Muitas são as aplicações tecnológicas de sistemas digitais na modernidade, o
espaço de tempo que vai da pluralização da internet até os projetos mais sofisticados de aproveitamento de inteligências artificiais (“I.A”) proporcionou um avanço nunca antes visto de ferramentas em prol da humanidade. Dentro desse contexto, o futuro que antes se imaginava como uma utopia materializa-se em projetos de cidades inteligentes, entendidas como estruturas autossuficientes, capazes de processar, quantificar e corrigir problemas internos com a maior dinamicidade possível. Quebrando ainda mais paradigmas do imaginário popular, não existem projetos de implementação das “smarties cities” apenas em países desenvolvidos da América do Norte, Ocidente Europeu e Oceania, já há mobilização para que essa realidade alcance países com potencial econômico emergente, como é o caso do Brasil, com o Projeto IARA (Inteligência Artificial Recriando Ambientes). A iniciativa conta com a união de 42 instituições de nível superior, a exemplo da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), com colaborações internacionais Europeias e Americanas, além das prefeituras das cidades contempladas. Um dos professores e coordenadores responsáveis pelo projeto, Renato Francês, explica que a cooperativa funcionará em diversas cidades brasileiras, com destaque para Canaã dos Carajás, onde é construído um polo tecnológico com diversas camadas de armazenamento e processamento de informações. A ideia central é de uma rede de plataformas, equipamentos e serviços integrados para melhor atender aos direitos básicos da comunidade local. As áreas de atuação da inteligência artificial no espaço são inúmeras: aplicativos com portal de denúncias estruturais vistas por moradores ao longo das ruas, ônibus escolares exclusivos para estudantes com “scanners” de reconhecimento, monitoramento de pacientes em hospitais (ação conjunta ao Sistema Único de Saúde), identificação de déficits de atenção a partir de monitoramentos via “I.A” –o chamado “machine learn”-, marcação de locais com potenciais vetores de doenças e visão computacional baseada no multiespectro para averiguar a situação de construções civis. Vê-se que os efeitos da inteligência artificial para o caso de melhorias estruturais de construções urbanas são extremamente benéficos, dinamizando o modo de vida dos que usufruem desses serviços. Entretanto, em meio a um contexto social e político de extrema radicalização em nível nacional, utilizações das “I.A” para compartilhamento de informações falsas, fraude de conteúdo autoral, manipulação da realidade e controle do modo de vida de usuários são uma preocupação real para as instituições historicamente legitimadas. A preocupação envolvendo o mau uso de tecnologias baseadas em algoritmos não é recente. A gravidade da situação tornou-se de conhecimento mundial com os duros golpes sofridos pelas democracias estadunidenses e britânicas. O ano de 2016 ficou marcado por dois marcos históricos: a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e o rompimento entre Reino Unido e União da Europeia, o qual ficou conhecido como “Brexit”. Ambos os eventos, a princípio inviáveis socialmente, com considerável parcela da população contrária às suas ocorrências, foram brutalmente alavancados por uma força política maior que qualquer oratória persuasiva: a inteligência artificial. A “Cambridge Analytica”, empresa de consultoria política britânica que encerrou suas operações em 2018, foi a maior expoente do movimento de desinformação em massa de cidadãos do Reino Unido e dos Estados Unidos, por meio da disseminação de informações alarmistas. Elas tratavam dos danos causados pela União Europeia a cidadãos britânicos, bem como dos problemas que supostos escândalos políticos da adversária de Trump, Hillary Clinton, causariam ao nacionalismo americano. Toda essa mobilização foi possível por meio do acesso a dados registrados de usuários em plataformas como o Facebook, o que possibilitou a adaptação de matérias para as preferências pessoais de cada indivíduo, moldando crenças e difundindo discursos favoráveis aos interesses de Trump e Boris Johnson (ex-primeiro ministro do Reino Unido). A democracia, de fato, havia sido diretamente prejudicada por um único sistema de “I.A”, pela primeira vez com repercussão mundial. Portanto, diante dos riscos da inevitável infodemia, entendida como um movimento de desinformação em massa, surgem as discussões para a regulamentação do uso de inteligência artificial no Brasil. O projeto vigente a ser analisado pelo Senado –PL 2.338/2023- é proveniente de uma comissão de juristas, que verificou, ao longo de 2022, propostas e legislações sobre o assunto ao redor do mundo. O projeto de Lei prevê a criação de regras para a disponibilização dos sistemas de “I.A”, a afirmação de direitos para as pessoas afetadas pela utilização dos circuitos e a classificação dos riscos de determinada tecnologia. Não se sabe ao certo quais impactos a legislação ou a não legislação causariam em um ambiente virtual e mecânico tão fluido e denso, cujas propriedades são assombrosas se comparadas às de ferramentas arcaicas inventadas pelo próprio ser humano. Observa-se, assim, que a humanidade cruza um limite diário entre a legalidade e a ética no que diz respeito às inteligências artificiais, uma linha tênue entre o que é permitido e o que há de mais desprezível em uma conduta moral. Tal linha, enquanto não for delimitada e desdobrada na prática, transformará o limite entre lei e racionalidade no limiar entre o futuro utópico atingido com sucesso e a volta à desinformação na sua forma mais primitiva.
Discente: Júlio Augusto Sarmento Maia Filho (matrícula: 202378840002).