Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
HISTÓRIA:
Mesmo sendo uma filosofia nascida em Atenas, os estoicos, em sua
maioria, eram estrangeiros. Ou seja, não eram cidadãos gregos e, portanto,
não possuiam a maioria dos direitos dos cidadãos atenienses.
ZENÃO DE CÍTIO:
Tudo começa com Zenão (334 a.C. – 264 a.C.), ele é considerado o
fundador do estoicismo. Ele era um homem baixo, magro e de pele negra, que
veio de Cítio, do outro lado do mar egeu, na ilha de Chipre, para Atenas.
Conta-se que era mercador e que trazia mercadorias, mas seu barco afundou e
ele chegou em Atenas sem nada.
Conta-se também que Zenão consultou o Oráculo e perguntou qual o
melhor modo de se viver, e obteve como resposta: “tornando-se da cor dos
mortos”. Desta maneira, Zenão passou a estudar seus predecessores e se
apaixonou pelos ensinamentos de Sócrates.
Mas tornar-se da cor dos mortos não era o bastante, um dia, numa
livraria perguntou onde poderia encontrar homens como estes que conhecia
nos livros. O mercador apontou e disse: “ali está um”. E assim Zenão tornou-se
discípulo de Crates, que, por sua vez, foi discípulo de Antístenes, da escola
dos Cínicos (tal como Diógenes).
Os cínicos eram adeptos da filosofia escancarada, baseada na virtude,
com uma atitude mordaz (com o perdão do trocadilho) para todas as
convenções sociais. Esta audacidade escandalosa era uma maneira de
conseguir alguma reação dos espectadores e fazê-los refletir sobre suas vidas.
Mas esta filosofia não combinava com a personalidade reservada de
Zenão, ele era um homem calmo, pacato, não frequentava os festins, preferia
ficar ao sol e comer figos verdes. Ainda assim, da filosofia cínica nasce uma
das maiores máximas estoicas: “viver conforme a natureza”.
Zenão começa a ensinar com cerca de 42 anos no Pórtico Pintado em
Atenas, um espaço aberto onde todos podiam acompanhar suas aulas. Sua
escola de pensamento ficou conhecida pelo lugar onde ensinava, em
grego, stoa, portanto: os estoicos.
Seus ensinamentos se tornaram conhecidos e passaram a rivalizar com
os filósofos de seu tempo: platônicos, aristotélicos, megáricos, e principalmente
com os epicuristas. Foi Zenão quem colocou os fundamentos do Estoicismo,
mas sua filosofia, felizmente, não morreu com ele.
CLEANTO DE ASSOS:
Cleanto nasceu em Assos, em Tróade, também do outro lado do mar
Egeu, onde hoje se localiza a Turquia. Seu nome é na verdade um apelido e
significa: “carregador de água do poço”, porque, para sobreviver, retirava
durante à noite água dos poços.
Apesar da probreza em que vivia, ou talvez por isso, começou a
aprender filosofia com Crates, filósofo cínico, optando depois pelos
ensinamentos de Zenão de Cítio. Cleanto era forte e paciente, ou talvez
poderíamos dizer teimoso e resistente. Sua personalidade combinava com o
estoicismo.
Talvez por isso tenha sido escolhido como sucessor de Zenão,
provavelmente por seu respeito e fidelidade aos princípios dos ensinamentos
estoicos. Sua resistência e sua constância. Mesmo sendo o sucessor de uma
grande escola de filosofia, Cleanto continuou a ganhar seu sustento com o
trabalho braçal. Mas como não rivalizava com a inteligência de Zenão, neste
período o estoicismo ficou praticamente estacionado. Conservou-se, mas não
inovou em nada.
Cleanto nasceu em 331a.C. e dizem que morreu em 232a.C. com 99
anos de idade. A causa de sua morte teria sido uma infecção intestinal, que o
impossibilitava de comer. Depois de jejuar por vários dias, os médicos
disseram que já podia voltar a se alimentar normalmente, mas Cleanto se
recusou, dizendo que já havia vivido o bastante, preferiu dar fim à própria vida.
Seu sucessor foi Crisipo.
CRISIPO DE SOLOS:
Crisipo é um dos estoicos mais conhecidos, com fama e importância
comparável à de Zenão. Nasceu em 280 a.C. em Solos (também localizada na
atual Turquia). Como todos os anteriores, manteve um vida simples durante
toda sua existência.
Foi Crisipo quem reestabeleceu a força e unidade da filosofia estoica,
escrevendo inúmeros textos sobre a escola, dando novo vigor aos
conhecimento anteriores e criando novos conceitos (como por exemplo,
“premeditatio malorum”).
A filosofia estoica floresceu neste período, entrando em muitos debates
e discussões. Crisipo era muito seguro de si e de seus conhecimentos, ousado,
desafiava outras escolas a exporem seus conhecimentos também.
Poucos tinham coragem de discutir com Crisipo pois ele tinha absoluto
conhecimento da dialética e da erística, dominando com facilidade os
argumentos de seus adversários. Diziam inclusiva que se os deuses tinham
algum conhecimento de dialética, certamente seria a de Crisipo.
O filósofo morreu em 210 a.C., com 70 anos. É o primeiro caso
documentado de Hilaridade Fatal, pois dizem que morreu de tanto rir após ver
um burro comendo seus figos.
Durante o período médio o estoicismo perdeu parte de sua originalidade,
sendo influenciado por diversas outras escolas, como o platonismo e o
aristotelismo. O Estoicismo médio, séc I e II, possui representantes como
Panécio e Posidônio.
Estoicismo Romano:
As principais obras que nos chegaram foram do período Imperial. Nesta
época, o estoicismo torna-se quase que exclusivamente voltado para a ética.
Isso não é um defeito, mas nos impede de ver outras características
importantes que dão suporta a esta filosofia helênica. Isso torna o Estoicismo
Imperial muito famoso e com grandes representantes: (50 – 130), Marco
Aurélio (121 – 180)
SÊNECA:
Lúcio Aneu Sêneca nasceu em Córdoba, na Espanha, em 1a.C. e
estudou em Roma com um mestre pitagórico e outro estoico. Tornou-se
advogado e homem de letras, e ficou muito rico. Como escritor, foi muito
profícuo e escreveu diversos tratados sobre os mais variados assuntos,
acolhendo inclusive influências de outras escolas como o Epicurismo.
Por problemas políticos, passou oito anos exilado na Córsega, mas foi
chamado de volta à corte. Com 50 anos, foi-lhe confiada uma importante
missão, ser o tutor de Nero, futuro imperador. Seu aluno era impertinente e
teimoso, mas Sêneca fez o melhor que pode e quando Nero subiu ao trono, o
filósofo permaneceu como um de seus principais conselheiros.
Mas Sêneca caiu em desgraça ao ser acusado de participar de uma
conjuração contra o Imperador, o que é falso. Injustamente foi condenado a
cortar as próprias veias, o que fez, em obediência às ordens de seu imperador,
morrendo em 65d.C.
EPICTETO:
Epíteto não é um nome, é um apelido, significa “O Adquirido”, pois
Epicteto era um escravo. Nasceu em 50d.C. e foi comprado em Roma por
Epafrodite. Muito mal tratado no começo, ganhou o respeito de seu senhor
devido sua firmeza de caráter.
Isso o permitiu frequentar as aulas de Musônio Rufos, com quem foi
iniciado no estoicismo. Quando foi liberto, Epicteto passou a viver de maneira
muito simples, em uma cabana com pouquíssimos pertences e que permanecia
sempre de porta aberta.
Em 93 d.C. o Imperador de Roma expulsa todos os filósofos da Itália.
Epicteto então vai para a Grécia e funda sua escola em Nicópolis. Lá ensinou
por muitos anos, mas não deixou nada escrito (como Sócrates e Diógenes). Os
ensinamentos nos chegaram através das anotações de seus discípulos.
As ideias de Epicteto são claramente estoicas, mas se afastam da
Lógica e da Física, preferindo manter-se na ética e na prática de vida. É dele a
frase “Abstém-te e suporta”. Todo o esforço de Epicteto vai na direção do
autocontrole, pregando a liberdade interior.
MARCO AURÉLIO:
Ao contrário de Epicteto, Marco Annius Verus estava predestinado a se
tornar Imperador da maior potência política do ocidente, Roma. Nasceu em
121d.C e tornou-se protegido do imperador Adriano.
Interessou-se por filosofia desde cedo e aos doze anos adotou o modo
de vida estoico, vivendo de maneira modesta e sóbria por toda a sua vida. Ao
ler Epicteto, Marco Aurélio percebe que deveria a filosofia seria um trabalho
reflexivo de toda uma vida e que ele deveria se esforçar para formar seu
caráter e dominar suas paixões.
Tornou-se imperador em 161 e adotou o nome de Marco Aurélio. Seu
reinado foi marcado por inúmeras guerras, levando o imperador a passar quase
o resto de sua vida na frente de batalha.
Ao morrer, foi descoberto um Diário, com anotações que o Imperador
fazia ao cair da noite, quando estava sozinho e podia refletir em paz. as
“Meditações” eram reflexões pessoais, não destinadas a serem publicadas.
Pode inclusive ser traduzido como “reflexões para mim mesmo”. Ou seja, é
uma obra de filosofia destinada não ao grande público, mas a si mesmo. É hoje
uma das mais importantes obras do estoicismo e de grande importância
filosófica.
Depois de Marco Aurélio a filosofia estoica não conheceu outros grandes
representantes. Mas sua força continua pungente, influenciando praticamente
todas as escolas posteriores.
A escolástica leu muito e absorveu muito dos ensinamentos estoicos.
Descartes conhecia de cor o Manual de Epicteto, Pascal os admirava,
Espinosa aprendeu muito com eles, Kant também, e até mesmo o teimoso
Nietzsche poderia admitir a influência de um ou dois pensamentos. Ou seja, a
filosofia estoica continua presente.
Estoicos – Lógica:
Lógica é uma palavra que vem do grego, Logos, e significa linguagem,
raciocínio, razão, ciência do falar bem e corretamente. O logos é a ordenação
do cosmos à qual o sábio tem acesso através do discurso racional. Sendo
assim, a lógica estoica se constitui como um empirismo calcado na percepção
e na razão. Isso significa simplesmente que percebemos o mundo e estas
percepções serão pouco a pouco organizada pela razão.
Em primeiro lugar, os estoicos são empiristas, isso significa
simplesmente dizer que a origem de todo o conhecimento é sensível. Para
falarmos corretamente, primeiramente precisamos ser afetados pelas coisas, e
posteriormente organizar estas sensações. Caso contrário cairemos no erro e
usaremos a linguagem incorretamente.
Ao sermos afetados constantemente, começamos a criar conceitos e
noções. Como dizem os estoicos, a alma sente e depois assente, ou seja, é
afetada e depois afirma ou nega o que sentiu. Quando soltamos um padra, ela
cai, quando soltamos novamente, a alma espera que ela caia, e assente
quando isso acontece.
Mas pode acontecer o contrário, um movimento pode acontecer contra
aquilo que esperamos, neste caso, ou nos enganamos, ou o objeto está sendo
movido contra sua natureza (como no caso de jogarmos uma pedra para cima.
Nesse caso nosso assentimento dirá, “a pedra uma hora vai cair, pois é de sua
natureza”).
Desta maneira, as sensações se organizam e as relações serão
percebidas como harmônicas ou desarmônicas, concordantes ou discordantes,
simpáticas ou antipáticas. Vemos com frequência peixes na água e aves no
céu e damos nosso assentimento. Quando encontramos um peixe na rede,
sabemos que o peixe foi capturado e está lá contra sua natureza.
As representações precisam do assentimento da razão para tornarem-se
apreensões. O sábio organiza pouco a pouco as certezas isoladas para criar
uma conexão sistemática e estável da realidade. O conhecimento acrescenta
estabilidade e constância para as representações, criando apreensões.
Esta ciência nos faz dar adesão ao mundo e a sua estrutura. Nos ajuda
a saber o que está e o que não está de acordo com a natureza. Apenas desta
maneira podemos agir corretamente, compreendendo como o mundo funciona.
Ou seja, primeiro recebemos representações, com o tempo estas
representações se tornam compreensivas e passamos a dar nosso
assentimento. A compreensão é o assentimento que damos às coisas
conforme a natureza delas. É da natureza da mulher ser capaz de gerar filhos.
É da natureza do ser humano ser capaz de raciocinar, é da natureza do fogo
esquentar. É da natureza das coisas agir de determinada maneira e não de
outra.
A compreensão dos estoicos nos joga imediatamente no mundo: o
mundo é como se apresenta ao sábio estoico, uma compreensão que dá conta
de seu modo natural de ser, seu movimento eterno e contínuo. Basta abrirmos
nossos sentidos e prestarmos atenção.
Por isso podemos dizer que na filosofia estoica não há separação entre
teoria e prática. Ou seja, o mesmo logos que é uma verdade na Lógica, é
também a ordem do cosmo (Física) e nos mostra uma norma moral (Ética).
Tudo está interligado, como um grande sistema amarrado pelo mesmo fio.
Mas o conhecimento dos estoicos se dá com acontecimentos dinâmicos,
o que significa que é muito fácil nos enganarmos. O mundo é um todo
animado, que se move eternamente, como um ser vivo, como Deus.
Compreender é entender esta harmonia em constante movimento. Para isso,
os estoicos desenvolvem toda uma maneira de pensar os acontecimentos.
Diferente do pensamento de Aristóteles, que significa classificar estática
e hierarquicamente, o pensamento estoico está comprometido com os
acontecimentos, as modificações do mundo.
Ou seja, se a lógica aristotélica fala do ser: o cavalo é um animal, onde
um predicado se liga a um sujeito. A lógica estoicas se faz com
acontecimentos: faz sol, está claro. Implicações temporais.
Apenas o conhecimento preciso dos acontecimentos do mundo permite
ao ser humano dar sua adesão correta ao mundo. Afirmá-lo da maneira correta
é compreendê-lo em seus acontecimentos. Essa adesão permite à física
explicar como o Kosmos está ordenado e como a Ética deve ser.
Os Estoicos e o Acontecimento:
A lógica estoica nos mostra que eles pensam muito diferente de Platão e
Aristóteles. Para Zenão, Crisipo e seus seguidores, o mais importante é a
compreensão dos acontecimentos, ou seja, entender qual é a lógica das
modificações. Vimos anteriormente que a lógica é o falar claro e correto daquilo
que está em movimento. Ora, se a lógica exprime através das modificações é
porque a própria vida do mundo se dá nos Acontecimentos.
Portanto, a diferença entre os aristotélicos e estoicos estará na
respectiva importância que cada um dá ao sujeito ou ao predicado. Ou seja,
entre o verbo ser (que liga uma substância) e estar (que expressa uma
modificação). Por exemplo, para Aristóteles: “Sócrates é um ser vivo, os seres
vivos morrem, portanto Sócrates é mortal”. Os estoicos, por outro lado, não
estão preocupados com estas classificações. Eles preferem dizer: “Sócrates
filosofa na Ágora, Sócrates é acusado, Sócrates se defende das acusações,
Sócrates toma a cicuta, e então Sócrates morre”.
Percebem a diferença? Para Aristóteles “a árvore é verde” (substância +
acidente). Para os estoicos, “a árvore verdeja” (um sujeito que se modifica), a
importância está no acontecimento, no predicado. Tudo para eles anuncia uma
relação de modificação, a lógica de um acontecimento. Isso é o que importa,
enfatizar ações e atividades, transformando substantivos em verbos, categorias
em maneiras de se movimentar.
É muito diferente da nossa maneira habitual de pensar. Podemos dizer
que os estoicos estudam como a matéria dos corpos se altera, gerando
acontecimentos, como as alterações se entrelaçam, gerando modificações.
Já vimos como a base da lógica se inicia com o empirismo, ou seja, as
percepções sensíveis. Desta maneira, podemos dizer que o homem não nasce
com ideias inatas (como queria Platão) e a realidade não está disposta em
categorias e classificações (como queria Aristóteles).
É tudo uma capacidade de captar a lógica do movimento. É nela que
nosso assentimento aumenta e nossa adesão ao mundo se torna mais eficaz.
Os estoicos apreendem o mundo através de seus sentidos e da regularidade
com que as coisas se modificam.
Por isso a lógica estoica não é como a aristotélica. Esta realiza
inferências substanciais, “Sócrates é racional”, “todo homem é mortal”, já a
lógica estoica realiza inferências temporais: “há luz, então é dia”; “Acusam
Sócrates, então o matam”. Desta maneira é fácil perceber como Aristóteles se
concentra na questão da hierarquia, das espécies, dos gêneros, etc. Enquanto
os estoicos não classificam nada (tudo para eles é singular), mas encontra o
meio das coisas, as maneiras como elas se encontram e se afetam.
Se para Aristóteles, a lógica é estática, e o movimento é apenas uma
expressão da potência ao ato, em direção à forma final, nos estoicos vemos
que o acontecimento assumirá um papel central, não indo para nenhum lugar
em especial, apenas se afirmando nos corpos. O acontecimento é o
personagem principal da lógica estoica.
Eis a maneira dos estoicos pensarem os acontecimentos:
Proposição consecutiva:
Soltamos a pedra e ela caiu.
O Sol apareceu e houve luz.
Colocamos um intolerante no poder e aconteceu uma ditadura.
Proposição disjuntiva:
Ou é dia ou é noite.
Ou a pedra está no chão ou alguém a ergue.
Ou temos um intolerante no poder ou uma democracia.
Proposição causal:
Porque é dia, há luz.
Porque soltamos a pedra, ela caiu.
Porque colocamos um intolerante no poder, houve uma ditadura.
Proposição comparativa:
É mais dia que noite.
A pedra é mais pesada que o ar.
Um intolerante é mais inflexível que um democrata.
Estoicos – O Mundo:
A física dos Estoicos se inspira em Heráclito. Ou seja, uma lógica dos
contrário, do movimento, onde tudo é fluido e tudo está em constante devir. A
palavra Física significa, em do grego, physis, e vem do verbo phuein, que
significa crescer. A física estoica é assim um materialismo determinista
fundamentado na continuidade e comunicação dos corpos (diferente dos
epicuristas, não há átomos ou vazio, apenas um só e mesmo corpo).
Para os estoicos a física é o mundo material se transformando
continuamente. Tudo intimamente conectado, tudo misturado. Por isso os
estoicos definem a física como fogo, elemento substancial para Heráclito. Um
fogo artista que arde, cria, transforma e modifica. A natureza cresce, ele é vivo,
ela se move por si mesma. Mas esta transformação não é aleatória, pois há
uma razão que comanda tudo isso.
Os estoicos partem desta ideia simples de causalidade e interpenetração
dos corpos interagindo uns com os outros e se interpenetrando: o sal, por
exemplo, se dissolve na água; o álcool do vinho se dissolve em nosso sangue;
o fogo penetra o metal. Como diziam os cínicos: Tudo está em tudo, como dizia
Heráclito, os deuses estão em todos os lugares.
Os corpos estão em mútua e constante afecção. Os indivíduos são
misturas únicas ligadas umas às outras, que se interpenetram em relações de
simpatia e antipatia. Isso faz de cada corpo um ser único. Mesmo um grão de
areia é diferente do outro, dizem os estoicos, e isso vale com ainda mais força
para os homens e mulheres, sendo cada um diferente do outro.
Mas se o cosmos é o fluído divino e cada corpo é único, como
compreendê-los plenamente? Ora, já vimos na lógica: através
dos Acontecimentos. Os estoicos se dedicaram a estudar profundamente
apenas uma das causas de Aristóteles. Das quatro causas aristotélicas:
material, formal, teleológica e eficiente, os estoicos ficam apenas com a última.
Mas do que são feitos os corpos? A resposta veio de Empédocles, tudo
o que existe é composto de quatro substâncias em quantidades diferentes:
Fogo, Água, Terra e Ar. Estes elementos se combinam para dar origem a tudo
o que existe.
Este mundo é feito de dois princípios, um ativo e um passivo, um que dá
forma e um que toma forma. Os dois princípios ativos são o fogo e o ar, que
são mais leves e mais rápidos, os dois princípios passivos são a água e a terra,
que são mais frios e lentos. Os elementos passivos sofrem ação dos elementos
ativos e então se modificam.
Exemplo, quando a água é penetrada pelo fogo, ela se torna mais
rápida, quando o ser humano é penetrado pela pneuma ele adquire vida,
quando o corpo morre ele esfria, e assim por diante, elementos se
relacionando.
Então, podemos concluir que tudo acontece através de causas
eficientes, tudo acontece pela dinâmica dos movimentos se somando ou
subtraindo. Esta causa pode ser:
A física demostra como os seres estão ligados uns aos outros, ela é a
teoria da inter-relação dos corpos, da natureza e do cosmos. Sendo assim, a
física nos ajuda na ética, pois nosso conhecimento do mundo nos permite
entrar em harmonia com ele, a sabedoria está em saber aderir a ele, ao seu
movimento.
Ou seja, continuando a ideia da lógica, a física mostra ao homem como
aderir ao mundo, colar nele, encontrar seu lugar dentro desta harmonia. Para
os estoicos toda a natureza é um ser vivo que se move como um só, segundo
uma lógica determinista. Para os estoicos, antecipando Espinosa, dizer
natureza ou Deus é a mesma coisa.
Tudo é corpo, tudo está interligado, interpenetrado, conectado. O ser
humano deve unir-se da melhor maneira ao universo. Tudo possui uma relação
de simpatia ou de antipatia. Se estivermos no lugar certo, o mundo fluirá em
nosso favor, se estivermos no lugar errado, o mundo nos arrastará em direções
que não queremos ir. A sabedoria será habitar o mundo de maneira a fruir
desta harmonia dos corpos.
Certo, vimos que tudo o que existe são corpos, mas todos os corpos
estão em relações e por isso se modificam. Estas modificações são
acontecimentos, que os estoicos definem como incorporais. Se já sabemos que
a Física Estoica parte da ideia de um único corpo material inter-relacionado,
precisamos entender então melhor o que significam os Incorporais.
Estoicos – Os Incorporais:
Dissemos que no mundo tudo são corpos, e é verdade, mas existem
certas entidades no mundo estoico que são não-entidades. Para os estoicos
existem coisas que mesmo existindo, não são corpos: o vazio, o tempo, por
exemplo. Mesmo o choque dos corpos uns com os outros, também, faz com
que algo apareça, que não é da ordem do corporal.
É isso, existem coisas que existem sem existir corporalmente. E apenas
conhecendo os corpos e os elementos não seremos capazes de compreender
o cosmos como um todo. Precisamos falar sobre o outro lado da moeda, os
incorporais.
Os estoicos definem quatro incorporais, são eles:
1. Vazio: não há vazio no mundo, pois tudo está misturado, mas há vazio
fora dele, o próprio mundo, dizem os estoicos, flutua num vazio infinito.
O mundo inteiro está num vazio gigante, eterno, que, por razões óbvias,
é incorporal.
2. Espaço: dentro deste vazio infinito está o espaço, que também é
incorpóreo, mas não é vazio, pois está preenchido pelos corpos. É como
a moldura onde tudo acontece. Do vazio nada podemos dizer, mas do
espaço podemos dizer “em cima”, “embaixo”, “à esquerda”, “à direita”. O
espaço é o palco do teatro ocupado pelos corpos se movimentando.
3. Tempo: Todos os corpos preenchem o espaço e se movem no tempo.
Ou seja, todo acontecimento acontece no tempo, ele é a sustentação
daquilo que se modifica. Todos os acontecimentos se desenrolam no
espaço e no tempo.
4. Exprimível: Dos corpos no espaço se modificando no tempo nós
podemos dizer algo, exprimir algo. O exprimível é o quarto incorporal,
porque ele é aquilo que dizemos do movimento dos corpos no espaço e
no tempo. Exemplo, quando afirmamos que a carne é cortada pela faca,
isso é um exprimível incorporal. A faca e a carne são corpos nos
espaço, mas o corte é incorporal, é um acontecimento.
Estoicos – Deus:
Os estoicos dizem que todas as coisas estão conectadas, interligadas.
Sendo assim, a natureza se move de maneira que podemos compreendê-la.
Ora, isso torna a Lógica e Física parte de um mesmo sistema perfeito e
compreensível.
Certo, mas dizer que tudo está ligado é uma afirmação bem ousada.
Quais os fundamentos ontológicos desta afirmação? A simpatia universal é
mais do que dizer que todas as coisas são a mesma coisa, ela possui um
alcance metafísico.
Se há um nexo, um nó das causas, podemos chamar este nó de Deus.
Sendo assim, dizem os estoicos, podemos conhecer a natureza como ela é,
em sua manifestação direta: ela é um monismo divino.
Chamamos o cosmos de Deus, porque ele é o logos universal, a razão
de tudo ser como é. Se tudo é um, isso quer dizer que é a mesma luz que se
divide por tudo. Mas calma, definitivamente nada aqui é parecido com
o Deus pessoal do cristianismo.
O Deus dos estoicos não cria o mundo em sete dias, não expulsa
ninguém do paraíso, não muda de ideia e tenta afogar toda a humanidade, não
sente inveja de outros deuses ou felicidade com os sacrifícios da carne. Não, o
deus dos estoicos é a própria natureza! Ou seja, muito tempo antes
de Espinosa, os estoicos já traziam uma concepção panteísta de natureza.
E mais, nós podemos conhecer a mente de Deus, afinal, se ele é a
própria natureza, então conhecê-la é ao mesmo tempo conhecê-lo. E mais
ainda: obedecer à natureza é obedecer à Deus!
Este Deus que não opera milagres, mas é um só com o mundo, atua
pelo princípio de geração: ele é o fogo artesão do universo, à maneira de
Heráclito, podemos chamá-lo de fogo criador, se quisermos. Não porque ele
cria o mundo, vai embora e volta para julgá-lo depois do fim dos tempos, mas
porque ele cria o tempo todo, ele é a natureza criadora contínua.
Deus é o próprio universo funcionando como um ser vivo e racional,
mente, espírito e razão, claro, mas também como um corpo. Deus é Hylezoísta,
ou seja, ele é a vida e a matéria do universo se manifestando. Uma vida e uma
matéria eternamente em movimento. Por isso dizemos que ele é o sopro
divino, que anima tudo.
Deus é a razão, o logos, a ordem de todas as coisas na natureza,
ele é o destino e a necessidade suprema. Mas, se é assim, então não há
espaço para o livre arbítrio nem para o acaso? A resposta é ao mesmo
tempo Sim e não.
Destino quer dizer, tudo é necessário, para tudo há uma razão, nada
foge do fogo divino, apenas nós que somos limitados e não vemos. Há uma
relação entre os acontecimentos presentes e os futuros, como sinais que os
anunciam.
Mas nós somos causas ativas e necessárias no mundo também. Ou
seja, podemos nos mover ativamente dentro de Deus, mas sem nunca quebrar
sua ordem divina. Afinal, Deus ordena o mundo, ele é a própria manifestação
da ordenação do mundo, e por isso ele se confunde com a realidade.
Se tudo está interligado, então percebemos como o homem está em
uma relação intrínseca com o que o cerca. E é aí que a sabedoria humana
começa. Ao conhecer a providência divina, toda parte pode se encontrar no
todo. Nosso assentimento ao mundo é o consentimento aos planos divinos, é a
consciência desta força em operação indefectível.
Para os estoicos o destino é apenas a manifestação racional e
determinada da razão no mundo. Ou seja, não há um capricho divino, apenas a
própria necessidade da existência. E cabe a nós dar o nosso assentimento.
Pode parecer estranho, mas é exatamente isso: a liberdade estoica nasce da
pressuposição de que tudo está determinado, e cabe a nós encontrar
nosso lugar dentro do todo.
Para os estoicos, o destino, ou providência, não é uma superstição ou
crendice, é a própria apreensão das conexões necessárias do mundo. E a
sabedoria começa exatamente aí. O destino de Deus entrelaça cada
acontecimento. Então, só o que podemos fazer é dizer Sim, aceitar. E
aceitando, buscar entender a concatenação dos acontecimentos. Somente
desta maneira encontraremos uma maneira de afirmar a nós mesmos e o
mundo.
Estoicos – a alma:
A filosofia grega dividiu a alma em três partes. Para Platão, no baixo
ventre estava a sede da concupiscência ou da temperança; o coração seria a
sede das emoções, da cólera ou coragem, enquanto na cabeça estaria a sede
do raciocínio e da prudência. Em Aristóteles a definição é muito similar: a parte
vegetativa é responsável pela subsistência; a parte animal é responsável pela
sensibilidade e movimento; e a parte racional é responsável pelo intelecto e o
pensamento.
De certo modo, não é tão diferente para os Estoicos, pois para eles o ser
humano ocupa um lugar muito especial dentro da filosofia: ele é um ser
racional, isso significa que apenas ele pode ter um acesso perfeito ao Logos.
Sendo assim, ele distingue-se do resto dos animais por apenas esta única
característica: a inteligência.
A psicologia significa estudo da alma. Mas diferente do esperado, esta
alma faz parte da física, porque ela é corporal. Prova disso é a íntima relação
entre os dois: quando estamos doentes não conseguimos pensar, e quando a
mente não pensa o corpo padece. Sendo assim, concluem os estoicos, a alma
é uma tensão, uma força, um tônus, que une as várias partes do corpo.
Podemos lembrar aqui da influência de Heráclito: a alma é uma força
ativa do corpo, formada pelos elementos fogo e ar. Um sopro quente que
anima o corpo. Tanto que a etimologia da palavra Psiquê, psukhḗ, significa
sopro.
Pois bem, os estoicos pensavam a alma como um sopro quente que, ao
nascer, animava o corpo. Prova disso era que, depois do último suspiro, o
corpo esfriava. Então a alma seria a parte animada do corpo, viva, capaz de
compreensão e de realizar movimentos.
E como os estoicos descrevem a alma? Existe uma unidade, mas ela
pode ser entendida em suas partes separadas. São ao todo oito partes: uma
dirigente, os cinco sentidos, a parte reprodutiva e a voz (linguagem).
Estoicos – Moral:
Certo, a lógica nos mostrou que todos os acontecimentos estão
implicados, a física nos mostrou que o mundo inteiro está conectado. Ou seja,
os estoicos nos mostram um entrelaçamento de todos os corpos e ao mesmo
tempo a nossa capacidade de compreendê-los.
Chegamos então à moral. Ela nos mostrará como podemos nos conectar
a este mundo da melhor maneira possível. Sim, é exatamente esta a ideia:
compreendendo o mundo, podemos nos misturar com ele da melhor maneira
possível, e assim sermos felizes.
Dito de maneira simples: encontrar nosso lugar certo dentro da
existência. O peixe vive bem no mar e morre na terra, a ave vive bem no ar,
mas morre embaixo d’água. Pode parecer simplório, mas realmente, cada um
tem uma maneira de expressar-se com plenitude. E ela não se dá apenas em
nós mesmos, isoladamente, mas encontrando nosso “habitat natural”, se
relacionando corretamente com as coisas à nossa volta. Enfim, nossa maneira
de se expressar se aproxima da plenitude quando aprendemos misturar nossa
natureza com o mundo à nossa volta.
É como disse Aristóteles, cada elemento tem o seu lugar natural. A terra,
por ser o elemento mais pesado, desce, a água é mais leve que a terra, e fica
pouco acima dela. O ar sobe e o fogo fica no alto. Mas os estoicos complicam a
coisa. Primeiro, todos nós somos únicos, então precisamos pensar para cada
ser singular. Segundo os aristotélicos pensam em essências e imagens, já os
estoicos pensam em acontecimentos, a capacidade de afetar e ser afetado.
Aí está a ética: como agir, o que fazer? A moral estoica está
fundamentada na razão, no logos, na nossa crença de que o mundo é um lugar
racional e podemos encontrar respostas racionais. Então o que, cada um de
nós, como seres singulares, devemos fazer para expressar nossa natureza?
Este é um princípio maior do estoicismo: viver conforme a natureza!
Os cínicos diziam o mesmo, e os epicuristas também. Não é naturalismo
falacioso, se tudo é natureza então tudo está permitido? Não, não é isso.
Nossa definição de natureza é clara, e vem da física estoica: uma
harmonia universal, vida que é racional e divina ao mesmo tempo, movimento
de afirmação que se insere numa simpatia com o mundo ao redor.
Aí está o começo da resposta: cada um de nós tem uma natureza que
se mistura à natureza exterior. E a moral tem como objetivo aprender quais são
estas nossas tendências, como a nossa natureza se expressa. Definindo nossa
natureza, encontramos nossas forças e também nossas fraquezas, nossas
virtudes e também nossas paixões.
Mas não basta saber, em seguida, precisamos desenvolver a virtude, a
força para seguir um caminho próprio, singular. A virtude tem alguns efeitos
importantes, proporciona a paz de espírito, o equilíbrio, a satisfação. Estes
conceitos são importantíssimos e foram criados pelos estoicos para mostrar a
excelência, o florescimento do espírito daquele que encontrou seu lugar, sua
perfeita manifestação de si.
A moral estoica é uma ética da virtude, da sabedoria e da força para
bem encaixar-se no mundo, de maneira potente e singular, para aprender a
fazer tudo tornar-se o mais conveniente possível, e misturar-se de maneira
harmoniosa com a existência. A moral estoica mostra como o ser humano pode
ligar-se corretamente da maneira convicta e inabalável ao mundo!
Como conclusão, dizem os estoicos, a virtude basta, e toda ética será
orientada com este fim! Os estoicos definem assim vícios (paixões) e virtudes
(orientações) para definir qual o melhor caminho a seguir. Para sermos felizes
basta estar de acordo com a ordem universal, a infelicidade, portanto, será este
desacordo, este conflito entre a parte e o todo.
Estoicos – Hormé:
Hormé, em grego, significa tendência. Tendência é a capacidade que
todos nós temos de expressar desejo ou aversão. Ou seja, trata-se de uma
energia ativa, um impulso, um esforço, para aproximar-se daquilo que convém
à nossa natureza e afastar-se daquilo que não convém.
Não podemos esquecer que a Física e Lógica estoicas estão fundadas
no Ato, na ação. Sendo assim, o mesmo acontece com a Ética, ela começa
pela tendência, pela capacidade que um ser tem de se inclinar ou se afastar
dos objetos à sua volta.
Para termos uma outra perspectiva, na biologia, o termo hormé foi usado
para formar a palavra hormônio, ou seja, substâncias em nós que guiam nosso
comportamento, nossa fisiologia e nosso humor.
A tendência é isto, este movimento. Mas para quê? Ora, a tendência
primordial de todos os seres é seu instinto de conservação. Cada ser vivo,
desta maneira, realizará um ato de afastar-se daquilo que o destruiria e
aproximar-se daquilo que o conserva. Evitar o desequilíbrio fatal e buscar o
equilíbrio vital. Para alguns será, por exemplo, ficar na água e afastar-se do
solo, para outros será, por exemplo, afastar-se do mar e ficar na terra.
Toda tendência é ao mesmo tempo racional e natural. Cada corpo tem
uma maneira de ser afetado e afetar que diz de sua natureza mais íntima, que
diz se algo de exterior, se uma relação, será conforme sua natureza, sua
tendência, ou não. A natureza de cada ser é em ato e indica como ele é
afetado pelo mundo, qual é, portanto, seu habitat natural, onde ele pode
florescer da melhor maneira.
Podemos começar com exemplos da biologia, apesar deles seres
limitados (pois tratam da espécie e não do indivíduo). Mas é só pensar em uma
tartaruga que acaba de nascer, ela busca a água, onde sua tendência poderá
se expressar plenamente. Ou em um pássaro que aprende a bater as asas
para em seguida voar. Ou seja, todo ser vivo busca o que lhe convém e evita o
que lhe impede de gozar do que convém.
Certo, então a finalidade do impulso é a autoconservação. Sendo assim,
a felicidade e o prazer são apenas o resultado natural de seguirmos nesta
direção. Por isso, dizem os Estoicos, o bebê busca o seio antes de gostar de
leite, para conservar-se. Esta concepção vai contra as ideias do epicurismo,
não é uma questão de prazer, dizem os estoicos, é uma questão de tendência.
A Razão sempre vem antes para os estoicos. Os epicuristas podem
dizer que é útil porque é boa, mas os estoicos insistirão que é boa porque é útil.
De onde vem essa ideia? Da Física estoica, baseada nos elementos que se
interpenetram e possuem relações de simpatia e antipatia.
E qual é a nossa tendência para os estoicos? Há uma natureza íntima
para o ser humano em geral: o pensamento racional. Nós temos essa
capacidade que outros seres não têm. Mas calma, isso não é definidor, pelo
contrário, o pensamento estoico é diametralmente oposto às categorizações
aristotélicas.
Todo ser é único, todo ser é em ato, todo ser tem uma capacidade
singular de afetar e ser afetado. Sendo assim, para fazer uso de um
anacronismo, todo ser tem sua vocação. Essa inclinação precisa ser
desenvolvida ao máximo e a razão pode ajudar exatamente nisso! Nós não
temos um telos, uma finalidade, pois os estoicos ficam apenas com a causa
eficiente, mas temos uma capacidade de afetar e ser afetados que se
desenvolve.
Sendo assim, o caminho é mais importante que o destino. E a tendência
de cada ser indica inúmeros caminhos possíveis e interessantes. A razão
simplesmente ajuda neste processo. O impulso pela autoconservação se
alimenta da tendência com a ajuda da razão.
Viver conforme a sua natureza é isso, é viver conforme a natureza como
um todo, não a despeito dela. Essa natureza singular procura uma constância
na natureza que é maior que ela, viver de forma harmoniosa é fazer sua
natureza se compor com a natureza toda. Sendo assim, apropriar-se de si é
apropriar-se do mundo!
Os estoicos ensinam que é necessária uma reconciliação entre a parte e
o todo, estamos separados de nós e do mundo ao mesmo tempo. Essa
harmonia definirá, para os estoicos, o bem e o mal, as paixões e as virtudes.
Tudo que permite seguirmos nossa tendência de autoconservação é bom, e
tudo que impede de nos conservarmos é mal.
A razão modela a tendência mostrando o que é conveniente nas
inclinações, dá sentido. Com que fim? Encontrar uma harmonia perfeita entre a
conduta e o acontecimento. Tudo que for contra isso, será então, a partir de
agora, definido como uma paixão.
Estoicos – Paixões:
Paixão é um termo que deriva do grego, pathos, e significa aquilo que se
sofre, se sente por acontecimentos exteriores. Ou seja, a definição de paixão
seria uma modificação corporal que sofremos devido uma ação exterior.
Se a virtude, como veremos, é um movimento de entrar em harmonia
com a natureza, as paixões são exatamente o contrário, uma força que nos
empurra para longe de nós mesmos e nos faz entrar em desarmonia com a
natureza.
A paixão é a passividade da alma, sua fraqueza. É o vento que carrega
a folha, é o mar que arrasta o náufrago é a avalanche que soterra o
alpinista. As paixões seriam então esta força que nos faria entrar em
contradição com a natureza. Ela não é nada mais do que um movimento não
natural de nossa alma, um movimento realizado apenas sob coação exterior.
Escravo das paixões, submetidos a ela, nossa alma segue numa direção
onde se sente contrariada, até mesmo violentada. Se o movimento do corpo
tem uma naturalidade (pense nos movimentos possíveis do joelho e do
cotovelo, por exemplo), a mesma coisa vale para a alma. Se a paixão chega a
níveis de constrangimento extremos, morremos.
Por isso, dizem os estoicos, submetidos às paixões, a alma é violentada
e se enfraquece. Ora, por que faríamos isso? Simples, porque damos nosso
assentimento a falsas representações e desejamos aquilo que não podemos
obter. Em outras palavras, seguimos em direções enganosas que na verdade
nos fazem ir contra nossa natureza. A paixão é, portanto, uma adesão que
damos ao falso, rompendo assim nosso equilíbrio natural.
Mas como, se os estoicos dizem que tudo é natureza? Como algo contra
a natureza se tudo são corpos? Não há contradição alguma aqui. Tudo é Deus,
tudo é um logos divino e racional, mas podemos dizer que ocorre uma
desarmonia, um desequilíbrio, um desencontro entre a natureza universal com
nosso corpo particular. Do ponto de vista universal, tudo vai bem, mas do ponto
de vista particular, há paixão.
Os estoicos dividem as paixões fundamentalmente em quatro:
Estoicos – 4 Virtudes:
Virtude é um termo latino que significa Virtus, que deriva do termo
grego, arethé, que por sua vez significa a excelência de alguma coisa, algo de
mérito e valor. É desta mesma palavra (Arethé) que também nasce a palavra
Aristos, que em latim, que significa o melhor, o mais bem qualificado, o de
maior valor. Por isso, por exemplo, a Aristocracia seria o (suposto) governo dos
melhores, dos mais bem qualificados.
Virtude então significa mérito, grandeza, força, valor. É a boa disposição,
a habilidade e a capacidade de enfrentar o mundo e seus perigos. É a
capacidade de ir ao máximo do que se pode. A virtude estoica está baseada
principalmente na capacidade de resistir às paixões que contrariam nossa
essência (hormé). Ou seja, buscar aquilo que nos conserva e resistir àquilo que
nos faz mal. Virtude é a ação que entra em relação de harmonia com a
natureza à nossa volta e nossa natureza racional.
Sendo assim, podemos dizer que a Virtude estoica é o contrário da
paixão. Através delas seremos capazes de viver uma vida tranquila, longe dos
males, das dores, e de todo sofrimento e angústia. Mas para isso, antes de
mais nada, precisamos seguir nossa natureza e nos concentrar naquilo que
está em nosso poder. Encontramos quatro grandes Virtudes que nos tornam
independentes (autarquia):
Estoicos – O Sábio:
O sábio é o resultado final de toda a filosofia estoica. Ele, e apenas ele,
é conduzido pela razão, e por isso aprende a viver em harmonia com a
natureza. Ele, e apenas ele, encontra a serenidade, aceitando do destino tudo
que lhe é reservado.
Qual o objetivo da filosofia estoica? Compreender o funcionamento da
natureza e do mundo, para conseguir eliminar as paixões e encontrar a virtude.
Este movimento não nos afasta do mundo, como poderíamos imaginar, mas
pelo contrário, nos faz mergulhar ainda mais profundamente na superfície de
sua vida e seu tempo. Desta maneira, podemos dizer que o Sábio é aquele que
compreende no tempo e no espaço, não fora dele. Ele dá seu assentimento ao
mundo e, portanto, sabe viver melhor nele.
Tudo começa com a dominação da física estoica, onde aprendemos que
todos os acontecimentos estão ligados uns aos outros, concatenados,
interligados. Assim podemos aprender a viver em harmonia com a natureza à
nossa volta. Ora, isso é óbvio, mas apenas o sábio estoico foi verdadeiramente
bem sucedido a, através da razão, entrar em ressonância com o mundo à sua
volta.
Com a formação da ciência da física o ser humano tornar-se cada vez
mais sábio, pois passa a pensar e agir em conformidade com a maneira que a
natureza age e pensa. Desenvolvendo toda uma lógica para isso, ele não se
engana tão facilmente, pois sabe que a maneira da natureza funcionar deve ser
a nossa. Compreendemos a própria maneira de Deus pensar, que se manifesta
na própria maneira do mundo se manifestar.
Tudo pode ser resumido na fórmula: o Sábio aprendeu a viver segundo a
natureza, segundo a razão, segundo os desígnios de Deus, de acordo com os
acontecimentos. Apenas assim ele aprende a agir! Sua ação torna-se ética pois
está mergulhada na virtude! Ele não é mais um objeto no mundo, servil,
passivo, ele tornou-se parte da vida do próprio mundo, nada o pega de
surpresa, porque ele está preparado para os acontecimentos, as mudanças, a
imanência.
Isso permite ao sábio viver isento de paixões, seguro de si, sincero com
os outros. O sábio desconhece a dor, o medo, os desejos irracionais e os
prazeres excessivos. Ele não se isola, aprende a se misturar, não foge,
aprende a enfrentar. Não mais com uma prudência insegura, mas com uma
segurança benevolente e satisfeita.
Enfim, podemos dizer que tudo no sábio depende apenas dele. E ele
valoriza apenas isso, o que está em seu poder. Isso confere constância no seu
conhecimento, coerência às suas atitudes, conveniência nas relações. E ele
trabalha continuamente sobre si próprio, para ser afetado pelo mundo de
maneira diferente dos outros.
Algumas virtudes fazem parte de seu modo de viver: a prudência, para
saber dizer o que convém e o que não convém; a moderação: pois nunca vai
além de sua própria natureza; a justiça, ele sabe dizer o que pertence a cada
um; e a coragem, ele está à altura dos acontecimentos, porque se preparou,
porque tem controle de si.
Ora, a conclusão é simples: para quem possui virtude, nada falta para
ser feliz! Desta maneira, o sábio possui algo que ninguém pode tirar.
Os estoicos advertiam: poucos conquistaram tal patamar, Sócrates,
Diógenes, Zenão, talvez. Mas aconselhavam: cabe a nós aproximar-se o
máximo possível destas figuras ideias, elas podem nos orientar quando
estamos perdidos. Até chegar lá, somos insensatos e escravos. Até lá,
estaremos sempre correndo o risco de agir contra nossa natureza.
Buscar uma lógica dos acontecimentos, encontrar a relação de simpatia
entre o mundo, Deus e o homem. Analisar com calma e clareza nossa natureza
tendências e nossas paixões. Ter coragem de fazer o que depende de nós e
serenidade de aceitar o que não depende. Eis o caminho do sábio.