realizados por Moacyr.
Entre as razões da dupla redução da palavra e do ator, a ensaísta menciona a
tendência a se priorizarem narrativas de ficção livremente teatralizadas a partir da s
exigências dos projetos cênico-visuais dos diretores (T h o m as em relação a obras de
Kafka, Bia Lessa em relação à de Virgínia Wolf etc.); bem como uma tendência apa-
rentada à primeira, qual seja, a de os próprios encenadores escreverem textos "em
geral, bem pouco densos, desprovidos de relevância enquan to dramaturgia e até de
importância secundária na dinâmica da montagern'". Para Tânia Brandão:
5 Um exemplo de trab alho em que T âni a Brandão aborda essas quest ões é o brilhante ensaio
°
Teatro brasileiro do século XX - As oscilaçõesvertiginosas. BRANDÃO, Tânia. teatro brasileiro
do século 20. Revista do IPHAN, Brasília, DF, n. 29, p. 300-335, 2001b. Mas também na tese
de doutoramento da pesquisadora, Peripécias modernas: companhia Maria Della Costa (1948-
1974), aparece o tema da extinção da experiência do teatro moderno no Brasil a partir da década
de 60 e principalmente de 70. BRANDAO, Tânia. Peripécias modernas: Companhia Maria Dclla
Costa (1948-1974). 1998. p. 323, 332. Tese (Doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciência So-
ciais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998. Não publicada. O interesse
da historiadora pelo percurso de um certo teatro moderno profissional ~parece ainda no livro em
que estuda a trajetória da companhia carioca Teatro dos Sete. BRANDAO, Tânia. A máquina de
repetir e a fábrica de estrelas: Teatro dos Sete. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002. 330 p.
6 BRANDÃO, 2001b, p. 320
[...] cujos tr abalh os estão mais estr eitamente ligados à pr ópria personalidade c .10'
maneirismos do criad or, inclusive devido às citações gratuitas, episódicas ou ,111(' (k, ·
ricas de outras o b ras de arte (o caso mais grave, aqui [no Rio de Jan eiro] foi a mon -
tagem da ópera O navio fantasma, de \\!agner, em que o diret or se deu ao luxo dê' S é'
referir à Docum enta de Kassel e a obras de art es plásticas do século XX) 12.
Já A lberto Guzik" não reproduz esse apel o ao "bom se ns o", naturalizado nas
pala vras de Ma galdi , que opta por rec orrer às noçõe s de "bom teatro" e de "boa liter a -
t u ra", como se elas fo ssem au to -evide ntes e não nec essitassem maiores esp ecifi cações
d e cr ité rios ou de perspect ivas seg undo as quais se po ssa aludir às m esma s. Ape sar ,k
não recorrer à expressão tão sing ela quanto "boa literatura", Gu zik também lida co m a
d icotom ia teatro da palavr a versus teatro da imagem, a que se refer e como "drama turgia
d o espaço", exercida, segu ndo ele, por encenadores como Bia Less a, Ul ysses C ruz e
Gera ld Thomas.
Estamos em um determinado campo de ap rec iação do t eatro con te m porâ n eo
que, apesar de diferenças em vário s ní veis, co ns iderand o os di stinto s perfi s intelec-
tu ais, profissionais e ge racionais do s crít icos mencionad o s, compartilha ce rta pers -
pectiva comum no que diz respeito ao modo de entender determin ados asp ectos d o
teatro atual. De fato é, por exemplo, bastante habitual, em vários se tores da crít ica
jornalística e acad êmica, uma visão ra zoavelmente pessimist a (ex p ress a, muitas vezes,
também em depoimentos de arti stas) em rela ção à tendên cia d o teatro contemporâ-
n eo de priorizar adaptações de textos o rig inalme n t e não escritos para a cen a; a ence-
na ção integral de narrativas d e ficção ra zoavelmente lon gas; e, ain da, a ênfas e dada
na s co m posições dramatúrgicas empreendidas pelo s próprio s enc e na do res (ef o u po r
dramaturgo s ou dramaturgistas integrados às companhias), às técni cas d e colagem,
d e montagem lit erári a, d e bricola gem e d e livr e manipulação de referên cias art ísticas
I; GUZIK, Alberto. Um exercício de memória: dramatur gia brasileira anos 80. Revista da USP,
São Paulo, n. 14, p. 10-15 , jun./ ago. 1992.
o fato de o teatro dos anos 80 distinguir-se por ser em grande parte criação de direto-
res, e muito menor escala de dramaturgos, suscitou na literatura especializada uma su-
cessão de especulações sobre a impotência teatral da escritura dramatúrgica como sinal
de fenecimento da arte dramática. Nem o surgimento de autores como Heiner Müller,
Botho Strauss e outros é considerado como uma demonstração de poder criativo de
textualizaçâo, sendo apontado como confirmação do processo de decadência, pelas ca-
racterísticas de suas peças. As colagens, as citações, as montagens de fragmentos, as
transposições do épico para o dramático, os enredos soltos, as estruturas abertas e a
16 HELIÜDüRA, Bárbara. Cuidados e carinhos com Claricc. O Globo, Rio de Janeiro, 4 dez.
2002. Segundo Caderno, p. 4.
17 PAVIS, Patrice. Le théâtre au croisement des cultures. Paris: Librairie José Corri, 1990. p. 74.
Tradução nossa.
Para desobstruir o palco dos rótulos ou, pelo menos, observá-lo sob nova luz, é pre-
ciso enxergar no trabalho autoral de (Gerald) Thomas uma das matrizes de análise
da encenação nos anos 80. [...] As peças musicais de Hamilton Vaz Pereira, as expe-
riências plásticas e espaciais de Bia Lessa, o Corpo de baile de Ulysses Cruz ou o A
bao a qu de Enrique Diaz afirmam-se, tanto quanto a ópera seca de Thomas, como
concretizações de um discurso da encenação I').
USP, São Paulo, n. 14, p. 92-96, jun./ago. 1992b. A posição de Jacó Guinsburg mais aberta
J certas práticas criativas contemporâneas aparece igualmente em texto da Revista Sala Preta
(GUINSBURG, Jacó. Texto ou pretexto. Sala Preta: Revista de Artes Cênicas, São Paulo, ano
1, n. 1, p. 87-88,2001), como pode também ser pressuposta a partir de pelo menos alguns dos
ensaios escritos a quatro mãos reunidos no livro Diálogos sobre teatro. GUINSBURG, Jacó.
Diálogos sobre teatro. Organização de Armando Sérgio da Silva. São Paulo: Edusp, 1992a. 262
p. Lembre-se ainda que o autor é um dos organizadores do livro coletivo Um encenador de si
mesmo: Gerald Tbomas. FERNANDES, Sílvia; GUINSBURG, Jacó (Org.). Um encenador de
si mesmo: Gerald Thornas. São Paulo: Perspectiva, 1996.295 p.
/9 FERNANDES, Sílvia. O espectador emancipado. Reuista da USP, São Paulo, n. 14, p. 70-71,
o fechamento do palco conte mporâneo não parece obedecer a essa necessidad e (re-
fere- se à demanda de ilusão teatral, que marcara a pr odução de An dré Ant oine no
início do século XX). Em pr ime iro lugar porque aqu ilo que vemos em cena (no caso
do teat ro de Th om as) é ficção elevada à última potên cia, ou melhor, é desest abiliza-
ção dos mecanismos de preservação da ficção. Em seg undo, porque a rep resentação
não pr etende ent regar ao público um sentido, uma visão de realidade , uma mensa gem
ou qualquer outro elemento exteri or a ela!!.
!l FERNANDES, Sílvia. Mem ória e invenção: Gerald T homas em cena. São Paulo: Perspectiva,
1996. p. X .
2! FERNANDES, 1992, p. 72.
2 .\ PAVIS, 1990, p. 65-87, 89- 1OS; PAVI S, Patri cc. Vás U Jl C tb éorie de la pratique tb é
âtrale: vo ix ct
image s de la sc ên c. Septentrion : Pr esses univcrsitaircs de Scptcntri on, 2000. p. 193-2 06 .
2. Luiz Albert o Abreu é autor de pe ças com o Foi bom , mCI( bems , Bel/a C iao, Li ma Barreto ao
terceiro dia e gl/Cl'ra santa dentre out ras, tend o diver sas vezes trabalhado co mo dramaturgo no
in ter ior de p ro jeto s d e ce rtos gr upos de t eatro co mo, po r exe m plo , o G rupo G alpão e Teatro
da Vert ige m .
2; ABREU, Luiz Albert o. A restauração da narrativa. O Percev ejo: Re vist a de Teatro, C rí t ica l'
Estética, Rio de Janeiro, ano 8, n. 9, p. 115-125, 2000.
21, ABREU, Luís Albert o . A personagem co ntemporânea: um a hip óte se. Sala Preta: R evista de
A rt es Cênicas, São Paul o , ano 1, n. I, P: 61- 68, 200 I.
D ABREU, 2000, p. 121.
l-
tur go realiza no texto que publicou na Re vista Sala Preta a propósito do personagem,
Ia ainda que tenha relação com as questões qu e ele levanta so bre a narrativa no texto de
s, O Percevej o, parece mais concentrada e esp ecífica, enquanto no texto de O Percevejo
sa a discussão assume um teor meta-hist órico (ont ológico e axi ológico) sobre a na rrati-
a- va. D e fat o, o texto sobre o per sonagem tem carát er mais técnico-dramatúrgico (d e
ra análise de problemas sobre procedimentos composicionais) e se mostra mai s delimi-
tIS
tado, enquanto levantamento de questões so bre caminhos possíveis de cons t ruç ão do
pers onagem pel os au to res no contexto da contemporan eidade. Des se mod o, o te xto
1Z
se apresenta como a exposição das inquietações de um dramaturgo inserido em se u
ça tempo e não ganha ares de uma teorização su pra-histó rica e nostálgica no grau em que
[I-
isso ocorre no texto de O percevejo.
)U
)e
ar
Em outro diapasão, Mariân gela Al ves de Lima, e m pequeno arti go inclu-
ído em publicação do início dos anos 8030, po stula o u t r os hori zontes d e análi-
et se. Ela tenta, n esse trabalho , entender o de sapontament o que os críti cos e os
ao produtores teatrais pareciam sentir no momento da atenuação dos mecanism os
no repressivo s e da cen sura no final da década de 70. E sse de sapontamento, ampla-
:ro
ae
29 BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a ob ra de Ni colas Leskov. In: _ _ .._ .
de Magia e técnica, arte e política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet , São Paulo: Brasiliense, 1987. p.
197-221. (O bras escolhidas, v. 1).
3DLIMA , Mariân gela Al ves de. O caos é muito grande. Rev ista Ensaio Teatro, Rio de J aneiro, p.
7-12, 1983.
Autores e teóri cos pensam o texto dramático como alguma coisa a que a encenação
dá vida, reinterpreta e amplia. Entretanto, como obra do aut or, ele já está completo.
A encenação seria o afluent e dessa so bred ererrninaçã o".
Durante todos esses anos foi impossível para o dramatur go expressar com clareza as
opiniões e as deliberações de consciência sobre o que percebia. Agora é igualmente
31 MI CHALSKI, Yan. Uma categoria paradoxal: os premiados in édito s. Reuists Ensaio Teatro,
Rio de Janeiro, p. 21-3 0,1 983.
31 LIMA, 1983, p. 8.
expli car-se (mesmo met aforicamente) a co m p lex ida de do mundo social e hist óri co
em qu e se vive". A sus te n tação de discurso s de ordenamento e de explicação pres-
supõ e, de fato, a existência de horizontes compartilhados como , por ex em plo, os d e
identidad e de classe ou de aversão ao au to ritarismo político. Co mo Mariãn gela ex-
plic a, os elos que eram favorecidos durante a ditadura tornavam viável a identificaç.io
do es pectado r com tod o tipo de personagem rebelde ou marginal, com todo tipo de
discurso metafórico da "lo ucura", selando uma espécie de pacto que envolvia drama-
turgo s, criado res da cena e rec eptores.
O qu e a aut ora indica é qu e, no novo co nt ex to dos anos 80 (co m o in ício da
dilui ção da imagem de um inimigo co m u m) , a au toridade da co ns ciênci a discursiva-
mente organizada, assim co m o o peso da voz au to ral (entendido o autor como sujeito
capaz d e expressar um se nt im ento colet ivo o u co m u nitário) perdem o alcan ce qu e
tiveram na cultu ra o u n o teatro br asileiro no s an os imediatam ente anteri ores. Ago ra,
nem o en gajam en to de per sonagens de p eças políticas do início do s an o s 60 e nem os
desbundados, lou co s ou m arginais qu e figuram em t extos afinados à contracultura o u
à t rop icália nos anos 70 dão conta de m obiliz ar o interesse da platéia. Interesse esse
qu e o teat ro, ent retanto, angario u ampl am ente em momento s ant erio res (em qu e J
imprensa estava calad a, a univer sidad e reprimida e todos os m eios d e comu ni ca ção
extre ma mente controlado s).
Pod em os, assim, dizer qu e, nesse contexto, foi bastante viável a conti n uida de
náo p ro blemá tica de certa concepção m oderna do es petác ulo teatral canonizada no
ocidente" . Conce pção ess a qu e compreende o esp etáculo como uma produção qu e
reúne art istas dist int o s, que se dispõem a faze r resso ar o discurso de uma obra deter-
min ad a escrit a po r um autor e co letiva mente ass imi lada pelo elenco e pelo s criadores
da ce na (cenógrafos, iluminad or es etc.), so b a lideran ça ou a regên cia d o ence nador.
Com efeito, o centram en to e a unificação do sen tido teatral, como projeto intencional
ou deliberado, dat am do início do teat ro m oderno e da afirm ação da encenação como
lingu agem artís tica, no final d o século X IX e nas primeiras décadas d o séc ulo XX. Po-
dem o s, com Ma riâng ela A lves de Lima, afirmar qu e o mesm o proje to de centramcnto
e de unificação do sentido foram a base da resistência no teatro b rasileiro dos ano s 60
e 70, ta n to da resistên cia in spirada por um pensamento mat eriali st a de esq ue rda (mais
dir et amente repr imi da) , quanto daqu ela d e caráte r co ntracultural (co nectada co m o que
1
J) LIMA, 1983, p. 9.
l4 M ariân gela não se refere a Je an -Franço is Lyo tard, m as sua reflexão t em ev iden tes po nto s
de co nexão co m o livro já clássico qu e Lyotard publica na Fra nça em 1979, pratica me nte no
me sm o momento em q ue a pesqu isadora es tava escreve ndo seu ensaio, produ zido em 1980.
e Lyo ta rd, como é sabido, d iscorre so bre o co ntexto cultural do pós- mode rnismo co mo sendo o
do naufrágio do qu e chama de as gra ndes me ta- na rr ativas da m odernid ade e d e sua auto ridade
para fo rn ece rem exp licaçõ es e ordenam en tos conceituais defi nit ivos sob re o real. LYü TARD ,
J ean- Fran ço is. O pos-modemo, R io de J aneiro : J. Olí m pio, 1986. 123 p.
" li Em um a orientaçã o realist a-n aturalist a (St an islavski, A n toi ne) ou co m in sp iração si mbo-
list a (Jacques Copeau ).
)(, SÜSS EKIND, Flora, A v oz e a série. Rio de Janeiro: Set rc Let ras; Belo H oriz onte: UFMG ,
19')8. 29 7 p. Publicado origina lmen te no mesm o núm ero da Revista da US P em qu e aparece r3.m
os ensaios de T ânia Brandão, Alberto G uzi k S ábato Magaldi e Sílvia Ferna nd es, ante rior mente
me ncio nados (SU SSEKIN D , Flora. A imaginação monol ógica, Revista da U5P, São Paulo , n.
14, p. 43-49, jun./ago. 1992) , o en saio de Flo ra passou a se r referência impo rta nte no s estudos
volt ado s para o teatro co ntemporâneo , co mo , por exem plo , os de Renato Co he n c de Luiz Fe r-
na ndo Ra mos , além da pr ópria Sílvia Fernan des. O texto apa rece ta mbém em Um en cenador de
51 mesmo: G erald Tbomns (F ERN A N D ES; G UI NS BU RG, 1996).
128 J O '1 UA C m TA
s imagem como fonte de um saber racionalmente sustent ado e sustentável. C reio que
por trás de várias das análises do teatro contemporâneo mais ou menos ce ll ir:! . L ~ · " fl
1 dicotomias hierarquizadoras co mo "teatro de texto" v ersus "teatro visual" OI } , : ' " I . . I, .
ator" v ersus "teatro da imagem" revelam-se as dificuldades de se confro ntar ; ' C ) l i " n
1 negação ou ânsia de retorno a um a estabilidade perdida) com o problema crl! c i~l l '1 11(' é
S o das derivas ou do nomadismo do sentido no teatro e na arte contempo r:II""! : ~'; l!'
S a necessidade dessa reflexão que aponta m certos posicionamentos como n ': ele F lora
) Süssekind e de outros dos críticos aqui comentados, a exemplo de Mariângela Alves de
e Lima, no seu texto do início dos anos 80.
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A sociedad e co nte m po rânea, frag mentada e es pec ializada, gerou um novo seg-
m en to do faze r teat ral: o gru po da terceira idade. Apa rece ndo co mo uma faixa d e
co nsum idor ideal, esse segmen to enco nt ro u no teatro um m o tivo d e satisfação. No
o utono, as folh as cae m, po rém esta preparação para o inverno é um es tágio qu e, co m
o pa ssar das estações, apresenta u m m ovimento d e ete rno reto rn o. É justam ente nes-
se desprendimento qu e vamos encontrar, na t erceira idad e, a oportunidad e de um
reenc ontro co m desejo s íntimos.
Um a lar ga fa ixa de o pções é es te n d ida ao ant igo "ancião ". Um verdadeiro s u-
pe r mercado de p roduto s su rge esti m ulan do tan to as açõ es físicas co mo o s cui da do s
com a saúde, co m a hi giene co rpora l e m ental. Turmas esp ecia is de aul as d e da nça de
salão , grupo s de viagem, bingo s benefi ce nt es, o u não , curso s de atua lização e aula s
de co m putação lh es são ofe rec idos.
Per cebendo esse vigor, várias em p resas, de o lho na potencialidade eco nô m ica
dessa faixa de mercad o , começam a co n t rat ar ato res ido so s pa ra criar uma imagem
sim pá t ica de velh in hos incríveis qu e an un ciam viage ns, esp o rt es radicais, aco ns elham
plan o s de saúde m aravilh oso s e u ma infin idad e de produtos d irigi dos ao be m-es tar
d o id o so .
D entro dessa gam a de o fertas , o teatro se ap resenta como u m a at ivida de sau-
d ável qu e am plia a p o t e ncialidade d a qu alidad e d e vida, res ta u ra o fa zer da cida dania
e alimenta o cam po em o cional co m at ivida des físicas, ações e mo t ivas, desen vol vi-
ment o d a personalid ad e e exercício da m em ória. Assim, o preparo d o pro fissi onal
que se d edica ao trab alho com a terceira idade necessita d e juntar conhecimentos
cênicos , um certo last ro de sab er es e uma prát ica de valores humanos.
133
o interior em apresentações mambembes integram-se, à cultura popular. O s me-
lodramas apresentados como complemento de fun ções circen ses, acrescentam -se
também a esse patrimônio.
No interior, companhias itinerantes levavam atores com o Procópio Ferreira,
Dulcina, Henriette M orin eau , Jaime Costa, Rodolfo Mayer, dentre outros , para
apresentações que marcavam o evento dos jovens de outr ora. O teatro foi, para e SS:1
geração, um encontro com a emoção, com o riso e com histórias que caracteri za-
vam ou se acrescentavam ao universo cultural local do brasileiro.
Exist e, ainda, um resquício do teatro escolar. A glória de um talento abor-
tado pela vida fica reprimida como um sonho irrealizado. A recuperação de mo -
mento s felizes são os principais instrumentos que proporcionam , aos grupos de
terceira idade, o encontro de motivações para buscar no teatro um momento de
realização pessoal.
Muitos dos que procuram um grupo de apoio encontram aí uma forma de so-
ciabilização qu e supre carências afetivas, devolv e a segurança perdida e possibilita a
criação de novo círcul o de amizades. Recuperando a voz, abafada pelo cotidiano de
tarefas domésticas ou burocráti cas desenvolvidas m ecanicamente, eles bu scam, na
atividade teatral, uma forma de rever conceitos e assumir novas atitudes. A magia, o
jo go e o poder de tran sformação são caminhos a percorrer.
A identidade do grupo
134 [o st L UIl R , HU RO
equilibrar através dess as primeiras revelaçõe s, pa ssamos para o entro sam ento das
identidad es variadas.
Jogos de outono
Um gru po que se reún e para fazer teatro na t erceira idade bu sca o prazer. Mas
a ale gria d e participar de um espetáculo inclui também um investimento n o método.
É importante que se trace uma linha de obj etivos a serem alcançados: que tipo d e C'i '
pet ácul o que se quer produzir, qual o trabalh o a ser des envolvido e a pot en cialidade
de cr escimento do elenco.
A éti ca será o principal caminho a percorrer. A disciplina dos encontros deve
ser mantida ferream ente e cada participante conscientizad o de que um gru p o qu e
se forma para fazer teatro de ve ter plena co nsc iên cia d e qu e, co mo n o s diz Piran-
dell o , em Seis personagens à procura de um autor, "o pa lco é um lugm' on de se brin ca
a sério '". A s normas de co m po rtame nto precisam t er linhas preestabelecidas quant o
à pontualidade e a assiduidade de cada participante.
Um do s grand es em p ecilhos para a ati vidade da terceira idade está no proces-
so de vitimização. C omo nos afirm a a sab ed oria popular, " O diabo é sábio porqu e
é velho" e por isso não podemo s nos esquecer de que existem alguns compona-
I PlRANDELLO, Luigi. Sei s persona gens à pro cu ra de IInI au tor. São Paulo: Abril, 1977. p. 134.
Movimentos dialógicos
As ati vidades tribai s inclu em se mpre um rito. Um gru po deve, aos pou co s,
criar nos ri to s o fator de int egração. Para isso é importante notar qu e cada ind i-
víduo traz dentro de si um campo de expe riências vividas . Essa formação envo lve
um a filos ofia vivencial, caden ciada pela sociedade e pelo campo de aspiração q ue
dime nsiona carênc ias e son hos. Diante desses fatores, um grupo de te rceira
idad e bu sca acertar as contas co m a vida. A busca do lucro, depois de tantas pequ e-
nas perd as, é um in stru ment o de so brev ivência. O co n flito so cial, qu e alijo u o velho
do pod er familiar, elegeu nov as estratégias para recomposição do estar no mundo
de um grupo que se nega à imobilida de do s co nde nados à morte.
Assim , det ect ar os campos de experiência comum a cada participante importa
em criar um lastro não só para a vivência teatral , mas também para a pr eservação
identit ária das nações, possibilitando a pre sença da diversidade em co nvivênc ia com
o globa l. Ao estabe lecer tó picos para a discussão, pode- se criar um vasto arse nal
de remin iscências. O encadea me nto desta s mem ó rias vai desp ertar mo ment o s de
recuo temporal em que as lembranças atuam na esfe ra da mem óri a afetiva exorc i-
zando antigos recalqu es.
Buscar resp ostas em sent ime ntos vividos vai permitir o desenvolvim ento da
atuação dr am áti ca acordando a memória de emoção tão praticad a pela he rança do
Método Stan islavski. Reviver é viver de forma crítica, assim com o rever é ve r com
o utros olhos . N as raízes da es po ntane idade vamos enco n t rar um processo de ações
e reações qu e motivam o jogo dramático, conferindo certa "ve rdade cênica" ao t ra-
balho. Esse mod elo de repre sentação, que busca convencer a si mesm o de suas po-
te nc ialidades, é a primeira resp osta a se r procurada para uma atuação seg ura.
As ações corpóreas
H UIZINGA, J oh an. Homo L udens: o Jogo co mo elem ent o da cultura . São Paul o:
Perspectiva,1971. p. 20.
Passos e compassos
A idade faz com que o ser human o perca, ao s pouco s, a intensidade d o exercí-
cio de seus sentidos. O treinamento da at enção é um princípio bá sico para a recupe-
ração de ssas ati vidad es. E como motivaçã o, o teat ro fornece muitos impul so s para
q ue as pessoa s recuper em, de forma lúdi ca, qualidades para uma boa atuaçã o: sab er
o uvir para melh or re sp onder.
A dança é o prim eiro pa sso do treinament o. Recordar o temp o em qu e dan çar
reproduzia normas coruportarnentais e n t re damas e caval eiros, em que a dança d e
salão era oruani zada em direcão às relac ôes pra zerosas d o lazer, sem as exivências
.....J J J b
perlorrn áticas imprimidas pel o s m odern o s cursos do gên ero, ond e o s pares se enla-
çam com a m at emática d os vo lte ios exibi cionista s, é uma tar efa di vertida.
Ao se tocar na dan ça, ao acenar os pass o s, temos o iníci o de uma atividade
corporal que se autorna tiza impulsionada pelo ritmo. A atenção passa a fazer pane
dos exercícios, c r iando espírito crítico diant e de acert o s e erros. A preocupação
com o s pas so s e a execu ção da s propostas co nsegue um aprimoram ento para futura s
execuçõe s de marcas coreográfica s.
Das lembranças d o s anti gos bail es, passamos a exercícios mais elaborados co m
jogos dramáti cos incentivando a atençã o rumo à execuçã o de coreografias gr u p ais.
Passos coreo grafados , o u criado s pelo gr upo, podem sofrer alterações e e n cad ea-
ment os geran do form as diferent es d e treinam ento.
Temo s, agora, um gru po que canta, dan ça e exe cut a marcas coreo gráficas.
Cada acerto é gra t ificado com a ale gria de ter vencido mai s uma etapa e se cad a
erro é mostrado como uma nova dificuldade a se r vencida, os acertos sã o vitórias
comemoradas e que imprimem se guranç a a cada participante e afirmação no grup o .
A integração se dá através da dinâmica co rpo ral.
o drama do esquecimento
A qu estã o da m emori zação talve z seja o maior pe sadel o para um grupo de
t erceira idade qu e co meça a fazer teatro. A preo cupação com palavr as d eve ser, d e
im ediato, subs t ituída pel a lógica de ação, através d o exe rcíc io criat ivo de sucessão d e
im agens. A dispersão da at enç ão, gerada pela preocupação em rete r auto m aticame n -
t e o t exto, deve ser co m b at ida .
O h omem pen sa p or ima gens. As so ciá-Ias é um bom exercício para a m emo-
ri z ação das falas. Mas o m ais importante, q uando se t rata de um texto dialo gad o ,
é sa be r ouvir como personagem . Dividir cada réplica de ma ne ira minuci o sa e pro-
ce d er ao estudo da s intenções da per sonagem , aliad o à diagn o se do papel, poderá
faz er nascer gran de s discu ssões so bre o pro cedimento de cada pap el co nfo rme a
co nfig uração da personalidad e a ser re p rese nta da .
A fixação de pal avras- cha ve qu e determinam a ação pro po siti va de cada fa la
pode res ulta r em um a reel ab oração t extual. A palavra torna-se, en tão, marca par a o
treinamen to mn em õnico. A ab sorção da qu alifi caçã o com o primeiridade do signo
pod erá fornecer o des envo lvime nto orgân ico da int erpretação . Esse p rocedimen to
vai elimina r a fala dura, sem co lo rido e artificial.
138 j Ol l L UI Z R I H[f HO
Certamente o idioleto do ator é um fator de predomin ância quando trata-
mo s d e um grupo que pretende montar um es petáculo. As característ icas pesso -
.- ais devem ser aproveitadas no mom en to da distribuição d os pap éis, IlU S um 1> <" 1\
o exercício de aprimoramento é também a imitação, pel o s membro s do c l( 'II « ),
a dos idioletos gru pais mais marcant es. Nesse jogo de divertiment o, cria- se o di s-
tanciamento que, at ravé s do riso, possibilit a a improvi sação. A respo sta r:' I)i(!:J
IS e o estado de pr ontidão poderão levar um bom rendim en to ao desempenho d os
a atores e venc er problemas da mem ória.
é
o ator médium
}-
0-
A relação espetacular
lo,
·0-
A red e exp ress iva da polif onia teatral é um fato. Co n hece r as etapas da
~rá
estrutu ra de pr odu ção de um esp etácul o é respeitar o to do da cria ção artísti-
ca e não abast ardar qualquer fase de co m posição da men sagem es petacular. O
re sp ei to ao fazer t eatral deve se r de spertado no grupo par a assegu rar um bom
ala pr oduto fin al.
1 0
O mecanismo cênico move-se na instância grupal. A supe rpos ição das indi vi-
no dualidades sobre o objetivo do grup o pode gerar desgastes relacionais que têm que
lt O
ser resolvid os. Para isso, a clareza de objetivos, a solidariedad e do jogador e a gene-
rosidade da doação são propostas a serem exercitadas a cada dia, num compromisso
constant e com a renovação dos valore s da humanidade .
Ritual de troca
[...] muit os sentim ento s in comuni cáveis s u pe rco nsc ient es, invi sfve is, qu e
nem o equipamento fí sic o mai s perfeit o po d e transmit ir. São pa ssad os dire-
tam ent e de alm a para alma. A s pessoas co m un gam um as com as o u t ras por
mei o de corrent es interiores in visíveis , radi ações de se u espírito, compulsão
de s ua vontad e [.. T.
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Colhendo os frutos
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Perspectiva,1971.
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J.
é SOEIRO, Alfredo Co rreia. O instinto de platéia. Pano: Edições Afrontamento, 1990.
I
D A APROPRIAÇÃO ESTÉTICA DAS ANOMA LIAS
145
desempenhado pelo próprio teatro. O desafi o começa na co mplexidade cada vez
maior co m qu e o m undo e a vida modern a passam a se apresenta r e, ao s )1(11lC O<;,
mesm o o s me canism os de um drama ab solu to calc ado em qu estões intersllhjclivas
d o s personagen s não darão co nta das int ricad as rela çõe s sociais modernas.
O aparecimento da perjorma nce ou body art, em princípi o restrita às art es plás-
t icas, log o influenciará nas diver sas outras formas de expre ssão, dentre as quais ()
teatro. Sur gida com o re sultado de manifestações artísticas ocorridas desd e o final
d os novecentos, a perjormance terá imp ortân cia capital para a incorporação cênica
das ano malias, já que nela são enfatizadas just am ente a efem eridade e a falta de aca-
bam ento da produção. Novas alternativas serão simbo licamente det onadas e inéditas
per sp ectivas serão abertas para a concepção d o corpo como mat éria signific.llJ tc, o
que altera e desestabiliza as relações até ent ão perenes ent re a obra e o observad or:
O processo comu ni cac io na l a nível co rpo ral inclu i pre ssuposto s - os có d ig()s cultu -
rais co mpart ilhados - e seu valo r ilocur ório se este ndeal ém da zo na de co nsciência
do recep tor: afet a núcleos profundos, so b ret u d o no caso de experiên cias trau máti cas
co mo as amputações o u a presen ça de co rpos ma rca do s, tatu ad os, fer idos ' .
I GLUS BERG , Jor ge. A arte da perjormancc. São Paulo : Perspectiva, 2003. p. 98 .
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.i l , n. 2 (T 114), p. 100-114, Surnmer, 1987. Tradução nos sa. " [...] a fim de atr air e d irigir a atenção
do espectado r, a performance deve ant es conseguir surpreender ou asso mbrar; isto é, a p erforman-
ce deve fazer uso de estratégias m an tpuladoras 0/1 destruidoras de mane ira a pert urba r a expe ctat iva
do espec tado r - ambas a curto e lo ngo prazo - e, em parti cular, a sua percepção habitu al".
Sem dúvida, diversas iniciativas poderiam ser citadas no que tange ao uso cê-
nico das disfunções, algumas até bem mais recentes, mas o processo de criação
desenvolvido por Robert Wilson, sobretudo em seus trabalhos iniciais como dire-
tor, permanece emblemático. É o que acaba, efetivamente, por determinar a própria
trajetória de sua arte e abre um novo campo de visão para o teatro ocidental con-
temporâneo.
Atuando, na juventude, como arquiteto e interior designer, além de pintor,
~vilson terá boa parte de sua obra no teatro realizada a partir do contato e u)ope-
ração com dois artistas deficientes: os meninos Raymond Andrews e Cristopher
Knowles. Coincidentemente, as dificuldades de ambos incidem sobre a liT';;uJ-
gem, já que o primeiro é surdo-mudo e o segundo, autista. E é justamente isto que
chamaria a atenção do diretor, que vê nessas características a chance de exploração
de novas possibilidades de expressão.
Na verdade, ele havia participado de trabalhos dessa natureza já na universida-
de onde, sob orientação da bailarina Byrd Hoffman, desenvolvia atividades teatrais
com crianças cérebro-lesadas. Esse contato, ao que parece, além de ajudá-lo a supe-
rar um problema de fala de infância, permitiu-lhe o acesso a uma série de exercícios
por ela criados com base nos primeiros estágios da atividade física, cujo intuito
seria ativar determinadas células cerebrais daquelas crianças. Neste sentido, Galizia
é enfático: "O contato de Wilson com a Sra. Hoffman estimulou seu interesse por
terapia com surdos, retardados, autistas, senis e deficientes; porém, mais do que
isso, abriu para ele as portas de uma nova visão das artes teatrais?".
Assim, uma das maiores características de Wilson será justamente sua visão
não autoritária do processo criativo. Ao buscar uma forma de acesso ao universo
pessoal e ao imaginário, ele está muito mais interessado em aproveitar a expressão
4 GALIZIA, Luiz Roberto. Os pmcessos criativos de Robert Wilson. São Paulo: Perspectiva, 1986.
p. XXI-XXII.
H e was not o nly an accomplished visu al arrisr , posses sin g an ex trao rd ina ry sens e of
co lo ur and spacial cornposiri on, hi s paint ings als o provided Wil son with an enrirely
o riginal iconography, a network of ima ges that wa s unique to his imagination' ,
O principal fruto de sta co operação será o es pe tácu lo "O o lhar do surdo'", que
durava três horas, contava com cerca de cem atores e apresentava cenários gigantescos.
Era excepcional não apenas por sua grandiosidad e e pelas imagens criadas, mas, so bre-
tudo, pela aparente ausência de ló gica, cu jo sent ido era inacessível ao público. Base ando-
se em grande parte no s des enhos e visões de Andrews, que também aparecia em cena,
eram trazid as à cena imagens oníricas e figura s tão diversas quanto belas e desconexas,
co m o anões, ossos e animais diversos. Essa multiplicidade de so ns e forma s era , na
verdade, refl exo do mundo e das referências internas de seu s criadores, não comparti-
lháveis culturalmente.
Re curso s como moviment o s em câmera lenta, atividades sim ult ân eas e repeti-
ção foram gradat ivam ent e tornando-se uma marca do trabalho de Wilson no teatro.
É nos limites do dizer que Bob Wil son produzirá, nesse período, espetáculos em
qu e a palavra será minimamente utilizada, passando as ima gen s e as atividades não-
verbai s a impor-se sem, n o entanto, significar algo específico e pré-det erminado,
mas, ao contrário, abrindo possibilidades diversas de significação - ou não. Isto, é
cert o, em pres ta um se n t ido poliss êrnico à cena, poi s qu e a po ssibilidade do múlti-
pl o, ba se da polissemia, se co ns t itu i justamente pela in co mplet ude.
iC O U NSELL, Co lin. Signs ofpClf ormance: an intro duct io n to twenticth-century theatre. Lon-
don: Romled ge, 1996. p. 182. Tradu ção nossa. "Ele era não ap en as um talentoso artista visual,
possuindo um extraordinário sent ido de cor e composição espacial, suas pinturas muniram Wil-
son com uma icon ografia inteiramente ori ginal, um sistema de imagen s que era extraordinário
para sua ima ginação."
& DEAFMAN glance. Criaç ão e dir eção de Robert Wilson . New York: Byrd H offman Founda-
tion, 1970.
o bo m da poesia de Christ opher é qu e se tr ata de mat em ática e geo metria, mas tem a ver com
image ns poéticas. H á um sent ido de construção e mat em ática no mod o com qu e as co isas se
junt am . Essa é a sua maneira de pen sar: Chris tem qu ase um a obsessão por o rdem",
In u sin g lan gu age in an t i-sens ica l ways - b reaki ng th e u su al t ies bet w een a sou n d/
image and its meanin g, or between o ne word and th o se which follow it gra ru rna ti-
ca lly - Kn owl es and Wil son elude rh e to rmulati on s o f th e exterior scree n . In doi ng
so , h o wever, they reduce w ord to raw ph on eti c O I' visua l material w h ic h ca n then
b e u sed to cr eat e patt ern s of a differ enr kind . Kn o wl es a nd Wil son d o n or s t r u ct ure
t heir wo rds tO ge nerate n ew meanin gs; rat her, t h ev st ri p words of th eir us ua l mea-
n in g in order to bu ild n ew st ructures.?"
Qu and o di zem o s uma palavra há mu ita s o u t ras co isas aco ntece n do. N o segu n do que
util iz am o s para di zer essa palavra mui to s o u tros p en sam en to s já passaram por n ossas
m entes: pu d emo s ex pe ri me nta r at ravés do s o ut ro s se nti dos, muitas o u t ras co isas . Eu
7 DE LA FALAISE, M. Einstein at the mct (an o pcrat ic int cr view) . Feb. 1977. Int crvi ew, Di sp o-
nível em: < http: / / ww\\..rob ertwil son. com > . Acesso em: 19 jul. 2008.
x COUNSE LL, 1996, p. 192, tradu ção nossa. " Usa ndo a linguagem de ma ne ira ant i-se nsitiva-
rompe ndo os laços habituais ent re um so m/ image m e o se u sign ificado, ou ent re uma Palavra e o
qu e a co rnp lemc nta gramat icalm ente, Kn owlcs e \V'ilson tran scendem as formul ações d o mundo
exte rio r. Ent re ta n to , ao fazer isso eles redu zem a palavr a a um material fon ético o u visua l bruto,
que então po de se r usado para criar padrões de difer ent es tipos. Kn owles e Wilson não es tru tu -
ram suas palavr as de mod o a gerar nov o s significados; par a além dist o, eles desp oj am as palavras
do seu significado habitual para co ns t ru ir no vas es t rutu ras ."
Conclusão
S.
le GALIZ IA, Luiz Robert o. Os processos criativos de Robert W/ils(Jn . São Paulo: Perspectiva,
l- 1986.
a
1- GLUSBERG , Jorge. A arte da pevionn ance. São Paulo: Perspectiva, 2003.
)-
~- LULKIN, Sérgio And rés. Ativ idades dramá ticas co m estudantes surdos. Caderno) de A Ul u .
15 ria, Port o Alegre, n. 2, p. 51-65, 2000.
MO U N IER, Catherine. De venir com édien. Les Voies de la Création Tb éatrale, Paris,
n. 9, p. 15-31,1 983.
PAVI S, Patrice. Dicion ário de teatro. São Paulo: Perspecti va, 2001.
I Cru zando espaços e olha res: o teatro no h o spital de Lucia Hel ena de Fr eitas (Cyara) - tes e de
155
o H ospital da Lagoa é um ho spital públi co, sit uado no Jardim Botânico , às
margen s da Lago a Rodrigo de Fr eitas. Seu s pacientes são o riginários de Iavelas ró-
ximas e da Baixada Fluminense. Com o h ospital público, in sere-se numa soc ied e
de desigualdades eco nô micas, soc iais e culturais. Seu s pa cientes são indi víd uo s d~ s
tit uídos de bens materi ais e soc iais e q ue, em gera l, encont ram -se privad o s de poder
político para falar de sua condição e d e lutar por po ssívei s transformaçõ es.
A inser ção educativa do teatro no hospit al vai dar-se pel a possibilidade de tra-
ze r novas formas de sensibilização qu e desp ert e estes indivíduos, que desvele outras
po ssibilidades d e pen sar e sent ir, qu e provoqu e ima gen s não-usuais no s es paços já
em bo tados , q ue ab ra espaços de diálo go em qu e suas hi st órias possam se ma teria-
lizar po r algu ns instantes ou qu e, em fra ções mínimas d e tempo, eles id ent ifiq u m
afe tos e possam experimentá-los co m inten sidad e.
Ace itar, portanto, a soli citação do H ospital da La goa par a desen vol ver um
pro jeto teatral naq uele esp aço o po rtu nizou um d esafio ao curso de licenciat u r.i: o
de sair de seu âm bito tradi cional d e atu ação , ou se ja, a escola, e poder pensar e ex -
perim entar formas teatrais para um es paço diverso e de sconhecid o. Is so susc ito u,
im ed iatament e, algumas per guntas e algu ns tem as para refl exão. Reflexão importan-
te para alavanca r as açõ es qu e, ali, co meçamos a em pree n de r. A primeira per gunta se
referiu à imp ortância desta int erven ção para a formação dos alun os de licen ciatura
em tea t ro . Pod er iam eles atualizar m etodolo gias es pe cíficas d o ens ino do tea t ro na-
quele espaço? A segu nda per gunta di zia respeito ao modo co mo a int ervenção t ea-
t ral poderia aux iliar o hospital em se u proj eto d e humani zar suas práticas. A terceira
per gunta inc idi u so bre as relações e nt re estas du as áreas d e co nhec ime nto: tea tro e
medicina. Co mo seria esta co nvivênc ia sim ultâ nea n um m esm o espaço?
U ma abordagem em qu e sob ress ai a reflexão crít ica so bre a realidade h o spi-
ta lar. seu espaço polí tico- social, sua o rgani zação e as relaçõ es int erpesso ais ali ex is-
tent es fez -se fundame nt al para o d esen vo lvimento de um a p ráxis que, igualm ent e,
se vo lto u para a impo rtância da co ns t rução de um espaço d e teatralidad e, cuida n do
em pesq uisar e desen volver fo rmas teatrais.
Es te espaço de cons t rução teatral, onde o aluno d e licen ciatu ra foi inseri d o,
abriu para ele du as perspecti vas dentro da mesma expe riênc ia: a pri meir a se refere à
sua pr eparação co mo futuro professor d e ensino do teatro , para a qual ele deve d e-
senvo lver a capac idade de joga r, co mo u m pré-requi sito para o trabalho no cam po,
e, ass im, ao mesm o tempo, apropriar- se dos fund am ent o s d o ens ino d o teat ro . A
seg u nda persp ectiva é a experi ên cia peculiar vivida no h o spital: pensar e prod uz ir
interven çõ es para aque le espaço, se nt ir e perceb er suas necessid ades, d esenvo lver
um o lhar sens íve l ao s espaços esco lh idos para as interven çõ es, int era gir co m sua
população e co m as relações várias qu e ali estão co ns t it uí das. Ao licenci and o cabe ria
art icular seu ap re nd izado teóri co e práti co para pen sar, elabo rar e expe rim entar fo r-
mas de int ervençõ es teatrais no es paço ho spitalar, ana lisa ndo sua int erferên cia nesse
espaço e verifica ndo a pertin ência o u nã o das formas de interv en ção esco lh idas em
relação ao s ob jet ivos propostos.
italiano e a repr esentação ilusioni st a. Di ver sos encenado res co mo G ro towski, Bro o k, Artaud,
entre outros, bu scaram, para a atividade teatral, espaços não convencionais, com o grandes gal-
pões, pátio s de most eiros, hospitais etc., ao mesm o temp o em qu e pr op unham concepções ino-
vadoras da linguagem tea tral.
pr odução de formas teatrai s co nseguida s por meio de jo gos imp rovisacion ais - I ( li \ I
r
nosso propósito ao partir para as intervenções.
Em relação ao licenciand o, o co nhec imento co nquistado junto ao co n ju n to dl
disciplinas teóricas e práticas qu e fazem parte de sua form ação tornou-se a baga f'cm
s pessoal, artística e pedagógica que ele traria para o trabalho no hospital. C analizar
á estes co nheci me nto s teóricos e habil idades práticas, acrescentando a eles leituras es-
pecíficas sobre a área da saúde, fo i o qu e se procurou realizar, fazendo com que cada
n licenciand o pudesse explorar, ao máximo, suas possibilidades criativas, desen vol ve .
suas técnicas, aperfe içoar seus sentidos, sua sensibilidade, num tr abalho de constru-
n cão
, coletiva das intervencôes,
,
o U m pon to nodal do trabalh o referiu- se, precisame nte, às forma s teat rais d«
.- interven ção e ao p ro cesso de jo go esc o lhido para sua co nst rução . É fato qu e, assim
1,
com o no teat ro em geral, o ensino d o teatro é fortem ente mar cado por um ap ego
[-
ao ilusioni sm o e à relação frontal, própria do palco it alian o. Jean Pier re Ryngaert,
e em [o uer, rep résenter, referindo-se ao s jogos de improvi sação realizados na esc o la
co m alunos o u em o utros locais co m o co lônias de féri as, clube s etc ., pr at icad o por
1-
não-atores, co nstata que:
1-
'a As prim eira s improvisa çõ es e m geral po uco levam e m cont a o espaço. N o ssa ed u -
cação lim ita o teatro a uma relaçã o fro nt al, n em sem p re claramente percebida, n em
e
ver da deirarn e n te assu mida como tal. As idéias receb id as sob re o te atro rem e t e m ;1
1-
u m "est rado" o u a um " palco " , se m que o espaço se ja levado em conta co mo um
,- element o d o jogo. A fort e trad ição lit erária de no sso teat ro co nside ra o espaço so l,
e, a dimen são p lás tica, ou e m ú lt im a in st ância pela vaga n o ção de ce nário. A rel.i ç.io
J,
Tornar o espaço um eleme n to in dutor do jog o tea tral, pr ovocand o uma edu -
A cação do olhar por intermédio de proposições que incitem a enquadrar os elemen tos da
Ir
realidade 4, passou a ser uma de nossas propost as.
:r Afe tar o espaço e ser afetado por ele seria a prim eira prop osta a ser trab alhada
nas int erven ções. Ad ent rar o hospita l, int eragir co m doen tes, acompanhan tes, mé-
dicos e funcioná rio s e criar um at rito, naq uele espaço específico, que provocasse o
r- ato criativo foi o obj et ivo dessa propost a. Atri to que o teatro, no seu fazer provoca-
tivo, pret endia explo rar, criand o tensões que, de cert a forma, acabaram por desvelar,
m tam bém, tensões qu e já ali exist iam. Tensões essas pro vocadas, pôd e-se cons tatar nas
experiênc ias realizadas, pelos confronto s ent re concepções antagônicas a resp eito da
medicina. Tensões que vieram intensificar aquelas ad vindas do atrito entre o ritu al
medico est abelecido e o jogo teat ral.
d,
li-
0-
3 RYN GA ERT, j ean- Pierre. j'ouei; représenter. Paris: Cedic, 1985. p. 69.
4 RYN GAE RT, 1985.
s Uma oficina infantil, por exe mplo, realizada na salin ha de recreação do se tor pedi átr ico, traba-
lhou com a confecção de ded och es (bo necos de d edo) feitos com gaze gess ada e, posteriormen-
te, com a criação de improvisações com os bon ecos. O emprego de um mat erial característ ico
do trat ament o hospitalar - a gaze - , com o elem en to do jogo, dem on st rou a possibilidade de
flexib ilizar, por meio de pr oc essos de imaginação, o significado crist alizad o de um det er minado
eleme nto, dando-lh e novos sentidos.
6 D UART E JÚNIOR, j oão-Francisco. O sentido dos sen tid os. C uritiba: Criar, 200 1. p. 98.
)S nal , O asp ecto discursivo. E então confrontá-lo com o espaço teatral: seu .1"pec! o
ua conceitual , as formas de experiência que ele provoca e s ua capacidade d e o rg;l!1 íz.lr
sign o s numa lin guagem própria.
Je Nas intervenções hospitalares priorizamos o jo go por sua flexibilidade em ti-
0- rar partid o dos espaços , não importa de que natureza e forma eles se apresentass em.
OS
Ao iniciar o projeto no Hospital da Lagoa esco lh e mos trabalhar no s corredores. <; ;\ -
guão e quartos porque decidimos por uma proposta agressiva em relação ,I<) " ' j',\I.,1l
10 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Politica N ammai iu. í <lu
I SA RT RE, Jean-Paul. Que é a lit eratura? Tradu ção de Ca rlos Felip e M o isés. São Paulo: Árica,
1989. p. 53.
2 MAC IE L, Luiz Ca rlos. Geração em transe: mem órias do tr opicalism o. Rio de J aneiro: N ova
Fro n teira, 1996. p. 73.
J Co ntribuíram para este art igo os processos e resultad os adquiridos co m o trab alh o de pesqu isa
e ens ino no C urso de Teatro na Universidad e Fed eral de Ub erl ândia, ao qual es tão vinc ulados
os projetos de Pesqui sa: Estudos do Texto Teatral: história, criação e tem as e Biblioteca D igital
de Peças Teatrais, amb os reali zad os com apoi o e financiamento institucional da Uni versidad e
Fede ral de Uberl ândia (U F U) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Esrad o de Minas Gerais
(Fapernig).
4 ARISTOT ELES. Arte poética. São Paulo: M. C larct, 2003. p. 26.
165
vic e- vers a, não deixando de res saltar a importância da aproximação entre o literári o
e o per forrn áti co , ou se ja, as po ssibilidades de ce na que são in erentes a to do t exto
teatral.
Em suas pesq uisas a resp eito d e gê ne ros e hi st ória d o texto teatral, \Villians
sem pre se in comodou com certos d et erminismos lit erários, um exemplo foi o d ebate
qu e t ravou co m o crítico lit erári o G eorge Steiner a resp eito da qu estão d o tLí.gi co t'
sua histor icidade, poi s Steiner acreditava na " [...] impo ssi bilidade da experiên cia tr á-
gica no s tempo s m od erno s [...]. A cidentes de au to móvel nã o podiam ser c ha ma dos
de tr ágicc '".
D este deb at e, surge a idé ia d e qu e não se d eve nega r a tragédia co mo tradi ção,
ma s que se d eve sim reconhecer a pertinência de se falar em 'elementos tr ágico x' pn '-
sentes n uma o bra literária, teatral e até mesm o nas no ssas ex per iências co nt em porâ neas.
Mas, para isso , acreditou ser necessário enfrentar o s princípi os da teori a da tragédia, tais
co mo orde m e acidente, a destruiçã o d o herói, a ação irreparável e a m orte e a cn I ,l ~ ('
sob re o mal",
Em recente ent rev ista jo rnalíst ica, o crít ico literário britânico Terry Eagleton, ao
ser indagad o se não est aríam o s fadados a 'v iver atualmente' uma tra gédi a grega, o Ea-
gleto n resp ondeu qu e sim, poi s indícios e elem ento s trágicos estão mui to presentes nos
tempo s atuais, principalmente qu ando se toca na qu estão d o s recentes ato s terroristas:
[...] O s mito s da G récia A ntiga conta m h ist ó ri as d e limit açõ es human as, de barrei -
ras qu e n ão podem se r u ltrapas sa das e so b re o alto preço qu e pagam o s ao t ran s gre-
di r esse s limit es. Par a o Oc idente, princ ipa lme nte no t o cante à cult u ra a m eri can a. ()
problem a ex iste no desejo infin ito . O Ocide nte vive u m mi to laust iano de ga nún ci;l
per pétu a, q ue nu nc a se co n te n ta . E isso ce rtam ente n o s leva rá à au to desrrui çâo ".
Pen sando na arualizaçâo d est es eleme ntos tri gica s no âmb ito do lit erário/ tea-
tral e do rea l é que um importante d ramaturgo brasileiro mer ece ser recupera d o, pois
ta m bé m t ran sitou pelas fronteira s d o s gêne ros, qu al seja: o d ra maturgo Jo rge Andrade
( 1922- 1984). É O qu e aco ntece ao se an alisar textos como A lv/oratória (1954) e Rastro
Atrás ( 1965) , o b ras em que ten ciona elem entos formais como o drama e caracte rísticas
do épico . Com perspecti va se me lhante é o que o autor irá também realizar em Pedreira
das A /mas (1957), ob ra em que art icula um enredo tecid o a partir das proximidad es c
distanciamentos entre o dram a e o trágico, ou melh or, elementos do trá gico.
Os te xtos t eatrais de J orge A n drade foram esc ritos en t re o in ício d o s an o s
1950 e m ead o s d a d écada d e 1960. D entre todas as caract erísticas des se p eríod o,
se m p re se lembra a inten sa d em o crati zação qu e marc ou tal inter valo d e tempo. M o -
m en to em qu e se deb atiam os resultados do período Va rg as, avaliava- se se u r eto rno
ao po d er e pesavam -se os impacto s da abe rt u ra d o país ao capi tal au tom o bilístico
est range iro . Tamb ém um p eríodo d e exp ectat iva com a pro spe ridade pro jetada pel o
gove rno Ku bi t sc he k, assi m co mo de end ivid ame nto, visa n do à realiz ação d e gran-
des proj eto s, co mo fo i o caso da co nst ruç ão d e Brasíl ia.
; \VILLIANS , Rayrn ond. Tragédia moderna. São Paul o : Cosac & N aiíy, 2002. p. 14.
I,W I LLIANS, 2002, p. 70.
, EAG LET O N, Terry, Duelo d e T itãs . Folha de S. Paulo, São Paul o, 04 jan. 2006. C ade rno Mai s l,
p. 4.
Ao lado di sso , também foi um período em que se "respirou aliviado", com
a saída de um momento marc ado p or guerr as e ditaduras. Numa conju n n u . , ,'
ampla, pensando a América Latina em sua totalidade, a ten são acerca d.. \ 1\ •. ;
do poder estava solta, haja vista que a Guerra Fria entre capitalistas e ( (1 / ; " " : ,.l '"
tecer tramas e personagens que dialogavam com importantes bandeiras de luta polí-
tica da dé cada de 1960, o qu e pode se r observado e m A s Confrarias ( I 96S), Pcdrcnu
das A Lmas ( 195 7) , A Escada ( 196 0), Rastro Atrás ( 196 6) e O Sumidouro ~ I q !, " ) .
Se há um tema em Jorge Andrad e no qual se vislumbra a pres ença de ' ele-
me n tos trá gi co s ' em sua o b ra, se m dúvida é a forma como ele processa .1 l.u. .. i J I
liberd ad e e, princip alment e, como o dramaturgo te ce suas per sonagen s d iam (' ,tes ta
clássica ' ban de ira' d e luta política.
A ssim , pode-se perceber que o tema da liberdade e m J orge Andrad e !Ú " p m·
priamente inau gurad o na década de 1960, poi s, já em 1957, o te xto Pedreira da, /s im as
apontava para a presença do tema em sua dramaturgia. N esta peça, o dramaturgo arti-
cula uma tripla temporalidade, visto que é escrita no final d e década de 1950, ma s possui
um enredo qu e remete à Revolta Liberal de 1842. N o entanto, ela é publicada, ao lado
do conjunto da obra, em 1970, quando o país atravessava os momentos mais truculen-
tos da ditadura militar.
A busca da lib erdade é su stentada por ten sõ es qu e tamb ém aparecem e m ou-
tras peças, tai s com o a relação passado/presente, tradici onais/pro gres sistas, no con-
flito en t re aqu ele s que desejam partir e aquel es qu e preci sam ficar.
Diante d essa polarização , a personagem Urbana destaca- se, poi s ela viu a vila
de Pedreira surgir, c resce r e, frente à sua decadência, não quer d eixá-la. A su a ver-
dade é permanecer junto aos mort os de seu passado . Ela é a continuidade de uma
t rad ição co ns t ru ída na 'rocha':
A firme opinião de Urbana irá contrastar com o espírito novidadeiro dos mais
jovens, entre eles, aparece Gabriel, que vê na partida para outras terras o único (';1-
minho de busca da prosperidade. Para cumprir seu objetivo, Gabriel procura :lllcLiJ
não há mais lugar no cemitério, ninguém pode sair da vila para buscar terra para se
construir novos túmulos. Como desafio à autoridade e às atrocidades do poder de
Vasconcelos, Mariana sugere que o corpo fique exposto como exemplo.
Mariana: Leis! Leis! Não aceitamos, nem o povo de Pedreira das Almas aceitará suas
leis.
Vasconcelos: (Áspero) Falo com dona Urbana.
Mariana: Respondo por ela e por Pedreira. Todas as leis que o senhor representa, não
nos poderão arrancar nenhuma palavra, nem um gesto de acatamento às suas ordens.
Abra as suas portas das prisões, traga os instrumentos de tortura, revolva e dextru.i
a cidade, derrube as torres de nossa igreja... ! Mas de nossas bocas jamais sairá uma
única palavra de delação Os mortos sairão das lajes e os impiedosos serão destruídos!
(Os soldados entreolham-se, admirados] Que um anátema caia sobre suas cabeças!
Que o corpo de meu irmão fique exposto... ser.i uma lembrança viva do seu pecado,
da sua indignidade!
Vasconcelos: Veremos mais tarde, minha senhora, se não falam.
Mariana: O senhor tem as espadas ... nós, aquilo que assassinos de sua espécie desco-
nhecem: respeito à liberdade. É o que Gabriel representa para nós. Pagaremos, por
ele, qualquer preço')!
Mais uma vez, retoma a imagem do corpo que permanecerá insepulto, o que
reforça novamente a tensão entre as leis naturais e as leis do Estado. Diante do
fuzilamento do irmão e a iminente prisão do namorado, a jovem Mariana assume a
defesa da liberdade, pois se, anteriormente, seu direito de ir e vir era ameaçado pela
força da tradição da mãe, no momento seguinte, a situação transforma-se, já que a
questão da busca da liberdade ganha uma conotação política.
Após a perda do irmão e a fuga do revolucionário Gabriel, coube a Mariana o en-
írentamento da opressão, no caso, representado na figura do delegado Vasconcelos.
, ANDRADE, Jorge. Pedreira das almas. In: o Marta, a árvore e () relógio. São Paulo: 1970.
p.81-82
') ANDRADE, 1970, p. 97.
Mariana: Mais forte do que as promessas é a morte que no s liga à terra. Sinto tudo
dentro do meu corpo, como se fizesse parte do meu sangue. As roch as... a igreja... o
adro!
Gabriel: Mariana! N ão podemos passar a vida venerando mortos. Fo i para escapar a
isso que sonhamos partir. É preciso saber escolhe r, Mariana.
(...) .
Mariand: Gabr iel! Du as pessoas perderam a vid a. N ão compreend es? Du as pessoas
qu e eram a minha famíl ia. C om o queres que seja a mesm a?
Gabriel: Também perdi a minha.
Mariana: Há mui to tempo. Viveste sem ela.
Gabriel: Prometest e um a para mim. N ão te lembras.
Mariana: N ão a este pre ço.
Gabriel: M:lS que pr eço ? Foi o próp rio mundo de Ped reira qu e matou Ma rt iniano,
co mo matou minh a família.
M a riana : N ossos mortos não pod em ser ab an do nnd os !".
A jo vem Ma riana assume todo o apego da mãe à vila de Pedr eira. Não bastan-
do, quer também es tar junto aos mortos. Tal co m o a mãe quer valori zar o passado
em detrimento do presente, o qual é representado pelo personagem Gabriel. Na
despedida do jo vem casal, é marcante a emoç ão co ns t ruída:
Gabriel: Pedreira! Vista de longe, perdid a ent re as nu vens, parece um a est rela branca
de mármor e! (consigo mesmo)
o nde vamos !'!
°
passado é um mon stro... qu e nos aco m pa n ha para
A partir da década de 1950, vários seto res da sociedade bra sileira passaram a
refletir a con strução desse novo homem. Havia, assim, uma valorização da vontade de
transformação, da ação humana capaz de mudar o curso da hist ória. As raízes dn l (
homem bra sileiro deviam, portanto, ser bu scada s nopassado , no 'a utê nt ico homem
do pov o', ainda co m caracte rís ticas rura is e sem a co nt aminação da urbanidade capi-
talist a 11,.
Pen sand o assi m, Jorge Andrade aproxi ma-se das influências de esquerda, d os
co m u nis tas ou trabalh ist as do fina l da década de 1950. Mas esta aproxim ação tem áti ca
não é tr an qüila no uni verso ficcion al. Se as idéias da 'utopia revolu cion ária' propu-
nham a ruptura, J o rge And rade diferencia-se e lan ça um olhar sing ular so bre esse
homem novo ,
'. O dramaturgo mostra a coragem de Ga briel para romp er co m a tradição de U r-
bana. Mas, ao mesm o tempo, apresenta as agruras de M ariana co m um a co nsciência que
Se divide ent re o ficar e o partir. Se o dramaturgo ressalta a força do rompim ent o, não
deixa de ser verdade que este se realizou com perdas, pois Gabri el teve de parti r sem a
noi va Maria na.
) Se o homem n ovo das 'utopias revolucionárias' é decidido e es tá pronto para,
se necessári o, pegar em armas, o de J or ge Andrade titubeia entre passad o e presente,
ao duvidar da t radição e não vislumbrar qu e o novo que se aproxim a deixa florescer
toda sua humanidad e, o que o faz pensar e pesar as perdas de suas dec isões .
a Po r fim, a image m d o corp o inse pulto em pra ça pública, tecida po r J orge
a Andrade, não carac teriza o te xto co mo t ragédi a, tal co mo ocorre em A nt ígo na de
S ófocles, mas é um a interrextualidad e qu e apo n t a par a o qu e R aymond Willians
descr eve co mo a presen ça d e 'e leme ntos trágic os' nos texto s da m odernidad e.
J
S
r
aquele " [...] a qu e se r eferia o jovem M arx, t erm o recuperado com en tus ias mo na época pela
revolução cuba na - e pelos escritos daquele qu e é cha m ad o romanticam ente em C u ba de 'guer-
rilheiro her ó ico ', C he G ue vara". RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da
revolu ção, d o C PC à era da TV São Pau lo: Record, 2000. p. 120.
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WILLIANS, Ravmond, Tragédia moderna. São Pau lo: Cosac & Naif)', 2002.
le
o au tor cha ma atenção para a natu reza política de st e tip o de teat ro direciona-
do a platéias "cuidado samen te sc lecionadas'" . Mas antes de apr ofundarmos n osso
ente nd iment o dest a mod alidad e teat ral, precisamos ter claro o que vem a ser com u-
nidade. Ai nda se pod e falar de comu n idad e no s dia s d e hoj e?
o conceito de comunidade
Q uan do falamo s de co m u nida d e a prim eira imagem que geralme n te se faz é
de um a co m u nidade rural , pequ en a, es tável, isolad a geo graficamente.
Pesso as inte ragia m u rnas com as o ut ras enquanto seres so ciais "to tais" informa dos
p o r u m amplo co n hec ime nto de cada um, cujos re lac io nam en to s são fre qüe nteme nt e
form ad o s po r ligações de afin id ade e co nsa ng üi nidade '.
I KERSHA\'v, Baz The poluics of perjorm ance: radical theatre as social intervention. Londes: Rout -
ledge, 1992. p. S.
2 KERSHA\'v, 1992, p. S.
J C O HEN, Anr hon y The symbolic con struction of commun ity . Londres: Routl edge, 1985. p. 25.
173
E st a persp ect iva seria completamente di stinta da com u n ida d e urbana, carac-
teri z ada pela mult iplicidade de contexto s, n o qual as pesso as:
Vivem em um [lugar) e trabalham em o utro, viajam para ainda out ros, indo talvez
para outro lugar no seu tempo de laze r. Esta plu ralidade de co ntextos é reprodu zida
estrutu ralment e na próp ria ecologia da cidade, dividida em zo nas, clarament e disrin .
guível pela popula ção e função. O s vest ígios da comunidade seria m soment e enco n.
trados no nível das vizinhanças",
Diante desta fra gmentação e diferen ça s internas, pod e-se até concluir
qu e a co m u n id ade nã o p oderia so b rev ive r à indu stri ali za ção e urbani za ção. E n -
tretant o , Cohen cha ma aten ção de qu e a uni cidade apa re nte das comunid ad es
rurais são simplifi caçõ es, escond em diversidades, hi erarquias, base ada s e m di-
fe re n tes ba ses: id ad e, po sição soc ial etc . O qu e dari a a apa rê nc ia d e uni cid ad e
seria , seg u n do est e au tor, a ace ita ção de sí m bolos co m u ns so b re o signi ficado
da co m u nid ade . A aceitaçã o dos me smos sím bo lo s identifica uma comunidade ,
m esm o quand o cad a indi víduo o int erpreta a sua man eira . Co m u n id ade impli ca-
ri a, p ortan to, em se me lha nças e d iferen ças.
Qualquer comunidade - rural ou urban a - o u formas de associações , teriam a
fun ção es tru tural e id eológica, segu n do Raym ond \X!illians, de m ediar os indivídu o s
e a socieda de mais am plas.
Para Ker shaw, toda comunidade é parecida no que di z re speito às dif erenças
internas que ab riga e ao pap el de m ediação qu e ass ume entre o ind ivíd uo e a soc ie-
da d e. El e cita doi s tip o s d e co m u nida de:
' C o munidade de local' é criada por uma rede de relacionamentos fo rmados po r inte-
rações face a face, nu ma área delimitada geogra ficamente.
'Comunidade de int eresse', como a frase sugere, são form adas po r uma rede de as-
sociações que são predominant emente caracterizadas po r seu co mprometimen to em
relação a um inte resse com um. Q uer dizer que estas co mun idades pod em não estar
delimitadas por um a área geográfica parti cular. Q uer diz er tamb ém que comunidade s
de interesse tende m a ser explicitas ideo log icamente, de forma a que mesmo se seus
membros venham de áreas geográficas diferentes, eles pod em de forma relativame nte
fácil reconhe cer sua ident idade co mum".
No primeiro se nt ido, ac re d ita -se que pesso as qu e vive m e/ou trabalham numa
m esma região possuem d et erminadas vivê nc ias e pro blem as co m u ns, enquanto o
segu n do indica qu e alg u m as pessoas comun gam id éias, se id entifi cam por um o lha r
precon ceituo so co m q ue são vistas, o u sofrem uma m esm a excl usão, co mo po r
exe m plo : mulh eres, h om o ssexu ais, negr o s, m en in o s de ru a, d om ésticas, ent re o u-
tro s. Boal chama esses gru pos de "tem ático s - formado s por participantes que, por
alguma razão , ou idé ia, algum fo rte o b jet ivo se un iram [.. . ]"7.
e
"Teatro" era o povo cant ando livremente ao ar livre: o povo era o criador e o destina-
o
, tário do espetáculo teatral, que se pod ia então chamar "cant o ditirârnbico". Er a um a
"
festa em que podiam todos livrem ente part icipar".
Nest e sentido , são co ns ideradas ra ízes d ess e teat ro as t ra d ições p opulares pré-
a
coloniais e greco-romanas. Já as raí ze s mais im ediatas dessa modalidad e p odem ser
IS
associadas a movim entos mais recentes de reap roximação d o teatro d e seu público.
De forma b astant e resumida 10, p ode-se di zer qu e o ponto de partida de sta
IS
reaproximação do t eatro com a com u n id ade fo i o se u mo vim ento d e d isseminação ,
cuj o o b jetivo ini cial era am p liar se u acesso p ara alé m d o p ú bl ico burgu ês, qu e p odi a
pa gar os in gres so s. Co mo, po r exe m p lo", o Movim ento Socialis ta, es pecialme nte
d uran te a seg un da inte rn ac io na l ( 1890 - 1914), ente nd ia-se co mo men sageiro d a
cu ltu ra, com a fun ção d e levar educação e co n hec ime nto pa ra as m assas. Ba sea d o
inicialmente em dram aturgia alh eia aos interesses específi co s da classe trabalhadora,
s-
envolvendo uma ga ma de peças qu e iam do m elodrama ao naturalism o , o teatro era
11
ainda limitado ao u so de estilo s tradi ci onai s. A propo st a e ra o fere cer alt a cu lt ura,
lr
evitando qualqu er t entativa de in strumentalização.
~s
1S
te Arte podia levar um a men sagem social, mas era senso co mum, entre seus ideól ogo s
e críticos [do movimento socia lista], qu e ela serviria melh or ao movim ento se fos se
verdadeira para si mesma , abso rvendo idéias emancipató rias, mas expr essas, em pri-
la meiro lugar, art isticamente".
o
H
)r H CO HEN, 1985,p. 15.
J- 9 BO Al, Augusto . Teatro do oprimido: e outra s poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1983. p. 14.
l u Para mais detalhes, ver NOG UE IRA, Marcia Pompeo. Touiards a po etically correct theatre fOI'
) r
Ver, entre outros, GARCIA, Silvana. Teatro de militância. São Paulo: Perspectiva, 1990. 208 p.
12 SAMUEl, Raphael; MACCOll, Ewan; COS GR O VE, Stu art , Tbeatre oj the lejt, 1880-
193 5: workers' th eat re movern en ts in Britai n and Amer ica. l ond on: Routledge & Kegan Paul,
1985. p. XV II.
T L H RO [ CO I/ O 'JIJ.W[ 175
J
Contribuiu para es te movim ento de disseminação do teatro o novo entendimen-
to do pap el da classe trabalh adora na sociedade. Segundo a filosofia marxista, () pro leta-
riado passou a ser visto co mo classe revolucion ária, qu e poderia guiar a sociedade !l<1IuLI
pela super ação do capitalismo. At ingir este público passou a ser um obje tivo de \'árias
uu ciatr vas.
A origem dest e percurso também está as sociada a espetác ulos te atrai s qUl',
a partir do iníci o do séc u lo XX, passaram a assumi r um a perspectiva p olítica de
transformação da realidad e, e en frent aram os lim ites da depen dên cia econô m ica do
teat ro p rofissional. M ontagen s co m objetivos pol íti cos explíci tos, apresentad as em
teatros de regiões centrais , evidenc iavam, na verdade, uma contradiç ão : o co nte údo
po líti co , o bje t ivo dest e teat ro , er a apresen tado ape nas para um público burgu ês qu e
podia pagar o ingresso. Es ta contradição im pul si on ou dois mo vim ento s: de um lado
div ersas ini ciativa s de atin gir um nov o público se efetivam at ravés de turn ês p:1r;1 ()s
lu gar es mai s remo tos d o globo ; de outro expe riê nc ias em qu e o público se t L U1S i, ' 1 -
m a em ato r ganham esp aço " . . .
O percurso do Teatro de Arena, no Brasil, inclui um exemplo de questiona-
m en to da co ntradição vivida po r grupos qu e tinh am lima pr áti ca de teatro pol ít ico
e atu ava m em casas de es petác ulo situa das em re giões centrais. Como ex p resso po r
Vianinh a:
Ess a co n tradição mob iliz ou o Arena e mui tos outros grupos , em di versos paí-
se s, rara b uscar um no vo p úb lico , para sair das ca sas de es pe tác u lo, gan h ar a estrada .
e le.. ar o t eatro para o p ovo .
finalm ente, inden t ific amos com o raízes im edi atas do Tearo na Comun idad e
as ru pt uras formais das co nve nções teatrai s, fru to de diver so s m ovim ent o s de vau-
guarda artís tica, qu e revolu cio naram as prát icas teat rais no séc ulo XX : o cenário
h avia deixado de ser n ece ssári o , e at é me sm o o palc o; teatro poderia ser feito em
qu alqu er lu gar. O fazer te at ral passou a ser visto, p or algu ns art istas, co mo ace ssíve l
a to dos, os métodos de trab alh o se d em ocr at izaram e pro cessos de criação co leti va
se multipli caram.
Li O próprio Teatro Didát ico de Berr old Broche, o nde não havia ne cessi dade de expcct adorc s,
1-
mos basicamente três m odelo s, fruto s d e um a ev o luç ão hi stórica. P od e- s e d izer
qu e ess es modelos part em de práticas decididas de cima para bai xo, p ara p r a: lU S
.a
is
cujo o b je t ivo e mét odos são d ecididos p el as pessoas que participam do s pru··
jeros t eatrais. Entretanto, este percurso nã o é o único, pois todas es sas etapas
podem se r encontrada s ainda h oje. O que exi ste de comum entre tod o '; (";s c ·~
e,
le mod el o s é que "são representad o s fora do s h ol ofotes m etropolitano s"! ". O s três
o mod el o s s e r iam :
11
es,
1(,VAN ERVEN, 2001 , p. 243.
as: 17 BüAl, Augusto. O arco-Íris do desejo: métod o Ba al de teatro e terapia. Rio de Janeiro: Civi-
lização Brasileira, 1996a. p. 17-18.
IN KER5HA'W; 1992, p. 165.
2.
Boal revela a alegria dos atores p or sen tirem qu e a m en sagem tinha atin gid o o
público, ma s Virg ílio, um homem de scrito com o alto e fort e, con tinu ou:
- E já que vocês pen sam igua lz in ho qu e nem a gente, vamos fazer assim: pr im eiro
a gente almoça (era mei o dia ), de pois vamos todos junto s, vo cês com este s f U:'. h ;l I'
- Se os fu zi s S3.0 de ment ira. po de jogar for a, mas vocês S3.0 gente de verdade, eu vi
vocês cantand o pra derramar o sang ue, sou test emunh a. "Vocês são de verda de, então
ven ha m co m a gente ass im mesm o p o rqu e nós te mos fu zis para to do mund o "! ' .
Boal diz qu e "o m edo fez-se pâni co":", E, co m muito custo, explicou q ue eles
eram art ist as e que nem sabia m atirar. E ntão Sr. Virg ílio co ncluiu: "-Então aq uele sa n-
gue qu e vocês acham qu e a gente deve d erram ar é o no sso , não o de vocês ... ?''' '.
Esta história marca a o rigem do Teatro do F órum. Boal cit a Che Guevara para
ex plicitar a apre nd izage m qu e esta vivê nc ia lhes proporcionou : "Se r so lidário si g nitiL;1
co rre r os m esm os riscos'?'. Marca a crít ica ao teatro de m ensagem e um a abertura para
um a nova perspe ct iva de teatro na co m un ida de. Em vez de faz er peças dizendo o que
os o utro s devem faze r, passou -se a pergu n tar ao po vo o co nteúdo do tea tro, o u dar ao
po vo o s m eios de produção tea tral. Transformar o povo de espect ador em ato r.
Esta evo lução propos ta por Boal in flue nciou mu itos trabalhos de teatro e co-
munidade no mundo to do . G an ho u fo r ma um no vo Teat ro na Com unida de, cuj a
fun ção seria fo rt alecer a co m unidade. O Teatro passou a ser a ar ena pr ivilegiada pa ra
se reflet ir so bre q uestões de identidad e de comunidades específicas, contribuindo
para o aprofundamento das relaçõ es e n tre os diferen t es seg m entos da comunidad e
qu e pod em, at ravé s da improvisação , d o jo go teatral , ex plicitar suas seme lhanças e
difer en ças. O teatro seria, nest e sen tido, porta-voz de ass unt os locai s, o qu e p od eria
contribuir para expres são de vozes silenc iosas ou silenc iada s da co munidade . Com o
dizem alguns auto res, o teat ro feito pela co munidade cont ribu iria para a "contínua
regen eração do es pí rito de co m unidade":".
versidade de Nairobi, que já assumiam uma postura política crítica através de SU:lS
peças teatrais nacionalistas radicais e antiimperialistas. Além da perspectiva crítica
do conteúdo dessas peças, buscavam também quebrar os limites de um teatro for-
maI e, ao mesmo tempo, buscavam ampliar o acesso a suas peças.
Ngugi wa Thiong'o foi procurado, em 1976, por uma moradora do Kamirii
thu, vilarejo próximo a sua casa, para apoiar as atividades de um centro comunitário
que estava passando por dificuldades. Como resposta a esta solicitação e pela inxis-
tência da senhora, ele resolveu contribuir. O resultado foi um projeto fant:ís 11el)
Trabalhadores, camponeses, professores, desempregados e empresários construí-
ram, com suas próprias mãos, um teatro ao ar livre de 2.000 lugares, que integrava o
centro cultural, o qual passou a abrigar um curso de alfabetização e teatro.
A peça Ngaahika Ndeenda (Me Caso Quando Quiser), escrita por Ngugi wa
Thiong'o e Ngugi wa Miiri, para a comunidade do Kamiriithu, bebeu nas fontes
da luta por terra e liberdade, parte das lutas pela independência do Quênia, na qual
muitos dos trabalhadores e camponeses da comunidade participaram, seja de forma
ativa ou passiva. "Muitos viram suas casas serem queimadas; suas filhas estupradas
pelos Ingleses; suas terras roubadas; seus parentes mortos":".
A peça celebrava esta história e ao mesmo tempo mostrava como a indepen-
dência, pela qual muitos quenianos morreram, estava sendo expropriada pelo poder
neocolonial, ainda dominado pelos interesses britânicos. A peça também retr.u 1 \1
as condições sociais contemporâneas dos trabalhadores, tanto nas multinaciunais
como nas plantaçóes",
A escolha da língua falada na peça foi crucial. Muitas peças revolucionária- d1.
época eram representadas em inglês - língua duramente imposta pelos colonizadores
e ensinada nas escolas - mas os camponeses não podiam entendê-Ia bem. A escolha
do Gikuyu, língua local, ampliou a participação. Esta foi a primeira vez que Ngugi wa
Thiong'o escreveu em Gikuyu. Educado em inglês, teve que aprender novamente sua
língua mãe.
A experiência do Kamiriithu representou um enorme processo de aprendi-
zagem para os professores universitários. Eles aprenderam com os atores e com
a platéia, que contribuíram com elementos de suas experiências de vida, e até em
relação às idéias gerais apresentadas na peça, que foi re-escrita durante o processo
de criação:
° processo, particularmente para N gugi wa Miiri, Kimani Gecau, e para mim foi de
aprendizagem contínua. Aprendemos nossa história. Aprendemos o que acontece
A peça foi um sucesso en orm e. Veio gen te de todos os lugares para assistir. I sto
assustou o govern o , que agiu violentamente. Em 16 de no vembro d e 1977, o govern o
do Quênia baniu qu alqu er outra apresentação do espetáculo. N gugi wa Thiong' o foi
preso em 31 de dezembro de 1977 e passou todo o ano de 1978 em prisão de segurança
m áxima.
O espaço abert o que ajudou a co m un id ad e queniana a re conectar-se com suas
raíz es rompidas representou uma ameaça mai or para o governo do que as peças po-
líticas feitas anteriormente por N gu gi wa Thion g'o, ape sar da s últimas terem um
o status de tod a arte legítim a e da alta c u lt ura é co n firma do por u m a elite burgue sa
qu e prom o ve se u própri o gos to so cial e cu lt u ralm ent e det ermin ad o e nqua n to na-
turalm ente su perio r e rele ga a arte co m u n itá ria para lima categoria d ecididam ente
inferi or de ex p ress ão cu lt u ral".
31 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 204 P
32 KERSHA\V, 1978 apud KERSHA\'Y, 1992, p. 6 I.
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o presente t exto trata d e al guns asp ectos da red escoberta do corpo n o t eatro
do sé cu lo XX e co mo a rep ercussão d este fato é ev id ente na formação d o ato r d esde
este período , qualifi cando este ato d e formar.
Isto se revela não so m ente na prática de formação técnica em si, por meio d as es-
colas formais de atuação, dos teatros-escola, teatros-laboratório, ou mesm o em grupos
artísti co s, como também pela difusão da ação-física como unidade mínima da atuação
teatral, fruto da organização e codificação de seu próprio material-corpo, numa compo-
sição ex press iva autoral . Também, nota-se tal valorização do corpo na expe rimentaçã o
cên ica d e um " te atro teatral ", uma teatralidade da fo rm a revelad a ao logo do séc u lo XX .
Jacq ues Co pea u fo i um d o s protagonist as d o fen ômen o da ret eatrali za çâo d o
teatro n a F ranç a, valo riza n do o es tu do co rpo ra l na s suas práti cas ped agó gicas, e m
sua Esco la Vie ux -Co lom b ie r na Paris d e 1920. Em busca d e uma po éti ca n o va par a
o ator, Co pe au propô s um m odo diferen ciad o d e ed uc aç ão t eatral ex iste nt e, qu e era
fundada na tradi çã o do s chamado s "Conservat órios de Art e Dramática ", comuns
na Europa desde o século XIX.
A escola deve servir (na pr op ost a de Copeau) para 'ult rapassar o ator'. Se por um lado,
Copeau se distancia dos 'cabo rinos do músculo ' e da 'afe tação' produzida por certos
méto dos n ovos (a refer ência à Rítmi ca de Dalcro ze é explícita), ao mesm o t empo,
por out ro lado, ele estabelece no 'conhecimento e expe riência do corpo humano'
um a das tarefas prioritárias da formação do ato r e elo gia a 'ação real' no palco ' .
1 MARIN IS, Marco de. Copeau, Decroux e o nascimento do mim o corpo ral. Trad ução de J. R.
Faleiro. Revista O Teatro Transcende, Blumenau, p. 46, 2004.
2 MARIN IS, 2004, p. 48.
185
o valor do trabalho co rporal também é difundid o nas ex pe riências de ence -
nadores e peda go go s teatrais como C. Stanislavski , V M eyerhold, E. D ecr ou x, J.
Grot owski, J. Lecoq , E. Barba e T. Suzuki, o u mesm o nas proposições de G. C raig,
A . Appia e C. Dullin. A preocupação destes teatrólogos era (e é) com a "formação
técnica do ator ". Par a uma conceituação d esta formação destaca- se, por exem plo ,
o pensamento de qu e a condução do exer cício do ofício d ev e ser realizada, espe-
cialmente, por pou cos professore s, ou mesmo por um só m estre qu e pud esse pro-
porcionar um desen volvimento harmonioso entre o corpo d o ator e seu pr óprio
caráte r.
Entretanto , "es te m od o de formação segundo o qual os atores elegem um
m estre do mesmo modo em que este último os elege é um modelo pouco freqüente
nas escolas institucionais":'. Por outro lado , percebe-se qu e as escolas formais de
teatro no Brasil, curso s d e forma ção de atores em nível m édi o ou os bacharelad o s
de interpreta ção te at ral, têm buscado, na m edida do possível , se inspi rar nas práticas
difundidas pelos referidos teatrólogo s, re s guardando-s e, evidentem ente, os ob jeti-
vos d e cada propost a d e ens ino e prática n os referid os co nte xtos . Mas, é evidente
qu e as visões de atuação exercitadas no s teatros-lab oratório e teatros-escola rep er-
cute m so bremaneira no dia-a-dia da esco la in stitucional d e teatro co n te m po râneo.
Se isto não se dá na pr ópria atitude do arti sta-professor e na sua pr áti ca de ens ino,
se revela em projetos de pesqui sa-prática qu e valorizam o teatro d e gru po e os pro-
cessos de pr eparação técnica co nt inuada d e ator. Fortalecer na esco la fo rma l modos
alte rn ativos de aprendiza gem associados a pesqui sas-práticas é di fundir um a idéia
de atuação que está agregada ao exercíc io di ári o de treinament o técni co, bem como
ao trabalho da int eri oridade do ator. Um trabalh o com o es te, o rient ado por u m
art is ta-professor, pod e se inspirar na ética d e trabalho dos m estres oc ide ntais. Além
di sso, tais práticas, por es tarem men os su jeitas às leis do m er cad o pr ofi ssion al do
teatro, podem e devem sus te nta r o apro fun dam ento do tra balho téc nico na bu s-
ca d e co mpos ições realm ente experime ntais. Portanto, na esco la fo rmal, há espaço
pa ra um exercício de atuação diferen ciad o e m " Labo rató rios d e A tuação".
Ao lado da pr áti ca de ens ino na esco la institucional pod e- se observar no Bras il
pro cessos de aprendizagem em meio ao trabalh o de grupos e co mpa nhias teatr ais
- tea t ros- laborató rio -, o u ao redor da prática de algun s encen ad ores qu e po ssu em
tamb ém uma visão peda gó gica.
Talvez o que es te ja de fato na base de to das estas expe riênc ias e tentati vas
de aprofundamento técnico de ator é a aquisiçã o e o exercício co nt inuado d e um a
"c iência da ação ". Para isso, em qualqu er contexto, é necessári o reconhecer o co r-
po, expandi-lo, sens ib ilizá-lo, isto é, "refaz er o corpo", ma s bu scando- se o se nt ido
profundo do fazer teatral e sua relação co m a soc iedade.
Nes te momento, é imp ortante lembrar qu e a neces sidade d o ato r " ref aze r o
co rpo" foi marcad a de m od o radical em Antonin Artaud. Sua esc rit ura te at ral, po-
ét ica funda mental, revelou a imp ortância d o ato r dar fo rm a à sua vida interi or, isto
é, diminuir uma defasagem qu e há entre o sentir e o express ar. Apesar dele não ter,
na verdade, valorizado a técni ca-práti ca co rpo ral co mo meio d e dimi nuir es ta fen da,
J FÉRAL, j osett e. A atu ação se ensina? In: o Teatro, teoria)' práctica: más aliá de las fron-
leras. Bueno s Air es: Ga lerna , 2003a. p. 2 11.
o isso se o co rp o irá " m udar" mesmo n o proc esso da adol escên cia? O índi o adoles-
cente, nesta "clausu ra", faz um a dieta co m plexa, exe rcita apr endi za gem art esã, tom a
il rem édi os vegeta is na b usca de uma es pécie de purgação e de criação d e um a fo rma
.s co rporal est éti ca d esejável na tri b o. A passa gem do índi o por esse processo o torn a
11
"be m-educado ". H á uma ligação da evo lução física com a evo lução moral. N esta so -
ciedad e edu car sign ifica "t ransfo rmar o co rp o" . C ert as atividades que con sideram o s
IS
simbólicas, tr an scend entes, para os índ io s são at ividades corpo rais. A atividade do
.a Xarnã, por exemp lo, ex ige um a co nd ição corporal apta ao seu trabalho. Sua ef icá cia
-: de ação relaciona- se diretamente à sua co n d ição de preparo pessoal. Outro as pe cto
o curioso da relação co m o co rpo é qu e a noção de par entesco , n a visão amerín d ia,
pode- se dar pós-natalmente, e nã o só pr é-natalm ente. Es ta é um a conce pç ão qu e
o se relaciona às aquisiçõ es adquiridas na co n vivência. Pode-se, assim, "a ssimilar " o
)- corpo do outro pela co nvivênc ia. A co rporalidade co m um se dá pela tr oca estabele-
o cida p elo grupo . O corpo é, então, vis to co mo um "organismo ab ert o ". E, co m isso ,
r, pode- se, de fato, "faze r co rpo s" . Tal fazer rela cion a-se diretame nte com a abe rt u ra
do corpo às trocas po ssíveis, mas reconh ecen do ta mbém a resp onsabilidade com o
outro.
1-
• O ant ropólogo Ed uar do V. de Cas tro (U FRJ) pro feriu palestra na UFMG, no C urso de A rtes
C ênicas, em 16/ 05/ 05, a q ual assisti, cont ribuindo , então, para algumas reflexõe s expos tas aqui.
I
Da exposição acim a, de staco a questão da " me t am o rfos e", pois no uni verso
ame rí n d io o corpo é o lu gar da di fer ença, e nã o o d a se melhança, do co m u m a todos,
como muitas vezes acreditam os .
Vo lto, ent ão, ao p en sam ento so b re o ato r c riad o r, o ato r "me t amo rfos e -
ador ", aque le qu e forma e se form a com a arte do teatro, e qu e precisa de uma
técn ica para isso .
N a preparação para es ta m etamorfose, que p ode gerar um a co m pos ição no
sent ido d e uma teatral id ade da forma, elabora-se uma estruturação por m ei o de
princípio s q ue podem se r traduzidos aqui pelo o q ue di z Fayga O strow er:
F o rmar imp orta em tran sformar. Todo proce sso de elaboração e dese nvo lvimento
abrange um pr oce sso d in âmico d e transf orm ação , em qu e a matéri a, q ue orienta a
ação c riativa, é tran sf orm ad a pel a mesma aç ão . Tran sf o rmando-se , a maté ria não é
d est itu íd a de seu ca rá te r. Pelo cont rário, ela é m ais d ifer en ciada e, ao mes mo te m-
p o , é dehnida co mo um m od o d e se r. Tran sf o rm ando-se e ad qui rin do fo rm a nova,
a m at éria adqu ire uni cid ad e e é reafirmada em su a essência. El a se to rna m at éria-
confi gu rada , matéria-e-fo rma, e ne ssa sí ntese e n t re o gera l e ún ico é imp regnada de
si cnificacões'.
c ,
A p er cepção sobre a forma na ex pos ição de O stro wer é imp ort ant e para
que va lo rize mos o ato c r iado r d o art is ta cê nico na bu sca de su a própria rec riação
de id entidade.
Talvez sejam ne stas rela çõ es que mai s n os formam os, nos cons truí mos, elabo -
ram o s e n os expressamo s. No ato de fo rmar, exe rcit an d o o form ar- se, trabalham os
so b re nó s m esm os. Exe rc itamos uma prime ira co nfiguração por m eio de técni cas
apreendidas e de princípios de ordem filos ófi ca, so cio ló gica, ent re outros.
M as, consid erand o-n os à parte d o pen sam ento am eríndio citado , locali zando-
n os no mundo urbano contemporâneo, em mu itas ve ze s dissociado de tradiç ões
cult urais e hi st óricas, como despertar este "t rabalho so b re nós m esmo s"? Ou , ain -
da, co m o aprofundá-lo, m ant ê-l o , t ran smiti-lo?
Fundamentalm ente, faz -se necessário conhecer as experiências realizad as na for-
maçã o de atores do século XX e refletir sobre suas ba ses ideoló gicas e esté ticas. É im-
pr escindível t ambém possui r um diagn óstic o claro so b re o momento h ist órico atual da
aprendizagem cên ica no Brasil, e nos locais qu e será exercitada, bem como sua relação
co m a profi ssionali zação, isto é, co m o aspecto eco nõ mico do fomento e m anuten ção
da arte teat ral. Tamb ém , é ne cessário o desen volvimen to de uma preparação técnica
5 OST RO W E R, Fayga. C riatividade e processos de cnaçâo. Petrópo lis: Vozes, 1987. p. 51.
I, OSTROWE R, 1987, p. 79.
Para que o treinam ento se ja o percurso de uma vida, deve inscrever- se na dura-
o
ção. [...] É pr eciso co nc ebê -lo como uma 'formação contínua' para qu e pcr mi t,
a
realmente que o ator, como o músico ou o bailarino, mantenha seu instrumento
é (físico e psíqui co) em condições, quer di zer em estado de criação ",
1-
Certamente, a ciência de que se trata aqui não é uma ciência pura cujos preceitos
são claros, uní voc os e normati vos. Trata-se mais de métodos diversos criado s de
man eira pra gmática por meio de exp erim entaç ões diver sas. Eles permitem esc a-
par de um a apr endizagem intu itiva da atua ção! ".
Se o teatro pode ser ens inado, pod e-se apr ender de di ver sas maneiras, m esmo
porque existem variados teatros, mesm o qu e eu defenda aqui técnicas corporais
como técnicas fundamentai s para o ator. Há pessoas qu e necessitam aprend ê-las
por mei o de artistas-profes sores , mestres únic os ou o rientado res profissionai s. Há
aqueles que diante d e uma vivênc ia pe sso al artísti ca co nt in uada, em grupos o u não,
co ns egue m est abele cer as pr óprias o rientações , o rgan iza n do, inclu sive, propo si ções
técnicas de formaçã o para si e para o u t ros . Talvez nã o exista uma regra única de for-
mação de ato r. O qu e de fato está implícito na co nvivên cia co m os arti stas-forma-
dores talvez se ja, em si, a idéia do trabalh o continuad o , o ex ercício permanent e d o
atu ante, so b urn a orientaçáo expe r iente e sensível, qu e co n d uza trabalh os d e revisã o
t écnica, experim entações pr áticas e composições aut orais. Mas, ainda penso que o
qu e está mesm o no cerne da quest ão da formação é a bu sca d o formar-se . E para isso
é preciso uma rigoro sa metamorfo se.
te
MARINIS, Marco de . Cop eau, Decrou x e o nascimen to do m imo co rpo ral. Tradu ção de J.
R. Fa leiro. Revista O Teatro Transcende , Blurne nau, p. 45-5 6, 2004.
la
OSTRüWER , Fayga. C riativ idade e p rocessos de criação. Petróp olis: Vozes, 1'187.
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10
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En t re as atri buições do pr of essor uni ver sit ário, a ativ idade de ensino, para-
d oxalm ente, não goza ent re nós do me sm o pr estí gio pr oporcion ad o pela at uação
em pes quisa. O fato, por exemplo, de o ens ino ser men o s suje ito a avaliações e a
m o dalidad es de co nt ro le por parte da in stituição ilustra bem essa co nsta tação. Se a
autono mia do pr ofessor é um a pr er ro gati va inc ontest ável de seu trabalho, a obser-
vação indi ca que o re lativo isolam en to d o doc ente acaba não favo rece ndo o debate
so bre ques tões d e ens ino /a prendiz age m, ce nt rais em seu cot idiano . Raram ent e en -
sino e pesqui sa são enc arados com o dimen sões que se alim entam reciprocamente,
no co njunto das fun çõ es doc entes; a seg unda delas tende a gan ha r proemin ência em
detr imen to da prim eira.
Nos limit es restri to s dest e art igo, nossa inte nção é levantar questões acerca
da relação entre a fo rmação e a pesquisa dent ro da Licenc iatura em Artes Cênicas,
de mod o a indicar ca m in hos, tendo em vista a superação da dico tom ia entre essas
du as esferas da atuação docente.
A referência d a qual nos valemos é a Licen ciatura em A rtes Cênicas oferecida
pela Escola de Co m u nicações e Artes da Uni ver sidade d e São Paul o. Em seu âmago,
o que se pro põe é um a reflexão so bre as fina lidades, as co nd ições, os méto do s e os
pro cediment os relativos a pr oc essos de ens ino / aprendiz age m dentro de mani fest a-
ções da ce na co n te m po rânea .
A met a é formar um pr ofission al ca paz de coo rde nar pro cessos artís ticos efe-
tivament e sinto niza dos co m os d esafios das manifest ações cênicas de nosso tem po,
seja em term os da ed ucação forma l - esco las de educação infant il, ens ino funda-
m entai e ens ino m édi o - seja no âmbi to da ação sóc io-c ult ural- no qu adro das pol í-
ticas públicas, em o rga nizações não- governam entai s, ce ntros cult ura is, associações,
prisões, hospitais e o ut ros co ntex tos .
Ass im sendo, faze mos nosso o en unc iado formulad o pel a Com issão Perma-
nente de Licen ciaturas da USP qu e, em 2004, tr abalhou em prol da valorização e
redime ns iona mento das licenciaturas o fere cidas por aqu ela uni ver sid ade. O que se
pretend e é a "fo rmação de um pr ofi ssion al co m pete nte, socialmente crítico e res-
pon sável pelos d estinos de uma sociedade qu e se deseja jus ta, dem ocrática e auto-
193
sus te n táve l'" , N osso d esafio , portanto, é tradu zir essas metas em term o s artísti cos,
mais precisamente, cê nicos.
O recrutamento dos es tu dant es da Lic enciatura em Artes Cênicas é feit o já h;l
cerca d e 15 anos, de mod o es pe cífico. Ao se in scr ever para o co ncu rso vest ibular, o
can d id ato já é levad o a optar ent re o Bacharelado - qu e compreende as habilitações
de Interpretação, Di reção Teatral, Teoria e C rí t ica e C enografia - e a Licenciatu ra.
A s prova s específicas do co ncurso vestibular para a Licenciatura ocorrem na segun-
da e última fase da seleção e têm como objetivo avaliar a disp onibilidade de jogo do
can d ida to, sua capacida de d e reflexão crítica a part ir de leituras esp ecífica s, assim
co mo suas condições de an alisar criticamen te uma prát ica artísti ca na áre a.
À primeira vista pode parecer est ran ha a so licitaç ão de tal escolha a joven s
recém sa ídos do ensino m édio, antes me sm o de se re m admitidos na universidade.
Sep arar assim de modo cat egórico Bacharelado e Licenciatura, dim en sões do co-
nh ecimen to teatral tã o entrelaçadas ent re si, pod e par ecer, de ime d iato, incoerent e.
Tal medida, no enta nt o , tem uma razão de se r: ela busca enfat iza r a importância do
pap el da universidade na formação de do centes. Co ns ideramos de primordial im-
portân cia qu e a USP de stine an ualme nt e dez vagas no vestibular para a formação de
pr ofessores de Artes Cênicas, na perspectiva de ass egurar para essa ár ea - nem sem-
pr e suf icien te men te co nhecid a pel o grande públi co - a relevânc ia qu e cara cteriza as
relaçõe s ent re as artes da ce na e a tarefa edu cacio nal.
A p osição de dest aqu e at ribuída pela US P j formação de docentes em Artes
Cên icas apresenta sem dú vida rep ercussões favor áveis em to do o ter rit ório nacional
e con t ribui para qu e a Pedagogia do Teatro se desenvolva entre nós. A organização
cur ricu lar em pauta foge à fórmula inde sejável "c onhecimentos específicos da área
+ d isciplinas did áticas". D esd e o início da escolaridade, es tudantes da Licenciatura e
do Bach ar elado, juntos, problernatizam as co mplexas ques tões vinc u ladas às fun ções
sociais do teat ro em nossa sociedade. D entro de disc iplinas co mo "Tea t ro e Edu cação
I e II" e "P rá tica de En sin o I a UI ", cent rais dentro da ha bilitação Licenciatura e ofe re-
cidas dentro do pr óprio D epartamen to de Art es Cê nicas, são tr azidas à tona teorias,
experiênc ias, inda gações, qu e co nf igura m o corpo d e co nhec ime ntos na área.
Dest ac arem os a partir d e agora doi s disp o siti vo s de tr abalho n o s quais se dá
de m odo tan gível a art icu lação entre formação e pesq uisa à qu al n o s referim os há
pouco. Graças em gran de parte a eles é qu e n o sso curso vai além da simp les tr ans-
mi ssão d e conteúdos tidos co m o desejávei s, mas se propõe a gerar n ovos conheci-
mentos sob re a Peda go gia do Teatro . O prim e iro desses disp osit ivo s d iz re speito à
int egração entre a grad uação e a p ós- gradu ação ; o segundo está vinc u lado à práti ca
de ens ino.
D esd e os anos noventa, a USP abri ga o Pro grama de A perfe iço a mento de
Ens in o - PAE, de stinad o a alu n os de pós- gr adua ção de mes trado e d outorado nela
matriculad o s, cuj o objet ivo é o de aprimo ra r a forma ção do pós- gr aduando para a
ati vidade didática de graduação. Co m exc eção dos es tudantes beneficiados co m a
de - Orienta ção relativa à elabora ção dos relatórios finais de est ágio .
ela
aa Essa aproximação ent re a graduação e a p ós- gradua çâo strictu sen su, sem dúvi-
1 a da, con stitui um avanço palpável para o estreitam ento das relações entre a tran smis-
são do conhecimento já adquirido e a formulação de novo s saberes, missão precípua
de do ensino superior.
2 ruro, Maria Lúcia de Souza Barros, Rituais de iniciação. Reuista da FUNDARTE, Montenc-
gro, ano 4, v. 4, n. 8, p. 42-44, jul.Zdez. 2004.
É em relação a este último item que se revela de mod o ma is nítido a riqu cv.i
d o pro cedimento. O exame do sumário do co lega pode ser espec ialme n te revelado r
d as fragilidades do se u próp rio. En volv idos com o desafi o de co nc eb er um a estru-
turação satisfató ria par a as co nsiderações pretendidas, o s es t uda ntes se mo st ram
particularment e sensív eis às solu çõe s en contrad as pelos com pa n he iros. Examinar o
s umário do out ro cons titu i, simulta ne ame n te, um eficaz exercíc io de autoc rítica.
H á um asp ecto que chama a ate nção dentro de ssas co ns ide rações, po r seu
ca ráte r recorrente nas di ferentes turmas: a desejável tessitura entre o refe re ncia l
t eórico e a experiênc ia emp írica. Ad vertido s ao lon go de vár ios sem estr es so b re a
n ecessária alime ntação recíproca ent re essas es feras e co loc ados diante do desafio
de m o strar essa articulação no cerne d o text o em processo, o s alu nos se dão conta,
q ua se sem pre pela primeira vez , d a co m plexi dade da tarefa. N esse se nt ido , mult i-
pli cam-se as pro po siçõ es ten do em vista a elaboração de u ma tessitura qu e po ssa
respon der, pelo men o s provisori amente, a esse difícil requ isito .
O tra balho de co nclusão de cu rso vem sendo to rna do público por ocas ião de
um a mos tra anual organ izada pelos licenci an d os, que reúne também a apresentac.io
d as manifest ações teat rais po r eles coorde nadas. G ru pos de di ferentes po ntos da capi-
ta l e m unicípios vizin hos, trabalhados pelo s fo rm and os, compa rece m à univer sidad e
par a mostrar as realizações que, direta o u indi retam ent e, estão na base do s T C C. A
variação do form ato d essas apres entações é o co ração mesm o da prop osta ; de aulas
abe rta s a encenaçõe s já b ur iladas, passando por performances e fo rmas breves, um
sig nificativo lequ e de m odalidades evide nc ia para o públ ico a mul tipl icidade da cena
co nte mpo rânea.
A mon ografia, por sua vez, é o bje to de uma sessão também pública, na qual
inte rvêm pelo me no s d oi s docentes: um professo r co nv ida do e o professor resp o n-
sáve l pela disciplina "TCC", além de a palavra ser estendida ao público presente.
Es tamo s novamente diant e de um a rica situação de aprendizagem : na berlinda,
a produ ção de cada um dos alun os gera descob ertas relevant es para o conjunto da
turma.
O leito r desta s páginas certa me nte sabe que os cam inho s aq ui descritos não
são tão reg ulare s qua nto pod em levar a c rer, co mo tampou co são ise ntos dos recu o s
e hesita çõ es que cos tu m am estar no cern e d a tarefa de fo rmaçã o .
Ao destacar, por um lado, a art icu lação ent re a gra duação e a pó s-gradu ação
e, por out ro , o que stionament o da própria práti ca teatral co m o fo nte de pe squisa,
no ssa in te nçã o é aponta r pist as qu e con d uzam à p rog res siva au to no mi a do estu da n-
t e em sua busca de co ns t ruç ão de conhecimento.
PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Ritu ais de iniciação. Revista da FUNDAK1'f , .\'1, ·;,
renegro, ano 4, v. 4, n. S, p. 42-44, jul.!dez. 2004.
UNIVERSIDADE D E SÃO PAULO. Pró-Reito ria de Graduação. Comissão l' crm .u u -ru.e
de Licenciaturas. Programa de formação de professores. São Paulo, 2004.
s
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T EAT RO, JOGO E BRINCADEIRA:
UMA PROPO STA D E RE ELABO RAÇÃO DO CA \'A LO MARI NHO
EM PROCED IMENTO S PEDAGÓG ICOS PARA O ATOR
Mariana O liveira
Este art igo apres enta part e dos res ultados da pe squisa de m estrado O jogo da
cena do Ca va lo Marinho : diálogos entre teatro c brincadeira, desen vol vida no âmbi-
to d o p ro jeto integrad o U m estu do sobre o côm ico : o teatro popular no R/'(N! entre
rito s e festas , so b o rientação da Proí-. Bct i Rabct t i (Maria de Lo urdes Rabetti), no
Pro grama de Pós-G rad uação em Teatro da Uni-Ri o. At ravés d e trabalh o de cam po
co m o bs ervação participante na zo na da mata n ort e pernambuc ana, especialme n te
na cidade d e Co nd ado , e de laboratório ex peri me n ta l realizad o na Esco la de Teatro
d a Uni- Rio, pro curou -se d iscu ti r o lu gar, no te atro, da brincad eira, Cal(':-:('ria ado -
i .id a pelos realizad ores do Cavalo Marinh o ao dc sig ,ü- lo. Ma n ifestação l"pt't xu\.ir
de mú lti p las o rigens, da s qu ais aq uela lo calizada ent re os escravos na s se nza las d o s
engenhos canavieiros cos t uma ser a ma is refer ida pel os brincadores , aprese n ta -se
h o je pri ncipalmente po r co nt rato nas fe sta s de rua muni cipais por ocasião do Na ta l,
d o A no Novo e das hom enagen s aos santos padroeiros nos m eses d e d ezembro e
j an eiro.
Os diálogos travad os en tre os d oi s fe nômenos, tan to n o pl an o t e órico, ana -
lítico e conceitual qu anto no d a exper imen tação prática, que em verdad e oc o rr em
não di sso ciados, ma s ent re laçados e d e maneira o rgânica, são atravessa d o s pela no-
ção d e jo go: prim eiro p orqu e pa rt icipa das essê nc ias de am bos, se n do o " pr óprio
m odo d e ser da o bra d e ane l", e, seg u ndo , porqu e se te m mo strad o reco rren te na s
refl exõ es acerca do teat ro co nte m po râ ne o.
A s idéias gerais da brincad eira e d o teatro ap ro ximam-se em pon tos que con st i-
tuem também carac terísticas lúd icas: faz-de-co nt a, u niverso ima gin ati vo , estado dife-
renciad o de presença, ambie nte instável, estabeleci me nto de relação , har m o nia, ritmo ,
absorção, enca nta me nto, circu ns crição es paço-tem poral, capacidade agregadora, regra-
mente , rep etição, acaso , atenção, relaxame nto, liberd ade, o rde m, cre nça , co nsciência' .
I GADAMER, H ans-C eo rg. A o nt olog ia da obra de arte e se u significado herm enêu ti ca. In :
. Verdade e m étodo. Pet r ópol is: Vozes, 1997. p. 174-20 I .
-;-:::-=-=-:=
H UI ZI N GA, j oh an. H om o ludens. 5. ed. São Pau lo: Per spec tiva, 2004. 243 p.
201
Al guns desses fato res evidenciam-se quando o teatro funci ona plenam ente, quand o se
diz qu e "o jogo acontece". Um últim o elemento que participa tanto do ser jo go, quanto
do ser teatro e do ser brincadeira é a "d iversão", ist o é, uma "volta ou 've rsão' de no sso
ser para o ultravit al ou irreal":' , para um mundo "diferente", termo usado pel os brin.
cad ores para designar com po siti vidade a autonomia da brincadeira em relação às leis
da realidade co tid iana. Acerca disso, vale o comentário fei to po r mestre Mariano Teles
durante entrevista dada à aut ora em 31/12/ 04, em Chã de Camará, zon a rural do mun i-
cípio de Aliança/PE, sobre a co n fecção das máscara s do Cavalo Marinho:
A máscara [...] pod e sair at é um pouco parecida co m a gente , mas ela pode sair
uma coisa mais divulgada , diferente, ela pode não ficar me smo a feição de um a
pe ssoa [...] a gent e tem qu e fazer ela mais est ran ha [...] tem que fazer a m áscara
diferente e a gent e nunca faz que nem uma obra da natureza [...] só é bonita por-
que é feia, que se fosse bonita, a gente não qu eri a nem o lhar.
o jogo não é mais, aqui, um mero repr esenta r-se de um movimento orde nad o, nem
mesmo um mero representa}", no qual se revela a criança que brinca, mas é, "repre -
sentando para...". Essa indicação, próp ria a to do representar, também será resga tada
aqui, tornando-se const ituti va para o ser da arte' .
) O RTE GA Y GASS ET, ]osé.A idéia do teatro, São Paulo: Per sp ect iva, 1991. p. 51
, GADAME R, 1997, p. 184, destaques da autor a.
PAVI S, Patrice. Dicionário de teatro , 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. 512 p.
As experiê ncias teatrais co nte m porâneas, como "p rát icas significantes'" qu e não
visam à revelação de um sent ido preexistente, mas geram um a polifonia de significa dos,
são ainda marcadas por recorrên cias: paródia, citação, lin guagem lírico-narrat iva, ten-
dência miscelânica, indecisão quanto ao gênero de manife stação art ística, multiplicidade
)
de referências culturais, mobilidade ou ambigüidade de sen tidos (o signo perde a relação
)
estável ent re o significante e o sign ificado), auto-ironia, ten são ent re atu alidad e cê n ica
e relato, probl ernatização da representação do sujeito e da est ru tura trad icional do per-
sonagem". D entre elas, alguma s clarame nt e dialogam com os aspectos da b rincade ira
"
acima citados.
s
s
I, Figur a é o term o utiliz ado no Cavalo M arinho para designar espécies de pers o nagen s-t ipo,
elaborados princ ipalme nte a part ir de um no me enunc iativo e de um ro teiro de aç ões na ro da da
)
brincadeira. Ex.: o Soldado da Gurita vem prender os nega s Ma tc us e Bastião, para que dêem a
licença para o Cap itão "dar o baile na cida de"; a Véia do Bamb u vem atrás de seu pássa ro perdi-
do, a Ema, e demonstra ser mui to "fogosa" dia nte dos homen s presentes, coloca ndo-os de baixo
de sua saia.
7 PAVIS, Patri ce. La herencia clásica dei teatro post mod ern o. In: EI teatro y 5It recepci ôn,
o
J
As arte s da performance também constituem espaç o d e releitura e redi scus-
são do s conceitos estruturais da cena, rompendo com a representação e aproximai, ..
do-se da vida . São alguns de seu s traços característicos: estrutura não aristorclic.i,
ambi güidade entre personagem e a própria pessoa do artista, caráter de event o, de
rito, dialética entre tempos e espaços ficcionais e reais, que convivem sobreposto s,
relaçã o m ais mítica ou ritual ística qu e estética entre esp ectador e objeto art ís i ico ,
com po ssibilidade de maior grau de ati vidade daquele", Aqui, também se verifi cam
coincidências em relacão ao ob servado n a análise da brincadeira.
Estabelecidos esse s assuntos comuns, propõe-se es tender os diálo gos entre
teatro e brincadeira para o campo da experimentação prática. Para tanto, é pr ecis o
refletir acerca da maneira de enfrentar o obj eto do Ca valo M arinho:
No que se refere à possibilidade de percep ção de acervos técni cos, talvez devês sem o s
suspender o encanta mento aflorado pela visão de uma natu reza característica, c, (" 1 1 ·
tão, indagar por um sistema de códigos, tão singulares quanto longame'nte elaborado s.
E, acredito, será at ravés do cuidadoso exercício de comp reensão e recuperação deste s
códigos, e atrav és de sua precisa reelabo ração em métod os e técnicas adequados à art e
da cena, que um teatro popular pode vir a se articular de maneira mais efetiva, isto é,
como expressão artística e criadora au r ônorna [...] I:.
Ou seja, os "c ó d igos da brincadeira" pod em se oferec er para "reelabora ção "
n o âm bito teatral, se m se deixar de atentar paL1 o fato de qu e esse proces so consti-
tui " [... J não uma absorção cênica estreita e simplista de persi stentes manifestaçõ es
populares enc ontradas nas correntes artísti cas o u Icst ivas de culturas tradicionai s
[...]"" . Não se trat a de reprodução, m as de um "d iálogo forte" com a tradição ,
de maneira qu e sejam percebidos "códi go s (persistê ncias) e variáveis (aptas para
ad equ açõ es a novos tempos ou a no vos sent idos)" capazes de gerar "co mbinações
in ovadora s"!", Essa experi ência materi alizou-se no âmbi to d o laboratóri o experi-
m entai () jogo da cena do Cavalo Marinho: experimentando teatro e brincadeira .
Aqu i a noção de jo go volt a a se r importan te, mais especificamente no modo
de trabalho com os atores-pesquisadores do laboratório , qu e lançaram mão de di -
verso s exercícios lúdi cos reelaborados a partir do universo t emático, do rep ertóri o
t écnico e de mom entos esp eciais do Ca valo Marinho .
Ao long o do tempo, os jogos dramáticos e teatrais passam a desempenhar atraente
função pedagógica no en sino do teatro: na década 1940, en cenadores franceses criam a
Educação pelo jogo dramático, estabel ecendo tradi ção verificável nas propostas de Jean-
Pi erre Ryn gaerr ": na década de 1950, Viola Spolin con strói um sistema de jogos teatrais
e improvisacionai s amplamente difundido no teatr o-educação ; no Brasil, os exemplos
d'O Tablado de Maria C lara Machado e de Au gusto Boal confirmam a tendência para o
recurso do jogo no ens ino da linguagem teatral. O laborat óri o seguiu esse caminho.
') CO HEN, Renato. Perionnance como linguagem , São Paulo: Perspectiva, 2002. 176 p.
I: RA BETTI, Beti. Memória e culturas do "popular" no teatro: o típico e as técnicas. O Perceue-
jo: Revista de Teatro, Crítica e Es tética. Rio de Janeiro, ano 8, n. S, p. 7- 8, 2000 ..
1I RA BETTI, 2000, p. 11 .
.- Ass im, redimen sionou-se a no ção de b rin cadeira, não mais exclusivame nte a
t-
categoria usad a pelos praticantes do Cavalo Marinho par a designá-lo, mas tamlx- rn
i,
a próp ria defin ição para determinada man eira de se pesquisar e trabalhar ('1lJ lC;J1 10 .
e Nest a nova co ncepç ão, out ros dois conceitos são fundam entais: o "es tado da brin ca-
i,
deira" e o "co rpo -que -b rinca". O prim eiro traduz-se por um es ta do de con cenrracâo
l,
rela xada ou de ate nção se m tensão que ocorre em corpos co nec tados, trabalhand o rn I
n conjunto, e o segun do refere-s e ao corpo que exp erimenta tal estado, promo, preci so ,
em escuta, e qu e se organi za com soltura art icu lar, opo siçõ es segm entares e agilidadé'
e de movimentação .
o O "co rpo-que -b rinc a" avizinha-se da im edi ata resp o sta à exc itação do s refle·
xos preconi zad a po r Meye rho ld, em 1969 e d o "cor po dec id ido" de Barba I j . I :,·i..
den cia- se no tr abalh o energético prom otor d e disponibilidade física e mental para
a criação, con struído a partir da dança d o Cavalo Marinho e, ainda, numa sé rie de
1-
jogos úte is par a o tr ein o de hab ilidades específicas para um ato r pr esente, ati vo ('
s. ágil, e para o est ím u lo à sua capacidade im agin ativa.
:5
O trab alh o ene rg ét ico desen vol veu-se através do tr einamento na danç a d o
:e C ava lo Marinho, fei to livrem en te n o es paço a part ir da célula rítm ica usada n o
,
-, "Tombo do mar guio", espécie de jogo-dança em roda. N o centro da roda, duplas d e
participantes se alterna m , estabelecendo instiga nt es diál o go s co rpo rais, e dos " pas-
so s so ltos ", man eira enco nt rada para d esi gnar os passos de dan ça qu e con st itue m
" o rep ertóri o geral da b rin cad eir a. Cam inhand o e marcand o a pul sação da m úsic.i,
1- os alunos -pesq uisa do res acresce ntavam, aos p oucos, contratempos, pau sas, qu ed as,
:5 suspensões e aproximações com cole gas. Ess e exercício gero u um estado de di s·-
IS
ponibilidade, tanto fís ica, pela mobiliza ção d o corpo tod o, co mo tam bém de j() y,() ,
isto é, de est ab elecim en to de relação co m o o utro, at ravés do o lhar e do diálo go
'a co rpo ral. D esen vol veu a am pliação do cam po de visão, além de um relin .uucn to du s
.s se nt ido s e da perce p çâo , e revelou -se um jogo de pr esença ao requerer atcncao m ú]
1- tipla, distribuída entre ritmo, espaço , o lh ar, en contro. N este jo go de conjunto, t o -
dos marcam o tem po juntos e vigo ros ame nt e, est abelecendo conexão co m .1 t cr: .1 . '\
o pul sação, a exaus tão e o desafio diant e d o s limites relac io na m-se à ge ração d.lllU ek
1- "es ta do de brincade ira" co m parável à diver são e ao prazer da b rin cadeira de cr ia nç.i ,
o Em de termin ado m om en to, o corpo , impul sionado pel o d iálogo co m o outro é' pela
força coletiva, ult rapa ssa o est ágio do cansaço p ara alcan çar um a espécie de 1, , \, ( , /. 1.
e Entre o s o ut ros jo gos experimentados, vale comen tar, especialmente , o "Tom -
a bo do marguio", o "Não pague não , Capitão!", o "Sinhá v éia, sinhá moça ", o "Cap it:i«
1- viu? ", o "Roda de figuras" e o "Capitão m andou chamar? ". O primeiro, realizad o i al
IS qu al no C avalo Marinho , revela có digo s es t ru turant es da brincad eira. N ele, impo rt.i
>s nã o tanto o desempen h o indi vidual, ma s o aspe cto coletivo, como no próp rio se n t ido
o de jo go:
14 MEYERH OLD , V. O ator e sua arua çâo. In : CONRADO, A ldo rn ar (O rg.). O teatro de
o Meyerhold. Rio de J an eiro : C ivilização Brasileira, 196 9. p. 173- 174; BA RBA, Eugenio . A canoa
de papel: tr atado de ant ro po log ia teatral. 55.0 Pa ulo: Hu cit cc, 199 4. p . 54.
I
em múltiplas forma s de palavras [...). O movim ent o, que é jogo, não po ssui nenhum
alvo em que termin e, mas renova-se em permanent e repetição. O movimento de v:l i- ,
v érn é obviamente tão cent ral para a determinação da nature za do jogo que Ch \' ~~,l ,)
ser indiferente quem ou o que executa esse movimento. [...) O jogo é a co nsum nç.i. ,
do movimento com o tal" .
a
Os dois últimos jogos, mais propriamente de reelaboração, "Roda de figuras"
LO
e "Capitão mandou chamar?", visam à criação de novas figuras, inspiradas no re-
pertório técnico e temático do Cavalo Marinho. No primeiro, em roda e ao som de
música, uma pessoa entra realizando uma dança que revele o estado de sua figura.
1-
Os demais participantes propõem um nome significativo para aquela figura. No
le segundo, alguém assume a função de Capitão, dizendo para que mandou chamar
aquela figura e, assim, auxiliando na definição de sua ação específica.
Te Além dessas atividades, exercícios improvisacionais calcados nas idéias de ro-
teiro, repertório e figuras, à semelhança da dinâmica estudada na brincadeira do
1- Cavalo Marinho, constituem interessante engrenagem cênica teatral que, a partir
lo de estrutura mais ou menos fixa, oferece espaço para inúmeras novas combina-
m ções. Essa noção de improvisação como espaço combinatório assemelha-se àquela
.l- da Commedia dell'arte, cuja imagem da liberdade e da espontaneidade constitui uma
A falsa idéia do que, na verdade, está relacionado a uma habilidade derivada de intensa
lo prática geradora da possibilidade de uma "composição veloz"!' Como diz mestre
Antônio Teles, irmão de Mariano, deve-se "criar pela memória", ou seja, não se trata
10 nem de jogo totalmente livre, no qual se improvisa acerca de um tema mais ou me-
nos definido, nem de texto ou partitura absolutamente fixos e imutáveis; trata-se de
. . . .
rn um Jogar entre o roteiro e o ImprovIso.
lU Assim, o modo de trabalho constituído, passível de aproveitamento em pes-
Jr quisas ulteriores para elaboração de eficaz treinamento para atores, caracteriza-se,
o de maneira geral, pelas discussões diárias acerca do fazer, pelo trabalho coletivo, do
ra qual a configuração dos exercícios em roda é emblemática e, ainda, pela atividade
e rrazerosa perpassada por divertimento e comicidade.
Os elementos estéticos, o recurso da máscara, a metalinguagem, o estilo
la épico-narrativo integram, ainda, o "sistema de códigos"LS da brincadeira colocado
s- à disposição para direta utilização na cena com vistas a potencializar sua força
:la expressiva. Os materiais do Cavalo Marinho oferecem-se, assim, como poderoso
acervo "indutor", isto é, "propulsor da criação em arte"!", enriquecendo os diá-
m logos entre brincadeira e teatro e, de maneira efetiva, as próprias práticas teatrais
'a contemporâneas.
n-
)S
1.
as
'[-
e-
10
17 TAVIANI, Ferdinando. Once puntos para entender la improvisacion em la Cornmcdia
e- dcll'arte. Máscara: Cuaderno Ibcroamcricano de Reflexion sobre Escenologia, México, ano 4,
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I, RABETTI, 2000, p. 7.
IY RABETTI, 2000, p. 4.
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Mey erhold. Rio de Jan eiro: Civilização Brasi leira, 1969. p. 173-1 74.
PAVIS, Patrice, Dicion ário de teatro. 2. ed. São Paulo : Per sp ect iva, 1999.
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ciôn , scm tologi«, cruce de cultu ras Y postm odemisnio , C uba: UNEAC , 1994. p. 20 7-22 3.
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v ejo: Revista de Tea tro, Crítica e Est éti ca. Rio de Janeiro, ano 8, n. S, p. 3- 18, 2000.
T AVI AN I, Ferdinando. Once punros para ent end er la irn provisacion em la Co m rne d ia
de ll'arte. Máscara: Cuaderno Iberoamerican o de Refl exion so b re Escen ologia, México , an o
4, n. 21-22 , p. 4-23, jan . 1997.
Mona Magalhács
~e -
I do espetáculo teatral 'Partido', do Grupo Ga lpão. D es te modo, destacarei neste arti-
go algun s ponto s em caráter in t ro du t ó rio, que se encontram mais apro fun dado s n a
minh a dis sertação .
Primeiramente, há a necessidade de definir o conceito de cara cterização, para
depois discutir as suas funçõe s no t eatro. A caracterização, em um sent ido lato,
:lia signifi ca d esd e a co nstru ção dos atributos físicos e caracter ísticas psicológicas da
no pe rsonagem pel o s escritores até a sua materializaç ão n o palco o u nas te las (cin em a
ou te levisão) . A maneira que o es critor encont ra pa ra apresentar a p er sonagem ao
leito r se dá p or meio da caracterização. As personagens, seres fictíci o s, rep rodu zi -
do s ou inv entad o s, saídos da m emória, da ob servação o u da im agin ação dos aut o-
res são di sp o stas no romance de uma m an eira fra gmentária, para que, ass im com o
acon te ce na vida real, o leito r po ssa co nhecê - las ao s pouco s, porém de uma forma
mais ló gica, com LIma "linha de coe rê n cia fixada para sem p re, delimitando a curva d e
sua existê nc ia e a natureza do seu mod o-d e-ser'", Para um es tudo mais detalhado a
respeito das téc nicas de caracterização da s personagens utili zadas pelos escritores,
podem se r ve rificadas as seg uintes o b ras :
l CANDIDO, A nto nio et aI. A personagem de ficção . São Paulo : Perspectiva, 2000 . p. 59.
209
Decupagem das características da personagem
a) Interferência por uma atividade física (su jeira, suor etc .);
b ) Influência climática (chuva, sol , vento etc.);
c) Sinais particulares/defeitos físicos (cicatrizes, anomalias, queimaduras
etc. ) ;
d) Conformação especial (beleza/aparência grotesca) .
A materialização da personagem
A caracterização do ator
reri zação que o ator utili za para co m pô- la d e uma forma gera l, e tamb ém (1 <; re-
c u rsos qu e ele ut ili z a p ara criar s uas p ersona gen s, co mo co r po e vo z . N,) cn r.un.o .
trat a- se aqui , da con strução visual do s se r es fi ctícios, es pecific a me n te (1:1 co ns t ru -
ção d o rosto p or mei o da maquiagem. Lembrando, aind a, que o figurin o fa z pan e
d a ca rac te rização vis ua l da p ersonagem .
Para o arq ui teto e fotó grafo Cláudi o A raú jo Kubrusly, o ro sto é ,1 verdadei-
ra id entidade d o se r hum an o, que m esm o com o pa ssar d o s a nos é P I):;:.! \,,, 1 (I seu
re conhecimento. El e se ria co mo páginas de um livro que contam uma história qu e
pode ser lida por seu s sem elhant es. "O rosto ide nt ifica uma única pes so a e evoca
se u m odo de se r, s u a p ersonalid ade e, eve n t ua lme nte, suas idéias'".
1S A art e qu e p o s s ib ilitará a cri ação d ess e ro sto pa ra a p ersonagem é a m a-
qui agem . Para P avi s , e la p o d e se r co ns ide rada o fig urino vivo qu e se in scre v e
na p el e d o ato r, qu e " faz o r o sto pa ss ar d o a ni m ado a o in animad o , fl erta co m
a m áscara'" .
Constant in Sta n islavski relat a so b re a vinc ulação natural e es!t i, iu que ",
pro ced e entre um a tor e s ua pe rso nagem, co mo p ri vilegia a atuação realista do linal
" d o séc ulo XIX, abordando a relevân cia da carac teri za ção para a trans fo rmação d o
int érprete em personagem , e, de urna m esma iorma, preservá-lo para (r 'c ele pos
sa se tran sformar p or co m p leto em s ua p e rsonagem. "Assi m, a caracre rizaç.io é ,}
o, m ásc ara qu e esco n de o indivídu o-a to r. Prot egid o por ela, [ele] pode despi r .1 alin.i
ói at é o últim o, o mais íntimo detalh e. Es t e é um impo rt ante at rib uto o u traço da
ra - " 7.
tran s fo rm açao
er A caracterização co m o um todo, e a maq uiagern em particular, é um recurso im -
n- portantíssim o pa ra o ator, pois irá ajudá-l o a reve lar a sua pe rsonagem pJr.1 )i 1I1C ~11l0 ,
IS, duran te o seu pro cesso de co nst rução e, mai s adi ant e, n o d esvelar que ir.í proced e r
io em relação ao público qu e o ass ist irá. Tal p ensam en to é co rrobo rado por Rich ard
Co rso n, qu e diz qu e a m aq uiage rn irá ilum ina r a p erson agem tan to para o ato r qu ant o
para o público, proven do seu ve rd ad eiro retrato para ambos . E, p o sso dizer que a m a-
PALLOTfI NI, Renat a. Dmmaturgia: a co nst r u ção d o p er so nagem. São Pau lo: Ática, 1';189 . p.
111
67.
11 : KUB R USLY, Cláudi o Araúj o . O qlle éfowgmfia. São Pau lo: Brasilie n se , 199 1. p. 35.
e- ) PAVIS, Pat rice. D icionário de teatro , São Pa u lo : Persp ectiva, 1999. p. 23 2.
PAV IS, Pat rice. A an álise dos espetáculos: teatro , mímica, dan ça, dan ça-teatro. c inc m» . S;i"
Paul o : Pers pe ctiva, 2003 . p. 170.
7 STAN ISLAVSKI, Consta ntinoA construçâo da persOl/agem. Rio de J aneiro : C ivilização Bra , i1ci ra,
de
1986. p. 53.
Máscara x Maquiagem
"Um rosto no meio do palco. Uma plat éia inteira na frente". Zeca Camargo co-
meça co m esta frase o capítu lo relativo à maquiagem da s artes cênicas, do livro A m a-
quiagem atrav és dos temposI!>. Com certe za, uma da s funções da maquiagem cênica é a
de tornar o ros to do ator perceptível ao público. N o entanto, ela não se redu z apenas a
valorizar e a ressaltar traço s verossímeis e realista s, d o ator ou da p ersonagem. Segundo
Pavis, ela " [...] assume um relevo particular, visto ser o último toque dos preparativos
do ro sto do ator e porque contém uma série de informaç ões?". Seguindo esse pensa-
mento, Corson acredita que assim co mo a expressã o vocal e corpo ral, "a maquiagem
N um a out ra função, a m aqu iagem teatr al é usad a dev ido à necessid ade de se
aume ntar os traç os expressivos do ator para suport ar o excesso de luz e para com pen-
sar a di stân cia existente ent re a platéia e o palco, nest e caso refiro -me à ar qu itetu ra
do palco italian o, visto q ue os palco s de arena e de câma ra prop or cion am uma certa
proximidad e da platéia co m o palco, fazendo co m qu e a intensidade da maquiagem
usada no pr imeiro deva ser dim inuída. A luz art ific ial t ende a empalidec er e acha tar
a fisionomia do ato r, além de levar a perda de 30%, da int ensidade da maquiagem e a
dist ân cia, qu ando muito grande, faz co m qu e o espec tador não cons iga ter uma defini-
ção da expressão facial do ator. Desse mod o, co mo p ens a Pavis, "os traço s exp ressivos
dev em ser aumentados de m aneira a aparece rem naturais, mesmo lon ge d o palco ?" ,
inclusive o de talhe sutil deve ser visto. J ean-J acqu es Rou bine a def ine como um ros-
to nu, ou seja, tec nicamente o rost o esta rá maqui ado, porém será um a m aquiagem
invi sível ao es pectador, diss imu lando, desta maneira, a natureza de art ifício. É uma
maquiagem que evita qu e "o ator pareça pálido so b a luz d os reflet ores":".
IS CO RSON, Richard . Stagc malscup . New Jcr sc)": Prc nricc- H all, 1975. p. 3.
19 PAVIS, 2003 , p. 170.
20 PAVIS, 1999, p. 23 1.
21 BARRAULT, 1954, p. 6.
11 PAVI S, 2003, p. 171.
23 RO UBI N E, 1987, p. 57.
2 7 MENGLI N , Zh ao: J IQ ING , Yan. Peking opcra painted faces. Beijin g: Morning G lory Publi sh -
ers, 1996. p. 11.
2' BARBA, Euge nio ; SAVA RESE, N icola. A arte secreta do ator: dicion ário de antropolo gia tea-
e por especialistas enqua nto o dançarino relaxa, gradualm ente vai se transfo rm ando
em um a figura fo rte me nt e caracteri zad a que ele irá interpretar":" ,
Mais det alh es podem ser enco nt rados nos livros:
e
A maquiagem como elem ento de teatralizaçâo da fi sionom ia
r
A maquiagem [...] se torna uma máscara mais ou menos opaca e flexível q uv :'" " ,', . '.
1
utiliza a mobilid ade do rosto. O ato r às vezes produ z caretas que ela m.uu cm ". l· .. J
"
Na arte do semblante, a maquiagem pode, ao mesmo temp o, acentuar a i c.iu ,dld.l' lc.
a maquinária facial [...] e dar novament e impressão de vida, renaturaliz.u (' ' ; . 11( 1 I ' "
rizar' a expressão mímica. Ela joga com a ambigüidade constitutiva da representa çao
teatral: mescla de natural e arti ficial, de coisa e de signo".
Não se pode ne gar qu e a maquiagem cênica é fund am ental para o tea tro d e
persp ectiva psicol ó gica (realista, naturalist a), a qual, seg undo Pavis" , em ge ra l, for-
e nece o maior núm er o de inf ormaçõ es acerca da personagem. No entanto, d esde os
primórdi os do sé c. XX várias teorias estéticas oc id entais colaboraram P ,llt Ij ll\ ;l S
r formas da representação facial não psicol ó gica. Como dest aca Roubine: o "expres-
'-
sion ismo e o teatro br echtiano, a teoria art audiana e, em te m pos mais n ', l ' I I\(' S, .1
e expe riê ncia de Jerzy Gro rows ki na Pol ôn ia. [...] Será preciso tamb én: l'\' O C lJ' a -.
contribui ções de Gordon Craig, [...] ou de Alfred Jarr y ":" e mais tarde, se de staca -
riam Samuel Beckett e Gener".
a Ca be ressaltar, neste momen to, co nfo rme pensa R ou bin e, que as ex peri ên -
a cias desses ence nadores vêm co nf irm ar uma caracterís t ica co mum ent re' (, l \ ,; . ( ' li
n seja, "com ou sem ajuda da maquiagem , a prátic a de uma representaçã o ( ,. ;, 1 , '. .
e psicológica leva se mpre a fazer o rosto trabalhar co mo u ma m áscara !)( ' 11 \ dl l.: I. ,
a ao m esm o tempo capaz de expressões múltiplas e deliberadam ente limit.h h e ; I ' ·.ua
abund ância":". A ssim, desta maneira, percebe-se que houve um a fu ga da maquiaaern
comprom etida co m mim etism o. Par a esse gru po tudo o qu e p udesse q ur l» ,11" ., ,1,)_
o são cênica era bem vindo .
o O que se per ceb e é que a utili zação do rosto , maquiado ou não, nas d iLrl'l1' e~
e est ét icas teatrai s aco mpanha as transformações sofridas pela personagem, ' ,.'i;) cl l n.ir-
o rati va ou teatral. E nfim, o ro sto se to rn a um cenário am bulante, com se u- m úsc ulo s
sendo tr abalhad os de mane ira co ntrolável ou não. Ele é, co mo diz Pavis, "() l u ~ ,u () Il J e
o sentido desen ha signos na car ne" :" , no enta nto , pode-se dizer que não se pode negar
i, GRONI NG, Karl. B ody decoration : a wo rld surycy o f body-art . N ew York: Vcnd o rn « 1'11" ; \ .
1998. p. 184.
i l GROTOWSK I, 1971, p. 64 apud PAVI S, 1999, p. 232.
1-
" PAVIS, 1999, p. 232 .
L-
\) PAVIS, 1999, p. 234.
'h ROUBIN E, 1987, p. 64.
RO U BIN E, 198 7, p. 66.
.i S RO UBI N E, 1987, p. 66.
N esta funçã o, di scriminada por Pavis, a maquiagem é que assumirá a fun ção
de cenário, antes limitada somente ao ro sto. El a, agora, se expande para o resto do
co rp o. Um cená rio também ambulante, "es t ranh ament e sim bólico" que "não mai s
caracteri za de maneira psicológica e, sim, contribui para a elaboração de formas tca -
trai s do mesmo modo que o s outros objetos da representação (m áscara, iluminação ,
figurino ) ",0.
A pintura co rp oral , muito utilizada pelo s povos de cultura tradicional, pr o-
m ove a valorização da multidimensionalidade dos corpos assegurando assim a co-
ne xão da cabeça ao corpo , d eixando de cons ag rar apena s o ro sto, como ocorre na
cultura moderna, de acordo com o pensamento de Deleuze", Es sa valorização do
co rpo é den ominada de co rporalidade, de acordo com o que é relatado por Lu x
Vidal e Aracy Lop es d a Silva , e a pintura corporal, de uma forma mais ampla a body
art "faz d o co rpo uma matriz de símbolos e um objeto de pen sam ento" 42, cujos te-
mas são mi toló gico s, cerim oniais e refletem também uma organização so cial, assim
co m o o corpo do ator é tra nsfo rmad o em cenário por meio da maquiagem cêni ca.
Cenicamente, a maquiagem deixa de apena s acentuar os tra ço s de expre ssão ou
os asp ecto s psicológico s, co mo prima o uso realista, para salient ar sua própria conduta
e se torn ar body art , como pensa Pavis, passando, a não servir aos outros signos, mas
chamando at enç ão para "sua pr ópri a práti ca aut ôn oma?". Ao pro curar conhecer o cor-
po humano, por meio da body a rt , paSS;1-se a vivê-lo, retirand o o feti che, "eliminando
toda a exaltação à beleza a qu e ele foi elevado durante séculos pela literatura, pintura e
esc ultu ra - para trazê-lo à sua verdad eira funçã o: a d e instrumento do homem, do qua l,
por sua vez, depend e o homem ":", Sendo est e o princípio qu e rege o mo vimento que
te ve seu auge nos ano s 1970, fazend o com qu e desd e os pr imórdio s os seres humanos
de corem as suas peles de infinitas maneiras e por variadas razõe s, como pensa o autor
de Body Decora tion , Karl G ro ning.
C arr ega dos co m men sa gen s cu ltura is, e imbuído s co m experiênc ias estét icas, a d e-
co raç ão co rpo ral é o princípi o fundam ental d a pr ópria expressão em que o arti st a
c ria para si mesm o, um a seg unda pel e como um te st emunho par a a socieda de em
q ue vivem, como um es pe lho de sua pr ópria individualidad e e co rno uma refl exão d o
so bre natu ral".
,: D ELEU Z E, Gi lles; G UATTARI , Félix. Mil platôs: capi talismo c csq uiz o frc nia. Rio de Janci-
ro : Ed. 34, 1996. v. 3, 120 p.
42 V IDA L, Lux: SILVA, Aracy, Grajism o indígena. São Paulo: ED USI; 1992 . p. 283 .
.1 5 PAVIS, 1999, p. 172.
-, G UJ. SBERG , Jo rge. A arte da perjormancc. São Paul o: Per spect iva, 2003. p. 42-4 3.
•, G RO N ING , 1998, p. 09.
Considerações finais
Acredito que antes de se pen sar em de senvolver uma maquiagem para qu ais-
qu er per sonagens e es pe táculos, deve- se ter claro em m ente os princípios acima
mencionados. Não é apenas uma técnica sem fundam ento que deve reg er a cria ção
de um rosto para a personagem. Como tamb ém de nada adianta uma t écnica scn:
a prática, assim co mo uma bela maquiagem se m um bom ator. O treino para se
maquiar bem é tão essencial quanto o s en saios para a construção das personagen s e
da s cenas. De preferência devem vir juntos, ens aiar maquiados e ve stidos, só assim
é possível sair da realidade do ator para ent ra r na realidade da p ersonagem, uma
vez qu e enq uanto se es tá no palco se vive a realidade e o que es tá fora del e é pura
fant asia.
Tanto o ensino quanto a prática da maquiagem partem de uma intuição, que
é inat o ao ser human o e qu e não deve se r ab ando n ada. A técnica da maquiagem
vem para apurar essa intuição. Em um processo de criação nã o exi ste uma lei, "só
há a inv entividade e a ori ginalidade do arti sta"47. E, continuando a parafrasear Lui gi
Par ey son, ''[. ..] o ve rdade iro artista é aque le que en contra sem p re insights em torno
de si, não pr ecisa procurá-los: basta olhar em to rno de si para lo go ser assedi ado por
suges tões não so licitadas "4S.
Um método, talvez o úni co, pelo qu e eu saiba, que en sina didatic am ente a ma-
quiagern, é o de Rich ard C o rso n. Este mé todo faz com que se pense em cada área do
ros to e, conseqüente me nte, para cada personagem que se cria, de forma a não deixar
escapar qual quer detalhe. O m étodo da reprodu ção de uma outra obra é limitador, pois
a cópia imp ede a ori ginalidade. Em br eve, publicar ei um livro que versa so bre os mé-
tod os de ensino da maquiagem , que utili zo nas di sciplin as de caracterização I e 11, da
escola de teatro, da U ni-Rio. O que me fez pensar nessa pos sibilidade foi a car ência de
literaturas nacionais na área da maquia gem cê nica. Espero pod er preencher essa lacuna,
difundir o ensino e, co m isso, valorizar um detalhe preci oso da criação da per sona gem
e do esp etáculo teatral.
ABIRACHED, Robert. La cnsis dei personaie em c/ teatrom odern o. Madrid: Asoci ac ion de
Directores d e Escena de Espana , 1994.
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j C .4N.1( 'l L RI7..4(.",4U "lL 1TR k : 1:.1!.-I ..HU '[ .4 ,-U i /) J 1,\ L \ /). 4 /) ,-! 219
I
J O G O S CORPORAIS EM SALA D E AULA
NaYLl Kciscrman
I se ntim entos, o p en samen to e o movimento . D e aco rdo com a t arefa pr ati c ada, est es
compon entes estão mais ou men o s at ivad os, mas a falta to ta l de um deles é sin to ma
j garan ti do de doen ça o u desequil íbrio. Felde nkr ais ch ama de AT ENç Ãe y . , sl Ti to
1 ass im, com mai úscula e aste risco) o es ta do almejado em q u e o s co m ponente s da vi-
gília estão em perf eito equilíb rio , po ssibilitan do ações efe t ivas e harm o n iosas - em
o utras palavra s, o esta do de co m po ne ntes qu e favorece um a vida feliz e sau dável.
N o caso do ad u lto, o objetivo d o trab alho é restabel ecer o flu xo de co m u n icação
en tre aqueles qu at ro co m po nen t es . Quando se trat a da cria nça, o obj etivo é o fe-
rece r o po rtu n ida des de Jogo para que ela se mantenha em co nt at o plen o co m su as
sensaçõ es (advindas dos cinco se n t id o s) , seu s sen tim ent o s (q ue não pode m ser bl o-
queado s), se u pe nsam ento (fért il, espo n tâ neo, int eligen te ), p or mei o da at ivação e
ex pres são através do Movi mento.
Para qu e haja um b om aprove ita mento das propostas de J o gos Co rpo rais lis-
ta dos aba ixo, é preciso alguma s palavras so b re o pro fessor q ue vai propô -los e o
modo co mo isso se rá feito.
o professor e a aula
o profes sor é um guia, u m o rien tad or. É um parceirodos jogos que vai propor,
em qu e exerce a função de dar ind icaçõ es e sugeri r cami nhos. N ão apo nta m odelo s a
22 1
sere m seguidos, mas oferec e oportunidades d e encont ro de cada um co nsigo mesm o.
Esse pr ofessor é um parc eiro de seus alunos e deve, mais do que tudo, amar e respeit ar
os se us corpos e o seu pr ópri o, para pod er obse rvar atentamente as suas expressôes,
manifestas ou escarnoteadas, ao mesmo tempo em que sent e o seu pr óprio corpo, qu e
certa me nt e tamb ém fala uma língua qu e os alun os ent endem e com a qual dialogam ,-
m esmo no silêncio . Se o pr ofessor pretend e qu e os alunos joguem espontaneanu-nn-,
qu e sejam capazes de exerce r plenamente suas percep ções, ele pr óp rio deve ser capaz de
fazê-lo. Isso é muito clar o em outras matérias, mas no Teatro , às vezes, se esquece que
é preciso saber fazer para saber ensinar.
O pr ofess or é aque le que vê to dos os alunos, que sabe ler as suas men sagens
corporais, que sabe o uv ir, qu e sabe tocar n os se us corpos no s momentos necessá-
rio s, qu e reconhece qu and o deve falar ou silenc iar. O professor é aquele que sente.
H á algun s aspec tos ou princípios que organi zam a prátic a dos Jogos Corpo -
ra is, qu e serão alte rados pelo professor de aco rdo com as circ uns tâncias em qu c
trabalha, e que convé m que os alunos conheçam logo na primei raaula. São eles: dar
prefer ên cia ao uso de ro upas co nfortáveis, qu e não impeç am os mo vimentos e que
possam sujar e aos pés descalços, para um melh or co nta to co m o chão e a libert ação
dos pé s do dom ínio torturante dos sapatos - isso vale também para o pr ofes sor.
N ão há um jeito certo de realizar os jo go s proposto s, já qu e cada um del es possibili-
ta mui to s e mui to s m od os de execução possíveis, criativos , o riginais, o que significa
q ue de nada serve espiar os co legas e que a avaliação do pr ofessor não vai se guiar
por crité rios de certo o u er rado . As dú vidas qu an to à co mpree ns ão da prop osta d o
] o go devem ser feita s antes de se iniciar a jogar e o professor só vai responder aqu ilo
qu e co ns ider ar imprescindível para qu e o aluno dê início ao se u m ovim ento. Uma
id éia vaga do que é para faze r é suficiente para co meç ar. As instruções dadas duran -
te o jo go vão suprind o as dú vidas que po ssam gerar inseguran ça, ao mesm o temp o
em q ue ajudam o alu no a manter-se no jogo, o u seja, a pen sar no que faz enq uanto
faz - um a das pr incipais me tas do tra balh o co m os Jogos Co rporais. O s alunos não I
j
deve m o lhar para o pro fesso r dura nte o J o go, de qu e este parti cipa ap en as como Vai,
e isso porque há um estado almejado de im aginação ficcional que o pr óprio aluno I
esta b elec e e de que o pro fes sor não faz pane.
Ca be, portan to , ao profe ssor, ser econô mico no enunc iado da proposta, d e
m od o a não antecip ar o u dar pist as sob re co mo realizá-Ia; nas instruções dadas du-
rant e a sua realização , orientar os alu nos no sentido de encam inhar o seu percurso
!
em direção ao objet ivo da prop osta e a descoberta de um a lin gu agem pessoal de
expressão pelo movimento; ter como critério para a avaliação o s ob jetiv os (que
par a isso devem ser cla ros, tanto para o professo r quanto para os alunos) e o que
vai ava liar é em qu e m edida o grupo os alca nço u, te ndo o cuidado de não expo r as
fraque zas ou dificuldade s indi vidu ais, mas semp re salient ando os asp ectos positi vo s
do q ue fo i realizad o .
Jogos corporais
A seguir, uma lista gem de propostas de Jogos C orporais que ad m item muitas
variações, a serem se lec io nados pelo pr ofesso r de aco rdo co m as necessid ades de
seus alunos e co nd ições em qu e tr abalha, co mo d imensões da sala, duração da aula,
i,
organi zação curricular, faixa etária, número e exp eri ênci a dos alun o s, ent re ou tras .
Certamente, todo s estes aspec to s interferem no resultado obt ido.
r
O sJogos, ponto s de partida para a elab oração de mu ito s ou tros, estão o rga ni-
"
e zados de acordo co m o foco principal das propostas e assim denominados: Percep -
ção Sensorial, Partes do Corpo, Locomoção e Espaço - sem esquecer qu e, em todos
, eles , o Movimento é o canal privil egiado de exp ressão e realização pe ssoal.
-,
e
e
Percepção Senso rial
Aqui se trab alh am os Sentidos e sua rel ação com movimen to em dua s dire-
s ções: com que m ovi mentos se podem apreender as sens ações e qu e movimen to s
- .
l-
esta apreensao va i gerar.
I-
Audição
e Esta propost a não deve ser anunciada previamente. Os alunos devem estar
ir numa po sição confortável, em atitu de aquiet ada , serena, de o lhos fechados. O pro-
e fe sso r deve sab er o qu e propor para colocar os alunos nest e estado, de ate nç ão se-
o rena, de dispo sição sem alarido. Ir indicando cada etapa, dand o o tempo necessári o
r.
.para a sua realização - é preciso qu e o professor tenha essa percep ção do gru po.
(-
Pedir que os alun os ab ram os olhos quand o começ arem a se de slo car no espaço -
.a caso isso não oc orra espo n taneamente, o professor poderá indicar.
Ir 1) Ouvir o so m que vem de mais lon ge. 2) Imaginar quem ou o que produ z
o este so m (a imagem do so m, a fonte sono ra) . 3) Ouvir o so m que vem de mais per-
o to, mas fora da sala de aula. Visualizar a fonte. 4) Há algu m so m vindo de um pon to
la int ermediário , ent re o mais distante e o mais próxim o ? O uvir e im aginar a fonte.
1-
S) Pa ra cada um d o s sons ima ginar mai s de uma fonte. 6) Movime ntar-se co nfo rme
'o 1 u m d os so ns qu e vem d e fora. 7) C anta r um a mú sica mentalmente e imaginar q ue
o ela perc orre o corpo po r dentro. 8) Ir movim entando cada part e do co rpo por o nde
.0
IZ
i a música passa. Como se fos se o movimen to que produ zisse o som . 9) Alternar
(por indicação do professor ou a critério do aluno) as du as atitudes de resposta ao
.0
so m de fora e música d e dentro, sem pre co m m ovim ent os - que podem ser mu ito
pequen os. 10) Reagir com movimento aos so ns da sala, que podem ser produ zid o s
le por C Ds, instrumento s mu sicais ou o utros. 11 ) Altern ar: quando há so m dentro
1-
da sala, mo vimentar- se; quando há silêncio, movimentar-se de acordo co m a mú sica
;0
interna; por indi cação ou não, ou vir os so ns de fora, sem movimen to.
ie C omo na p roposta anterior, os aluno s devem esta r aquietad o s fisicam ente
Ie e com o pensamento vivo. Não há neces sid ade de explic ações prévias e a posição
le inicial é deitada.
15
1) Pedir ao s alunos qu e observem os úni co s movimento s existe n tes no seu cor-
)s po no mom en to em que eles não estão se movimentando, que são os da resp iração.
2) Nela, observar: a) o con tato do co rpo co m o chã o se mo difica na inspira ção e na
expiração? b) onde, no corpo, sente q ue che ga o movimento da respiração? c) existe
pau sa entre os movim entos de inspiração / expiração? d) qual o tempo de cada movi-
men to e da pau sa? e) perceber que o peito, na in spiração, alarga-s e lat eralmente, sobe
as na dire ção do teto, e a pélvis como que pressiona o chão, a cin tura afasta-se levemente
:Ie do chão e o retorn o destas partes do corpo, tr azendo um a sensação d e relaxamen to ,
.a, na expi ração. 3) Imaginar um term ômetro co locado dentro do peito , começando no
Visão
Dividir os alun os em dois grupos. Um observa e o out ro joga. O s jo gad ores
ficam de cos tas para o lo cal do jo go .
1) O primeiro aluno se coloca no espaç o e faz uma pose. 2) O próximo, do
grupo de jo gad or es obs erv a-o com a int enção d e reprodu zir a pose co m o m áxim o
de fid elidade. Depois de um certo tempo, qu e d everá ser curto, o primeir o aluno
d esfaz a pose e o segundo a rep ro d uz . 3) Vem o terceiro, obse rva a pose do segu n-
do. Est e d esfa z e aqu ele a executa. E assim por diant e. Quando o últim o aluno do
grupo de jo gadores a fiz er, to d os se co locam em linha e cada um faz a sua po se. 4)
O grupo d e ob ser vadores vai ap ontar as alte rações que foram feitas na po se o riginal.
Tr ocar as fun ções .
É importante que o aluno qu e ob ser va o faça se m imit ar, de modo qu e sua
cap acidade de ver e reter o que viu pos sa ser exercitada.
Tato
I
Anunciar aos alun os qu e se rá feito um trabalh o d e per cep ção sens o rial at ra-
vés do ta to - sen tido qu e só é ati vad o quand o toca mos um objeto o u uma pe ssoa ;
qu ando milhares de célu las que entram em ação para nos informar se algo é qu ente
I
í
o u fri o , ás pe ro ou macio, seco o u úmido. Assim, é nisto qu e esta rá a sua atenç ão, de j
m odo que ao tocar o o bjeto dev e ser evitado o pen sam ento comumente imediato de I
pensar na sua util idad e. O pen sam ento que acompanhará tod os os moviment os se
dá em fun ção das sensações que ele desp erta. D eve ser evitado a todo custo agir com
um a caneta na mão co mo qu em es creve no ar - por exe mp lo. O s movim entos que a
can eta vai trazer para o aluno se dã o devido a sua forma, textura, densidade.
o
i
1 par, se gu in do com o o bjeto que er a inicialmente do outro. 14) Nova d up la, me sm o
l- procediment o. 15) Trocar de o b jet o até que t enha na s mãos o seu obj et o , aq uele
.0
I qu e apan h o u na sua bol sa. Instruir para a diferença entre olhar aberto par a o jogo
~) enquanto nã o enc ont ro u o seu o b jeto e, ao contrário , o olhar co m foc o definido no
d. 1
1
objeto quando tiver en co nt rado o seu. 16) A ssim que tiver o seu o b jeto na s mãos,
movimentar- se em função dele . 17) Para finali zar, pode-se pedir que simplesm ente
la devolvam o o bjeto na bolsa, o u que o co loquem no centro, vo ltando para a roda.
Nest e caso: olhar todos os o b jetos , identificando aqueles com qu e trabalhou e ob-
servar o novo olh ar que pode t er para est es objetos e eventualmente até m esmo par a
os o u t ros. O que mud ou nã o foi o obj eto, evidentemente, mas sim o o lhar.
1- I Paladar e Olfato
a;
te
le
I C ada aluno tra z um obj eto de comer, devidamente embalado (já qu e vai ser jo-
gado, manuseado et c.), e outro que tenha um ch eiro qu e consider e especial. O ponto
Je de partida é o me sm o usado n as propostas para o aprimo rament o do Tato co m foco
se
111
] nos o bjetos . Pode-se fazer em duas etapas, sen do a prim eira com os objetos de ch eiro,
de modo que este determine os m ovimentos executados. Para o objeto de comer, a
·a partir do momento em que cada um est á com o seu objeto nas mãos, o s alunos vão
ser orientados para:
Partes do C orpo:
O objetivo principal é dar oportunidade ao aluno de mobilizar as difer cn f í" ~
partes do corpo, numa idéia de isol am ento (o alun o ser capaz d e mo vimentá-la s de
forma independente) assim como de composição, em que o mo viment o de u ma
parte determina as po siçõe s ou movim en tos de out ras. Entram no jogo os co nc e u o.,
d e repercussão e fluência. O aluno é o rientado para permitir qu e o moviment o ini-
ciado numa parte do corpo reper cuta n o corpo inteiro e aind a qu e ob serve o m odo
co mo o movime nto se espalha, fluind o pel o corpo inteiro .
É claro qu e a percepção e a consc iên cia do corpo ap ar ecem aqui com o caus a e
conseqü ênci a, o u seja, elas são sim ult anea me nt e favorecedoras do resultad o alca n-
çado na exec ução da proposta, co mo se b eneficiam dela.
Est es Jo gos permitem que se faça analog ias entre as partes do corpo, favorecen-
d o um a co mpree nsão de sua estr ut ura. É fácil para os alunos perc eber em seu corpo
co mo formado por tr ês vo lumes em pilha dos: a cabeça (uma espécie de aq uá rio) , o
peito (caixa to rác ica) e a pélvis (bacia) , os t rês unid os por um fio que é a co luna. D o
vo lume de cima saem doi s "penduricalhos", os braços, e do vo lume de baixo out ros
dois, as pern as. H á du as cin tu ras: a de cima une o aquário à caixa, e a de baixo , a caixa
à bacia. Os volumes não se partem ao m eio, seus movi me ntos são compactos: vão
int eiros para cima, para baixo, para fre n te, para trás, para a direita e para a esquerd a,
enq uanto os penduricalhos pod em ser revir ados em todas as direções de forma inde-
pendente uns dos outros.
I
Locomoção
A base para os J ogos Corporais de Lo comoção pode ser encontrad a no ); \ I rl
La expresi án corporal)' el nino, de Pat rícia Sto koe . A li, ela se refere aos M ( 1\ I II li ! I "
to s Fundamentais de Lo comoção, identificando cinco deles, ordenados dr .1l ()) c1 "
com a sua circun scrição espacial: arrast ar- se, em que o corpo está todo na lin h a nn
chã o; engatinhar, em qu e o tron co está fo ra do chão, eng lobando as I O COI1I () (J W \
sobre joelhos e sobre os glúteos; andar, quando nos encontramos sobre os dois pés;
correr, em que se alternam suce ssivamente pé e outro sobre o chã o; e saltar, em qu e
a ênfase está em sair do chão , em ganhar o espaço aéreo. Ca da um deste s movimen-
tos de Locomo ção admite muitas var iaçõ es, de acordo co m : a postura de base. o u
seja, o modo como o corpo se coloca o espaço para ini ciar o movimento, e q l! l ' ; I' ~ I
mantida durant e sua realização ; a parte d o corpo que conduz o m ovimento; o m od o
co mo as part es do corpo vão se m ovimentando de fo rm a simu ltânea ou suc essiva;
os graus de en er gia empregados nas diferentes panes d o corpo ; o desenho no c sp::·
ço; o andamento ad otado, por exemp lo .
O s movim entos podem ser sugeridos aos alunos na sua ordenação espacial, do
chã o para o ar ou vice-versa, ou indi car a sua realização por contraste, fazendo co m
qu e o corpo tenha qu e se organizar par a faz er muda nças bruscas e repentinas, co m o
em: arrastar-se e andar; engatinhar e correr; andar e saltar. Pode-se ainda propor uma
realização em qu e cab e aos alun os o rganizar a sua seqüência, selecionando a orde m c O
tempo de perm an ên cia em cada movim en to , de acordo co m sua ima ginação e im pu lso
)
co rpo ral.
)
C onvém co nve rsar com os alu n os sobre os m oviment os de Loco mo çã o , o
I
) 1 q ue diferencia uns dos o ut ros, ant es d e propor os Jogos.
s I O movim ento de andar pod e ser assim trabalhado: 1) O professor vai ind i-
1.: cando uma por uma as panes do co rpo envolvidas no andar, so licitando dos alun o ;
a
)
um a atitu de de per cep ção em relação ao seu modo de at ua çâo . Por exe mplo: o q Ut
í faz em os dedos dos pés? Movimentam-se juntos ou separados? Q ual o tam anho do
l, j
pa sso? Para o nde ap ontam os pés? Quando e co mo se dá a transferên cia de F CW
de um pé para o o ut ro? 2) O pr ofessor vai indi cand o uma por uma as articu la çôcs
1 en volvidas no an da r, pedindo aos alunos qu e exagere m no seu m ovim en to e d ep o is
a
i
J
que as an ulem. Ao chega r à articulação que un e a coxa ao quadril, o aluno de sco-
brirá que é impossível andar. 3) O professor sugere variações nas dim en sões (~ n o
andamento do passo, do movimento dos braços, da cab eça , da pélvis, d o tr onco. 4 j
t,
Cada aluno observa ate nt ament e seu m od o de andar at é de scobrir qual o seu t ra ço
e mai s fo n e e evide nte . Vai aos pou cos exa gerando nisso at é te r uma caric atura d o ' cu
n pr ópri o andar. 5) Observar o anda r de um colega, sem qu e ele perceba e sem modi-
s ficar o seu própri o, qu e possivelm en t e está sendo ob servad o por out ro . Ao sina l do
.s pro fessor, tran sfo rmar imediatamente o seu andar, repro du zin do o do co lega ob-
a servado . D escobrir aí, então, a sua ma rca mais fone e ir, aos poucos, exagerando até
I a caricatura . C ada um vai obse rvando os dem ais, sem m odi ficar o que está faz en do ,
I
,r
j tent ando recon he cer- se no andar do o utro . Isto não deve ser revelado o u apo ntado .
1
o 1 a não ser pelo próprio aluno imitad o qu e ass im o dese jar, manifestando-se espo nt a-
e
1- ! n eamente a respe ito .
I
Espaço:
É co nsiderado nas categ o rias de Esp aço Interno ou Pessoal, Espaço Parcial e
Espaço Tot al ou Gl ob al.
Espaço Interno o u Pessoal é aqu ele que se oc upa pelo simples fato de existir.
Convé m conversar com os alunos sobre isso, so bre o ar qu e se desloca para que se
possa, sim plesmente, es tar aqui, ali, aco lá. É uma ótima opo rt unidade para se con-
versar também sobre a pele, lembrando que ela é o maior ó rgão do co rpo humano
e responsável pela sens ib ilidade tátil, realizando várias e com plicadas funções como
pro teção, manutenção da temperatura, defesa imunológica. É a pele que possibilita
a troca entre o mundo intern o e o externo, definind o o desenho de cada pessoa, seu
perfil, sua silhueta.
Es paço Parcial é o que oc upamos se m locomoção, sem deslocamento. Nes te
caso, predo minam os gestos, qu e são os movim en to s que exec utamos no ar, ocu-
pando o espaço à nossa vo lta . Seu desenho é basicamente retilín eo o u arredondado.
Conforme Rud olf Lab an , em se u livro Domínio do Mouimento, sig nifica o uso do
espaço diret o ou indireto , de sua oc upação em linh as retas o u sin uosas.
Espaço Total o u Gl ob al é aqu ele par a o q ua l não há limi tes, e sua ocupação
pode se r tam bém co ns iderada co mo diret a o u indireta. Pen san do a oc upação ou
des locamento do espaço em relação a um objetivo (o bjeto o u pessoa), as possibi li-
dades são as de aproxima r-se, afastar-se o u rod eá-lo.
Como no caso dos J ogos de Locom oção , convém aqu i esclarecer os alunos
sob re o que vai ser trab alh ado. A pr op osta pode ser indicada já com os alunos na
pos ição inicial.
J ogos:
Es paço Intern o
1) Posição inicial: deitados no chão, com as pernas estendidas e afastadas natu-
ralment e, os braços tam bém estendidos ao longo do corpo. Visualizar o contorno do
corpo, percebendo o seu desenho, o quanto de ar foi deslocado para dar espaço a ele, a
marca deixada no chão se este fosse de areia. Visualizar o corpo co nfo rme a estrut ura já
mencionada: três volumes unidos e seus penduricalhos, as duas cinturas. 2) Dobrar os
joelhos, colocando os pés no chão e repeti r a visualização, observando o que se modifi-
co u: quais as partes que encostam agora no chão, como algumas afundam mais do que
antes e do que outras . 3) Tirar os pés do chão, levand o as coxas em direção ao peito e
repetir a visualização, com os mesmos pontos de observação. 4) Cada um vai elaboran-
do outras posições, e em cada um a delas, rep etir o exercício de visualização e percepção,
respo ndendo-se: como está o desenho do meu corpo? Como ele está apoiado: no chão ,
no ar, so bre si mesmo? Estão pr óxim os ou afastados os volumes e seus apêndices? Os
mov imentos que levam de uma posição a o utra devem ser simp les e contínuos, só in-
terro mpidos quan do a posição parecer, ao alun o, int eressante. 5) Organizar a seqüência
de pos ições e moviment os de mod o que cada vez vá ficando com um número menor
de apo ios sobre o chão, até finalment e ficar em pé. Ca da posição o u pose pod e ser as-
sociada a uma atitude de expansão ou recolhimento; de espalhar ou reco lher; de dar ou
tomar; de adesão ou resist ência. Pedir aos alun os qu e identifiqu em a sua atitu de. 6) An-
dando, e ao sinal do pro fessor, for mar dupla s ou grupos ao acaso. Apoiar-se um no ou -
tro fo rmando uma pose, em que se perm anece para realizar a mesm a pesquisa ant erior:
Espa ço Parcial
C onsidera-se a possibilidade de movim entos em qu e o desenh o do Cn l ptl
todo adquire diferentes formas, quais sejam: uma forma arredondada, a "bola", em
que as partes afastada s do corpo quando estamo s na posição ereta se aproximam; d
"seta", em que predominam as linhas retas e as partes do corpo se afa sta 1l1 . ~· (l pJ '
rafu so ", em que as partes do co rpo apontam para várias dire çõe s de forma sucessiva
ou sim ultânea. Tod o s esse s são de senhos trab alhados no Espa ço Parcial, ou sej a,
sem locomoção, de forma indi vidual, em dupla o u em grupos maiores. É necessári o
expli car aos alunos do que se t ratam esses desenho s antes de pedir qu e se co loquem
na posição deitada.
O jogo:
1) Levantar descre vendo um parafuso, qu e vai de baixo para cima, at é qu e fique na
po sição de pé. 2) Movimentar-se em bola. 3) M ovim entar-se em seta. 4) Movimentar-
se em parafuso. 5) Colocar-se rapidamente em poses com a forma que o pr ofessor \ ' ,l i
so licitando. 6) C olocar-se numa po se em parafuso, movimentar-se em bola até che gar
à o utra pose em parafuso. 7) Colocar-se numa pose em set a, movimentar-se em bola
até chega r à outra pose em seta. E assim por diante, até que se tenha proposto todas as
combinações possíveis.
Quando feito em duplas o u grupos mai ores, instruir os alunos para a idéia de ,
ao reali zar a forma , ir dando espa ço para o m o vimento do o utro, ao m esm o tempo
em qu e, com seu s movim entos, interfere no es paço ofer ecid o.
Es paço Total
1) Em grup os de quatro, os alun o s se col ocam numa formação espacial em
losan go, todos volt ad os para a mesma dire ção. Os mo vim entos que executam, com
locom oção, são lider ados pelo que está à frent e. Quando est e mudar a direção. exe-
cutando um quarto de vo lt a ou mei a volta, o que passará a esta r na frent e vai guiar os
m ovim entos. O importante é qu e se mantenham as distâncias inici ais est abelecid as
entre eles de que não se perca o desenho do losan go.
2) Locomover- se em espiral, ao redor d e um ponto im aginário, d o eixo menor
para o mai or, at é aba rcar a sala toda, e vo lta n do na dire ção inversa at é retornar ao
ponto de partida. É a própria traj et ória qu e va i determinar o movimento de loco-
moção, o andamen to, a parte do co rpo que lid era , o modo como o m ovimento flu i
pelo co rpo etc. Pode ser feito em duplas, em que um tem a função de eixo, ou em
grupos maiores, em qu e um faz o eixo ou todo s se locomovern simultaneamente, ao
redor un s do s outros.
Considerações finais
CALAZANS, julie ta; CAST ILHO, Jacyan; GOM ES, Simone (Coord.). Dança (' ,L" ';i ,io l
s- FELDEN KRAIS, Moshe. Consciência pelo m ovi mento. Tradução de Dais)' A. C. Sou za. São
A Paulo: Surnr n us, 19 77.
TI
LABAN , Rudolf. D omínio do m ovim ento. Tradução de Ann a Maria Barros de Vecchi e Ma-
ria Sílvia Mourão N ett o. São Paulo: Summus, 1978.
) 1
15
STOKOE, Patricia. La expresi ôn corporal)' el adolescente . 2 . ed. Buenos Aires: Barry, 19 76.
Ir
:s STOKOE, Patricia. La expresion corporal y el niiio . Bueno s Aires: Ricordi, 19 72 .
10
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J OGO' rOR rOR.H< I. li \A LI n t: .HL1 231
J
I
As OFICINAS DE TEATRO E A PRÁTICA DO ARTISTA-DOCENTE
NdrCIS() j clh)
[...] o termo pedagogia do teatro visou 11.10 .1pel1aS ampliar o espectro da pesquisa na
área, trazendo para a discussão os Mestres do Teatro - dramaturgos, teóricos e ence-
nadares, como também, fundamentar a epistemologia e os processos de trabalho em
teatro, inserindo-os na história da cultura I,
Conduzir nosso olhar pelo campo pedagógico teatral significa traçar diálogos
com educadores, artistas, alunos e demais envolvidos, percebendo seus pontos de
intersecção na construção do fenômeno teatral e sua assimilação pelas instituições
formadoras de atores, professores de teatro, diretores, cenógrafos e teóricos. Assim,
focalizaremos as oficinas de teatro utilizadas pelos grupos na formação de atores e em
prOjetos SOClalS.
Decifrar o cotidiano não é tarefa fácil para o pesquisador interessado em tra-
duzir a dinâmica e a riqueza de um determinado processo pedagógico. Tal aventura
implica numa disposição por parte do pesquisador em ampliar sua percepção de
I
1
1
teatro e educação. São Luís: Grupo de Pesquisa em Ensino do Teatro & Pedagogia Teatral, 2003.
p. 17.
l
I
233
um a d eterminada realidad e "b us cando refe rê nc ias de so ns, sen do capaz de en golir
sent in do a varieda de d e gostos, caminhar toc an do as co isas e p esso as e [se] dei-
xan do to ca r por ela s, ch eirando os o do res qu e a realidade co lo ca em cada POnt o do
caminho diário'" , A ap ree ns ão dos mod o s d e faze r e en sinar d o s es p aços cotidia no s
nec essita de uma "pa rce r ia" ent re os suje ito s da pesquisa, d e for m a a pos sibili tar J
Em primeir o lugar, os ' jogo s' específico s de cada sociedade [...] dão lugar a es-
paço s o nde os ' lan ces' são pr op or cion ai s a sit uaçõ es [...] os jo go s 'form ulam' as
'regras' orga nizadoras do s lances e co n stit ue m tamb ém um a ' memó ria' (armaze-
nam en to e classific ação ) de esquem as d e açõe s arti culand o n o vo s lance s co nf o r-
m e as ocasiões. {
Sendo assim, as táti cas utili zadas em um a situaçã o específica pos suem uma for-
nuli d ad e p rópria, que n ão p ermite o desvelam en to do jogo em su a to ta lida de . As
regras são sem pre as m esmas, ma s o s lan ces, q ue são m últ ipl os, serão escolhido s pel o
participante.
2 ALVES, Nilda. Decifrand o o pergaminho: o co tidia no das escolas nas lógicas das redes cotidi a-
nas. In : O LIVEIRA, Inês; ALVES, N ilda (O rg). Pesquisa no /do cotidiano das escolas sobre redes
de sab eres, Rio de Janeiro: D P&A, 20 01. p. 17.
.\ C ERTEAU, Michel de. A in•.:cnçâo do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1999. p. \
102 1
~ CERTE A .J, 1999, p. 83-84 i
234 N,,,,,,,r" " , I
Adentrar no cotidiano das oficinas é a possibilidade que temos de perceber
as escolhas táticas de cada artista-docente para o ensino do teatro, assim como de
compreender os lances dos participantes em cada trabalho proposto.
Oficina -' 2) curso informal de breve duração ministrado para o aprendizado dt'
uma técnica ou disciplina artística, sem objetivos oficialmente profissionalizan-
tes; 4) laboratório (local ou recinto); em francês ateliê, em inglês workshop'',
iAteliê - estúdio, recinto ou local de aprendizado de técnicas e de criação de obras artísticas, equi-
pado com ferramentas, máquinas e materiais adequados a uma ou várias expressões. CUNHA,
Newton (Coord.). Dicionário SESC. A linguagem da cultura. São Paulo: SESC: Perspectiva, 2003.
p.81.
(, CUNHA, 2003, p. 474.
7 CUNHA, 2003, p. 677.
I
As o ficinas são estruturada s, qua se sempre, por exercícios de voz, corpo, jo-
gos e improvisação. O s jogos e as improvisações, eleme ntos básicos no ens ino do
teatro, são utilizados nestes t rabalh os , pois permit em que o material co lhido na tr a-
jet ória do gru po ou do artista seja apropriado e canalizado para o desenvolvim ent o
da criat ivida de e expressão cê nica d o s parti cipantes.
As o fici nas de teatro ofe re cid as têm o objetivo d e socializar elementos ideo-
ló gicos e técnicos adquiridos e trabalhados pelo artista-docente em sua práxis artís-
tic a ao lo ngo de sua carreira. N elas o pensam ento ético e esté tico são inc orporados
às ativida des pedagógicas e atores e enc enadores vão assumindo o pap el de art istas -
do centes e ass im, configurand o uma pedagogia teatral.
[...] as pessoas chega m, e o m at erial já est á na sala , dis po sto de modo a ser visto e
enco n t rado co m facilidade: má scara s, pan os, roupas, peru cas e outros objetos qu e
favo recem a transformação , mat er ial já usado , doado ao grupo e que co nstitui seu
patrimônio. São cores, brilhos, text u ras que modificam os co rpos , contrib uem para a
liberação dos senti me ntos e es tabelece m um esta do de teat ro , de repr esentação , em
relação a tudo qu e ali acontece, t ransformand o em rcatralidade/t earro os amores, as
paixões, os ó dios, os med o s, a vio lênc ia e tu do mais que al lora",
~ CARNEI RO, Ana. Espaço cênico e comicidade: a busca de uma definição para a)inguagcm do
ator: Grupo Tá na Rua 1981. 1998. p. 66. Dissert ação (Mes trado em Teatr o) - Ce nt ro de Letra s
e Artes, U N IR IO, Rio de Janeiro , 1998.
Considerações finais
graduando apresenta seu pré-projeto de trabalho, que é discutido por todos, <.: '1ue
gradativamente vai se constituindo como um projeto final de execução. A unica
exigência que faço é que este projeto seja feito a partir do interesse pesso.il ,L ,,1 lu-
no sobre alguma técnica, escola ou procedimento teatral e esteja, de preferência,
vinculado à sua prática artística 11. Com isto, procuramos uma articulação entre a
produção artística do licenciando e os procedimentos pedagógicos a serem aciona-
dos numa futura relação de ensino-aprendizagem, procurando romper com o velho
chavão "quem sabe faz, quem sabe ensina" para uma nova perspectiva na formação
do artista-educador "quem sabe faz e ensina".
I~ MARQUES, Isabel. Ensino de dança hoje: textos e contextos. São Paulo: Concz, 2001.
p.112.
II Cf. TELLES, Narciso; MASCARENHAS, Márcia. Trilhando os caminhos do menino-na-
vegador: Ilo Krugli e o ensino de teatro. In: SANTANA, Arão Paranaguá (Coord.). Visões da
IlI;a: apontamentos em teatro e educação. São Luís: Grupo de Pesquisa em Ensino do Teatro &
Pedagogia Teatral, 2003. p. 61-74.
ALVES, N ilda. De cifrando o pergaminh o: o co tidiano das' escola s nas ló gicas das ]C(L-:. . ,
tidianas, In: OLIVEIRA, In ês; ALVES, Nilda (Org.). Pesquisa no/ do cotidiano da, cocLilas
sobre redes de saberes. Rio de Janei ro: DP&A, 2001. p. \3- 38.
ARGELANDER, Ron. Performance wo rk sliops: three types. Tradu ção de Zee:! l. ig ilTO.
TDR: The Drama Review, N ew York, v. 22 , n. 4, p. 3-18, dez. 1978.
C ARN EIRO, Ana. Espaço cênico e comicidade: a bu sca de uma d efinição para :!J i ll f~ I ! ; I " ' 1; :
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Letras e Arte s, UNIRIO, Rio de Janeiro, 1998.
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C U N H A, N ewton (C o o rd.). Dicionário SESC. A lingua gem da cultura. São Paulo: SESC:
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Fundação Cultural M onsenhor Chaves, 2000.
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SANTANA, Arão Paranagu á (C oo rd.) . Visões da Ilha: apontamentos em teatro e edu cação.
São Luís: Grupo de Pesquisa em En sin o d o Teatro & Peda go gia Teatral, 2003.
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gad o r: Ilo Krugli e o ensino de teatro. In : SANTANA, Arão Paranaguá (C oord.): Visôes
da llh«: apo n tame ntos em teatro e educação. São Luís: Grupo de Pesquis a em Ensin o do
Teat ro & Peda go gia Teat ral. 2003. p. 61- 74.
JOGO DRAMÁTICO SEGUNDO JEAN-PIERRE RYNGAERT
eles próprios a extrair, quer dos seus livros, quer da sua cxpevrenci,«,
aquilo que irá alimentar uma tomada de consciência criadora do
mundo de hoje. (George Snyden)
o jogo dramát ico d eve se r simultanea me nte u m m eio co nc reto d e criação de situa-
ções e de aqu isiçã o de t écni cas, e um me io de reflexão d esta s situações a fim de fazê-
las tender par a a in venção. É a coexistênc ia d o mod elo ab strato e d o modelo lúdico
que permite avanç ar e esc apar ao impasse que repre senta a re p rod uç ão d e clichês'.
Sendo esta uma da s ab ordagens mais importantes par a definição do jogo dra-
m ático , importa deixá-la exp licitada de forma qu e nã o se criem idé ias falsas. Ca be
também acrescentar qu e o qu e se tenta aqui não excl ui a leitura do desenvolvim ento
inte gral dos argumentos sel ecionados pelo autor. A n ecessidade de abrir um debate
por este enfoque resid e n o fato de en contrar na proposta de Ryn gaert um desl oca-
m ento da pr eocupação co m a expressão para aqu ela qu e recai so bre a co m un icação.
A relação entre a forma e o co nt eúdo , a importân cia que a Escola atribui ao signifi-
cad o, à sua co mpreens ão, ao fato de tud o se r racionalmente en te nd ido e ex plicado,
ad q u ire no jogo dr amát ico uma particularidad e:
É po r isto que não co locamos a aquisição de urn a técn ica anterior à elabo ração de um
di scurso. O fundo só pod eri a es tar su bordinado à fo rma o u só po d eria visar a sua
clar ificação. A invenção d e formas originais m ais adaptadas a qu alqu er novo dis cu rso
é o o b jetivo det erm in an te em direção do q ua l rendem o s-,
I RYN GAERT, j ean-P icrr c. Le jCII dramatique en milieu scolaire. Paris: CED IC, 1977. 175 p.
RYN GAERT, 1977.
3 RYNGA ERT, 1977.
Da mesma forma, a noção de distância do ponto de vista brechtiano é fundamental
no nosso trabalho, não só para evitar uma abordagem exclusivarnent l' psico!úgica
do fenômeno teatral, mas também para familiarizar os futuros espect.1, ,c's com ,IS
aulas no Institut d'Etudes Théâtrales e em seus artigos, refere-se, entre outros as-
pectos, às manifestações teatrais recentes, aos autores dramáticos contemporâneos,
aos diretores e ao conceito de direção propriamente dito. Quando não se tem claro
de que teatro se fala, é quase sempre comum se ter em mente o teatro hUq~ll0s,
canastrão, bem "arrumadinho", detentor de mensagens bem comportl("" Ih) LIIl:ll
1
o jogo dramático vai tentar caminhos, assim como fez o teatro no século XX.
mais particularmente as experiências cênicas e performáticas do teatro, a partir dos
e anos 1960, em que se opera uma ruptura com o compromisso de reproduzir de for-
)
ma fiel a realidade. A fragmentação, a coexistência do verbal, da imagem e do som
1
sem prioridade de um sobre o outro, a noção de grupo minimizando, a ('sltU'IIL1
,1
i hierárquica e a escala de valores, a preocupação com o processo são, dentre OUlIUS,
)
I novos compromissos estéticos para, em lugar de reproduzir, analisar a n'.ilidldL'.
escuta deste teatro, o jogo dramático estrutura-se e organiza seus comeu' J.).,.
A
,
1, Através do enfoque estético e da adoção de novos compromissos em relação
S
à forma que realize a ruptura com o naturalismo, torna-se possível a aquisic.io de
novos hábitos na prática do jogo capazes de colocar em questão tanto os modelos
1
culturais estandardizados quanto as formas estereotipadas de leitura do real. Uma
mudança de qualidade na investigação do mundo passa obrigatoriamente p(lr um.i
""
mudança de qualidade no modo de fazê-la. Assim, o jogo dramático determina um
comportamento político e uma opção pedagógica.
1I
A ga ra nt ia do jogo se r produtivo passa por esta concepção de en gaj am e nto e i
"
in vestim ento p essoal d et erminada pelo jo gar a parti r d e s eus própri o s int eres ses. O
qu e se coloca em jo go são sit uações que, en focadas so b ex p ress iva oscilação d e se u
sign ificad o , p olemizando-se a partir de diferent es p ont o s d e vista, podem se r traba-
lh ad as es te t ica m ente através da s se n has de jogo, d ada s pelo an im ado r, qu e aj u da m
a di z er, a m elhor di z er. Segundo Ryn gaert; as se n ha s vã o favorecer a "gin ást ica do
imagin ár io" , quando fo rm ula das levand o em co ns ide ração, por exe m plo , o acaso e
o alea tó r io :
A situ ação a mais banal, recaio cada num espaço previsto, adquire às vezes uma co r
nova. A co nfront ação insólita de person agens não espe rados co m antecedênc ia per-
mite renova r o esto que de inven çõ es dos parti cipantes, de tr azer um po uco de fanta -
sia a um imaginário limitad o ou fechado nas co nvenç ões' .
Um contato sólido com o teat ro co nte mporâ neo é indispen sável, a fim de que os
jo gado res cons t ruam para si pontos de referência, qui çá model os cont raditó rio s. Ler/
escrever é uma dupla que faz pane da aprend izagem do franc ês. Jo gar/ olhar dev eria
ser um a du pla també m natu ral, as experiências do es pec tador retroaliment and o aque-
las do jogado r, e vice-vers a. A dupla experiência se impõe para que sejam extrapo la-
dos os exem plos simplistas de sket clies impo stos pe la televisão, para que seja poss ível
o usar co nfro nt ar-se às fo rmas co ntempo râneas de escri ta e de jogo. Um a real relação
ao teat ro par ece-m e indi sp en sável ao pr ofessor'.
I. RYN GA ERT, Jcan-Pierre. Le jeu drarnariquc en milicu sco lairc (anexe). In QUATRE art icles
SU l'art , créatiuit é, expression et jeu x dramatiq ues mis CII relation avec ces pra tique s, Paris: Insrirur
d ' Et udes Th éâtrales, Sorbonne N ouvcll e, 1984. p. 32. Traduzid o por Renan Tavares. R elatório
de p esqu isa: an exo artigos traduzidos. CN PQ, 1990.
r RYNGAERT, 1984 , p. 33.
x RYNGAERT, jcan-Pierrc.jovo; représen tcr. Paris: CEDIC, 1985. p. 40 .
A intervenção do professor é bastante delicada, há riscos de manipulação, de
omissão, de dirigismo. A atividade pedagógica do professor difere daquela do d)lc) (11"
de teatro, ainda que ambos se preocupem com a teatralidade e com a pesql!l (_
mática nos códigos culturais de seus elementos para a construção de produtos J()~~\ \'Ó
ou espetáculos.
Na escola, não cabe trabalhar a diversidade de interpretação com f C LI 1\) rl;
reta às diversas formações de ator, nem a aquisição de alguns elementos de c(Jdi~,,()s
de jogo e relação à história da arte. O jogo da farsa, da commedia dell'arte, do palha-
ço, assim como o jogo interessado em elementos de outra cultura, a oriental, por
exemplo, não podem ser apreendidos no tempo restrito da programação ClI1TIC\!I:11.
Da mesma forma, evita-se entender o jogo teatral, como comumente se Lv, l (' I i 1(' ,I
a personagem, a falar dela como se fosse verdade, a falar do jogo como se tratasse
do mundo. O jogo inscrito num sistema determinado se realiza como reconheci-
mento da "mentira". A aprendizagem desta passagem do não-jogo ao jogo assinala
a existência das convenções e que a seleção de uma delas é necessária par" 'flj, n ur
verdadeiramente" .
Na medida em que a teatralização não é encarada como um molde pZira v,v;tir
um significado a priori estabelecido, o jogo dramático procura se realiza' z, ~)"";r
de senhas concretas que provoquem a teatralidadc no momento da produção dos
signos. São elas que relativizarn a anterioridade ou posteridade da forma e m relac.io
ao conteúdo e vice-versa.
o autor acrescenta ainda que a t eatralidade deve ser identificada no jo go, nas-
cida involuntariamente do lugar real , da s atitudes sem jeito d o s jogadores, de UIlI
coletivo de alun os, po ssa fazer n o sent id o d e avan ços reai s. Esta pressão se tradu z I
!
J
p or um a demanda ex p lícita de faz er a cultura escolar m ant er uma relação co m o s 1
j
problemas da vida . A cu ltur a pas sa a se r um m eio d e açã o sob re o real e de modifica- I
1
ção : nã o ma is se re vela na esco la at ra vés de eva sivas, grat uida des nem sim p les m ente
se restrin ge a exercíci o s puramente formais.
1
iI
A educação est ética poderia contribuir para a constru ção de uma esc ola pro- i
gress ista se ela realm ente der co n ta d a desmistificaçã o d o ilu sório e da men tira qu e
um a d et erm inada classe social atribui 3 es té t ica ade q uada e aos produtos difu s ores
d e sua ideol o gia.
Q ua nto mais ob ra s-pri mas se co n hecere m. mais o peso da verda de e da realidad e Sl'
sobrepor á ,10 artifi cia l burgu ês. A s exigê ncia s d os alun o s p rol et ári os, to madas e m
cont a e interpretad as por professores pro gr essi stas, corresp ondem à passagem da
classe de André Th euriet a Eluard, A cultura o perária ca rece da escola nã o pa ra se
ren egar, mas p;lra se rea liza r. A escola p re cisa de qu e a pressã o operária seja fon e: d e
o utro mo d o co rre o risco de se es quece r d e tirar das ob ra s c u lt u rais sua substâ n c ia
revo lu cioná ria I ~ .
Concluindo
Quando Jean-P ierre Ryn gaert coloca em qu estão as lon gas séries de jogos ou
exe rcíc ios qu e precedem o jogo dram ático (co mu m a muitas práticas) , ele, ao mesmo
tempo, elabo ra a crítica à manu tenção do esp ontan e ísmo no jogo qu e, em geral, esta
fase prep arat ória opera. O comportame nto lúcido e aut ônom o que se es pe ra do aluno
entra em tens ão co mo o que se entende ser espo ntâ neo , nat ura l, próprio , livre. Na
nossa prática pedagógica, pe rcebem os em cr iança s, ado lescen tes e adu ltos um a redu -
plicação de mod elos cu ltura is, do "déjà vu" qu e co loca m rad icalme nte em ques tão a
possibilidade de se entender o jogo espo n tâneo co mo expressão ino cente, im aculada,
nã o adulterada.
O comportamento lúcido passa por uma ap ropriação da express ão estética,
J
nã o deve ser reprimido , que ele pode tornar-se a font e de um a gra nd e vir.ili.iadr I· .1
mas somente quando dominado pe las força s d o ego e enrique cid o por ele, O que é
- necessário é um trabalho di sci plinad o do mater ial incon scie nte caótico; é necessário
n que ele seja tran sf ormado e moldado em formas que sejam signifi cativas tanto para o
s
j art ista quanto para os outro s. Nossos alu nos dev eriam aprender q ue o in con scien te.
n
a I qu ando util izado como uma fonte natural, pode enormemente dar vida ao co n ju.n o
da personalidade; enquanto que a expressão livr e e desenfreada do incon sciente é um
s
.,
.
I pas so em dir eção à des inte gração da pers o nal idade!',
e
n
II
,1
J
lo s culturais, os risc os da livre-expressão de senfreada, inconsciente, na ed ucação .
Cham a a atenção do s professores so bre o fato d e q u e os risc os pode m se r evit ados ,
ao levar em conta o trabalho lúcido do art is t a, da arte, com o referência central e
:1 prioritária para um trabalho d e ed uca ção es té t ica.
s
"i
Não se pode esquecer da importân cia da relação ent re jo gadores e o bser va-
"]
a dores no jogo dramático no s en t id o de determinar os avanços d o grupo e de cad a
) in d ivíduo no tocante à luc ide z e à au to no mi a. Não cabe ao pro fessor nem ace lerar,
nem at rasar o process o q ue o gru po d esenvolve, ma s saber usar de pa ciência p,lr;l
ev itar diretividade neste processo . A ref erência à arte, de forma co ns tante e opo r-
t,-1I1a, é u ma garan tia par a uma pedago gia não -direti va , para o aum ento gra d:lti'/(o d,1
capacidade d e jogo d o s es tu d antes e não d evem os jam ais nos esqu ecer d e que u pr\)o
) duto artístico é poliss êrnico, abre possib ilid ad es de caminhos, opç õ es e recusas. O
s que, se m dúvida, favorece u m a ed ucaçã o estética associada à "to mad a de co nsciê ncia
s criadora do mundo d e hoj e".
s
r ~
s i
J 1i
)
a
)
a
r,
13 BETTELHEIM, Brun o . Pontos d e vista pessoais so bre a art e e a edu cação artística. In: QUA-
,
. TRE articles SUl' art, créatiuité, exp resston et [eux dra m atiqu es m is en relation auec ces pratiqu es.
Pari s: In stitut d "Etudcs Th éâtral cs, Sorbonn e N o uvelle, 1984. p. 3.
Io co D l!.1.1 /.inco \[C;l ·,' /JoI L1" . P f[li R[ R , ",\( ;A[fO 247
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GATO&RATOS: ATIVIDADE TEATRAL NA PRÉ-ESCOLA
1 Orientações oficiais dos conteúdos a serem trabalhados pelas várias áreas do conhecimento no
ensino fundamental (la a 8'\ série).
2 Orientações oficiais dos conteúdos a serem trabalhados na educação infantil.
249
série s inicia is do e n sin o fundamental (fundamental menor ) ". O problema agrava-
se em ra z ão de as lic enciaturas em Teatro não chama rem para si a re spon sabilid ad e
1
,I
.~
; JAPIASSU, Ricard o. Desafio s da (in) fo n n açã o docente: o trab alho pe dagógico co m as arte "
n a esco lariza ção . Ec cos Revista Cientiji ca d o Centro U niuersitdrio NO "i)C de J ulho: Esco la B ás ica
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A pesquisa-intervenção
A p ropo sta metodol ó gica de Viola Spol in II para a atividade teatral 1ucl "l' ;·,h ·
gógica tem sido exausti vam ente es tu dada por p esquisadores da dimen são '.·(!::c.· .· , :
do Teatro no Brasil desd e final dos anos set enta! ', O sistema de jo go s tea tl".' ;, de
Spo lin, do mod o com o ve m se ndo apli cad o na escol ari zação brasilei ra, 1H' ;. . . \ '1
d e ponto de apoi o para a intervenç ão pedagó gica co m a lin gu agem tea tral des en-
vo lvida na Emei". Isso eq u ivale diz er qu e ao lad o dos qu atro pr ocedim ent os ope-
racion ais qu e estruturam a ludopedagogia cênica d e Spolin (foco, instrução, platéia
e ava liação), utili zou-se o u tros três no vos procedi m entos: (1) o círculo de d isc u:-. -
sã o - im po rta do da pedago gia do oprimido d e Paulo Freire; (2) a no ção d·. Hca d .
jo go - construída so bre as idéi as do teatro invi sível de Baal ; e (3) os protocolos de
sessão - com base na teoria da peça didática de Br echt e na prática t erapêutica psi-
co d ra m áti ca de Moren o.
A pr op osta metod ol ó gica para a atividade teatral na escolari zaç ão da qual se
fala aqu i cos tu ma se r em oldurada pela seguinte " ro t ina" o u ritu al: (1) círcul o ini cial
de di scussão - quando o protocolo da sessão ant erio r é apresentado à turma e elei to
o jo gador qu e se res po n sab ilizará pela red açã o do protocol o daqu ela sessão ; (2)
propo sição e delimitação da ár ea de jogo; (3) d ivisão d o gr upo em equipes; (4) apre -
sent ação de propost as para a ati vidad e teatral : (5) avalia ção lo go ap ós a apresentação
de um a equipe na área d e jogo; (6) novo círculo de discu ssão para o encerramen to
dos trabalh os do dia.
Al gun s ajust es na " ro tina" de scrita acim a foram necessári os para qu e cst a pr o-
po sta metodológi ca pudesse ser im plem entad a na pr é-e scola: (1) ao término de UI11 J
sessão as crianças sem pre faziam desenhos da sua ati vidade teatral naqu ele dia e (2) os
pro tocol os de sessão eram invar iavelm ente o rais e apoiado s no vídeo -reg istr. i . f· <I , lS c
d esenh o s da sessão ant erio r (reco rdação estim u lada) . Ou tra co isa que precisa se r di ta
aq ui é q ue a maioria da s proposta s par a ati vidad e teatral apresentada ao s pré- escolares
baseava-se em jogos tradi cionais infanti s brasileiro s adaptados ao sist ema de jog0S
teat rais!'.
II SP OLIN, Viola. j ogos t ea t rais: o fichári o de Viola Spol in . São Paulo: Perspe cti va, 2001; SP O-
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" Vár ios jo gos tr adicionais in fant is br asileiros adapta do s ao sistema formu lad o po r Spu li fl po-
dem ser en contrad os em j api assu (200 1b) .
I ; O texto da parlenda é o seguinte: Minha mãe man dou eu escolh er este daqui, mas como eu sou
teim oso(a) eu escolho este daqui!
Aqu i será feita uma interrupção no relato da 1a sessão de jogos com o s pré-
escolares para se expo r a de scrição deste jogo - adaptado por mim ao sistema de jo -
gos teatrais de Spolin - conforme foi apresentado à professora Claudia no en contro
de planej amento daquela 1a sessão de trabalho:
Gato&Ratos
Pr é-condição:
Platéia de jogadores.
Foc o:
Tentar agir como "gato" e "ratos" mantendo as l-egras que enquadram o descu-
volvimento da atividade.
Descrição:
Div ide-se o grupo em equipes. Define-se a equipe que iniciará a ativ idade nu
área de jogo. Um dos sujeitos da prim eira equipe toma o papel de "gato". Todos
os demais da mesma equipe são os "ratos". O "gato" precisa pegar todos os "ra-
tos". Os "ratos" precisam escapar do "gato". A um sinal determinado pelo(a)
professor(a) tem início o jogo. Os "ratos " alcançados pelo "gato"fica m un oucis,
como se estivessem congelados, na posição em que [oram tocados pelo "gato ".
In struções do (a) professor (a) durante a atividade da equipe na área de jogo:
Como um gato se move? Como um gato fala? Como se movem os ratos? Como
falam os ratos? Procurem deixar a gente uer como um rato se moue! Tentem dei-
xar a gente v er como um gato fala! Procure ficar na posição em que você estiver
quando for tocado pelo "gato".' Tentem se manter nos limites da área de jogo!
N ota:
Deixar a atiuidade prosseguir até que todos os jogadores da prim eira equipe, se
possioel, tenham sido "gato". Solicitar o revezamento das equipes na área de jogo
(a primeira equipe assiste agora à segunda equipe jogm) . Fa zer avaliação coletiva
e auto-avaliação logo após a apresentação de uma equipe na área dejogo. Só após
todas as equipes terem desenv olvido a atividade deve ser introduzida nova regra.
A nova regra a ser acrescentada pode ser a de que os "ratos" paralisados poderão
ganhar movim ento e se libertarem da "paralisia", desde que outros companheiros
"ratos" os toquem, libertando-os do "congela mento". Propor novamente o jogo in-
~ corporando nova regra.
~,
Observar:
,
As crianças conseguem cumprir todas as regras do jogo? Conseguem permanecer
I "congeladas" após terem sido tocadas pelo "gato"? Elas interagem verbalm ente
durante a atividade? O que dizem? Elas agem como "gato" e "ratos"? Falam
como "gato" e "ratos"? Lemb ram-se de "salvar" os companheiros imobilizados
pelo "toque" do "gato"? Conseguem se manter nos limites da área de jogo?
Avalia ção col eti va e auto-a valiação:
Conduzir a avaliação logo apósa apresentação de uma equipe na área dejogo. For-
mular perguntas, inicialmente, às crianças que se encontram na área de observação
ou platéia, em seguida, aosjogadores da equipe que se apresentou na área de jogo:
1) Os jogadores desta equipe cumpriram as regras do jogo ?
'.I 2) Quais são as regras deste jogo?
-:
G.HO& f\.H O I: «nvtnsot: } U n<AL .\'.4 PRÉ-ESCO L! 255
3) Os jogadores se mantiveram na área de jogo?
4) Onde começa e onde termin a a área de jogo?
5) O que cada um descobriu jogando este jogo?
6) Como v ocê se sentiu quando era "gato"?
7) Como você se sentiu quando era "rato"?
8) O que é melhor: ser "gato" ou "rato "? Por quê?
9) Os que eram "gato" se moviam como um gato? Falavam como um gato?
10) Os jogadores que eram "ratos" se moviam como )'atos?
lI) O que acontece quando o "gato" toca em alguém que é "rato"?
12) Como um "rato" que ficou "congelado" pod e v oltar a se mover?
13) É difícil a gente ficar parado como uma estátua? Por quê?
As crianças se divertem com Giluan rto pape! de Cato tentando alcançá-las : cor-
reria, gritaria , risos. \Vel!ington (6 anos / 3° estágio) é "tocado" por Gilvan, mas não
consegue permanecer im óvel. Claudia intervém v erbalmente.
Claudia - (P âra W/el!ington) Fica duro!
W/ellington a obedece. Gilvan pâra de correr atrás das outras crianças, põe o
dedo polegar na boca e v olta-se para a professo1"t7. Alguns permanecem muito excitados
ainda, movendo-se por todo o espaço da sala, Outros interagem verbalmen te. Todos,
porém, invariav elm ente, permanecem a alguma distância de Gilvan.
Claudia - (Para Gilvan ) A gora vai atrá s de outra criança.'
Gilvan sai em di sparada. Logo alcan ça j éssica. Jé ssica (6 anos / 3° est igio),
como Wellington, também não consegue ficar im óvel . As outras crianças par ecem
não se lembrarem da regra que possibilita a um Rato ser "salvo" por outro e esque-
cem de tocar em Wellill gton para "libert á-l o". No va int er venção verbal de Claudia.
Nova interrupção da ação na área de jogo.
C lau dia - (Para ] éssica) Ele [Giluan] pegou, tem que [icar. .. (Sim ula estar "conge-
lada ") na hora! (A s crianças, ofegantes, con versam animadamente) Gente, tem uma
reg)'a que v ocês tão esquecendo: v ocês podem tocar nele (ref erindo-se a Wel!ington ) pra
ele v oltar a se mexa
O jogo prossegue. Novas interuençôes de Claudia e novas interrupções da atividade.
A s crianças saltitam de contentamento durante o desenvolvimento do jogo. As ações não se
limitam ao tapete (que deuena ter sido explicitado como área de jogo pela professora) .
Observa-se no decorrer da atividade que algumas crianças-Ratos já conseguem
fi car imóveis - não exatamente na posição em qu e se encontravam na hora da "pegada "
da criança -Gato. Também, pode-se constatar o fat o de crianças-Ratos serem "liberta-
das" da "paralisação" a que estavam condenadas p or outros j ogadores-Ratos.
servação.
A ansi ed ad e típi ca d e um a "es t ré ia" não lhe permite d ivid ir o gru po em equi -
pes para o ne cessário revezamento das crianças na área de jogo. E mais, as regra s
(1) d e agir cenicamente como gato e ratos e (2) de os jo gadores se manterem no s
limites físicos da área de jo go foram, ambas, totalm ente ignoradas pela profess ora.
Al ém di sso, Claudia introdu z - já de iníci o - a regra de o s jo gadore s-Ratos poderem
libertar seus companheiros alcançados pelo pegador-Gat o .
Eu poderia tê-Ia "corrigido", mas considerei inoportuna qualquer intervenção
de minha parte naquele momento que me parecia ser "difícil" para ela. Afinal , ('),,
seu "d ébut " na co nd ução do trabalho co m jo go s teatrai s na Emei. Jul guei qu e urna
manifestação de minh a parte, no sentido de retifi car sua atuação , a deixaria ainda
mais nervo sa. Preferi ag uardar o enco nt ro de avaliação-planejamento para p od er-
mos ent ão anali sar, com calma - e algum distanciamento crít ico - o vídeo-regi stro
da se ssão: "Claudia - E u tava tensa e acabei me esquecendo".
A par dos problem as identificados acima é preciso reconhecer algun s pontos
muito positivos da atuação de C laudia. Refiro-me particularm ent e à sua habilidade em
problematizar a escolha da criança que seria o "prime iro" Gato: "Como que nós vamos
esco lhe r?".
Ora, ela poderia ter determinado arbitrariamente qu em seria primeiramente ()
Gato, o u ter definido qu al o procedimento para a esco lha da crianç a que tom aria es ll'
pap el no jo go. No entanto, obse rva-se qu e C laud ia prefere co locar na s mãos do grupo
d e pré-escolares est a "dec isão ". A so lução en contrada pelas crianças é o uso de um .i C C)-
nhec ida parlenda de escolha sugerida por C am ila: "Minha mãe!" A suges tão de Cam ila
é aceita pela pr ofessora, que dem ocratiza assim a "eleição " - aleató ria - de qu em seria,
inici alm ente, o Ga to .
O ut ro pon to po sitivo da atuação de Claudia, no m eu ente nd imento, são as
suas interven ções d eliberadas durant e o d esen volvimen to da atividade, bu scando
levar as crianças a cumprirem as regra s do jo go : "G ente, tem um a regra qu e vocês
tão esquecendo: você s podem tocar nel e (referindo-se a \X1ellington) pra ele voltar
a se m exer. " .
É bem verdade qu e a introdução desta regra, compl icad ora d o comportame n-
to da crianç a, deveria ape nas t er sido apresentada após os pré- escolare s t er em se
exe rc itado em permanecerem im ó veis ao "t o q ue" do jo gad or-Gato. Mas a id éia d e
o co ordenador dos trab alhos int ervir, deliberadamente, fornecendo instru ções ao s
jogadores - qu e os ajud em a (re) ativarem a aten ção no foc o e nas re gras da ati vidade
propo sta foi , em part e, ap ro priada por C laud ia.
Um olh ar aten to à perf ormance das crianças de qua tr o a seis anos durante suas
ações na área de jo go , ao lon go do de sen vol vimento desta pr oposta de atividade , revela,
com nitidez, a dificuldade que elas experim entam ao terem que permanecer imóveis ao
serem "tocadas" pelo jo gador-Gato. Perc ebe-se qu e o controle voluntário sobre xeux
movimentos, que é so licita do pela regra, exige grande esforço físico - e mental - por
parte dos pré-escolares.
G.,m &R.' FOI: .U Il 1 IJA/) [ rLM R.H '\ ' f'Rt.- [ SUJ Ll 257
1I
:~
C lau dia - Eles não tinham assim ilado a regra de tocar para v oltar a ser Rato [para v oltar
a se m ou erem no papel de Ratos] . . . Eu tive que fa zer uma interoenção . . . Tanto que eu
Jalo: - Vocês estão esquecendo de uma regra que é tocar no am igo para ele v oltar a brin
cal'. . . Algumas crian ças queriam ser o Gato. Foram todas, né ? Quando começaram a
jogar não bou ue discriminação quan to à idade: todos brin caram juntos sem se ater a pegar
apenas os qu e eles já conh eciam .. . O jogo Joi assimilado [pelas crianças] no dec orrer da
brincadeira e o que pm 'ece é que, no in ício, as ações são individuais e só dep ois há um a
interação entre elespara que o jogo seja possível de ser realizado.
·1,·.·.
~
Cl âudia - O que eu fiquei pensando Algumas questões que esse jogo nos coloca em
relação ti individualidade de cada um No começo, ele quer ser o Gato... Então é
uma coisa indiuidual. Depois é que ele percebe que ele pode tá jogando com os outros...
Então eu, Rato, também sou ativo como o Gato... Talvez seja por isso que eles não
tocavam uns nos outros a princípio... Será qlte não é por isso?
No m eu ente ndim en to, o "esqu ecim ento" dos companh eir o s-Ratos imo-
bilizado s o co rre em função da sobreposição de regras. Essa sob repos ição solicita
um comportam ento mais complexo por parte da criança: recordar- se de "salvar"
o s companheiros-Ratos imobilizados é um co m plicado r do desempenho da criança
ne ste jo go por exigir a coordenação das ações d e (1) colocar- se em fu ga do pegador-
G ato e, par alelamente, (2) bu scar libertar os co mpan heiro s-Ra to s d e se u event ual
"imobilismo". Além disso , (3) o jogador pre ci sa mostrar agir co rno gato ou rato;
(4) necessita mant er-se nos limites da área de jo go e, finalm ente, (5) de ve permane-
cer, se m se m exer, na posição em qu e foi alcan çad o pelo pegador-Gato.
Vejamos a seguir como se deu a retomad a d esta proposta de ativida de durante
o qua rto enco nt ro do gru po .
Gxro &R·\«) \' ,lI l\ '!1J; f) [ IEM R.H .,\''; fRt -[SCO U 263
Eu - Fundam ental vo cê ter percebido a importân cia da repetição das propostas para
1
I
atividade.. . Q ue elas não se esgotam em uma sessão... Que a sessão não é apenas um
"desfile" de jogos .. . Porque, às v ezes, é difícil para a criança de quatro anos entender
logo as regl'tlS de um jogo... Esse é um processo lento em que, a cada vez que se joga, ()
desempenho da criança se toma sempre melhor.
Claudia - Eu acho que essa revisão que a gente faz depois (nos encontros de ava liação)
é muito impo rtante. Para a gen te estar avaliand o o que está sendo bom, e o que não tá.
Então, esta ava liação, ela nos dá a oportunidade de estar rev endo as propostas, de a'l,.'a-
liar o que é melhor, o que fu nciona mais... As coisas que eles gostam, eles querem repetir
udrias uezes... E é aquela coisa m esmo: cada vez que eles repetem, é alguma coisa que
eles resolvem - e que não se esgota porque nunca é resolvido tudo, né? Acho isso bárba-
ro! Eu acho que esse tempo de 15 dias é um tempo super bom para a gente tá refletindo.
E para as crianças, também . Eu penso que esse tempo é importante porque eles {as
crianças] resolvem as questões postas pelos jogos teatrais em casa, na hora do parque...
Qu er dizer, eles continuam fa zendo osjogos teatrais em outros momentos, né? E a gente
tem esse tempo de 15 diaspara tá avaliando, tá repensando. (. ..j [Sobre o reveza mento
das equipes na área de jogo] Eu acho isso super interessant e, principalmente porque
eles se situam em duas perspectivas: como observadores e como jogadores. Então eles
experimentam 05 dois lados do jogo teatral: a hora de assistir, de observar; a hora de
atuai; de agir, de verificar se as regl'as do jogo estão send o cumpridas pelos colegas - e
de se exercitarem, eles mesmos, n o cumprimento das regras de um jogo. E isso é muito
importante para a criança assimilar mais o f un cionam ento de uma ativi dade. Em uma
sala com um número maior de crianças, issofaz com que todos realmente tenham a pos-
sibilidade de estar atuando em um papel "principal" ou como uma personagem "princi-
pal". Isso é uma coisa mu ito important e: todos podem bri ncar; todos podem ser aquela
personagem . Percebi que é impo rtante ter todos aqueles momentos: de uocê senta r, de
você conversar com eles, de perguntar o quê que eles acharam dos colegas na área de
jogo... Minha postura mudou bastant e: estar observando mais certas coisas neles; deixar
II espontaneidade deles fluil:.. Porque, às vezes, a gente é mu ito... a gente quer dirigir o
tempo todo as ações da criança e essa era uma condu ta que eu tinha mesmo - an tes do
início desse nosso trabalho. Essa postura minha m udou bastante: Bastante!
Eu - Bacan a... Agora, em relação à tomada de dep oimen tos no sentido horário e
anti- horário, no círculo da memó ria, acho que você deixa mu ito solto e aí, o que
que acon tece? Os mais uerbaliza dores dominam absolutam ente o círculo da me-
mória, e há também um certo caos, porque todos querem fa lar ao m esm o tempo,
todos têm mu ito a dizer, qu erem espaço para se comunicar, para se colocar . .. E o
que ocorrei A gente deixa de traba lhar a auto -regulação da criança .. . Essa coisa
dos progressos na auto -regulação... O círculo da memória ajuda muito nisso...
Em alguns momentos v ocê exigiu o cumprime nto das regras {ordem horária ou
anti-horária dos dep oime n tos], v ocê f ez isso, vo cê fa lou : - Rapbael, agora é a vez
de fu lano .. . Você já falou! En tão, a criança va i se tocan do e acaba esperan do a sua
vez de[alar .. . Eu consider o muito imp ortante este hábito de tomar 0 5 dep oi mentos
no sentido ho rário e anti- hor ário, po rque pode ser uma regra do fun cion amento do
sistema de j ogos {do f uncionam ento do círculo de di scussão] ... 15 50 ajuda a criança
a se exercitar na escuta do colega. . .
Claudia - Eu sinto assim: Com eça a Bianca, depois a Jultann e e então a Jéssica. Daí
Claudia - Antes, era uma coisa que eu não percebia. E o v ídeo, ele nos traz a prática.. . Eu
acho que todos osprofessores deveriam fi lmar uma aula sua pra depois estarem se ana lisando .
Aquela coisa do "Não!", do "Perai!" , sabe, de dar um breque na criança? Eu parei pra pensar
sobre isso e modifiquei. Também acho, assim , importan te o respeito do espaço da criança.
Porque a gente quando está em sala de aula - por exemplo, eu tenho 38 alunos - então, você
fi ca m uito preocupada de estar perdendo o controle, de fica r aquela agitação e toda hora estar
retoman do as coisas. Isso eu também m odifiquei na minha sala de aula: deixar eles falarem
no m om ento em que eles realmente querem e precisam [alar; né ? O uvi -los!
C;.Hu &R -lTO\: .~1'I\'1J). tJ)[ JL~ JR.4L .\.-i !'Ia. - [\«)L ~ 265
1
í- :
'~
,
Claudia - Quando eles (as crian ças] aparecem no 'vídeo, eles param e prestam m ais 1
atenção ... Eu ach o que eles fazem nesse momento uma auto-análise de si mesmos. . .
Quanto a eu m e uei, m uitas coisas eu descobri sobre mim .. . A ssim: a postura , a en to -
nação de v oz, o jeito de f alai; o olhar.. . Eu refleti sobre bastante coisas... Contribuiu .. .
É m uito importan te v ocê estar recendo um trabalho com imagens, porque aquilo real-
mente aconteceu . .. Então , muitas coisas não são percebidas durante a ação da gen te.
C om o v ídeo , há oportun idad e de a gente estar falando : - Puxa, isso foi bacana! Já,
aquilo lá, nã o foi legal, eu p oderia ter feito de uma outra m aneira. D a próxima vez v ai
ser melhor! No ssa, para mim, o uso do vídeo é uma auto-reflexão!
Algumas descobertas
(1) J ogos te atrais constituem uma modalidade de ati vidade lúdica qu e reClu er
um fun cionam ento mental co m p lexo na pe rspectiva do desen volvim ento ~ u l-
tural ;
(2) J ogos te atrais redimensi onam o faz-de-conta infantil enquanto at ivid ad e
consci entemente diri gida para o bservado res;
(3) J ogo s tea trais são ferramenta s út eis para promover o de sen volviment o da
capacidad e es té t ica cênica da criança na pré-e scol a;
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Sara Lopes
A co mpreensão do papel da voz como objeto da arte faz pre ssentir a existê ncia
de um plan o mais profundo em suas funções e características, qu ando utilizada como
material da linguagem de representação. Esse nível de comunicação oral, d o qual
emerge a fun ção poética da vocalidade, constrói seu significado ent re a materialidade
das vibrações so no ras de uma voz e a so no ridade - mel ódica e rítmica - de uma fala.
Entenda-se, por vo calidade, o uso imedi ato de um a vo z qu e pede por uma express ão
qu e som ente se conc retiza na co-presen ça intérpret e/espectador: ela só se reali za no
encont ro ent re aquil o que o intérpret e exterioriza co m o interior do ou vinte.
Por poética, co mo adjetivo, fica den ominada a fun ção qu e tem um a voz de ir
além de seu uso utilitário na linguagem, da transmi ssão de id éias ligada s ao sign ifi-
cado das palavras, criando o gesto vocal, gerando impressõe s, dizendo de si mesma
e se comentando enquanto co menta e diz, mantendo o movim ento intern o ao pro-
cedimento técnico qu e leva à expressão diferen ciada .
É pela vo calidade poética qu e os signos se to rn am coi sas. Porque as palavras não
são as coisas; são represent açõe s conven cionadas, abstraçõe s. A coisa da palavra falada
são as forma s dos sons. N o exercíci o da vocalidade poética, o revestimento co ns ti-
tuído por um texto se rompe e, pelas aberturas, um outro discurso é proposto. Um
discurso que, de maneira específica, marcada e diferente a cada tempo e lu gar, trans-
gride os esquemas discursivos comun s: nas vibrações de uma vo z se desenrola um fio
que liga, às palavras, os sinais vind os da experiência. O qu e permanece, como força
referencial, põe em destaque o co ntato entre os suje itos corporalmente presentes: o
que tem a voz e o qu e a recebe . O s valores que a voc alidade poética torna relevantes
fundam entam-se sobre as qualidades d a vo z, sobre a técnica voc al do ator o u cant o r,
tanto ou mais que so bre o conteúdo da mensa gem. Ela faz emergir, da lin gua gem,
tudo o qu e não serve à informação, tudo o que defin e a sit uação de comuni cação.
Os pr essupostos da vocalidade poética enraízam-se e extraem sua validade da
tradição oral , na qual toda palavra se liga ao corpo por meio de sse atribut o físico que é
a voz. Seus significados mantêm a integridade da arte vocal, e pod em ser construídos
271
"'
existê ncia física. Na qual, plenas de pensamento e emoçõe s, as ondas sono ras 11 11 ;, rn
através de um corpo e sejam percebidas, sensorialmente, por outros corpos qu (' ('-,()l' .
rim entern o (s) pensamento/emo ções contido (s) na s vib rações do som.
Esse momento supõe competência: saber fazer, saber di z er, saber ser n o C" IX'
ço e na dura ção - o corpo dando forma ao vaz io, a vo z dando forma ao silênc io , (' ()
movimento de ambos recriando o tempo.
Corporifica-se então, uma ação vo cal que oferece, a qu em ouve, uma p ala vra
na qual nã o há lugar para dúvidas ou indecisões: uma publicação oral não tem ,',1'"
cunho; não permite ao ouvinte qualquer po ssibilidad e de vo lt a - independem (' J u
efeito buscado, a comunicação é imediata, É assim que o t exto, publicado oralm en-
te , apóia-se sobre um efeito de presentificação instantânea: me smo que a audi ção
aconte ça muito d epois de ter sido composto, ela só pode se r imediata.
À medida que o intérprete canta, declama, di z, limitações mais ou menos for-
t es, dec orrentes d o moment o, geram su a ação. Esta , em qualquer caso, em p en ha
uma totalidad e pe ssoal: o conhecimento, a inteligência, a sensibilidade, os n ervos,
os mús cul os, a re spiração e o tal ento para reelab orar tudo isso num espa ço d e tem-
po muito breve. O sentido da repres entação adv érn des sa unidade, resultado de um
procedimento qu e a orienta e da posse d e uma técni ca express iva particular, que é a
arte da voz. D esse modo, os valores qu e emergem da aç ão vocal estão mui to além
da s det erminações lin güí sticas e deri vam da própria faculdade da lin gua gem , t or-
nando a voc alidade poética.
E sta pal avra poética é int ens a, arqui vo so no ro da s voze s cotidiana s; s ua
finalidade é representar o todo existe nte, reveland o o que h á por trás do g ra n d e
dis curs o social. Garantindo um a id entidade, a transmis são, a tradi ção , e dando
início a tran sformaçõe s, à criaçã o, à difer en ça, a p ala vra p o éti ca é, ao m e s m o
tempo, memória e inven ção: a palavra qu e lib erta o canto , que dá vida às narra-
tivas, a palavr a qu e si gnifi ca o t eatro.
No teatr o, o di scurso sem p re se es t ru t u ra por um art ifí cio que ab ra nge a
tot alidade de uma situação e p õ e em jo go um a qualid ad e própria da voz: e m s ua
função primeira, anterior à influên cia da esc r ita, a vo z nã o de screve ; ela a ge e
dei xa que o ge sto indiqu e as circun stân cia s. Dada es sa amplitud e, é em torno do
. ges to que se organi za a cena int eira, su b o rd ina n do a palavra. Ma s el e, em vez de
sufocá-la, vai valorizá-la, enquanto ela explicita seu s ign ifica do , pois, ao que o
o lha r re gistra, falta a espe ssura co nc reta da voz, a p ercepção d o so pro , a ur gên-
cia da respira ção; falta a condição de retomar, sempre, o jogo de pre sentificar
um o b je to au sent e, p elo so m da palavra.
O trabalho vocal que se estrutura sobre esse conceito bus ca a condição que
tem um a vo z, ao apropriar-se de um texto o u can ção , de atu alizá-los, por um m o-
mento, ao assumir a imediatez e a in stantan eidade da " p erfo r m anc e" mantendo, ao
me smo tempo, a memória do enunciado e da sonoridade, as segura ndo o es paço da
, -
cnaçao .
O intérprete pode assumir a in stantan eidade da "performance" e integrá-la na
forma de seu di scurs o. Isso impli ca uma cap acidade particular de eloqüên cia, flu ên-
cia de fras e e dicção, poder de suge stão, domínio dos ton s e dos ritmos, todo um
I O som é resultado d e um fenôm eno físico qu e só acont ece n um meio onde exista rnat éri«, r:
acontece por meio de uma seqüência periódica de compressão e descompressão dela. Qua nd u 11111
som é produzido, alterações ocorrem no me io. O mesmo se dá co m a voz. A vibração das l' rq~ ,l : ,
vo cais alte ra o fluxo de ar que passa por elas, e este meio material, ar, alterado, é o so m vocal. Um
som, pro duzido, m ultip lica a alteração da mat éria: uma porção alterada modi fica a qu e lhe está maix
p ró xima, e essa seqü ência de alterações, at ravés da matéria, é a propagação do som.
1 O termo foi ut ilizado po r Franco Ruffini em Conferê ncia durant e o Seminári o Inrern acional
"Teat ro em fim de milêni o ". Tradu ção e tran scriç ão da fala por Ricard o Ponti, M ari a Lucia Rai-
mundo e N air d'A gostini.
Visuali zar a ossat u ra para co ns t ruir sua im agem co mo estr utu ra d e suste n-
tação d o co rp o é um procedimento que libera a mu sculatura para os m o virncm os,
de sd e os mais simples e evidentes at é o s mai s co m plexos e suti s. Recuperar, alo n-
gando , os esp aços qu e a tensão rouba entre as articulações, es pe cialme nt e entre
as vé rte bras, ini cia o redirnensionamen to co rpo ra l qu e pode se r percebido ( U Jl I( \
sensação nascida d e uma alt eração física real. O pe so do co rpo se apóia no chão,
direci onando a grav idade, num a disp er são abe rta e eq uilib rada, t endo o s pés como
ra íz es que se espalha m e se apro fu nda m para s us te n tar a pélvis, o sacro e o en caixe
da s coxas. Esta é urn a boa ba se para o so m de senvolver gran de extensão, so bretudo
se a coluna vert ebral es t iver realmente abert a, em const ante ene r gia ascendente,
adap tand o- se à troca de p eso da respi ração , " m us c ularme nt e" eq uilib rada e neu ro -
lo gic am ente sens íve l, p ro n ta par J. resp o nd er. Os músculos livres, em torno do torso,
tornam -se sensíveis à percepção do m ovi m ent o tridim ensional do diaji-agma, na res-
piração, ampliando o espaço ocupado pelo corpo. Na mesma medida, increm enta -se a
capacidade de experimentar sensações e imp ressões mais sutis a serem incorp oradas na
construção de uma imagem corporal.
Visua liza r a im agem qu e o pr ópri o co r po recorta no es paço traz a co nsciênci a
d e s ua trid imen sional idade, num a percepção par a se r ex plorada e incorpo rada à m e-
m ória e ao pen sam en to físi co.
A ossatura, pela resistência de seu material é, ainda, co ndutora das vibraçõe s d o
so m, através das art iculações, aos limit es co rporais ma is distantes do se u pon to inicial,
exp andindo, am plificando, e proj etando o co rpo, em sua sonoridade, para além de seus
limi tes.
Quando o corpo, como um tod o, se compromet e na manifestação da sonori-
dade, os esf orços são dividido s por uma área mu scular e óss ea muito mais extensa, se
co mparada àque la en volvid a na ado ção da vo z co mo eleme nto d otado de existê ncia
aut ônoma.
O so m in au gural, produ zido por um co r po o rga niza do em su a ossatura e
mu sculatura, tem a am p lit ud e d e um sus piro d e al ívio , e es tá suj eit o à pa ssagem d a
respiração at ravés d as pregas vo cais, na g3r ganta, par3 criar as vib rações que são
rec onhecidas co mo um a voz ind ivid ua l. A resp ira çã o depende d o s pulmõe s, qu e
se es te nde m até a m et ad e d o do rso. A mus culatura d a respiraçã o é en t retec ida em
to rno d a ca ixa d as co st el as, co n t in ua n do p or b aixo d os pulm õ es, n o di aira gm a,
co nec tan do-se co m a co lu na ve rte bral e en ra iza n do -se profund ame nt e na pélvis .
Nã o é metafórico di z er que o co rp o re spira.
O rec onhecimen to da respiração deve id entificar o m ovimento qu e se in icia
n o ce n t ro do di afragma e ex pa n de o co rpo em se is di reçõ es, na in spira ção , perrni-
278 S ARA LO PI S
este não aconteça - desenvolve a habilidade de imaginar o movimento do corpo
no espaço, o que é importante para a produção sonora como ação; se o som existe
como um pressuposto, no movimento, a concentração e o movimento serão dife-
renciados, mesmo que os sons não se concretizem.
Procedimentos ancorados em princípios definidos e conceitos claros abrem
a prática a uma experimentação sem restrições: o que deve ser preservado é a con-
cepção que, construída pela experiência de cada um, sustenta a atitude do artista no
confronto com os desafios de seu ofício.
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O s últim os anos do séc ulo X IX e os prime iros do séc ulo XX são marcados pel o
cres cente interesse de dr am atu rgos e enc enadores pela mari onete. A mario netiza ção
do ator, a sub stituição do ator por b on eco s, po r fo rmas , e a human ização de o bjetos
são discussões que animam a pr odução t eat ral. Em to rno des sa discussão , estão ar-
tistas qu e negam a estética do rom an tism o, do melodrama e do realismo en quan to
correntes artíst icas, e se abrigam sob o movi me nto simbo list a. Tal int eresse aparece de
forma visível em du as direções: a mario nete co mo referência para o comportamento
do ator em cena e o teatro de marionetes co mo gênero artístico. D est aca-se, desse
modo, o fascíni o pela m arionetiza çào do trab alho do ator e exp erim entaçõ es em tor-
no da humanização de objetos.
283
Encenadore s e dramaturgos, decep cionad os com a atuação dos atores, seu hi s-
trionismo, excessos, care tas e condicionamentos psicofí sicos, expressam a necessi-
dade de o ator assumir outro comp ortamento em cena e apontam a marionete C())) lO
referência para seu trabalho. Na raiz dessa discussão está a defesa do controle so bre o
trabalho do ator, a ser efetuado pelo diretor; a ne gação do esp ontaneísmo e do vede-
tismo (predo minant es no comportamento dos atores naquela époc a) ; a teat ralizaçào
do teatro; a necessidade de consolidar a fun ção do diretor co mo o maior respon sável
e criador do espetácul o teatral.
Hoje, o ator m ari onetizado pode ser visto como o "ato r perfeito ", o ato r que
com seus gestos e m o vimentos pre cisos, refinad os , atingiu o ideal de bele za. Trata-
se do ator que aband ona a condição de vedete e uma atuação pautada na gestuali-
dade cotidiana. Ele deixa de lado as características de seu comportamento diário,
os traços marcantes da sua personalidade para realizar uma outra experiência, dis-
tanciada das propostas de interpretação reali sta e naturalista. É o ator que ating iu .l
capacidade de representar a personagem se m mesclar suas em oções e pers on alidade.
E sse aparent e "d esurn ani zar-se" revela a essê ncia humana. N o seu trabalho, utiliza
recurso s técnicos comuns ao trab alh o do ator-animador: a eco no mia de meios, a
preci são de gestos e m ovimentos, o o lha r como indicado r da ação, o foco, a trian-
gulação, a partitura de ações, o subtex to; a id éia de que o m ovimento é frase, além
de outros aspecto s t écnicos utilizados na animação de bonecos e objetos'.
A pr oposta de interpretação tendo a marionete como ref erência foi co ns t ru í-
da com a colabora ção de diversos pen sadores, dentre os quai s se destacam Heinrich
Von Kleist , Maurice Maeterlinck, Alfred Jarry, Edward G o rd on Craig e Vsévolod
Meyerh old. Ao estudar o pensam ento de sses dr amaturgos e ence nado res, é impor-
tante eviden ciar pontos comun s e diver gências em relação à idéia de mari on etiza ção
do at or e, ao mesmo tempo, destacar que essas idéias vão influenciar o trabalh o de
marion eti stas na produ ção de espetáculos cada vez mais het er o gêneos.
O ator perfeito de Kleist - Heinrich Von Kleist (1777-1 811) foi um dos pio-
neiros nessa discussão ao publicar o ens aio Sobre o Teatro de Marionetes, em 181 0,
cu jas idéias passaram a ani mar polêmicas entre encenadores.
N o diálogo estabelecido ent re a personagem Senhor C e o primeiro bailarin o
da Ópera da cidade, Kl eist diz que a marionet e é o verdadeiro art ista, porque dispõe
de qualidades como euritmia, mobilidade e leveza. Ela pod e realizar movimento s
com graça, impossíveis de serem co nseguidos pelo ser human o, porque o homem
não tem co ntrole sobre o centro de gravidade do movim ento. E outra vantagem
decisiva é que a marionete não é "afetada", como ocorre com a maioria dos atores
e bailarin os.
D epois de disc orrer sobre o movimento, so bre os deslocamento s e sua rela-
ção com o cent ro de gravidade, e de afirmar qu e estes devem ser co nseguidos pel o
co nt ro le exte rn o, Klei st evoca um ato r meio máquina, meio deu s, capaz de realizar
o s de sejo s da alma e encarn ar o homem como criador do mund o.
I Diversos espetáculos teat rais brasileiros utilizam esse pro cedim en to: UBU, do Grupo Sobre-
vento; Buster, do Grup o XPTO; espetáculos dirigidos por Gerald Th ornas, como Electra com
C reta, Trilogia Kafka , M .O .R .TE. No teat ro europeu e norte-am eri cano, destacam-se espetácu-
los diri gidos por Mn ou chkine, Bob Wilson , Leszek Madzik. N o cine ma recen te, são not áveis
as atu ações das atriz es Kati O ut inern, em O H om em sem Passado, de Aki Kauri smaki; e Scarllet
J oh ansson , em A Moça com B rinco de Pérola, de Pet er Weber.
Talvez fosse necessário suprimir totalmente o ser humano da cena ... Ou - quem sahe
- o ser humano poderá ser substituído por uma sombra, um reflexo, projeções num.i
tela de formas simbólicas ou por um ser com toda a aparência da vida, sem ter vida.
Eu não sei, mas a ausência do homem me parece indispensáveP.
Fica evidente que o que contrariava o autor era a presença física do ator - se me-
xendo, falando -, porque acreditava que isso destruía a ficção e impunha a realidade CC)J1-
ereta, e limitada, de homens em seu cotidiano. Como se a realidade não conseguisse dar
conta da verdade da existência. E tudo o que o ator fazia parecia ridículo, inadmissível,
intolerável.
As indicações para a nova forma de interpretar são genéricas, mas fica claro que o
ator precisa encontrar novos meios de expressão, cujas referências estariam, talvez, nas
marionetes, nas figuras de cera, nos autômatos, nos andróides, nos reflexos, objetos,
máscaras.
O ator boneco de Jarry - Alfred Jarry (1873 -1907) foi um dos precursores
do retorno ao uso da máscara e pela busca de uma interpretação "despersonalizada",
tendo como referência a marionete. Ele propôs um teatro no qual as máscaras subv-
tituern o retrato sociológico de uma pessoa pela "efígie da personagem". Na estréia
da peça Ubu Rei, em discurso para a platéia afirmava:
2 MAETERLINCK, Maurice. Menus propus, le théâtre. In: PLASSARD, Didier. Les mains de
o pesquisador franc ês Plassard, ao manus ear escritos de Craig dos anos 1905
e 1906 , período em qu e este último formul ou a idéia da Superm arionete, conclui:
Meu s estudos constatam já nas primei ras páginas do Caderno A que a idéia de super-
marionete não está separada do ato r usando máscara, em part e inspirado no ator do
teatro antigo grego. N otas e croquis demonstram o ator int eiramente cob ert o, des-
per sonalizado, com máscara, tornando impossível ao int érprete mesclar suas emo-
ções e personalidade na represent ação da per sonagern ''.
Me yerh old apre ciava altam ent e a express ividade do corpo. Fazia a demonstra-
ção co m um bon eco de guinhol: introduzindo os dedos, obtinha os efeitos mais
diversos . Ap esar da sua máscara parada, o bon eco exprimia quer a alegri a - os
braço s abertos, co mo a tri st eza - a cabeça caíd a, ou ainda o orgulho - a cabe ça
inclinada para trás/o
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Por constituir uma tradição cuja prática vem desde a época do Brasil-Colônia, pre-
dominantemente agrário e escravocrata, o mamulengo representa simultaneamente uma
dramaturgia e uma história de transmissão oral, emque foram sintetizadas personagens
típicas, temas, fórmulas e estruturas, as quais têm inspirado desde então inúmeras adap-
tações, e formas de expressão artística. Os mestres das várias brincadeiras pernambuca-
nas são também responsáveis pela criação de inúmeros versos e cantigas, expressões e
ditos que freqüentemente se tornam populares e podem persistir, tomando-se típicos!'.
A continuidade e preservação da arte do mamulengo estão intimamente liga-
das à transmissão oral, na relação que se estabelece entre mestre e aprendiz, sobre-
tudo a observação da prática, a forma de apresentar e "brincar" do mestre, pois estas
são as características que preservam e sustentam a continuidade da brincadeira. O
que é transmitido pelo mestre pode ser compreendido como "técnicas?" ou "estru-
turas materiais ou imaginárias", ou ainda, "técnicas codificadas de longa duração".
Para Eugenio Barba '\ técnica é a "utilização extracotidiana do corpo", e para falar
das técnicas codificadas refere-se a "princípios que retornam". Os estudos de Barba
concentram-se no treinamento corporal, na preparação psicofísica do ator, cuja his-
tória vai construindo um acervo composto de técnicas incorporadas por mestres do
ofício, ao qual o aprendiz e seu seguidor recorrem e que as utilizam.
Os mamulengueiros vivem processos bastante semelhantes. Por isso, rela-
cionar os estudos dessa arte com conceitos da antropologia teatral trabalhados por
Barba ampliará a compreensão dessa manifestação. O ensino do teatro de animação
no Brasil deve estabelecer como prioridade o estudo dessa arte, apoiando-se em
pesquisas, bem como na leitura e encenação de textos dramáticos do repertório do
Mamulengo recolhido por pesquisadores 17.
Nomenclaturas - É freqüente o uso de expressões como "teatro de mariorie-
te" , teatro d e b onecos,
n cc " ccteatro d e ±-ormas anima
. das" ," teatro d e o bijetos ""
, teatro
de animação" para designar essa linguagem. Muitas vezes essas nomenclaturas são
usadas como sinônimos, mas existem diferenças entre elas. Atualmente a expressão
mais aceita no Brasil é "teatro de animação", por se tratar de uma arte com a peculia-
ridade de animar a forma inanimada. É, de fato, a arte na qual a relação com a platéia
é mediada pela presença do objeto animado.
Chão de estrelas e mais além: ato, ritual arte e cultura popular. 1998. p. 180. (Dissertação) -
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianopólis, 1998. E possível registrar não só no Nordeste Brasileiro, mas em outras regiões
do Brasil, a trajetória de grupos teatrais que têm sua base de inspiração no mamulengo. Obser-
vando sua estrutura e elementos presentes na brincadeira recriam o mamulengo, apresentando
espetáculos originais, cujas referências são a arte dos mamulengueiros.
I; Em A arte secreta do ator, Barba e Savarese escrevem: "O modo como usamos nossos corpos
17 Refiro-me a BORBA FILHO, 1987; CANELLA, Ricardo Elias Ieker. A construção da perso-
nagem no [oão Redondo de Chico Daniel. 2004. 178 p. (Dissertação) - Programa de Pós-Gradua-
cão em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004; DUTRA,
i 998; PIMENTEL, 1988; SANTOS, 1987.
Também existe m difer entes nom enclaturas para definir qu em é o pro fis-
sio na l que se expr essa co m a lingua gem do t eat ro de animação. Historicam ente,
" t it eriteiro" e "ma r io ne t ista" foram as ex p re ssõ es mais ut ilizad as. No ent ant o,
a partir de 1975 já se fazi am rupturas estéticas visíveis em relação ao t eatro de
bon eco s tradi cional , e co m o teatro gera lme nt e produzid o em escol as, bastante
conh ecido com o "t eatro de fantoche s". E "b on equ eiro" passou a se r a nomencl .i-
tu ra co rr ente. Mas lo go apa receram outras designaçõe s, com a jus t ificativa de q ue
"b o ne queiro" é a expre ssão mais adequada p ara qu em trabalha com o boneco do
ti po ant ropomorfo e, por isso , nã o aglut in a tendências ma is co nte m po râ neas da
lingu agem.
A den omin ação mais aceita foi "man ipu lado r", po rqu e cr editava a est e art ista
a res po nsabilidade da encenação. No entanto , muitos pr ofi ssionais da área passa-
ram a considerá-la inadequada, porque pr essupõe uma relação vert icalizada do ato r
so b re o boneco ou o b jeto. Tal visão não co nte mpla um aspe cto fundamental no
trabal ho desse artista: o diálogo entre a maté ria de que é feito o títere , os mec ani s-
m os de articulação e an imação, assim como as intenç ões do ator-animador. Ou seja,
a rel ação que se esta belece entre o artista qu e se expre ssa co m bonecos e obj et os
o u for mas anim adas é mai s complexa do qu e o sent ido da palavra "rnanipulado r"
co n fere a este artista. C erta mente por essa ra zão, mais recente me nte é comum o
uso de nomenclaturas co mo "ator-bo neq ue iro", "ato r-animado r" . Isso evidenc ia a
intenção de reafirm ar a co nce pção de qu e o artist a em qu est ão é ator, é int érpret e.
N o ent anto, ainda persist em as dú vida s qu e pairam so bre a denominação mai s
ade quada ao tr abalh o desse pro fissional. H á o entendimento de qu e o ato r-anima -
dor é um artista qu e en cena espetá culos expressand o-se com bonecos. E na realiz a-
ção desse tr abalh o, normalmente, con ceb e o texto : é dramaturgo; co nfecc iona os
bon ecos , os objetos, o qu e lhe exige co m petê nc ias para esculpir, pintar, costu rar:
é esculto r, pint or e fig uri nis ta; co ncebe e exec uta o cenário e mat eri ais de cena : é
cen ó grafo e aderecista; seleciona a trilha so no ra e, às vezes, compõe mú sicas para
o es pe táculo: é músico ; interpreta utili zando bonecos e objetos para represen tar e,
atualmente, é co mum extrapo lar os limites da "tenda" ou "palquinho" tr adicional
do s bo necos e atu a numa rela ção dir eta com o públic o: é ato r; diri ge o pr óprio es-
pet ácul o: é direto r; co ncebe a iluminação par a o espetác ulo: é iluminad or; levant a
os recursos financeir os e as condiçõe s materi ais para a realização do tr abalho, além
de divul gar e vender o espe táculo: é pr odutor; defin e o mat erial gráfico, tais co mo
programa e carta z: assim, também é artista gráfico.
C om o se vê, trab alh ar com teat ro de an im ação é at ividade qu e envolve o co-
nhecimento das práticas de outras pr o fissõe s, exigindo a realização de tarefas qu e,
me smo nã o tend o formação na área, os atores-an imado res precisam executar.
O s tip os mais comuns na co nfecção de bonecos são o bon eco de fio, mai s
co nhecido co mo mari onet e; bon eco de luva, popularizado co mo fan to ch e; boneco
de vara; marot e; boneco à tringle, bo neco de me sa ou balcão .
Boneco de fio , mais conhecido no Bra sil como "m arion et e" , é um boneco de
co nfecção e manipulação co mplexa, po rqu e, além de ter ent re cinco e 30 fios, é um
gênero que exige movimentos lentos e deli cad os , qua se sempre próximos dos movi-
men to s humanos ou an imais. Boneco de lu va , também chama do de fanto ch e, é sem
dúvida o gênero mai s popular do teatro de animação. A luva é a roupa do boneco,
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2C JURKO WSKI, Henryk. Sobre el teatro de titeres. Bilbao: Concha de la Casa, 1990. p. 39.
21 Qu and o exist em dois boneco s dialo gan do em cena, um a das man eir as mais com u ns de realizar
a triangulação é fazer com que o bon eco q ue age e fala, olhe para o público enq ua nto é o bser-
vado pelo out ro bon eco, que permane ce im óvel. Ao terminar sua fala ou ação , devo lve o olhar
para o segund o e os papéis se invertem. Ou seja, o qu e age e fala, olha par a o púb lico enquan to (
observad o pel o o utro bon eco. Faz-se o triângulo: a personagem que atua, o pú bli co e a segunda
pers on age m . Isso também define o fo co da cena e capta a at en ção do espectad o r.
22 PAVI 5 , Pat rice. Di cionário de teatro . São Paul o: Per spect iva, 199 9. p. 368.
23 Em O ator e seus duplos, Am aral dis cute esse tem a e propõe uma série de exercício s para a
com pree nsão e do mínio desses pr incípios técnicos. AMARAL, An a Maria. O ator e seus dup los.
São Paulo: Scnac : Edusp , 2001. 159 p.
2 ~ BREC HT apud KOUD ELA , In grid. Brecbt: um jog o de aprendizagem. São Paulo : Perspe c-
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299
Destaco o pro tocolo como procedim ento fundam ental durante todas as fases
do processo. O protocol o é o in staurado r do exercício da escrita. A materiali za-
ção dele com o ato criativo e como instrum ento dialágico numa prática strnulr ânc.i
revela-nos possibilidades iniciais de gêneros d e texto em d eterminado grupo c ;1
tran sformação desses textos no decorrer das sessões.
Podemos estab elecer pelo menos três fase s de trabalh o ne sse processo: jo gos
e protocolos com ponto de partida, te xtos de autores alheios ao grupo e a introdu -
ção do terceiro papel, o do jogador-escritor, ao jogo teatral.
2KOUDELA, In grid Dormien. Brecht: um jogo de apr endi zagem. Si o Paulo: Edu sp: Perspectiva,
1991. 176p.
s Para cada um do s jogadores é um dos asp ectos de cada sessão que chama a
atenção. Cria-se uma expectativa quando alguém vai dizer o seu protocolo porque
a há um di álogo entre eles. Esse olhar do "outro" alimenta o "eu" de cada jogador:
a
Ao olhar para trás do cam inho, percebo o qu ant o me confund i, m e embaracei nas
s linhas do s te xtos esc r itos no início da caminhad a. Havia uma preocupação em csc rc-
ve r. Só. Mai s nada. Acho que todos assim pen savam. Depois, gradativamente, isso
foi se tornando necessário, imprescindível. A s experiências, vivên cias e sensações
precisavam ser registradas; na memória se perderiam. O s textos flu íam , dançavam, se
so ltava m co m um a mai or 'facilidade' . A preo cupação não era mai s escrever [...] , mas
co mo escrever [...], como expressar tantas em o ções [...]. Como, na tela , saber as cu -
) res que se vai usar. C h egar para trás, olh ar a tela, comparar, fechar um pouquinho os
1 o lh os para perceber as nuanças , forma s, linhas, a composição! A escrita agora era um a
pintura. C uida dosa me nte pen sada, anali sada e reescrita (jogado r 12 - auto-ava lia ção
em 23 de abri l de 200 2).
Esc rever ainda aqui é um hábito que vai sendo exercitado no processo de ava-
liação es té tica da linguagem teatral (pro to co lo), mas que vai também se alimentan-
d o pe los texto s de autores alheios ao grupo, que passam a ser objeto de jo go. Est es
textos pod em ser de natureza diversa: em prosa o u verso, em diál ogos ou não.
Os jogadores são levados a familiari zar-s e co m procedimentos de sensibili-
zação do texto em jog o . Para tal apropriação, utili zo os procedimentos de Pupo':
todos caminham e lêem ao me sm o tempo; um pára, todos param de caminhar e de
ler; um caminha, todos continuam a ler e caminhar; caminhar e a um sinal enunciar
para alguém: próximo ou distante; ler para jogadores com olhos fechados etc.
O ut ros procedimentos de leitura e experimentação com o texto das práticas da
Prof", Dra. Maria Lúcia de Barros Pupo e da Prof", Dra. Ingrid Dormien Koudela' são
exemplares, entre eles: todos os jogadores numa roda virada para fora , cada um escolh e
uma passagem do texto e a retoma não simultaneament e, mas sucessivamente, em dife-
rentes ent onações.
A instru ção ness e o u em outros pr ocedimentos é a emissão "ao outro". A
en unciação para alguém. Na escuta ou no olhar. Cada enunciação como reação à
ação anterior, pr ovo cando o diálo go e auxiliando os participantes a saírem do "eu "
en qua nto grupo e irem a um "o ut ro" mais distante, presente na materialidade da
leitura do texto.
3 PUP O, Maria Lúcia de Souza Barros. Palavras em jogo. Texto s literários e teatro educação.
1997. 160 p. Tese (Livre-D ocência) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1997.
• Professora s e pesquisado ras da linha Teatr o e Educação da Escola de Comunicaçõe s e Artes da
Universid ade de São Paulo - ECA-SP.
O papel do jogador-escritor
, SALLES, C ecília Alm eida. C esto inacabado. Processo de criação art ística. São Paulo: Anna Blumc,
1998. p. 57.
., SPO LI N, Viola. l mproui saçâo para o teatro. São Paulo: Perspe cti va, 1987. p.64 ; SPO LIN , Vio-
la.Jogos teatrais . O fichári o de Viola Spolin. São Paulo: Persp ectiva, 2001. p. A4 6.
Inqui et ação
1
Sab rina . inqui eta co m tanto calo r, levanta do sofá e vai at é o se u arrn ári." .
gavetas sem suce sso. Corre para o quarto do irm ão e tamb ém revira suas g ;1\' , l ' il ' ,; ,
não acha o que pr ocurJ. Vai at é o banheiro e o acha pendurado e molhado " T;'j'('
imp orta, afina l está quente e ela qu er se refr escar. Então vest e seu lind o l I, .
biqu íni ver de, co rre at é o pbyground e mer gulha co m sat isfação na min úscu h !' ;', C;nl1
de plásti co (jo gador-escrito r - 19/ 03).
que a auto ra viu o seu texto d ram ati zad o, ela vai reesc rever a no ssa Sab rina.
(jogado r 3 - pr o to colo 14 de 26 de março )
re, revira a procurar/ em um espaço livre a brin car". Os objetos tamb ém lI IIlIJ.II: () S
7 PUP O, 1997.
O enco ntro acontece não só na narrativa ("ca rin hosame nte as dua s se ab raç am .
[...] se fundem em um único e verdadeiro sentimento") , mas também enquanto reali-
dade de trabalh o. O jogad or-escri tor teve percep ção para intera gir com os elem en to s
surgidos nos jo gos t eatrais, retrabalhand o-o s no texto. Os jogadores do palco e da pla-
téia também co nt in uam a int eragir, por m eio dos protocol o s, com o text o do jo gad or-
escritor: "Sabrina ficou mais legal onde es tav a mais viva a presença da irm ã. O texto era
m ais detalhista. Foi um texto um pouco difer ente, mas ainda era a Sabrina." (jogado r
4 - pr otocol o 16 em 9 de abril).
A Sabrina não é m ais "o eu " o u "o t ro ", ela é "o no sso" , ma s nã o como um a
m as sa indistinta. Imp orta men o s a auto ria, importa m ai s a co n t rib uiçã o pessoal e
única de cad a jo gador.
O dial o gismo acontece u na situ aç ão d e jo go e tamb ém com a sit uação d e es -
cr ita e reescrita, sob retu d o porqu e o jogador-escrito r p ôde o u vir diferentes versões
, KüUDELA, In grid D ormien . Brecbt na pós modernidade. São Paulo: Perspectiva, 200 1. p. 92.
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Um dia, numa Alema nha dividid a, conheci um espe ct ado r que era cego . A p reci a v;]
o teat ro de rua, mas não supo rt ava o teatro que se fazia em espaços fechado s. f>1I 1'111l'
ama va o fato de pod er deslocar seu olhar, em liberdad e, de um lado para o utro, pelas
praças em que os espetácul os de rua aconteciam ; porque ama va deslocar-se guia dc) P(H
SU2. mulher, espectado ra como ele, atraídos os dois pelas canções que os atores can t.iv.u u,
por suas vo zes múltiplas que surgiam ora daqui, o ra dali, vindas do alto ou de baixo, da
direita ou da esqu erd a.
Meu ami go cego (to rn am o- nos ami gos) revelou-me, então , qu e as imagens
cên icas se formavam d iante dele, em torn o dele - e le as "via"! - e se sen t ia, J.O me s-
mo tempo , part icip ando não so me n te co m os o u t ros espectador es, m as também
co m os at ores d e um úni co jo go te atral, do espetác ulo d e ru a. Er a um jogo cole t ivo ,
contou-m e, em ocio nante demais, ao qua l se sent ia co m p leta me nte integrado.
Gostaria sem pre de falar (enquan to ator e professor) ou de esc rever textos
1 GOETH E. Les ann ées d'apprentissage de W/ilhclm Mcister. Traduit de l'allcmand par Jeanne
Ancc let- H ustac hc, Paris: Aub icr-Mo ncaigne, 1983. p. 44 .
.309
teórico s qu e pudessem fazer mex er meu s espectadores, alunos ou leit ores, o q ue
não quer diz er, necessariamente , qu e de sejo fazer com qu e pul em para a C(' )l1 , ; IH í -
tand o-o s a se levantarem de suas cade iras e agirem . M as, sim plesmente, L l >~ n - !IH' :;
(faze r- me ) refl etir um pouco m ais sobre nos sa condição de indivíduos c dar-n o s
con sciên cia do papel ativo qu e representam os em qu alquer tipo de fazer teatral.
Uma sit u açã o particular de minh a vida profi ssi onal , no entant o, lev a-n i.,
ne st e texto, a ini ciar minha viage m a partir da lembran ça do instante e m q ue
ret om o, a cada se mes t re, minh as at ividades de profess or do Depart am ento d e
Teoria da Escola de Teatro da Uni-Rio e tenho de es co lh er os textos t eatrai s que
trab alharem o s juntos, eu, na p o si ção de profess or-ator-teórico , e ele s, q u ase
meia centen a de rapazes e m oças, de idades as mai s var iad as, todos in gr cssanll' \
na Universidade , co mo alun o s- atores, teóri co s, diretores, cen ó grafos o u lic en-
ciandos em te atro . D esen vol verei aq u i exercíci o s em t orn o de doi s text o s ale -
mã es exem p la res, que tratarei co m o m od elos d o trabalho mais ampl o d e ( ()I] ' , -
cien t ização profissional qu e reali zam o s em ati vidad es co let ivas, numa sa la d e
aula vista se m p re com o espaço dramático, e em qu e no s revezaremos, profes sor
o u alu n os, o ra com o atores, ora co m o es pect ad o res d e um jog o te atral esp e c í-
fi co , que exi girá, de cada um d e nós , uma preparaçã o em total lib erdad e e uma
legítima at it u de lúdi ca.
Pod eri a, cert amente, centrar minha reflexã o , d esde o início, sobre a ma-
n eira co m o atores e es pec tad o re s parti cip am ju n t os do jo go teatral, ma s preferi
privil egiar, co mo o b jeto de minha s prim eir as o bserv açõe s, ape nas a co n d u ta e
as rea çõ es isolad as do s qu e o bse rvam o jo go d esempenhado pelo ator. E m doi s
livr o s qu e teo r iza m so bre o ass u n to : Les [eu» et les liom mes (0 5 jogos e os hu-
nu ns), de Ro ger C ailloi s, e Le [eu (O Jogo) , d e Ja cque s Henri ot , esses auto r es
se inte ress aram pela defini çã o e cl assifi cação da s co isas d en ominad as " jo gos" o u
p ela at ivida de ele " jog ar", co ns id e ra n d o -os prin cipalme nt e do pon to d e vis ta d o
jog ad or (o u d o ator, no qu e se refere aos jogos de sim u lacro ) e es qu ec iam o u só
atribuíam um a fu nção sec u n d ária ao jo go do espec t ado r, qu e é, po r s ua ve z , el e
t ambém um " jo gador ".
Par a Caillo is, o sistema do s jo go s apresenta quat ro tip o s diver so s, na m ed id a
em qu e nele s pred omine a fu nção d e co m pet ição, de acaso , d e simulacro o u d e ve r-
ti gem . N o jo go teatral, segu ndo o au to r, predomina o simulacro. Para designá-lo,
escolheu a exp ressão inglesa mimicry; qu e corresp on d e a " m imetismo" :
Encontramo-n os, então, diant e de um a série variada de manifestações que têm por
caráter comum apoiar-se no fato de que o sujeito acredita ser ou faz os outro s acre-
ditar em que ele é um outro qu e não ele [.. .] e [nestas manifestações] ele inventa um
mundo fictício.'.
C AILLO IS, Ro ger. Les [eu» et les hom mes. Paris: Gallimard, 196 7. p. 61 , 103.
H ENRI O T, Jacqu es. Le jelt, Paris: Syno ny m e, 1983. p. 46.
D e saída, uma distin ção se impõe. Apesar de o ator e a criança proporem uma
conduta associada a imagens, o ator, ao c ontrário da criança, sabe que ele represen-
t a para os outro s. E assim, de imediato, s urgem el ementos que são regras, limite s,
c o nve nções d o jogo, embora atuad o s com relativa lib erdad e. Em princípio, sent e-se
o b r ig ad o a apre sentar co nd utas id entificávei s, na m edida em q u e pretende comuni -
car-s e co m os o u t ros . A partir daí, o utro s ele m en tos vê m co m po r esta co m p re e ns ão
do que seja um jogo teatral. Atu almente, este tipo específi co de encontro d e se r es
human os está dividido em dois su b gr u p o s: espectadores e ato res, que juntos vão
participar de uma ati vidad e prática de ruptura com a realidad e quotidiana, em qu e
imagens de repre sentaçã o mental são con struídas e começ am a circ u lar da m an eira
mais econôm ica p o ssível ent re ele s. Trata-se de um ima gin ári o co m um simb ólico
que, num dado gr u p o so cial, pode tomar toda espécie de formas e de signifi caçõe s
s u ce ssivas. O jo go teatral vai se dar, exatamente, n o ponto d e tensão ent re a co m u -
nicação tota lme nte codificada e a m ai s livre inv enç ão. O qu e um esp ectad or per cc] '(
d o jo go do ator e vice-versa? Quais são o s sign os que percebem e o que con st roem
a partir do qu e percebem?
(. .. ] C ada homem t raz em si a SUJ dose de ópio natural, ince ssant emente segregJda
e renovada; e do nascimento à morte, qu antas hor as podem o s co ntar cheias pelo ver-
dadeiro prazer, pela ação feliz e resoluta? Viveremos jamais, co nheceremos algum dia
esse quadro que o meu espírito pintou , esse quadro que se parece co nt igo ? [.. T .
Ma is um a vez de ve ser lemb rad o qu e essa missão [do ato r] é a de recre ar os filhos
r
de um a era cient ífica os espec ta do res] propor cionando -lh es o pr azer dos se n t idos
e a aleg ria. [... ] D o prazer sexual, ext raímos devere s co n jugais; () pr azer artíst ico
está ao serv iço da cultu ra, e aprender não sign ifica conh ecer aprazivelmenr e, mas,
sim, aferra r o nari z ao obje to d o conhecimento. Nad a do que fazemos representa
um esforç o ap razível, e, para justificarm os os no sso s atos, não invoca m os o qu e
go zam os co m is to o u co m aq u ilo , m as, sim, qu ant o suo r nos custou).
Torna-s e necessári o que os ato res e es p ectado res tenham consciência d o fato
de estarem juntos e jogarem junto s ao lon go do "espetáculo " teatral. Na verdade, só
há tro ca teatral qu ando estes d oi s su jeitos , o ator e O espectad or, podem compreen-
d er e ace itar a dim ensão d e seu próprio jo go e do jogo d o o ut ro. O ator é, ev id e n -
t emente, o primeiro a agir, cabendo-lhe a in iciati va d e jo gar, m as o jogo teatral só se
compl et ará ap ó s a inclu são da s reaçõe s do público .
N o entanto, em n ossos esp aços de jogo, estarão sempre incrustradas e pressu-
p o stas, nos gestos e atitud es do ato r o u do es pec tad o r, as cha nc es d e de senvol verem
as pectos secretos e misteri oso s de todo s os particip antes, qu e poderão e d everão ut i-
lizar sutilezas d e su as livres asso ciações, p ro venientes d o foro particular e do mai s
du ção de Aurélio Buarqu e de Holl anda. Rio de Janeiro: J. Olyrnpio, 1950, p. 58-59. (C oleção
Rub áiyac ).
; BRECHT, Ben olc. Pequeno organon para o teatr o (fragmento 75) . In: Estudos sob re o
teatro . Tradução de Fiarna Pais Brandão. Rio de Janeiro: N O\'a Fro nt eira, 1978. p. 133.
Supr imam um dos contrários - o jogo ou o sério - e a aventu ra deixa de ser aWI1-
turosa. O ptando pela supressão do elemento lúdico, a avent ura to rna-se tragédia;
suprimindo o sério, a aventura vira jogo de carta s, passatemp o derris ório, aventura
fingidora'.
" ] ANK ÉLÉVIT CH , Vladi mir. Eatrentu re , l'en nui, le s érteux. Paris: Aub icr-Mo nra ígne, 1963.
p. lO.
7 JANKELÉVIT CH, 196 3, p. 13.
, GOTSCHEFF, Dimirer, N ous maintiendrons le virus en vie. In: o Brectht apres la chute:
confessions, mérnoires, analyses. Paris: CArche, 1993. p. 28.
D()/~ ECOS Lo",ci.. \'OIOS 1JL 'J:4.I!HUR[) .\_1 .'.( .nt: 313
século XX, vão tornar-se documentos essenciais à compreen são do s anos hitlerista s que
virão a seguir e dos julgamentos sumários que ocorrerão ao longo dos anos stalinistas de
co ns tru ção da República D em ocráti ca da Alemanha - RDA, esta ent ão nova Repúbli ca
socialista européia.
Ma user é um eco lon gínquo de ste tamb or brechriano que bate na noite, o u
seja , da te oria e da prática de su as peças didáticas. Es crita em 1970 por Heiner Mül-
ler, ela é a t er ceira de uma sé r ie experimental, "sendo a primeira Philoktet (Filoc-
teto) e a segunda Der Horatier (O Horacian oi ?" e pode, talv ez , ser co ns id erada
co mo uma va riação em torno d e aspectos formai s e temáticos de A Decisão. Existe,
na Alemanha, esta tend ên cia a se trabalhar, de form a experimental, te m as trata-
d os anteriormente por outros escritores, a retomar criticamente o que chamam de
"antigas situações-modelo". Ali ás, é o pr óprio Müller que no s advert e, a propó sito
d e Mauscr , que nã o se trata de uma "peça de repert ório", ma s de uma peça experi-
mental. "Escrevi um a pe ça qu e, pelo assunto, é um a variação de A Decisão, o u um .i
continuação. [... ] Pr os sigo com esta peça a partir do momento em qu e A Decis ão
foi int errompida?" . O co nt eú d o das duas peças.
') M ÜLLE R, He iner. Q uatro textos para teatro: Mau ser, H amlet-máquina, a missão, quart eto .
Apresenta ção de Fern ando Peixoto . São Paulo: Edito ra H uci tec: Assoc iação C ultu ral Berto lt
Br ccht, 1987. p. 21.
I: Ap ud MA IE R-SC HA FF ER, F. H eÍ Il eJ" M üller et la Lehrst ück: Bcrn e: P. Lan g, 1992 . p. 86.
11 Apud 13ET 2, Albrecht et aI. L étar d'urgence chez C arl Schmitt et La décision ch ez Bertolt
Brccht, In : STO RC H, \'Volfgang (D ir.). Brecbt aprês la chute. Confessions, m érnoi res, analyses.
Paris: CArche, 1993. p. 36- 37.
" BRE CHT, Bertolt. A decisão (192 9- 1930). In: o Teatro completo. Tradu ção de In grid
D orm ien Ko udela. Rio de J aneiro : Paz e Terra, 1988. V. 3, p. 237 .
•
BRECHT - Esta peça [A Decisãu] é uma adaptação de uma antiga peça religiosa ja-
ponesa, e é um a "peça did áti ca", Segue fielme nt e a narrati va o riginal e mo st L I .' :'_! 11
ST RI PLING - Entâo , senho r Brecht, poderia co nfirmar à Com issão se é exaro '~. '(' um
dos per sonagens de A Decisão fo i assassinado por seus camaradas pelo bem d" !' . ' " l" .
do Part ido Comunista . ..
BRECHT - D e forma algu ma . ( . . .) Este rapaz, ao m o rr er, estava persu adi d o dI' ter
co loca do em risco a cau sa em qu e ac reditava, e ace itav a m orrer para não pr e judi car
ainda m ais o m ovimento. Por es te m oti vo, ped e a seus ca ma radas que o .u u-L " 1 1
mo rr er. E le se atira num precipício, depois de ter sido levad o até lá. É cs Lo. , : 1 '-
ria".
o J OVEM C AMARA D A - Meu co ração bate pela Revolu ção. Ela est.i ,I ' ,
CANÇÃO DA ME RC A D O R IA
(.. .) O qu e é um hom em , afin al?
Eu lá sei o que é um hom em ?
(00') Não sei o que é um hom em .
Eu só co n he ço o seu preço.
O CORO DE C O N T R O LE
EL O CI O AO PARTIDO
O indiv íd uo tem dois o lhos .
O Pa rtid o tem milhares de o lho s. (... ).
O CO RO D E CONT ROLE - Não fo ram você s qu e p ronunciaram a sua SI'lll l'nça.
mas sim a rea lidade. (... ) .
OS Q UAT RO AG ITADO R ES - Então perguntam os: você est á de acordo ?
Pausa.
O J O V EM C A MARA D A - Sim, Vejo que sem pre agi errada mente. (.. .).
O C O R O DE CON T RO LE - Co m pree nsão da parte e co mpree nsão do to do :
Só en sin ad o s pela realida d e é qu e po demo s
Tran sfo rm ar a realidade" .
o "Coro" e "A" se tr atam por "você" e ficam assim mais à vo ntade para ex plicar
os motivos de suas ações e dec isões. E stã o to dos num plan o d e igualdade, ao co n t ra -
rio de Jl Decisão, em qu e os Quatro A gitadores falavam a uma instância su pre m a, o
Coro de Con trole. Esta modificação form al vai torna r po ssível a "A" se mo strar co mo
indi vídu o, no sen t ido psicológico ou m esm o psicanal ítico do term o. Se o per sonagem
quer fazer refe rê nc ia a sua ação enq uanto membro de um co let ivo, enquanto ins t ru-
m ento do Partido Comunista, de imediato passa a utilizar o tratamento "nó s".
Neste particular, devem ser lembradas as razões pelas qu ais Müller decidiu-se
pela retomada do tema de A Decisão. Mauscv é uma peça em qu e ele se interro ga jus-
tamente so bre a necessidade da violên cia a ser viço da Revolu ção . Em suas tr ês peça s
experimentais - Filocteto, O Horactano e Maltscr - investi ga a relação, no interior do
marxismo, entre humanismo e terror. Mauser , conforme o próprio Müll er o di z, é
"a práxis do comunismo que Brecht naturalm ent e não poderia conhecer em 192 0,
que ele se recusa a consid erar durante sua luta co nt ra o nazi sm o, mas que ele tem de
encarar de frente, em 1953, em seu retorno à RDA".
Existe ainda qu em escreva peças com uma co nclusão . Estas peças me entediam, talvez
menos ao públ ico. [... ] Mas nest a hora qu e estamos vivendo, torna-se necessário uti-
lizar este instrum ent o para fazer o que lhe interessa, sem levar em conta o que possa
estar interessand o ao p úblico".
318 \V.U /J[ R CLR' .<lI " V IR(; (.l 1.\ ( /)[ So e-l.'
Para mim a guerra acabou,
vo lto correndo para casa.
Estou cagando para a ord em do mundo.
Estou perdido.
[...] dilema tragicômi co do socialismo. Tudo com eçou com Maiakovski [Não esque-
çamos que Brecht escreve A Decisão em hom enagem a Maiakovski] e Babel para
ati ngir, em seguida, enge nheiros, médicos, militares. O s indivíduos mais fon es for am
massacra dos, pois a soc iedade não pod ia suport ar que alguém pud esse for mular as
coisas de for ma difere nte, pudesse entrever o ut ras so luções, e tc.".
Em contrapartida, se Fat zer e o J ovem Camar ada são liquidad o s p or suas re-
açõ es espo ntâ neas, po r erros sucessivos at rib uídos à sua juventude e in experiência,
q ue co locarão em peri go o ut ras pessoas, "A" e o person agem d e A Miss ão scrào
esco lhidos, just am ent e, po r d et erem um a gra nde ex periênc ia.
CO RO
Você ["A"] lutou na fre nte da guerra civil
O inimi go não enco ntro u fraqu eza alguma em você.
Nós não havíamos enco ntrado fraqueza algu ma em você" .
2
J
GOTSCHEFF, 1993, p. 28.
2; MÜ LLER, 1987, p. 3.
2(. MÜ LLER, H ciner, Hamlct-machlne, H orace-Mauser-Héraclês 5 et autres pi êces. Traduits de
l'allcrnand par Jean Jourdcuil et H einz Schwarzingcr. Paris: Les Editions de Minuit, 1985. p. 68.
co ncre tiz a se u de sejo de libertar o condenado num so n ho que ele tem, e qu e co ns i-
d era um "movimento esp ontâneo de se u outro eu ".
E m se u uniform e m eu o ut ro eu
Queri a pedir perdão ao mono,
D esta morte que tinha sido m eu trabalho e7.
teat ros - o públi co burgu ês - m as autênti co s exe rcíc ios dramáticos de st inados às
cria nças das escolas, aos membros de grupo s de jO\'em, de gru pos leigos, de assoc ia-
ções prole tárias e pr in cipalmente aos co rais ele t rabalhado re s.
l deveria ser rep resent ada , pois, in sistia, "só o int érprete d o Jovem Camarada pode
aprender com ela alguma coisa e, mesmo assim , se tiver representado também um
dos agitadores e tiver cantado no C oro de Control e":".
Quand o , em nosso s dia s, au tores contemporâneos do teatro alemão conti-
nuam a utili zar est e tip o de teatro épico por exc elência, cent rado na interrupção
con stante da ação dram ática por intérpretes q ue se perguntam so bre o sign ificado
de certas passagens de um te xto ou de uma can ção, podemos pen sar na gra nd e atu-
alidade d est a form a didática, longe d e estar definitivamente esgotada.
Para Müller, a peça didática é um trabalh o entre outros, "organizado pelo
coletivo e o rgan izando o coletivo ", cuja repres entação diante de um público só é
po ssível na medida em qu e esse públ ico tem a po ssibilidade de controlar o jo go com
, . ,
51 DüRT, 1960, p. 9 1.
REFERÊN CIAS
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ADILSON FLORENTI NO, professor, pesquisad or, mestre em Educação (1992) pel a
UERJ, doutor em Tea tro (2006) pela UNIRIO. É profes sor no Departam ento de
Interpretação Teatral da Escola de Teatro e do Pro grama d e Pó s-Graduação em Ar-
t es Cênicas da Universidad e Federal d o Estado do Rio de J an ei ro - UNIRIO.
A NTONIA PEREIRA, d ram aturga, diretora teatral, pesquisad ora, mestre (1995) e dou-
to ra em Letras Modernas ( 1999) pela Universid ad e de Toulou se 11. É professora n o
Departamento de Art es C ênicas e no Progr ama de Pós- gr adu ação em Art es C êni-
cas, na Universidade Federal da Bahia - UFBA.
BEATRIZ C ABRAL (BIANGE), direto ra te at ral, m estre em Art es ( 1984) pela EC A- U Sp,
d outora em Teatro ( 1994) pela U niver sit y o f Cent ral En gland. É profe sso ra n o
Departamento d e Artes Cênicas e no Progr am a de P ós-gradua ção em Teatro , na
Uni ver sidade do Esta do de Sant a Cata rina - U D ESC. Auro ra do livro O drama
como método (H ucitec, 2006) e organizado ra do livro Ensino do Teatro: experiências
in terculturats (C A PES/ U F SC, 1999).
CAIUvIELA SOARES, professora, atri z, mestre em Teatro (200 3) pela UNIRI O. É pro-
fessora no Departam ent o de Interpretação Teatral da Escola d e Teatro da U niversi-
dade Fe deral do Est ado do Rio de Janeiro - UNIRIO o nde at ua na licen ciatura.
ELEONORA FABIÃO, atri z, perform er, mestre em Hist óri a da C u ltura pela P U C-Ri o
( 1997), doutora em Es tu dos da Performance pela N ew York Unive rs ity (2006) . É
professora do Curso de Direção Teatral da Escola de Comun icação da Uni ver sidade
Federal do Rio de J an eiro (U F RJ).
EUA DEANDRADE, diretora teatral, mestre (1996) e doutora em Teatro (2005) pela UNI-
RIO. É pro fessora no D ep artamento de Interpret ação e no Programa de Pós-graduação
em Artes Cê nicas, na Universidade Fed eral do Estado do Rio de Jan eir o - UNIRIO.
GI LSON M OTTA, cen ó gr afo, pesqui sador, m estre ( 199 5) e dou tor (2000) em Filo so -
fia pel a UFRJ. É professor no Departam en to de Artes da Uni versidade Federal de
Ou ro Pr eto.
INGRID D ORMI ENKOUDELA, diretora teatral, professora, pesqui sadora, me stre (1983) e
doutora (1988) e livre-do cente (1997) em Artes pela ECA-USP. É profess ora colab o-
radora no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da ECA-USP Autora dos
seg uintes livros, entre o utros, Jogos Teatrais (Pers pectiva, 1990), Brecht: um jogo de
aprendizagem (Perspectiva, 1991') e Brecbt na pós-modernidade (Perspectiva, 2001 ).
J OSÉ DAC OSTA, diretor teatral, pesquisador, m estre em Teatro pela UNIRIO ( 1997),
doutor em Lit eratura C omparada (2003 ) pela UERJ . É pr ofes sor no D epartam ento
de Teoria do Teatr o e no Pro grama de Pós- gradu ação em Artes C êni cas, na Un iver-
sidade Federal do Estad o d o Rio de Jan eiro - UNIRIO.
J OSÉ LUIZ RIBEIRO, ator, diretor de teat ro , mestre e m Teatro pela U NIRI O (1992),
dout or em Comuni caç ão e C ult ura pela UFRJ (2 00 1). É professor do Departamen-
to d e Co mu nicação e A rt es da Universidad e Fe de ral de Juiz de Fora (U FJ F) .
J OSF T ONEZZI , ator, pro fes sor, mestre em Educação pela UNICAMP (2003) , do u-
tor em Teatro pela U NIRI O (2008) . É pro fessor do D ep art am ent o de Art es da
U ni ver sid ad e Federal da Paraíba (UF PB) . A u to r do livro Distúrbios de linguagem e
teatro: o afásico em cena (P lex us, 2007) .
LUCIA H ELENA DE FREITAS (G yata) , profes sora, m estre em Educação pela UERJ
(1995), doutora em Teat ro pela UNIRI O (2005) . É pr ofessora no D ep artam ent o
de Interpreta ção Teatral da Escola de Teatro da Universidade Fede ral do Es tado do
Rio de Janeiro - UNIRIO o nde atu a na licenciatura.
324
M ARCIA POMPEO N OGUEI RA, professora, mestre em Artes (1993) pela ECA/USP,
doutora em Teatro na Universidade de Exerer, Inglaterra (2002) . É professo ra n o
Departamento de Artes Cênicas e no Programa de Pós-graduação em Teat ro , na
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC - onde atua, tanto na gradu -
ação como no mestrado, na área do Teatro para o Desenvolvimento de Comuni da-
de s. Coordenou o Grupo de Trabalho nesta área nos dois últimos Con gresso s da
A ssociação Internacional de Drama e Teatro na Educação - IDEA. Autora do livro
Teatro com meninos e meninas de rua (Perspectiva, 2008 ).
M ARIA BEATRIZ M ENDONÇA (BYA BRAGA), atriz e diretora cênica, mestre em Estud os
Literários pela UFMG (1995), doutoranda em Teatro pela UNIRIO. É professora no
Departamento de Fotografia, Cinema e Teatro da Escola de Belas Artes, na Universida-
de Federal de Minas Gerais - UFMG. Coordenadora artística do GRUPA (G rup o de
Pesquisa-prática em atuação) na UFMG. Coordenadora Adjunta do FIT-BH 2004.
M ONA MAGALH Ã ES, atri z, caracterizadora, mestre em Ciência da Arte (2004 ) pela
UFF, doutoranda e m Letras - Semi ótica Pl ásti ca pela UFE Esp eci alista pela Lo s
An geles Sch ool o f Make-Up, É pr ofessora no D epartament o de Interpretação d a
Es co la de Teat ro n a UNIRIO. Caracr eri zad ora do Grupo Galpão.
N ARA KEISEIUvI AN, preparadora corporal, atri z, diretora teatral, mestre em Artes pela
E CA-USP ( 1986), d outora em Teatro pela UNIRIO (2004). É professora no D e-
p artamento de Int erpretação e no Programa de Pó s-graduação em Artes Cênicas,
na Uni versid ad e F ed eral do Estado do Ri o de Janeiro - UNIRIO.
N ARCISO T ELLES, ato r, professor e diretor, m estre ( 1999) e dou tor (2007) em Teatro
p ela UNIRIO. É professor no Departamento de Música e Artes Cênicas e do Pro-
grama de Pós- graduação em Artes, na Universidade Federal de Uberlândia - UFU.
Autor do livro Pedagogia do teatro e o teatro de rua (Mediação, 2008) e organi zad o r
dos livros Teatro: ensino, teoria e práti ca (ED U F U , 2004) e Teatro de Rua: olhares e
p erspectivas (E-PA P ERS, 2005 ).
R ENA T AVARES, pro fessor, me stre em Comunicação e Cultura (1980) pela ECO -
UFRJ , doutor (198 5) e p ós-doutor ( 199 7) em Teatro pela Univer sidade de Pari s III.
É pro fessor na Esc ol a de Enfermagem e no Programa de P ós- graduação , M est rado
em Enfermagem, na Universidade Federal do Estado do Ri o d e Janeiro - U N I R I O .
Autor do livro Teatro Oficina de São Paulo: seus 10 prim eiro s anos (Yendis, 2006)
e o rganizado r do livr o Entre Coxia s e recreios - recortes da produç ão carioca sobre
ensino do teatro (Yen dis, 2006).
325
RICARDO J API ASSU, professor, pesquisad or, mestre em A rtes pela ECA-USP ( 1999)
e dou ro r em Edu cação pela USP (2003) . É professor do D epartamento d e Edu cação
da Universidade do Estado da Bahi a, em Valen ça, Autor dos livros Met odologia do
Ensino de Teat ro (Papirus, 2005) e A lin guagem teat ral na escola ( Papiru s, 2007) .
SARA LOPES, preparadora vocal , direto ra de cen a de ó pe ras e mu sicais, me stre em Ar-
tes pel a UNICAMP (1993) , doutora em Artes pela ECA -U SP (1997) . É professo ra
no Ins ti tu to de Artes e no Program a de P ós-Gradu ação em Artes da UNICAMP.
VA LMOR N ÍNI BELTRAME, bonequ eiro, diretor teatral, me stre (1995) e d ou tor em
Artes (200 1) pela ECA-USP. É profe ss or no D epartam ento de Artes C ênicas e no
Programa de P ó s-graduação em Teatro, na Universidade do Estado de Santa C ata-
rina - UDESC. Pesquisa distintas forma s de teatro d e an imação .
VIU,IA C AMPOS DOS SANTOS LEITE, dire tora teatral, atri z e profe ssora, mestre em
Artes (2003) pela ECA-USP e doutoranda no Pro grama de Pós-Graduação em
Hist ória d a UFU. É pr of essora n o Departam ento de Mú sica e Artes Cên icas, na
Uni versid ade Fed er al de Uberl ândia - UFU.
\'11 ALDER G ERVASIO VIRGULI NO DE SOUZA, professor, pesqui sad or, mestre em Letras
pela U FRJ ( 1992), mest re ( 1995) e d outor (200 2) em Teatro pela Univer sidad e de
Paris III. É professor no D epartamento de Teoria do Teatro e no Pr o grama de Pós-
graduação em A rtes Cênic as, na Uni ver sidad e Fed er al do Est ado do Ri o de J an eiro
- U~IRIO.
326