Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SÃO PAULO
2018
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
SÃO PAULO
2018
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Dados fornecidos pelo(a) autor(a)
De Luccia, Danna
Atuação do psicanalista com grupos e instituições: teoria e relatos de intervenção a
partir de Freud e Lacan / Danna De Luccia; orientadora Léia Prizskulnik. -- São
Paulo, 2018.
160 f.
Tese (Doutorado - Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica) -- Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2018.
1
O uso do termo dispositivo será discutido neste trabalho, mas adianta-se tratar de um conjunto de
mecanismos para criar e realizar uma prática.
reflexões acerca do laço social a um aprofundamento de outros conceitos fundamentais
aplicados ao campo grupal, como identificação, transferência, desejo, gozo e o ato
psicanalítico.
Levando em consideração esta constatação inicial, pareceu fecundo investigar a
prática da psicanálise nos contextos grupais e coletivos e a metolopor meio de dois
caminhos metodológicos: em primeiro lugar, realizou-se uma pesquisa de campo por
meio de entrevistas com psicanalistas que seguem o referencial de Freud e Lacan e
atuam ou atuaram em contextos nas quais o recurso ao grupo está presente. Na esteira
dos relatos obtidos destes profissionais, foram levantados alguns pontos principais que
serviram de norte para analisar os impasses, condições e possibilidades da clínica com
grupos a partir deste referencial. Em segundo, foi feito um mapeamento do conjunto de
aportes teóricos sobre as teorias grupais, visando estabelecer pontos de convergência e
divergência com a abordagem lacaniana, bem como apresentar as articulações e práticas
contemporâneas sobre o tema.
A tese desenvolvida neste estudo é de que a clínica com grupos, ao facilitar o
surgimento das múltiplas formas de se relacionar com o outro, pode ser potente no
questionamento de posições subjetivas que o sujeito assume para a instauração de novas
formas de se estabelecer no laço social.
Um primeiro cuidado a tomar, adverte Elia (2017), é não confundir a psicanálise
aplicada com a psicanálise em extensão, terminologia cunhada por Lacan que opera em
articulação com a psicanálise em intensão, da clínica. O ponto de junção entre extensão
e intensão é o desejo do analista e suas condições de aplicação em diferentes contextos.
O desejo do analista assenta-se no desejo de obter a diferença fora dos limites do
discurso homogêneo que ordena o social, abrindo espaço para a emergência do sujeito e
seu desejo.
Desta forma, àqueles que atuam em instituições, se torna cotidiano um trabalho
clínico no qual se entrecruzam duas ordens de desafios, como menciona Zenoni (2000,
apud Rinaldi, 201, p.3) De um lado as questões da clínica propriamente dita, com sua
imprevisibilidade, em que as práticas cotidianas de atendimento a psicóticos, neuróticos
graves, aos quais se somam, muitas vezes, o desamparo social gerando importantes
impasses na subjetivação. Por outro lado, as dificuldades do trabalho em equipe, das
articulações políticas em espaços públicos, a coexistência de múltiplos saberes e as
disputas de poder que travam o trabalho coletivo. Daí a percepção constante dos
profissionais que trabalham neste terreno, de que a maior dificuldade são as relações
entre pares e equipes, e não a clínica com os sujeitos em si.
Revisitar as teorias grupais torna-se, portanto, atual e necessário, especialmente
no que diz respeito às problemáticas clínicas que incidem diretamente na perda de
referências subjetivas e das possibilidades de laço social. Contudo, a psicanálise não se
preocupa somente com a restituição dos laços sociais, e sim com a forma como eles
podem ser restituídos. Por este motivo, segue-se o intuito de responder às questões
fundamentais concernentes a esta prática, a saber: como a psicanálise de Freud e Lacan
pode contribuir para iluminar a direção de nossas intervenções do trabalho analítico com
grupos, preservando aquilo que é próprio da psicanálise, que é abarcar a singularidade
do sujeito desejante? E, mais precisamente, o que torna o grupo um dispositivo
propriamente analítico?
Para abarcar estas duas questões, que envolvem teoria e prática, dividiu-se o
trabalho em três partes:
Considerou-se interessante começar pela construção metodológica seguida de
uma breve apresentação dos resultados gerais da pesquisa de campo, ressaltando as
etapas e conceitos que guiaram a análise do material colhido nas entrevistas. Isto posto,
buscou-se então elencar conceitos e desenvolvimentos teóricos do pensamento de grupo
no interior da psicanálise, buscando responder a questão, também, explorada em alguns
dos relatos, do que faz do grupo um dispositivo analítico. Algumas vinhetas clínicas e
experiências de criação de dispositivos grupais foram também selecionadas com vistas a
refletir sobre os articuladores teóricos que mais contribuem para pensar esta prática.
Na segunda parte, são feitas algumas considerações sobre a psicanálise
contemporânea, os novos padecimentos e os dispositivos potentes para relocalizar a
prática clínica em suas variações, dos quais o grupo se faz nosso modelo. Logo após,
apresenta-se um breve resgate histórico do campo grupal, passando pela sociologia e,
depois, pela entrada no âmbito clínico, com seus diferentes desenvolvimentos teóricos e
psicanalíticos, considerando as convergências e divergências entre as abordagens. Em
seguida, é feito um levantamento do uso dos dispositivos grupais em diferentes cenários
clínicos por psicanalistas de extração lacaniana, desde seu início na Europa até
intervenções contemporâneas no Brasil e no mundo. Um aprofundamento teórico é
articulado, então, a partir de duas chaves. Na primeira aborda-se alguns conceitos
fundamentais da psicanálise de Freud e Lacan em consideração ao contexto grupal. Na
segunda, reúne-se a teorização lacaniana sobre o campo social, começando pela lógica
coletiva, exemplificada no texto do tempo lógico, passando pelo dispositivo de cartel,
teoria dos discursos, a topologia articulada ao coletivo, entre outras contribuições.
A última parte compreende a apresentação de alguns recortes clínicos da
pesquisa de campo articulados ao aprofundamento teórico desenvolvido. Os exemplos
seguiram o intuito de apresentar os movimentos do grupo e a função do coordenador
para facilitar a circulação das transferências e a suposição de saber, encarnada no
coordenador e em outros participantes, bem como trabalhar com as identificações
imaginárias abrindo para a diferença. Apresenta-se, também, encaminhamentos
institucionais em situação de tratamento, visando refletir sobre a inserção da psicanálise
em dispositivos não diretamente relacionados ao objetivo clínico.
Conclui-se com uma retomada das condições e possibilidades para a inscrição da
psicanálise no campo grupal e as contribuições da psicanálise de Freud e Lacan para
analisar os movimentos do grupo e a função do coordenador.
REFERÊNCIAS