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Narrativas em tempos de crise: diálogos interdisciplinares 161

Do corpo escrita ao corpo-casa: O Quarto


Império e o Sótão em Isabela Figueiredo1
Roberta Guimarães Franco
Universidade Federal de Minas Gerais

Quando Pierre Nora cunhou o conceito de “lugares de memó-


ria” também definiu que a necessidade desses espaços se deu di-
ante do desaparecimento da memória: “Fala-se tanto de memória
apenas porque esta desapareceu” (2016, p. 51). Quase quarenta
anos após a publicação de Le Lieu de mémoire (1984) é muito
comum ver o conceito aplicado de forma ampla e irrestrita, muitas
vezes voltado para a ideia de “lugar” e “memória” de forma estan-
que, ignorando o valor ritualístico pensado por Nora como a fun-
ção dos “lugares de memória” para uma comunidade/coletivida-
de, como forma de restituir parcialmente algo perdido, que não
será mais experienciado como elemento naturalmente comparti-
lhado; por isso, “os lugares de memória são, antes de mais, restos”
(2016, p. 57). Nesse sentido, fazer uma associação entre o concei-
to de Nora e a ideia de escrita, compreendendo-a por si só como
um lugar de memória, significaria ignorar a necessidade ritual de
comunicação com o passado e com uma comunidade, necessidade
implícita ao conceito. No entanto, quando a escrita irrompe o es-
paço privado, e as percepções individuais chegam ao espaço pú-
blico por meio do livro, podemos refletir sobre o papel que este
objeto desempenha, especialmente quando a matéria da narrativa
é, ela mesma, uma reunião de restos do passado.
Quando essas questões são aplicadas a um contexto específi-
co, como o pós-25 de abril português, período de redemocra-
tização após um século XX atravessado pelo Estado Novo e por
mais de uma década de guerra na África, a importância de anali-
sar a literatura – e o livro como seu objeto de materialização –

1
Este texto é parte do projeto “Poder e silêncio(s): a pós-colonialidade entre o discurso
oficial e a criação ficcional”, financiado pela FAPEMIG.
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como “lugar de memória” ganha uma significativa relevância. Sendo as-


sim, penso aqui o período após a Revolução dos Cravos como tempo de
crise, não como continuidade daquela vivenciada durante o Estado Novo,
mas como um momento ainda de significativa instabilidade, especialmente
quando se fala em políticas de memória2. O último quartel do século XX
português precisou encarar o esfacelamento de um forte imaginário cultu-
ral, entranhado por uma vaga noção de Império, sustentada pelos discursos
do Estado Novo3 e pela posse das colônias africanas.
Portanto, a relevância dos objetos culturais não apenas como forma de
revisitação do passado, mas como um tipo de “vitrine” dos problemas que
permanecem silenciados retoma a questão apontada por Nora como ele-
mento essencial para o “lugar de memória”: a necessidade de comunica-
ção; ou ainda o que Aleida Assmann, ao recuperar o trabalho de Greenblatt
sobre o Renascimento, destaca como “circulação de energia social”, ou
seja, os vestígios que ultrapassam o tempo por meio da “chamada vida dos
textos literários em suas condições materiais” (2011, p. 194).
Nesse sentido, este texto propõe abordar dois romances de um tempo de
crise recente, publicados no século XXI, acerca de episódios ainda conside-
rados tabus para a história portuguesa. Dois romances de Isabela Figueiredo,
escritora portuguesa nascida em Moçambique – identificação apresentada
nas orelhas dos livros e complexa por si só4 –, que mexeram com memórias
soterradas de um colonialismo tardio, além de colocar em evidência a tão
silenciada perspectiva feminina: Caderno de memórias coloniais (2009) e A
gorda (2016). Pensar essas obras como lugares de memórias significa reco-
nhecer o potencial comunicador das narrativas criadas por Isabela Figueiredo.
Tal potencial pode ser verificado tanto por uma perspectiva mercadológica,
pelo sucesso de vendas das obras e pela visibilidade midiática alcançada5,
como pela relevância acadêmica que vem ganhando, dando origem a diver-
sos trabalhos científicos. Portanto, para além de poderem ser lidas como “lu-

2
HUYSSEN, Andreas. Passados presentes: media, política, amnésia. Tradução: Ana Fabíola Maurício.
In: ALVES, Fernanda Mota Alves; SOARES, Luísa Afonso; RODRIGUES, Cristiana Vasconcelos.
Estudos da memória: teoria e análise cultural. Famalicão: Edições Húmus, 2016, p. 379-398.
3
ROSAS, Fernando. Salazar e o poder: a arte de saber dura. Lisboa: Tinta da China, 2018.
4
É inegável a necessidade de reflexão sobre os impactos dos processos migratórios, especialmente
aqueles relacionados às descolonizações, no que convencionalmente chamamos de sistemas literários,
a partir de uma noção de nacionalidade.
5
Não só em Portugal, como no Brasil, com a participação da escrita na Festa Literária Internacional
de Paraty, em 2018, por exemplo.
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gares de memórias”, Caderno de memórias coloniais e A gorda configuram-
se também como elementos de uma “história pública”6 sobre a colonização
portuguesa em Moçambique, o seu fim, o processo migratório dos chamados
retornados, além de abrir caminho para um importante debate sobre questões
geracionais para o Portugal contemporâneo.
No caso das obras de Isabela Figueiredo, para além da “função” comuni-
cante como “lugares de memórias” e da relevância como elementos de “his-
tória pública” – ambas situações alcançadas pela circulação e aceitação
pelo público (não sem certa polêmica no caso do primeiro livro) –, a escrita
em si também atua como “medium de autocomunicação, da relação dialógica
consigo mesmo” (ASSMANN, 2011, p. 205), já que há um relevante cará-
ter testemunhal na produção da escritora. Neste texto, o interesse não será
abordar o cunho autobiográfico/autoficcional dos livros, mas analisar como
há um desdobramento, a partir das perspectivas das narradoras, de um “cor-
po-escrita” em Caderno de memórias coloniais – que dialoga de forma
mais direta com a vivência no espaço colonial moçambicano pensando a si
mesmo como parte do próprio sistema colonial – para um “corpo-casa” em
A gorda – que não só expande a experiência para o espaço português pós-
25 de abril, como também para outras questões que vão além da relação
como retornada, embora essa condição permaneça como crucial na forma
como a narradora vê a si mesma.
Christine Greiner, ao pensar as teorias que envolvem o estudo do “cor-
po”, reflete sobre os variados nomes que indicam os caminhos de descri-
ção do corpo. Desde a origem do latim corpus/corpuris, que remeteria ao
corpo morto, passando pelas definições gregas de soma (corpo morto) e
demas (corpo vivo). Greiner conclui que as diversas formas de nomear o
corpo demonstram a preocupação “de estabilizar algo em torno de um
objeto para que este represente o que resiste ao que poderia ser desfeito –
a solidez como espécie de solidariedade entre seus componentes, a coe-
rência, a coesão e a figurabilidade ou a face própria para cada entendi-
mento de corpo” (2005, p. 17. Grifo meu). Assim, a perspectiva por meio
de “pontes transdisciplinares” adotada para pensar o corpo não de forma
compartimentada, mas da anatomia às suas ações no mundo, é também
mote para analisar os romances de Isabela Figueiredo, metaforizados en-

6
ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; DE OLIVEIRA ROVAI, Marta Gouveia. Introdução à História
Pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011.
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tre o “corpo-escrita” e o “corpo-casa”, como um ato de memória sobretu-


do de um corpo que “resiste ao que poderia ser desfeito”. É inevitável,
portanto, recorrer às ideias de Merleau-Ponty, especialmente se associar-
mos a imagem de resistência ao corpo vivo: “Só posso compreender a
função do corpo vivo realizando-a eu mesmo e na medida em que sou um
corpo que se levanta em direção ao mundo” (1999, p. 114); ou ainda, para
refletirmos sobre a tomada de consciência que significa a transformação,
no ato de narrar, do corpo-escrita e do corpo-casa, já que para o filósofo,
o corpo “[...] não será mais um simples resultado das associações
estabelecidas no decorrer da experiência, mas uma tomada de consciên-
cia global de minha postura no mundo intersensorial, uma ‘forma’” (1999,
p. 145).
Para abordar as percepções do corpo-escrita no Caderno de memórias
coloniais, no entanto, é necessário destacar a existência de duas versões da
obra: a primeira publicada em 20097, composta por 43 partes, e a edição
(6ª) revista e aumentada, composta por 51 partes, publicada em 2015. Não
me deterei aqui aos elementos pré e pós-textuais, como entrevista e apre-
sentações, mas destacarei diferenças pontuais entre as versões que impactam
na leitura desse corpo que escreve suas memórias e as entrelaça especial-
mente ao corpo do pai, anunciado implicitamente como morto – “[...] não
podes ser tu; tu já morreste” (2011, p. 9; 2015, p. 35) – nas duas versões.
Ressalto aqui o uso do “implicitamente” pois há uma diferença considerá-
vel entre as versões no que diz respeito à dedicatória do livro, já que na
primeira, a referência só aparece ao final – “À memória do meu pai” – e na
segunda abre o livro, antes mesmo das epígrafes – “Ao meu pai”. Sendo
necessário ainda observar que a ideia de memória (referência explícita à
ausência e morte) é suprimida da segunda versão.
Ultrapassadas as epígrafes8, as versões do Caderno também apontam
para uma outra supressão. Iniciada com a imagem da partida de África e
por um eu que de imediato assume a narração – “Manuel deixou o seu
coração em África. Também conheço que lá tenha deixado dois automó-
veis ligeiros, um veículo todo-o-terreno, uma carrinha de carga [...]” (2011,

7
Aqui utilizarei a 5ª. edição da obra, publicada pela Angelus Novus em 2011.
8
O livro apresenta duas epígrafes, uma de Inventar a solidão, de Paul Auster, e outra de Os que
sucumbem e os que se salvam, de Primo Levi. A primeira aborda a ausência do pai e o sentimento do
filho como invasor da sua intimidade ao mexer nas gavetas e armários, enquanto a segunda trata da
inconstância da memória, que pode alterar as recordações ao longo dos anos.
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p. 11; 2015, p. 37) – a conclusão da brevíssima parte 1 será distinta nas
duas versões: “Quem é que não foi deixando os seus múltiplos corações
algures? Eu já há muitos anos que o substituí pela aorta” (2011, p. 11); já a
edição de 2015 não apresenta a afirmação após a pergunta, encerrando a
parte 1 com a questão: “Quem é que não foi deixando os seus múltiplos
corações algures?” (2015, p. 37).
Esses dois exemplos de modificação na edição revista e aumentada po-
deriam demonstrar um certo afastamento/amadurecimento diante do emba-
te estabelecido no primeiro momento de escrita com o que significa a me-
mória do pai. Na nova edição, publicada 6 anos após a primeira, a figura do
pai deixa de ser um elemento distante, permeado pela memória de um cor-
po morto, ao mesmo tempo que aquele coração que havia sido substituído
pela aorta desaparece, dando lugar apenas à pergunta retórica que reconhe-
ce que todos deixam seus corações por aí. Ou seja, as duas alterações, rea-
lizadas pela supressão, apontam para a permanência da existência, do pai e
do coração, no sentido sentimental e não meramente mecânico, no caso do
coração, representado pela referência à aorta.
No entanto, as supressões em nada alteram o teor geral da obra, que
permanece como um lugar (caderno) em que o corpo-escrita se manifesta,
ao mesmo tempo, como autoconhecimento e como purgação. Ambos os
movimentos operam no enfrentamento do passado – e com ele da figura
paterna – vivido no espaço colonizado de Lourenço Marques (atual Mapu-
to). Reconhecimento de que, mesmo ainda criança, era uma espécie de pro-
longamento do colonizador que era o pai, o que é perceptível em momen-
tos em que o “eu” da escrita se inclui em um “nós”: “Os criados eram
pretos e nós deixávamos-lhe gorjeta se tivessem mostrado os dentes, sido
rápidos no serviço e chamado patrão. Digo nós, por que eu estava lá” (2015,
p. 47-48, grifo meu), ou ainda “Em Moçambique era fácil um branco sentir
prazer de viver. Quase todos éramos patrões, e os que não, ambicionavam
sê-lo” (2015, p. 50, grifo meu).
O enfrentamento do passado também acompanha a narradora no seu
deslocamento para Portugal, como filha não só daquele pai colonizador,
mas como resultado de um projeto maior, como uma “portuguesa de segun-
da”, nascida em África e agora como “retornada”9. O corpo-escrita passa,
9
Denominação utilizada para referenciar o grupo de portugueses (e seus filhos nascidos nas colônias)
que retornam a Portugal a partir da Revolução dos Cravos, nos anos finais de guerra antes das
independências. Estima-se que o movimento migratório tenha atingido cerca de 500.000 pessoas.
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assim, a se compreender como uma espécie de duplo, purgando a memória


do lugar que ocupa nos dois espaços, ou ainda, o seu não-lugar. Em
Moçambique, como a menina branca filha do colonizador, “com as tranças
louras, impecavelmente penteadas, perante essa criança negra empoeirada,
quase nua, esfomeada, num silêncio que nenhum sabe o que dizer, miran-
do-se do mesmo lado e dos lados opostos da justiça, do bem e do mal, da
sobrevivência” (Figueiredo, 2011, p. 134); e em Portugal, como o retrato
vivo daquilo que se tenta apagar, da derrota do Império, daquela África que
se quer como algo longe, e não como uma presença interna, mesmo que
branca: “‘Ah, não gostas de bofe com arroz? Andaste a roubar os pretos e
julgas que havemos de te servir camarão num prato de ouro!’. [...] Passa
muito tempo até termos voz [...]. Até não nos importarmos de ser apenas
umas cabras, párias de sangue e da raça.” (2011, p. 115). O corpo-escrita é
ao fim o de uma “desterrada”, o que “é também uma estátua de culpa”
(2011, p. 134).
Portanto, é também movido pelo sentimento de culpa que lhe é imposto,
que o corpo-escrita de Caderno de memórias coloniais não transita não só
entre os dois espaços, mas também entre os tempos: “Já estou aqui, contu-
do ainda lá estou. Na verdade, todo o passado, presente e futuro ali se fun-
diram, naquela viagem, eu só posso falar usando as palavras de fronteira,
de transição, manchadas, duais que aí se formaram” (2011, p. 107) Estar
“aqui e lá” demonstra que não se trata apenas de um mero distanciamento,
mas de uma espécie de fusão, que só se torna possível da materialização da
escrita. Nesse sentido, para Aleida Assmann:

As escritas do corpo surgem através de longa habituação, através


de armazenamento inconsciente e sob a pressão de violência. Elas
compartilham a estabilidade e a inacessibilidade. Dependendo do
contexto, serão avaliadas como autênticas, persistentes ou prejudi-
ciais. Quando se trata de descrevê-las, a estrutura material da me-
mória desempenha papel essencial (2011, p. 260).

Entre a estabilidade e a inacessibilidade, é importante destacar o papel


desempenhado pelas fotografias que entrecortam a narrativa do Caderno,
já que essas parecem cumprir uma dupla função. Ao mesmo tempo em que
reforçam o caráter autobiográfico do livro – especialmente se pensarmos
pela perspectiva de “pacto” com o leitor a partir de Philippe Lejeune –,
corporificam a imagem da menina branca, de cabelos loiros, que agora como
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corpo-escrita reconhece o significado da própria imagem naquele espaço
colonizado. E volto a Assmann, para pensar esse lugar da fotografia como
entalhe, no caderno e no corpo-escrita: “Não apenas a escrita, também a
fotografia tem sido utilizada para descrever o fenômeno de uma entalhadura
do corpo. Na metáfora da fotografia como vestígio do real destaca-se a
imediação do entalhe” (2001, p. 265).
As fotos, embora em quantidade representem parte pequena do livro
(cinco na primeira edição e sete na edição revista e aumentada), são ele-
mento importante para destacar o “aqui” e o “lá” onde o corpo-escrita se
situa. Não demarcam apenas a distância entre a infância retratada nas
imagens e o olhar que narra seu passado como filha do colonizador, mas
ressaltam o contraste com a linguagem que, no presente da escrita reco-
nhece, se reconhece com uma traição. As singelas imagens em preto e
branco da menina loira, a menina que deveria manter a narrativa sobre a
colonização, desdobram-se no corpo-escrita da mulher adulta que conta-
rá a sua “verdade”:

Venham falar-me no colonialismo suavezinho dos portu-


gueses...Venham contar-me a história da carochinha.
As pessoas não mudam. Um branco que viveu o colonialismo será
um branco que viveu o colonialismo até ao dia da morte. E toda a
minha verdade será para eles uma traição. Estas palavras, uma trai-
ção. Uma afronta à memória do meu pai. Mas com a memória do
meu pai podemos bem os dois (2015, p. 211).

A transição da menina das fotos para a narradora que compreende o


seu lugar no passado (lá) e no presente (aqui) é também um movimento
de reencontro com o mundo, não mais visto pelo olhar do pai, mas en-
frentando a sua memória que ainda se impõe. Portanto, é somente como
corpo-escrita que se torna possível trair o mundo do pai e compreender
a própria experiência. Como afirma Merleau-Ponty: “[...] será preciso
despertar a experiência do mundo tal como ele nos aparece enquanto
estamos no mundo por nosso corpo, enquanto percebemos o mundo com
nosso corpo. Mas, retomando assim o contato com o corpo e com o
mundo, é também a nós mesmos que iremos reencontrar [...]” (1999, p.
278).
É o reencontro do corpo consigo mesmo uma espécie de mote para o
livro publicado em 2016: A gorda; apresentando a um só tempo uma conti-
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nuidade das memórias do Caderno e um desdobramento que distancia sig-


nificativamente as duas obras10. O corpo de Maria Luísa, que tem a sua
forma destacada no título do livro, constrói a sua narrativa a partir de me-
mórias que se espalham pelos cômodos da casa. Por isso, antes mesmo que
o corpo seja apresentado, logo no primeiro parágrafo do livro – “Quarenta
quilos é muito peso. Foram os que perdi após a gastrectomia: era um se-
gundo corpo que transportava comigo” (2018, p. 17) – o sumário indica ao
leitor o percurso pelas partes da casa, da “porta de entrada” ao “hall”. Por-
tanto, é sobre um corpo-casa que falarei aqui, pois os quarenta quilos que
Maria Luísa carregava também estavam distribuídos por esse complexo
espaço de memórias11, que conjuga as relação da narradora-personagem, a
história familiar e o processo histórico de Portugal pós-25 de abril. Nesse
sentido, é impossível não convocar as ideias de Gaston Bachelard em A
poética do espaço, entendendo que a casa é “[...] uma das maiores (forças)
de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem.
[...] O passado, o presente e o futuro dão à casa dinamismos diferentes,
dinamismos que não raro interferem, às vezes se opondo, às vezes excitan-
do-se mutuamente” (2003, p. 26).
A forma como Isabela Figueiredo estrutura o seu romance, com a narra-
dora-personagem evocando as suas memórias ao transitar, em cada capítu-
lo, pelos cômodos da casa, reverbera a noção de integração abordada por
Bachelard, levando à ideia de corpo-casa trabalhada aqui. O tratamento
dado ao passado é um exemplo claro dessa integração, já que Maria Luísa
não retoma uma vivência anterior – não há em A gorda rememorações so-
bre a vida na colônia, apenas pouquíssimas menções, voltadas mais ao fato
dos pais terem regressado a Portugal depois dela –, circunscrevendo o seu
corpo a partir daquele lugar.
10
Não é intenção deste texto analisar a mudança de uma abordagem autobiográfica em Caderno de
memórias coloniais para uma perspectiva autoficcional em A gorda, evidenciada, aqui de forma
simples e a partir das postulações de Phillippe Lejeune (2008) e de Phillippe Gasparini (2014), pela
mudança do nome da narradora-personagem no segundo romance (Maria Luísa). Destacamos ainda
a reflexão da professora Eurídice Figueiredo ao apontar que “Em romances recentes, de jovens
escritores (sobretudo), mesmo quando se trata de puras ficções, alguns elementos biográficos
presentes no paratexto (quarta capa, orelha) e/ou no próprio texto, indiciam uma escrita de cunho
autobiográfico ou uma autoficção” (2013, p. 13), como é o caso da “Advertência” presente em A
gorda: “Todas as personagens, geografias e situações descritas nesta narrativa são mera ficção e
pura realidade” (2018, s.p.).
11
Aqui, evitar usar o termo “lugar de memória” pelos motivos apresentados no início do texto, não há
uma função ritual-comunicante, como a prevista por Nora em seu conceito, no espaço em si da casa,
ela é sobretudo um meio para Maria Luísa acessar as suas memórias.
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No entanto, é importante salientar que, como a abordagem aqui leva em
consideração a ideia de crise, a casa do romance A gorda não está propria-
mente de acordo com os valores de abrigo apresentados por Bachelard. A
casa como “um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de
estabilidade” (2003, p. 36) não é possível para Maria Luísa, primeiro por
não ser a casa da infância, o que se desdobra na condição de retornada da
narradora-personagem. A casa em si não permite estabilidade, nem tampouco
a recuperação de uma imagem de infância refúgio, é já a casa do retorno,
destino inevitável pós-25 de abril, que se desdobrará no espaço da doença e
morte do pai e anos depois no mesmo percurso de desfecho da mãe:

Quando regressaram, os papás não conceberam a ideia de voltar às


terras onde tinham nascido, porque haviam conhecido demasiado
mundo para conseguir estabelecer-se na província. Isto nunca se
disse, mas estava implícito. Tinham-me mandado para Portugal em
1975, imediatamente após a independência, e, como eu fora acabar
a minha solitária excursão na Cova da Piedade, em casa da tia Ma-
ria da Luz, não foram mais longe. A Outra Banda era o braço direito
da capital, descontraída e multicultural como a Lourenço Marques
dos remediados, donde vieram. Por isso compraram aqui a casa onde
acabaram os seus dias, e na qual vivo. Foi o Destino, ao qual nin-
guém foge, nem os próprios deuses (2018, p. 21-22).

Se o Caderno de memórias coloniais apresenta a intensa relação com o


pai, identificando-o às memórias sobre Moçambique e à necessidade de
repensar uma versão dominante sobre a história colonial, A gorda, igual-
mente desde a sua dedicatória – “Para a minha mãe” –, estará voltada majo-
ritariamente ao convívio compartilhado com a mãe no espaço da casa. Nes-
se sentido, se a casa não é abrigo/estabilidade, por outro lado, está ligada à
imagem materna, considerada a “verdadeira força” familiar: “O papá mar-
ca a minha vida porque tudo começou com ele, que não era sequer o mais
forte nem poderoso de nós os três. Afirmá-lo é uma injustiça para a mamãe,
essa sim, a verdadeira força” (2018, p. 87-88).
A relação familiar em A gorda é marcada pelos diferentes trânsitos do
“retorno”. Maria Luísa é enviada para Portugal logo após a independência,
enquanto seus pais ainda permanecem em Moçambique. Assim, acompa-
nhamos o desenvolvimento da narradora-personagem a partir da sua (pré-
)adolescência, mas já condicionada à sua imagem de retornada em Portu-
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gal. Exemplo evidente de como ser “retornada” era uma marca na socieda-
de portuguesa daquela época é a forma como os que chegavam de África
eram aproximados a partir da sua origem comum assim como do seu desti-
no “desterrado”, como é o caso de Maria Luísa e Tony:

Tony chegou a meio do primeiro período, no início de uma noite


de novembro, durante o jantar. Assim que deram ordem para nos
levantarmos da mesa, o senhor diretor chamou-me à pequena sala
de visitas de paredes forradas a madeira envernizada, na qual se
encontravam penduradas as fotos emolduradas das melhores alu-
nas, e apresentou-ma.
É a Antónia, veio de Angola e os pais ainda por lá ficaram, como
os teus. Têm tudo em comum para se apoiarem e serem amigas”
(2018, p. 24).

É possível perceber como a relação é construída por uma interferência


externa e não de forma natural, pautada na condição de retornadas que as
duas carregavam. No entanto, não é este o ponto central que marcará o
contato entre as personagens, mas a opressão que Luísa se autoimpunha,
motivada pelas diferenças entre o seu corpo e o corpo de Tony: “[...] era
magra, bastante direita, e usava Levi’s muito justas, torneando a perna fina,
a barriga chata e o peito pequeno. Eu era gorda, com alta miopia, barriga e
mamas a sério” (2018, p. 25). Ou seja, a relação é forjada em constante
dubiedade, a proximidade da origem, ambas vindas das colônias, e a dife-
rença dos corpos. As duas construções alimentadas pelos olhares externos,
no entanto, a última parece ser a questão forte para Luísa, despertando
desejo pelo corpo outro e repulsa pelo corpo próprio.
Logo, a ideia de corpo-casa em A gorda admite um duplo movimento: o
do difícil entendimento do próprio corpo como casa possível, espaço de
desejos, especialmente por meio das experiências sexuais, vivenciadas so-
bretudo com Davi, em uma relação de idas e vindas – “Mete as mãos sob a
minha camisola e levanta-me o sutiã, soltando-me as mamas, [...]. Afunda
nelas a boca, lambendo-as [...]. Aperta-me a barriga e as nádegas,
alternadamente, cravando nelas as garras. É só a carne a ser agarrada com
gadanhas de fome” (2018, p. 38-39); mas principalmente, na leitura aqui
apresentada, como corpo que se integra à casa, ao lugar dividido com os
pais após o retorno de África, onde lida com as suas memórias, mas tam-
bém com aquelas impostas pelos pais, por meio dos elementos que com-
Narrativas em tempos de crise: diálogos interdisciplinares 171
põem a decoração, como extensão dos colonizadores que eram em
Moçambique:

A selva da mamã transcendia a minha escassa tolerância estética.


Considerava-a uma pessoa de prolixo mau gosto, antiquada e
assaloia. Tinha vergonha do tropicalismo e desdenhava a casa, des-
tilando a minha raiva em sugestões desagradáveis sobre o seu aspeto,
com secura e amargor. Não se podia negar que eu tinha nascido em
Moçambique, que estava impregnada desses coloridos ares do sul,
mas todos os meus amigos eram portugueses, e entre nós não se
falava de África, que tinha ficado para trás. Odiava os papás acaba-
dos de chegar de Moçambique. [...] Parecia-me tudo gente congela-
da no tempo e na ideologia, incapaz de se adaptar, esquecer, perma-
necer e avançar (2018, p. 57).

Da avaliação sobre a decoração da casa, que passa rapidamente para a


leitura que faz dos pais como pessoas presas ao imaginário da colônia (e da
colonização), a narrativa se volta para o próprio corpo no parágrafo imedi-
atamente a seguir: “O meu corpo continuava a manifestar tendência para
alargar. Não era conforme” (2018, p. 57), como se o olhar que considera a
casa extravagante também encarasse o corpo da mesma maneira, como algo
que sobra e incomoda. Movimento semelhante ao destinado à mobília que
chega de África e não encontra lugar no novo espaço ocupado pela família:
“A maior parte do caixote de dois metros e meio de altura e largura por
quatro de comprimento foi diretamente para o sótão [...]” (2018, p. 54).
As memórias que compõem a narrativa fragmentada e não linear de A
gorda estão constantemente atravessadas por uma noção de sobra, de algo
que não se encaixa, que não cabe, deslocado – do próprio corpo à relação
amorosa com Davi, da mobília que veio de África à presença dos pais. Maria
Luísa, ao percorrer os espaços da casa enquanto rememora, parece tentar
reconstruir um elo perdido, mas ao mesmo tempo compreendendo que tal
tentativa será em vão. Por isso afirmei anteriormente que a casa não repre-
senta a ilusão de estabilidade pensada por Bachelard, pois Maria Luísa não
pode encontrar nela a rememoração de algo que não aconteceu, de um perío-
do em que a vida familiar foi interrompida: “Quando afirmo que ao chegar de
África nenhum deles era capaz de me olhar como adulta, talvez queira dizer
que nunca fui capaz de me vez como adulta junto deles. [...] Fui criança e
depois mulher, e o que ficou pelo meio perdemo-lo os três” (2018, p. 76).
172 Narrativas em tempos de crise: diálogos interdisciplinares

Dessa forma, a narrativa não deixa de um ser um reencontro, que não


pode ser reconstrução daquilo que se perdeu. A casa é o lugar desse reencon-
tro, mas é também o marco das despedidas, da doença do pai e da sua morte,
e anos mais tarde do mesmo percurso com a mãe, da doença à morte. De
algum modo, o corpo-casa de A gorda retoma o corpo-escrita do Caderno de
memórias coloniais, fazendo da escrita aquilo que Aleida Assmann chamou
de arma eficiente “contra a segunda morte social, o esquecimento” (2011, p.
195). Não à toa, a imagem dos cadernos e do blogue surge em A gorda: “Nas
horas livres, poucas, finalmente os livros, o cinema e o teatro, uma ou outra
exposição. [...] Escrevo nos meus cadernos e no blogue sobre tudo o que me
interessa, indigna ou perturba. Falo muito pouco” (2018, p. 198).
Nesse caminho entre o corpo-escrita e o corpo-casa, das narrativas que
atuam como “medium de comunicação” e dos livros como “lugares de
memórias”, é inegável que a conexão também é estabelecida por aquilo
que se quer esquecer. A tentativa de apagamento é metaforizada nos dois
livros por meio de um mesmo espaço: o quarto-Império, criado pela narra-
dora do Caderno: “Criei o quarto-Império, para onde atirei aquilo que não
consigo libertar-me ainda, e, dentro dele as caixas-Império. Venham bus-
car. Uma pessoa precisa de tempo para conseguir atirar o passado borda
fora” (2015, p. 216-217); e revistado pela narradora de A gorda: “Quando
a mamã morreu desmontei a sala de jantar e transformei-a no quarto impé-
rio. No espaço enorme, armazeno as mobílias e objetos do caixote de
retornados, aos quais espero dar destino. O quarto império é o caixote que
veio de Moçambique [...]” (2018, p. 153).
Em ambos os livros, os pertences dos pais, que são também os restos da
vida na África, bem como da infância das narradoras – onde não eram
desterradas, mas tão pouco eram parte –, materializam vivências que que-
rem ser esquecidas. Para a narradora de Caderno de memórias coloniais
criar o quarto-Império parece fazer parte do mesmo processo de construção
do corpo-escrita, mas caminhando em sentidos opostos: a escrita do cader-
no como forma de acerto de contas com o passado, enquanto o quarto re-
presenta aquilo que ainda não foi possível digerir. Já para a narradora de A
gorda é o desfecho de um ciclo, encerrado com a morte da mãe e, apesar
disto, a relação entre o quarto e passado parece ser mais apaziguadora.
Para além do quarto-Império, há também nos dois romances referências
a um sótão, que aqui nomeio de sótão-memória. Por isso, volto a Bachelard
quando chama a atenção para a casa que se complica quando tem “um
Narrativas em tempos de crise: diálogos interdisciplinares 173
porão e um sótão, cantos e corredores” (2003, p. 27), já que, tanto em Ca-
derno de memórias coloniais como em A gorda, o sótão surge de forma
sutil, assim como no espaço de uma casa, está lá sem se mostrar no centro.
O sótão-memória é acessível diante daquilo que se quer recordar, mas tam-
bém é um espaço à parte do ambiente doméstico, no qual não se transita
corriqueiramente, justamente como o lugar que guarda o que se quer es-
conder, ou metaforicamente sublimar. Não à toa, é ao sótão que a narradora
de A gorda recorre – “Mas eu voava na casa do sótão, e o milagre compen-
sava. Contentava-me. Nos dias piores, para me sentir viva, escrevia os meus
cadernos” (2018, p. 97) –, não para qualquer atividade, mas escrever, es-
crever cadernos, enquanto a narradora de Caderno de memórias coloniais
só esvazia o sótão “por imperativos do condomínio” (2015, p. 215), demar-
cando mais uma vez uma diferença entre as duas, assim como a relação
com o quarto-Império. Em comum entre as duas, o mesmo sótão que guar-
da os despojos e “recordações de um tempo que acabou, e de um espaço
que já não é nosso” (2018, p. 128).
Assim, corpo-escrita e corpo-casa se manifestam nas duas obras de
Isabela Figueiredo e desaguam na ambiguidade própria da memória, ser
voluntária e involuntária, estar constantemente entre o que se quer lembrar
e o que se deseja esquecer. Ou ainda, e voltando a Aleida Assmann, como
esses corpos conduzem à memória, já que esta “pode ser controlada pela
inteligência, pela vontade ou por uma nova situação de necessidade, e pro-
porcionar uma nova disposição das lembranças” (2011, p. 34). Nesse senti-
do, se os romances podem ser lidos como “lugares de memória” para a
sociedade portuguesa pós-25 de abril, pois, assim como o conceito de Nora,
“nascem e vivem do sentimento de que não existe memória espontânea”
(2016, p. 57), o sótão desempenha, no interior das narrativas, um papel
semelhante, como local de “visitação” das narradoras, onde elementos que
não fazem mais parte da memória comunicável podem ser acessados.

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174 Narrativas em tempos de crise: diálogos interdisciplinares

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