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2024 pode marcar o início de uma nova era para as democracias

Hoje, no Brasil e no mundo, o Tribunal Superior Eleitoral está na vanguarda do combate à


desinformação, com normas e comandos decisórios robustos, definindo as regras do jogo democrático
para os candidatos na era digital. Assim, lembre-se da decisão do TSE que equiparou as redes digitais
aos meios tradicionais de comunicação, o que foi essencial para responsabilizar candidatos infratores
informacionais. E a Resolução TSE nº 23.714, de 2022, a determinar prazos e modelos adaptados à
velocidade do novo cenário digital. Mas, fora de sua esfera, é preciso avançar nas discussões sobre o
espaço virtual, responsabilidades das plataformas digitais e dos usuários na moderação e disseminação
de conteúdos nocivos para a democracia.

Um importante passo — e um excelente exemplo — foi dado recentemente pelo governo norte-
americano, que emitiu uma Ordem Executiva sobre Inteligência Artificial (IA). O mote é a “inovação
responsável”, segura e confiável. Ademais, essa norma reorienta o desenvolvimento de inteligência
artificial, de maneira que a inovação ocorra em prol da população norte-americana. O slogan, aqui, é
Make AI Work for the American People. Considerando que a sede das maiores plataformas digitais
globais, principais empresas capazes de fazer avançar a IA, é justamente os Estados Unidos, o impacto
dessa normativa deve alcançar uma dimensão estratégica em nível planetário. Durante o lançamento da
medida, o próprio presidente Joe Biden fez, aliás, uma breve menção às deepfakes, por ter assistido a um
vídeo falso em que ele mesmo aparece dizendo coisas que nunca disse.

Divulgação

Nos últimos anos, as novas tecnologias, especialmente as diversas modalidades de inteligência artificial,
deram um salto quantitativo e qualitativo com pouquíssima ou nenhuma regulamentação jurídica pró-
sociedade. De outra parte, democracias passaram por abalos significativos, de difícil recomposição
diante da cisão radical entre grupos no espaço público, especialmente porque essa divisão acaba sendo
perpetuada e constantemente reforçada pelo modelo de funcionamento das principais plataformas
digitais. Via algoritmos, as redes mundiais privilegiam a segmentação dos usuários por meio do suposto
perfil de cada um, agrupando-os em conformidade com esses dados, embora seja comum assumir que
estaríamos todos conectados a uma mesma aldeia global.

O lançamento do ChatGPT 3.5 pela OpenAI trouxe mais um novo paradigma tecnológico a empurrar as
relações sociais para um novo patamar de dificuldades. Apesar de ser comprovado que essa plataforma

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pode gerar informações falsas, ela já conta com adesão massiva da sociedade. A própria OpenAI possui
a DALL-E, uma ferramenta text-to-image, que cria imagens e vídeos “realistas” com base em linguagem
natural inseria pelo interessado.

Outro exemplo é a HeyGen, uma ferramenta que adapta o input textual do interessado ao padrão do
movimento labial do alvo (um político, por exemplo) e gera um vídeo que pode ser bastante preciso e
convincente.

Esse tipo de IA generativa pode servir às deepfakes, com a alteração maliciosa de vídeos ou áudios. Há
exemplos de manipulação de rostos de pessoas em corpos nus, em situações constrangedoras ou
violentas, que no campo eleitoral podem se traduzir em violência política de gênero. Por tal motivo,
diversas pesquisas de universidades públicas pelo mundo, em estágios já avançados, estão criando
ferramentas capazes de identificar com acurácia a adulteração de vídeos, de maneira a também permitir a
difusão destes novos instrumentos tecnológicos para a defesa da sociedade.

Entretanto, quando um vídeo viraliza, é difícil reverter seus impactos, fragilizando a liberdade
democrática, a concorrência sadia entre candidatos e influenciando de forma definitiva a opinião pública.
A eficácia das redes é praticamente instantânea. Portanto, o mau uso do poder tecnológico pode
determinar os rumos da democracia, decidir eleições e induzir a coletividade a grandes equívocos. Por
isso há propostas para que os vídeos baseados em IA generativa sejam etiquetados, indicando tratar-se
de um vídeo “construído”, logo, “falso”. É um primeiro passo para mitigar os riscos. Esse tipo de
medida, porém, não afastará totalmente os perigos no uso livre e disseminado de IA. Outra proposta,
menos factível no atual estágio, é a de que a própria IA não seja lançada ao mercado consumidor sem
um estudo de seus riscos sistêmicos para a humanidade e para a democracia.

Recentemente, o TikTok atualizou suas diretrizes para proibir mídias sintéticas (que são os vídeos
gerados ou modificados por IA) em algumas hipóteses. Trata-se do que chamamos de autorregulação,
que, embora bem-vinda, não oferece a mesma segurança jurídica de um direito uniforme para todos e no
interesse de todos, que não dependa apenas de uma bondade voluntariosa e volátil de cada plataforma

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digital.

O próximo ano pode marcar o início de uma nova era para as democracias. A inteligência artificial terá
uma abrangência até então não experimentada, porque, enfim, a IA é uma realidade e se popularizou.
Precisamos estar preparados.

*artigo publicado originalmente em O Estado de S.Paulo

Date Created
24/12/2023

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