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NINA MONTAGNET © 2022

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Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por
quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da autora.
Este livro contém abandono parental, violência doméstica, sexo
explícito, ansiedade e menção explícita a suicídio.
Está é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes,
pessoas, fatos ou situações da vida real será mera coincidência.

PUBLICADO POR NINA MONTAGNET


DESIGN GRÁFICO DA CAPA POR NINA MONTAGNET
DESIGN GRÁFICO DO E-BOOK POR ALINA AJUDA | GB DESIGN
EDITORIAL
O começo
O fim
Depois do fim
Agradecimentos
Pela primeira vez na vida sinto minha pele arder de forma
agradável.
Ainda estamos na cama.
Ele está ao meu lado olhando algo pela janela. Sigo seu olhar e
vejo dois passarinhos nos encarando. Eles fazem barulho e meu
parceiro pisca, direcionando aqueles lindos olhos escuros para mim.
Sorrio timidamente quando escuto as asas dos pássaros voando
para bem longe.
Minha mão esquerda está em seu peito, minha cabeça na curva
entre seu ombro e seu pescoço. Nós dois, nus, embaixo dos lençóis,
tão vulneráveis. Minha pele continua ardendo de desejo. Se ele
soubesse.
Isso foi sexo casual?
Merda.
“Você já chegou a pensar na gente? Até ontem, quero dizer.”
Ah, sua voz.
Não, não só isso. Sua sonolenta e rouca voz.
“Quer a verdade?”
Sinto seu corpo ficar tenso.
“É só o que quero de você.”
Finjo pensar por um momento antes de responder.
“Sim. Desde o começo. Só sou covarde, sempre com medo de
tudo. De você não me querer. De não querer um nós.”
Ele ri como se esse pensamento fosse absurdo. Como se essa
ideia nunca tivesse passado pela sua cabeça.
“Amor, você enxerga bem ou eu sou o idiota? Pode me dizer?”
Ele se afasta e eu imediatamente sinto como o espaço
esmoreceu sem sua pele contra a minha. E então eu percebo.
Uma só noite foi o necessário para meu corpo viciar no calor do
dele?
Me sinto só quando ele não está.
Gostaria que sempre que ele fosse para longe me levasse junto.
Solto um suspiro exasperado e o sigo, apertando o lençol
branco contra minha pele. Ele me olha com um sorriso bobo e sua
mão direita alisa as mechas loiras do cabelo.
“Adivinha? Passei os últimos três anos loucamente apaixonado
por você e tudo o que precisou foi uma garrafa de tequila. Três anos
depois, cacete. Acho que eu sou o idiota.”
Paraliso, meu corpo tenso.
“Você está apaixonado por mim? Perdeu a noção?”
“Sim. Três anos atrás, na faculdade. Você estava usando uma
camisa esquisita de The Office. Sabe, amor à primeira vista?”
“Mas você é meu melhor amigo há anos-”
Ele sorri, impiedosamente.
“Não seja idiota. Eu sempre serei o melhor dos seus amigos. A
única diferença a partir de agora é que eu vou gozar na sua boca
todos os dias, não só ontem. Perfeito. Agora, não se preocupe, é só
questão de tempo.”
Ele parece tão convencido.
Tão bonito.
“Pra que?”
“Pra você se apaixonar completamente por mim.”
Eu rio, deixando minha cabeça cair sobre o travesseiro.
“Não acredita em mim?”
Ele também está rindo. Mantenho a boca fechada.
“Se você realmente passou os últimos três anos pensando no
meu corpo- agora você vai passar os próximos sentindo-o dentro de
você. Muito, muito perto de você. Diga e é seu. Ou não. Continuará
sendo de qualquer modo.”
Que porra acabou de acontecer?
Como, da noite pro dia, eu e ele nos tornamos nós? Ele está
brincando?
Ele faria isso comigo?
Meu melhor amigo desde os meus dezoito anos.
“Antes que diga qualquer coisa” gentilmente ele coloca o dedo
indicador contra o meu lábio inferior, massageando-o “eu queria
poder voltar no tempo e deixar claro que você pertence a mim, lá
atrás. Inferno, poderíamos estar casados agora.”
Sinto uma vontade incontrolável de rir de felicidade.
Deus, isso é novo. Jamais imaginei me sentir dessa forma.
Então, alguns segundos silenciosos.
Barulhentos.
Ensurdecedores, pra falar a verdade.
“Eu quero você. Mesmo” sussurro.
Ele está em cima de mim em questão de um segundo. Me
tocando, me explorando. Minhas curvas, minhas coxas, como se
não pudesse acreditar que está mesmo acontecendo.
Inesperado- mas inevitável.
Como aconteceu de eu ter tanta sorte? Estava na hora, acho.
Ele beija a lateral do meu pescoço.
“Eu vou te amar de forma tão brusca que você vai desejar que
eu te ame mais ternamente.”
Ele beija minha barriga.
“Eu vou te foder tão rispidamente que você vai me implorar pra ir
mais devagar.”
Ele sobe, colocando sua boca na minha. Me marcando, me
reivindicando.
“Eu vou ser tão bom pra você, amor. Vou passar os próximos
vinte anos te amando de uma forma que você vai desejar ter sido a
objeção do amor pelos últimos vinte anos também.”
E então, como se por destino, algo lindo começa.
Dimitri Moretti, o psicólogo, abre a porta, receoso e um pouco
assustado.
Porra, isso sou eu? Nem mesmo meu psicólogo quer me ver.
Seus olhos castanhos parecem confusos. Admito que não marquei
uma consulta. Acontece que eu precisava desabafar e eu precisava
que alguém me ouvisse.
Eu preciso que ele me ouça. Pelo menos vou pagar.
“Sente-se.”
Ele parece feliz em me ver? Claro que não, quem estaria?
Chateado? Não, de modo algum. Com medo? Provavelmente. Ele
vem me ouvindo reclamar por anos. Claro que estaria com medo do
que está pra sair da minha boca – eu sempre estou – principalmente
tão abruptamente.
“Desculpa, precisava conversar. Uma merda que tenho que
pagar pra isso.”
Dimitri continua sério, etéreo. Eu não sei.
“Você estava de saída? Porra, desculpa. Posso voltar amanhã?”
Levanto, no ponto para fugir.
Ele me conhece.
“Sente-se. Agora.”
“Por que eu estou aqui?” Murmuro baixinho.
Dimitri revira os olhos.
Deus, quando nos tornamos tão não profissionais?
“Comece a falar. Pra você – como paciente – eu tenho todo o
tempo do universo. Sabe, essa é a coisa sobre ser psicólogo. Meu
tempo é mais seu do que jamais será meu.”
Nos sentamos cara a cara.
Ele está sentado em uma poltrona preta. Eu, em um
aconchegante sofá branco.
Nos encaramos por alguns segundos constrangedores.
Não venho sendo cem por cento honesta com ele há um tempo.
Hoje, no entanto, sei que preciso ser. Eu vou ser. Venho evitando
outro diagnóstico que, mais cedo ou mais tarde, virá.
“Pode começar” encoraja.
Seu tom seco me surpreende.
Inalo e exalo. De novo e de novo.
“Vou precisar de um momento.”
“Nós temos tempo.”
Outra respiração longa, pesada.
“Seis anos atrás minha vida estava tão fodida.”
Tento ganhar tempo. Parece que a ansiedade vai me sufocar de
dentro pra fora. Sinto a sombra de suas garras em meu estômago.
“Continue” ele diz.
Tento organizar meus pensamentos em ordem cronológica.
Tento não explodir, não gritar. Jesus, preciso me controlar. Só por
alguns minutos, ao menos. Só por isso.
“Seis anos atrás eu estava doente. No fundo do poço. Eu vivia
com meu pai e era um terror. Sinto gratidão, juro que sinto.
Agradeço por metade das coisas que ele fez por mim e sofro pela
outra parte. Era querendo que ele – meu pai alcóolatra – abrisse os
olhos, me visse, me amasse, que eu tentei me matar pela primeira
vez. Uma lâmina afiada na direção vertical do pulso esquerdo e
bastava.”
Eu não planejava falar a verdade de forma tão bruta. Algumas
palavras só escapam da minha boca, como se desejassem ser
faladas, entendidas. Julgadas.
“Meu pai não me queria. Digo, quando minha mãe engravidou.
Ele implorou para que ela não me tivesse. Ela morreu durante o
parto. Bem, uma história bem fodida. Então, sim, desde criança
venho ouvindo que eu não era pra ter nascido. Mas sabe de uma
coisa? Isso não é o pior. Acontece que ele não mudou, não passou
a me amar. Dezenove anos de desprezo e violência e, bem, você
sabe o resto.”
Meu psicólogo parece que vai vomitar. Sua dura expressão de
minutos atrás se foi. Agora, parece assustado- como se eu pudesse
desabar aqui e agora, na sua frente. Mas, sabe, não é pra isso que
pagamos esses profissionais?
Para que possamos desabar sem nos sentirmos culpados?
“Continuando. Eu estava na faculdade e me prometeram um
emprego. Eu sonhava com as possibilidades de ir embora, de
escapar daquela vida de abuso, de ardência, de pele dolorida. Deu
certo. Alguns meses depois eu me mudei pra uma quitinete
pequena, mas aconchegante e, mais importante, livre de violência e
sangue. Eu estava bem. Meses depois de tentar me matar e falhar,
eu estava bem, quase feliz. Eu trabalhava com algo que gostava, no
ramo de arquitetura.”
“O que te impediu?”
Merda. Me retraio com a pergunta.
“Alguém me ligou na hora, me chamando para ver um filme.
Romântico, não é? Como eu podia recusar? De qualquer forma,
lembro que fiquei com tanta raiva por causa da interrupção que
preferi matá-lo a-”
“Nem pense em finalizar essa sentença” Dimitri avisa,
aumentando o tom da voz.
“Chato.”
“Continue.”
“Meses depois começamos a namorar. Nos conhecíamos há
alguns anos, então, teoricamente, tudo devia funcionar, ser mais
fácil. Por um tempo, foi. Ele era tão bom pra mim. Tão bom. Fazia o
possível, o impossível, o pensável e o jamais cogitado para me fazer
bem. Meus problemas não eram meus, eram nossos, mas-”
Porra, a honestidade desce como ácido.
“Eu não era. Pra ele, digo. Não me esforçava. Nem um pouco”
lágrimas escapam dos cantos dos meus olhos. “Eu tinha tantos
problemas que não queria pensar nos dele. Você sabia?”
“O que?” Indaga, a voz rouca.
“Eu já te disse o quanto eu realmente senti por ele ter perdido
sua família em um acidente de carro? Estávamos juntos há seis
meses quando aconteceu. Eu juro para você, eu juro - era como se
meu coração estivesse lentamente, gradualmente se partindo. Vê-lo
sofrer- Deus, as surras do meu pai não eram nada comparadas a
isso.”
“O que você fez?”
“O tratei que nem lixo, é claro.”
Ah, a honestidade.
Fecho os olhos, tentando afastar as memórias.
Mas, porra, não consigo.
Ele estava dentro de mim, me preenchendo. Uma mão em meu
pescoço e a outra na parte interior da minha coxa, segurando-a.
Deixando beijos suaves no meu ombro, murmurando para que
apenas eu, nenhuma outra alma naquele quarto, ouvisse
“Honestamente, às vezes não acredito que você pertence a mim.
Alguns dias me sinto deslumbrado pelo fato de que você me ama o
tanto que eu te amo. Algumas noites sinto que posso morrer feliz
com apenas esse pensamento transpassando minha mente.”
Agora, me diga, como alguém esquece isso?
“Você está bem?” A voz do meu querido psicólogo preenche o
escritório.
Não poderia estar pior.
“Meu pai começou a me ligar, me ameaçando. Disse que
morreria se eu não voltasse. Me mataria se eu não voltasse. Mataria
ele – o meu parceiro – se eu não voltasse. Comecei a ter ataques
de pânicos se o telefone tocava. Eu estava com tanto, tanto medo.
Foram meses assim. Quanto mais ele ligava, mais eu surtava, mais
eu descontava todo o meu ódio nele, na única pessoa que me
amava e estava ali por mim. Claro, nós morávamos juntos. Era mais
fácil, mais confortável. Eu não bebo, não fumo, não tenho amigos.
Naquele ponto, sexo era a única forma de relaxar que eu conhecia.”
Dimitri me encara, profundo e pensativo.
“Eu o amo, Dimitri. Tanto. Eu o amo tanto que sinto medo de
nunca sentir esse tipo de dor novamente. Eu morreria e mataria por
ele. Meus problemas (eu) o afastaram de mim. Aconteceu e não
consigo voltar atrás. Não consigo voltar para a manhã com os
pássaros.”
A essa altura, é claro, eu já estava chorando. Porra, porra,
porra.
“Todo esse tempo - enquanto tudo estava acontecendo ao nosso
redor, enquanto o túmulo de sua família estava definhando -
adivinhe quem consolou quem. Essa é fácil."
Apoio meus cotovelos nos joelhos e me inclino para ele.
.
“Eu não fiz nada além de desprezá-lo.”
"Então por que ele permaneceu com você?"
"Esta é uma boa pergunta. Você me diz."
Eu sabia ser ruim.
Então eu vi em seus olhos.
Realização.
Como se, lentamente, Dimitri estivesse percebendo algo.
Acordando para a vida.
“Por que eu me machucaria quando poderia simplesmente
machucá-lo? Eu o tratei mal, eu o menosprezei. Talvez ele me
amasse demais e eu me amasse de menos. Continuamos assim por
dois anos. Dois malditos anos, Dimitri. Um relacionamento unilateral
e abusivo. Eu estava me tornando meu pai. Mas se te disser agora
que eu o amo mais hoje do que eu o amava ontem, você acreditaria
em mim? Porque, eu juro, tivemos momentos, dias perfeitos. Eu juro
pra você."
“Como ele escapou?”
Escapou.
“Eu o mandei embora. Ele nunca me deixaria por pura e
espontânea vontade.”
Agora eu estava só. Passava meus dias pensando nos “e se”.
Eu estava delirando. Sentia que ia morrer.
Minhas lágrimas pararam de fluir, por enquanto. Tento me
recompor.
"Você o ama."
"Amo."
"Ele te ama."
“Ele me ama muito.”
“Mas isso não é o bastante. Isso nunca será o bastante.”
Realmente.
“Eu sou uma pessoa má. Uma pessoa fodida. Ele merece
alguém que não precisa de conserto.”
“Não há uma única célula em seu corpo que seja má. Escolha
suas palavras com sabedoria.”
"Eu sou. Pelo menos um pouco."
“Sabe o que eu vejo?”
"Por favor, deixe-me saber se deseja receber o pagamento
integral e não apenas metade dele.”
Por um momento, ele parece perdido.
“Você teve uma vida miserável. Seu pai te tratou como merda,
bateu em você, abusou de você. Você também tem transtornos
mentais. Adivinha? Você e meio bilhão de outras pessoas...” Dimitri
engole em seco, se recompondo. “Eu nunca, nunca quero diminuir
sua dor ou dar a impressão de que não é válida, mas preciso que
entenda que tudo é pequeno comparado ao que você pode se
tornar, o quão feliz pode ser caso se permita, caso pare de se
comparar a ele. Pare de mentir dizendo que você se tornou seu pai.
Você fala sobre a dor como se fosse uma parte de você, a maior
parte. Mas não é. Eu te vejo e eu te entendo. Ele abusou de você e
foi o suficiente. Mas você não deve nada a ele. Ele te deve, ele é
seu pai. Ele te deve amor.”
“Dimi...”
“Você o deixou vencer. A partir do momento que fez tudo o que
podia para perdê-lo, deixou seu pai ganhar. E isso é uma pena.”
Minha cabeça está queimando.
“Mas acredite em mim quando digo que há tempo. Talvez ele
precise de espaço, se ele te ama tanto assim. Mas você precisa ser
melhor. Você precisa mostrar a ele quem você realmente é. Você
precisa mostrar a ele que não está apenas com arrependimentos,
mas que vai lutar para conquistá-lo, para amá-lo da forma certa.”
Sabe qual é o problema dele?
A maioria das pessoas espera que você falhe, que as
desaponte. Mas ele- como ele consegue?
Não, sério, como ele consegue?
Não importava quantas vezes eu o decepcionasse, ele sempre
esperava o meu melhor, que eu o surpreendesse de uma maneira
positiva. Ele sempre acreditou em mim, em nós dois.
Meu sangue começa a ferver.
Uma onda de raiva começa a subir, sem motivo, irracionalmente.
Eu vim com um propósito. Seria uma confissão, um pedido de
socorro, um decreto final. Me sentei neste sofá decididamente. Ele
seria amado da maneira certa por outra pessoa. Tinha que ser.
Agora, no entanto, tenho ideias perigosas - que posso ser o
suficiente para um dia amá-lo do jeito que merece?
Sem chance.
“Você quer saber sobre uma memória que eu simplesmente não
consigo deixar de lado? Não me repreenda por falar. Pode ser muito
para uma sessão de terapia.”
"Não se preocupe."
“Sete meses atrás. Estávamos em uma festa, ou melhor, no
banheiro de uma. Por alguma razão havia um espelho do chão ao
teto. Eu chupava o pau dele com tanta vontade que, talvez,
bastasse um toque em mim lá embaixo para que eu chegasse lá-
mas foi visão de nós dois no espelho, seu punho firme em meu
cabelo enquanto empurrava minha boca com força, me fazendo
lacrimejar, engasgar- sua cabeça pendendo para trás e o som do
seu gemido que me fez gozar. Fiquei tão sensível que sua mera
respiração em meu pescoço quando me pressionou de frente para a
pia, com delicadeza, me levou lá novamente.”
Dimitri não se incomodou. Eu, por outro lado, respirei fundo.
“O que há de tão especial sobre esta memória?”
“Nada de novo. Eu gozei e voltei a ser a pessoa de merda, dez
vezes pior sempre que ele me fazia feliz aqui e ali. Você não
entende, simplesmente não entende. Nunca me encorajaria a ser
melhor se conhecesse o pior que já fui. E ele continuou me amando.
O quanto ele me amava – e eu o amo tanto. A diferença, você sabe,
é que apenas um de nós sabe como fazê-lo. As pessoas dizem que
só é amor verdadeiro se for saudável, se for feliz. Eles estão
mentindo. Eu o amo com minha vida e ainda assim sou sua
sentença de infelicidade – faço uma pausa para respirar – Não
terminei o que comecei anos atrás porque não suportaria machucá-
lo novamente. Ultrapassei o limite. Foi a forma que encontrei para
recompensá-lo. Testemunhar a vida feliz que ele levará
simplesmente porque merece, enquanto vivo meus dias esperando
que meu corpo desista, apenas desista.”
“Se eu notar ou mesmo pensar que você pode representar um
perigo para si, buscarei ajuda. Você sabe disso.”
“Eu sei.”
“Ver você sofrer não é nenhum tipo de prêmio. Realmente
acredita nisso? Que ele deseja sua tristeza?
"Bem, se ele fizesse boas escolhas não estaríamos nessa
situação."
Dimitri respirou fundo, quase como se tomasse minha dor para
si.
“Se você quer ser mais do que suficiente, ame-o do jeito certo,
pare de tomar decisões por ele. Você não está no controle da vida
de ninguém além da sua. Você precisa tanto que ele faça isso, faça
aquilo, mas o que você vai fazer? Em seus sonhos é certo que ele
irá embora, será feliz longe. Pode garantir que ele será feliz com
outra pessoa que não você?”
“Eu sonho, espero, que ele consiga. Deixe-o finalmente
perceber que não estou fazendo nada de bom. Hoje ou daqui vinte
anos. Sonhar é o que me resta. É livre e não existe prazo de
validade. Posso sonhar hoje que ele será feliz e só será
verdadeiramente daqui a cem anos. Adivinha? Ainda será um sonho
se tornando realidade. Comigo? Nem em cem-”
“Estou cansado do seu drama.”
Bom, foda-se. Que os dois se fodam.
“Quer saber de outra? Não consigo parar de pensar em uma
noite... – essa memória me tortura – estávamos dormindo. Bem, ele
estava dormindo. Foi um dia terrível, uma semana terrível para mim.
Minha mente não conseguia descansar, eu tinha pensamentos
intrusivos e malignos. Eu não conseguia dormir e me virava, com
angústia. Eu o acordei, sem querer, e ele sussurrou em meu ouvido
me pedindo para tentar relaxar, me abraçando ainda mais forte.
Tentei, tentei e não consegui. Não aguentei mais e me levantei, indo
dormir no sofá. Não fazia sentido impedir o seu sono porque o meu
não aparecia. Cinco minutos depois ele estava de pé ao meu lado,
me puxando para fora da quietude da sala, me pedindo para voltar.
Eu tenho um pouco de dificuldade para dormir com você se
mexendo, sim, mas sem você eu não consigo dormir de jeito
nenhum. Volte, ele disse.
Engulo em seco.
Lembro do que aconteceu depois. Nós dois estávamos na cama,
sua mão direita na cabeceira enquanto me fodia com força. Sua
mão esquerda segurando meu queixo com firmeza, me forçando a
encará-lo. Eu te amo, ele me disse, eu te amo tanto que às vezes
fico maluco. Era impossível beijar por causa dos nossos gemidos.
Eu gozei tão forte com um eu te amo, eu preciso de você deixando
meus lábios.
Sinto um arrepio percorrendo meu corpo.
Eu pensei muito sobre isso e cheguei à conclusão de que ele
usava o sexo como uma oportunidade de vingança. Me batia, me
mordia, me sufocava, puxava meu cabelo. Talvez fossem os únicos
momentos em que podia me causar dor sem se sentir culpado.
As memórias sexuais deveriam ser extintas.
“Eu tenho outra pra você. Talvez, com essa lembrança, você
finalmente me dê razão e, finalmente, finalmente me mande
embora.”
Eu o ouço respirar fundo.
“Dois meses após o acidente. Ele estava destruído. Uma noite,
começou a chorar e chorar e desabafar. Ele nunca teve dificuldade
em mostrar suas fraquezas. Dá pra ser mais forte do que isso? Acho
que não. Independente, meu coração começou a doer e eu só
queria fazê-lo parar. Eu queria que ele parasse de sofrer, queria
acabar com sua dor. O que eu poderia ter feito? Um abraço? Um
beijo? Uma conversa? Eu não sei, oferecer um maldito ombro para
chorar? Não, eu simplesmente disse que ele estava alugando meus
ouvidos e que em algum momento ele precisava seguir em frente.”
Pensei muito em suicídio naquela noite.
“Às vezes acho que me odeio mais do que qualquer um poderia
me odiar. Então, por favor. Como? Me diga como, eu imploro, posso
ser o suficiente para ele? Como alguém pode perdoar algo assim?”
“Você está na terapia. É um bom começo. Está se tratando,
resolvendo seus problemas internos e ele está ciente disso. É
progresso.”
“Meu psicólogo? Que idiota. Vou trocar assim que puder.”
“Você realmente sabe como destruir um homem.”
“E fazem meses. E se...?”
“Fique melhor por você. Para o seu próprio bem. E então... por
ele. Eu acho... eu tenho um pressentimento, eu realmente acredito
que ele vai estar esperando por você. Que ele está esperando por
você. Eu sei que eu esperaria.”
Suas bochechas ficam rosadas e sua voz falha um pouco.
“Você não está sendo muito profissional.”
“Você me demitiu há alguns segundos atrás.”
“Merda. Você está certo. Ok, talvez você possa ser um ator
daqui pra frente.”
Ele ri. Nós rimos. Nós.
“Estou indo. Preciso encontrar um novo terapeuta. Preciso
consertar algumas coisas. Caso eu- digo, caso eu me torne o
suficiente e consiga amá-lo da forma certa, vou te dizer.”
“Estarei aqui.”
Eu me levanto e, cacete, isso é embaraçoso. Dirijo-me à porta,
abro-a e saio — em poucos segundos.
“Porra, eu preciso ser melhor. Ser melhor pra mim, para o meu
próprio bem e depois pra ele, por nós” repito as palavras que Dimitri
falou momentos atrás.
E então de novo. De novo. E de novo.
Sinto uma língua em meu pé antes de abrir os olhos. Cadela.
Isso é algum tipo de fetiche animal, lamber o pé de quem cria?
"Bom dia, linda."
Ela não me responde. Graças a Deus, acho.
Levanto e faço a cama, escovo os dentes e lavo os olhos. Sem
querer, arrumo meu cabelo recém-cortado. Tomo café rapidamente
e coloco a coleira em Beau – essa é a cadela – para que possamos
descer e passear.
Ela precisa de ar fresco, eu também. Aproveito a oportunidade e
pego meu celular para ler as últimas mensagens.
Meu pai disse: O natal está chegando. Pode, por favor, vir me
fazer companhia este ano? Parei de beber, criança. Por você. Me dê
mais uma chance.
Vai se foder, pai.
Lorenzo disse: Bom dia. Como você está? Virá para a consulta
de hoje? Está marcada para às nove e meia. Vou esperar sua
confirmação. Te vejo em breve. Tenha um bom dia.
Envio uma resposta confirmando minha presença. Vai ser a
terceira consulta com ele e confesso que estou gostando muito e,
melhor ainda, percebendo evolução.
Pedro era um imbecil.
Eu bloqueio a tela do meu telefone e assim que tento guardá-lo,
ele toca. Eu suspiro, ignorando o início de uma onda de ansiedade.
Progresso.
“Seja melhor por você” murmuro.
Porém, quando vejo quem está ligando, outro tipo de onda
preenche meu corpo.
Uma boa.
“Olá” digo assim que atendo a ligação.
“Oi...” alguns segundos silenciosos.
Faz quase um mês desde nosso encontro, nosso faz de conta.
“Eu liguei porque, bem, eu preciso que você me escute. Faz isso
por mim, amor?”
Amor. Deus, como eu senti falta.
“Vá em frente” digo. Quero tanto ouvir sua voz.
Faz um tempo.
“Certo” e não diz mais nada.
Continuo esperando.
“Você não sabe o que passou pela minha cabeça quando te vi,
depois de tanto tempo, ali, na minha porta, no meu trabalho, há um
mês. Eu queria te sacudir, te pedir explicações, exigir respostas e
implorar pelo seu amor. Não pense por um segundo que eu quero
que você seja infeliz, amor. Comigo ou não, não há nada que eu
queira mais na vida do que sua felicidade. Fiz o meu melhor para
manter minha postura e não te beijar, venerar seu corpo como eu
queria e precisava. Eu juro que fiz. O que aconteceu é que, naquele
momento, com tudo o que foi dito entre nós- apenas verdades do
meu lado, percebi que, em partes, você tinha razão.”
Ele respira pesadamente, como se fosse um esforço absurdo
verbalizar essas palavras.
“Quando ignorei o que havia de errado entre nós porque não
queria perder você, coloquei todo o nosso futuro em risco. Não nos
valorizei o suficiente nos últimos anos. Não se culpe por isso. Assim
como você tem problemas para resolver, eu também tenho.”
“Dimi...”
“Nós sofremos tanto, amor, que ainda não aprendemos como
não sofrer.”
Eu chamo seu nome novamente. Ele me ignora. Dimitri apenas
continua, em uma longa respiração.
“Eu estava disposto a esquecer esses últimos meses
insuportáveis assim que você bateu na minha porta, mas à medida
que a conversa fluía, percebi que estava errado. Você tinha razão.
Eu não aguentava mais. Não aguento mais essa merda. Eu preciso
que você seja melhor. Principalmente por você. Mas,
egoisticamente, por mim. Por nós."
"Por que você ainda me quer?"
“Porque eu te amo, porque parece certo. Sua respiração em
meu pescoço toda noite, sua palma contra meu coração. Eu sinto
falta disso. Sinto saudades suas. Então, por favor, quando achar
que pode me amar da forma certa e deixar eu te amar de volta,
apareça no meu escritório – para podermos fingir um pouco mais e
então poderemos ser reais pelo resto dos nossos dias. Você me
entendeu?”
“Sim. Entendi” digo, meus olhos ardendo de lágrimas.
“Ninguém nunca vai te amar da forma como eu te amo”
“Eu te amo tanto, eu...”
Com isso nós dois ficamos em silêncio.
"Eu preciso ir” minto.
Nós dois desligamos ao mesmo tempo.
Até que... uma mensagem.
Amor, eu não consegui falar isso na ligação, mas precisa ser
dito.
Meu coração palpita, prendo a respiração.
“Se você nunca se sentir capaz de me amar da forma certa,
preciso que esqueçamos um do outro. Mas, honestamente, estou
sendo injusto com você, porque estou pedindo que faça a pior parte:
ser quem vai embora primeiro.”
Eu bloqueio a tela do celular, respirando pesadamente.
Compreendendo as duas realidades que se tornam possíveis a
partir de agora.
Dois lados da mesma moeda.
Qual deles será?
"Mas não esqueça de uma coisa” sussurro “cara, eu te amo.
Coroa, eu te amo ainda mais.”
Minha gratidão para Rick Riordan, Carina Rissi, Cassandra
Clare, Sally Rooney, Fernando Scheller, Penelope Douglas, Colleen
Hoover, Roshani Chokshi, Elena Armas, Sarah J Maas, Stephanie
Garber, V.E Schwab, Tahereh Mafi, Olivie Blake, Holly Black, Erin
Morgersten e, claro, Oscar Wilde.

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