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Povoamento e despovoamento: da

pré-história à sociedade
escravista colonial.

Claudete Maria Miranda Dias

FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 417


Resumo

A análise da formação da sociedade americana, passa atualmente pelo significado do povoamento e


despovoamento do território piauiense e, questiona o pensamento dominante na historiografia que
enfatiza a formação dos "primeiros núcleos de povoamento" e "conquista do território", sem levar em
conta a perspectiva dos povos pré-históricos e das populações nativas que habitavam toda a região e
foram extintas pela guerra da colonização. Há o deslocamento do eixo de análise predominante, pois
é importante ter-se em vista três tipos de povoamento: o pré-histórico, o nativo e o colonial, só assim
tem-se a compreensão exata de como se deu a organização social americana. O povoamento colo-
nial das Américas que representou também o despovoamento da população nativa desenrolou-se sob
a égide da destruição de um povo com possíveis origens pré-históricas cujos vestígios arqueológicos
estão na Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, Brasil. No lugar delas formou-se uma
outra: exógena, livre e escrava constituída pela mistura do nativo, do negro e do branco colonizador. A
organização nativa é substituída pela sociedade colonial escravista.

Abstrat

The analysis of the formation of the American society, currently passes for the meaning of the povo-
amento and despovoamento of the state In Piauí territory and, questions the dominant thought in
the history that emphasizes the formation of the "first nuclei of povoamento" and "conquest of the
territory", without taking in account the perspective of the prehistoric peoples and the native
populations that they inhabited all the e region had been extinct for the war of the settling. It has the
displacement of the axle of predominant analysis, therefore it is important to have in sight three types of
povoamento: the prehistoric one, the native and the colonial, thus only has it accurate understanding of
as if it gave the American social organization. The colonial povoamento of Americas that also represented
the despovoamento of the native population was uncurled under égide of the destruction of a people
with possible prehistoric origins whose archaeological vestiges are in the Mountain range of the Capivara,
in Are Raymond Nonato, Piauí, Brazil. In the place of them one another one was formed: exógena,
exempts and slave consisting of the mixture of the native, the black and the colonizador white. The
native organization is substituted by of the slaves colonial society.

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Introdução

A análise do processo histórico de formação ou estruturação da sociedade americana passa atualmente


pelo questionando do pensamento dominante na historiografia - que enfatiza a formação dos “primeiros
núcleos de povoamento”, a “conquista do território” e a idéia de “descobrimento e colonização”, difundido
pelos primeiros pesquisadores para valorizar a história dos “conquistadores” e colonizadores europeus
que invadiram essas terras no início de 1500.

Para se compreender melhor a questão do povoamento das Américas deslocamos o eixo de análise
comum na historiografia para traçar aqui uma explicação tendo como base a perspectiva do
povoamento pré-histórico e o nativo, ou indígena. Na verdade, ao mesmo tempo em que ocorre o
povoamento pelo colonizador, provoca-se o despovoamento, pela guerra da colonização, dos povos
nativos que possivelmente habitavam a região desde os tempos pré-históricos cuja datação
estabelece sua origem em mais de 70 mil anos.

Para isto tem-se em vista nessa análise do povoamento das Américas, a possível relação entre os
povos pré-históricos, habitantes da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, e as
populações nativas extintas durante a colonização e que habitavam praticamente toda essa região a
exemplo do que era o povoamento em todo o território americano1.

Para entender melhor essa questão foca-se nesta pesquisa a realidade dos povos que habitavam os
“ sertões de dentro”, mas especificamente nas terras onde é hoje a zona caatinga da região sudeste
do Piauí que provavelmente permaneceram na região até serem extintos em dois séculos de guerra
da colonização em meados do século XVIII a começo do XIX, comandada por desbravadores do
sertão “preadores de índios”. Então é de supor que na época que os colonizadores invadiram as terras
dos nativos, eles já existiam há milhares de anos, desde a pré-história. De caçador-coletores, passaram
para ceramistas-agricultores, como eram os nativos da época da colonização. As populações nativas
viveram comunitariamente em harmonia com a natureza até a chegada dos colonizadores quando se
delineia a sociedade escravista colonial com a formação das famílias de fazendeiros de gado, além
dos os vaqueiros, lavradores, escravos, artesãos e comerciantes.

Povoamento mais antigo das Américas

O sertão-sudeste do Piauí é a região de povoamento mais antigo das Américas, comprovadamente


povoada por povos pré-históricos caçador-coletores e ceramistas-agricultores, entre 70.000 a
2.000 anos a.C. de acordo com as pesquisas arqueológicas da Fundação Museu do Homem
Americano2 (FUMDHAM).

A arte rupestre, restos de carvão de fogueira, utensílios líticos, artefatos de pedra e esqueletos humanos,
analisados pelo Carbono 14, estabelecem as diferentes datações. Essa população ocupou a região
de São Raimundo Nonato e possivelmente, não apenas a Serra da Capivara, mas as Serras das
Confusões, Serra Branca e Serra Talhada. Deixaram numerosos vestígios, encontrados no Parque
Nacional da Serra da Capivara, quando então forma-se um espaço onde os vestígios desaparecem.
O elo de vestígios mais recentes dá-se com a colonização das terras onde é hoje o Piauí (meados do
século XVII a começo do XIX), quando a região era densamente habitada por uma população nativa.

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Em dois séculos de colonização, os nativos são extintos por uma verdadeira guerra, continua e violenta,
comandada por desbravadores do sertão nordestino, paulistas e baianos, “preadores de índios”3. As
terras foram ocupadas para a implantação de uma economia baseada na criação de gado.

Faltam ainda pesquisas e estudos, para estabelecer com mais precisão as possíveis relações entre
esses ceramista-agricultores da tradição Agreste e as populações nativas (índios) dizimadas pelos
colonos brancos com a guerra da colinação entre meados do século XVII e do XIX. O caminho para
preencher essa lacuna, é a arqueologia histórica, em estágio inicial por pesquisadores da Fundham e
da UFPI. A história da colonização dessa região ainda é bastante incipiente, tanto em termos de
historiografia quanto em testemunhos, mal conservados ou mesmo destruídos enquanto ao contrário
as pesquisas arqueológicas fornecem mais dados e informações do que a história que está
intimamente relacionada à arqueologia. As referencias ou vestígios encontraram-se em numerosos
“sítios” na “área arqueológica” da “Serra da Capivara,” como a arte rupestre pintada nos rochedos,
com diferentes estilos, rica e variada, datada em 15 mil anos; restos de fogueira de 48 a 50 mil anos,
carvão e fósseis humanos de 9 mil anos, grande quantidade de restos de objetos de cerâmica de 3 mil
anos, uma infinidade de artefatos de pedra4, utensílios líticos pertencentes a grupos caçadores coletores,
agricultores e ceramistas, em épocas de fauna e flora abundantes 5. Analisados pelo Carbono 14 da
Alemanha e dos Estados Unidos da América, comprovam a existência de uma população pré-histórica
em terras piauienses. Essa população, se não é a mais antiga das Américas, é uma das mais antigas.
São testemunhos de vários povos ou grupos humanos que ocuparam a região de São Raimundo Nonato,
com uma densidade populacional maior que a atual, graças aos recursos hídricos e ao clima favoráveis,
diferentes dos atuais incluídos no “polígono da seca”: só floresce com as chuvas ou com muita água.

As escavações e sondagens de uma equipe interdisciplinar, há mais de trinta na zona arqueológica


da serra da capivara comprovam a existência de vestígios espalham-se em mais de 800 sítios
(catalogados pela equipe da Fumdham) cujas datações se estendem desde as mais antigas com
de 46.000 anos a.C.até aos povos da tradição agreste de idade mais recente 3 a 2000 anos a.C.
Estes ocuparam toda a região. Os povos iam sobrepondo-se em termos culturais, artes e tradição
e no lugar dos ceramistas da tradição nordeste surgem os agricultores que continuaram até o
século XVIII de nossa era, quando então começou a guerra de extinção, com a colonização das
terras do lado esquerdo do rio Parnaíba (Punaré).

A arqueóloga Niède Guidon propõe “como hipótese de trabalho que diversos grupos humanos chegaram
à América, por diferentes vias de acesso, tanto marítima como terrestres”. Existiriam diferentes “origens
e rotas de penetração do homem” e chegaram até o continente pela costa do nordeste brasileiro, há
pelo menos 70 mil anos atrás. “6. As controvérsias da comunidade científica em torno da questão
estabelecem a possibilidade de outras “fontes populacionais” ou “rotas alternativas” e impedem que
haja um consenso em torno do povoamento das Américas7.

A tradicional datação norte-americana sobre o início do povoamento das Américas, diz que uma corrente
migratória por terra saindo do nordeste da Ásia, atravessou o estreito de Bering durante uma glaciação,
entre 35 mil a 12 mil anos atrás, espalhando-se pelo continente americano. Outros estudos dizem que
os primeiros grupos, possivelmente teriam atravessado o oceano em pequenas embarcações, utilizando
os meios próprios para “cruzar os oceanos antes que os “descobridores” tivessem domesticado os
mares’8. Outros: teriam chegado trazidos por correntes marítimas, ou elas seriam autóctones. O Piauí
foi uma das últimas regiões brasileiras a ser colonizada, uma das primeiras a acabar com sua população
nativa e atualmente é considerada a região de povoamento mais antigo das Américas.

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Povoamento nativo e povoamento colonial

O significado do povoamento é uma questão importante que surge para se compreender melhor a
sociedade piauiense do século XVIII para o XIX: a “conquista do território” foi uma verdadeira guerra
de extermínio provocando o despovoamento dos nativos, os habitantes dos sertões quando chegou o
preador, o colonizador, o criador que se arma “até os dentes” contra os nativos que na visão daqueles,
“perturbavam tranqüilidade dos colonos”. Ora, os nativos foram expropriados, vilipendiados,
escravizados, aldeados para que surgisse uma outra sociedade e entram para a história como selvagens
que faziam arruaças, ameaças, correrias, violências?

Nesse sentido, tenciona-se aqui reforçar a discussão sobre o significado de conceitos como “conquista”
“descobrimento” ou “invasão”, para mostrar que o povoamento colonial gerou um despovoamento nativo
e que, portanto, o processo de colonização desenrolou-se sob a égide da destruição de um povo.
O chamado “povoamento do Piauí” pelo colonizador branco representou também o despovoamento
de sua população nativa; com o final da guerra da colonização, o Piauí estava despovoado de nativos.
No lugar deles formou-se uma outra população, exógena, livre e escrava constituída por uma mistura
do nativo, do negro e do branco colonizador, os elementos étnicos predominantes na sociedade
brasileira: a estratificação nativa é substituída pela colonial escravista9.

A idéia de “conquista do território piauiense”, é intensamente usada pela historiografia reproduzindo


que o colonizador europeu inculcou durante séculos, servindo como justificativa à mortandade praticada
contra os nativos, para se apoderarem de suas riquezas e torná-los escravos. A concepção de ocupação
e povoamento perpassa por toda a historiografia brasileira, da mais tradicional a mais moderna, bem
como a idéia de descobrimento, aparecendo como acontecimentos naturais no universo de uma nova
ordem comandada por Portugal, um episódio da expansão ultramarina européia10.

A conquista aqui é vista como invasão das terras. Como tem sido dito atualmente por estudiosos, a
América foi invadida e não descoberta. Esta mesma interpretação pode ser perfeitamente relacionada
ao Piauí. Claro que para o europeu, que chegou aqui com o objetivo de se apossar de tudo, é um ato
de conquista, mas sob o ponto de vista dos nativos, foi uma invasão. A conquista foi sempre mostrada
como um direito do europeu por ter “descoberto” as novas terras. O termo “descobrir” é pleno de um
sentido de dominação que justificou a “conquista” por meio de um brutal sistema de colonização11.

A historiografia piauiense incorporou e reproduz tradicionalmente a idéia de “conquista do território”


descoberta, ocupação e povoamento para explicar a ocupação das terras dos nativos e em geral
focaliza a implantação das fazendas de gado, o comércio, a organização do poder a partir das
famílias latifundiárias, dando pouco destaque à existência de uma população dizimada pela guerra,
sem se dar conta de que esses conceitos valorizam unilateralmente a perspectiva do colonizador,
apagando e até mesmo menosprezando a existência de uma outra população no cenário onde se
desenrolou a história da colonização.

Essa visão foi introduzida pela documentação utilizada por uma geração de escritores-historiadores
que apenas reproduziram-na quase que literalmente, de alguma forma seguindo a tradição da
historiografia brasileira que também difunde a idéia unilateral de conquista do território pelo
colonizador, quase como um direito por ser mais poderoso e rico, impondo-se sobre uma população
de selvagens indígenas12.

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Essa documentação foi utilizada pelos primeiros pesquisadores da história do Piauí aceita como a
mais pura realidade, sem a preocupação de uma leitura critica desses relatos, mapas ou memórias
descritivas feitas por viajantes, e cronistas pessoas alheias ao meio ambiente, de uma região sertaneja
como o Piauí, como os autores de duas obras consideradas básicas: a de Pereira d´Alencastre, escrita
em 1857 e Pereira da Costa, de 1909 vinculadores pioneiros da idéia de conquista e povoamento do
Piauí. Serviram de “inspiração” para outros estudos, de outros pesquisadores. Vale ressaltar, que o
antropólogo Luiz Mott trouxe à cena o que talvez seja o documento manuscrito com mais informações
sobre o Piauí, encontrado no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, onde existe abundante
documentação manuscrita sobre o Piauí, inédita e a espera de pesquisadores piauienses13. O padre-
historiador Cláudio Melo, um dos poucos que teve a chance de fazê-lo realizou um levantamento sobre
o período colonial, mas não teve tempo de publicá-lo, morreu antes em 1998. Há quem afirme, por
exemplo, ser “a região de Jerumenha e Valença, no centro sul do Piauí a de povoamento colonial mais
antiga, cuja conquista se deu na segunda metade do século XVIII, por meio da política de interiorização
da colonização implementada pela Coroa Portuguesa no sentido de impulsionar a expansão do
povoamento e exploração econômica do sertão nordestino impondo a conquista e ocupação do interior,
no apresamento de nativos e conquista de novas terras para instalação dos currais de bovinos, realizada
pelos conquistadores, misto de apresadores de índios e criadores de gado: “... nem todos os
conquistadores proprietários de currais chegaram a ser fazendeiros”, mas mesmo depois da conquista
do território continuaram existindo curraleiros no Piauí, que chegaram em uma primeira fase da
colonização cujo povoamento se efetivou em um segundo momento cauterizado pela “conquista da
terra aos índios e inserção da região no contexto colonial brasileiro”14.

Ou seja, o Piauí para o dominante pensamento historiográfico, foi conquistado e povoado pelos
colonizadores. O povoamento se dá com a colonização. Considera-se povoamento apenas o que se
deu com a colonização, o anterior, primitivo, não é considerado povoamento, é o que então? O que se
entende é que o Piauí é uma construção do regime colonial português no Brasil. Não existe Piauí antes
do povoamento colonial. Ele é fruto de uma ocupação territorial efetivada através da expulsão,
apresamento e a dizimação da população nativa que ocupava o território que viria a ser o Piauí.

Essa visão reforça a concepção de que “a verdadeira ocupação do solo piauiense” realizou-se
com as fazendas de gado dos fazendeiros baianos, seus descobridores e povoadores pioneiros,
no final do século XVII e primeira metade do XIX, período em que se efetivou “a conquista” do
território piauiense. De acordo esta visão, a “verdadeira ocupação” dos sertões piauienses se
deu com a instalação dos currais pelos fazendeiros baianos e paulistas “os primeiros povoadores”
em terras doadas em sesmarias após a expulsão “dos índios que infestavam” essas terras,
reforçando a idéia do povoamento colonial como pioneiro, sem considerar os habitantes nativos.
Ou seja, “o início do povoamento do Piauí” deu-se com a ocupação das terras pelo colonizador e
não com o povoamento dos nativos: “devemos a ocupação do Piauí” aos primeiros povoadores, o
sertanista e os sesmeiros que penetraram o território com seus rebanhos e dominaram o indígena15,
inclusive estabelece o ano de 1674 como o marco inicial da “conquista e descobrimento” atribuída
a Domingos Afonso Sertão e enfatiza que “qualquer estudo sobre a história do Piauí deve iniciar-
se obrigatoriamente a partir dos currais de criatório”16, considerada a primeira forma de ocupação
do solo. Nesse debate historiográfico aberto sobre o início da penetração do colonizador, existe
outro marco, o ano de 1671, data em que o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho chegou a
esses sertões, estabelecendo-se então uma discussão sobre a prioridade do “descobrimento” do
Piauí, sem levar em conta a existência das populações nativas que habitavam a região.

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Populações nativas

Segundo o historiador piauiense, Odilon Nunes, nos primeiros tempos da colonização os “índios
fervilhavam como formigas nos vales dos rios do Piauí”. No final do século XVIII e começo do XIX,
praticamente não existiam mais17.

As populações nativas que habitavam o Piauí nessa época, faziam parte do grupo dos Tapuia e
também Tupi, que ocupavam indiscriminadamente o litoral e os sertões18. Até a chegada do
colonizador viviam em comunidades, em harmonia com a natureza. As guerras e os rituais
antropofágicos eram recursos utilizados em casos extremos.

Em meados do século XVI, começam as penetrações do homem branco no Piauí, pelo litoral. Outra
vertente de penetração deu-se pela Serra da Ibiapaba, onde surgindo as primeiras fazendas de gado.
Porém a mais importante penetração dá-se em torno dos anos de 1660-70, quando a região torna-se
“alvo de intensa penetração”, principalmente por baianos e paulistas.

Nessa época, a região, ainda não existia juridicamente como capitania ou província do Piauí.
Durante os 200 anos de duração da colonização, era considerada pelo colonizador como terra de
ninguém, mesmo sendo povoada intensamente de nativos. Juridicamente, pertenceu a princípio a
Pernambuco, depois ao Estado do Grão Pará, criado em 1621, depois transformado em Estado
Maranhão, em 1751. Em 1758, é criada por Carta Régia do rei de Portugal, a Capitania de São
José do Piauí, como um aceno para apaziguar a guerra contínua com as populações nativas e os
conflitos de terra entre sesmeiros e posseiros.

É dificultoso quantificar bem como é quase impossível localizar geograficamente com precisão
rigorosa, a população nativa nas terras piauienses19, nessa época. Os poucos dados e estatísticas
existentes são precárias, contraditórios, confusos e imprecisos, devido ao caráter nômade e da
emigração constante em busca de terras férteis e alimentos, como também pela guerra contínua,
que os obrigava a se locomoverem de um lugar para outro. Tem-se apenas uma idéia aproximada,
das tribos e nações sediadas no baixo, médio e delta do rio Parnaíba, nas cabeceiras e vales do
rio Gurguéia, na serra da Ibiapaba, nas cabeceiras do rio Piauí, na foz e cabeceiras do rio Poty,
nos limites com Pernambuco e na região central do Piauí. A nomenclatura, localização e
quantificação variam entre os autores piauienses. 20

Havia no Piauí, quatro etnias - JÊ, CARAIBA, CARIRI, E TUPI entre diversas e numerosas tribos ou
nações como os Tremembés, Jenipapos, Anapurus, Cupinharós, Amanajás, Precatis, Aramis, Alongás,
Aroás, Amoipiras, Guegês, Jaicós, Pimenteiras, Gilbués, Tapecuás, Timbiras21. Essa população
desenvolvia uma agricultura rudimentar, plantava mandioca, milho e batata doce para se alimentar,
além da caça e da pesca, viviam nus e tinham cabelos cumpridos. Os guerreiros pintavam os corpos
com tinta de jenipapo e urucu, enfeitavam-se com penas de arara, tucano e outras plumagens coloridas,
como a maioria das populações nativas brasileiras e americanas, nas épocas de festas e guerras
quando usavam arco, flecha, lanças e chaporras22.Apesar da guerra de extermínio, as tradições, usos
e costumes e cultura, como crendices, festas, dormir em redes, comer beiju de mandioca, tomar banho
de rios, caçar e pescar, permanecem em alguns hábitos alimentares, familiares e uma nomenclatura
de cidades, além do traço mestiço, resultado da mistura entre o nativo e o nativas, a base da etnia
piauiense. Para suprir a falta de mulheres, o colonizador mantinha vivas as mulheres nativas “de pele
macia e rosto gracioso”, para servirem de concubinas e com quem gerou numerosos filhos23.

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As populações nativas permaneceram em segurança até a chegada do colonizador que traz em si o
germe da violência.

No Piauí, durante o período de meados de 1660 até final do século XVIII, numerosos expedições foram
organizadas com a finalidade de expulsar os nativos de suas terras, aprisioná-los para torná-los escravos
nas grandes fazendas de gado e de lavoura, para combater outras aldeias, como guias em penetrações
nas matas ou para expulsá-los das terras férteis e ricas em minérios e madeira. Eram para “fazer
guerra ao gentio bárbaro” com o apoio das autoridades portuguesas, como as lideradas Domingos
Jorge Velho, pelo Ten.Cel. João do Rêgo Castelo Branco.”24 e José Dias da Silva, designado para
“conquistar” os pimenteiras dos vales dos rios Gurguéia e Piauí : são totalmente dizimados sob o
comando destes militares, por meio de uma guerra, entre 1776 a 1784.

As expedições com 100, 200 até 400 homens, eram equipadas pela própria metrópole portuguesa
que mandava distribuir entre os colonos, recursos, armas de fogo, munição como pólvora, cavalos,
canoas e até grandes barcos para navegarem pelos rios. Como recompensas por terem “limpado o
terreno do gentio selvagem”, recebiam, grandes extensões de terras doadas em sesmarias, tanto pelo
governo português, como pelas autoridades do Ceará, Bahia, Pernambuco e Bahia, para a implantação
de grandes fazendas de gado. Um dos maiores sesmeiros piauienses, Domingos Jorge Velho, chegou
a possuir uma área de 10 a 12 léguas de extensão, o equivalente a 24.000 km225.

Os fazendeiros baianos da poderosa Casa da Torre dos Dias D”Ávila, comandaram diversas
expedições armadas pelos sertões e caatingas, verdadeiros massacres, como o dos Gueguês
nos vales do rio Gurguéia em 1764. Após esses episódio, a Casa da Torre recebe como
recompensa, uma sesmaria de 24 léguas e outra de 30 léguas em 168126.
Após duzentos anos de guerra contínua, os nativos que habitavam as terras onde é hoje o Piauí,
são praticamente extintos. Ao final do século XVIII e início do XIX, encontram-se ainda alguns
“focos” de resistência em algumas vilas, mas o governo da época considera que a capitania do
Piauí, estava “pacificada”, livre dos “selvagens gentios”.

O extermínio dos nativos no Piauí tem uma cronologia elaborada pelo Prof. João Gabriel Baptista, que
inicia no distante ano de 1537 e se prolonga até 1890, quando ainda os se “índios pimenteiras encontram-
se “fazendo incursões no alto Piauí e Parnaguá” no início do século XIX27.
O Piauí era um verdadeiro “corredor de migrações” para os nativos do nordeste fustigados pelo
preadores e pela penetração do colonizador em busca de terras e de braços para a escravizar. As
características físicas e geográficas variadas dos sertões piauiense, como as serras, caatingas, rios,
várzeas abundantes, vales e as chapadas ofereciam excelentes pastos naturais, recursos hídricos,
frutos silvestres, animais de caça em abundância, além de servirem de abrigo e refúgio para as tribos
das vertentes do rio São Francisco e litoral nordestino e da bacia amazônica ou inversamente28. Essas
condições eram favoráveis à ganância do colonizador.

Uma verdadeira caçada aos nativos é empreendida. “Sob o pretexto de que cometiam atos de
pilhagem e homicídios”, eram atacados com tanto furor pelos preadores de “índios que nem mesmo
as crianças eram poupavam29, mortas cruelmente.

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Colonização e extermínio em São Raimundo Nonato

Com a chegada dos brancos baianos, por volta do fim do século XVIII, pelos rios São Francisco e
Parnaíba, inicia-se a colonização dos sertões de dentro. O objetivo aqui é fugir um pouco da abordagem
predominante e apontar o processo de colonização da região onde hoje se localiza o Parque Nacional
Serra da Capivara (século XVIII e XIX), através da guerra de extermínio das populações nativas e a um
provável elo entre elas e as populações pré-históricas30..(70.000 a 2. 000 anos A.C.).

Numerosas batalhas foram travadas com os nativos e no começo do XIX, praticamente não havia
mais nativos na região. A colonização no Piauí começou mais tarde, entre a exploração da cana
de açúcar no Nordeste e a mineração nas Minas Gerais. Mas foi tão brutal que praticamente
apagaram-se os testemunhos da época. Os raros existentes são sucintos e superficiais, mas uma
pesquisa exaustiva e escrupulosa está em andamento, nos Arquivos Público do Piauí, nas paróquias
mais antigas, além da história oral.

Entre as fontes encontradas, confirma-se que os povos nativos da região de São Raimundo Nonato,
dizimados pelo colonizador, eram os Pimenteira, citados com mais freqüência nas crônicas e nos
documentos relativas ao sudeste do Piauí, entre os anos de 1697, 1761, 1776, 1784 e 1818. Refugiando-
se dos brancos colonizadores da região de Cabrobó (Pernambuco) ocuparam uma vasta região entre
os atuais estados do Piauí e Pernambuco, no sudeste, perto do alto do rio Piauí, na fronteira com o
Maranhão E Goiás. Considerados como “índio selvagem”, ou “silvícolas da tribo dos tapuias” pela
documentação, povoavam todo o vale ou a bacia, cabeceiras do rio Piauí, onde é hoje SRNonato.
Viviam em plena liberdade, plantavam e cultivam legumes em terras férteis e caçavam para sobrevirem.
Supõe-se que pertenciam ao tradicional grupo JÊ, por alguns costumes típicos e língua e restos de
cerâmica encontradas nas escavações na Serra da Capivara. São dados ainda precários, à espera
de outras escavações.

Por volta da segunda metade do século XVIII, existia nessa região, mais de 50 fazendas de gado do
“desbravador” Domingos Afonso Mafrense. Com sua morte passaram aos jesuítas como herança. No
rastro dos jesuítas, interessados em catequizar os “selvagens”, vieram os foragidos, aventureiros,
interessados em ocupar a terra, com roçados típica fazenda familiar, tornando-se posseiros.

Alguns relatos referem-se à resignação dos nativos, que não lutaram e sim recorreram imigração,
abandonado a região para se fixarem na fazenda Onça. 30 km da cidade atual de SRNonato
(616). Porém a ocupação das terras pelo colonizador branco , foi feitas com,” luta e resistência
por parte dos nativos”, uma luta sangrenta, com assassinatos, raptos, roubos, depredações. Em
algumas regiões foram totalmente extintos no final do século XVIII. Em outras resistem à escravidão
até as primeiras décadas do XIX.

Em torno da década de 20 do século XIX, foi “declarada” uma guerra que durou 8 anos, quando “sua
majestade, o senhor D. João”, confiou a tarefa a José Dias Soares, capitão de infantaria do estado
maior do exercito, com todo o material suficiente para expulsar e se apoderar das terras dos pimenteiras.
A “conquista” e “pacificação” do território pelo famoso coronel Zé Dias, foi à base da guerra, da
catequese, dos aldeamentos, da escravidão e outros abusos. Os Pimenteira foram expulsos pelos
jesuítas, sesmeiros e posseiros. Os que sobreviveram refugiaram-se “nos matos” das margens do
Tocantins. Há quem acredite que foi o Cel. Zé Dias que evitou “derramamento de sangue”. O seu
objetivo era resgatar um sobrinho seu, José Dias, “Brabo”, raptado pelos nativos há anos atrás.

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As terras usurpadas dos nativos são distribuídas entre familiares, amigos e companheiros da guerra,
transformam-se em várias fazendas de gado, roçados de lavoura. Os sesmeiros e posseiros, vão se
tornando fazendeiros e lavradores, impondo-se pela guerra, aos nativos pimenteira, possivelmente os
ceramistas-agricultores.

A partir daí surgem outros povos, bem como uma nova sociedade, outra organização social, com a
formação das famílias de sertanejos, criadores de gado, cavalos e caprinos. As famílias de sertanejos
viviam nas fazendas , comendo o que plantava, vestindo o que teava com o algodão que produzia, era
hospitaleira, respeitando a Deus, as leis e apego à terra. A convivência familiar ao contrário de outras
regiões era marcada pelo contato amigável.

Predominou a pecuária extensiva de 1780 a 1830, abastecendo a Bahia, Pernambuco, Ceará com
boiadas, em caravanas e com quem mantinha comercio de produtos derivados do leite como a manteiga
de nata, o requeijão. Devido às dificuldades de transporte, as secas constantes, e à pequena produção
agrícola além do desconhecimento de métodos de armazenagem, o desenvolvimento econômico da
região é lento. É uma sociedade rústica de fazendeiros, até 1890, quando a maniçoba torna-se um
produto rentável economicamente. É uma época do progresso da maniçoba, indo até as primeiras
décadas do século XX, tornando os antigos fazendeiros em comerciantes e de conflitos sociais como
a “guerrilha “em Caracol, provocados, entre o os colonos e os “ audaciosos aventureiros” baianos,
cearenses e pernambucanos, atraídos pela industria da maniçoba.

Como a pecuária extensiva, a maniçoba era extrativa, e em pouco tempo “os maniçobais nativos das
caatingas, foram explorados” à exaustão. Dois fenômenos de depredação do meio ambiente. Esses
fenômenos de desmatamento somados às secas constantes, modificaram as características ambientais
da região da época pré-histórica de fauna e flora abundantes.

Algumas considerações finais

A violência da guerra de extermínio dos nativos que habitavam as terras onde é hoje o Piauí ainda não
foi desvendada totalmente, faltam estudos e pesquisas. Falta, ou ainda estar por ser feita, sem dúvida,
uma história essencialmente “indígena” 31.

Ao final de dois séculos de “guerra contínua” os nativos do Piauí, por mais guerreiros e valentes que
fossem, mesmo os mais “ferozes” como os antropófagos, não resistiram. Quem era o selvagem? Os
nativos que foram dizimados ou os europeus “civilizados” que dizimaram tribos e nações inteiras?

Poucos sabem da existência de uma população nativa em terras piauienses. A guerra foi tão violenta
que praticamente apagou a memória dessa população, resgatado atualmente por alguns estudiosos.
A problemática dos nativos piauienses não é tão diferente quanto às outras regiões do Brasil: suas
terras foram expropriadas e o nativo escravizado, expulso ou extinto.

Em quase cinco séculos de resistência e luta, restam umas centenas de “índios” que passaram
para a história como “seres efêmeros” ou “selvagens silvícolas”. Eles são parte não só do nosso
passado como do nosso presente e futuro. Será que no sexto centenário do “descobrimento da
América” haverá talvez algo a festejar?

FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 426


Para uns, a dizimação dos povos nativos deveu-se ao encontro de sociedades diferentes: a européia
e a americana, ou o Antigo e Novo Mundo. Mas vários aspectos contribuíram para a dizimação de
populações inteiras no continente americano, como as doenças (varíola, sarampo, coqueluche,
tifo, catapora, difteria, gripe, peste bubônica e malária), a escravidão, os aldeamentos civis e
religiosos, a fome e as guerras. Juntos provocaram um verdadeiro morticínio, mortandade ou “um
dos maiores cataclismos biológicos do mundo” ou “catástrofe demográfica”32. Para uns, o continente
americano perdeu mais de 2/3 de sua população, enquanto para outros a “de população” foi na
ordem de 95 a 96%33. Em geral os testemunhos dos cronistas tendem a elevar tanto as taxas da
população como o alcance do genocídio. Mas de qualquer maneira fica claro que o continente
tinha uma densidade populacional considerável.

Notas

1
Claudete Maria Miranda Dias. Mestrado em História do Brasil. Universidade Federal do Piauí. E-mail:
clau@ufpi.br
2
PARENTI, Fábio. Les gisements quaternaires de la Toca do Boqueirão da Pedra Furada (Piauí-Brésil),
dans le contexte de la pré-historire américaine. Fouilles, stratigraphie, chronologie, évolution culturelle.
Thèse de doctorat. École de Hautes Études en Science Sociales. Paris, 1993; GUIDON, Niède e outros.
“le plus ancien peuplement de l’Amerique: le paleolithique du Nordest brésilien”. in, Bulletin de la Societé
Pré-historique Française. T. 91; n. 4. paris, 1994(p. 246-250).
3
DIAS, Claudete Maria Miranda . A dizimação das populações nativas do Piauí. Anteprojeto de pesquisa.
UFPI, Teresina, 1992.
4
PARENTI, Fábio. Op. Cit.
5
GUIDON, Niède. “As ocupações pré-históricas do Brasil (excetuando a Amazônia). in, CUNHA, Manuela
Carneiro da. (Org.) . História dos índios do Brasil. São paulo, Cia. das Letras, 1992, p. 42.
6
GUIDON, Niède. “As ocupações pré-históricas do Brasil(excetuando a Amazônia). IN, CUNHA, Manuela
Carneiro da. Op. Cit. p 39.
7
MARTI, José. Nossa América. Antologia. Trad. de Maria Angélica de A. Trajber. Editora Hucitec, São
Paulo, 1983; PRADA, Manuel Gonzales. Páginas libres. Horas de Lucha. Biblioteca Ayacucho, Lima,
s/d; MARIATEGUI, Jose Carlos. 7 ensaios de interpretación de la realidad peruana. Biblioteca Amauta,
Lima, 1989.
8
CUNHA, Manuela Carneiro da. Op. Cit. p. 10.
9
Vide: DIAS, Claudete Maria Miranda. “Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja”. Teresina, Fundação
Mons. Chaves, 1995. Capítulo I: “Em busca dos sertões de dentro” pp.39/58. Nele introduziu-se uma
análise sintética do sistema colonial com destaque para a doação das sesmaria e extinção dos nativos.
10
Vide: PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1979: MELLO
E SOUSA, Laura.(Org.). História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida privada na América
Portuguesa. Coleção dirigida por Fernando Novais. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
11
Vide: DIAS, Claudete Maria Miranda. “Descobrimento ou invasão: eis a questão”. Teresina, Jornal
MEIO NORTE, Caderno Alternativo, quarta feira, 7 de janeiro de 1998. Idem. “Que história é essa de
descobrimento do Brasil!”. Idem. domingo, 24 de maio de 1998, quarta feira, 7 de janeiro de 1998;
BUENO, Eduardo. A viagem do descobrimento. A verdadeira história da expedição de Cabral. - Rio de
Janeiro: Objetiva, 1998.

FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 427


12
No Piauí, a maioria das interpretações baseia-se nas mesmas fontes e no mesmo enfoque teórico-
metodológico, recolhidos nos mais antigos documentos da história piauiense, como a Descrição do
sertão do Piauí do Padre Miguel de Carvalho, em 1697, o Mapa Geográfico da Capitania do Piauí,
de 1761, elaborado pelo engenheiro João Antônio Galúcio e a Descrição da Capitania de São José
do Piauí, escrito pelo Ouvidor Antonio José de Morais Durão, de 1772, além dos viajantes Spix e
Martius de passagem pelo Piauí no início do século XIX, da Memória relativa às capitanias do Piauí e
Maranhão, escrita em 1810 por Francisco Xavier Machado e o Roteiro do Maranhão a Goiás pela
Capitania do Piauí, de autoria desconhecida, publicada em 1900 pela revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro.
13
MOTT, luiz. O Piauí colonial. Teresina, Projeto Petronio Portella, 1975.
14
ENNES, Ernesto. As guerras de Palmares. vol. 1, 1938 e PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí.
Rio de Janeiro, Artenova, 1974 (1a. ed. 1955); OLIVEIRA, Maria Amélia Freitas M. de. A Balaiada no
Piauí. Teresina, Projeto Petronio Portella, 1985; Brandão, Tânia Maria Pires. A elite colonial piauiense:
família e poder. Teresina, Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995. “Descrição da Capitania de
São José do Piauí, 1772. Memória de autoria do Ouvidor Antônio José de Morais Durão. Vide: MOTT,
Luiz R. B. Piauí colonial. População, economia e sociedade. Teresina, Projeto Petrônio Portella, 1985;
BRANDÃO, Tânia Maria Pires. Op. Cit., p. 24, p. 36/37/ 38, p. 47 e 52.
15
Vide: Maria Amélia Mendes de. Op. Cit., p.33/34 e p. 37/38.
16
Reproduzindo o marco estabelecido por PEREIRA D´ALENCASTRE, Op. Cit. e reforçado por
PEREIRA DA COSTA, F. A. Op. Cit. e por NUNES, Odilon Nunes. Devassamento e conquista do Piauí.
Teresina, Comepi, p. 34, todo embasando-se em Rocha Pita. História da América Portuguesa.
1950.Vide: MOTT, Luiz R. B. Op. Cit., no qual esta idéia é encontrada desde as primeiras páginas.
17
NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. vol. 1. Rio de Janeiro, Artenova, 1985. p. 44.
18
CASTELO BRANCO, Moysés. O índio no povoamento do Piauí. Teresina, Artes Geográficas, 1984. p. 9.
19
CHAVES, Joaquim. O índio no solo piauiense. Teresina, Série Histórica, 1953. p. 13.
20
BAPTISTA, João Gabriel. Op.Cit. p. 10.
21
BAPTISTA, João Gabriel. Etnohistória indígena piauiense. Teresina, 1992(datilografado)
22
CASTELO BRANCO, Moysés. Op.Cit.
23
CASTELO BRANCO, Moysés. Op. Cit. p. 19.
24
DIAS, Claudete Maria Miranda. “Memória escondida de uma sociedade”. IN, Revista Presença, Ano
VII, n. 14 - Jan/Jun: 1985. p. 49.
25
CHAVES, Pe. Joaquim. Op. Cit. p.11.
26
Idem .p. 11. e p. 14.
27
CHAVES, Pe. Joaquim. Op. Cit. p.20.
28
CHAVES, Pe. Joaquim. Op. Cit..
29
NUNES, Odilon. Op. Cit. p. 48..
30
NUNES, Odilon. pesquisas para a história do Piaui. Rio de Janeiro. Artenova, 1975. v.1; Idem.
Devassamento e conquista do Piaui. Teresina, Comepi, 1972; CASTELO BRANCO, Moysés. O índio
no povoamento do Piauí. Artes gráficas, Teresina, 1984; CHAVES, Joaquim. O índio no solo piauiense.
Teresina, 1953; BAPTISTA, João Gabriel. Etnohistória indígena piauiense. Teresina, Edufpi, 1994.
31
Está em andamento a organização do livro HISTÓRIA DOS ÍNDIOS DO PIAUÍ, para ser publicado
provavelmente em abril de 2007.
32
CUNHA, Manuela. Op. Cit. p. 12
33
Idem. p.14.

FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 428


Referências bibliográficas

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BAPTISTA, João Gabriel. Etnohistória indígena piauiense. Teresina, EDUFPI, 1994.
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ZWEIG, Stefan. Amerigo: Récit d’une erreur historique. Paris, Edtions Pierre Belfon, s/d.

FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 429


ANAIS DO
VIII SIMPÓSIO NACIONAL DOS PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS DE HISTóRIA

Organizado pelo Prof. Eurípedes Simões de Paula

A PROPRIEDADE RURAL
VOLUME II

LXV
Coleção da Revista de História
Sob a direção do Professor
Eurípedes Simões de Paula

SÃO PAULO - BRASIL


1976
FAZENDAS DE GADO DO PIAUÍ: 1697-1762 (*).

LUIZ R.H. MOTT


do Departamento de Ciências Sociais da Universidade
Estadual de Campinas (SP).

Que no período Colonial - e mesmo até bem perto dos nossos


dias dias - o Brasil era um país fundamentalmente rural, é assunto
amplamente estudado e que farta b:bliografia sobejamente o com-
prova (1):

"Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base


fora dos meios urbanos. .. Os portugueses instaura' am no Brasil
uma civilização de raizes rurais. É efetivamente nas prop"iedades
rústicas que toda a vidà da Colônia se concentra durante os sé,,'u-
los iniciais da ocupação européia: as cidades são virtualmente.
se não de fato, simples dependências delas" (2).

Se tal fenômeno é verdadeiro no que tange às Capitanias que


foram sede dos principais surtos econômicos do passado, a "ditadura
do ruralismo" torna-se muito mais notória naquelas áreas interioranas
que não participaram diretamente de tais ciclos exportadores. A Ca-
pitania do Piauí oferece-nos ótimo exemplo desta tendência centrí-
fuga de povoamento.

(*). - Comunicação apresentada na 1\1 Sessão de Estudos, Equipe B,


no dia 2 de setembro de 1975 (Nota da Redação).
(1). - Azevedo (Aroldo de), "Vilas e Cidades do Brasil Colonial: en-
saio de geografia urbana retrospectiva". São Paulo, Boletim nQ 208, Faculda-
de de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1956.
Reis Filho (N. Goulart), Evolução Urbana do Brasil. São
Paulo, Livraria Pioneira Editora/Editora da Universidade de São Paulo, 1968.
Anais do VII Simpósio da Associação Nacional dos Professores
Universitários de História, "As Cidades e a História", Belo Horizo .. te, 1974.
(2). - Buarque de Holanda (S.), Raizes do Brasil, Rio de JaneLo,
Livraria Jo~é Olympio Editora, 5\1

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
- 344

Descoberto por volta de 1674, o Piauí é povoado de maneira


diversa da das demais Capitanias: seu solo é conquistado partindo-se
do interior (do Rio São Francisco) para o litoral. Foi no vale do rio
Canindé que Domingos Afonso Sertão, considerado como o descobri-
dor destes sertões (3), funda várias fazendas de gado, sendo a mais
importante, a da Aldeia do Cabrobó, que em 1712 é elevada à con-
dição de vila, recebendo o nome de Mocha (4), sendo instalada so-
mente em 1717, ocasião em que o Governador do Maranhão envia
muitas famílias para a nova povoação, inclusive um magote de 300
degredados, com a finalidade de promover seu desenvolvimento (5).
Desde os seus primórdios foram as fazendas de gado que defini-
ram a forma de ocupação do solo e a distribuição dos colonizadores ao
longo do sertão piauiense: já em 1697, apenas um ano após a criação
de sua primeira freguesia, contavam-se em 129 o número de fazendas
de gados, situadas nas margens de 33 rios, ribeiras, lagoas e olhos
d'água limitrofes com as terras dos gentios (6).
Por volta da matade dos Setecentos, de acordo com as informa-
ções do Vigário da principal vila piauiense, a esperança que tais ser-
tões se urbanizassem era ainda muito remota:

"Acha-se situada esta freguesia de Nossa Senhora da Vitóri;l


no centro do sertão do Piauí; não tem outra povoação, vila ou
lugar mais que a vila da Mocha, que consta de 60 mo~adores,
pouco mais ou menos, e pouco ou nenhuns permanentes, por serem
os mais deles solteiros, e se hoje se acham nela, amanhã fazem
viagem e o que avulta nela são os oficiais de justiça. Tem circun-
vizinhos alguns moradores na distância de 1 légua, que tratam de
algumas pequenas roças de mandiocas, milhos a,frozes que nem a
terra admite agricultu;a abundante por mui seca no tempo do
verão e não haver com que regar, e por serem muitas as enchurra-
das no tempo do inve;no. Como a maior parte dos fregueses são
criadores de gado vacum e cavalar e não podem comodamente
morar junto da vila se acham dispersos por vários riachos, moran-

(3). - Pereira d'Alencastre (José Martins), "Memó:ia Chronológica,


Histórica e Corographica da Província do Piauhy", Revista do Instituto Histó-
rico e Geográfico Brasileiro, tomo XX, l Q Trimestre de 1857, p. 5
(4). - Pereira da Costa (F. A.), Cronologia Histórica do Estado do
Piauí, desde os seus primitivos tempos até a Proclamação da República em
1889. Pernambuco, Tipografia do Jornal do Recife, 1909, p. 6.
(5). - Pereira da Costa, op. cit., p. 28.
(6). - Ennes (Ernesto), As Guerras nos Palmares. Rio de Janeiro,
Brasiliana, vol. 127, 1938, p. 370.

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- 345-

do com suas famílias para com comodidade tratarem da criação


de seus gados" (7).

Tentando corrigir esta tendência extremamente dispersa que assu-


mia o povoamento nesta área situada entre as Capitanias do Maranhão
e de Pernambuco (8), D. José I envia uma carta régia ao primeiro
Governador do Piauí, João Pereira Caldas, nos seguintes termos:
"Tendo consideração das grandes utilidades que hão de resul-
tar ao serviço de Deus, e meu, e ao bem comum de meus vas-
salos, de se reduzirem os sertões desta capitania a povoações bem
estabelecidas, para que ao mesmo tempo em que nelas se intro-
duzir a polícia, floresça a agricultura e o comércio, com as van-
tagens que prometem a exten5ão e fertilidade do país. .. mandei
restituir aos índios a liberdade de suas pessoas, bens e comércio ...
fazendo-lhes repartir as terras competentes para sua lavoura e
comércio nos distritos das vilas e lugares que de novo deveis erigir
nas aldeias que hoje têm, e no futuro tive~em os referidos índios, as
quais denominareis com os nomes dos lugares e vilas deste reino,
sem atenção aos nomes bárbaros que têm atualmente, dando a
todas as ditas aldeias e lugares alinhamentos e a forma de gover-
no civil que devem ter" (9).

Dois anos mais tarde, recebe o mesmo Governador outra carta


régia, esta mais explícita, na qual recebe a incubência de fundar oito
vilas na novel Capitania:
"Eu, el Rei... tendo consideração ao muito que convém ao
serviço de Deus e ao meu, e ao bem comum de meus vassalos desta
Capitania, que nela floresça e seja bem administrada a justiça,
sem a qual não há estado que possa subsistir e atendendo a que
a necessária observância das leis se não pode até agora conse-
guir para dela se colher aquele indispensavel fruto que pela vas-
tidão da mesma Capitania, vivendo seus habitantes em grandes
distâncias uns dos out:os, sem comunicação, como inimigos da
sociedade civil e do comércio humano, padecendo assim os des-

(7). - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arq. 1.1.12, Ms.


do Conselho Ultramarino, Relação da F;eguesia de Nossa Senhora da Vitória da
Vila da Mocha, do Sertão do Piauí, do Bispado do Maranhão, pelo Vigário
Antonio Luiz Coutinho, 11 de abril de 1757 (fi. 502/510).
(8). - Até o ano de 1799 tanto o Ceará, como o Rio Grande do Norte e
a Paraiba faziam parte da Capitania de Pernambuco, quando através de uma
Carta Régia de 17 de janeiro, o Ceará passa a ser a Capitania limítrofe ao
sul, com o Piauí. Cf. Studart (Guilherme), Datas e Factos para a História
do Ceará, Fortaleza, Tipografia Studart, 1896, p. 425-426.
(9). - Pereira d'Alencastre op. cit., Carta Régia de 29 de julho de 1759,
p. 150.

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
346 -

cômodos e as despesas de irem buscar os mlgistrados a lugares


muito remotos e longínquos, de sorte que quando chegam os des-
pachos, vem tão tarde, que não servindo para remédio das quei-
xas, lhes trazem somente a rui na dos cabe dais, seguindo-se da-
quela dispersão e separação de famílias internadas em lugares er-
mos e desertos, faltarem-lhes os estímulos e Os meios para se fa-
zerem conhecidos na corte e pa~a serem nobilitados os que o
merecerem, como sucede nas vilas e cidades onde seus habitan-
tes entram na governança delas e se graduam com os cargos de
juizes e vereadores e com os mais empregos públicos e acrescendo
a tudo que até a própria religião padece, não só pela falta da
administração dos sacramentos, mas tambem pela da propagação
do Santo Evangelho, em razão de que os índios que se acham
internados nos matos, não encont:ando outros objetos que não
sejam o de verem os cristãos quase no mesmo estado e fora
da comunicação e da sociedade, carecem dos estímulos que tira-
riam da felicidade em que vissem os habitantes das povoações
civis e decorosas, ou para fugirem para elas, ou pa:a procurarem
viver igualmente felizes em outras semelhantes, e havendo toma-
do na minha real consideração e paternal providência todos os
sobreditos motivos, tenho resoluto que em cada uma das oito
freguesias que compreende este governo, seja fundada uma vi-
la" (lO).

Assim sendo, alem da vila da Mocha que se torna Cidade e Se-


de da Capitania, seis outras freguesias ascendem ao status de Vila:
Campo Maior, Jeromenha, Marvão, Parnaiba, Paranaguá e Valença.
Apesar de diversos moradores terem-se comprometido, quando da
instituição das novas vilas, em construir casas nas sedes das mesmas
(11), o certo é que dez anos depois, tais localidades permaneciam sem
grande melhoria, isto é, despovoadas e insignificantes. Eis o que re-
latava a este respeito o Ouvidor da Capitania no ano de 1772:
"A cidade da Mocha, com 157 fogos e 692 almas, não tem
relógio, casas de Câmara, cadeia, açougue, ferreiro ou out:a
qualquer oficina pública. Se:vem de Câmara umas casas térreas
de barro e sobre o que corre litígio. A cadeia é coisa indigníssima,
sendo necessário estarem os presos em troncos e ferros, para se-
gurança. A casa do açougue é alugada, e de mais, coisa nenhuma.

(lO). - Pereira d'Alencastre, op. cit., p. 152, Carta Régia de 19 de junho


de junho de 1761.
(11). - Eis o número das pessoas que haviam se comprometido a
instalarem residências nas novas vilas: 10 em Parnaguá, 15 em J eromenha,
23 em Marvão, 45 em Campo Maior, 59 na Parnaiba. Cf. Pereira d'Alencastre,
op. cit., p. 70,

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
- 347-

As casas da cidade, todas são térreas, até o próprio palácio do


Governo. Tem uma rua intei~a, outra de uma só face, e metade
de outra. Tudo o mais são nomes supostos; o de cidade, verda-
deiramente, só goza o nome" (12).

Se tal era o panorama "urbano" da principal cidade e capital da


Capitania, coisa pior era de se esperar das vilas restantes. Parnaguá,
com apenas 29 fogos e 191 almas, não possuia sequer uma oficina
pública (13); Jeromenha, situada a 30 léguas da sede da Capitania,
apesar de encontrar-se em lugar cômodo, nenhum aumento tinha tido
até então, pois apesar de ser vila há onze anos, não possuia na sua
sede senão cinco residências. Valença, por seu turno, encontrava-se
"no pior sítio de todo o seu distrito: sem águas, sem pasto o e
outra alguma comodidade necessária para qualquer povo. Tem
uma e:mida de barro, mas arruinada. Não tem câmara, cadeia,
açougue ou outra alguma oficina, e fica numa baixa terrivel
onde se bebe de cacimbas. Tem nove vizinhos" (14).

Marvão ainda ganha de Valença no que se refere à infelicidade


de seu nicho ecológico:
"Esta vila é a pior de toda a Capitania, porque se acha no
sítio mais seco e fúnebre da mesma. Tem únicas três casas ou
moradores para melhor dizer, pois ainda que aquelas são mais,
não tem inquilino algum ... Nem esperança deixa destes aumen-
tos,. por lhe faltarem todos os princípios condizentes para os
mesmos". (15).

Campo Maior é vista pelo Ouvidor Durão, o autor desta descri-


ção, com mais benevolência, localizando-se numa espaçosa e alegre
campina, com 79 fogos e semelhanças de povoação do Reino, inclusi-
ve, desafrontada de matos. Diz que em redor havia muito povo, muita
fazenda e bons sítios (16). A última vila é a de Parnaiba, situada à mar-
gem oriental de um braço do rio do mesmo nome. Segundo as pala-
vras do citado Ouvidor, possuía - uma igreja de pedra de cantaria
assaz mangífica, fazendo uma despesa de quase 200 mil cruzados,
embora estivesse sem uso posto que descoberta. Diz que o principal
negócio que se fazia nesta vila era o da matança de gado. Como

(12). - Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 3, "Descrição da


Capitania de São José do Piauí",

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
348 -

porem os abatedouros estavam arrimados à vila, grandes danos so-


fria a população com o fétido que causa o sangue derramado e mais
miudos de vários milhares de reses que se matavam no pequeno es-
paço de um até dois meses, corrompendo o ar e atraindo grande nú~
mero de moscas e savandijas (17).
Certamente que as esperanças de D. José ao determinar a
criação destas vilas não estavam se realizando a contento: ainda
por muito tempo a população do Piauí vai preferir construir suas
moradias pelas brenhas e sertões, e não no perímetro das vilas e po-
voações (18).
Qual seria a razão da preferência dos habitantes desta reglao
nordestina em fugir das vilas e cidades, e viver dispersos pelo sertão?
Não é a falta de população que explica o baixo índice de urbanização
desta capitania, mas sim, o carater predominantemente extensivo e
disperso que assumiu aí o povoamento:

"A Capitania do Piauí é falta de povoações formadas; não


há falta de povoadores, que mo:am e vivem dispersos em suas
fazendas de gados, as quais requerem para sua boa criação gran-
de extensão de terras. De sorte que se os seus moradores se unis-
sem em povos, basta~iam para formar várias cidades e vilas" (19) .

Desde o início, conforme já o dissemos, a forma de ocupação


do solo piauiense se faz através das fazendas de gado. Nos finais do
século XVII grande parte deste território era partilhado por dois
potentados: o já citado Domingos Afonso Sertão e Francisco Dias
D'Avila, da chamada Casa da Torre (20). Possuiam diversas fazen-
das espalhadas nas beiras dos principais cursos d'água, fazendas es-
tas que eram zeladas por vaqueiros ou camaradas, prepostos seus

(17). - Idem, ibidem, fI. 15.


(18). - Idem, ibidem, fI. 4.
(19). - Nunes (Odilon), Pesquisas para a História do Piauí. Teresina,
Imprensa Oficial do Estado do Piauí, 1966, voI. I, p. 155, nota 55.
(20). - Embora a vida urbana não chegasse a se desenvolver no Piauí,
o fato é que alguns observadores da época julgavam que melho. seria con-
quistar e povoar extensivamente toda a área deste país, mesmo que as ci-
dades fossem prejudicadas pela baixíssima concentração demográfica. A ex-
plicação deste douto viajante, ainda no tempo da Colônia, não deixa de ser
criteriosa: "A experiência tem mostrado, diz este autor anônimo, que os
paises aptos para a criação de gados, tais quais o Piauí, todos abertos e cheios
de campinas, são por onde em menos tempo se adiantam as povoações". Ro-
teiro do Maranhão a Goiás, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Bra-
sileiro, tomo LXII, parte 1, 1900,

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
- 349-

(21). Aos habltantes da vila da Mocha pareceu que eram muito


grandes os danos causados pela concentração de tão grandes lati-
fúndios nas mãos de tão poucos, de modo que através da Câmara
desta cidade, enviam no ano de 1743 uma representação ao Con-
selho Ultramarino dando parte de tal situação calamitosa:

"São extraordinários os danos espirituais e materiais que


tem havido e atualmente experimentam nesta Capitania, origina-
dos da sem razão e injustiça com que os Governadores de Per-
nambuco nos p:incípios da povoação daqueles sertões deram por
sesmaria neles e indevidamente, grandes quantidades de terras a
três ou quatro pessoas particulares, moradores na cidade da
Bahia, que cultivando algumas delas, deixaram a maio~ parte
devolutas, sem consentirem a que pessoa alguma as povoasse,
salvo quem as suas custas e com risco de suas vidas as desco··
brissem :e desvendassem do gentio bárbaro, constrangendo-lhes
depois a lhes pagarem dez mil réis de renda por cada ~ítio em
cada um ano" (22).

Alem das enormes datas de terra obtidas em longa data, isto é,


durante o século XVII, em pleno século XVIII temos notícia que o
Ouvidor do Piauí dera posse à poderosa Casa da Torre de mais uma
fabulosa propriedade que media 180 km. de comprimento, por 120
km. de largura, situada no vale do Crateus (23).
Certamente com vistas a evitar tais excessos que a 14 de outubro
de 1744 é publicada uma provisão do Conselho Ultramarino delimi-
tando o termo de 3 léguas de terra para sesmaria que de então por
diante se tivesse de conceder na Capitania do Piauí (24).
Embora limitadas as datas de terra, o certo é que vigorou na
maioria dos casos, doações bastante generosas, o que levou ao distan-
ciamento cada vez maior de uma fazenda da outra.

(21). - Ao morrer, Domingos Afonso Sertão (tambem chamado "Ma-


frense"), possuia 30 fazendas de gado (e outro tanto de sítios e roças), o
que perfazia aproximadamente 277 léguas de sesmarias, ou seja, 1.206.612
hectares de terra. cf. Nunes (Odilon), op. cit., p. 174.
(22). - Pe'eira da Costa, op. cit., p. 47, Provisão do Conselho Ultra-
marino de 3 de dezembro de 1743.
(23). - Nunes (Odilon), op. cit., p. 147-148.
(24). - Pereira d'Alencastre, op. cit., p. 6.
Boxer (C.R.), A Idade de Ouro do Brasil. São Paulo,

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
- 350-

"As te~ras do Piauí, informava um viajante do século XVIII,


são repartidas aos moradores em sesmarias ou datas de três lé-
guas, cuja cultura consiste na criação de gados, mais vacum que
cavalar. Cada uma das sesmarias forma uma fazenda, deixando-se
uma légua para a divisão de uma e outra fazenda. Na dita lé-
gua entram igualmente os vizinhos a procurar os seus gados, sem
contudo poderem nela levantar casas e currais" (25).

Esta tendência latifundiarista da posse da terra, tinha a nosso


ver, duas razões de ser: não só respondia à cob:ça dos sesmeiros, de-
sejosos de possuirem grandes glebas, mas tambem a necessidade in-
trínseca à prática da pecuária extensiva, posto que, como observou
von Spix e von Martius,

"na ocasião da seca se torna necessário movimentar as boiadas


em g;-andes espaços, alternando pastos para que elas consigam
achar capim seco e frutas (daí) os grandes proprietários das
grandes fazendas não quererem ceder porção alguma de SU:lS
terras (para moradia dos agregados), por considerarem indispen-
sáveis as grandes extensões para atender à criação do seu gado"
(26).

Infelizmente os documentos por nós pesquisados pouco informam


a respeito do tamanho das fazendas que existiam no Piauí espalhadas
ao longo dos cursos d'água. As numerosas doações de fazendas, sí-
tios e datas de terra conferidas pelo Governador do Grão-Pará e Ca-
pitão Geral do Estado, durante toda a primeira metade do século
XVIII especificam apenas a localização das doações em relação aos
rios e lagoas, omitindo porem sua superfície. Tomando como amos-
tra 33 fazendas que pertenceram a Domingos Afonso Sertão, e que
depois de sua morte passaram a ser administradas pelos regulares da
Companhia de Jesus, podemos ter uma idéia aproximada da superfí-
cie média das fazendas existentes no PIauí no século XVIII (27):

SUPERFIClE DAS FAZENDAS DO PlAUI - Século XVIll (em léguas).


comprimento X largura área total frequência.
x 2 2 1
1 x 2;5 2,5 1
1 x 3 3 2

(25). - "Roteiro do Maranhão a Goiás", op. cit., p. 79.


(26). - Von Spix (J .B.), & Von Martius (C.F.P.) Viagem pelo Brasil.
Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1938, p. 419-420.
(27). - Pereira

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
351

x 4 4 4
1 x 4,5 4,5 1
1 x 6 6
1 x 7 7
1,5 x 2,5 3,7
1,5 x 4,5 6,7 1
2 x 2 4 4
2 x 3 6 5
2 x 4 8 3
2 x 2,5 5 1
3 x 3 9 4
3 x 4 12
4 x 4 16 2
5 x 14 70

Através deste quadro notamos que muito embora desde 1697


a Coroa Portuguesa tivesse decretado que as sesmarias não poderiam
ultrapassar a área de 3 léguas de comprimento por 1 de largura, o
certo é que dessa lista 33 fazendas, 29 possuiam superfície superior
ao limite máximo etabelecido por lei.
A razão da existência de fazendas com áreas tão dilatadas se
explica, repetimos, pela maneira como tais terrenos eram ocupados:
a rusticidade do nível técnico dominante na pecuária e a rarefação das
pastagens nos períodos estivais forçavam os proprietários a desejarem
e necessitarem grandes extensões fundiárias.
Conforme observava este arguto escritor ao passar pelo Piauí,

"Pela mudança que há no Piauí tão sensivel nas estações do


tempo, até chega a faltar em muitas partes o mesmo pasto seco,
e toda a extensão do terreno muitas vezes não basta para que ha-
jam lugares onde ele se conserve e se m:mtenham os gados, o que
faz com que os morado es vivam pela maior parte dispersos e
distantes três, quatro e cinco léguas uns dos outros" (28).

Se tomarmos como fonte a Dezcripção do Certão do Peauhy, do


Pe. Coutinho, temos para o final do século XVII o seguinte quadro
de distância entre uma fazenda e outra: (29).

(28). - "Rotei,o do Maranhão a Goiás", op. cit., p. 79.


(29). - Ennes (Ernesto), op. cit., p. 370-389.

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
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DISTÂNCIA EM LÉGUAS DE UMA FAZENDA A OUTRA
(1697)
distância de uma fazenda às adjacentes frequência
1 - 1 1
1-2 4
1-3 1
2-2 18
2-3 14
2-4 3
2 - 5 2
3 - 3 7
3 - 4 6
3 - 5 2
3 - 6 1
3 - 10
4-4
5 - 6
5 - 10
5 - 13

Tais dados comprovam a avaliação feita pelo referido Pe. Cou-


tinho que dizia estarem as fazendas de gado situadas ordinariamente
mais de duas léguas umas das outras (30). Já em 1757, outro vigário
da mesma freguesia (Nossa Senhora da Vitória da Mocha), fazia outros
cálculos:

"Nas beiradas dos riachos assistem os paroquianos, crianrlo


gados vacuns e cavalares, distantes uns dos out··os, t es, qu .. tro,
cinco, seis, sete, oito, dez e mais léguas, por morarem jU,1to dos
possos que ficam nos tais riachos do tempo do inver,.o". (31).

Das 130 fazendas que naquela época arrolava o dito vigário, em


25 está especificada a distância, havendo na maioria dos casos de 6
a 10 léguas utna e outra (32).
Certamente que nem todas as propriedades rurais existentes no
Piauí eram latifúndios. Havia propriedades menos extensas, situadas
geralmente nos brejos e terras mais úmidas, onde uma pequena parce-

(30). - Idem, ibidem, p. 373.


(31). - "Relação da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória da Mocha",
op. cito

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
- 353-

la da população se dedicava à agricultura de subsistência. Muito em-


bora os moradores do Piauí

"se interessavam só na criação dos gados" (33),

uma parte da população sempre se dedicou às lides agrícolas. Já em


1697 referia o primeiro vigário destes sertões que

"nuns olhos d'água a que vulgarmente chamlm 'brejos' nos quais


está situado o Capitão Mor dos Paulistas, Francisco Dias de Si-
queira, com um arrdial de tapuias, tem algumas plantas de fa-
rinha, arroz, milhos, feijões, frutas, como são bananas, batl-
tas ... " (34).

Todos os viajantes, memorialistas e homens públicos que escre-


veram sobre o Piauí na época Colonial são unânimes em referir-se
ao descaso com que os sertanejos tratavam este tipo de trabalho. Du-
as seriam, segundo eles, as principais causas do desprezo que rele-
gavam o setor agrícola: a primeira de ordem ecológica, ou seja, as
más condições climáticas, a ausência de chuvas regulares, a constânc;a
das secas, a pobreza dos cursos d'água, a natureza arenosa e lageada
da grande parte do território. De um total de 33 cursos dágua assina-
lados pelo Pe. Coutinho em 1697, apenas 4 ribeiras eram perenes, de
modo que todos os demais riachos, nascente e mesmo lagoas, só pos-
~miam água no tempo das chuvas, tempo este que segundo informava
um reinol que descreveu a capitania, costumavam chamar euforica-
mente de "verde" (35). Como desenvolver a agricultura num lugar
como aquele onde se situava a vila de Valença, que segundo este
mesmo informante,

"era o pior sítio de todo o territó:io, sem águas, sem pastos e


sem outra alguma das comodidades necessárias para qu:!lquer
povo"? (36).

Por mais que o Governo insistisse em estimular o desenvolvi-


mento agrícola, o resultado sempre foi decepcionante. As tentativas
realizadas por volta de 1798 visando a divulgação do uso do arado,
redundaram em fracasso, pois segundo disseram os lavradores, após

(33). - "Roteiro do Maranhão a Goiás", op. cit., p. 83.


(34). - Ennes (Ernesto), op. cit., p. 379.
(35). - "Descrição da Capitania de São José do Piauí", de Morais Du-

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
- 354-

terem experimentado este instrumento, constataram que seu uso era


impratiêavel, devido à natureza do solo quase todo composto de ca-
tingas, chapadas e matos, preferindo os agricultores mudarem de ter-
reno quando este se esgotava, em vez de utilizar o arado a fim de
tentar revolver a terra e continuar a plantar no mesmo chão (37).
A segunda explicação pelo descaso com que tratavam a agricultura
está na vantagem econômica e na excelência que os piauienses atri-
buiam à pecuária. Com grande parte de seu território coberto pelo
rico capim mimoso (38), apesar das limitações advindas da seca e
da falta de aguadas, o certo é que a pecuária representava para esta
zona sertaneja não só uma saida, mas um grande negócio. Tanto a
Bahia, como o Maranhão, a primeira cultivando notadamente a cana
e o fumo, o segundo, algodão, precisavam durante séculos, da carne
bovina do Piauí. Muito embora tais regiões pudessem desenvolver
mais sua própria pecuária, era-lhes mais interessante ocuparem suas
terras e mão-de-obra com a lavoura comercial, sendo por conseguinte
mais rentavel comprar dos sertões do Piauí as boiadas necessárias para
o consumo interno (39). No Piauí não eram apenas os latifundiários
que preferiam a pecuária, atraidos pelos lucros que auferiam pela sua
prática em terras pouco propícias à outra atividade; desenvolve-se
tambem nesta área como que uma "ideologia pecuarista" que enalte-
cia a atividade criadora, depreciando o amanho da terra. Entre a
gente do povo notava-se

"uma tal inclinação para trabalhar nas fazendas de gados que


p-ocura com empenhos ser nele ocupada, constituindo a sua
maior felicidade em merecerem algum dia o nome de vaqueiro.
Vaqueiro, criador ou homem de fazenda são títulos honoríficos
entre eles e sinônimos com que se dhtingue aqueles, a cujo cargo
está a administração e economia das fazendas" ( 40) .

(37). - Pereira d'Alencastre, op. cit., p. 67.


(38). - De acordo com Renato Castelo-Branco, O Piauí: A terra, o
Homem, o Meio, São Paulo, Livra:ia Quatro Artes, 1970, p. 41,62% das terras
do Piauí são campos, catingas ou chapadas cobertas de pastagens extensas a
se perder de vista.
(39). - Prado Ir. (Caio), Hist6ria Econômica do Brasil. São Paulo,
Editora Brasiliense, 4" edição, 1956, Cap. 8, "A Pecuária e o progresso do
Povoamento do Nordeste".
Furtado (Celso), Formação Econômica do Brasil, São Paulo,
Editora Fundo de Cu'tu~a, 6" edição, 1964, Cap. X, "P. ojeção da economia
açucareira: a pecuária".
Buescu (Mircea), Hist6ria Econômica do Brasil: pe~quisas e
análises. Rio de Janeiro, APEC, 1970, p. 185-188, "A Economia do gado
segundo Antonil".
(40). - "Roteiro do Maranhão a Goiás",

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
- 355-

Inconformavam-se alguns com tamanha preferência e exclusivis-


mo que conferiam os piauienses à pecuária: o Ouvidor Morais Durão
assim se manifestava em sua Descrição:

"As negociações, manufatu~as, tráficos e mais modos de


florecer qualquer estado se reduzem aqui a desprezar tudo o
que é ofício e trabalho, vivendo unicamente de gados e cavalos
que os campos criam, dos frutos que o mato produz e de um
pouco de mandioca que amestradamente plantam" (41).

Consequência dessa extrema especialização pastoril é o modus


vivendi, inclusive a cultura material desta população sertaneja. Con-
forme observou o arguto Pe. Coutinho,
"Comem estes homens só carne de vaca, com laticínios e al-
gum mel que tiram pelos paus. A carne ordinariamente se come
assada porque não há panelas em que se coza; bebem água de
poços e lagoas, sempre turva e muito salitrada. Os ares são muito
grossos e pouco sadios. Desta so~te vivem estes miseráveis hfJ-
mens, vestindo couros e parecendo tapuias" (42).

Como dissemos, nem todos os imóveis rurais existentes no Piauí


durante os séculos XVII e XVIII eram latifúndios, nem tampouco
se dedicavam exclusivamente à criação bovina. Havia propriedades
menos extensas, geralmente situadas nos brejos e terras mais úmidas,
onde plantavam-se gêneros de subsistência. Enquanto que se restringia
o uso do termo fazenda àquelas propriedades onde se criava gado
vacum e cavalar, sítios eram chamados terras onde se cultivava, sen-
do separadas das áreas de criatório. Para o Ouvidor Durão o termo
sítio abrangia igualmente as roças e engenhocas de açucar (43).
Na freguesia da Mocha, por exemplo, relatava seu vigário que
circunvizinhos à vila viviam
"alguns moradores na distância de uma légua, que tratam de
algumas pequenas roças de mandioca, milhos, ar:ozes" (44).

(41). - "Descrição da Capitania de São José do Piauí", op. cit., fi. 18.
(42). - Ennes (Erensto), op. cit., p. 373.
(43). - "Descrição da Capitania de São José do Piauí", op. cit., fI. 1.
É importante notar, como o faz por duas vezes o ouvidor Du··ão, que apenas
os lugares onde se cultivava separadamente das fazendas de gado é que apa-
receram descritas em sua memória como sendo sítios, posto que embora em
muitas fazendas de criatório tambem pudessem ser encontradas engenhocas e
roças de mantimentos, ele as arrolou na categoria de fazendas, pois "seria
isto multiplicar-lhes fantasticamente o número".
(44). - "Relação da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória da Mocha",

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Na freguesia de Parnaguá, por sua vez, referia seu pároco que


na

"fazenda chamada Jacaré, tem uma capela de Nossa Senhora da


Conceição e capelão, com dez mo.·adores que vivem de suas la-
vouras. Mais adiante, a 10 léguas da fazenda Mimosa, tem um lu-
gar chamado Brejo, que terá quinze moradores, terra de roças
e fumos" (45).

De um total de 56 propriedades rurais arroladas em 1757 na


freguesia da Mocha, 53-eram referidas como sendo fazendas de gado,
3 como

"terras de roça" ( 46) .

De um total de 148 doações de terra feitas pelo Governador e


Capitão General do Estado, entre 1728 e 1746, observamos que 99
sesmarias (mais de 66%) aparecem referidas como "sítio", 19 como
"fazenda" e 30 com denominações variegadas, tais como "data de
terra", "lugar", "uma sorte de terras", etc. (47).
Do total de 81 propriedades rurais que possuiam os J esuitas no
Piauí, e que foram confiscadas quando de sua explusão em 1760,
32 eram denominadas como fazendas de gado, 49 como sítios (48).
Até o momento dispomos de quatro informações relativas ao
número total das propriedades rurais existentes no Piauí durante os
século XVII e XVIII: infelizmente apenas numa estão arroladas se-
paradamente os sítios de lavoura das fazendas de gado, de modo que
ficamos em dúvida se nos outros totais estão indu dos tambem os
sítios ou referem-se unicamente às fazendas de cria tório (48 a).

(45). - Instituto Histórico e Geográfico Brasilei:o, Arq. 1.1.12. Ms.


do Conselho Ultramarino, Relação da Freguesia de Nossa Senhora do Livra-
mento do Parnaguá, a última do Bispado do Maranhão, pelo vigário Francisco
da Costa Silva, 1757 (fi. 530-536).
(46). - "Relação da Freguesia de Nossa Senho~a da Vitória da Mocha",
op. cit.,
(47). - Perei:a da Costa, op. cit., p. 37 e seguintes.
(48). - Arquivo Histórico da Secretaria de Estado das Relações Exterio-
res (Itamaratí), Lata 267, maço 2, pasta 1, "Relação de todos os bens de
raiz e por tais seculares, que possuiram e administraram os Regulares da
Companhia denominada de Jesus nesta capitania de São José do Piauí", 25 de
Janeiro de 1762.
(48 a). - Tais são as fontes para este quadro:
1697: Ennes (Ernesto), op. clt., p. 3-,0.
1730: Rocha Pita, História da América Portuguesa. Salvador,
1950, 3\1

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
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NUMERO DE FAZENDAS DE GADO DO P/A UI

Ano Total
1697 129
1730 400
1762 536
1772 578

Sendo a Descrição da Capitania de São José do Piauí, de au~o­


ria do Ouvidor Morais Durão o documento mais completo relativo à
distr.buição das fazendas e sítios desta Capitania, vejamos então,
baseando-nos nele, o que seu autor nos revela sobre este tema. Ini-
cialmente transcrevemos o número e a localização de todos os imó-
veis rurais espalhados pelo Piauí: alem das vilas com seus subúrb:os
(isto é, a área de uma légua em circunferência da sede), arrolamen-
mos as propriedades rurais do distrito, sendo cada local referido com
o nome do principal rio ou ribeira existente no lugar.

FAZENDAS E SI TIOS DO P/AUI (1772).

localidade n9 de fazendas n'l de sítio:,

1. - Oeiras e subúrbio 64
Riachão 10 4
Guaibas 14 2
Itaim 28 1
Talhada 10 5
Canindé 54 16
Piauí 66 11
Total 182 103
2. - Parnaguá e subúrbio

Co~imatá 16 5
Gelbóes 22 4
Paraim 22 2
Total 60 11

1762: "Remmo de todas as pessoas livres e cativas, fogos, fazen-


das da Cidade, Vilas e Sertões da Capitania de São José do Piauí" - A:quivo
Histórico da Secretaria de Estado das Relações Exteriores (ltamaratí), Lata
267, maço 2, pasta 1.
1772: "Descrição da Capitania de São José do Piauí", do Ouvidor
Antônio José de Morais Durão, op. cito

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
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localidade n9 de faz.endas n'! de sítios


3. - leromenha e subúrbio 18
Gorguéa do Poente 19
Beira da Parnaiba 15 23
Gorguéa do Nascente 35 5
Total 69 46
4. - Valença e subúrbio 4 12
Sambito 10 3
Potí da Ponte do Sul 18 6
Serra Negra 14 18
Berlengas 12 7
Total 58 46
5. - Marváo e subúrbio 13
Cais 19 15
Carateus 20 22
Total 39 50
6. - Campo Maior e subúrbio 7
Longá 14 15
Beira da Parnaiba 18 4
Potí da Ponte do Norte 27 14
Serobí 25 16
Total 91 49
7. - Parnaiba e subúrbio 19
termo todo 79 28
Total 79 47
QUADRO GERAL.

Oeiras 182 103


Parnaguá 60 11
Jeromenha 69 46
Valença 58 46
Marvão 39 50
Campo Maior 91 49
Parr..aiba 79 47
Total 578 352

Através destes quadros notamos algumas tendências importan-


tes na caracterização das propriedades rurais do Piauí nas últimas
décadas do século XVIII, a saber:
1). - As fazendas de gado representavam 62,2% do total das
propriedades rurais, os sítios, 37,8%. Malgrado a afirmação cons-
tantemente repetida por viajantes, memorialistas e historiadores de
que só a pecuária vingava no Piauí,

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975
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conforme vimos, como esta estatística do Ouvidor Durão, revelam


que os sítios de lavoura era bem mais numerosos do que se propala-
va. Os documentos, no entretanto, não nos permitem saber muitos
detalhes sobre tais sítios; ignoramos, por exemplo, suas superfícies,
sua estrutura e organização socio-econômicas, etc.
2). - Apenas na vila e distrito de Marvão é que vamos observar
a superioridade do número de sítios face ao das fazendas: apesar de ser
descrita como a

"pior vila de toda a capitania, porque se acha no sítio mais seco


e fúnebre da mesma..... possuindo apenas uma :ibeira mais
consideravel no seu distrito, que é a do Carateus" (49),

não obstante tal quadro aparentemente tão pouco convidativo à agri-


cultura, o mesmo narrador acusa uma superioridade de 12,4% do
número de sítios face ao de fazendas.
3). - No que se refere à localilzação dos sítios e fazendas, nota-
mos que via de regra as fazendas estão situadas fora do sub;.írbio das
vilas, isto é, ao menos distantes uma légua em circunferência das
mesmas, isto com exceção de Valença e Campo Maior, que inexpli-
cavelmente constam como tendo 4 a 7 fazendas, respectivamente,
situadas dentro do próprio subúrbio do vilarejo. Os sítios, por sua
vez, tendem a situarem-se mais perto das sedes "urbanas": 35,7 %, dos
sítios do Piauí estavam localizados dentro da circunferência de uma
légua em derredor das vilas da capitania. A única vila que não pos-
suia nem sítio, nem fazenda no seu "subúrbIo" éra a de Parnaguá,
isto talvez pelo fato de ter

"junto a si um lago com 5 léguas de circunferência" (50).

};; tambem Parnaguá a localidade que possuia o maior número


de estabelecimentos dedicados à agricultura: 103, ou seja, 30% do
total dos sítios da Capitania; em contrapartida, era a freguesia pos-
suidora do menor número de fazendas dedicadas à pecuária: apenas
11 estabelecimentos consagravam-se com exclusividade ao criatório
de gado vacum e cavalar.
Já dissemos anteriormente que um dos principais problemas que
enfrentavam os povoadores do Piauí era a falta de cursos d'água pe-
renes: foi exatamente em vista de se garantirem o abastecimento re-

(49). - "Descrição da Capitania de São José do Piauí", op. cit., fI. 11.
(50).

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gular e constante deste precioso líquido que os moradores tinham


como prática solicitar doações de terra junto e à beira de tais rios
perenes. Tanto as relações nominais de todos os moradores da Ca-
pitania feitas pelos Vigários, assim como a Descrição feita pelo Ou-
vidor Durão tiveram como critério na enumeração das fazendas e
sítios, sua localização à beira ou ao longo dos principais cursos flu-
viais. A este respeito, eis o que refere Pereira d'Alencastre, o ilus-
trado autor da Memória Chronológica, Histórica e Corográphica da
Província do Piauhy:

"As fazendas de gado vacum estão situadas sobretudo nas fral-


das de vários olhos d'água que delas nascem. Para que no sertão
uma fazenda me eça o nome de boa, deve ser primdro bem pro-
vida de água, porque sendo o Piauí mjeito a secas, como tojos os
altos sertões do Brasil, as fazendas faltas de águ~ são as primei-
ras que ficam despovoadas de seus gados" (51).

Para as fazendas situadas distantes dos cursos fluviais perenes, a


solução era levar o gado a beber

"em lagoas e outras águas conservadas em tanques feitos por


indústria dos habitantes, com muito trabalho e moléstia" (52).

Escolhido O lugar para a instalação da nova fazenda, certifican-


do-se da existência de boas aguadas, construia-se em primeiro lugar
um curral onde pudessem ser abrigados os bezerros logo que nas-
cidos. As demais instalações vinham com o tempo e os progressos
da criação. Boxer diz que o primeiro cuidado ao se trazer o gado
para uma nova propriedade era habitua-lo à novel localidade evi-
tando-se desta forma que os animais se perdessem ou se extravias-
sem no meio do mato ou nas fazendas circunvizinhas (53). Não é
difícil imaginarmos as dificuldades que deviam de enfrentar os no-
vos colonos ao chegarem no Piauí, vindos do Maranhão, trazendo
consigo 200, 300 e até 600 rezes de uma só vez (54).
Embora o termo curral, segundo Durão, fosse a maneira como
vulgarmente se chamava às fazendas de gado no Piauí (55), há quem

(51). - Pereira d'Alencastre, op. cit., p. 69.


(52). - "Relação da Freguesia de Nossa Senhora do Livramento do
Parnaguá", op. cito
(53). - Boxer (C.R.), op. cit., p. 246.
(54). - Pereira da Costa, op. cit., p. 37, Informação de 4 de fevereiro de
1727.
(55). - "Descrição da Capitania de São José do Piauí",

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afirme o contrário: que o curral, ou melhor, os currais eram apenas


uma parte das fazendas:

"Em cada fazenda devem haver pelo menos 3 cu:rais, que to-
m::!m diversos nomes conforme o serviço que prestam. Chamam-
curral de vaqueijada aquele em que se recebe o gado que tem
de ser vendido, onde se tira o leite e onde se faz o rol de po:-
teiras; curral de apartar o em que se recebe todo o gado indistin-
tamente para ao depois ser disLibuido pelas diferentes acomoda-
ções; curral de benefício onde se recolhem os garrotes para serem
ferrados e para se fazer as partilhas dos vaqueiros". (56).

Outro autor, o qual diz tcr com toda a miudeza indagado in loco
de um vaqueiro antigo a respeito do funcionamento das fazendas de
gado, refere-se aos retiros como sendo o estabelecimento maior que
compreendia inclusive os currais:

"Retiro é uma certa porção de terras contíguas à mesma fa-


zenda onde há currais e os necessários prepa:ativos para tratar
as crias nas ocasiões em que é preciso separá-las das mães". (57)

Antonil, por sua vez, embora use indistintamente os termos curral


e fazenda, parece, segundo a interpretação de A. Canabrava, con-
siderar o curral como uma parte da fazenda, local onde se reunia o
gado uma vez por ano, para sua partilha. Casos havia de que uma
única fazenda de gado possuia vários currais (58).
Fundar fazenda l~ão era, na maioria dos casos, tarefa facil.
Domingos Afonso Sertão, o mais importante fazendeiro que já tcve
o Piauí em toda sua história, diz em seu testamento que suas fazen-
das estavam situadas

(56). - Pereira d'Alencastre, op. cit., p. 69.


"Antigamente, nas fazendas de criar do Nordeste, levantava-se
primei:amente tem uma cas::! rústica de paredes de taipa e cobertura de duas águas.
Para este mister preferiam-se as palmas da carnaubeira, muito abundantes na
região. Os currais onde introduziam centenas de cabeças, eram armado, com
troncos de árvores deitados sobre forquilhas, fo-mando lozangos ou quadrilá-
teros nas proximidades da casa". Goulart (José Alípio), Brasil do Boi e do
Couro, Rio de Janeiro, Edições GRD, 1965, p. 122 ..
(57). - Machado (F:ancisco Xavier), "Memória relativa às Capitanias do
Piauí e Maranhão (1810)" Revi~ta do Instituto Histórico e Geográfico Bra-
sileiro, tomo XVII, 1854, 3" série, n Q 13, 1Q trimestre, p. 58.
(58). - Antonil (João Antônio) (Andreoni), Cultura e Opulência do
Brasil, (1711), São Paulo, Companhia Editora Nacional, 211 edição, Introdução e
Vocabulário por A. P. Canabra\ a, p. 123; 307

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"em terras que descobri e povoei com grande risco de minha


pessoa e consideravel despesa, com adjutório dos sócios". (59).

Reclamando contra os senhores absenteistas que exigiam aluguel


de suas terras, os moradores da Mocha diziam que foram necessários
muitos gastos e perigos para se conseguir novas terras, sendo nume-
roso e violento o gentio que habitava naquelas áreas ainda não ex-
ploradas (60). Temos mesmo notícia que na zona chamada "Catin-
gas Gerais" - região de Valença - devido à existência do mato
continuado e inferior, e à falta d'água, várias tentativas foram feitas
no último quartel do século XVIII para se tentar ocupar tal espaço,
porem sempre redundaram em fracasso, devendo os interessados
voltar sem mais circunstâncias de seu descoberto (61).
No que se refere aos tipos de terrenos aproveitáveis para a
criação, distinguia-se no Piauí principalmente duas categorias de
pastos: os do agreste e os de capim mimoso, sendo este último o de
melhor qualidade e que por conseguinte maior rendimento dava aos
fazendeiros (62):

"Nas fazendas de pasto agreste, 300 vacas produzem 130 be-


zerros, sendo que as que parem em um ano, descansam o ano
seguinte; nas fazendas chamadas de mimoso, em que o p3sto é
bastante suculento, 300 vacas p:oduzem 250 bezerros anualmen-
te, isto é, sem interrupção. O que se diz acerca do gado vacum é
extensivo ao cavalar" (63).

Infelizmente não conseguimos encontrar nos Arquivos nenhum


inventário setecentista que nos informasse a respeito do número de
animais existentes nas fazendas piauienses. Antonil diz existirem
currais no Nordeste com 200 até 1.000 cabeças de gado vacum, de
tal modo que quando se reunia todo o gado dos vários currais de uma
mesma fazenda, estes chegavam a representar de 6.000 até 20.000
cabeças (64).

(59). - Pereira d'Alencastre, op. cit., p. 144 "Testamento de Domingos


Afonso Sertão, Descob:idor do Piauí".
(60). - Idem, ibidem, p. 47.
(61). - "Descrição da Capitania de São José do Piauí", op. cit., f!. 9.
(62). - Segundo A.A. Miranda, Estudos Piauienses, São Paulo, Com-
panhia Editora Nacional, Brasiliana vol. 116, 1938, p. 142, "o capim mimoso,
talvez a melhor forrageira americana, é sem dúvida fator de riqueza do estado
do Piauí".
(63). - Pereira d'Alencastre op. cit., p. 68.
(64). - Antonil,op. cito p. 309.

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Na falta de dados globais sobre todas as fazendas do Piauí, to-


maremos como amostra as 31 fazendas que foram de Domingos
Afonso Sertão e que, conforme já dissemos, pertenceram em seguida,
até o ano de 1760 aos Regulares da Companhia de Jesus, sendo em
seguida assumidas pela administração governamental (65).

NUMERO DE BOIS E VACAS POR FAZENDA (século XVIll).


n9 de cabeças frequência
até 100 8
1001 a 2000 8
2001 a 3000 10
3001 a 4000 3
5000
6000

A fazenda que possuia o menor rebanho vacum possuia 100


cabeças: era a chamada fazenda Caehé, situada na Inspecção do
Piauí, com a superfície de 2,5 léguas em quadra. A propriedade
possuidora do maior número de reses era a fazenda do Castelo, com
6 .000 cabeças distribuidas em 4 léguas quadradas. Dificil é saber
qual a área média de pasto necessária e disponivel para cada ca-
beça de animal, em se tratando de área de catinga ou de mimoso.
Aparentemente não há uma correlação direta entre o número de lé-
guas das referidas fazendas e o número de cabeças efetivamente pos-
suidas. Assim, por exemplo, enquanto que na Fazenda do Julião, a
mais extensa da Inspecção do Piauí, com 70 léguas em quadra ha-
via somente 1.200 reses, na supra-citada Fazenda do Castelo, com
apenas 4 léguas em quadro, pastavam 6.000 animais, havendo ou-
tras duas fazendas com 4 léguas de extensão que possuiam uma
4.000 animais, e outra, 2.500 (66).
O fato de uma fazenda ser possuidora de muitas léguas de terra
não significava necessariamente que toda sua extensão fosse aprovei-

(65). - Pereira d'Alencastre, op. cit., p. 52 e seguintes.


(66). - Como dissemos alhures, em muitas fazendas alem da criação
de bois e vacas, havia tambem certo número de cavalos e éguas, geralmente
em número inferior ao gado bovino. Tais animais eram criados mais com a
finalidade de servirem aos vaqueiros no pastoreio e transporte das boiadas.
Em 1782, por exemplo, enquanto que Os bovinos representavam, nas ex-
tintas fazendas dos J esuitas, 50.670 cabeças, os cavalos e bestas atingiam apenas
2.870 unidades. (Pe:eira

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tavel e aproveitada de facto, quer para o pastoreio, quer para a la-


voura.
o gado bovino criado no Piauí pertencia à chamada raça "néo-
ibérica", recebendo localment:s< a denominação de araçá, caracú ou
laranja (67). Von Spix e Von Martius descreveram-no com as seguin-
tes palavras:

"O gado bovino é grande e bem formado, distinguindo-se pelos


chifres compridos e pela diversidade do co:orido" (68).

Segundo ,vários autores tanto do passado, como do presente, o


gado oriundo das fazendas situadas em região mais úmida e habituado
ao capim mimoso, era o mais corpulento e o que melhor preço conse-
guia tanto dentro como fora da Capitania, muito embora por ser mais
delicado e sensivel, era o que mais morria nos caminhos segu:dos pe-
las boiadas do Piauí que iam para a Bahia ou para o Maranhão (69).
Segundo os cálculos de um experiente conhecedor da pecuária sete-
centista,

"uma fazenda no seu estado flo~escente, não pode anualmente


produzir mais de 800 até 1.000 crias. Destas, pelo cálculo que
tem feito a longa experiência, não se pode extrair mais do que
uma boiada de 250 ou 300 bois (deduzindo os dízimos e o qmrto
que é estipêndio do vaqueiro). As vacas, que pouco excedem no
número, conservam-se sempre pa~a a multiplicação, sustento e mais
despesas que se fazem nas mesmas fazendas" (70).

(67). - Neves (Abdias), Aspectos do Piauí. Teresina, Tipografia "O


Piauí", 1926, p. 30.
(68). - Von Spix & Von Martius, op. cit., p. 418.
(69). - Nunes (Odilon), op. cit., p. 199-200.
(70). - "Roteiro do Maranhão a Goiás", op. cit., p. 80.
Se tomarmos como exemplo todas as ex-fazendas de Domingos
Afonso Se7tão, que no ano de 1782 possuiam um total de 50.670 cabeças de
gado vacum, e que neste mesmo ano foram delas tiradas 7 boiadas, perfazendo
um total de 1954 animais, constatamos que ou avaliação do crescimento ve-
getativo do referido escritor (300 vacas produzindo em média, por ano, 157, 2
novas crias) não estava correta, ou então, em vez de enviar regularmente toda
a sua produção de garrotes para a Bahia, boa parte deles permanecia nas
próprias fazendas ou tinha outro fim que desconhecemos. Supondo-se que as
vacas constituiam a metade do rebanho permanente - o que não é provavel,
pois conforme vimos, a praxe era conservarem-se nas fazendas apenas as fê-
meas e alguns poucos tomos reprodutores, enviando-se os gaLotes para

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Embora contanto com boas pastagens do capim mimoso, que se-


gundo especialistas no assunto, trata-se talvez da melhor forrageira
americana (71), vários fatores limitavam o desenvolvimento ainda
mais pleno da pecuária no sertão piauiense. Morcegos, insetos, onças
e cobras, ervas venenosas, etc, causavam grandes perdas aos rebanhos
(72). Von Spix e Von Martius falam que notadamente na época em
que faltam as chuvas, grandes epidemias infestavam os bovinos, mor-
rendo rapidamente grandes quantidades de animais (73).
O gado era geralmente criado solto: como não havia cercas di-
vidindo as fazendas umas das outras, e existindo consuetudinariamcn-
te uma légua de terra de uso comum entre as mesmas (74), sucedia
certamente que os animais de um proprietário se misturassem com os
dos vizinhos. A maneira de se evitar tais perdas e descaminhos era
ou marcar com ferro quente o dorso de todos os animais, ou então fa-
zer certos talhos numa das orelhas dos mesmos, de maneira a distin-
guir as reses das diferentes fazendas. Nas fazendas dos Jesuitas, por
exemplo, duas marcas eram utilizadas distinguindo dois conjuntos de
propriedades: os animais pertencentes à chamada "Capela Grande"
eram ferrados com o sinal: Á e os da "Capela Pequena", com o sinal: y
(75).
Variavam bastante, ao longo do ano, os trabalhos exigidos pela
criação bovina. A descrição feita por Von Spix e Von Martius ilus-
tra muito bem o efeito das variações sasonais na organização do tra-
balho pastoril:

"Depende a criação do gado nessas regiões exclusivamente da


chuva. Se no fim de dezembro entrar o tempo das águ:ls, alcan-
ça até os fins de fevereiro o apogeu de sua abundância, e com::ça
então a diminuir de intensidade até fins de ab il. Enchem-~e de
água naquela estação os inumeráveis açudes e covas, a terra amo-

que os 1.954 animais que efetivamente sairam das supra-citadas fazendas re-
presentariam apenas 45,5% do total de animais que potencialmente poderiam
delas ser extraidos. Confira: Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 4,
Ofício dirigido aos Governadores Interir.os, de 27 de setembro de 1786; Caixa
7, Consulta de Martinho de Mello e Castro ao Rei a respeito do que fazer com
as boiadas das Fazendas dos Proscritos J emitas, de 7 de janeiro de 1790.
(71). - Miranda (A.A.), op. cit., p. 142.
(72). - "Roteiro do Maranhão a Goiás", op. cit., p. 80.
(73). - Von Spix e Von Martius, op. cit., p. 418.
(74). - "Roteiro do Maranhão a Goiás", op. cit., p. 79.
(75). - Arquivo Histórico Ultrama:ino, Piauí, caixa 4, 'Relação das
Boiadas que foram das Fazendas pertencentes à Capela Grande e Capela Pe-
quena", de 5 de abril de 1773. Em diversas "Relações" aperecem reproduzidas
na margem, a marca de cada uma das Capelas. Supomos que estas marcas re-
presentavam as letras S.

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Ieee e o pasto cresce luxuriante. Durante este tempo as vacas que


como todo o gado, vivem no campo, são tocadas para os cerca-
dos onde passam as noites, para serem mungidas de manhã e
p~epararem-se os queijos. Do mês de maio em diante, deixam-se
de novo as vacas no pasto. Por vezes acontece passar o mês
de fevereiro sem chuva, e torna-se então impossivel a produção
de queijos, porque O leite não chega a alcançar a quantidade e
gordura necessárias, e as manadas, a não se:em algumas vacas
para o serviço doméstico, precisam ficar sempre nos pastos" (76).

Outro observador, Pereira d' Alencastre, assim descrevia o ciclo


anual dos pecuaristas do Piauí:

"Os meses de novembro e dezembro (fim de verão) são as


épocas mais abundantes de produção. Fazem-se as vaqueijadas
duas vezes no ano nas fazendas de grande criação, e isto sucede
nos meses de janeiro e junho. Porem nas pequenas fazendas, uma
só vez. Os meses de janei:o e junho são o tempo mais feliz do
fazendeiro e mais divertido para os vaqueiros que se empenham
em provar muita perícia no exercício de suas funções. Nesses
meses se fazem tambem as vaqueijadas do gado grande, que tem
de ser remetido para as feiras ou vendido nas porteiras dos currais
aos negociantes ambulantes" (77).

Antes de encerrar estas páginas, vejamos o que os documentos


nos ensinam a respeito do valor representado pelo gado bovino no
decorrer do século XVIII.
Segundo os peritos da época, um boi "gordo e capaz de matalo-
tagem" pesava entre 9 e 12 arrobas ao sair da porteira do curral (78):
no caso de ser transportado, ou melhor, comboiado para a Bahia, a lon-
ga caminhada de mais de 22 léguas, fazia-o perder muito peso. Não
só as boiadas chegavam desfalcadas (vários animais ou se extraviavam
ou morriam pelo caminho), como os animais que conseguiam chegar
à feira de Capoame, no Recôncavo baiano, tinham perdido às vezes
até 1/3 de seu peso ao iniciar a jornada de uma capitania para ou-
tra (79).

(76). - Von Spix & Von Martius, op. cit., p. 418.


(77). - Perei:a d'Alencastre, op. cit., p. 68.
(78). - Idem, ibidem, p. 80.
(79). - Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 4, "Relação de
todas as boiadas saidas das Fazendas confiscadas aos Regulares da Companhia
de Jesus, enviadas à feira da Capoame na Bahia", de 1770 a 1788, datado de
20

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Uma arroba de carne bovina custava no açougue da vila da


Mocha, em 1727, 80 réis (80), passando a valer, entre 1752 e 1754,
aproximadamente 200 réis (81). De acordo com as Posturas e Taxas
estabelecidas pela Câmara do Senado da vila de Campo Maior, tais
eram, em 1764, os preços máximos dos animais (82):

PREÇOS MAXIMOS DOS BOVINOS (1764).


1 vaca grande e gorda 1$500
1 vaca inferior 1$200
1 boi grande e gordo,
capaz de matalotagem 1$920
1 boiote 1$600

Na Bahia, na feira da Capoame, o principal mercado da pecuária


piauiense, o preço dos animais não parece ter aumentado gradativa-
mente ao longo de quase dois decênios: tomando como exemplo as
34 boiadas das fazendas que foram dos J esuitas, pertencentes apenas
à Inspecção de Nossa Senhora de Nazaré, temos os seguintes dados:
entre 1770 e 1788 foram enviados 9.711 bois para a Bahia. Destes,
quando os vaqueiros e tangedores vendiam alguns pelo caminho, seu
preço importou em média, 1~914. Na feira de Capo ame, no entretanto,
os animais tiveram seu valor oscilante entre 3$000 e 4$500, sendo seu
valor médio, 3$641. As vacas, por sua vez foram geralmente vendidas
entre 2$300 e 4$700, apresentando o valor médio de 3$094 (83).
Salvo erro, a última boiada enviada à Bahia partindo destas
fazendas foi a do ano de 1788, pois os Administradores das fazen-
das reais decidiram a partir de 1789 que era mais rentavel aos cofres

(80). - Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 1, "Informação


de Antônio Marques Cardoso a respeito da marchanteria da Vila da Mocha",
de 23 de setembro de 1727.
(81). - Arquivo Histó -ico Ultramarino, Piauí, Caixa 6, "Preço de dife-
rentes gêneros e fazendas do Piauí, 1752-1754".
(82). - Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 3, "Posturas e
Taxas da Vila de Campo Maior", de 24 de agosto de 1764. Esta lista de taxas
encontra-se, com pequenas modificações, reproduzida igualmente em Pereira
da Costa, op. cit., p. 79 .
(83). - Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 4, "Mapa de
todas as boiadas que têm saido das Fazendas de Gado do Real Fisco desta
Capitania desde o ano de 1770 até 1788 inclusive." 2 de março de 1789. Es-
tamos p:eparando para breve um trabalho relativo às fazendas de Gado dos
Jesuitas do Piauí, dando particular atenção à essa estatística que vem assinada
pelos três membros da Junta Governativa da Capitania, José B. da Silva,
João Paulo Diniz e José Pereira

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da metrópole vender as reses a quem as quizesse por conta própria


se encarregar de revende-las na Capoame, em vez de continuar a
prática herdada ainda o tempo dos Jesuitas, de os próprios vaqueiros
e tangerinos das fazendas comboiarem os animais (84). Assim sen-
do, nos meados de 1789, vendiam-se nas porteiras das fazendas da
Inspecção de Santo Inácio do Canindé, bois dos pastos mimosos, a
3$000, os dos pastos agrestes, a 2$600; na Inspecção de São João do
Piauí seu valor foi, indistintamente, de 2$800, enquanto que os ani-
mais procedentes da Inspecção de Nossa Senhora de Nazaré foram
arrematados ao valor de 2$500 cada um (85).
Não temos notícia de que no Piauí se fizesse, como na Ilha
Grande de Joannes (Marajó), as chamadas "caça ao boi", em que
vaqueiros e peões armados de espingardas, perseguiam as reses sel-
vagens criadas no mato, abatendo-as in loco, tendo, apenas o trabalho
de tirar a pele do couro, posto que a carne possuia pouco valor co-
mercial (86). Von Spix e Von Martius falam que havia muita abun-
dância e fartura de gado no Piauí quando por lá perambularam; con-
tam mesmo que era praxe levar-se à porta do viajante que passasse
por aqueles sertões, um belo boi, utilizando-se o forasteiro de sua
carne, muito ou pouco, a seu bel prazer (87).
Se compararmos os preços do gado bovino com outros gêneros
corrente no Piauí, notaremos que efetivamente a principal fonte de
rendas desta capitania - tanto dos particulares, como tambem dos
cofres públicos (88) - tinha baixa cotação no mercado interno. Entre
1752-1754, v.g., uma arroba de carne de vaca custava no Piauí,
$200 réis, ou seja, aproximadamente $013 réis cada quilo. Três ovos
de galinha custavam pouco mais do que um quilo de carne; com o
valor que se pagava a um queijo flamengo ou a um chapéu "multo
ordinário", podia-se comprar o equivalente a 73 quilos de carne bo-
vina. Um par de meias de seda ordinária valia o exorbitante preço de
4$000, ou seja, quase a mesma quantia que se pagaria por dois bois
dos mais gordos e mais corpulentos (89).

(84). - Idem,ibidem.
(85). - Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 7, "Consulta de
Martinho de Mello e Castro ao Rei a respeito do que fazer com as boiadas das
Fazendas dos Proscritos Jemitas," de 7 de janeiro de 1790.
(86). - Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, 1-31-17-8, "Ca;ta
de Francisco da Silva Castro informando sobre as fazendas de gado dos
extintos jesuitas da Ilha de Marajó", Pará, 29 de dezembro de 1866.
(87). - Von Spix & Von Martius, op. cit., p. 447 ..
(88). - A respeito dos dízimos do gado vacum, consulte-se a lista das
arrecadações de cada uma das vilas entre os anos de 1791 e 1804, in Pereira
d'Alencastre, op. cit., p. 70-71.
(89). - Arquivo Histórico Ultrama~ino, Piauí, Caixa 6, "Preço de di-
ferentes gêneros e fazendas do Piauí".

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Por volta de 1764, vemos que pelo preço de uma vaca gorda e
grande podia-se comprar 5 galinhas, ou 5 patos, ou 2 perús, ou 3 fras-
cos de aguardente comum. Se se tratasse de aguardente de boa qua-
lidade, trocava-se 2 vacas das melhores, por 2 frascos e meio de tal
bebida. Dois freios de cavalo ou dois pares de esporas valiam mais
do que um boiote. Era preciso o equivalente ao valor de duas vacas
das melhores para se mandar fazer uma porta de uma casa, vindo esta
acompanhada de seu portal (batente). Em se tratando da confecção
de um vestido, caso o tecido fosse ordinário, o oficial alfa' ate cobrava
o equivalente a duas vacas; caso fosse um vestido de veludo, ou de se-
da, aí então seu feitio representava o tanto quanto valiam 3 vacas das
melhores. Um par de botas custava mais do que 2 vacas inferiores
(90) .
Afinal, "o que era um boi, para quem tinha 5 boiadas"? (91).

(90). - Arquivo Histórico Ultramarino, Piauí, Caixa 3, "Posturas e


Taxas da Vila de Campo Maior", de 24 de agosto de 1764.
(91). - OBSERVAÇÃO FINAL:
Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla que estamos
desenvolvendo, tendo como tema o estudo da composição e dinâmica da po-
pulação residente nas fazendas do Piauí ent~e os anos 1697 e 1762. Baseando-
nos principalmente na "Dezcripção do Certão do Peauhy Remetida ao IIm Q
e Rm Q Sr. F:ei Francisco de Lima, Bispo de Pernambuco", escrita pelo Pe. Mi-
guel de Coutinho (Ennes, E. 1938, op. cit.,) , datada de 1697, e na "Relação
dos Róis de Desobriga", esc~ita em 1762 pelo Pe. Dionísio José de Aguiar
(op. cit.,) estamos tentando analisar as principais características demográficas
dos estabelecimentos rurais do Piauí, tais como o número de fogos por fazen-
das, a quantidade e qualidade das pessoas residentes em cada fogo, a composi-
ção dos grupos domésticos, a importância de cada grupo étnico, a po·centagem
de esc "avos e livres por fazenda, os diferentes grupos profissionais ligados à
pecuária e à lavoura, etc. É por essa razão que neste primeiro artigo limi-
tamo-nos a descrever e analisar apenas a estrutura e orga:1ização "material"
das fazendas piauienses, deixando para proximamente o estudo da com-

Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH • Aracaju, setembro 1975

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