POR ONDE VOCÊ ANDOU SEM MIM -
NINA MONTAGNET
Eu sonho, espero, que ele consiga.
Deixe-o finalmente perceber que não estou fazendo nada de bom. Hoje ou daqui vinte anos. Sonhar é o que me resta. É livre e não existe prazo de validade. Posso sonhar hoje que ele será feliz e só será verdadeiramente daqui a cem anos. Adivinha? Ainda será um sonho se tornando realidade.
"POR ONDE VOCÊ ANDOU SEM MIM é o retrato de duas vidas que se colidem e desmoronam na mesma medida. Com uma escrita honesta e sen
POR ONDE VOCÊ ANDOU SEM MIM -
NINA MONTAGNET
Eu sonho, espero, que ele consiga.
Deixe-o finalmente perceber que não estou fazendo nada de bom. Hoje ou daqui vinte anos. Sonhar é o que me resta. É livre e não existe prazo de validade. Posso sonhar hoje que ele será feliz e só será verdadeiramente daqui a cem anos. Adivinha? Ainda será um sonho se tornando realidade.
"POR ONDE VOCÊ ANDOU SEM MIM é o retrato de duas vidas que se colidem e desmoronam na mesma medida. Com uma escrita honesta e sen
POR ONDE VOCÊ ANDOU SEM MIM -
NINA MONTAGNET
Eu sonho, espero, que ele consiga.
Deixe-o finalmente perceber que não estou fazendo nada de bom. Hoje ou daqui vinte anos. Sonhar é o que me resta. É livre e não existe prazo de validade. Posso sonhar hoje que ele será feliz e só será verdadeiramente daqui a cem anos. Adivinha? Ainda será um sonho se tornando realidade.
"POR ONDE VOCÊ ANDOU SEM MIM é o retrato de duas vidas que se colidem e desmoronam na mesma medida. Com uma escrita honesta e sen
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da autora. Este livro contém abandono parental, violência doméstica, sexo explícito, ansiedade e menção explícita a suicídio. Está é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real será mera coincidência.
PUBLICADO POR NINA MONTAGNET
DESIGN GRÁFICO DA CAPA POR NINA MONTAGNET DESIGN GRÁFICO DO E-BOOK POR ALINA AJUDA | GB DESIGN EDITORIAL O começo O fim Depois do fim Agradecimentos Pela primeira vez na vida sinto minha pele arder de forma agradável. Ainda estamos na cama. Ele está ao meu lado olhando algo pela janela. Sigo seu olhar e vejo dois passarinhos nos encarando. Eles fazem barulho e meu parceiro pisca, direcionando aqueles lindos olhos escuros para mim. Sorrio timidamente quando escuto as asas dos pássaros voando para bem longe. Minha mão esquerda está em seu peito, minha cabeça na curva entre seu ombro e seu pescoço. Nós dois, nus, embaixo dos lençóis, tão vulneráveis. Minha pele continua ardendo de desejo. Se ele soubesse. Isso foi sexo casual? Merda. “Você já chegou a pensar na gente? Até ontem, quero dizer.” Ah, sua voz. Não, não só isso. Sua sonolenta e rouca voz. “Quer a verdade?” Sinto seu corpo ficar tenso. “É só o que quero de você.” Finjo pensar por um momento antes de responder. “Sim. Desde o começo. Só sou covarde, sempre com medo de tudo. De você não me querer. De não querer um nós.” Ele ri como se esse pensamento fosse absurdo. Como se essa ideia nunca tivesse passado pela sua cabeça. “Amor, você enxerga bem ou eu sou o idiota? Pode me dizer?” Ele se afasta e eu imediatamente sinto como o espaço esmoreceu sem sua pele contra a minha. E então eu percebo. Uma só noite foi o necessário para meu corpo viciar no calor do dele? Me sinto só quando ele não está. Gostaria que sempre que ele fosse para longe me levasse junto. Solto um suspiro exasperado e o sigo, apertando o lençol branco contra minha pele. Ele me olha com um sorriso bobo e sua mão direita alisa as mechas loiras do cabelo. “Adivinha? Passei os últimos três anos loucamente apaixonado por você e tudo o que precisou foi uma garrafa de tequila. Três anos depois, cacete. Acho que eu sou o idiota.” Paraliso, meu corpo tenso. “Você está apaixonado por mim? Perdeu a noção?” “Sim. Três anos atrás, na faculdade. Você estava usando uma camisa esquisita de The Office. Sabe, amor à primeira vista?” “Mas você é meu melhor amigo há anos-” Ele sorri, impiedosamente. “Não seja idiota. Eu sempre serei o melhor dos seus amigos. A única diferença a partir de agora é que eu vou gozar na sua boca todos os dias, não só ontem. Perfeito. Agora, não se preocupe, é só questão de tempo.” Ele parece tão convencido. Tão bonito. “Pra que?” “Pra você se apaixonar completamente por mim.” Eu rio, deixando minha cabeça cair sobre o travesseiro. “Não acredita em mim?” Ele também está rindo. Mantenho a boca fechada. “Se você realmente passou os últimos três anos pensando no meu corpo- agora você vai passar os próximos sentindo-o dentro de você. Muito, muito perto de você. Diga e é seu. Ou não. Continuará sendo de qualquer modo.” Que porra acabou de acontecer? Como, da noite pro dia, eu e ele nos tornamos nós? Ele está brincando? Ele faria isso comigo? Meu melhor amigo desde os meus dezoito anos. “Antes que diga qualquer coisa” gentilmente ele coloca o dedo indicador contra o meu lábio inferior, massageando-o “eu queria poder voltar no tempo e deixar claro que você pertence a mim, lá atrás. Inferno, poderíamos estar casados agora.” Sinto uma vontade incontrolável de rir de felicidade. Deus, isso é novo. Jamais imaginei me sentir dessa forma. Então, alguns segundos silenciosos. Barulhentos. Ensurdecedores, pra falar a verdade. “Eu quero você. Mesmo” sussurro. Ele está em cima de mim em questão de um segundo. Me tocando, me explorando. Minhas curvas, minhas coxas, como se não pudesse acreditar que está mesmo acontecendo. Inesperado- mas inevitável. Como aconteceu de eu ter tanta sorte? Estava na hora, acho. Ele beija a lateral do meu pescoço. “Eu vou te amar de forma tão brusca que você vai desejar que eu te ame mais ternamente.” Ele beija minha barriga. “Eu vou te foder tão rispidamente que você vai me implorar pra ir mais devagar.” Ele sobe, colocando sua boca na minha. Me marcando, me reivindicando. “Eu vou ser tão bom pra você, amor. Vou passar os próximos vinte anos te amando de uma forma que você vai desejar ter sido a objeção do amor pelos últimos vinte anos também.” E então, como se por destino, algo lindo começa. Dimitri Moretti, o psicólogo, abre a porta, receoso e um pouco assustado. Porra, isso sou eu? Nem mesmo meu psicólogo quer me ver. Seus olhos castanhos parecem confusos. Admito que não marquei uma consulta. Acontece que eu precisava desabafar e eu precisava que alguém me ouvisse. Eu preciso que ele me ouça. Pelo menos vou pagar. “Sente-se.” Ele parece feliz em me ver? Claro que não, quem estaria? Chateado? Não, de modo algum. Com medo? Provavelmente. Ele vem me ouvindo reclamar por anos. Claro que estaria com medo do que está pra sair da minha boca – eu sempre estou – principalmente tão abruptamente. “Desculpa, precisava conversar. Uma merda que tenho que pagar pra isso.” Dimitri continua sério, etéreo. Eu não sei. “Você estava de saída? Porra, desculpa. Posso voltar amanhã?” Levanto, no ponto para fugir. Ele me conhece. “Sente-se. Agora.” “Por que eu estou aqui?” Murmuro baixinho. Dimitri revira os olhos. Deus, quando nos tornamos tão não profissionais? “Comece a falar. Pra você – como paciente – eu tenho todo o tempo do universo. Sabe, essa é a coisa sobre ser psicólogo. Meu tempo é mais seu do que jamais será meu.” Nos sentamos cara a cara. Ele está sentado em uma poltrona preta. Eu, em um aconchegante sofá branco. Nos encaramos por alguns segundos constrangedores. Não venho sendo cem por cento honesta com ele há um tempo. Hoje, no entanto, sei que preciso ser. Eu vou ser. Venho evitando outro diagnóstico que, mais cedo ou mais tarde, virá. “Pode começar” encoraja. Seu tom seco me surpreende. Inalo e exalo. De novo e de novo. “Vou precisar de um momento.” “Nós temos tempo.” Outra respiração longa, pesada. “Seis anos atrás minha vida estava tão fodida.” Tento ganhar tempo. Parece que a ansiedade vai me sufocar de dentro pra fora. Sinto a sombra de suas garras em meu estômago. “Continue” ele diz. Tento organizar meus pensamentos em ordem cronológica. Tento não explodir, não gritar. Jesus, preciso me controlar. Só por alguns minutos, ao menos. Só por isso. “Seis anos atrás eu estava doente. No fundo do poço. Eu vivia com meu pai e era um terror. Sinto gratidão, juro que sinto. Agradeço por metade das coisas que ele fez por mim e sofro pela outra parte. Era querendo que ele – meu pai alcóolatra – abrisse os olhos, me visse, me amasse, que eu tentei me matar pela primeira vez. Uma lâmina afiada na direção vertical do pulso esquerdo e bastava.” Eu não planejava falar a verdade de forma tão bruta. Algumas palavras só escapam da minha boca, como se desejassem ser faladas, entendidas. Julgadas. “Meu pai não me queria. Digo, quando minha mãe engravidou. Ele implorou para que ela não me tivesse. Ela morreu durante o parto. Bem, uma história bem fodida. Então, sim, desde criança venho ouvindo que eu não era pra ter nascido. Mas sabe de uma coisa? Isso não é o pior. Acontece que ele não mudou, não passou a me amar. Dezenove anos de desprezo e violência e, bem, você sabe o resto.” Meu psicólogo parece que vai vomitar. Sua dura expressão de minutos atrás se foi. Agora, parece assustado- como se eu pudesse desabar aqui e agora, na sua frente. Mas, sabe, não é pra isso que pagamos esses profissionais? Para que possamos desabar sem nos sentirmos culpados? “Continuando. Eu estava na faculdade e me prometeram um emprego. Eu sonhava com as possibilidades de ir embora, de escapar daquela vida de abuso, de ardência, de pele dolorida. Deu certo. Alguns meses depois eu me mudei pra uma quitinete pequena, mas aconchegante e, mais importante, livre de violência e sangue. Eu estava bem. Meses depois de tentar me matar e falhar, eu estava bem, quase feliz. Eu trabalhava com algo que gostava, no ramo de arquitetura.” “O que te impediu?” Merda. Me retraio com a pergunta. “Alguém me ligou na hora, me chamando para ver um filme. Romântico, não é? Como eu podia recusar? De qualquer forma, lembro que fiquei com tanta raiva por causa da interrupção que preferi matá-lo a-” “Nem pense em finalizar essa sentença” Dimitri avisa, aumentando o tom da voz. “Chato.” “Continue.” “Meses depois começamos a namorar. Nos conhecíamos há alguns anos, então, teoricamente, tudo devia funcionar, ser mais fácil. Por um tempo, foi. Ele era tão bom pra mim. Tão bom. Fazia o possível, o impossível, o pensável e o jamais cogitado para me fazer bem. Meus problemas não eram meus, eram nossos, mas-” Porra, a honestidade desce como ácido. “Eu não era. Pra ele, digo. Não me esforçava. Nem um pouco” lágrimas escapam dos cantos dos meus olhos. “Eu tinha tantos problemas que não queria pensar nos dele. Você sabia?” “O que?” Indaga, a voz rouca. “Eu já te disse o quanto eu realmente senti por ele ter perdido sua família em um acidente de carro? Estávamos juntos há seis meses quando aconteceu. Eu juro para você, eu juro - era como se meu coração estivesse lentamente, gradualmente se partindo. Vê-lo sofrer- Deus, as surras do meu pai não eram nada comparadas a isso.” “O que você fez?” “O tratei que nem lixo, é claro.” Ah, a honestidade. Fecho os olhos, tentando afastar as memórias. Mas, porra, não consigo. Ele estava dentro de mim, me preenchendo. Uma mão em meu pescoço e a outra na parte interior da minha coxa, segurando-a. Deixando beijos suaves no meu ombro, murmurando para que apenas eu, nenhuma outra alma naquele quarto, ouvisse “Honestamente, às vezes não acredito que você pertence a mim. Alguns dias me sinto deslumbrado pelo fato de que você me ama o tanto que eu te amo. Algumas noites sinto que posso morrer feliz com apenas esse pensamento transpassando minha mente.” Agora, me diga, como alguém esquece isso? “Você está bem?” A voz do meu querido psicólogo preenche o escritório. Não poderia estar pior. “Meu pai começou a me ligar, me ameaçando. Disse que morreria se eu não voltasse. Me mataria se eu não voltasse. Mataria ele – o meu parceiro – se eu não voltasse. Comecei a ter ataques de pânicos se o telefone tocava. Eu estava com tanto, tanto medo. Foram meses assim. Quanto mais ele ligava, mais eu surtava, mais eu descontava todo o meu ódio nele, na única pessoa que me amava e estava ali por mim. Claro, nós morávamos juntos. Era mais fácil, mais confortável. Eu não bebo, não fumo, não tenho amigos. Naquele ponto, sexo era a única forma de relaxar que eu conhecia.” Dimitri me encara, profundo e pensativo. “Eu o amo, Dimitri. Tanto. Eu o amo tanto que sinto medo de nunca sentir esse tipo de dor novamente. Eu morreria e mataria por ele. Meus problemas (eu) o afastaram de mim. Aconteceu e não consigo voltar atrás. Não consigo voltar para a manhã com os pássaros.” A essa altura, é claro, eu já estava chorando. Porra, porra, porra. “Todo esse tempo - enquanto tudo estava acontecendo ao nosso redor, enquanto o túmulo de sua família estava definhando - adivinhe quem consolou quem. Essa é fácil." Apoio meus cotovelos nos joelhos e me inclino para ele. . “Eu não fiz nada além de desprezá-lo.” "Então por que ele permaneceu com você?" "Esta é uma boa pergunta. Você me diz." Eu sabia ser ruim. Então eu vi em seus olhos. Realização. Como se, lentamente, Dimitri estivesse percebendo algo. Acordando para a vida. “Por que eu me machucaria quando poderia simplesmente machucá-lo? Eu o tratei mal, eu o menosprezei. Talvez ele me amasse demais e eu me amasse de menos. Continuamos assim por dois anos. Dois malditos anos, Dimitri. Um relacionamento unilateral e abusivo. Eu estava me tornando meu pai. Mas se te disser agora que eu o amo mais hoje do que eu o amava ontem, você acreditaria em mim? Porque, eu juro, tivemos momentos, dias perfeitos. Eu juro pra você." “Como ele escapou?” Escapou. “Eu o mandei embora. Ele nunca me deixaria por pura e espontânea vontade.” Agora eu estava só. Passava meus dias pensando nos “e se”. Eu estava delirando. Sentia que ia morrer. Minhas lágrimas pararam de fluir, por enquanto. Tento me recompor. "Você o ama." "Amo." "Ele te ama." “Ele me ama muito.” “Mas isso não é o bastante. Isso nunca será o bastante.” Realmente. “Eu sou uma pessoa má. Uma pessoa fodida. Ele merece alguém que não precisa de conserto.” “Não há uma única célula em seu corpo que seja má. Escolha suas palavras com sabedoria.” "Eu sou. Pelo menos um pouco." “Sabe o que eu vejo?” "Por favor, deixe-me saber se deseja receber o pagamento integral e não apenas metade dele.” Por um momento, ele parece perdido. “Você teve uma vida miserável. Seu pai te tratou como merda, bateu em você, abusou de você. Você também tem transtornos mentais. Adivinha? Você e meio bilhão de outras pessoas...” Dimitri engole em seco, se recompondo. “Eu nunca, nunca quero diminuir sua dor ou dar a impressão de que não é válida, mas preciso que entenda que tudo é pequeno comparado ao que você pode se tornar, o quão feliz pode ser caso se permita, caso pare de se comparar a ele. Pare de mentir dizendo que você se tornou seu pai. Você fala sobre a dor como se fosse uma parte de você, a maior parte. Mas não é. Eu te vejo e eu te entendo. Ele abusou de você e foi o suficiente. Mas você não deve nada a ele. Ele te deve, ele é seu pai. Ele te deve amor.” “Dimi...” “Você o deixou vencer. A partir do momento que fez tudo o que podia para perdê-lo, deixou seu pai ganhar. E isso é uma pena.” Minha cabeça está queimando. “Mas acredite em mim quando digo que há tempo. Talvez ele precise de espaço, se ele te ama tanto assim. Mas você precisa ser melhor. Você precisa mostrar a ele quem você realmente é. Você precisa mostrar a ele que não está apenas com arrependimentos, mas que vai lutar para conquistá-lo, para amá-lo da forma certa.” Sabe qual é o problema dele? A maioria das pessoas espera que você falhe, que as desaponte. Mas ele- como ele consegue? Não, sério, como ele consegue? Não importava quantas vezes eu o decepcionasse, ele sempre esperava o meu melhor, que eu o surpreendesse de uma maneira positiva. Ele sempre acreditou em mim, em nós dois. Meu sangue começa a ferver. Uma onda de raiva começa a subir, sem motivo, irracionalmente. Eu vim com um propósito. Seria uma confissão, um pedido de socorro, um decreto final. Me sentei neste sofá decididamente. Ele seria amado da maneira certa por outra pessoa. Tinha que ser. Agora, no entanto, tenho ideias perigosas - que posso ser o suficiente para um dia amá-lo do jeito que merece? Sem chance. “Você quer saber sobre uma memória que eu simplesmente não consigo deixar de lado? Não me repreenda por falar. Pode ser muito para uma sessão de terapia.” "Não se preocupe." “Sete meses atrás. Estávamos em uma festa, ou melhor, no banheiro de uma. Por alguma razão havia um espelho do chão ao teto. Eu chupava o pau dele com tanta vontade que, talvez, bastasse um toque em mim lá embaixo para que eu chegasse lá- mas foi visão de nós dois no espelho, seu punho firme em meu cabelo enquanto empurrava minha boca com força, me fazendo lacrimejar, engasgar- sua cabeça pendendo para trás e o som do seu gemido que me fez gozar. Fiquei tão sensível que sua mera respiração em meu pescoço quando me pressionou de frente para a pia, com delicadeza, me levou lá novamente.” Dimitri não se incomodou. Eu, por outro lado, respirei fundo. “O que há de tão especial sobre esta memória?” “Nada de novo. Eu gozei e voltei a ser a pessoa de merda, dez vezes pior sempre que ele me fazia feliz aqui e ali. Você não entende, simplesmente não entende. Nunca me encorajaria a ser melhor se conhecesse o pior que já fui. E ele continuou me amando. O quanto ele me amava – e eu o amo tanto. A diferença, você sabe, é que apenas um de nós sabe como fazê-lo. As pessoas dizem que só é amor verdadeiro se for saudável, se for feliz. Eles estão mentindo. Eu o amo com minha vida e ainda assim sou sua sentença de infelicidade – faço uma pausa para respirar – Não terminei o que comecei anos atrás porque não suportaria machucá- lo novamente. Ultrapassei o limite. Foi a forma que encontrei para recompensá-lo. Testemunhar a vida feliz que ele levará simplesmente porque merece, enquanto vivo meus dias esperando que meu corpo desista, apenas desista.” “Se eu notar ou mesmo pensar que você pode representar um perigo para si, buscarei ajuda. Você sabe disso.” “Eu sei.” “Ver você sofrer não é nenhum tipo de prêmio. Realmente acredita nisso? Que ele deseja sua tristeza? "Bem, se ele fizesse boas escolhas não estaríamos nessa situação." Dimitri respirou fundo, quase como se tomasse minha dor para si. “Se você quer ser mais do que suficiente, ame-o do jeito certo, pare de tomar decisões por ele. Você não está no controle da vida de ninguém além da sua. Você precisa tanto que ele faça isso, faça aquilo, mas o que você vai fazer? Em seus sonhos é certo que ele irá embora, será feliz longe. Pode garantir que ele será feliz com outra pessoa que não você?” “Eu sonho, espero, que ele consiga. Deixe-o finalmente perceber que não estou fazendo nada de bom. Hoje ou daqui vinte anos. Sonhar é o que me resta. É livre e não existe prazo de validade. Posso sonhar hoje que ele será feliz e só será verdadeiramente daqui a cem anos. Adivinha? Ainda será um sonho se tornando realidade. Comigo? Nem em cem-” “Estou cansado do seu drama.” Bom, foda-se. Que os dois se fodam. “Quer saber de outra? Não consigo parar de pensar em uma noite... – essa memória me tortura – estávamos dormindo. Bem, ele estava dormindo. Foi um dia terrível, uma semana terrível para mim. Minha mente não conseguia descansar, eu tinha pensamentos intrusivos e malignos. Eu não conseguia dormir e me virava, com angústia. Eu o acordei, sem querer, e ele sussurrou em meu ouvido me pedindo para tentar relaxar, me abraçando ainda mais forte. Tentei, tentei e não consegui. Não aguentei mais e me levantei, indo dormir no sofá. Não fazia sentido impedir o seu sono porque o meu não aparecia. Cinco minutos depois ele estava de pé ao meu lado, me puxando para fora da quietude da sala, me pedindo para voltar. Eu tenho um pouco de dificuldade para dormir com você se mexendo, sim, mas sem você eu não consigo dormir de jeito nenhum. Volte, ele disse. Engulo em seco. Lembro do que aconteceu depois. Nós dois estávamos na cama, sua mão direita na cabeceira enquanto me fodia com força. Sua mão esquerda segurando meu queixo com firmeza, me forçando a encará-lo. Eu te amo, ele me disse, eu te amo tanto que às vezes fico maluco. Era impossível beijar por causa dos nossos gemidos. Eu gozei tão forte com um eu te amo, eu preciso de você deixando meus lábios. Sinto um arrepio percorrendo meu corpo. Eu pensei muito sobre isso e cheguei à conclusão de que ele usava o sexo como uma oportunidade de vingança. Me batia, me mordia, me sufocava, puxava meu cabelo. Talvez fossem os únicos momentos em que podia me causar dor sem se sentir culpado. As memórias sexuais deveriam ser extintas. “Eu tenho outra pra você. Talvez, com essa lembrança, você finalmente me dê razão e, finalmente, finalmente me mande embora.” Eu o ouço respirar fundo. “Dois meses após o acidente. Ele estava destruído. Uma noite, começou a chorar e chorar e desabafar. Ele nunca teve dificuldade em mostrar suas fraquezas. Dá pra ser mais forte do que isso? Acho que não. Independente, meu coração começou a doer e eu só queria fazê-lo parar. Eu queria que ele parasse de sofrer, queria acabar com sua dor. O que eu poderia ter feito? Um abraço? Um beijo? Uma conversa? Eu não sei, oferecer um maldito ombro para chorar? Não, eu simplesmente disse que ele estava alugando meus ouvidos e que em algum momento ele precisava seguir em frente.” Pensei muito em suicídio naquela noite. “Às vezes acho que me odeio mais do que qualquer um poderia me odiar. Então, por favor. Como? Me diga como, eu imploro, posso ser o suficiente para ele? Como alguém pode perdoar algo assim?” “Você está na terapia. É um bom começo. Está se tratando, resolvendo seus problemas internos e ele está ciente disso. É progresso.” “Meu psicólogo? Que idiota. Vou trocar assim que puder.” “Você realmente sabe como destruir um homem.” “E fazem meses. E se...?” “Fique melhor por você. Para o seu próprio bem. E então... por ele. Eu acho... eu tenho um pressentimento, eu realmente acredito que ele vai estar esperando por você. Que ele está esperando por você. Eu sei que eu esperaria.” Suas bochechas ficam rosadas e sua voz falha um pouco. “Você não está sendo muito profissional.” “Você me demitiu há alguns segundos atrás.” “Merda. Você está certo. Ok, talvez você possa ser um ator daqui pra frente.” Ele ri. Nós rimos. Nós. “Estou indo. Preciso encontrar um novo terapeuta. Preciso consertar algumas coisas. Caso eu- digo, caso eu me torne o suficiente e consiga amá-lo da forma certa, vou te dizer.” “Estarei aqui.” Eu me levanto e, cacete, isso é embaraçoso. Dirijo-me à porta, abro-a e saio — em poucos segundos. “Porra, eu preciso ser melhor. Ser melhor pra mim, para o meu próprio bem e depois pra ele, por nós” repito as palavras que Dimitri falou momentos atrás. E então de novo. De novo. E de novo. Sinto uma língua em meu pé antes de abrir os olhos. Cadela. Isso é algum tipo de fetiche animal, lamber o pé de quem cria? "Bom dia, linda." Ela não me responde. Graças a Deus, acho. Levanto e faço a cama, escovo os dentes e lavo os olhos. Sem querer, arrumo meu cabelo recém-cortado. Tomo café rapidamente e coloco a coleira em Beau – essa é a cadela – para que possamos descer e passear. Ela precisa de ar fresco, eu também. Aproveito a oportunidade e pego meu celular para ler as últimas mensagens. Meu pai disse: O natal está chegando. Pode, por favor, vir me fazer companhia este ano? Parei de beber, criança. Por você. Me dê mais uma chance. Vai se foder, pai. Lorenzo disse: Bom dia. Como você está? Virá para a consulta de hoje? Está marcada para às nove e meia. Vou esperar sua confirmação. Te vejo em breve. Tenha um bom dia. Envio uma resposta confirmando minha presença. Vai ser a terceira consulta com ele e confesso que estou gostando muito e, melhor ainda, percebendo evolução. Pedro era um imbecil. Eu bloqueio a tela do meu telefone e assim que tento guardá-lo, ele toca. Eu suspiro, ignorando o início de uma onda de ansiedade. Progresso. “Seja melhor por você” murmuro. Porém, quando vejo quem está ligando, outro tipo de onda preenche meu corpo. Uma boa. “Olá” digo assim que atendo a ligação. “Oi...” alguns segundos silenciosos. Faz quase um mês desde nosso encontro, nosso faz de conta. “Eu liguei porque, bem, eu preciso que você me escute. Faz isso por mim, amor?” Amor. Deus, como eu senti falta. “Vá em frente” digo. Quero tanto ouvir sua voz. Faz um tempo. “Certo” e não diz mais nada. Continuo esperando. “Você não sabe o que passou pela minha cabeça quando te vi, depois de tanto tempo, ali, na minha porta, no meu trabalho, há um mês. Eu queria te sacudir, te pedir explicações, exigir respostas e implorar pelo seu amor. Não pense por um segundo que eu quero que você seja infeliz, amor. Comigo ou não, não há nada que eu queira mais na vida do que sua felicidade. Fiz o meu melhor para manter minha postura e não te beijar, venerar seu corpo como eu queria e precisava. Eu juro que fiz. O que aconteceu é que, naquele momento, com tudo o que foi dito entre nós- apenas verdades do meu lado, percebi que, em partes, você tinha razão.” Ele respira pesadamente, como se fosse um esforço absurdo verbalizar essas palavras. “Quando ignorei o que havia de errado entre nós porque não queria perder você, coloquei todo o nosso futuro em risco. Não nos valorizei o suficiente nos últimos anos. Não se culpe por isso. Assim como você tem problemas para resolver, eu também tenho.” “Dimi...” “Nós sofremos tanto, amor, que ainda não aprendemos como não sofrer.” Eu chamo seu nome novamente. Ele me ignora. Dimitri apenas continua, em uma longa respiração. “Eu estava disposto a esquecer esses últimos meses insuportáveis assim que você bateu na minha porta, mas à medida que a conversa fluía, percebi que estava errado. Você tinha razão. Eu não aguentava mais. Não aguento mais essa merda. Eu preciso que você seja melhor. Principalmente por você. Mas, egoisticamente, por mim. Por nós." "Por que você ainda me quer?" “Porque eu te amo, porque parece certo. Sua respiração em meu pescoço toda noite, sua palma contra meu coração. Eu sinto falta disso. Sinto saudades suas. Então, por favor, quando achar que pode me amar da forma certa e deixar eu te amar de volta, apareça no meu escritório – para podermos fingir um pouco mais e então poderemos ser reais pelo resto dos nossos dias. Você me entendeu?” “Sim. Entendi” digo, meus olhos ardendo de lágrimas. “Ninguém nunca vai te amar da forma como eu te amo” “Eu te amo tanto, eu...” Com isso nós dois ficamos em silêncio. "Eu preciso ir” minto. Nós dois desligamos ao mesmo tempo. Até que... uma mensagem. Amor, eu não consegui falar isso na ligação, mas precisa ser dito. Meu coração palpita, prendo a respiração. “Se você nunca se sentir capaz de me amar da forma certa, preciso que esqueçamos um do outro. Mas, honestamente, estou sendo injusto com você, porque estou pedindo que faça a pior parte: ser quem vai embora primeiro.” Eu bloqueio a tela do celular, respirando pesadamente. Compreendendo as duas realidades que se tornam possíveis a partir de agora. Dois lados da mesma moeda. Qual deles será? "Mas não esqueça de uma coisa” sussurro “cara, eu te amo. Coroa, eu te amo ainda mais.” Minha gratidão para Rick Riordan, Carina Rissi, Cassandra Clare, Sally Rooney, Fernando Scheller, Penelope Douglas, Colleen Hoover, Roshani Chokshi, Elena Armas, Sarah J Maas, Stephanie Garber, V.E Schwab, Tahereh Mafi, Olivie Blake, Holly Black, Erin Morgersten e, claro, Oscar Wilde.