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LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE


(LEI Nº 13.869, DE 5 DE SETEMBRO DE 2019)

01. OBJETO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE –

A Nova Lei de Abuso de Autoridade vai dispor dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade. No entanto, essa
nova lei tem reflexos em outras legislações. Vejamos:

1.1. Lei de Prisão temporária – A Nova lei de Abuso alterou a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989 – Lei
de Prisão temporária.

A Lei 7.960 de 1989 foi alterada. De acordo com o art. 2º, § 4º-A, o mandado de prisão conterá necessariamente o
período de duração da prisão temporária estabelecido no caput deste artigo, bem como o dia em que o preso
deverá ser libertado. Conforme o § 7º do art. 2º, decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade
responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente
o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da
prisão preventiva. Vale destacar que o § 8º do mesmo artigo determina que inclui-se o dia do cumprimento do
mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária.” (NR)

1.2. Lei de Interceptação Telefônica – A Nova lei de Abuso alterou a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996 –
Lei de Interceptação Telefônica.

De acordo com o novo texto legal do Art. 10 da Lei 9.296 de 1996, constitui crime realizar interceptação de
comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da
Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Nesses casos, a pena será de reclusão,
de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Conforme o parágrafo único, incorre na mesma pena a autoridade judicial
que determina a execução de conduta prevista no caput deste artigo com objetivo não autorizado em lei.

1.3. Estatuto da Criança e do Adolescente – A Nova lei de Abuso alterou a Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente passa a vigorar acrescida do art. 227-A. De acordo com o novo
dispositivo, os efeitos da condenação prevista no inciso I do caput do art. 92 Código Penal, para os crimes
previstos nesta Lei, praticados por servidores públicos com abuso de autoridade, são condicionados à
ocorrência de reincidência. Ainda, conforme o parágrafo único, a perda do cargo, do mandato ou da função,
nesse caso, independerá da pena aplicada na reincidência.

1.4. Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - A Nova lei de Abuso alterou Lei nº 8.906,
de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), que agora passa a vigorar
acrescida do seguinte art. 7º-B. Conforme o novo dispositivo, constitui crime violar direito ou
prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei, cuja
pena será de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.’”

1.5. Revogação completa da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 – A Nova lei de Abuso (Lei 13.869 de
2019) revogou, por completo a Lei 4.898 de 1995.
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1.6. Revogação do Art. 150, §2º do CP – Violação de Domicílio majorada –


O crime de violação de domicílio, previsto no art. 150, §2º do CP, previa um aumento de pena na hipótese de o
crime ser cometido por funcionário público. Esse dispositivo, conforme entendimento doutrinário, encontrava-
se revogado implicitamente pela Lei 4.898 de 1965. Agora, conforme o art. 44, temos uma revogação
expressa.

Código Penal – Violação de domicílio

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de
quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

(....) § 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais,
ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.

1.7. Revogação do Art. 350, §2º do CP – Exercício arbitrário ou abuso de poder –

O crime de Exercício arbitrário ou abuso de poder previsto no art. 350, do CP, trazia condutas que eram
previstas na Lei de Abuso de Autoridade. Conforme entendimento doutrinário, encontrava-se revogado
implicitamente pela Lei 4.898 de 1965. Agora, conforme o art. 44, temos uma revogação expressa.

Código Penal - Exercício arbitrário ou abuso de poder –

Art. 350 - Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou
com abuso de poder: (Vide Lei nº 13.869, de 2019) (Vigência)

Pena - detenção, de um mês a um ano.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre o funcionário que:

I - ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa
de liberdade ou de medida de segurança;

II - prolonga a execução de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de


executar imediatamente a ordem de liberdade;

III - submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado
em lei;

IV - efetua, com abuso de poder, qualquer diligência.


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CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

02. ARTIGO 1º – DISPOSIÇÕES GERAIS –

2.1. Introdução –

Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou
não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido
atribuído.

A nova lei de abuso de autoridade tipifica como crimes várias condutas que ferem diversos direitos e garantias
individuas da Constituição Federal de 1988, especialmente no art. 5º. A autoridade pública deverá sempre agir de
acordo com a legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência visando resguardar os direitos
constitucionalmente previstos. Todos nós, inclusive o Estado, tem interesse no bom serviço prestado, no normal
funcionamento do serviço público, bem como no prestígio que a administração pública tem. Nesse sentido, renasce
a nova lei de abuso, que visa punir com rigor os agentes públicos que agem em desconformidade com a lei.

2.2. Elemento Subjetivo –

§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas
pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

Assim como na antiga lei anterior (Lei N. 4.898 de 1965), os crimes de abuso de autoridade são dolosos, não
sendo punido na forma culposa. No entanto, a nova lei de abuso trouxe um dolo com uma finalidade específica: de
prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
Ausente o dolo específico, não há que se falar em crime de abuso de autoridade. O membro do MP deverá,
obrigatoriamente, indicar na peça acusatória. Caso não o faça, a denúncia deverá ser rejeita, conforme previsão
no art. 395, inciso I do CPP. Nesse sentido, reforça o art. 41 do CPP que a “denúncia ou queixa conterá a
exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos
quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”

2.2.1. Dolo Eventual – Conforme o entendimento de Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, os crimes
previstos na Lei 13.869 de 2019 não poderão ser praticados na forma de dolo eventual, por haver
incompatibilidade. (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 ,
1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019, p. 13)

Em sentido contrário, o Professor Renato de Lima Brasileiro sustenta que “o fato de o delito comtemplar
um fim especial de agir, como ocorre nos crimes de abuso de autoridade, não afasta a possibilidade de o
delito ser imputado ao agente a título de dolo eventual. (...) Não há incompatibilidade qualquer
incompatibilidade entre as duas figuras.” (DE LIMA, Renato Brasileiro, Nova Lei de Abuso de
Autoridade – Lei 13.869/19, 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2020, p. 36)
De acordo com o referido autor, de forma expressa, o legislador exigiu dolo direto (afastando o dolo
eventual) em três crimes. Vejamos:

• Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária
competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia:
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Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.


Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente do impedimento ou da demora,
deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a prisão,
deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja.

• Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio
manifestamente ilícito:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou
fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

• Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa
fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

2.3. Crime de Hermenêutica -

§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso


de autoridade.

A Hermenêutica é uma ciência, que tem por objeto a interpretação de textos jurídicos. Logo de início, o projeto de
lei que foi efetivado nesta lei trazia o crime de hermenêutica, punindo a interpretação do operador do direito, da
lei. O objetivo do dispositivo legal foi o de coibir o “crime de hermenêutica”, assim compreendida como toda e
qualquer figura delituosa que procure criminalizar a interpretação jurídica, fática ou probatória, que o agente
público dê aos fatos que são trazidos para sua apreciação. (DE LIMA, Renato Brasileiro, Nova Lei de Abuso de
Autoridade – Lei 13.869/19, 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2020, p. 38). Assim, conforme o art. 1º, §2º, a divergência
na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade. Vejamos os
seguintes exemplos:

• Princípio da Insignificância – Imagine que, em virtude de um furto de carnes nobres avaliados em R$


200,00, o Membro do MP, ofereça a denúncia contra o sujeito e, na peça acusatória, fundamente seus
motivos. O Juiz rejeita a denúncia por entender ser aplicável o Princípio da Insignificância. Nesse caso,
apesar de divergência na interpretação, o Membro do MP não poderá ser responsabilizado pelo crime do
art. 30 da Lei de Abuso de Autoridade.

• Súmula Vinculante 25 – Conforme o teor da súmula, “É ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade de depósito.” Imagine que um Juiz, sabedor do teor da súmula, resolva
decretar prisão civil de um desafeto seu em virtude dos seus descumprimentos como depositário. Nesse
caso, o Juiz poderá responder pelo crime do art. 9º.

2.3.1. Interpretação Esdrúxula – A interpretação esdrúxula, teratológica, absurda não é permitida. As


divergências devem pautar na razoabilidade. Assim, se o operador do direito, da lei, fizer uma
interpretação totalmente em desacordo incorrerá no crime de abuso de autoridade, se presente o dolo
específico.

2.3.2. Natureza Jurídica – Excludente de Tipicidade – O art. 2º, §2º excluirá a tipicidade do crime,
especificamente no dolo do agente. (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade –
Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019, p. 19)

CAPÍTULO II
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DOS SUJEITOS DO CRIME

03. ARTIGO 2º – DOS SUJEITOS DO CRIME

Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não,
da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:
I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II - membros do Poder Legislativo;
III - membros do Poder Executivo;
IV - membros do Poder Judiciário;
V - membros do Ministério Público;
VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.
Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce,
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação
ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão
ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.

3.1. Sujeito ativo próprio – O art. 2º trata do sujeito ativo dos crimes previstos nesta lei. Assim como na antiga
Lei 4.898 de 1965, trata-se de crime próprio, que exige uma qualidade especial – ser funcionário público.
Destaca-se que, para fins do crime de abuso de autoridade, não importa a forma de investidura no cargo, ou
se não há estabilidade. Basta que tenha algum vínculo formal com a administração pública.
Os crimes de abuso de autoridade são classificados como crimes funcionais, uma vez que são praticados por
autoridade pública e dentre os bens jurídicos protegidos temos o regular funcionamento da administração
pública.

3.2. Rol Exemplificativo – Conforme expressamente previsto no dispositivo, trata-se de um rol


exemplificativo, no qual o legislador elencou algumas autoridades que poderão praticar o crime de abuso de
autoridade.

Nesse sentido, o mesário eleitoral enquadra-se dentro do conceito de agente honorífico e, portanto, poderá
responder por abuso de autoridade, tendo em vista que é considerado funcionário público apenas para fins
penais;

Outro exemplo que podemos citar é a figura do defensor dativo, ou seja, o defensor nomeado. Ocorre quando a
Defensoria Pública não dispõe de quadros suficientes para atender a demanda por assistência jurídica gratuita,
sendo necessária a nomeação do defensor dativo. O advogado dativo, portanto, não pertence à Defensoria Pública,
mas exerce o papel de defensor público, ajudando, por indicação da Justiça, o cidadão comum. Já decidiu o STJ que
também é sujeito ativo do crime de abuso de autoridade.

Informativo 579 - Defensor Dativo é equiparado a funcionário público para fins penais.
"O advogado que, por força de convênio celebrado com o Poder Público, atua de forma remunerada em defesa dos
agraciados com o benefício da Justiça Pública, enquadra-se no conceito de funcionário público para fins penais
(Precedentes)" (REsp. n. 902.037/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 17/4/2007, DJ de
4/6/2007). Precedentes. Sendo equiparado a funcionário público, possível a adequação típica aos crimes previstos
nos artigos 312 e 317 do Código Penal.

3.3. Autoridades de férias, de licença e fora da função –


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Nesses casos, a autoridade poderá sim praticar crime de abuso de autoridade, uma vez que as férias e a licença
não extinguem o vínculo funcional com a administração pública. No entanto, vale ressaltar que as autoridades
devem invocar a qualidade de autoridade (Exemplo: exibindo a carteira funcional) e praticar uma das condutas
previstas na lei.

No caso de a autoridade está fora da função, já decidiu o STF que “comete o delito o agente que, mesmo não estando
no exercício da função, age invocando a autoridade do cargo, com a exibição da carteira funcional” (STF, HC 59.676,
Djaci Falcão, 2ª T., u., DJ 07.05.82). Vale destacar que a conduta praticada deverá ser cometida em razão do cargo.

Em razão do cargo – Propter Officium – Não é demais lembrar que a conduta criminosa deverá ser cometida
em razão do cargo. Caso contrário, se uma autoridade pratica ato lesivo contra a integridade física de alguém,
sem se valer da condição de autoridade, não há crime da Lei de Abuso de Autoridade, e sim do Código Penal.

3.4. Autoridade Pública aposentado, demitido ou exonerado –

A autoridade pública que esteja aposentada, demitida ou exonerada não poderão praticar, sozinhos, crime de
abuso de autoridade, uma vez que não há mais vínculo funcional.

3.5. “Múnus público” - é uma obrigação que deve ser exercida por alguém atendendo ao poder público, essa
obrigação decorre de lei. Apesar do nítido interesse público, são atividades de natureza privada, por isso
quem exerce múnus público não é considerado autoridade. Exemplos: Tutor; Curador; Inventariante judicial;
Administrador de massa falida; Depositário judicial. Nesse sentido, temos a seguinte decisão do STJ, de
2018, vejamos:

STJ – Informativo n. 623 – “De início, verifica-se que o depositário judicial não ocupa cargo criado por lei, não
recebe vencimento, tampouco tem vínculo estatutário. Trata-se de uma pessoa que, embora tenha de exercer uma
função no interesse público do processo judicial, é estranha aos quadros da justiça e, pois, sem ocupar qualquer
cargo público, exerce um encargo por designação do juiz (munus público). Não ocupa, de igual modo, emprego
público e nem função pública. É, na verdade, um auxiliar do juízo que fica com o encargo de cuidar de bem
litigioso. Não se satisfaz, em tal caso, a figura típica do art. 312 do Código Penal, porque não há funcionário
público, para fins penais, nos termos do art. 327 do Código Penal, em razão da ausência da ocupação de cargo
público. . [...]. (HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em
13/03/2018, DJe 26/03/2018)

3.6. Crime de abuso de autoridade praticado por particular –

É possível que o particular pratique o crime de abuso de autoridade estando em concurso com uma autoridade.
No concurso de pessoas, conforme a regra exposta no art. 30 do Código Penal, a qualidade de autoridade é
elementar do tipo e como tal se comunica aos demais coautores ou partícipes. Assim, é possível que um particular
pratique o deito de abuso de autoridade em concurso de pessoas com autoridade pública. Para isso, é necessário
que:

• O particular atue como partícipe ou coautor;


• O particular saiba da condição da autoridade pública.
• O particular pratique, em concurso, uma das condutas previstas na lei 13.869 de 2019.

Portanto, como a qualidade de funcionário integra o tipo penal do crime de Abuso de Autoridade, o particular
poderá ser sujeito ativo desse crime, com fundamento no arts. 29 e 30 do Código Penal (CP).

3.7. Abuso de autoridade praticado por militar em serviço –


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No ano de 2017, no dia 16 de outubro, foi publicada a Lei 13.491, que modificou o Código Penal Militar e
ampliou a competência da Justiça Militar. Esta lei ampliou o rol dos crimes de natureza militar, alterando o
inciso II do art. 9º do Código Penal Militar. Assim, se o Militar praticar qualquer crime previsto na Legislação
Penal (Código Penal e Leis Extravagantes), poderá configurar crime militar, se preencher uma das condições
previstas no inciso II do art. 9º do Código Penal Militar.

Antes da lei 13.491 de 2017, a Justiça Militar era competente para julgar os crimes militares previstos no CPM.
Desta forma, caso um militar, em serviço, praticasse um crime de Abuso de Autoridade, Crime de Tortura,
Associação para o tráfico, Organização criminosa a competência era da Justiça Comum, e não da Justiça Militar,
pois esses crimes não estão previstos no CPM. Assim se houvesse conexão entre um crime militar e outro
previsto em lei especial, haveria uma cisão: o crime militar seria julgado pela Justiça castrense, e o crime
Comum seria julgado na Justiça comum (estadual ou federal, conforme o caso). Portanto, antes dessa lei, para
ser considerado crime militar, a conduta praticada pelo agente deveria estar obrigatoriamente prevista como
crime no Código Penal Militar, isso com base no inciso II do art. 9º do CPM.

Depois da lei 13.491 de 2017 , para ser considerado crime militar, a conduta praticada pelo agente pode estar
prevista tanto no Código Penal Militar como na legislação penal (Leis Extravagantes ou Código Penal), conforme
no inciso II do art. 9º do CPM. De acordo com a nova redação, são considerados crimes militares, em tempo de
paz, os crimes previstos no CPM e os previstos na legislação penal, quando praticados nas condições previstas
nas alíneas do inciso II.

Portanto, caso um Militar em serviço pratique alguma das hipóteses previstas nova Lei de Abuso de Autoridade,
estará configurado também crime militar. Desta forma, a competência será da Justiça Militar, e não da Justiça
Comum. Por fim, para não restar dúvidas, antes da Lei 13.491/2017, os crimes de abuso de autoridade praticado
por militar em serviço, não eram crimes militares e a competência para julgamento era da Justiça Comum. A
justificativa era que os crimes de abuso de autoridade não tinham previsão no CPM. Com isso, temos as
seguintes súmulas superadas –

• Súmula 90/STJ - “Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática
do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.”
• Súmula 172/STJ - “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de
autoridade, ainda que praticado em serviço.”

Essas súmulas foram superadas, pois, com o advento a Lei 13.491/17, os crimes de abuso de autoridade
praticados por militar em serviço são crimes militares e, portanto, serão julgados pela Justiça Militar.

Lei 13.491/2017 – NOVA REDAÇÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR -


Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra
militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura,
ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou
assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a
ordem administrativa militar.
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil,
serão da competência do Tribunal do Júri.

CAPÍTULO III
DA AÇÃO PENAL
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04. ARTIGO 3º – DA AÇÃO PENAL –

Conceito – Ação penal é um direito público e subjetivo de exigir de Estado-Juiz a aplicação do Direito Penal ao
caso concreto, de modo que dessa ação poderá haver a punição penal ou não, conforme cada caso. Em outras
palavras, o direito de ação é um direito de provocar o Estado-Juiz, para que seja decidido sobre o fato penalmente
relevante, possibilitando, assim, a aplicação do direito penal a um caso concreto.

Como regra geral, os crimes são de ação penal pública incondicionada. O critério identificador da ação penal
pública ou privada é estabelecido pelo Art. 100 do Código Penal ou pela legislação especial e através dele
identificamos se a ação é pública incondicionada, condicionada ou privada. Na pública incondicionada, há silêncio
da lei. Na pública condicionada há expressa menção no texto legal, assim como nas ações privadas. Vejamos os
regramentos contidos no Código Penal.

Ação pública e de iniciativa privada

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do
ofendido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de
representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)

§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha


qualidade para representá-lo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério
Público não oferece denúncia no prazo legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de
oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

4.1. Ação Penal Pública incondicionada –

Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

Conforme previsão no art. 3º, todos os crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade são de ação penal pública
incondicionada. Nesse tipo de ação, a titularidade para promover a ação é do Ministério Público. Por força do art.
129, inciso I, da Constituição Federal, nos crimes de ação penal pública, somente o Ministério Público poderá
propô-la, seja ela condicionada ou incondicionada.

4.2. Ação penal privada subsidiária da pública –


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Art. 3º (...)
§ 1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo
ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em
todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no
caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

§ 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se
esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

O §1º do art. 3º reproduziu o art. 29 do CPP, que trata da ação penal privada subsidiária da pública. Ação penal
privada subsidiária da pública consiste na autorização constitucional (artigo 5º, inciso LIX) que possibilita à
vítima ou seu representante legal ingressar, diretamente, com ação penal, por meio do oferecimento da queixa-
crime, em casos de ações públicas, quando o Ministério Público deixar de oferecer a denúncia no prazo legal
(artigo 46 do Código de Processo Penal).

A previsão da ação penal subsidiária da pública tem previsão no texto constitucional e no Código Penal.

CF/88 – Art. 5º, LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada
no prazo legal;

CP – Art. 100, § 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o
Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Como podemos perceber, trata-se, na verdade, de controle do órgão ministerial que ficou inerte,
deixando de atuar. Ressalta-se que a titularidade da ação penal nesse caso não é da vítima. Ou seja, no caso
de crime processável por ação penal pública, quando o Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal,
o ofendido poderá impetrar ação penal privada subsidiária da pública. O prazo para o MP oferecer a denúncia
está no Código de Processo Penal, art. 46. Vejamos:

CPP – Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado
da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu
estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art.
16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.

Portanto, passado esse período, começa a contagem do período que o ofendido (querelante) tem para oferecer a
ação penal subsidiário da pública.

4.2.1. Direito e faculdade da vitima –

O legislador conferiu à vítima esse direito, como forma de controlar o órgão ministerial e efetivar seu direito, que
deverá ser exercido dentro do prazo de 6 meses. De acordo com o art. 46 do CPP, o prazo para oferecimento da
denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os
autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução
do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público
receber novamente os autos. Após esses prazos, inicia-se a contagem do prazo de 6 meses da vítima.

4.2.2. Impossibilidade de ação subsidiária da pública –

Requerimento de novas diligências ultrapassando o prazo para o oferecimento da denúncia –

De acordo com o art. 46 do CPP, o prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias,
contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu
estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16),
contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
9

Caso o MP, ao receber o IP, determine a realização de diligências ultrapassando o prazo para o oferecimento da
denúncia, não será permitida a ação subsidiária a pública, pois não houve inércia do MP.

Decadência imprópria –

De acordo com o art. 3º,§ 2º, “a ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data
em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.” O legislador seguiu a regra prevista no art. 38 do
CPP, que assim dispõe:

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa
ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber
quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o
oferecimento da denúncia.

Nesse sentido, após esse prazo de 6 meses, esgota-se o prazo para o ofendido oferecer a ação privada subsidiária,
acarretando, portanto, a decadência imprópria, pois não acarreta a extinção da punibilidade.

CAPÍTULO IV
DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO E DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

Seção I
Dos Efeitos da Condenação

05. ARTIGO 4º – DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO –

Art. 4º São efeitos da condenação:


I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a
requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados
pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;
II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5
(cinco) anos;
III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.

Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à
ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser
declarados motivadamente na sentença.

5.1. Introdução – Os efeitos da condenação são todas as consequências que atingem a pessoa do condenado por
sentença transitado em julgado. Os efeitos não se limitam à esfera penal, podendo ter consequências na
esfera cível, administrativa etc. Por questões lógicas, para se falar em efeitos da condenação, é necessária
uma sentença condenatória com trânsito em julgado, ou seja, uma sentença decorrente de ação penal que não
comporta mais recurso. O artigo 4º da nova Lei de Abuso de autoridade seguiu parcialmente a regra do
Código Penal sobre os efeitos da condenação. Vejamos:
9

CÓDIGO PENAL –

DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

Efeitos genéricos e específicos

Art. 91 - São efeitos da condenação:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou
detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a
prática do fato criminoso.

§ 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime
quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.

§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão


abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.

Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes
praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais
casos.

II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos
sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra
filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado; (Redação dada pela Lei nº 13.715, de
2018)

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente
declarados na sentença.

Dentro desse contexto, podemos afirmar que os efeitos da condenação são divididos em efeitos principais e
secundários. Vejamos as diferenças:

1. Efeitos Principais – Trata-se do principal efeito da condenação: imposição da pena, que poderá ser
Privativa de Liberdade, Restritiva de Direito, multa ou medida de segurança ao semi-imputável.

2. Efeitos Secundários – Os efeitos secundários são as consequências indiretas, reflexas da condenação.


Por isso, são chamados de acessórios ou mediatos. Esses são divididos em:
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2.1. Efeitos secundários de natureza penal – Podemos citar como exemplo a reincidência (art. 63 e 64 do
CP); Maus-antecedentes (Art. 59 do CP); vedação à concessão de transação penal e suspensão
condicional do processo (art. 74 e 89 do JECRIM, respectivamente);

2.2. Efeitos secundários de natureza extrapenal – São chamados de extrapenais porque tem natureza
diversa de diversas áreas do direito. Dentro do CP, ele se divide em:

2.2.1. Genérico – Obrigatório – Estão previstos no art. 91 e se aplicam a todos os crimes: obrigação
de reparar o dano e confisco. Tratam-se de efeitos automáticos. São automáticos porque “são
aplicáveis por força de lei, independentemente de expressa declaração por parta da
autoridade jurisdicional, uma vez que são inerentes à condenação, qualquer que seja a
pena imposta (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa). Na verdade, a
única condição para o implemento desses efeitos é o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória. Recebem essa denominação por serem aplicáveis, em tese, a toda
e qualquer condenação criminal.” (DE LIMA, Renato Brasileiro, Nova Lei de Abuso de
Autoridade – Lei 13.869/19, 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2020, p. 58)

2.2.2. Específico – Estão previstos no art. 91-A (confisco alargado) e 92 e são aplicados somente em
determinados crimes, quando previstos legalmente. Dentre outros, temos a perda do cargo,
função pública ou mandato eletivo. Nesse caso, esses efeitos não são automáticos nem
obrigatórios, devendo o juiz declarar expressamente na sentença. Além disso, temos o requisito do
quantum da pena.

Nesse contexto, uma vez condenado, o sujeito irá se submeter a uma pena imposta na sentença, que geralmente é
a pena privativa de liberdade. As penas para quem comete crimes são de detenção ou reclusão, além da multa,
que poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Além dos efeitos penais (pena aplicada), temos efeitos
extrapenais, secundários, de natureza acessória, previstos no art. 4º.

5.2. Art. 4º, inciso I – Obrigação de indenizar o dano causado pelo crime –

O entendimento doutrinário é no sentido de que a sentença penal condenatória produz, também, a obrigação de o
condenado ressarcir o dano. Desta forma, “a sentença penal condenatória produz consequências na esfera cível.”
(FRAGOSO, Heleno). Em outras palavras, o cometimento de um crime e, consequentemente sua condenação,
enseja uma dupla responsabilidade: penal e cível. Não teria lógica que, após condenado na esfera criminal, a
vítima tivesse que iniciar um novo processo na esfera cível para ter seu dano reparado. Desse modo, o que se
questiona no juízo cível não é a existência de fato, autor etc, e sim o valor da indenização.

Efeito automático – Obrigação de indenizar o dano causado pelo crime – Nas palavras do professor
Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, “considerado como efeito automático da sentença penal condenatória
com trânsito em julgado, não precisa ser declarado expressamente no decisum, pois deflui naturalmente da
condenação.” (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed.,
Editora JusPodivm, 2019, p. 34). No mesmo sentido, o Professor Renato Brasileiro afirma que se trata de efeito
extrapenal obrigatório.

5.3. Fixação na sentença o valor mínimo para reparação dos danos –

De acordo com a segunda parte do inciso I, do art. 4º, após a condenação e a obrigação de reparar o dano, deverá o
juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos por ele sofridos. Nesse caso, trata-se de um efeito específico e não automático
da sentença, devendo ser motivado pelo juiz.
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Essa previsão de fixação do valor mínimo da indenização já tem previsão no art. 387, inciso IV, do CPP. De
acordo com o CPP, o juiz, ao proferir sentença condenatória: fixará valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Destaca-se que, no CPP, não se exige
requerimento da vítima para fixação do valor mínimo. Na nova Lei de Abuso de autoridade, há essa previsão.
Diante do conflito aparente de normas, prevalece a lei 13.869 de 2019. Ou seja, nesse ponto a atual lei é mais
benéfica.

5.4. Momento do requerimento da indenização –

STJ: “Este Superior Tribunal, em relação à fixação de valor mínimo de indenização a título de danos morais, nos
termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, entende que se faz indispensável o pedido expresso do
ofendido ou do Ministério Público, este firmado ainda na denúncia, sob pena de violação ao princípio da
ampla defesa.” (STJ, AgRg no REsp 1626962/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA,
julgado em 06/12/2016, DJe 16/12/2016) – sem grifo no original

5.5. Art. 4º, inciso II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo
período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;

5.6. Art. 4º, inciso III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública –

Os efeitos previstos nos incisos II e III são efeitos extrapenais, específicos e não automáticos. A inabilitação é o
impedimento, a proibição de exercício de cargo, mandato ou função pública por um prazo mínimo de 1 e máximo
de 5 anos.

De modo diverso, o agente poderá perder o cargo, mandato ou da função pública sem que obrigatoriamente fique
inabilitado para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos. Ou seja,
perde o cargo, mas não fica inabilitado. Portanto, os efeitos poderão ser aplicados de forma alternativa ou
cumulativa.

Sobre a perda do cargo, do mandato ou da função pública a Lei de Abuso de Autoridade não exigiu quantidade
de pena aplicada, dispondo apenas sobre a obrigatoriedade de reincidência específica em crimes de abuso e
motivação na sentença. Vale destacar que o Art. 92 do CP condicionada, como efeitos da condenação, a perda de
cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou
superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração
Pública; ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais
casos. Destaca-se, mais uma vez, que essas condições não se aplicam aos Crimes de Abuso.

Cassação da Aposentadoria –

É perfeitamente imaginável a hipótese que o Agente Público estava no exercício do cargo e vem a perder o cargo
público. Mas se ele, no exercício do cargo, praticou crime de abuso e somente depois de aposentado vem a ser
descoberto o crime dentro do prazo prescricional?! Nesse caso, é legítima a cassação da aposentadoria, conforme o
entendimento do STJ (STJ, 5ª Turma, RESp 914.405/RS, Rel. Min. Gilson Dippm j. 23.11.2010, DJE 14.02.2011)

Nesse sentido, diante do transito em julgado de decisão condenatória, a Autoridade Administrativa tem o dever
de proceder a Demissão ou Cassação da Aposentadoria, independentemente de Processo Administrativo
Disciplinar. Vale destacar que Autoridade Administrativa competente para proceder a demissão ou cassação
tem o dever de praticar tal ato, sob pena de incorrer em crime de Desobediência ou Prevaricação.

Possibilidade de ocupar novo cargo público – Reabilitação –

Uma vez perdendo o cargo, ele poderá, eventualmente, voltar ao serviço público por meio da
Reabilitação, nos termos do CP, art. 92, 93, 94. Vejamos:
9

Art. 93 - A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao


condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)

Parágrafo único - A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no


art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo
artigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta,
de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão
e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: (Redação dada pela Lei
nº 7.209, de 11.7.1984)

I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e
privado; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o
dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único - Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja
instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)

Art. 95 - A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado


for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa. (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Reincidência Específica –

Conforme o Parágrafo único do Art. 4º, os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são
condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade. Não é obrigatório que seja no
mesmo tipo penal (art. 12 x Art. 12), podendo ser qualquer crime da nova lei de Abuso (Art. 10 e Art. 14, por
exemplo). De modo diverso, não serão aplicados os efeitos extrapenais se o agente for condenado por ameaça
(art. 147 do CP) e, dentro do prazo depurador de 5 anos, algum crime da lei de Abuso.

Seção II

Das Penas Restritivas de Direitos

06. ARTIGO 5º – Das Penas Restritivas de Direitos –

Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta
Lei são:
I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis)
meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens;
III - (VETADO).
Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma ou
cumulativamente.
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6.1. Introdução –

Como forma de substituir a pena privativa de liberdade, a nova lei de abuso de autoridade trouxe, em seu artigo
5º, as penas restritivas de direitos que são substitutivas das privativas de liberdade. Elas poderão ser aplicadas
de forma autônoma ou cumulativamente em si.

Descumprimento injustificado – Na forma do art. 44, § 4º do CP, a pena restritiva de direitos converte-se em
privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.

Requisitos para substituição – Assim como ocorre em outras leis especiais, quando ausente regra legal na
referida lei, devemos recorrer ao Código Penal. Como a nova lei de abuso não trouxe os requisitos para que haja a
substituição, a regra que devemos seguir é aquela do art. 44 do CP. Vejamos:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade,
quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os


motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº
9.714, de 1998)

O primeiro requisito tem natureza objetiva e diz respeito ao quantum da pena em abstrato. Essa não poderá ser
superior a 4 anos. Interessante comentar que, no que diz respeito às penas, a Lei N. 13.869 de 2019 traz
apenas dois parâmetros de pena: Detenção de 6 meses a 2 anos, e multa; e Detenção de 1 a 4 anos, e
multa. Aos crimes de abuso de autoridade é possível aplicar penas restritivas de direito, uma vez que a aplicada
pena privativa de liberdade não superior a quatro anos. Além disso, crime não poderá ter sido cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa.
O segundo requisito também em natureza objetiva. Nesse caso, o réu não poderá ser reincidente em crime doloso.
Caso seja reincidente doloso, ele não poderá obter esse benefício. O terceiro requisito também em natureza
subjetiva.

Não cabimento em alguns crimes de Abuso de Autoridade –

De Acordo com o art. 44, I, do CP, as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de
liberdade, quando, dentre outras condições, o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.
Com base nesse requisito objetivo, não é cabível tal substituição nos seguintes crimes. Vejamos:

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua
capacidade de resistência, a:

I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;

III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: (Promulgação partes vetadas)
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Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel
alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou
fora das condições estabelecidas em lei:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas
dependências;

II - (VETADO);

III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h
(cinco horas).

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição
hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de
alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

6.2. Rol taxativo – O Código Penal dispõe, em seu artigo 43, de várias penas restritivas de direitos. Vejamos:

Penas restritivas de direitos

Art. 43. As penas restritivas de direitos são: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

I - prestação pecuniária; (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

II - perda de bens e valores; (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

III - limitação de fim de semana. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; (Incluído pela Lei nº 9.714, de


25.11.1998)

V - interdição temporária de direitos; (Incluído pela Lei nº 9.714, de 25.11.1998)

VI - limitação de fim de semana. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 25.11.1998)

Como podemos perceber, a nova Lei de Abuso de Autoridade traz apenas duas espécies, quais sejam,
prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; suspensão do exercício do cargo, da função ou do
mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens (interdição
temporária de direitos)

Diante do exposto, podemos concluir que o rol de penas restritivas de direitos aplicáveis aos crimes de abuso de
autoridade são apenas aquelas previstas expressamente nos inciso I e II do art. 5º.

6.3. Pena restritiva de direito – prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;


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De acordo com o art. 46 do CP, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às
condenações superiores a seis meses de privação da liberdade, e consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao
condenado. Ela ocorrerá em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos
congêneres, em programas comunitários ou estatais.

6.4. Pena restritiva de direito – suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo
prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens;

Uma vez condenado por crime de abuso de autoridade, o condenado poderá ter sua pena substituída pela
suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses. Nesse caso, ele
ficará sem receber seus vencimentos e vantagens.

Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos nos Crimes Miliares –

De acordo com o STJ, “Não se aplica aos crimes militares a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, prevista no art. 44 do Código Penal, pois o art. 59 do Código Penal Militar disciplinou de
modo diverso as hipóteses de substituição cabíveis sob sua égide. (Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma; AgRg
no AREsp 361778 / RJ; 27/06/2017)

A Suprema Corte também já se manifestou no sentido de que a possibilidade de substituição de penas privativas
de liberdade por restritivas de direitos, instituída pela Lei 9.714/98, não se aplica aos crimes militares. (HC
86079 e RE 273.900-6) Este também é o entendimento do Superior Tribunal Militar (Ap 2004.01.049688-2 SP).

A jurisprudência do STM tem entendido que não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por
pena restritiva de direito, pois a legislação penal militar não contempla tal instituto, em razão da especialidade e
autonomia do Direito Penal Militar, bem como, pela incompatibilidade da substituição com as peculiaridades
atinentes à vida militar e ao militar.

CAPÍTULO V

DAS SANÇÕES DE NATUREZA CIVIL E ADMINISTRATIVA

07. ARTIGO 6º – DAS SANÇÕES DE NATUREZA CIVIL E ADMINISTRATIVA –

Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza
civil ou administrativa cabíveis.

Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que descreverem falta funcional
serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração.

Art. 7º As responsabili6dades civil e administrativa são independentes da criminal, não se


podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham
sido decididas no juízo criminal.

Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença
penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em
estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
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7.1. Princípio da independência das Instâncias – Um mesmo ato irregular pode configurar ilícito penal,
administrativo e civil. Cada ato irregular será julgado na respectiva instância, ou seja, preserva-se a
independência das instâncias civil, administrativa e penal.

A regra é que as instâncias são, de fato, independentes. No entanto a sentença penal irá vincular as esferas civil
e administrativa quando ocorrer uma das seguintes hipóteses a seguir: fato inexistente ou negativa de autoria.

De acordo com o STJ, embora seja princípio do Direito brasileiro a independência das instâncias, se a sentença
absolutória proferida no âmbito penal decorrer de inequívoca inexistência do fato ou de negativa de
autoria, esses fatos não podem ser perquiridos na esfera administrativa ou cível, impedindo, portanto, a atuação
do Tribunal quanto à potencial condenação em débito de responsável, restando demonstrado que, mesmo diante
da independência dessas instâncias, uma pode repercutir na outra.

As descriminantes ou justificantes previstas no artigo 8º são causas que retiram a ilicitude do fato típico. Nos
termos do artigo 8º, se a sentença penal reconhecer que o agente agiu amparado pelo estado de
necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito irá acarretará a coisa julgada em âmbito cível, bem como no administrativo-disciplinar.

CAPÍTULO VI
DOS CRIMES E DAS PENAS

08. DOS CRIMES E DAS PENAS –

8.1. Classificação geral –

• Sujeito passivo – Crime de dupla subjetividade passiva – Nos crimes de abuso de autoridade,
temos uma dupla subjetividade passiva, isto é, temos dois sujeitos passivos: Estado e a pessoa física.
Assim, temos:

Sujeito Passivo mediato, indireto, permanente ou secundário – é o Estado, titular da


administração pública, interessado na qualidade, na eficiência e legalidade do serviço prestado.
Sujeito Passivo imediato, direto e eventual, principal – é a pessoa física ou jurídica que,
eventualmente, sofre a lesão ao seu bem jurídico protegido.

• Bem Jurídico Protegido – Crime Pluriofensivo – Cada um dos tipos penais protege um bem jurídico
previsto na Constituição Federal de 1988, ou seja, os direitos e garantias fundamentais. Dentre eles,
temos: regular funcionamento da administração pública; administração pública em sentido amplo, honra
da pessoa; patrimônio; integridade Física; liberdade de Locomoção etc.

• Elemento Subjetivo – Para configurar os crimes em espécie abaixo, eles deverão ser praticados na
forma dolosa, não sendo punido na forma culposa. O dolo deverá ser acrescido de uma finalidade
específica: de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou
satisfação pessoal. Ausente o dolo específico, não há que se falar em crime de abuso de autoridade.
Dolo Eventual – Conforme o entendimento de Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, os crimes
previstos na Lei 13.869 de 2019 não poderão ser praticados na forma de dolo eventual, por haver
incompatibilidade. (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 ,
1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019

• Ação Penal – Todos os crimes são de ação penal pública incondicionada.


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• Pena Privativa de liberdade – Assim como na antiga lei anterior (Lei N. 4.898 de 1965), todos os
crimes de abuso de autoridade são punidos com detenção. Não há na lei de abuso nenhum crime punido
com reclusão.

• Pena de multa – Todos os crimes da Lei nova lei de abuso são punido cumulativamente com pena de
multa. Ou seja, além da pena privativa de liberdade, temos a previsão da multa.

• Quantidade da Pena – A nova lei de abuso de autoridade previu dois patamares de pena: detenção de 6
meses a 2 anos, e multa; ou detenção de 1 ano a 4 anos.

• Causas de aumento e diminuição de pena –

• Forma qualificada –

• Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – Alguns crimes previstos na lei de abuso de
autoridade são punidos com pena máxima de dois anos. Portanto são considerados IMPOs (art. 61 do
JECRIM), sendo cabíveis os institutos despenalizadores, como a composição dos danos civis, a transação
penal, bem como a suspensão do processo. Já outros crimes tem pena de detenção de 1 ano a 4 anos.
Como a pena mínima não é superior a 1 ano, é cabível a suspensão do processo.

• Competência – Como regra, a competência será da Justiça Estadual. No entanto, são da competência
da Justiça Federal quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas;

09. DOS CRIMES EM ESPÉCIE –

9.1. ARTIGO 9º – Decretação de privação da liberdade de forma ilegal –

Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as


hipóteses legais:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável,
deixar de:
I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade
provisória, quando manifestamente cabível;
III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

Introdução – O tipo penal traz uma conduta criminosa daquele que decretar medida de privação da liberdade
em manifesta desconformidade com as hipóteses legais. As hipóteses legais de privação da liberdade estão na
CF/88, art. 5º e no CPP. Vejamos:

CF/88 – Art. 5º - LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei;

CPP - Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou,
9

no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação


dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Sujeito ativo – Quanto ao sujeito ativo (Art. 9º, caput) poderá ser o juiz, autoridade de polícia Judiciária,
delegado de polícia, bem como autoridade militar (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de
Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019, p. 1863)

Exemplificando, imagine que um Juiz decrete a prisão preventiva de um sujeito, primário, de bons antecedentes,
pela prática de um furto simples, com o fim específico de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. Nesse caso, incorrerá em crime de abuso de
autoridade, pois há, nesse caso, uma clara e manifesta desconformidade com as hipóteses legais (Art. 313 do
CPP).

É perfeitamente possível imaginar um Juiz que, diante de um caso onde se preenche os requisitos da preventiva,
decrete de ofício, a Prisão Preventiva, pois a Lei N. 13.964 /19 vedou essa prática pelo juiz.

Vale destacar que, hipoteticamente a título de exemplo, o Delegado de Polícia Poderá decretar Prisão em
flagrante de alguém que não esteja em situação de flagrante, com a finalidade específica de prejudicar outrem ou
beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. Ou, mesmo de forma
teratológica, o Promotor de Justiça determina a Prisão Preventiva ou temporária de alguém. Nesse sentido:

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União


(CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019), emitem os seguintes enunciados:

O sujeito ativo do art. 9º., “caput”, da Lei de Abuso de Autoridade, diferentemente do parágrafo único, não
alcança somente autoridade judiciária. O verbo nuclear “decretar” tem o sentido de determinar, decidir e
ordenar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais.

Vítima Adolescente (LEI Nº 8.069 de 1990) Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras


providências – Sendo a vítima criança ou adolescente, aplica-se o disposto previsto no ECA.

Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em
flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das
formalidades legais.

Privação de Liberdade – A privação de liberdade poderá ser qualquer tipo de prisão, prisão em flagrante,
preventiva, temporária ou até a prisão pena (que resulta de sentença condenatória transitada em julgado).

Para o Professor Renato Brasileiro de Lima (DE LIMA, Renato Brasileiro, Legislação Criminal Comentada, 8ª
Ed., Editora JusPodivm, 2020, p. 80 e 81), podemos incluir como espécie de privação de liberdade:

• Medidas Cautelares Diversas da Prisão – Essas previstas nos art. 319 e 320 do CPP, apesar de não
acarretar prisão absoluta, limitam, restringem a liberdade de locomoção.

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias


relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o
9

risco de novas infrações;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária


para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou


acusado tenha residência e trabalho fixos;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave
ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código
Penal) e houver risco de reiteração;

• Espécies de medidas de segurança – Art. 96, I, As medidas de segurança são: - Internação em


hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

• Estatuto da Criança e do Adolescente – Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado
desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades
externas, independentemente de autorização judicial.

Consumação – Quanto ao momento consumativo, (Art. 9º, caput), esse crime se consuma quando o há a
decretação da privação da liberdade de forma ilegal, mesmo que essa não venha efetivamente a
ocorrer. Trata-se de crime formal (consumação antecipada, crime de resultado cortado).

9.2. ARTIGO 9º PARÁGRAFO ÚNICO –

Art. 9º (...) Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo
razoável, deixar de:
I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade
provisória, quando manifestamente cabível;
III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

Introdução –

Quanto ao sujeito ativo, O Art. 9º, parágrafo único, diferentemente do caput, traz como sujeito ativo somente o
Juiz. Portanto, somente o juiz poderá ser sujeito ativo (Juízes, Desembargadores, Ministros).

No que diz respeito ao prazo razoável, entende a doutrina do Professor Rogério Sanches Cunha e Renato
Brasileiro como prazo razoável aquele de 48 horas do art. 322, parágrafo único do CPP, ou seja, o mesmo
prazo que o Juiz tem para decidir sobre a concessão da fiança.

Relaxamento de Prisão Ilegal – Art. 9, parágrafo único, I

Relaxamento de prisão é o reconhecimento, pelo Juiz, que a prisão é ilegal. Determina a CF/88, Art. 5º - LXV,
que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. O Código de Processo Penal,
em seu art. 310, determina que, após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e
quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do
acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa
audiência, o juiz deverá, fundamentadamente relaxar a prisão ilegal. Trata-se, portanto, de um direito
subjetivo da vítima, ou de qualquer pessoa.

São exemplos de hipóteses de relaxamento de prisão:

• Prisão por fato atípico (Flagrante Preparado)


• Inexistência de situação de flagrante que determine a prisão em flagrante;
9

• Falta do Laudo de Constatação da natureza e materialidade da substância entorpecente (Art. 50 da Lei


de Drogas);
• Falta de Representação da vítima nos crimes de Ação Penal Pública Condicionada;
• Não entrega ao preso da nota de culpa em até 24horas;
• Inobservância dos pressupostos que autorizam a preventiva;

Substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória,
quando manifestamente cabível – Art. 9, parágrafo único, II

Determina o CPP, em seu art. 310, inciso II, que, após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo
máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de
custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o
membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: converter a prisão
em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se
revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Ainda assim, o art. 321, afirma que ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão
preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares
previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.

Art. 9º (...) Parágrafo único, inciso III – Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro
de prazo razoável, deixar de deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente
cabível –

Constituição Federal de 1988 – Art. 5º, LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade
ou abuso de poder;

CPP – Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer
violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:


I - quando não houver justa causa;
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI - quando o processo for manifestamente nulo;
VII - quando extinta a punibilidade.

9.3. ARTIGO 10 – Decretação de condução coercitiva de testemunha ou investigado –

Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida


ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa


.

Nas palavras do Professo Renato Brasileiro, “a condução coercitiva funciona como uma medida cautelar de
coação pessoal. Por meio dela, o ofendido, testemunha, o investigado/acusado ou até mesmo o perito são privados
de sua liberdade de locomoção pelo lapso temporal necessário para que sejam levados, contra sua vontade, à
presença da autoridade judiciária (ou administrativa) para participar de ato processual no qual sua presença
9

seja considerada imprescindível. (DE LIMA, Renato Brasileiro, Legislação Criminal Comentada, 8ª Ed., Editora
JusPodivm, 2020, p. 93),

Podemos conceituar como condução coercitiva como “um instrumento de restrição temporária da liberdade
conferido à autoridade judicial para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu à intimação e
cuja presença seja essencial para o curso da persecução penal, seja na fase do inquérito policial, seja na da ação
penal.” (Desembargador Cândido Ribeiro MEDIDA CAUTELAR CRIMINAL (BusApr) 0042276-
27.2013.4.01.0000/DF. G. N.)

É perfeitamente cabível (e legal) a hipótese de Condução Coercitiva quando: visando evitar a supressão de
provas, ou até mesmo sua destruição, o Juiz, no mesmo dia que determina a busca e a apreensão; ou nos dias de
grandes operações policiais. Isso visa evitar que o investigado ou acusado prejudique o andamento da ação.

Apesar de o art. 10 dessa lei trazer como sujeito passivo apenas a testemunha ou investigado, o Código de
Processo Penal traz, em diversos artigos, a possibilidade de condução coercitiva para outros sujeitos, como o
ofendido, acusado ou perito. Vejamos:

Código de Processo Penal –

Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da
infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as
suas declarações.

§ 1º Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser
conduzido à presença da autoridade.

Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz
poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por
oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro
ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. (Vide
ADPF 395)(Vide ADPF 444)

Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352,
no que Ihe for aplicável.

Art. 278. No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá
determinar a sua condução.

Art. 411 – § 7o Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o
juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

Da reunião e das sessões do Tribunal do Júri


Art. 461. O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes
tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422 deste Código,
declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização. (Redação dada pela Lei nº
11.689, de 2008)

§ 1o Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspenderá os trabalhos e


mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua
condução.
9

Art. 535. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz
a condução coercitiva de quem deva comparecer. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

ARTIGO 260 DO CPP E ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


(ADPF) –

A previsão da condução coercitiva no art. 260 do CPP, afirmando que se o acusado não atender à intimação para
o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade
poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Vejamos:

CPP – Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou
qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua
presença. (Vide ADPF 395)(Vide ADPF 444) (grifo nosso)

Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352,
no que Ihe for aplicável.

Antes do advento deste tipo penal, O STF, através da ADPF 395 e da ADPF 444 já tinha declarado esse artigo
incompatível com a CF/88. Vejamos alguns argumentos:

1. O direito à não autoincriminação – O direito à não autoincriminação consiste na prerrogativa do


investigado ou acusado a negar-se a produzir provas contra si mesmo, e a não ter a negativa interpretada
contra si. No caso, interessa o direito ao silêncio, o aspecto mais corrente do direito à não
autoincriminação. Por projeção, o direito ao silêncio consistente na prerrogativa do implicado a recursar-
se a depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado
como admissão de responsabilidade.

2. Direito ao tempo necessário à preparação da defesa – O direito ao tempo necessário à preparação


da defesa, a que faz jus o acusado da prática de infração penal, é uma decorrência dos direitos ao devido
processo legal e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV).

3. Presunção de não culpabilidade – A condução coercitiva representa restrição temporária da


liberdade de locomoção mediante condução sob custódia por forças policiais, em vias públicas, não sendo
tratamento normalmente aplicado a pessoas inocentes.

4. Violação à Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). O indivíduo deve ser reconhecido
como um membro da sociedade dotado de valor intrínseco, em condições de igualdade e com direitos
iguais. Tornar o ser humano mero objeto no Estado, consequentemente, contraria a dignidade humana
(NETO, João Costa. Dignidade Humana: São Paulo, Saraiva, 2014.) Na condução coercitiva, resta
evidente que o investigado é conduzido para demonstrar sua submissão à força, o que desrespeita a
dignidade da pessoa humana.

5. Ofensa à liberdade de locomoção – A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda
que temporária, da liberdade de locomoção. Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda
que por período breve.

6. Potencial violação ao direito à não autoincriminação, na modalidade direito ao silêncio –


Direito consistente na prerrogativa do implicado a recursar-se a depor em investigações ou ações penais
contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão de responsabilidade.

7. A legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório – O


direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva.
9

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)

Na ADPF, foi questionado o parte doo dispositivo legal presente no art. 260, do Decreto-Lei n° 3689, de 03 de
outubro de 1941 (Código de Processo Penal), que traz a seguinte redação: “Se o acusado não atender à
intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado,
a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.”, especificamente sobre “para o interrogatório”.
Nesses termos, declarou o STF procedente a Arguição julgada, para declarar a incompatibilidade
com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório,
tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da
expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP.

Vejamos partes da decisão –

O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a arquição de descumprimento de
preceito fundamental , para pronunciar a não recepção da expressão "para o interrogatório",
constante do art. 260 do CPP , e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução
coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do
Estado. O Tribunal destacou, ainda, que esta decisão não desconstitui interrogatórios realizados até
a data do presente julgamento, mesmo que os interrogados tenham sido coercitivamente
conduzidos para tal ato. Vencidos, parcialmente, o Ministro Alexandre de Moraes, nos termos de seu voto, o
Ministro Edson Fachin, nos termos de seu voto , no que foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso ,
Luiz Fux e Cármen Lúcia (Presidente). - Plenário, 14.6.2018.Acórdão, DJ 22.05.2019.

Limites da decisão – Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, “busca-se o reconhecimento de que
investigados e réus não podem ser conduzidos coercitivamente à presença da autoridade policial ou judicial para
serem interrogados. Há outras hipóteses de condução coercitiva que não são objeto desta ação – a condução de
outras pessoas, como testemunhas, ou de investigados ou réus para atos diversos do interrogatório, como o
reconhecimento, por exemplo. Essas outras hipóteses não estão em causa. (...) Para que não paire dúvida,
desde logo esclareço que o emprego não especificado da expressão “condução coercitiva” doravante neste voto fará
referência ao objeto da ação – condução do imputado para interrogatório.” Em suma, a decisão refere-se
exclusivamente à condução para fins de interrogatório.

Condução coercitiva de acusados ou investigados para reconhecimento por vítimas e testemunhas –


Vale destacar que é possível sim, nesses casos, a condução coercitiva, uma vez que o acusou ou investigado não
está produzindo provas contra si, assumindo uma posição meramente passiva.

ADPF – Condução coercitiva de testemunhas – A decisão acima não tratou de condução de testemunhas.
Essas, uma vez intimado regularmente, recusando-se a comparecer sem justificativa, o juiz poderá sim
determinar sua condução coercitiva, conforme previsto no art. 218 do CPP. Nos termos do CPP (art. 218), se,
regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à
autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o
auxílio da força pública.

Destaca-se que as testemunhas são obrigadas a depor, uma vez que a recusa, bem como o silêncio, constituem
crime do art. 342 do CP - Falso testemunho, cuja a pena é reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Assim, nos termos do CP, Art. 342, CP, constitui crime fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como
testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial,
ou em juízo arbitral.

Condução coercitiva de acusados ou investigados na qualidade de testemunhas –

“Sobre a condução coercitiva de testemunhas, abro um parêntese para consignar que investigados não devem ser
tratados como testemunhas, como forma de burlar a presente decisão. (…) É certo que há dificuldade inicial de
definir a posição de algumas pessoas frente à investigação, como suspeitos ou testemunhas. São inúmeros os
casos de comissões parlamentares de inquérito que convocam investigados na qualidade de testemunha, havendo
9

intervenção judicial para assegurar o direito ao silêncio. Mas, se a investigação se volta contra a pessoa,
apontando-se sua colaboração para os fatos e adotando-se medidas probatórias com grande considerável
probabilidade de levar a sua responsabilização, ela deve ser tratada como investigada.”

Condução coercitiva de vítimas – Nos termos do art. 201 do CPP, sempre que possível, o ofendido será
qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas
que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer
sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.

As declarações da vítima têm sua relevância para a investigação, para o processo, uma vez que podem/devem
ajudar no esclarecimento de vários fatos. Destaca-se que se a vítima mentir, ela poderá incorrer no crime de
calúnia, art. 138 do CP, ou Denunciação caluniosa, art. 339 e 340 do CP. Nesse sentido, a decisão do STF não
abrange as vítimas, que poderão sim ser conduzidas coercitivamente.

Análise das condutas no dispositivo legal – Esse dispositivo legal traz como crime a decretação de condução
coercitiva. Ele poderá ser praticado de duas formas:

1. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida.

2. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado, embora seja cabida, sem prévia intimação
de comparecimento ao juízo.

Na primeira hipótese, não cabe a decretação, uma vez que, por exemplo, não é necessário. Se a testemunha ou o
acusado já foram ouvidos nos autor, não há necessidade de proceder sua intimação para comparecer para
confirmar o que já foi dito anteriormente.

Na segunda hipótese, a condução é legal, o objeto é cabível, mas a testemunha ou investigado não fora,
regularmente intimados.

Sujeito Passivo – De acordo com o dispositivo legal, o sujeito passivo direto, imediato e eventual é a
testemunha ou investigado. Vale reforçar que o dispositivo não abrange como sujeitos passivos:

1. Acusado – O dispositivo legal, art. 10, não abrange o acusado. Nas palavras de Rogério Greco e Rogério
Sanches Cunha, investigado, denunciado e acusado são pessoas diferentes. “Investigado é aquele que
ainda não tem foi formalmente denunciado. Uma vez oferecida a denúncia em juízo, o investigado
passará a ser reconhecido como denunciado e, depois de recebida, gozará do status de réu ou acusado.
Assim, se decretada a condução coercitiva manifestamente descabida de um acusado não se poderá ser
preenchida via analogia, considerada, aqui, in malam partem, ou mesmo por meio da chamada
interpretação analógica.” (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade – Lei
13.869/19 , 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019, p. 97)

2. Ofendido (art. 201, §1º do CPP) – O tipo penal também não incluiu o ofendido ou testemunha. Dessa
forma, se houver uma condução coercitiva manifestamente descabida em desfavor do ofendido, não
haverá crime de abuso de autoridade, em virtude da falta de previsão legal.

3. Perito (art. 278 do CPP) – O tipo penal também não incluiu o perito. Dessa forma, se houver uma
condução coercitiva manifestamente descabida em desfavor do ofendido, não haverá crime de abuso de
autoridade, em virtude da falta de previsão legal.

Condução coercitiva de investigado para fins de reconhecimento pessoal –

O tipo penal incriminador tem como fim evitar o ataque ao princípio da não auto-incrimnação (teno tenetur se
detegere). No entanto, parte da doutrina admite a condução coercitiva de testemunhas, ou de investigados ou
9

réus para atos diversos do interrogatório, como o reconhecimento pessoal (Art. 226) e como identificação criminal
(Lei 12.037/09, art. 3º).

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União


(CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019), emitem os seguintes enunciados:

ENUNCIADO #6 (art. 10) –


Os investigados e réus não podem ser conduzidos coercitivamente à presença da autoridade policial ou
judicial para serem interrogados. Outras hipóteses de condução coercitiva, mesmo de investigados ou
réus para atos diversos do interrogatório, são possíveis, observando-se as formalidades legais

ENUNCIADO #7 (art. 10) –


A condução coercitiva pressupõe motivação e descumprimento de prévia notificação.

Sujeito Ativo – De imediato, fica claro que o sujeito ativo é o juiz. Sobre isso não resta dúvidas. No entanto,
devemos analisar se o Delegado de Polícia e o Membro do Ministério Público poderão decretar a condução
coercitiva. Apesar de divergências, prevalece na doutrina que sim, essas autoridades poderão decretar tal
medida. A 1ª Turma do STF, HC 107.644/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowisk, j. 06.09.2011, entendeu, em
precedente isolado, que a Autoridade Policial poderá decretar. Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha, Rogério
Greco, Adriano Sousa Costa e Laudelina Inácio da Silva. Em sentido contrário, Paulo Rangel e Renato Brasileiro
de Lima (p. 94 e 95)

Bem Jurídico protegido – Nesse caso, específico, há ofensa à liberdade de locomoção e a dignidade da pessoa
humana.

Consumação – O núcleo do tipo “decretar” significa dar ordens; determinar, mandar, ordenar. Nesse sentido, o
crime se consuma no momento da “decretação” formal, ainda na in loco. Não se faz necessário que haja a efetiva
condução. Se essa ocorrer, teremos o chamado exaurimento do crime.

Tentativa – Conforme o entendimento de Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, por se tratar de crime
unissubsistente (monossubsistente) não é possível a tentativa. (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches,
Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019, p. 13)
9

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de médio
potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão condicional
do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

9.4. ARTIGO 11 – VETAD0

Esse dispositivo legal foi vetado pelo Presidente da República, veto este mantido pelo Congresso Nacional.

O Art. 11 trazia o seguinte texto:

“Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou
sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei, ou de condenado ou internado fugitivo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e
multa.”

Razões do veto

“A propositura legislativa, ao dispor sobre a criminalização de execução de captura, prisão ou busca e apreensão
de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito gera insegurança jurídica, notadamente aos agentes da
segurança pública, tendo em vista que há situações que a flagrância pode se alongar no tempo e depende de
análise do caso concreto. Ademais, a propositura viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito
e a pena cominada.”

9.5. ARTIGO 12 – Não comunicação de privação de liberdade –

Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no


prazo legal:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:


I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à
autoridade judiciária que a decretou;
II - deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à
sua família ou à pessoa por ela indicada;
III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada
pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;
IV - prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão
preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e
excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a
soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.

9.5.1. Artigo 12, caput – Não comunicação da prisão em flagrante –

O artigo 12 da Lei de Abuso de Autoridade trata de uma obrigação prevista no art. 306 do CPP, que
descumprida, incorrerá em crime de abuso de autoridade. De acordo com o art. 306 do CPP, a prisão de qualquer
pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério
Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Nesse caso, em até 24 (vinte e quatro) horas após a
realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado
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não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. No mesmo prazo de 24 horas,
será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o
nome do condutor e os das testemunhas. Assim, temos os seguintes prazos:

• Comunicação ao Juiz sobre a prisão em flagrante, dentro do prazo legal.


• Encaminhamento em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão do auto de prisão em
flagrante ao juiz competente.
• Entrega da nota de culpa em até 24 (vinte e quatro) horas ao preso, mediante recibo.

Nas palavras do Professor Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, “o prazo legal a que se refere o caput do art.
12 da Lei N. 13.869 de 2019 é o de 24 horas após a realização da prisão, oportunidade na qual a autoridade
policial deverá enviar o auto de prisão em flagrante à autoridade judiciária.” (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério
Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019, p. 108). No mesmo sentido que
o prazo legal do caput é aquele de 24 horas previsto no art. 306, §1º, o professor Renato Brasileiro de Lima (Pag.
101)

O crime em análise só se configura se a não comunicação ao juiz ocorrer de modo injustificado. Se houver
justificativa, não haverá esse crime. Imagine, por exemplo, que a prisão e flagrante de alguém tenha ocorrido em
um interior do Ceará, localidade de difícil acesso, sendo inviável a comunicação dentro de 24 horas. Nesse caso,
não haverá o crime, sendo fato atípico. Porém, na remessa do APF, a autoridade policial deverá informar ao juiz
a justificativa pela qual não possível a remessa dentro do prazo.

Efeitos da ausência de da comunicação da prisão em flagrante –

Vale destacar que a ausência de da comunicação da prisão em flagrante constitui em violação à Constituição
Federal o que acarreta a perda da força coercitiva do flagrante e, consequentemente, o relaxamento da prisão
(Renato Brasileiro, pag. 100)

Quanto ao sujeito ativo, trata-se de crime que somente poderá ser praticado por Delegado de Policia, pois ele
detém atribuição legal para lavrar o APF e comunicar ao Juiz.

Vítima Adolescente (LEI Nº 8.069 de 1990) Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras


providências – Sendo a vítima criança ou adolescente, aplica-se o disposto previsto no ECA.

Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer
imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele
indicada:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

9.5.2. Artigo 12, parágrafo único, inciso I – não comunicação da prisão preventiva ou temporária –

De acordo com o texto legal incorrerá na pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa quem deixa
de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a
decretou. Como podemos perceber aqui se trata de uma prisão legal, no entanto não houve a comunicação da sua
decretação. A autoridade policial que executou a prisão temporária ou preventiva deverá comunicar à autoridade
judiciária que a decretou. A lei traz a expressão “imediatamente”. Por imediatamente, seguindo a lógica
estrutural da lei, entende-se que a comunicação deverá ser feita dentro do prazo de 24 horas. A comunicação
poderá ocorrer por qualquer meio: telefone, e-mail, ofício. (pag. 109)
O objeto desse dispositivo legal é que o preso não seja prejudicado em razão do tempo do cômputo da prisão, uma
vez que o período de prisão temporária ou preventiva será contado em eventual condenação na execução da pena
privativa de liberdade. Assim, temos a chamada detração, que está prevista no art. 42 do Código Penal Brasileiro
e podemos entendê-la como sendo o abatimento, na pena privativa de liberdade ou na medida de segurança, do
tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação provisória.
9

9.5.3. Artigo 12, parágrafo único, inciso II – deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de
qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada –

Essa conduta tinha previsão na antiga lei de abuso de autoridade (art. 4º, alínea “c”), afirmando que “constitui
também abuso de autoridade deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de
qualquer pessoa”. Ocorre que essa conduta silenciava quanto à comunicação à sua família ou à pessoa por ela
indicada, contrariando o texto constitucional. A CF/88, art. 5° - LXII , determina que “a prisão de qualquer
pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada”. Desse modo, o art. 12, inciso II da nova lei de abuso de autoridade visa penalizar aquele
que descumpre mais um preceito constitucional.
Vale destacar que nesse dispositivo legal não interessa o tipo de prisão – preventiva, temporária, em flagrante ou
até mesmo a prisão civil pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

9.5.4. Artigo 12, parágrafo único, inciso III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e
quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes
do condutor e das testemunhas;

A criminalização dessa conduta tem por fim efetivar o direito constitucional e legal ao preso de sabem quem e o
porquê de ele está preso. De acordo com a CF/88, art. 5º, LXIV, “o preso tem direito à identificação dos
responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.” O CPP, art. 306, §2º, determinar que no prazo de
24 horas, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da
prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. A nota de culpa consiste em documento que dá ciência ao preso
dos motivos de sua prisão, do nome do condutor e das testemunhas. Deve ser assinado pela autoridade e
entregue ao preso, mediante recibo, no prazo de vinte e quatro horas, a contar da efetivação da prisão (artigo 306,
§ 2º, do CPP). A não observância desse prazo, apesar de configurar crime de abuso de autoridade, não acarreta a
nulidade da prisão em flagrante.

9.5.5. Artigo 12, parágrafo único, inciso IV - prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de
prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando,
sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após
recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.

Nesse dispositivo legal, o legislador pune aquele que deixar de executar o alvará de soltura imediatamente após
recebido. A autoridade policial ou autoridade administrativa (Diretor do Estabelecimento prisional) recebem o
alvará e não cumprem sem justo motivo. O legislador usou a expressão “imediatamente” sem dizer o tempo
mínimo ou máximo necessário. Rogério Greco e Rogério Sanches Cunha entendem que, após recebido o alvará, a
autoridade deverá empregar esforços para cumpri-lo, não podendo ultrapassa o prazo de 24 horas. Nesse caso,
usando com parâmetro o inciso III do art. 12.

Consumação dos crimes –

• No artigo 12, caput, parágrafo único, inciso I e III – Nesses casos, ocorre a consumação do crime
quando a autoridade não efetuou a comunicação da prisão (em flagrante, temporária ou preventiva) ao
Juiz ou não entregou ao preso a nota de culpa dentro do prazo de 24 horas.
• No artigo 12, parágrafo único, inciso II – No caso do inciso II, quando deixe de comunicar
imediatamente à família do preso ou pessoa por ele indicada.

• No artigo 12, parágrafo único, inciso IV – Aqui se trata de um crime permanente, no qual a
consumação se prolonga no tempo.

Tentativa – O artigo 12, caput e parágrafo único, traz crimes omissivos próprios ou puros, e, portanto, não
admitem a tentativa.
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Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena máxima
não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal (art. 76),
suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

9.6. ARTIGO 13 –

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua
capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

O verbo constranger (núcleo do tipo) significa coagir, física ou moralmente; compelir, dominar certa pessoa, de
modo a obriga-la fazer alguma coisa pelo uso da violência, intimidação ou força. Nesse caso, a coação deriva do
poder, da autoridade.

Esse crime do artigo 13 traz uma espécie de constrangimento ilegal ou até mesmo de tortura, na qual a
autoridade pública, usando do seu poder, obriga o preso ou detento a fazer ou deixar de fazer algo contra sua
vontade.

O constrangimento ocorre de três formas:

• Violência – é chamada vis corporalis, na qual a autoridade emprega o uso da força física sobre o corpo
da vítima.
• Grave ameaça – é chamada vis compulsiva, na qual a autoridade ataca o psicológico, o emocional da
vítima.

• Redução de sua capacidade de resistência – Qualquer outro meio que reduza seu poder de
autodeterminação, de decisão sobre seus atos, como o uso de substâncias psicotrópicas.

O ato de constranger o preso deverá ter um fim específico, um dolo especial, que deverá se encaixar em um dos 3
incisos que veremos abaixo.

9.6.1. Art. 13, inciso I – Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou
redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à
curiosidade pública;

Não à toa, mais uma vez, a Lei N. 13.869 de 2019 visa punir aqueles que descumprem preceitos constitucionais,
como a violação à dignidade da pessoa humana, bem como a vedação ao tratamento desumano ou degradante.
Vejamos:

CF/88 - Art. 1° - III - a dignidade da pessoa humana;

CF/88 - Art. 5° - III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

CF/88 - Art. 5° - XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
9

CF/88 - Art. 5° - X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Aqui, trata-se de uma prisão legal, mas com um constrangimento desnecessário, por exemplo, o ato do policial
que puxa o cabelo do preso para trás, mostrando seu rosto.

9.6.2. Art. 13, inciso II – Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou
redução de sua capacidade de resistência, a submeter-se a situação vexatória ou a
constrangimento não autorizado em lei;

Assim como no inciso anterior, a Lei N. 13.869 de 2019 visa punir aqueles que descumprem preceitos
constitucionais, como a violação à dignidade da pessoa humana, bem como a vedação ao tratamento desumano ou
degradante.

Também temos uma prisão legal, mas com um constrangimento desnecessário, como expor um preso de cuecas
para jornais, ou humilhá-lo publicamente, obrigando a cantar canções etc.

Imagine, por exemplo, uma pessoa acabara de comete uma tentativa de homicídio contra um Policial e, em
seguida, faz um vídeo insultando os órgãos de segurança pública. Após ser presos, os Policiais obrigam o preso a
fazer um vídeo com pedido de desculpas. Haverá, nesse caso, o crime em análise. Haverá também esse crime
quando policiais prendem alguém no dia do seu aniversário e obrigam a cantar parabéns.

Destaca-se, também, que se ficar evidenciado que o preso foi algemado indevidamente, isto é, sem as
justificantes da Súmula Vinculante N. 11 poderá importar nesse crime. A propósito, “só é lícito o uso de algemas
em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte
do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil
e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.” (Súmula Vinculante 11)

Vítima Adolescente (LEI Nº 8.069 de 1990) Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras


providências – Sendo a vítima criança ou adolescente, aplica-se o disposto previsto no ECA.

Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a
constrangimento:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

9.6.3. Art. 13, inciso III – Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou
redução de sua capacidade de resistência, a produzir prova contra si mesmo ou contra
terceiro.

Nesse tipo penal, o legislador criminaliza a conduta da autoridade pública que obriga o preso a produzir prova
contra si mesmo ou contra terceiro. Afinal, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo ou contra
terceiro (nemo tenetur se deterege).

Podemos citar como exemplo: obrigar o preso a dizer o local onde se encontra arma que foi usada no crime; dizer
o nome dos outros bandidos; fornecer senha do celular para que a polícia tenha acesso às mensagens; ou até
mesmo confessar o crime.

Não haverá o crime quando o preso (autor de crimes de estupros) é exibido à mídia para fins de identificação por
parte de outras vítimas, uma vez que, nesse caso, a finalidade é atender o interesse público.

Consumação – As condutas previstas no art. 13, incisos I, II e III se consumam no momento em que o preso ou
detento efetivamente realiza o ato desejado pelo agente público. Trata-se, portanto de um crime material, no
9

que é necessária a realização do ato do preso ou detento. De modo que se a aç ão não for executada pelo
preso haverá o crime na forma tentada.

Crime de tortura (art. 1º, Lei 9.455 de 1997) – O tipo penal do art. 13, inciso III da Lei de Abuso de
Autoridade muito se assemelha ao crime de Tortura-confissão (tortura-prova) do art. 1º, inciso I, “a” da Lei de
Tortura. A Lei 9.455 de 1997 prevê como crime a conduta “constranger alguém com emprego de violência ou
grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou
confissão da vítima ou de terceira pessoa”. A grande diferença está na intensidade da violência ou grave ameaça,
que causará sofrimento físico ou mental. No crime de abuso de autoridade, não há a previsão do sofrimento físico
ou mental. No mesmo sentido, Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco (pag. 133). Vejamos as diferenças:

Crime de Tortura Crime de Abuso de Autoridade


(Art. 1º, I, a) (Art. 13, III)
Elemento Dolo com o fim de obter Dolo de constranger o preso ou o detento para
Subjetivo informação, declaração ou produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
confissão da vítima ou de
terceira pessoa.
Meios de Violência ou grave ameaça Violência, grave ameaça ou redução de sua
Execução capacidade de resistência.
Consumação Crime formal (com o fim de...) Crime material
Natureza Equiparado a hediondo Não equiparado a hediondo
Potencialidade Crime de máximo potencial Crime de médio potencial ofensivo
Ofensiva ofensivo
Fiança Não cabe Cabível pelo delegado de polícia.
Pena Reclusão de 2 a 8 anos (sem Detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem
multa) prejuízo da pena cominada à violência.

Institutos Não cabe Cabível suspensão condicional do processo (art. 89 -


despenalizadores JECRIM)

9.7. ARTIGO 14 – (VETADO).

Esse dispositivo legal foi vetado pelo Presidente da República, veto este mantido pelo Congresso Nacional.

O Art. 14 trazia o seguinte texto:

“Art. 14. Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem
de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida
mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública: Pena -
detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não haverá crime se o intuito da fotografia ou filmagem for o de produzir prova em
investigação criminal ou processo penal ou o de documentar as condições de estabelecimento penal.”

Razões do veto –

“A propositura legislativa, ao prever como elemento do tipo ‘com o intuito de expor a pessoa a vexame ou
execração pública’, gera insegurança jurídica por se tratar de tipo penal aberto e que comporta interpretação,
notadamente aos agentes da segurança pública, tendo em vista que não se mostra possível o controle absoluto
sobre a captação de imagens de indiciados, presos e detentos e sua divulgação ao público por parte de
particulares ou mesma da imprensa, cuja responsabilidade criminal recairia sobre os agentes públicos. Por fim, o
registro e a captação da imagem do preso, internado, investigado ou indiciado poderá servir no caso concreto ao
interesse da própria persecução criminal, o que restaria prejudicado se subsistisse o dispositivo.”
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9.8. ARTIGO 15 –

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:
I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou
II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a
presença de seu patrono.

Esse dispositivo criminaliza uma conduta que já era proibida pelo CPP, art. 207. Conforme o CPP, são proibidas
de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se,
desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho. Como regra, essas pessoas são proibidas de
depor, no entanto, elas poderão até depor (se quiserem) quando autorizadas pela pessoa que lhe confiou o
segredo. Vale ressaltar que é uma faculdade, mesmo que desobrigadas.

Vale destacar, ainda, que o CPP traz algumas regras no que se refere ao Depoimento. Vejamos:

• Como regra, qualquer pessoa poderá ser testemunha – Art. 202 – Toda pessoa poderá ser
testemunha.

Nesse sentido, a testemunha tem o dever de falar a verdade, sob pena de incorrer em crime de falso testemunho –
Art. 342 do CP.

Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) – Falso testemunho ou falsa perícia

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo
arbitral: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de
2013) (Vigência)

É importante citar que, conforme entendimento do STF, não configura crime de falso testemunho,
quando a pessoa, depondo como testemunha, deixa de revelar fatos que possam incriminar (STF,
Pleno, HC 73.035/DF; J. 13.11.1996)

• Pessoas que poderão se recusar a depor – Art. 206 – A testemunha não poderá eximir-se da
obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha
reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando
não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

• Por fim, pessoas que são proibidas de depor – Art. 207 – Confidentes Necessários – São
chamados de “confidentes necessários”, pois as pessoas confiam a elas seus segredos em razão do seu
mister.

Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
9

Assim, não custa lembrar que o dispositivo legal em análise trata do artigo 207 do CPP. O ato criminoso consiste
em obrigar a vítima a depor. O meio utilizado para o constrangimento é uma ameaça indevida de prisão, que
obviamente se torna ilegal. Em razão desse ameaça, a vítima (constrangida) realiza o depoimento. Algumas
pessoas, em razão do cargo que exercem, tem acesso a informações de caráter sigiloso, que poderão ter cunho
criminoso ou não, e assim, podendo auxiliar nas investigações.

O artigo 15 criminaliza justamente essa coação frente a algumas pessoas. Vejamos:

1. Advogado – Lei N. 8.906 de 1994 – Estatuto da OAB –

Art. 7º, inciso XIX - São direitos do advogado: recusar-se a depor como testemunha em processo no qual
funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando
autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;

O Código de Ética e disciplina da OAB, no art. 25 e 26, determina que o sigilo profissional é inerente à
profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se
veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao
interesse da causa.
Assim, o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício,
cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato
relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo
constituinte.

2. Médico – Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009 –

De acordo com o art. 73, é vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de
sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Essa proibição
permanecerá mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; bem como quando
de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e
declarará seu impedimento.

O Código de Ética medica determina ainda que essa proibição permanecerá na investigação de suspeita de crime
o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

3. Jornalista – Lei N. 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967 –

De acordo com o art. 7º da Lei N° 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967, que regula a liberdade de manifestação
do pensamento e de informação Regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, no exercício
da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será, no entanto,
assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas
por jornalistas, radiorrepórteres ou comentaristas.

4. Aquele que exerce Ministério – Nesse caso, temos como exemplo o Padre, Pastor, Rabino, Judeus etc.
Esses, quando recebem algum tipo de confissão de caráter sigiloso, deverão guardar segredo.

5. Mediador ou conciliador – Art. 165 e art. 175 do CC.

6. Deputados e Senadores –
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos.

§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou


prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam
informações. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
9

Código Penal – Art. 154 – Violação do segredo profissional – Vale acrescentar que o Código Penal
(Decreto-Lei 2.848 de 1940) traz o crime de Violação do segredo profissional.

Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa de um conto a dez contos de réis. (Vide Lei nº 7.209, de
1984)

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Crime de forma vinculada – São aqueles em que o legislador descreve no tipo penal a forma de execução da
conduta, de modo que só poderão ser praticados daquela forma para que o crime se configure. De forma
expressa, o legislador vinculou a conduta: "Constranger a depor, sob ameaça de prisão...”. Perceba que a
vítima está sendo coagida sob ameaça de prisão que, obviamente, é ilegal. Se o constrangimento for de causar
outro mal injusto ou grave, que não seja esse, restará afastado o crime de abuso de autoridade, podendo
configurar, eventualmente, o crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP). Nesse sentido, Renato Brasileiro
de Lima, pag. 166.

9.8.1. Art. 15, inciso I – Incorre na pena de detenção de 1 a 4 anos, além da multa, quem prossegue
com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio;

Esse dispositivo visa punir aqueles que descumprem preceitos constitucionais, como o direito ao silêncio, prevista
no art. 5º, LXIII, CF/88. No CPP, art. 186, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da
acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer
calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. O silêncio, que não importará em confissão, não
poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

De maneira clara, o art. 15, inciso I, pune a conduta da autoridade que prossegue com o interrogatório de pessoa
que tenha decidido exercer o direito ao silêncio. Uma vez que a pessoa fez a opção, livre e voluntária, pelo direito
ao silêncio, a autoridade (policial ou judicial) não poderá prosseguir na formulação das perguntas. Assim, feita a
opção pelo exercício do direito, nenhum questionamento poderá ser feito, sob pena de incorrer em crime de abuso
de autoridade.

Abrangência do direito ao silêncio (Nemo tenetur se detergere) –

É importante citar a abrangência do direito ao silêncio no Interrogatório. O CPP, art. 187, divide o interrogatório
em duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos.

• 1ª Parte – O art. 187,§1º, diz respeito aos dados de qualificação do acusado. Nesse ponto, o
interrogando não poderá mentir. Aqui, conforme o dispositivo legal, “o interrogando será perguntado
sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade,
vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do
processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros
dados familiares e sociais.”
Nesse sentido, já decidiu o STJ, na súmula 522 que, “a conduta de atribuir-se falsa identidade perante
autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”.

O STF afirmou que a garantia constitucional de permanecer calado não engloba a utilização de
identidade falsa perante autoridade policial, ainda que em situação de autodefesa. Segundo o STF, a
garantia constitucional do art. 5º, LXIII da CF/88 abrange somente o direito de mentir ou omitir sobre os
fatos que são imputados à pessoa e não quanto à sua identificação.
9

Em observância à orientação fixada pelo STF no RE 640139 DF, o STJ revê sua jurisprudência e passa a
aplicar o entendimento de que tanto o uso de documento falso (art. 304 do CP), quanto a atribuição de
falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que utilizados para fins de autodefesa, visando a ocultação de
antecedentes, configuram crime.

Código Penal –

Uso de documento falso

Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

Falsa identidade

Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou
alheio, ou para causar dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

Em outras palavras, o acusado tem o direito de permanecer calado, protegido pelo artigo art. 5º, LXIII, da CF/88,
mas não possui, entretanto, o direito de mentir a respeito de sua identidade perante a autoridade policial, sob
pena de incorrer no crime de uso de documento falso (art. 304, CP) ou de falsa identidade (art. 307, CP).

O crime é praticado no momento do interrogatório, seja já fase policial ou judicial, uma vez que o dispositivo legal
não faz qualquer distinção.

Sujeitos Ativos – Nesse caso, são sujeitos ativos:

• Delegado de Polícia – Durante o inquérito.


• Promotores de Justiça –
• Presidentes de CPI –
• Autoridades Judiciárias –

Lei N. 12.850 de 2013 – Na Lei de Organização criminosa, especificamente no art. 4º trata da Colaboração
Premiada. O § 14 do mesmo artigo ressalta que “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na
presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.” Nesse
caso, não haverá crime de abuso de autoridade.

9.8.2. Art. 15, inciso II, Incorre na pena de detenção de 1 a 4 anos quem prossegue com o
interrogatório de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor
público, sem a presença de seu patrono.

Assim como no dispositivo anterior, esse dispositivo visa punir aqueles que descumprem preceitos
constitucionais, como o direito a assistência da família e de advogado, prevista no art. 5º, LXIII, CF/88LXIII (o
preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência
da família e de advogado). Conforme previsto no CPP, art. 185, o acusado que comparecer perante a autoridade
judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou
nomeado.

Apesar de divergências quanto à necessidade, ou não, da presença de advogado durante o interrogatório policial
– em sede de investigação preliminar, o novo tipo penal passa a prever como crime a conduta da autoridade que
prossegue com o interrogatório de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou
defensor público, sem a presença de seu patrono. Desse modo, se o interrogando faz a opção de ter
sua assistência técnica, por um advogado ou defensor público, torna-se obrigatória a presença. Sem
9

esta, haverá o crime em análise. Perceba que o dispositivo legal não faz distinção entre os momentos
do interrogatório, seja já fase policial ou judicial.

Por fim, o art. 15, parágrafo único, inciso II, destaca que a pessoa (interrogando) pode fazer a opção pelo defensor
ou não. Por óbvio, se ela não quis, optou por ser interrogado sem sua assistência técnica, não haverá o crime.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de 1
a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de médio
potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão condicional do
processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995

9.9. ARTIGO 16 – OMISSÃO NA IDENTIFICAÇÃO –

Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura
ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por interrogatório em sede de
procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso ou atribui a si
mesmo falsa identidade, cargo ou função.

Assim como em diversos dispositivos anteriores, esse dispositivo visa punir aqueles que descumprem preceitos
constitucionais. A CF/88, no art. 5º, LXIV, assegura que “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por
sua prisão ou por seu interrogatório policial;”

Nesse sentido, interpretando a CF/88, é direito do preso e obrigação da autoridade pública se identificar. Caso
não o faça ou faça de forma falsa, ela incorrerá no crime do artigo 16, caput. A omissão na identificação ou a
identificação falsa tem por fim evitar o reconhecimento do agente no ato da captura, evitando que o preso exerça
seu direito constitucionalmente previsto. Esse crime ocorre no momento da captura, ou durante sua detenção ou
prisão. Esse crime é tipo penal especial em relação ao crime do Art. 307 do CP. Vejamos:

Falsa identidade –
Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou
alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

O art. 16, caput, prevê duas formas de conduta:

1. Deixar de identificar-se – Aqui temos um crime omissivo próprio, um não fazer, uma omissão.

2. Identificar-se falsamente – Aqui temos uma conduta comissiva, uma ação, atuação positiva. O agente
poderá praticar o crime de várias formas, por exemplo, verbalizando um nome falso; ou alterando o nome
do fardamento ou uniforme. Vale destacar que o agente público, nesse caso, não usa documento falso ou
adulterado. Pois, se assim agir, incorrerá no crime de Uso de documento falso, art. 304 do CP,
restando afastado o crime do art. 16 da Lei de Abuso.

Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297
a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
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Art. 16, Parágrafo único – Interrogatório de preso em sede de procedimento investigatório de


infração penal –

O Parágrafo único do artigo 16 pune com a mesma pena o responsável por interrogatório em sede de
procedimento investigatório de infração penal que:

1. Deixa de identificar-se ao preso – Trata-se de um crime omissivo próprio, no qual há uma omissão da
autoridade.

2. Atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função – Trata-se de um crime de forma livre,
podendo ser praticado de qualquer modo. Vale destacar que o agente pode praticar o crime pela simples
atribuição de falsa identidade, sem a necessidade de usar documento falso.

Perceba que, diferente do caput (no qual o momento era da captura, detenção ou prisão), aqui o crime ocorre
durante o interrogatório de preso em sede de procedimento investigatório de infração penal, ou seja, não
abrange:

• Interrogatório judicial;
• Interrogatório em Processo Administrativo Disciplinar;
• Interrogatório de pessoa solta.

Tentativa – São duas as condutas previstas no caput:

1. Deixa de identificar-se ao preso – Nesse caso, não é cabível a tentativa, uma vez que se trata de
crime omissivo próprio.

2. Atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função – Nesse caso, se a conduta for praticada
verbalmente, também não será admitida, uma vez que se trata de crime plurissubsistente.

Observações – Prisões praticadas por particular –

1. Prisão em flagrante praticado por particular se identificando falsamente como autoridade


pública –

- Contravenção Penal – Art. 45 – Fingir-se funcionário público:


Pena – prisão simples, de um a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a três contos de réis.

2. Execução de prisão temporária ou preventiva praticado por particular se identificando


falsamente como autoridade pública –

- Usurpação de função pública –


Art. 328 - Usurpar o exercício de função pública:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se do fato o agente aufere vantagem:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena máxima
não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal (art. 76),
suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.
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9.10. ARTIGO 17 – (VETADO).

Esse dispositivo legal foi vetado pelo Presidente da República, veto este mantido pelo Congresso Nacional.

O Art. 17 trazia o seguinte texto:

“Art. 17. Submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe
restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou
apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade
ou de terceiro:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aplicada em dobro se:

I - o internado tem menos de 18 (dezoito) anos de idade;

II - a presa, internada ou apreendida estiver grávida no momento da prisão, internação ou apreensão, com
gravidez demonstrada por evidência ou informação;

III - o fato ocorrer em penitenciária.”

Razões do veto

“A propositura legislativa, ao tratar de forma genérica sobre a matéria, gera insegurança jurídica por encerrar
tipo penal aberto e que comporta interpretação. Ademais, há ofensa ao princípio da intervenção mínima, para o
qual o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, além do fato de que o uso de algemas
já se encontra devidamente tratado pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da Súmula Vinculante nº 11, que
estabelece parâmetros e a eventual responsabilização do agente público que o descumprir.”

9.11. ARTIGO 18 – INTERROGATÓRIO DURANTE O REPOUSO NOTURNO –

Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo
se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar
declarações:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

O tipo penal em análise criminaliza a conduta de submeter o preso a interrogatório policial durante o período de
repouso noturno. Essa regra tem duas exceções:

1. Se capturado em flagrante delito – O ato de prisão em flagrante poderá ocorrer a qualquer e


qualquer hora, pois estamos diante de um fato criminoso praticado pelo particular, assim não faria
sentido que essa conduta do art. 18 abarcasse a hipótese de flagrante. O interrogatório serve, inclusive
para que a pessoa capturada não seja presa indevidamente, de modo que podemos estar diante de Estado
de Necessidade, Legítima defesa etc. Ou seja, serve também para resguardar e proteger o próprio agente
que foi capturado. Desta forma, no momento da prisão em flagrante, qualquer que seja a hora, inclusive
no repouso noturno, é possível realizar o interrogatório policial. Portanto não haverá crime de abuso de
autoridade. Nesse sentido, é o texto do art. 304 do Código de Processo Penal. Vejamos:
9

CPP – Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde
logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá
à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é
feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o
auto. (Redação dada pela Lei nº 11.113, de 2005)

2. Se o preso, devidamente assistido, consentir em prestar declarações – Nesse caso, uma vez
preenchidos os requisitos legais, mesmo que realizado em horário noturno, não haverá o crime de abuso
de autoridade. Para que não haja o crime em análise são necessários dois requisitos:

• Preso devidamente assistido por seu advogado ou defensor público.


• Se consentir em prestar declarações, ou seja, mesmo que na devida presença do defensor, se não
optar por ser interrogado, esse direito deverá ser respeitado, sob pena de incorrer em crime.

Tipos de prisão – O crime em análise só abarca a prisão em preventiva (art. 311 do CPP) e a prisão temporária
(Lei 7.960 de 1989), uma vez que o próprio artigo trouxe ressalvas quanto à prisão em flagrante.

Conceito de horário noturno – O conceito de horário noturno, nesse caso, não é o mesmo do crime de furto,
artigo 155, §1º, do Código Penal. Nesse caso, o conceito varia de acordo com a localidade, pois a finalidade do CP é
punir com mais rigor o agente criminoso que praticou o furto quando a população local está menos guarnecida,
menos vigiada, se aproveitando da facilidade da subtração. Conforme Rogério Sanches Cunha e Rogério grego,
aplicando-se uma interpretação sistêmica, adota-se como conceito de horário noturno aquele compreendido entre
21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas), previsto no art. 22, §1º, III.

Interrogatório realizado no fim de semana e/ou feriado – O texto legal traz a restrição quanto ao horário,
nada dispondo sobre dias da semana. Desta forma, é perfeitamente possível a realização durante o fim de
semana ou feriado, desde que respeite a regra disposta no dispositivo legal.

Interrogatório iniciado antes do período de repouso noturno (Entre 21h e antes das 5h) – Se o
interrogatório for iniciado antes das 21h, mas se prologando por após o período, ele deverá ser suspenso e
retomado no dia seguinte. Nesse sentido, é o entendimento de Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco
(GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora JusPodivm,
2019, p. 161)
No mesmo sentido, Renato Brasileiro de Lima: “É dizer, iniciado o interrogatório policial do preso por volta de
20h, este deve ser interrompido às 21h e retomado no dia seguinte às 5h. Ora, se o escopo da Lei é preservar a
autodeterminação do preso submetido a interrogatório policial em momento de maior vulnerabilidade, não há
nenhuma lógica em estender a realização do ato durante o período de repouso noturno, até mesmo porque o
prosseguimento no dia seguinte não trará nenhum prejuízo à investigação. (Pag. 130)

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União


(CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019), emitem os seguintes enunciados:

ENUNCIADO #12 (art. 18) Ressalvadas as hipóteses de prisão em flagrante e concordância do


interrogado devidamente assistido, o interrogatório extrajudicial do preso iniciado antes, não pode
adentrar o período de repouso noturno, devendo ser o ato encerrado e, se necessário, complementado no dia
seguinte.

A tentativa é perfeitamente possível na hipótese, por exemplo, de um policial retirar o preso da cela para
realizar o interrogatório, porém foi impedido por terceiros.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena máxima
9

não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal (art. 76),
suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

9.12. ARTIGO 19 –

Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade


judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua
custódia:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente do impedimento ou da demora,
deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a
prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja.

Artigo 19, caput –

Esse crime visa punir o agente público que descumpre regras previstas na Constituição Federal (art. 5º, inciso
XXXIV), bem como na Lei de Execução Penal (art. 41, XIV). De acordo com a CF/88, XXXIV, são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de
direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de
direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal. Esses pedidos e/ou reclamações poderão ser
estendidos também aos presos, uma vez que não há restrição nesse caso. Assim, o preso poderá encaminhar um
pedido ao juiz, por intermédio do Diretor do Estabelecimento Prisional. A Lei de Execução Penal, em seu art. 41,
dispõe sobre os direitos do preso. No inciso XIV, o legislador trouxe como direito do preso a representação e
petição a qualquer autoridade, em defesa de direito. Em ambos os casos, o pedido deverá ser encaminhado ao
juiz, sob pena de incorrer na conduta criminosa. Esse artigo também visa assegurar o direito que toda e qualquer
pessoa tem de impetrar habeas Corpus, independentemente de capacidade postulatória. Destaca-se que haverá o
crime em análise se o pleito de preso for direcionado à autoridade judiciária competente e versar sobre a
apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia. Assim, não haverá o crime se o
pleito for direcionado ao Membro do MP, Defensoria pública etc, Corregedorias e ouvidorias.

Sujeito Ativo – Figura como sujeito ativo, no caso do art. 19, caput, o Delegado de Polícia, o Policial Civil,
Militar ou Penal responsáveis por encaminhar o pedido ao Juiz e não o fazem.

A conduta é comissiva (ação) no caso do verbo impedir e omissiva no caso do verbo retardar. O verbo
“impedir” significa dificultar a ação, tornar impraticável; atrapalhar, dificultar, obstar, empatar. Já o verbo
“retardar” significa atrasar, demorar, tardar, remanchar, deter.

O tipo penal em análise não fez qualquer exigência à forma do pedido, sendo assim, ele poderá ser escrito ou
verbal.

Artigo 19, parágrafo único – Nesse caso, temos um tipo penal relacionado ao caput, porém com algumas
diferenças. Aqui o sujeito ativo é o Juiz que, ciente do impedimento ou da demora, se omite frente à conduta
criminosa, deixando de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a
prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja. Trata-se, portanto, de uma conduta omissiva.

No âmbito do Sistema Prisional, várias são as demandas das pessoas submetidas ao cárcere. Os presos
(provisórios ou definitivos) podem realizar diversas solicitações. Imagine, por exemplo, que o preso entregue um
papel ao Policial Penal para que esse entregue ao Juiz. Nesse papel, há uma solicitação do preso ao juiz para fins
de progressão de regime, pois, conforme os dados apresentados, ele já preenche os requisitos objetivos e
subjetivos (art. 112, LEP). Se o Policial Penal impedir o retardar a entrega desse pedido, incorrerá nesse crime.
9

De outro lado, se o Juiz ao receber tal pedido, tomando ciência que preso, de fato, preenche todos os requisitos e
nada faz, se omitindo de forma injustificada, ele também incorrerá nesse crime.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de médio
potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão condicional
do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

9.13. ARTIGO 20 –

Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de
entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes
de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicar-se durante a audiência, salvo
no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência.

Esse crime visa punir o agente público que descumpre regras previstas na Lei de Execução Penal (art. 41, IX), no
Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no Estatuto da Advocacia. De acordo com o art. 41 da LEP, IX,
constituem direitos do preso entrevista pessoal e reservada com o advogado. Já o ECA, no art. 124, inciso III,
dispõe que são direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes avistar-se reservadamente
com seu defensor. No mesmo sentido reza o Estatuto da OAB, em seu Art. 7º, inciso III, que são direitos do
advogado comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se
acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados
incomunicáveis.

Esses dispositivos estão relacionados à ampla defesa prevista no art. 5º, inciso LV. De acordo com a CF, aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Quanto ao sujeito ativo, no art. 20, caput, é qualquer agente público com capacidade para impedir tal ato. Já no
parágrafo único, é apenas o Juiz, pois se trata de um ato praticado no contexto da audiência.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena máxima
não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal (art. 76),
suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.
9

Lei de Abuso de Autoridade Estatuto da Ordem dos Advogados


Art. 20. Impedir, sem justa causa, a Art. 7º, III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e
entrevista pessoal e reservada do preso com reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se
seu advogado: acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos
civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

Art. 7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de


Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º
anos, e multa. desta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.869. de 2019)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e


multa. (Incluído pela Lei nº 13.869. de 2019)

Os tipos penais, apesar de parecidos, trazem condutas diferentes. O artigo 20, caput, da Lei de Abuso de Autoridade
traz a conduta de Impedir a entrevista (sem justa causa) pessoal e reservada do preso com seu advogado, punido
com pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. O núcleo do tipo “impedir” significa
“impossibilitar, atrapalhar, obstar, empatar” a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado. Ou seja,
há um impedimento total do exercício do direito da advocacia.

Já no Estatuto da OAB, a conduta é de violar a comunicação do advogado com seus clientes, pessoal e
reservadamente. Aqui, o direito é parcialmente violado. O advogado tem acesso ao preso, no entanto não consegue
se comunicar pessoal e reservadamente com seu cliente. Nesse caso, a pena é mais branda, detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, e multa.

9.14. ARTIGO 21 –

Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente
na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Nos últimos anos, o número de mulheres recolhidas ao cárcere aumentou consideravelmente, principalmente
relacionados ao crime de tráfico de drogas. Com o crescimento, vêm também os problemas estruturais, como o
prisão de mulheres e homens no mesmo espaço.

A conduta prevista no art. 21, caput, trata do crime de manter na mesma cela ou espaço de confinamento presos
imputáveis, maiores de idade, porém de sexo distinto. Apesar de a Lei de Execução Penal determinar a separação
dos presos por diversos critérios (inclusive de sexo), não havia previsão de crime específico para quem
descumprisse essa regra. A LEP, no seu Art. 82, §2º, determina a mulher e o maior de sessenta anos,
separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. Dessa forma,
mulher será recolhida a estabelecimento próprio, específico.

A conduta criminosa poderá ser praticada em dois lugares: na mesma cela ou espaço de confinamento. A
cela é o local onde o preso (definitivo ou provisório) deverá ser alojado. Conforme a LEP, art. 88, a cela que
9

conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Além disso, são requisitos básicos da unidade celular:
salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado
à existência humana; bem como uma área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Já o espaço de confinamento, é qualquer área ou ambiente não projetado para ocupação humana contínua que
possua meios limitados de entrada e saída, por exemplo. As unidades prisionais e os fóruns, por exemplo,
possuem espaço de confinamento, que são espaços onde o preso fica temporariamente esperando por um
atendimento, seja jurídico, médico etc. Podemos citar também o “corró da viatura”.

O artigo 21, parágrafo único, trata do crime de manter na mesma cela ou espaço de confinamento pessoas
imputáveis e inimputáveis, mas com distinção relacionada à idade. A Lei de Execução Penal não dispõe sobre a
restrição ou privação de liberdade do adolescente. Essa tem previsão no ECA, no art. 123, que dispõe que “a
internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao
abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.”

Os crimes citados se consumam independentemente de as vítimas sofrerem qualquer lesão (física, moral, sexual).
Caso essas lesões venham a ocorrer, o sujeito ativo incorrerá também nos crimes relacionados, em concurso com o
crime de abuso de autoridade.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União


(CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019), emitem os seguintes enunciados:

ENUNCIADO #13 (art. 21) A violação à regra de separação de custodiados, acompanhada de sofrimento
físico ou mental do preso, conforme as circunstâncias do caso, não tipifica o crime do art. 21 da Lei de
Abuso de Autoridade, mas o delito de tortura (art. 1º, caput, inciso I, da Lei nº 9.455/97), infração penal
equiparada a hediondo, sofrendo os consectários da Lei 8.072/1990.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de médio
potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão condicional
do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 1, DE 15 DE ABRIL DE 2014 – Parâmetros de acolhimento de LGBT em


privação de liberdade no Brasil –

De acordo com o artigo 1º, essa resolução estabelece os parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de
liberdade no Brasil.

A resolução destaca que a pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade tem o direito de ser chamada
pelo seu nome social, de acordo com o seu gênero (Art. 2º), devendo no registro de admissão no estabelecimento
prisional conter o nome social da pessoa presa (art. 2º, parágrafo único).

Conforme o art. 3º, às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas,
considerando a sua segurança e especial vulnerabilidade, deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos.

Destaca-se também que as pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as
unidades prisionais femininas. (Art. 4º)

A referida Portaria ainda destaca alguns direitos. De acordo com o Art. 5º, à pessoa travesti ou transexual em
privação de liberdade serão facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a
manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua
identidade de gênero. Além disso, é garantido o direito à visita íntima para a população LGBT em situação de
9

privação de liberdade (Art. 6º); bem como, serão garantidos a manutenção do seu tratamento hormonal e o
acompanhamento de saúde específico (art. 7º, Parágrafo único).

9.15. ARTIGO 22 – VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO POR AUTORIDADE PÚBLICA –

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante,


imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem
determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas
dependências;
II - (VETADO);
III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes
das 5h (cinco horas).

§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios
que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.

Incialmente é importante registrar que o legislador visa proteger a dignidade da função pública, o prestígio que o
poder público desfruta perante os particulares, bem como a própria inviolabilidade do domicílio e o direito à
intimidade. Nesse sentido, temos o texto constitucional, em seu artigo 5º. Vejamos:

Art. 5º -
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial; (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência)

Como podemos perceber, a inviolabilidade do domicílio está ligada ao direito à intimidade, especificamente à
intimidade espacial. Daí porque haverá o crime em análise mesmo que o imóvel esteja desocupado ou vazio
naquele momento (ex.: casas de praias ocupadas apenas aos fins de semana), sendo proibido o ingresso de
pessoas. Destaca-se que imóvel desocupado ou vazio é diferente de imóvel abandonado ou desabitado. Nesses
casos, não haverá crime de abuso de autoridade caso haja o ingresso.

Vale lembrar que o conceito de “casa” previsto no Código Penal (CP) abrange, por exemplo, o jardim, quintal,
terraço, laje e garagens; bem como o escritório profissional, consultório médico, quarto de hotel ou motel,
empresas e lojas (do balcão para dentro), trailers residencial, barcos residência. No entanto, não abrange o
conceito de “casa”: Bares, Restaurantes, cinemas, shoppings, pois são locais privados abertos ao público. Nesse
sentido, vejamos:

Código Penal –

Art. 150, § 4º - A expressão "casa" compreende:


I - qualquer compartimento habitado;
II - aposento ocupado de habitação coletiva;
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":
9

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II
do parágrafo anterior;
II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

No entanto, o Professor Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, adotam o conceito de ‘imóvel’ previsto no artigo
79 do Código Civil de 2003.Vejamos:

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II - o direito à sucessão aberta.
Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis:
I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro
local;
II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.

No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e


da União (CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM),
com o objetivo de contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação
da Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), emitiu o enunciado 14 acerca do tema.

ENUNCIADO #14 (art. 22) A elementar “imóvel” do artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade deve ser
conceituada nos termos do artigo 79 do Código Civil.

O tipo penal do art. 22 trata de uma modalidade especial de violação de domicílio previsto no art. 150 do Código
Penal. A grande diferença reside no sujeito ativo. Caso a violação de domicílio seja praticada por uma autoridade
pública no exercício de suas funções com um dos dolos do art. 1º, §1º, incorrerá em crime de abuso de autoridade.
Porém, sendo praticado por particular, ou por autoridade pública quando não há nenhuma relação com o
exercício da função, haverá o crime do art. 150 do CP.

Locais abertos ao público – Os locais abertos ao público, em geral, tem setores ou dependências privadas.
Todos, inclusive as autoridades, podem entrar na parte em que o acesso ao público é liberado. No entanto, para
adentrarem nas dependências privadas, é necessária autorização judicial ou do responsável.

Divergência nas decisões dos habitantes do imóvel – Se no imóvel residirem os pais e os filhos menores,
prevalecerá a decisão dos pais. Se os pais morarem com o filho maior de idade, que seja proprietário do imóvel,
prevalecerá do filho, pois é proprietário.

Destaca-se que o CP, em seu artigo 150, §2º, trazia uma causa de aumento de pena no caso de a autoridade
púbica violar domicílio alheio no exercício da função. Vejamos:

Violação de domicílio

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita
de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. (...)

§ 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou
com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder. (Vide Lei nº 13.869, de
2019) )

Essa forma majorada prevista no CP, art. 150, §2º, foi revogada expressamente pelo art. 44 da Nova Lei de Abuso
de Autoridade (Art. 44).
9

Condutas – O art. 22, caput, traz três núcleos do tipo, três formas verbos, três ações praticadas pelo sujeito
ativo. Vejamos:

1. Invadir – A conduta de invadir se configura quando o sujeito ativo usa da força, usa de meios violentos.
Trata-se do ingresso ostensivo.

2. Adentrar – A conduta de adentrar ocorre quando o sujeito ativo entra sem usar da força, sem usar de
meios violentos. Ele entra de forma clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante.

2.1. Entrada clandestina – ocorre quando feito às escondidas; sem ninguém saber; oculto.

2.2. Entrada astuciosa – Trata-se entrada maliciosa, fraudulenta. Ocorre quando o sujeito usa de meios
para enganar; usa da esperteza, manha, lábia; induzindo a vítima em erro. Podemos citar como
exemplo o sujeito que se passa por guarda sanitário, empregado de empresa de telefonia, de energia
elétrica.

2.3. Entrada à revelia da vontade do ocupante – Aqui a entrada ocorre sem o consentimento do
ocupante do imóvel.

3. Permanecer – Nessa modalidade de conduta, o sujeito já está dentro do imóvel, no entanto se recusa a
sair.

Elemento normativo do tipo – O crime só irá ocorrer se as condutas praticadas ocorrerem sem
determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei. De acordo com a CF, art. 5º, inciso XI,
“a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em
caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”

No que diz respeito à necessidade de ordem judicial, o Código de Processo Penal traz os seguintes artigos:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.


§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim
delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que
o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.
Art. 243. O mandado de busca deverá:
I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo
proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais
que a identifiquem;
II - mencionar o motivo e os fins da diligência;
III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.
§ 1o Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca.
§ 2o Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando
constituir elemento do corpo de delito
§ 4o Observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o, quando ausentes os moradores, devendo, neste caso, ser
intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente.
§ 5o Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la.
§ 6o Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da
autoridade ou de seus agentes.
9

§ 7o Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas
presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4o.

Tratando-se especificamente das condições previstas em lei, dispõe o Código de Processo Penal, em seu
artigo 245, os seguintes termos:

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à
noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o
represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.
§ 1o Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência.
§ 2o Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada.
§ 3o Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da
casa, para o descobrimento do que se procura.

FORMAS EQUIPARADAS – O art. 22, §1º traz as formas equiparadas, que serão punidas com a mesma pena.

De acordo com o a art. 22, § 1º, inciso I, incorre na mesma pena quem coage alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências. Nesse tipo penal,
o sujeito ativo coage outra pessoa, de forma a obrigar, forçar, constranger a vítima a liberar a entrada. O sujeito
ativo usa da violência ou grave ameaça.

O inciso II, do art. 22, § 1º, foi vetado pelo Presidente da República.

Inciso II do § 1º do art. 22 rezava que configurava crime a conduta de “executar mandado de busca e apreensão
em imóvel alheio ou suas dependências, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e
desproporcional, ou de qualquer modo extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a
situação de vexame;”

Razões do veto

“A propositura legislativa, ao prever como elemento do tipo a ‘forma ostensiva e desproporcional’, gera
insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Além disso, em operações
policiais, o planejamento da logística de bens e pessoas competem às autoridades da segurança pública.”

De acordo com o a art. 22, § 1º, inciso III, incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste
artigo, quem cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou
antes das 5h (cinco horas).

O CPP, Art. 245, ressalta que as buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se
realizem à noite (...). Como podemos perceber, temos uma leve divergência entre os dispositivos, uma vez que a
nova Lei e Abuso de Autoridade trata de um lapso temporal específico, sem especificar se é dia ou não. Nas
palavras de Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, a “lei 13.869/19 criou novas balizas. Enquanto houver
iluminação solar, desde que após as 5h e antes das 21h, admite-se a medida excepcional.” (Pag. 202)

Destaca-se que haverá o crime do art. 22, §1º, III, se o agente cumpre, isto é, inicia o cumprimento do mandado
de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas). Desta forma, não
haverá crime se, por exemplo, o cumprimento do mandando foi iniciado às 19horas e a diligência se estende até
às 23 horas, uma vez que isso poderia colocar em risco a própria eficácia da busca domiciliar, pois, durante esse
período sem a presença das autoridades, o objeto da busca poderia acabar desaparecendo.

Exploração de local para fins de instalação de equipamento destinado à captação ambiental com
autorização judicial –

Destaca-se que o art. 22 refere-se ao cumprimento do mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h
(vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas), que não se confunde (ou seja, é diferente) da exploração de
9

local para fins de instalação de equipamento destinado à captação ambiental com autorização
judicial. Essa, por sua vez, poderá ser feita inclusive após às após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h
(cinco horas), desde que haja autorização judicial, sem quem isso configure crime de abuso de autoridade.

Ressalta-se que a Lei de Interceptação telefônica dispõe, em seu art. 8º-A, que, para investigação ou instrução
criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a
captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando: I - a prova não puder ser feita por
outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e
participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações
penais conexas. O requerimento, conforme o §1º, deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de
instalação do dispositivo de captação ambiental.

Dentro dessa perspectiva, temos decisões do STF:

Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais óticos e acústicos. Escritório de


advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para instalação de
equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não
caracterização. (...) Inteligência do art. 5º, X e XI, da CF; art. 150, § 4º, III, do CP; e art. 7º, II, da
Lei 8.906/1994. (...) Não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja
suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob
pretexto de exercício da profissão.[Inq 2.424, rel. min. Cezar Peluso, j. 26-11-2008, P, DJE de 26-3-2010.]

O STF considera válida a entrada, com mandado judicial, durante o período noturno, em ambiente profissional a
fim de que ali se implantem escutas, não havendo proibição calcada na inviolabilidade noturna do domicílio.

“Por fim, é oportuno mencionar que o STF considerou válido provimento judicial que autorizava o ingresso de
autoridade policial em recinto profissional durante a noite, para o fim de instalar equipamentos de captação
acústica (escuta ambiental) e de acesso a documentos no ambiente de trabalho do acusado. Asseverou-se que tais
medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade, sob pena de sua frustração, o que ocorreria caso
fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Com isso, tem-se que a escuta
ambiental não se sujeita aos mesmos limites da busca domiciliar (CF, art. 5.0 , XI), bastando, para sua
legalidade, a existência de circunstanciada autorização judicial”. Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, Direito
Constitucional Descomplicado, edição 2017, página 9

EXCLUDENTES DE ILICITUDE –

Art. 22 – § 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados
indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de
desastre.

O art. 22, §2º, reproduziu o texto constitucional, trazendo hipóteses que não configuram crime de abuso de
autoridade. Essas hipóteses têm natureza jurídica de excludente de ilicitude, pois a lei usa a expressão “não há
crime”. Portanto, temos, como forma de excludente, o estrito cumprimento do dever legal. Nesse casos, não
importa o horário, se dia é dia ou noite.

Excludentes de ilicitude – Prisão em flagrante –

O Código de Processo Penal (CPP) traz as hipóteses de prisão em flagrante, nos seguintes termos:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer
que seja encontrado em flagrante delito.
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
9

II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça
presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele
autor da infração.

Sobre sua classificação, além de outras, temos as seguintes espécies de flagrante:

• Flagrante próprio / real / verdadeiro / perfeito / propriamente dito – Art. 302, incisos I e II;
• Flagrante impróprio / irreal / quase-flagrante/ imperfeito – Art.302, inciso III;
• Flagrante presumido / ficto / assimilado – Art.302, inciso IV;

Conforme os professores Guilherme Sousa Nucci e Renato Brasileiro, é cabível a invasão domiciliar nessas
condições em qualquer espécie de prisão em flagrante (Art. 302, I, II, III e IV).

Perseguição policial em caso de flagrante delito –

Caso haja uma perseguição em razão da prática de um crime, estando o sujeito em situação de flagrante, e o
mesmo invade a casa de alguém, poderá a autoridade também adentrar, uma vez que aquele sujeito praticou
outro crime (violação de domicílio – Art. 150, CP), estando, portanto, em situação de flagrante.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de
médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão
condicional do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO COLETIVO –

As regras para que seja autorizado o Mandado de Busca e apreensão estão no Código de Processo Penal, a partir
do art. 240. No §1º do art. 240, o legislador traz algumas hipóteses que são autorizadas a busca domiciliar.
Conforme o CPP, proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para prender
criminosos; apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; apreender instrumentos de falsificação ou
de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; apreender armas e munições, instrumentos utilizados na
prática de crime ou destinados a fim delituoso. De acordo com o Código de Processo Pena, o mandado deverá ser o
mais específico possível, devendo indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência
e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-
la ou os sinais que a identifiquem.

Ocorre que no Estado do Rio de Janeiro, sob a intervenção federal, o Ministro de Estado da Defesa da época
anunciou que seriam solicitados mandados de Busca e apreensão coletivos, sem especificar quais imóveis e
pessoas seriam atingidas.

O STJ, em Novembro de 2019, considerou ilegal busca e apreensão coletiva em comunidades pobres
do Rio de Janeiro. Vejamos:

É ilegal a decisão judicial que autoriza busca e apreensão coletiva em residências, feita de forma genérica e
indiscriminada. A decisão é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao anular decisão que autorizou a
medida em duas favelas do Rio de Janeiro.

"A carta branca à polícia é inadmissível, devendo-se respeitar os direitos individuais. A suspeita de que na
comunidade existam criminosos e que crimes estejam sendo praticados diariamente, por si só, não autoriza que
toda e qualquer residência do local seja objeto de busca e apreensão", disse o relator do habeas corpus, ministro
Sebastião Reis Júnior.

Em seu voto, o ministro também afastou a necessidade de indicar os nomes de cada paciente, uma vez que a
própria decisão não faz a identificação.
9

Segundo o relator, a falta de individualização contraria diversos dispositivos legais, como os artigos 240, 242,
244, 245, 248 e 249 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 5°, XI, da Constituição Federal, que traz
como direito fundamental a inviolabilidade do domicílio.

Em seu voto, o ministro citou doutrina segundo a qual é indispensável que o mandado de busca e apreensão
tenha objetivo certo e pessoa determinada, não se admitindo ordem judicial genérica. "Reitero, portanto, o meu
entendimento de que não é possível a concessão de ordem indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da
polícia em qualquer residência".

Ao aderir ao voto do relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz ressaltou que a medida de busca e apreensão
coletiva "é notoriamente ilegal e merece repúdio como providência utilitarista e ofensiva a um dos mais sagrados
direitos de qualquer indivíduo — seja ele rico ou pobre, morador de mansão ou de barraco: o direito a não ter sua
residência, sua intimidade e sua dignidade violadas por ações do Estado, fora das hipóteses previstas na
Constituição da República e nas leis".

Schietti ressaltou que o estado do Rio de Janeiro vive tempos sombrios na economia e na política, com reflexos na
Justiça criminal e no sistema penitenciário, além de altos índices de violência. Para ele, não é possível "sacrificar
ainda mais as pessoas que, por exclusão social, moram em comunidades carentes, submissas ao crime
organizado, sem serviços públicos minimamente eficientes, sujeitando-as, além de tudo isso, a terem a
intimidade de seus lares invadida por forças policiais".

Com o habeas corpus, concedido de forma unânime, a 6ª Turma anulou a decisão que decretou a busca e
apreensão coletiva — o que afeta eventuais provas e ações penais decorrentes das diligências.

Ação em comunidades
A decisão questionada autorizou a busca e apreensão em domicílios nas comunidades de Jacarezinho e no
Conjunto Habitacional Morar Carioca, no Rio de Janeiro, sem identificar o nome de investigados e os endereços a
serem objeto da abordagem policial.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro impetrou o habeas corpus coletivo em benefício dos moradores dessas
comunidades pobres, argumentando que, além de ofender a garantia constitucional que protege o domicílio, o ato
representou a legitimação de uma série de violações gravíssimas, sistemáticas e generalizadas de direitos
humanos.

Segundo a DP, a medida foi tomada, em agosto de 2017, após a morte de um policial em operação das forças de
segurança nas favelas de Jacarezinho, Manguinhos, Mandela, Bandeira 2 e Morar Carioca, o que levou à
concessão da ordem judicial de busca e apreensão domiciliar generalizada na região. A ordem era para que a
polícia tentasse encontrar armas, documentos, celulares e outras provas contra facções criminosas.

Na decisão que autorizou a revista indiscriminada de residências nas áreas indicadas pela polícia, a juíza
responsável fez menção à forma desorganizada como as comunidades pobres ganham novas casas
constantemente, sem registro ou numeração que as individualize. Segundo ela, a revista coletiva seria necessária
para a própria segurança dos moradores da região e dos policiais que ali atuam. Com informações da Assessoria
de Imprensa do STJ.

POLICIAIS DEVEM GRAVAR AUTORIZAÇÃO DE MORADOR PARA ENTRADA NA RESIDÊNCIA,


DECIDE SEXTA TURMA

Em julgamento realizado nesta terça-feira (2), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que
os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime e não tenham
mandado judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas
sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre
que possível, por escrito.

O colegiado estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais
providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, resultar em
9

responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas nas
investigações.

Seguindo o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a turma concedeu habeas corpus – requerido pela
Defensoria Pública de São Paulo – para anular prova obtida durante invasão policial não autorizada em uma casa
e absolver um homem condenado por tráfico de drogas. Os policiais alegaram que tiveram autorização do morador
para ingressar na casa – onde encontraram cerca de cem gramas de maconha –, mas o acusado afirmou que os
agentes forçaram a entrada e que ele não teve como se opor.

"A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam nesta corte superior diz respeito à própria
noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode
coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia
e status social, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança", afirmou o
relator.

Segundo ele, deve ser vista com muita reserva a afirmação usual de que o morador concordou livremente com o
ingresso dos policiais, principalmente quando a diligência não é acompanhada de documentação capaz de afastar
dúvidas sobre sua legalidade.

Conclusões

Ao firmar o precedente, a Sexta Turma estabeleceu cinco teses centrais:

1) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no
domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo
objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.

2) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre
autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o
ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial
se possa, objetiva e concretamente, inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.

3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de
objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.

4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe,


em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso
domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada
em áudio-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar o processo.

5) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na
ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em
relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham
realizado a diligência.

Direito fundamental

A posição defendida pelo ministro Rogerio Schietti Cruz – no sentido de que a gravação audiovisual e o registro
escrito da autorização do morador, além de confirmarem a licitude da prova obtida, trarão proteção tanto para o
9

residente quanto para os policiais – teve como base precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e de cortes
estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos, da França, Espanha e de Portugal.

O ministro lembrou que a Constituição estabeleceu como direito fundamental a inviolabilidade do domicílio, ao
mesmo tempo em que previu como únicas hipóteses para o ingresso da polícia (ou de qualquer outra pessoa) o
consentimento do morador, as situações de flagrante delito ou desastre, a necessidade de prestar socorro e a ordem
judicial – neste caso, apenas durante o dia.

Segundo o relator, o STF, ao julgar o RE 603.616, decidiu que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial
só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em razões concretas, devidamente justificadas
posteriormente, que indiquem que dentro da casa ocorria situação de flagrante delito.

Discricionariedade

No contexto brasileiro, Schietti destacou que a maior parte das prisões por tráfico de drogas não decorre de
investigações, mas de flagrantes durante o policiamento ostensivo.

Entretanto – observou –, a situação de flagrância capaz de permitir que seja afastado o direito do morador à
intimidade e à inviolabilidade do domicílio deve ser comprovada por motivos concretos e urgentes. O ministro
lembrou que, se o próprio juiz só pode determinar uma busca e apreensão em decisão fundamentada, não seria
razoável permitir que um servidor da segurança pública tivesse total discricionariedade para, a partir de uma
avaliação subjetiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém.

"Aliás, releva destacar que os tribunais, em regra, tomam conhecimento dessas ações policiais apenas quando delas
resulta a prisão do suspeito, ou seja, quando atingem o fim a que visavam. O que dizer, então, das incontáveis
situações em que agentes do Estado ingressam em domicílio, muitas vezes durante a noite ou a madrugada – com
tudo o que isso representa para os moradores –, e nada encontram?", questionou o ministro.

Estigmatização

Rogerio Schietti citou posições doutrinárias segundo as quais o flagrante que deve autorizar o ingresso policial,
sem mandado judicial, é o que resulta de verdadeira emergência, como nos casos de sequestro, em que há perigo à
vida da vítima, mas não na hipótese de crimes permanentes como a simples posse de entorpecentes ou de armas
ilegais.

Ele também mencionou pesquisas que relacionam as desigualdades sociais e raciais à estigmatização de grupos e
tipos marginalizados como potenciais criminosos, o que faz com que as abordagens policiais se voltem
frequentemente contra pessoas que já são objeto de exclusão. De acordo com o ministro, é preciso que o Brasil freie
as violações abusivas de lares da população carente.

"Chega a ser – para dizer o mínimo – ingenuidade acreditar que uma pessoa abordada por dois ou três policiais
militares, armados, nem sempre cordatos na abordagem, livremente concorde, sobretudo de noite ou de
madrugada, em franquear àqueles a sua residência", comentou.

Bons exemplos

O ministro lembrou que já existem corporações policiais no Brasil – a exemplo das polícias militares de São Paulo
e de Santa Catarina – que equiparam seus agentes com câmeras acopladas aos uniformes ou capacetes, não só
para a salvaguarda dos cidadãos, mas para a própria proteção dos agentes.
9

Essas iniciativas, segundo ele, devem ser seguidas por todos os governos estaduais, pois a medida – entre outros
benefícios – permitirá que se avalie se houve justa causa para o ingresso na residência e se o eventual
consentimento do morador foi realmente livre. Até que tal providência seja ultimada em todo o país – acrescentou
o relator –, nada impede que os policiais usem as câmeras de celulares para fazer o registro.

A Sexta Turma determinou a comunicação do julgamento aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais,
bem como ao ministro da Justiça e Segurança Pública, aos governadores dos estados e do Distrito Federal, e às
suas respectivas corporações policiais. Também serão informados o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho
Nacional do Ministério Público, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil e o
Conselho Nacional de Direitos Humanos.

9.16. ARTIGO 23 –

Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado


de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar
criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:

I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de


diligência;

II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o


curso da investigação, da diligência ou do processo.

O tipo penal do art. 23 da nova lei de abuso de autoridade dispõe de uma forma especial da fraude processual do
CP, art. 347. Inovar significa modificar ou alterar algo, introduzindo uma novidade; artificiosamente
significa usar de sutileza, astúcia, a fim de enganar. Recurso ou capacidade de obter ou fazer algo. Ou seja, nesse
contexto o sujeito ativo traz algo novo com o fim de enganar. Vejamos:

• Inovar artificiosamente o estado de lugar – O agente policial que retira vestígios (porta ou janela
quebrada) de uma invasão em domicilio.

• Inovar artificiosamente o estado de coisa – Falsificar um documento que ateste que o morador de
uma casa autorizou a entrada em domicílio.

• Inovar artificiosamente o estado de pessoa – Introduzir bebida alcoólica em pessoa, simulando que
ela estaria embriagada, e que justificaria uso de força no momento da prisão.

O crime poderá ocorrer em três momentos distintos:

1. Curso da diligência – aqui abrange atos em geral, pertinentes à preparação da fase de investigação ou
do processo.

2. Curso da investigação – a investigação diz respeito à fase pré-processual.

3. Curso do processo –

Fim específico – Nesse contexto, o agente modifica durante diligência, a investigação ou o processo modifica,
altera, inova de forma artificiosa o estado de lugar, de coisa ou de pessoa. Essa conduta tem por fim:
9

1. Eximir-se de responsabilidade – Imagine que uma equipe de policiais troque disparo com bandidos,
resultando na morte de um deles. Ao policial foi solicitada a arma de fogo que ele usava no momento do
fato. Ele, no entanto, entrega outra arma de fogo, que não aquela, com a finalidade de eximir-se de
responsabilidade.

2. Responsabilizar criminalmente alguém – Imagine que uma equipe de policiais, legalmente


amparada, esteja executando um mandado de busca e apreensão na casa de um perigoso bandido, líder
de facção criminosa. Na ocasião, não acham nada que possa incriminar tal suspeito. Porém, os policiais
deixam objetos ilícitos (drogas, armas) que contem a digital do bandido com a intenção de responsabilizá-
lo criminalmente.

3. Agravar a responsabilidade de alguém – Policiais que trocam arma de brinquedo pela arma de fogo
para agravar a pena do verdadeiro sujeito que praticou um crime de roubo.

Quanto à sua consumação, trata-se de um crime formal, que independe do resultado naturalístico. O crime se
consuma com a prática da conduta (inovar artificiosamente) agregada à finalidade específica.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de
médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão
condicional do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

9.17. ARTIGO 24 –

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição
hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com
o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

De acordo com o CPP (art. 6º), logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial
deverá se dirigir ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a
chegada dos peritos criminais. Esse ato é suma importância para preservar todo o local do crime, o corpo da
vítima no local, identificar objetos que eventualmente foram usados no crime. Desse modo, isso facilitará o
trabalho dos peritos para desvendar o crime.

Esse crime é uma forma especial de inovação artificiosa prevista no art. 23 da Lei 12.869 de 2019. A grande
diferença é que nesse caso o agente não usa do meio artificioso, e sim da violência ou grave ameaça.

O crime consiste em constranger, ou seja, obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo contra sua vontade. O
meio de constrangimento é a violência ou grave ameaça, que será dirigida ao funcionário ou empregado de
instituição hospitalar pública ou privada. O sujeito ativo constrange a vítima com uma finalidade específica: a
admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime,
prejudicando sua apuração.

Nesse caso, temos como sujeito ativo o agente de segurança pública, uma vez que sua competência está
estampada no art. 6º do CPP. Já o sujeito passivo, temos especificamente o funcionário ou empregado de
instituição hospitalar pública ou privada.
9

Quanto à sua consumação, trata-se de crime formal, cuja finalidade é constranger funcionário ou empregado
de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o
fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de
médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão
condicional do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

Esse crime guarda algumas semelhanças com o crime de tortura, diferenciando-se no dolo. Vejamos:

Crime de Tortura Crime de Abuso de Autoridade


(Art. 1º, I, a, b) (Art. 24)
Elemento Dolo com o fim de obter Dolo com o fim de admitir para tratamento pessoa
Subjetivo informação, declaração ou cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar
confissão da vítima ou de local ou momento de crime, prejudicando sua
terceira pessoa. apuração.
Meios de Violência ou grave ameaça Violência ou grave ameaça.
Execução
Consumação Crime formal (com o fim de...) Crime formal (com o fim de...)
Natureza Equiparado a hediondo Não equiparado a hediondo
Potencialidade Crime de máximo potencial Crime de médio potencial ofensivo
Ofensiva ofensivo
Fiança Não cabe Cabível pelo delegado de polícia.
Pena Reclusão de 2 a 8 anos (sem Detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem
multa) prejuízo da pena cominada à violência.

Institutos Não cabe Cabível suspensão condicional do processo (art. 89 -


despenalizadores JECRIM)

9.18. ARTIGO 25 –

Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por


meio manifestamente ilícito:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou
fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

O tipo penal em análise pune a autoridade que proceder, ou seja, produzir, realizar, executar à obtenção de prova
por meio manifestamente ilícito. Essa produção de prova ilícita poderá ocorrer em procedimento de:

• Investigação – Entendido aqui como o inquérito policial, procedimento investigatório ou policial;

• Fiscalização – Entendido aqui como, por exemplo, fiscalização da Receita Federal.

A obtenção de prova ocorre por meio manifestamente ilícito, que abarca:

• Prova Ilícita – Essa atenta contra norma constitucional ou penal (natureza material).
• Prova Ilegítima – Essa atenta contra norma processual.
9

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União


(CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019), emitem os seguintes enunciados:

ENUNCIADO #16 (art. 25) Ressalvadas situações excepcionais pacificadas, o uso da prova derivada da
ilícita está abrangido pelo tipo penal incriminador do art. 25 da Lei de Abuso de Autoridade, devendo o
agente ter conhecimento inequívoco da sua origem e do nexo de relação entre a prova ilícita e aquela dela
derivada.

O tipo penal prevê duas condutas criminosas. Na primeira, prevista no caput, o agente atua, age, procede à
obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito. Na
segunda, prevista no parágrafo único, a lei pune quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou
fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude. Em ambos os caso, a pena será detenção, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa.

Conflito aparente de normas – Há outras leis que trazem condutas criminosas para quem produzir provas
ilícitas, por exemplo, o artigo 10 e Art. 10-A da Lei de interceptação telefônica. Nesses casos, esses artigos
prevalecem sobre o crime do art. 25 da Lei 13.869 de 2019.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de
médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão
condicional do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

9.19. ARTIGO 26 – (VETADO)

Esse dispositivo legal foi vetado pelo Presidente da República, veto este mantido pelo Congresso Nacional.

O Art. 26 trazia o seguinte texto:

“Art. 26. Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito,
fora das hipóteses previstas em lei:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (anos) anos, e multa.

§ 1º Se a vítima é capturada em flagrante delito, a pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e


multa.

§ 2º Não configuram crime as situações de flagrante esperado, retardado, prorrogado ou diferido.”

Razões do veto

“A propositura legislativa gera insegurança jurídica por indeterminação do tipo penal, e por ofensa ao princípio
da intervenção mínima, para o qual o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, tendo
em vista que a criminalização da conduta pode afetar negatividade a atividade investigativa, ante a potencial
incerteza de caracterização da conduta prevista no art. 26, pois não raras são as vezes que a constatação da
espécie de flagrante, dada a natureza e circunstâncias do ilícito praticado, só é possível quando da análise do
caso propriamente dito, conforme se pode inferir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (v.g. HC
105.929, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T. j. 24/05/2011).”

9.20. ARTIGO 27 – Requisição de procedimento investigatório –


9

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou


administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito
funcional ou de infração administrativa:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar


sumária, devidamente justificada.

Conforme o princípio da obrigatoriedade, caso uma Autoridade policial tome conhecimento de uma infração de
ação penal pública incondicionada, ela deverá instaurar o procedimento investigatório de ofício, de acordo com o
Art. 5º, I do CPP (Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício;). Sabemos que, conforme
for, a investigação em desfavor de determinada pessoa poderá trazer diversos prejuízos sua dignidade, uma vez
que sua imagem e honra podem ser manchadas. Nesse sentido, o tipo penal em análise visa evitar que a
autoridade (agindo com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou,
ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal) faça a requisição do procedimento sem razoabilidade, sem
justificativa em desfavor de alguém, movimentando a máquina pública de forma desnecessária.

O tipo penal traz como elemento normativo do tipo a expressão “à falta de qualquer indício da prática
de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”. Assim, vale destacar que o tipo penal pune
quem, sem a mínima justificativa, sem o mínimo de indício, sem dado algum faz a requisição de instauração ou
instaura o procedimento investigatório. Havendo indícios, mesmo que a conclusão do procedimento seja favorável
ao investigado, não haverá o crime, uma vez que é dever da autoridade agir nesses casos.

A palavra “indício” tem como significado aquilo o que indica, com probabilidade, a existência de (algo);
indicação, sinal, traço. De acordo com a doutrina, indício é um dado objetivo que serve para confirmar ou negar
determinado fato, servido de base para a decisão judicial. É importante mencionar também que a requisição de
instauração ou instauração procedimento investigatório se refere à prática de infração penal ou
administrativa. A lei nada menciona sobre ilícito de natureza cível.

Quanto ao sujeito ativo, temos as seguintes hipóteses:

• Requisitar instauração – Promotor de Justiça e Juiz. De acordo com o Art. 5º, inciso II do CPP, nos
crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado mediante requisição da autoridade judiciária ou
do Ministério Público. Imagine, por exemplo, que o Membro do MP, sabendo que havia ocorrido a
prescrição de determinado crime, determine a instauração de procedimento investigatório de infração
penal.

• Instaurar procedimento – Delegado de polícia, lavrando uma portaria inaugural de Inquérito Policial.

No que diz respeito à consumação do crime, temos dois momentos distintos, a depender do verbo. Vejamos:

1. Requisitar – No verbo requisitar, o crime se consuma no momento da requisição, independente de


qualquer resultado.

2. Instaurar – Nessa conduta, deverá haver a efetiva instauração para que haja sua consumação.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União


(CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019), emitem os seguintes enunciados:
9

ENUNCIADO #17 (art. 27) A configuração do abuso de autoridade pela deflagração de investigação
criminal com base em matéria jornalística, necessariamente, há de ser avaliada a partir dos critérios
interpretativos trazidos pela Lei (art. 1º, § 1º) e da flagrante ausência de standard probatório mínimo que
a justifique

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena
máxima não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal
(art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

Denunciação caluniosa e Comunicação falsa de crime ou de contravenção –

O Código Penal, nos art. 339 e art. 340, na parte referente aos crimes contra a administração da justiça, dispõe
sobre os crimes de Denunciação caluniosa e Comunicação falsa de crime ou de contravenção. Vejamos:

Requisição de procedimento Denunciação caluniosa Comunicação falsa de crime ou


investigatório (Art. 27) (art. 339, CP) de contravenção(art. 340)

Requisitar (...) ou instaurar Dar causa (...) Provocar a ação de autoridade


(...) (...)

instauração ou procedimento (...) à instauração de (...) comunicando-lhe a


investigatório de infração investigação policial, de ocorrência de crime ou de
penal ou administrativa, em processo judicial, instauração contravenção que sabe não se
desfavor de alguém (...) de investigação ter verificado:
administrativa, inquérito civil
ou ação de improbidade
administrativa contra alguém
(...)

à falta de qualquer indício da imputando-lhe crime de que o


prática de crime, de ilícito sabe inocente:
funcional ou de infração
administrativa:

Pena - detenção, de 6 (seis) Pena - reclusão, de dois a oito Pena - detenção, de um a seis
meses a 2 (dois) anos, e multa anos, e multa. meses, ou multa

NOTÍCIA DE CRIME DIVULGADA PELA IMPRENSA –

Não há crime quando o Delegado de Polícia inicia uma investigação criminal com base em notícias veiculada pela
imprensa de um modo geral. Na verdade, quando o crime divulgado for de ação penal pública incondicionada,
haverá uma obrigação da autoridade policial, uma vez que o CPP, art. 5º, inciso I, dispõe que nos crimes de
ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício. A oficiosidade está relacionada apenas aos crimes de ação
penal pública incondicionada, pois nesse tipo de ação o Delegado não precisa de qualquer autorização para agir.
Dessa forma, ao tomar conhecimento de crime de ação penal pública incondicionada, deverá a autoridade tomar
as providências cabíveis para apurar os fatos e elucidar o crime. Nesse caso, a peça Inaugural do IP instaurado
de ofício é a Portaria do Delegado de Polícia. Vale destacar que deverá haver o mínimo de elemento apto a
fundamentar a instauração. Nesse sentido, a Sexta Turma do STJ, no RHC 98.056, de relatoria do ministro
Antonio Saldanha Palheiro, decidiu, por unanimidade, que é possível a deflagração de investigação
criminal com base em matéria jornalística.
9

“(…) 6. A justa causa para a investigação demonstra-se presente. Uma reportagem jornalística pode ter o condão
de provocar a autoridade encarregada da investigação, a qual, no desempenho das funções inerentes a seu cargo,
tendo notícia de crime de ação penal pública incondicionada, deve agir inclusive ex (a licitude das provas
apresentadas na reportagem não é tema que possa, no escopo exíguo de officio cognição do , ser aferida com
mínima segurança, não sendo ocioso lembrar o sigilo da fonte, writ constitucionalmente assegurado). Com efeito,
a busca das informações que faltam, quiçá para infirmar ou validar os fatos objeto da reportagem, é justamente
uma das funções da investigação. (…)”

DENUNCIA ANÔNIMA - DELATIO CRIMINIS INQUALIFICADA OU APÓCRIFA

O STF já decidiu que a "denúncia anônima", por si só, não serviria para fundamentar a instauração de inquérito
policial, mas que, a partir dela, poderia a polícia realizar diligências preliminares para apurar a veracidade das
informações obtidas anonimamente e, então, instaurar o procedimento investigatório propriamente dito.

Informativo nº 819 do STF – Direito Processual Penal – Investigação Criminal – Denúncia Anônima

“As notícias anônimas (ou denúncias anônimas) não autorizam, por si sós, a propositura de ação penal ou mesmo,
na fase de investigação preliminar, o emprego de métodos invasivos de investigação, como interceptação
telefônica ou busca e apreensão. Entretanto, elas podem constituir fonte de informação e de provas que
não podem ser simplesmente descartadas pelos órgãos do Poder Judiciário.

Assim, diante da Denúncia Anônima, a Autoridade Policial poderá adotar o seguinte procedimento:

1. Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da denúncia;

2. Sendo confirmado que a denúncia anônima possui aparência mínima de procedência, instaura-se o
inquérito policial;

3. Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá buscar outros meios de prova que não a
interceptação telefônica (esta é a ultima ratio). Se houver indícios concretos contra os investigados, mas a
interceptação telefônica se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a quebra do
sigilo telefônico ao magistrado.

Fonte: Dizer o Direito - STF. 1ª Turma. HC 106152/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 29/3/2016 (Info 819).

9.21. ARTIGO 28 –

Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda
produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do
investigado ou acusado:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Determina a Lei de Interceptação telefônica, em seu artigo 1º, que “a interceptação de comunicações telefônicas,
de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto
nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.” Esse segredo
atinge a pessoa investigada e seu defensor, como forma de garantir o êxito das investigações. Ao fim da medida,
não há que se falar em sigilo para a pessoa investigada e seu defensor, pois abre espaço para que eles tomem
conhecimento das interceptações e exerçam seu direito à defesa. Esse levantamento de segredo não poderá
abranger toda e qualquer pessoa, pois há conteúdo que dizem respeito à vida privada e à intimidade dos
envolvidos. Não há que se falar em publicidade externa em relação aos elementos da interceptação. Ainda, como
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forma de garantir a preservação da intimidade e vida privada, ressalta o art. 9° da Lei 9.296 de 1996 que “a
gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução
processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada. O incidente
de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu
representante legal.” Nesse cenário, o artigo 28 criminaliza a conduta de quem “divulgar gravação ou trecho de
gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a
honra ou a imagem do investigado ou acusado”. Imagine, por exemplo, que durante uma interceptação telefônica,
foi descoberto que o investigado matinha caso amoroso extraconjugal. A autoridade faz a divulgação dessa
informação que não guarda relação com a prova que se pretenda produzir. Haverá, portanto, crime de abuso de
autoridade.

A divulgação de gravação ou trecho de gravação não tem relação com a prova que se pretenda
produzir, e deverá expor a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou
acusado. Se gravação ou trecho de gravação tiver relação com a prova que se pretenda produzir,
restará configurado o crime do art. 10 ou art. 10-A da Lei de Interceptação Telefônica. Destaca-se
ainda que divulgação de gravação ou trecho de gravação que não tem relação com a prova que se
pretenda produzir deverá ter o condão de expor a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a
imagem do investigado ou acusado. Se não tiver essa potencialidade, não haverá o crime em análise. Ressalta-
se, ainda, que a criminalização dessa conduta tem por fim efetivar o direito constitucional à intimidade e vida
privada. De acordo com a CF/88, art. 5º, incisos X e XII. Vejamos:

CF/88 – Art. 5º - X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

CF/88 – Art. 5º - XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Quanto ao sujeito ativo, pode ser: Juiz, Promotor, Defensor Público, Autoridade Policial. O crime se consuma
no ato de divulgar, independente da ofensa à intimidade ou vida privada.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de
médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão
condicional do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

9.22. ARTIGO 29 –

Art. 29. Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo
com o fim de prejudicar interesse de investigado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. (VETADO).

Prestar informação falsa traduz a conduta de mentir, faltar com a verdade, narrando à autoridade solicitante a
ocorrência de fato não verdadeiro. Em virtude da função exercida, algumas autoridades têm acesso à informação
de caráter pessoal do investigado. Durante um procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo, poderá
ser necessária a requisição de alguma informação sobre a pessoa do investigado. No caso de solicitação, quem
prestar informação falsa, incorrerá nesse crime. Imagine que um Delegado de Polícia dê início a um inquérito
policial contra alguém. Esse alguém, ao saber do referido IP, impetra um habeas corpus. O Delegado, em
documento, presta informação falsa sobre procedimento policial, negando existir tal IP.
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Quanto ao sujeito passivo, temos o Estado (como sujeito mediato, indireto e permanente) e o investigado. Vale
destacar que o tipo penal tratou apenas do investigado, nada dispondo sobre o acusado.

Sobre a consumação do crime, trata-se de crime formal, cujo momento consumativo ocorre no momento da
prestação da informação falsa, que tem como o fim de prejudicar interesse de investigado. Desta forma, mesmo
que não cause prejuízo à vítima, teremos o crime na forma consumada.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União


(CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019), emitem os seguintes enunciados:

ENUNCIADO #19 (ART. 29) O legislador, na tipificação do crime do art. 29 da Lei de Abuso de
Autoridade, optou por restringir o alcance do tipo, pressupondo por parte do agente a finalidade
única de prejudicar interesse de investigado. Agindo com a finalidade de beneficiar, pode responder por
outro delito, como prevaricação (art. 319 do CP), a depender das circunstâncias do caso concreto.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena
máxima não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal
(art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

Falsidade ideológica – Art. 299 – É importante mencionar também que esse tipo penal é um crime específico,
especial em relação ao crime de falsidade ideológica. Vejamos

Falsidade ideológica

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir
ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e
multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.

Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a


falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

9.23. ARTIGO 30 –

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa
fundamentada ou contra quem sabe inocente:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Essa conduta criminosa guarda grandes semelhanças com o crime do art. 339 do CP, Denunciação caluniosa. A
doutrina já ressalta que o crime do art. 30 da Lei 13.869 de 2019 é mais amplo que o art. 339 do CP. Vejamos:

1. Art. 30 da Lei de Abuso de Autoridade – Esse crime se consuma quando o agente dá início ou procede
à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada. Perceba que aqui não é
necessário imputar um crime ou contravenção.
9

2. Art. 339 do Código Penal – Nesse tipo penal, o sujeito ativo dar causa à instauração de investigação
policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de
improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente. Perceba que
aqui é necessário imputar um crime (art. 339, caput) ou contravenção.

Sobre os núcleos do tipo, são dois: dar início ou proceder. Vejamos as diferenças.

1. Dar início – Significa instaurar, deflagrar, provocação a instauração. O sujeito ativo, desde o início, age
de má fé.
2. Proceder – Significa dar seguimento, prosseguir. O sujeito ativo, no início do procedimento, age de boa
fé. No entanto, durante o curso do procedimento, detecta que não há justa causa e mesmo assim
prossegue em tal ato, incorrendo, em crime.

(In) constitucionalidade – Elemento normativo –

A doutrina já debate se esse artigo é constitucional ou não, uma vez que a expressão “justa causa” é muito
abrangente, ampla, carecendo de taxatividade.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de
médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão
condicional do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

9.24. ARTIGO 31 –

Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do


investigado ou fiscalizado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão
de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou
do fiscalizado.

O tipo penal em análise visa punir a autoridade que fere o direito constitucional à duração razoável do processo.
De acordo com a CF/88, art. 5º, inciso LXXVIII, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” A CF/88, ao citar
razoável duração do “processo”, refere-se ao processo como um todo, incluída a fase investigatória e judicial.
Sabemos que a tramitação de um procedimento investigatório contra alguém pode gerar prejuízos morais e
pessoais, bem como restrições sobre a livre disposição de bens, privacidade, intimidade, inviolabilidade
domiciliar. Dai, portanto, a razão de existir esse crime, no qual o sujeito estende injustificadamente a
investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado.

De acordo com o Art. 10 do CPP, “o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido
preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em
que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
Ressaltar o § 3º do mesmo artigo que quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a
autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no
prazo marcado pelo juiz.
O § 2º do art. 3º-B afirma que “se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante
9

representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do
inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será
imediatamente relaxada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Podemos concluir, portanto, que o prazo
máximo para a conclusão das investigações, quando o investigado estiver preso, é de 25 dias.
Destaca-se, porém, que pequenos atrasos (v.g., 2 ou 3 dias) não tem o condão de relaxar a prisão, desde que
fundamentado pela complexidade do caso, quantidade de investigados, etc. Quando estiver o investigado solto,
o inquérito deverá terminar no prazo de 30 dias, podendo ser prorrogado diversas vezes, sem que isso, por si só,
configure constrangimento. Vale destacar que deverá ser analisada a razoabilidade do prazo.

Esse crime ocorre durante a fase de investigação, uma vez que o tipo penal traz como sujeito passivo o
investigado ou fiscalizado. A diferença entre o caput e parágrafo único consiste na previsão ou não do prazo
previsto em lei. Vejamos:

1. Art. 31, caput – aqui o legislador prevê o prolongamento de investigação de forma injustificada.
Implicitamente, o legislador pune quem não obedece ao prazo previsto na lei.

2. Art. 31, parágrafo único – aqui o legislador prevê o prolongamento de procedimento (investigatório) de
forma imotivada. Explicitamente, o legislador pune o sujeito ativo que estende de forma imotivada o
procedimento, porém inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento.

Como elemento normativo do tipo, o tipo penal traz o prolongamento de investigação de forma injustificada e
imotivada. A análise da falta de justificativa ou de motivação depende do caso concreto, levando em consideração
a complexidade do crime, o número de criminosos que participaram do fato criminoso, número de vítima, a
quantidade de provas, a necessidade de ser realizada perícia, o local etc. Nesse caso, deverá haver
proporcionalidade e razoabilidade na análise. Em virtude do contexto, o simples decurso de prazo legal, sem
analisar da falta de justificativa ou de motivação, não caracteriza o crime. Além disso, somente haverá o crime de
abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar
a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. Ausente esse elemento subjetivo, não
haverá o crime. (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora
JusPodivm, 2019, p. 271)

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) e


o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), com o objetivo de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), emitiram 30 enunciados acerca do tema.

ENUNCIADO #21 (art. 31) A elementar “injustificadamente” deve ser interpretada no sentido de que o
excesso de prazo na instrução do procedimento investigatório não resultará de simples operação
aritmética, impondo-se considerar a complexidade do feito, atos procrastinatórios não atribuíveis ao
presidente da investigação e ao número de pessoas envolvidas na apuração. Todos fatores que, analisados
em conjunto ou separadamente, indicam ser, ou não, razoável o prazo para o seu encerramento.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena
máxima não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal
(art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

9.25. ARTIGO 32 –
9

Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação
preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento
investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de
cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização
de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

É extremamente necessário que seja resguardado o sigilo interno de uma investigação em andamento, uma vez
que o principal objetivo é identificar fontes de provas e coletar informações quanto à autoria e materialidade dos
delitos. Ora, se fosse d dado publicidade desde o início para o investigado e defesa, de nada valeria todo o esforço
policial. Nesse sentido, o Art. 20 do CPP assegura que “autoridade assegurará no inquérito o sigilo
necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.” De outro lado, a LEI Nº 8.906 de 1994
(Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) em seu o art. 7º, XIV, que são direitos do advogado:
examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de
flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade,
podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.

Em resumo, o investigado e seu defensor têm direitos de ter acesso aos autos do procedimento investigatório
policial já documentado. Porém, se as diligências não estiverem concluídas ou ainda em andamento, não há que
se falar em comunicação ao advogado ou ao investigado. Nesse sentido, a S.V. 14. Vejamos:

Súmula Vinculante 14 (STF) –

Súmula Vinculante 14 (STF), assegurando que “é direito do defensor, no interesse do representado, ter
acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado
por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

É nesse espírito que surge a conduta criminosa do art. 32 da nova lei de abuso de autoridade. A autoridade
policial que negar o acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a
qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a
obtenção de cópias incorrerá nesse crime. Em caso de cerceamento do direito, a parte prejudicada poderá
requerer ao juiz das garantias o acesso, nos termos do art. 3º-B, inciso XV, do CPP. Vejamos:

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela
salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder
Judiciário, competindo-lhe especialmente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor
de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo
no que concerne, estritamente, às diligências em andamento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Destaca-se a ressalva do artigo em análise, uma vez que não haverá crime se a negativa ao acesso se referir a
peças relativas a diligências em curso (interceptação telefônica em andamento) , ou que indiquem a realização de
diligências futuras (oitiva de testemunhas para fornecer informações), cujo sigilo seja imprescindível.

Ainda sobre o verbete da súmula vinculante N. 14, de acordo com o STF, o direito ao “acesso amplo”, descrito
pelo verbete mencionado, engloba a possibilidade de obtenção de cópias, por quaisquer meios, de todos
os elementos de prova já documentados, inclusive mídias que contenham gravação de depoimentos
em formato audiovisual. II — A simples autorização de ter vista dos autos, nas dependências do Parquet, e
transcrever trechos dos depoimentos de interesse da defesa, não atende ao enunciado da Súmula Vinculante 14.
III — A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende ser desnecessária a degravação da audiência
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realizada por meio audiovisual, sendo obrigatória apenas a disponibilização da cópia do que registrado nesse ato.
[Rcl 23.101, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j. 22-11-2016, DJE 259 de 6-12-2016.]

Vale destacar também que é inviável o acesso pela defesa a procedimentos investigatórios não
concluídos. Nesse caso, conforme orientação do STF, (...) o direito de acesso aos dados de investigação não é
absoluto, porquanto o legislador ordinário trouxe temperamentos a essa prerrogativa, consoante se infere da
exegese do artigo 7º, §§ 10 e 11, da lei 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil -
OAB, com a redação conferida pela Lei 13.245/2016, (...). Nesse contexto, cabe referir que o espectro de incidência
do Enunciado 14 da Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal não abrange diligências ainda em
andamento e elementos ainda não documentados, mormente se considerados os dispositivos legais
supramencionados, além de se fazer necessária a apresentação de procuração nas hipóteses de autos
sujeitos a sigilo. (...) verifico que sequer se negou à defesa o direito de acesso a autos de investigação, razão
pela qual não merece prosperar o presente intento reclamatório. [Rcl 30.957, rel. min. Luiz Fux, dec.
monocrática, j. 10-8-2018, DJE 164 de 14-8-2018.]

Nas palavras do STF, (...) o paradigma tido como violado confere ao defensor do investigado amplo acesso aos
elementos já documentados nos autos, mas é enfático ao ressalvar as diligências ainda em andamento.
Com efeito, a presente Reclamação é improcedente, pois não se ajusta ao contexto do parâmetro de controle
acima transcrito. Verifico, à luz do ato impugnado, que o pleito foi indeferido porque havia diligências em
andamento e o eventual acesso a essas informações poderia causar prejuízo às investigações. (...) Dessa forma, a
pendência na conclusão de diligências investigatórias já deferidas pela autoridade reclamada é argumento
legítimo para o indeferimento do acesso irrestrito pleiteado pelo reclamante. (...) Portanto, as diligências
ainda em andamento não estão contempladas pelo teor da Súmula Vinculante 14 (Rcl 28.661/SC, Rel.
Min. Alexandre de Moraes, DJe de 19/10/2017).
[Rcl 29.958, rel. min. Alexandre de Moraes, dec. monocrática, j. 9-8-2018, DJE 164 de 14-8-2018.]

Diante do exposto acima, temos as seguintes observações:

1. O direito do investigado de ter acesso aos autos não compreende diligências em andamento, na exata
dicção da Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal. (...) Portanto, é inviável o acesso pela
defesa a procedimentos investigatórios não concluídos.

2. Mesmo que o feito seja classificado como sigiloso, é direito o acesso por parte do investigado aos
elementos probatórios formalmente documentados no inquérito – ou procedimento investigativo similar -
para o exercício do direito de defesa.

3. A expressão “acesso amplo” engloba a possibilidade de obtenção de cópias, por quaisquer meios, de todos
os elementos de prova já documentados, inclusive mídias que contenham gravação de depoimentos em
formato audiovisual.

Quanto ao sujeito ativo, temos o Delegado de Polícia ou Promotor de Justiça.


Sobre as formas de condutas (núcleos do tipo), temos duas:

1. Negar o acesso aos autos – Nesse núcleo do tipo, a autoridade nega ao interessado, seu defensor ou
advogado acesso aos autos de:

• Investigação preliminar;
• Ao termo circunstanciado;
• Ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou
administrativa.
9

2. Impedir a obtenção de cópias – Nesse caso, a autoridade permite o acesso, porém impede que o
interessado ou seu defensor faça cópias.

O tipo penal traz ressalvas, ou seja, situações que afastam a conduta criminosa. Desse modo não haverá o crime
quando a negativa do acesso ou impedimento se referir a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem
a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena
máxima não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal
(art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

9.26. ARTIGO 33 –

Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não
fazer, sem expresso amparo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a
condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou
privilégio indevido.

9.26.1. Art. 33, caput –

Aqui o legislador pune a conduta da autoridade pública que, no exercício da função, exige informação ou
cumprimento de obrigação sem expresso amparo legal para praticar um ato que lhe foi atribuído. Ou seja, sem
norma legal prevista (lei, decreto, portaria – Art. 59 da CF), o sujeito ativo (autoridade) condiciona seu ato
funcional à uma informação ou cumprimento de obrigação. Vale destacar que o tipo penal em análise não cita
como meio de execução a violência ou grave ameaça. Havendo violência ou grave ameaça, a depender do caso
concreto, pode confirmar o crime de constrangimento ilegal, art. 146 do CP.

Constrangimento ilegal

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por
qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não
manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

9.26.2. Art. 33, parágrafo único – Crime de Carteirada –

Antes desse dispositivo legal, havia uma divergência doutrinária se a conduta da carteirada configurava crime
ou era fato atípico. Alguns doutrinadores defendiam a tese de que era crime de concussão (Art. 316 do CP); já
outros, defendiam que configurava o crime de corrupção passiva (Art. 317, CP). De modo diverso, parte da
doutrina afirmava que o fato era penalmente atípico, ou seja, não tinha previsão legal. Mas, apesar de não ser
crime, é pacífico o entendimento que se trata de uma conduta imoral, antiética e que fere diversos princípios do
direito. Todo o debate agora foi superado, uma vez que o art. 33, parágrafo único tipificou como crime a
“Carteirada”. Aqui o sujeito ativo se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público
para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido. Isto é, o agente público quer um
tratamento diferenciado, quer um privilégio, quer uma vantagem. Podemos citar como exemplos a conduta do
9

Policial (Civil, Militar ou Penal) que se utiliza da condição de autoridade pública para pagar ingresso de shows,
festas, teatros, cinemas; bem como para ser “liberado” em blitz; assim como para não pagar refeição em
restaurantes. Vale destacar que alguns estabelecimentos, por livre e espontânea vontade, dão desconto, cortesia
de ingressos para determinadas carreiras. Nesses casos, não haverá o crime.

Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco criticam esse dispositivo legal, afirmando que o Direito Penal só deveria
intervir quando outros ramos do direito não forem suficientes. Para os autores, a Lei de Improbidade já prevê
punição para esse caso, punindo com a perda do cargo. OU seja, a legislação extrapenal é suficiente para inibir
tal ato. (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora
JusPodivm, 2019, p. 271)

Sobre a consumação, tanto no caput como no parágrafo único, são crimes formais, que se consumação com a
conduta (exigir, se utilizar ou invocar), independente do efetivo resultado naturalístico.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) e


o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), com o objetivo de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), emitiram 30 enunciados acerca do tema.

ENUNCIADO #22 (art. 33) Quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente
público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido pratica abuso de
autoridade (art. 33, parágrafo único) se o comportamento não estiver atrelado à finalidade de
contraprestação do agente ou autoridade. Caso contrário, outro será o crime, como corrupção passiva (art.
317 do CP).

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena
máxima não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal
(art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

9.27. ARTIGO 34 – VETADO

Esse dispositivo legal foi vetado pelo Presidente da República, veto este mantido pelo Congresso Nacional.

O Art. 34 trazia o seguinte texto:

“Art. 34. Deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, com competência para fazê-lo, erro
relevante que sabe existir em processo ou procedimento:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, e multa.”

Razões do veto

“A propositura legislativa, ao dispor que ‘erro relevante’ constitui requisito como condição da própria tipicidade,
gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Ademais, o dispositivo
proposto contraria o interesse público ao disciplinar hipótese análoga ao crime de prevaricação, já previsto no
art. 319 do Código Penal, ao qual é cominado pena de três meses a um ano, e multa, em ofensa ao inciso III do
art. 7º da Lei Complementar nº 95 de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação
das leis, em razão do inadequado tratamento do mesmo assunto em mais de um diploma legislativo.”
9

9.28. ARTIGO 35 – VETADO

Esse dispositivo legal foi vetado pelo Presidente da República, veto este mantido pelo Congresso Nacional.

O Art. 35 trazia o seguinte texto:

“Art. 35. Coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o
agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.”

Razões do veto

“A propositura legislativa gera insegurança jurídica, tendo em vista a generalidade do dispositivo, que já
encontra proteção no art. 5º, XVI, da Constituição da República, e que não se traduz em uma salvaguarda
ilimitada do seu exercício, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento é no
sentido de que o direito à liberdade de se reunir não se confunde com incitação à prática de delito nem se
identifica com apologia de fato criminoso.”

9.29. ARTIGO 36 –

Art. 36. Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que
extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a
demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Esse dispositivo legal trata de um ato constritivo prévio à penhora, que tem total ligação com o art. 854 do
Código de Processo Civil (CPC), ao prever que, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em
aplicação financeira, o juiz determinará indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do
executado.

O Art. 854 do CPC estabelece que, “para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação
financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado,
determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do
sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do
executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.” Perceba que o dispositivo legal do
Código de Processo Civil determina que a medida constritiva seja tomada “sem dar ciência prévia do ato ao
executado”. Assim, o legislador tem por objetivo evitar que o devedor realize saques ou transferências de
recursos financeiros e que, de má fé, venha a frustrar a execução. Nesse caso, o que se visa proteger é a efetiva
satisfação do direito do credor, mormente quando se trata de pagamento em dinheiro e especialmente quando os
recursos estão alocados em contas bancárias titularizadas pelo devedor.

Direito de defesa – Após a constrição inicial dos ativos financeiros, ao executado será dado o direito de se
manifestar sobre o pedido, podendo exercer seu direito de defesa. Conforme o §§2º, 3º do CPC, tornados
indisponíveis os ativos financeiros do executado, este será intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo,
pessoalmente. Nesse caso, cabe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que: as quantias tornadas
indisponíveis são impenhoráveis; ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.

Penhora dos ativos financeiros – De acordo com o § 5º do CPC, rejeitada ou não apresentada a manifestação
do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo,
9

devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro)
horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução.

Dentro desse contexto, nasce o art. 36 da Nova Lei de Abuso de Autoridade. A quantia indisponível deverá não
poderá extrapolar exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte. Caso isso ocorra, e o
executado demonstre esse excessividade da medada deverá o juiz corrigir o erro. Caso não o faça, incorrerá em
crime.

Quanto ao sujeito ativo, fica claro que somente o juiz poderá praticar o crime.

A conduta criminosa poderá ser praticada de duas formas:

1. Comissiva – Decretar – O Juiz decreta em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros


em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte . e,
ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:

2. Omissiva – Deixar de corrigir – Nesse caso, após o Juiz decretar a indisponibilidade de ativos
financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da
parte, a parte contrária (executado) demonstrou que a indisponibilidade dos ativos financeiros era
excessiva, e o juiz deixou de corrigi-la.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) e


o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), com o objetivo de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), emitiram 30 enunciados acerca do tema.
ENUNCIADO #23 (art. 36) O delito do art. 36 da Lei de Abuso de Autoridade (abusiva
indisponibilidade de ativos financeiros) pressupõe, objetivamente, uma ação (decretar) seguida de uma
omissão (deixar de corrigir).

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
1 a 4 anos, além da multa. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas sim de infração de
médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não é superior a 1 ano, sendo cabível, portanto, a suspensão
condicional do processo (art. 89, Lei 9.099 de 1995)

9.30. ARTIGO 37 -
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Art. 37. Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido
vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

De acordo com o Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco, “o pedido de vista, enquanto contingência inerente à
prestação jurisdicional em grau de recurso, ocorre quando não são suficientes as informações contidas
nos votos já proferidos ou nos debates entre os integrantes do colegiado, atraindo a necessidade de
um estudo mais detido, para que determinado vogal forme o seu posicionamento. Trata-se, pois, de
aspecto imprescindível para que a prestação jurisdicional possa, a partir da convicção racional de cada julgador,
aperfeiçoar-se em um julgamento independente e justo. E o Superior Tribunal de Justiça, na sua função de ditar
a interpretação da legislação federal infraconstitucional, exige um elevado grau de profundidade no trato de
certas questões, tornando recorrentes os pedidos de vista naquela Corte.” (GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério
Sanches, Abuso de Autoridade – Lei 13.869/19 , 1ª Ed., Editora JusPodivm, 2019, p. 289) (Grifo nosso)

De acordo com o art. 162 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), o Ministro que o
formular o pedido de vista restituirá os autos ao Presidente do Órgão Julgador dentro de, no máximo, sessenta
dias, podendo ser prorrogado por trinta dias, mediante requerimento fundamentado ao Colegiado.

RIJST “Art. 162. Nos julgamentos, o pedido de vista não impede votem os Ministros que se tenham por
habilitados a fazê-lo, e o Ministro que o formular restituirá os autos ao Presidente do Órgão Julgador
dentro de, no máximo, sessenta dias a contar do momento em que os autos lhe forem disponibilizados,
devendo prosseguir o julgamento do feito na sessão subsequente ao fi m do prazo, com ou sem o voto-
vista. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 17, de 2014)

§ 1º O prazo a que se refere o caput poderá ser prorrogado por trinta dias, mediante requerimento
fundamentado ao Colegiado.

Ocorre que, alguns magistrados não respeitam os prazos regimentais, ocasionando diversos prejuízos
processuais, como postergação dos processos que, por consequência, acabam feriando a duração razoável do
processo, bem como a efetiva prestação jurisdicional.

Vale destacar que o mero atraso na devolução do processo não configura crime. Para que haja o crime em análise,
deverá ser provado que o juiz agiu com fim específico de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

A conduta criminosa é praticada por omissão, uma vez que existe uma demora no exame do processo.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena
máxima não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal
(art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.
9

9.31. ARTIGO 38 –

Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede
social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O tipo penal pune o responsável pelas investigações por antecipar atribuição de culpa por meio de comunicação,
inclusive rede social, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação. Nada impede que haja uma
divulgação a respeito das providências tomadas para apuração do ilícito. O que se pune é a atribuição de culpa, a
exposição de opinião em desfavor do investigado, bem como a antecipação de juízo de valor a respeito de apuração
ainda não concluídas. Vale destacar que, muitas vezes, a publicidade da condição de suspeito da pessoa objeto de
investigação é necessária para melhor apuração do fato, uma vez que outras pessoas podem ter sido vítimas
daquele investigado. Dessa forma, a comunicação a respeito de determinados ocorrências, especialmente sexuais
ou que violam direitos de crianças e adolescentes, podem facilitar ou importar em resolução de crimes. Destaca-
se que o dispositivo legal em análise visa proteger a dignidade da pessoa humana, a honra e a imagem do preso;
bem como assegurar o princípio da presunção de inocência.

Quanto ao sujeito ativo, o crime poderá ser praticado pelo Delegado de Polícia ou Promotor de Justiça. Caso seja
praticado por um particular, pessoa que não tem qualidade de autoridade pública, poderá incorrer em crime
contra a honra (Art. 138 e 139 do CP).

O tipo penal criminaliza a conduta de antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação,
inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação. Há,
portanto, um lapso temporal no que diz respeito à atribuição de culpa, isto é, “antes de concluídas as
apurações e formalizada a acusação.” Percebe-se que há uma observância cumulativa (conjunção “e”). Por
“antes de concluídas as apurações” entende-se como até o encerramento das investigações, que visam apurar a
autoria e a materialidade do delito. De outro lado, entende-se “formalizada a acusação” o oferecimento da
denúncia pelo MP ou da queixa-crime pelo ofendido. Desse modo, não haverá o crime se a autoridade policial
depois de concluídas as apurações e formalizada a acusação antecipar, por meio de comunicação,
inclusive rede social, atribuição de culpa. Por exemplo, um delegado de policia concede entrevista a um jornal,
após concluso o Inquérito Policial sobre um crime de estupro, entendendo o delegado que as investigações
apontam a autoria a certa pessoa, remetendo os autos de IP ao Promotor e este, concordando, oferece a
denúncia.

Juizado Especial Criminal – Lei N. 9.099 de 1995 – O tipo penal secundário prevê uma pena de detenção de
6 meses a 2 anos, além da multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena
máxima não é superior a 2 anos, sendo cabível, portanto, a composição dos danos civis (art. 74), transação penal
(art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89) previstos na Lei 9.099 de 1995.

CAPÍTULO VII
9

DO PROCEDIMENTO

9.32. ARTIGO 39 – DO PROCEDIMENTO PROCESSUAL –

Art. 39. Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as
disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e da Lei
nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Os crimes de abuso de autoridade terão seu processo e julgamento realizado de acordo com a natureza do tipo
penal. Podemos perceber dois tipos de crime quanto à potencialidade lesiva. Assim, de acordo com o quantidade
de penal, os crimes serão processado e julgados pelo Juizado Especial Criminal (Lei nº 9.099, de 26 de setembro
de 1995) ou pelo Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941).

Quanto à potencialidade lesiva, eles poderão ser classificados como de “infrações de menor potencial ofensivo –
IMPO” ou “crimes de médio potencial ofensivo”.

Os crimes previstos na lei de abuso de autoridade que são punidos com pena máxima de dois anos são
classificados como infrações de menor potencial ofensivo (Art. 61 do JECRIM), sendo cabíveis os institutos
despenalizadores, como a composição dos danos civis, a transação penal, bem como a suspensão do processo. O
seu processo seguirá o rito procedimento sumaríssimo.

Já outros crimes tem pena de detenção de 1 ano a 4 anos, sendo classificados como crimes de médio potencial
ofensivo. Nesses casos, não se aplicam alguns dispositivos do JECRIM, como o Termo Circunstanciado (Art. 69),
composição dos danos civis (art. 74), a transação penal (art. 76) e o próprio procedimento sumaríssimo, estes
previstos apenas para as infrações de menor potencial ofensivo. Porém, como a pena mínima não é superior a 1
ano, é cabível a suspensão do processo (art. 89 – JECRIM)

A doutrina afirma que os crimes de abuso de autoridade são classificados como crimes funcionais, uma vez que
há uma autoridade pública praticando um crime em detrimento da própria administração pública. Em virtude
disso, o processo e julgamento para os crimes apenas com detenção de 1 a 4 anos, será o previsto no
Código de Processo Penal, arts. 513 e seguintes. Isto é, será adotado o processo e do julgamento dos
crimes de responsabilidade dos funcionários públicos.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) e


o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), com o objetivo de
contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), emitiram 30 enunciados acerca do tema.

ENUNCIADO #24 (art. 39) Os crimes de abuso de autoridade com pena máxima superior a dois anos,
salvo no caso de foro por prerrogativa de função, são processados pelo rito dos crimes funcionais,
observando-se a defesa preliminar do art. 514 do CPP.

ENUNCIADO #25 (art. 39) Por ser privativa do servidor público, o particular concorrente no crime de
abuso de autoridade não faz jus à preliminar contestação prevista no art. 514 do CPP.

ENUNCIADO #26 (art. 39) A inobservância do disposto no artigo 514 do CPP é causa de nulidade
relativa, devendo ser alegada no tempo oportuno, comprovando-se o prejuízo, sob pena de preclusão.

ENUNCIADO #27 (art. 39) A formalidade do art. 514 do CPP é dispensável quando a denúncia
envolver, além do crime funcional, delito de outra natureza, ambos em concurso.
9

DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.


Código de Processo Penal
(...)

CAPÍTULO II
DO PROCESSO E DO JULGAMENTO DOS CRIMES
DE RESPONSABILIDADE DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Art. 513. Os crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo processo e julgamento competirão
aos juízes de direito, a queixa ou a denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a
existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas
provas.

Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la
e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias.

Parágrafo único. Se não for conhecida a residência do acusado, ou este se achar fora da jurisdição do juiz,
ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a resposta preliminar.

Art. 515. No caso previsto no artigo anterior, durante o prazo concedido para a resposta, os autos
permanecerão em cartório, onde poderão ser examinados pelo acusado ou por seu defensor.

Parágrafo único. A resposta poderá ser instruída com documentos e justificações.

Art. 516. O juiz rejeitará a queixa ou denúncia, em despacho fundamentado, se convencido, pela resposta do
acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da improcedência da ação.

Art. 517. Recebida a denúncia ou a queixa, será o acusado citado, na forma estabelecida no Capítulo I do
Título X do Livro I.

Art. 518. Na instrução criminal e nos demais termos do processo, observar-se-á o disposto nos Capítulos
I e III, Título I, deste Livro.

CAPÍTULO VIII
9

DISPOSIÇÕES FINAIS

10. ARTIGO 40 – ALTERAÇÃO NA LEI DE PRISÃO TEMPORÁRIA –

Art. 40. O art. 2º da Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, passa a vigorar com a seguinte
redação:

“Art.2º (...)
§ 4º-A O mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária
estabelecido no caput deste artigo, bem como o dia em que o preso deverá ser libertado.
(...)
§ 7º Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá,
independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade,
salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão
preventiva.
§ 8º Inclui-se o dia do cumprimento do mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária.”
(NR)

O artigo 40 modificou alguns dispositivos da Lei de Prisão temporária. A prisão temporária, como o próprio nome
sugere, tem um tempo, um prazo pré-determinado pela lei. Vejamos:

• De acordo com o Art. 2° da própria Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a prisão temporária terá o
prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada
necessidade.

• De acordo com o Art. 2°, § 4º, da Lei dos Crimes Hediondos, a prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei
no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes hediondos e equiparados, terá o prazo de 30 (trinta)
dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

De acordo com o art. 2º, § 4°, da Lei de Prisão temporária, uma vez decretada a prisão temporária, expedir-se-á
mandado de prisão, em duas vias, uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa. A lei
silenciava quanto à obrigatoriedade de constar no mandado de prisão o período de duração da prisão temporária.

Com a nova Lei de abuso de autoridade, foi acrescentado o §4º- A ao art. 2º, dispondo que “o mandado de prisão
conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária estabelecido no caput deste artigo, bem como
o dia em que o preso deverá ser libertado.”
Nesse contexto, foi acrescentado também o §8º- A ao art. 2º, afirmando que “Inclui-se o dia do cumprimento do
mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária.”

O § 7º do art. 2º da mesma lei ganhou uma nova redação, dispondo que “Decorrido o prazo contido no mandado de
prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial,
pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária
ou da decretação da prisão preventiva.”

10.1. ARTIGO 41 – ALTERAÇÃO NA LEI DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA (LEI 9.296 DE 1996) –


9

Art. 41. O art. 10 da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou


telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou
com objetivos não autorizados em lei:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judicial que determina a execução de
conduta prevista no caput deste artigo com objetivo não autorizado em lei.” (NR)

A Lei 13.969 de 2019 também alterou a Lei de interceptação telefônicas, incriminando a conduta de promover
escuta ambiental e incluindo um parágrafo único. Vejamos:

Antiga redação Nova redação


Art. 10. Constitui crime realizar “Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de
interceptação de comunicações telefônicas, comunicações telefônicas, de informática ou telemática,
de informática ou telemática, ou quebrar promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça,
segredo da Justiça, sem autorização judicial sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em
ou com objetivos não autorizados em lei. lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade


judicial que determina a execução de conduta prevista no
caput deste artigo com objetivo não autorizado em lei.” (NR)

Antes da Lei 13.869/19, não havia tipificação penal para quem realizasse escuta ambiental sem ordem judicial,
pois a Lei 9.296 de 1996 não previa como crime essa conduta. Agora, com a alteração do art. 10 da Lei de
interceptação telefônica, dependem de autorização judicial tanto a interceptação telefônica como a
escuta ambiental.

Vale destacar que somente haverá o crime se a escuta ambiental realizada sem autorização judicial ocorrer em
ambiente fechado, privado. Assim, as conversas em espaços públicos ou abertos ao público não são protegidas
pela intimidade.

Por último, é importante ressaltar que a conduta de “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de
informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou
com objetivos não autorizados em lei” não constitui crime de abuso de autoridade. A previsão continua na lei de
interceptação de comunicações telefônicas.

10.2. ARTIGO 42 – ALTERAÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (Lei 8.069 de


1990) –
9

Art. 42. A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a
vigorar acrescida do seguinte art. 227-A:

“Art. 227-A Os efeitos da condenação prevista no inciso I do caput do art. 92 do Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para os crimes previstos nesta Lei, praticados por servidores
públicos com abuso de autoridade, são condicionados à ocorrência de reincidência.

Parágrafo único. A perda do cargo, do mandato ou da função, nesse caso, independerá da pena
aplicada na reincidência.”

O Estatuto da Criança e do adolescente, entre os arts. 225 e art. 244-B, traz diversos crimes. Alguns sendo
classificados como próprios, praticados especificamente com abuso de poder. São eles:

Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer
imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele
indicada:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a
constrangimento:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou
adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 235. Descumprir, injustificadamente, prazo fixado nesta Lei em benefício de adolescente privado de
liberdade:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

A Lei 13.869 de 2019 acrescentou ao ECA o art. 227-A, prevendo como efeito da condenação a perda de cargo,
função pública ou mandato eletivo, porém agora condicionada à ocorrência de reincidência,
independentemente da pena aplicada na reincidência.

Antes da Lei 13.869/19, nesses casos, a autoridade que praticasse esses crimes poderia perder o cargo, função
pública ou mandato eletivo, conforme o caso concreto, seguindo as regras do art. 92, inciso I, do Código Penal, que
traz como requisitos:

1. Quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes
praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

2. Motivação na sentença - Conforme o Parágrafo único do art. 92, os efeitos de que trata este artigo não
são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

10.3. ARTIGO 43 – ALTERAÇÃO NO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS ( Lei. 8.906 de


1994)–

Art. 43. A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B:
9

“Art. 7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e
V do caput do art. 7º desta Lei:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.’”

A Lei 13.868 de 2019 também modificou o Estatuto da OAB, acrescentando o art. 7º-B, criminalizando a
conduta de violar alguns direitos ou prerrogativas de advogado previstos no art. 7º. Esse dispositivo
legal traz diversos direitos do advogado. Dentre os direitos, configura crime (punido com detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, e multa) quem violar os seguintes direitos ou prerrogativas de advogado:

1. Art. 7º, inciso II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus
instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que
relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)
2. Art. 7º, inciso III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração,
quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que
considerados incomunicáveis.

3. Art. 7º, inciso IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo
ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais
casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;

4. Art. 7º, inciso V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de
Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua
falta, em prisão domiciliar; (Vide ADIN 1.127-8)

10.4. ARTIGO 441 – ALTERAÇÃO NO CÓDIGO PENAL –

Art. 44. Revogam-se a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e o § 2º do art. 150 e o art. 350,
ambos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

10.5. Novatio legis in pejus – A 13.869 de 2019 – nova lei de abuso de autoridade – revogou a antiga Lei
4.898 de 1965. Com isso, a maioria das condutas previstas na antiga lei passam agora a ter previsão na nova
lei, sendo esta mais grave, portanto não retroage para alcançar os fatos passados. Nesse sentido, é
importante analisar as penas. Vejamos

Antiga Lei de Abuso de Autoridade Nova Lei de Abuso de Autoridade


Art. 6º, §3º, a, pena:
Detenção de 6 meses a 2 anos, além da multa;
Multa de cem a cinco mil cruzeiros;
Detenção de 1 ano a 4 anos, além da multa;
Art. 6º, §3º, b, pena:

Detenção por dez dias a seis meses;

10.6. Novatio legis in melius –

Algumas condutas previstas na antiga lei de abuso de autoridade (4898, de 9 de dezembro de 1965) foram
objetos de abolitio criminis, podendo, portanto a lei retroagir, uma vez que irá beneficiar.
9

1. Art. 3º, alínea “c” – Constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de consciência e de
crença;
2. Art. 3º, alínea “h” – Constitui abuso de autoridade qualquer atentado ao direito de reunião;
3. Art. 3º, alínea “j” – Constitui abuso de autoridade qualquer atentado aos direitos e garantias legais
assegurados ao exercício profissional.

10.7. Dispositivos que não foram revogados, voltando a ter previsão em norma especial –

1. Art. 3º, alínea “c” – Atentado ao sigilo da correspondência – A conduta tem previsão em norma
especial – Art. 40, Lei N. 6.538 de 1978.

2. Art. 3º, alínea “e” – Atentado ao livre exercício do culto religioso – A conduta tem previsão em
norma especial – Art. 208 do CP.

3. Art. 3º, alínea “f” – Atentado à liberdade de associação – A conduta tem previsão em norma
especial – Art. 199 do CP.

4. Art. 3º, alínea “g” – Atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto
– A conduta tem previsão em norma especial – Art. 297 do Código Eleitoral.

5. Art. 3º, alínea “i” – Atentado à incolumidade física do indivíduo – A conduta tem previsão em
norma especial – Art. 129 do CP.

10.8. Revogação no Código Penal –

Como já comentamos nos itens 1.6 e 1.7, a nova Lei de Abuso de Autoridade revogou o Art. 150, §2º do CP
(Violação de Domicílio majorada), bem como o Art. 350, §2º do CP (Exercício arbitrário ou abuso de poder).

10.9. ARTIGO 45 – VACATIO LEGIS

Art. 45. Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial.

A Lei entrará em vigor a partir do dia 02 de Janeiro de 2020.

Brasília, 27 de setembro de 2019; 198o da Independência e 131o da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

ENUNCIADOS SOBRE A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE


9

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) e o Grupo
Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), com o objetivo de contribuir com a atividade-
fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019),
emitiram 30 enunciados acerca do tema.

O documento contendo os enunciados foi assinado pelo Presidente do CNPG e Procurador-Geral do Ministério
Público do Estado do Mato Grosso do Sul, Paulo Cezar dos Passos, e pelo Procurador-Geral do Ministério Público
do Estado do Rio Grande do Sul e Presidente do GNCCRIM, Fabiano Dallazen, e pode ser conferido na íntegra aqui.

ENUNCIADO #1 (art. 1º.)

Os tipos incriminadores da Lei de Abuso de Autoridade exigem elemento subjetivo diverso do mero dolo,
restringindo o alcance da norma.

ENUNCIADO #2 (art. 1º.) A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, salvo quando
teratológica, não configura abuso de autoridade, ficando excluído o dolo.

ENUNCIADO #3 (art. 3º.)

Os crimes da Lei de Abuso de Autoridade são perseguidos mediante ação penal pública incondicionada. A queixa
subsidiária pressupõe comprovada inércia do Ministério Público, caracterizada pela inexistência de qualquer
manifestação ministerial.

ENUNCIADO #4 (art. 4º.) O requerimento do ofendido para a reparação dos danos causados pela infração penal
dispensa qualquer rigor formal.

ENUNCIADO #5 (art. 9º.) O sujeito ativo do art. 9º, “caput”, da Lei de Abuso de Autoridade, diferentemente do
parágrafo único, não alcança somente autoridade judiciária. O verbo nuclear “decretar” tem o sentido de
determinar, decidir e ordenar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses
legais.

ENUNCIADO #6 (art. 10) Os investigados e réus não podem ser conduzidos coercitivamente à presença da
autoridade policial ou judicial para serem interrogados. Outras hipóteses de condução coercitiva, mesmo de
investigados ou réus para atos diversos do interrogatório, são possíveis, observando-se as formalidades legais.

• Enunciado de acordo com as ADPFs 395 e 444

ENUNCIADO #7 (art. 10) A condução coercitiva pressupõe motivação e descumprimento de prévia notificação.

ENUNCIADO #8 (art. 12) Com o fim de preservar a sua identidade, imagem e dados pessoais, é possível, nas
exceções legais, que da nota de culpa não conste o nome do condutor, das testemunhas e das vítimas.
9

ENUNCIADO #9 (art. 12) A execução imediata do alvará de soltura deve ocorrer após o cumprimento dos
procedimentos de segurança necessários, incluindo a checagem sobre a existência de outras ordens de prisão e da
autenticidade do próprio alvará.

ENUNCIADO #10 (art. 13) Constranger o preso ou o detento, mediante violência ou grave ameaça, a produzir
prova contra si mesmo ou contra terceiro pode configurar delito de abuso de autoridade (Lei 13.869/19) ou crime
de tortura (Lei 9.455/97), a depender das circunstâncias do caso concreto.

ENUNCIADO #11 (art. 18) Para efeitos do artigo 18 da Lei de Abuso de Autoridade, compreende-se por repouso
noturno o período de 21h00 a 5h00, nos termos do artigo 22, § 1°, III, da mesma Lei.

ENUNCIADO #12 (art. 18) Ressalvadas as hipóteses de prisão em flagrante e concordância do interrogado
devidamente assistido, o interrogatório extrajudicial do preso iniciado antes, não pode adentrar o período de
repouso noturno, devendo ser o ato encerrado e, se necessário, complementado no dia seguinte.

ENUNCIADO #13 (art. 21) A violação à regra de separação de custodiados, acompanhada de sofrimento físico
ou mental do preso, conforme as circunstâncias do caso, não tipifica o crime do art. 21 da Lei de Abuso de
Autoridade, mas o delito de tortura (art. 1º, caput, inciso I, da Lei nº 9.455/97), infração penal equiparada a
hediondo, sofrendo os consectários da Lei 8.072/1990.

ENUNCIADO #14 (art. 22) A elementar “imóvel” do artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade deve ser
conceituada nos termos do artigo 79 do Código Civil.

ENUNCIADO #15 (art. 22) O mandado de busca e apreensão deverá ser cumprido durante o dia (art. 5º., XI,
CF/88). Mesmo havendo luz solar, veda-se seu cumprimento entre 21h00 e 5h00, sob pena de caracterizar abuso
de autoridade (art. 22, §1º., inc. III).

ENUNCIADO #16 (art. 25) Ressalvadas situações excepcionais pacificadas, o uso da prova derivada da ilícita
está abrangido pelo tipo penal incriminador do art. 25 da Lei de Abuso de Autoridade, devendo o agente ter
conhecimento inequívoco da sua origem e do nexo de relação entre a prova ilícita e aquela dela derivada.

ENUNCIADO #17 (art. 27) A configuração do abuso de autoridade pela deflagração de investigação criminal
com base em matéria jornalística, necessariamente, há de ser avaliada a partir dos critérios interpretativos
trazidos pela Lei (art. 1º, § 1º) e da flagrante ausência de standard probatório mínimo que a justifique.

ENUNCIADO #18 (art. 28) O crime do art. 28 da Lei de Abuso de Autoridade (Divulgar gravação ou trecho de
gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a
honra ou a imagem do investigado ou acusado) pressupõe interceptação legal (legítima e lícita), ocorrendo abuso
no manuseio do conteúdo obtido com a medida.

ENUNCIADO #19 (ART. 29) O legislador, na tipificação do crime do art. 29 da Lei de Abuso de Autoridade,
optou por restringir o alcance do tipo, pressupondo por parte do agente a finalidade única de prejudicar interesse
de investigado. Agindo com a finalidade de beneficiar, pode responder por outro delito, como prevaricação (art.
319 do CP), a depender das circunstâncias do caso concreto.

ENUNCIADO #20 (art. 30) O crime do art. 30 da Lei de Abuso de Autoridade deve ser declarado,
incidentalmente, inconstitucional. Não apenas em razão da elementar “justa causa” ser expressão vaga e
indeterminada, como também porque gera retrocesso na tutela dos bens jurídicos envolvidos, já protegidos pelo
art. 339 do CP, punido, inclusive, com pena em dobro.

ENUNCIADO #21 (art. 31) A elementar “injustificadamente” deve ser interpretada no sentido de que o excesso
de prazo na instrução do procedimento investigatório não resultará de simples operação aritmética, impondo-se
considerar a complexidade do feito, atos procrastinatórios não atribuíveis ao presidente da investigação e ao
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número de pessoas envolvidas na apuração. Todos fatores que, analisados em conjunto ou separadamente,
indicam ser, ou não, razoável o prazo para o seu encerramento.

ENUNCIADO #22 (art. 33) Quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público
para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido pratica abuso de autoridade (art.
33, parágrafo único) se o comportamento não estiver atrelado à finalidade de contraprestação do agente ou
autoridade. Caso contrário, outro será o crime, como corrupção passiva (art. 317 do CP).

ENUNCIADO #23 (art. 36) O delito do art. 36 da Lei de Abuso de Autoridade (abusiva indisponibilidade de
ativos financeiros) pressupõe, objetivamente, uma ação (decretar) seguida de uma omissão (deixar de corrigir).

ENUNCIADO #24 (art. 39) Os crimes de abuso de autoridade com pena máxima superior a dois anos, salvo no
caso de foro por prerrogativa de função, são processados pelo rito dos crimes funcionais, observando-se a defesa
preliminar do art. 514 do CPP.

ENUNCIADO #25 (art. 39) Por ser privativa do servidor público, o particular concorrente no crime de abuso de
autoridade não faz jus à preliminar contestação prevista no art. 514 do CPP.

ENUNCIADO #26 (art. 39) A inobservância do disposto no artigo 514 do CPP é causa de nulidade relativa,
devendo ser alegada no tempo oportuno, comprovando-se o prejuízo, sob pena de preclusão.

ENUNCIADO #27 (art. 39) A formalidade do art. 514 do CPP é dispensável quando a denúncia envolver, além
do crime funcional, delito de outra natureza, ambos em concurso.

ENUNCIADO #28 (ANPP) Crimes de abuso de autoridade, cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,
presentes os pressupostos do art. 18 da Res. 181/17 do CNMP, admitirão o acordo de não persecução penal, salvo
se a sua celebração não atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

ENUNCIADO #29 (representações indevidas) Representações indevidas por abuso de autoridade podem,
em tese, caracterizar crime de denunciação caluniosa (CP, art. 339), dano civil indenizável (CC, art. 953) e, caso o
reclamante seja agente público, infração disciplinar ou político-administrativa.

ENUNCIADO #30 (art. 256 CPP) A representação indevida por abuso de autoridade contra juiz, promotor de
Justiça, delegados ou agentes públicos em geral, não enseja, por si só, a suspeição ante a aplicação da regra de
que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, nos termos do que disposto, inclusive, no art. 256 do CPP.

Brasília, 26 de novembro de 2019.

PAULO CEZAR DOS PASSOS, Procurador-Geral do Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul e
Presidente do CNPG.

FABIANO DALLAZEN, Procurador-Geral do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e Presidente do
GNCCRIM.

Fonte: https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/documentos_publicos/Enunciados/2019/Enunciados-GNCCRIM-
Lei-de-Abuso-de-Autoridade.pdf
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