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Combate digital à desinformação

nas eleições de 2020 no Brasil:


atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

- Estudo de Caso -

Márcio Vasconcelos Pinto


Instituto Tecnología e Equidade
Dezembro de 2020
As ideias e opiniões expressas no estudo de caso são de exclusiva
responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as
opiniões do National Democratic Institute, do Tribunal Superior
Eleitoral do Brasil ou qualquer outra organização ou pessoa
mencionada.

2
A ATUAÇÃO DO TSE NO COMBATE AO VÍRUS DAS NOTÍCIAS FALSAS

LUÍS ROBERTO BARROSO1

Este estudo de caso corresponde à análise elaborada pelo autor a respeito do papel
desempenhado pelo Tribunal Superior Eleitoral no enfrentamento à desinformação nas eleições
municipais de 2020. Como bem ilustrado neste trabalho, o TSE se preparou este ano para uma guerra
contra as fake news, a partir das diversas estratégias e parcerias desenvolvidas para levar aos cidadãos
informações de qualidade sobre o processo eleitoral e para combater ações coordenadas de
disseminação de desinformação.
Quando assumi a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em 25 de maio deste ano, destaquei o
combate às campanhas de desinformação, difamação e de ódio como uma das principais
preocupações da Justiça Eleitoral para as Eleições 2020. Reconheci, naquele momento, que a Justiça
Eleitoral, no exercício da função jurisdicional, desempenha um papel importante, mas tem sua
atuação limitada por diversos fatores, que incluem: (i) a difícil caracterização do que sejam fake news,
não devendo o Judiciário atuar como um censor do debate público; (ii) o fato de que, com frequência,
essas campanhas partem de computadores no exterior, não tendo a Justiça brasileira alcance
extraterritorial; e (iii) a velocidade da circulação de informações na rede social é, com frequência,
incompatível com os ritos dos processos judiciais.
Por isso mesmo, o Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020 investiu
em estratégia diversa: a mobilização das mídias sociais, da imprensa profissional, dos organismos da
sociedade civil e da população como um todo para o enfrentamento à desinformação. Ao estabelecer
o plano de atuação do Programa, o Tribunal se valeu de iniciativas inovadoras e multissetoriais,
celebrando amplas parcerias com diversos atores relevantes para mitigar o efeito negativo produzido
pela desinformação no processo eleitoral. Tais estratégias foram estruturadas nos seguintes três
pilares, que revelam a preocupação do Tribunal em resguardar e ampliar a liberdade de expressão
nas eleições. São eles:
1. Combater desinformação com mais informação, “inundando” o debate público com informação
verdadeira e de qualidade sobre o processo eleitoral;
2. Combater desinformação com capacitação, apostando em grandes campanhas educativas para
capacitar servidores e cidadãos a compreender o fenômeno da desinformação e a checar as
informações antes de compartilhá-las, de modo a evitar que atuem como “inocentes úteis” na
disseminação de notícias falsas
3. Combater desinformação com controle de comportamento, e não de conteúdo, por meio do
direcionamento de recursos tecnológicos das plataformas e das atividades repressivas contra
comportamentos inautênticos, robôs, perfis falsos e “milícias digitais” que buscam desacreditar o
sistema eleitoral e suas instituições.
Tendo em vista esses fundamentos teóricos, o TSE colocou em prática ações concretas e efetivas. Cito
algumas a título ilustrativo. Celebramos parcerias com todas as plataformas sociais, que passaram a
atuar cooperativamente com a Justiça Eleitoral, colocando suas ferramentas tecnológicas a serviço da

1 Ministro do Supremo Tribunal Federal. Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Professor Titular de Direito
Constitucional da UERJ.

3
democracia. Um exemplo emblemático foi o caso do WhatsApp, que, de forma pioneira, desenvolveu,
em conjunto com o TSE, um chatbot para levar ao eleitor esclarecimentos diversos, em temas como
notícias falsas, instruções sobre votação e cuidados sanitários, bem como um canal de denúncias de
disparo em massa, permitindo a rápida exclusão de contas com comportamentos inautênticos.
Também formamos uma grande coalizão para verificação da veracidade de fatos, em que as
principais agências de checagem do país se uniram para verificar conteúdos duvidosos sobre o
processo eleitoral. Em mais uma importante inovação, o TSE criou a página “Fato ou Boato”, para
reunir todas as checagens realizadas pela Coalizão. Graças a uma parceria com as empresas de
telefonia, o acesso aos conteúdos publicados nessa página se deu sem consumir o plano de dados
do eleitor – medida fundamental em um país em que a inclusão digital ainda está em curso e os
cidadãos navegam pela internet a partir de planos de dados limitados.
Os desafios enfrentados no processo eleitoral de 2020 não foram banais, considerados,
especialmente, os impactos produzidos pela pandemia em todas as áreas da vida. Especificamente
no combate à desinformação, fomos confrontados com notícias falsas a respeito das urnas
eletrônicas – várias delas “requentadas” de eleições anteriores –, além de informações fraudulentas
relacionadas até mesmo ao impacto da Covid-19 no processo eleitoral – como tentativas de supressão
de voto e informações que induziam o eleitor a erro sobre como e quando exercer o voto.
Apesar das dificuldades, em um balanço preliminar, que se alinha com a conclusão do autor neste
estudo de caso, parece que saímos vitoriosos dessa batalha. Com a colaboração de todos os parceiros
e a atuação firme e competente da equipe executora do programa de combate à desinformação do
TSE, a Justiça Eleitoral conseguiu levar à população, de forma célere, todas as informações relevantes
para que os eleitores pudessem exercer o seu direito de voto de forma consciente e informada. Sou
especialmente grato à Mariana Oliveira, Assessora-Chefe da Assessoria de Comunicação, ao Thiago
Rondon, coordenador digital do combate à desinformação, e à Aline Osorio, Secretária-Geral, por
terem conduzido as ações do programa com grande dedicação, boa dose de criatividade e enorme
capacidade de trabalho. Embora não seja possível acabar com a disseminação de desinformação, as
medidas adotadas foram capazes de reduzir expressivamente o seu impacto negativo sobre o
processo eleitoral.
É preciso, porém, reconhecer que não vencemos a guerra. Ao encerrar com sucesso as eleições
municipais de 2020, devemos continuar e aprofundar o trabalho desenvolvido, com vistas às eleições
de 2022. Nossa meta, mais uma vez, será a de prestigiar o debate público de qualidade, franco e
robusto, com respeito e consideração pelas pessoas e por suas ideias, mesmo que diferentes das
nossas. E, com a mesma determinação, prosseguir no enfrentamento às milícias digitais, hackers e
difusores profissionais de mentiras, que, além de criarem obstáculos a que cidadãos acessem
conteúdos de qualidade, afetam a própria democracia.

Brasília, 23 de dezembro de 2020.

4
Sumário

Prefácio .................................................................................................................. 6
I. Introdução .................................................................................................................................................... 6
II. Combate sistêmico à desinformação em eleições ................................................................................ 7
III. Breve contexto da desinformação sobre o processo eleitoral no Brasil .......................................... 8

Estudo de caso
1. O foco na proteção do processo democrático................................................... 10
2. A Justiça Eleitoral no Brasil e a presidência do Tribunal Superior Eleitoral 11
3. O Plano Estratégico do “Programa de Enfrentamento à Desinformação com
Foco nas Eleições 2020” ........................................................................................ 13
4. A Coordenação Digital de Combate à Desinformação .................................... 15
5. Estratégias do programa de enfrentamento à desinformação ...................... 17
5.1 “Inundar” o ambiente digital de informações orientativas sobre o processo eleitoral; ..............17
5.2 Ampliar os canais de comunicação direta entre a Justiça Eleitoral e os eleitores e cidadãos; ...19
5.3. Promover o engajamento de organizações e cidadãos no processo de combate à
desinformação sobre o processo eleitoral. ..............................................................................................20

6. O dia das eleições (primeiro turno) .................................................................. 31


7. Entre o primeiro e o segundo turno ................................................................ 34
8. O dia das eleições (segundo turno) ...................................................................37
9. O pós-eleições 2020 .......................................................................................... 39
10. Eleições 2022: o que esperar do TSE. ............................................................. 40
11. Aprendizados e considerações finais ............................................................. 42

Anexos
Anexo I - Mapa do Sistema Complexo “Propaganda Eleitoral na Internet nas
Eleições de 2018 no Brasil”. ................................................................................. 45
Anexo II - Diagrama de Ciclos Causais do Sistema Complexo “Propaganda
Eleitoral na Internet nas Eleições de 2018 no Brasil”. ...................................... 46
Anexo III - Dados e informações sobre o TSE .................................................... 47

5
Prefácio
I. Introdução

O presente estudo de caso foi escrito por Márcio Vasconcelos Pinto, presidente e fundador
do Instituto Tecnologia e Equidade (IT&E).

Durante os meses de setembro e dezembro de 2020, Márcio Vasconcelos e Ariel Kogan


(codiretores do IT&E), com Luciano Santos (Diretor do Movimento Nacional de Combate à
Corrupção Eleitoral - MCCE) acompanharam regularmente (pessoal e virtualmente) o
trabalho de Thiago Rondon em sua função de combate à desinformação ligada à presidência
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Eles ofereceram voluntariamente, em diversos
momentos, apoio estratégico e tático, sem participar diretamente de suas atividades e nem
acessar informações que não fossem públicas.

Contribuíram também ao presente texto: Ariel Kogan, Ellen Aquino e Elza Maria Albuquerque
(membros do IT&E) e Luciano Santos (MCCE).

Para construção deste material foram utilizadas, ainda, informações disponíveis na internet
e de disponibilidades públicas, obtidas nos sites da Justiça Eleitoral, de organizações
especializadas na temática do estudo de caso e na mídia.

Abaixo, seguem as credenciais do IT&E no combate à desinformação em eleições:

a) Publicação em julho de 2018 da pesquisa “Desinformação em Eleições: Desequilíbrios


Acelerados pela Tecnologia” (disponível para download em português e inglês2);

b) Publicação em julho de 2018 do paper “Recomendações Sistêmicas para Combater a


Desinformação nas Eleições do Brasil” (disponível para download em português e
inglês3);

c) Realização de eventos técnicos e capacitações sobre o Combate à Desinformação em


Eleições em 21 dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais brasileiros entre Agosto de 2019
e Junho de 2020, em parceria com o Movimento Nacional de Combate à Corrupção
Eleitoral e Agência Lupa;

d) Capacitação de 91 servidores da Justiça Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral,


Tribunais Regionais Eleitorais da Bahia, Espírito Santo, Paraná, São Paulo e Tocantins)
e do Ministério Público Eleitoral (Procuradoria Geral Eleitoral, Ministério Público

2 https://tecnologiaequidade.org.br/projetos-do-ite/
3 https://tecnologiaequidade.org.br/projetos-do-ite/

6
Federal da Bahia, do Espírito Santo e de São Paulo e Ministério Público Estadual do
Espírito Santo) no “Combate Sistêmico à Desinformação em Eleições em 2020”;

e) Coprodução, em parceria com a ELO Company e o The History Channel, do


documentário “A Verdade da Mentira” sobre a desinformação nas eleições de 2018,
lançado em diversas plataformas de streaming a partir de 26 de Outubro de 2020:
http://www.averdadedamentira.com.br/;

f) Apoio estratégico e tático ao trabalho do seu codiretor Thiago Rondon, ao longo de


sua atuação como Coordenador Digital de Combate à Desinformação no Tribunal
Superior Eleitoral no contexto das eleições municipais de 2020 no Brasil.

II. Combate sistêmico à desinformação em eleições

Uma parte central do Estudo de Caso está estreitamente relacionada a uma metodologia de
solução de problemas complexos desenvolvida pelo IT&E. Por sua importância para
compreender esse relato, nós a abordamos brevemente nesta seção.

O debate e a atuação no combate à desinformação em eleições é feito por várias


organizações qualificadas no Brasil que atuam de diferentes formas e, por vezes, com mais
experiência e conhecimento do que o IT&E. Entretanto, há uma diferença importante: somos
a única organização que adota, de forma explícita e assertiva, uma metodologia que utiliza
ferramentas de pensamento sistêmico e complexo.

Com uso prático dessa metodologia, na publicação “Recomendações Sistêmicas para


Combater a Desinformação nas Eleições do Brasil", produzimos dois mapas que se tornaram
ferramentas de grande interesse por parte de atores que participam desse ecossistema,
incluindo o próprio Tribunal Superior Eleitoral e seu atual presidente, o ministro Luís Roberto
Barroso.

A relevância da aplicação dessa abordagem metodológica contribuiu para uma


atuação singular, composta pela visão sistêmica e complexa do processo eleitoral que
perpassou as análises, recomendações e ações desenvolvidas por Thiago Rondon,
junto ao TSE.

Esse diferencial é resultado de seu trabalho de coautoria das publicações mencionadas na


introdução, aliado ao conhecimento de tecnologia digital e de combate à desinformação em
suas atividades como codiretor e fundador do IT&E.

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III. Breve contexto da desinformação sobre o processo eleitoral no Brasil

As eleições municipais de 2020 ocorreram em um contexto marcado por muitas tensões


para a Justiça Eleitoral, em especial, devido aos fortes ataques sofridos durante o período
eleitoral de 2018 e aos desafios postos pela pandemia provocada pela Covid-19.

Naquele ano, dias antes do primeiro turno das eleições, alguns candidatos com relevância
na campanha eleitoral colocaram em dúvida a legitimidade do processo eleitoral ao
questionarem a segurança das urnas eletrônicas.

Considerando a grande estrutura de disseminação de conteúdos nos meios digitais que


operou nas eleições de 2018, tais afirmações produziram, direta e indiretamente,
campanhas de desinformação que atingiram dezenas de milhões de brasileiros. Eles
acabaram seduzidos por essa narrativa e por uma retórica de fraudes nas eleições.

Tais acusações contra a Justiça Eleitoral e o sistema das urnas eletrônicas causaram danos
severos à sua credibilidade, ainda que não houvesse qualquer evidência ou prova sendo
apresentada4 por aqueles que a acusavam.

Os fatos que temos até o momento mostram que, ao longo de mais de 20 anos de operação,
não houve qualquer caso de fraude comprovada no sistema de votação eletrônica.

Além disso, no período eleitoral de 2018, tivemos um grande aumento dos movimentos de
polarização e extremismo político entre candidatos e eleitores. Esses movimentos, somados
a reduzida compreensão da população do funcionamento do sofisticado processo eleitoral
eletrônico (seus mecanismos e suas tecnologias) e a tímida resposta do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) diante das acusações sofridas, contribuíram para um ambiente de grande
fragilidade para o conjunto de instituições que formam a Justiça Eleitoral - Tribunal Superior
e Tribunais Regionais Eleitorais.

Dessa forma, as eleições de 2018 terminaram com uma Justiça Eleitoral atacada, perseguida
e violentamente acusada de não conseguir organizar e garantir um processo eleitoral com
integridade e segurança.

Dentro desse contexto, no dia 30 de agosto de 2019 (10 meses após a eleição de 2018 e 14
meses antes das eleições de 2020), o Tribunal Superior Eleitoral lançou o “Programa de

4 Como é comum ocorrer, há poucos meses da eleição de 2020, alguns grupos começaram a circular
informações antigas para gerar desinformação. Desta vez, supostas provas de fraude nas eleições de 2018,
baseada em uma denúncia feita ainda em outubro de 2018 e contestada pelo TSE, circularam nos meios
digitais. A denúncia utiliza apenas imagens de um programa de televisão para sustentar sua tese de fraude.
https://www.aosfatos.org/noticias/denuncia-de-fraude-que-impediu-vitoria-de-bolsonaro-no-1-turno-foi-
arquivada-por-falta-de-provas/

8
Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020” durante a presidência da
Ministra Rosa Weber.

O Programa tem como objetivo enfrentar os efeitos negativos provocados pela


desinformação à imagem e à credibilidade da Justiça Eleitoral, à realização das eleições e aos
atores nelas envolvidos, por meio de ações de curto, médio e longo prazos5.

As Eleições de 2020 seriam então um grande cenário de validação para as ações previstas
nesse programa e um esforço crucial para o resgate da credibilidade da Justiça Eleitoral, fator
crítico de sucesso para uma democracia estável.

Em nossa opinião, a decisão e o papel da Justiça Eleitoral em atuar para tentar manter um
ambiente digital com menos desinformação é relevante tanto para a defesa do processo
eleitoral, para o fortalecimento da democracia, como para as campanhas eleitorais dos
candidatos. Apesar de serem distintas, essas dimensões estão interconectadas no mundo
digital.

5 Para ver mais sobre o programa, acesse https://www.justicaeleitoral.jus.br/desinformacao/

9
ESTUDO DE CASO: Combate digital à desinformação nas eleições de
2020 no Brasil: atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

1. O foco na proteção do processo democrático


Este estudo de caso foi escrito tendo a Justiça Eleitoral, em especial o Tribunal Superior
Eleitoral, como o ator central do combate à desinformação nas eleições de 2020 no Brasil. E
relata, entre outros conteúdos, situações que tiveram a colaboração e o apoio do IT&E às
atividades do coordenador digital de combate à desinformação do TSE.

Como explicado na seção anterior, o contexto do cenário eleitoral demandou uma atuação
firme dessa instituição, especialmente para a defesa de sua própria credibilidade e atuação
na organização das eleições.

A garantia da integridade do processo eleitoral, assim como as ações em defesa às ameaças


desinformativas, representam o comprometimento em assegurar a proteção da
democracia. De modo que, ao longo do texto, mostraremos como as ações executadas pelo
TSE levaram as plataformas digitais a melhorarem seus processos internos de combate à
desinformação processos de educação midiática e informacional que foram capazes de
atingir milhões de cidadãos, resultando em uma melhor proteção contra os efeitos da
desinformação.

10
2. A Justiça Eleitoral no Brasil e a presidência do
Tribunal Superior Eleitoral
A Justiça Eleitoral do Brasil foi criada em 19326, sendo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sua
instituição máxima. Desde a Constituição de 1988, o TSE é composto7 por sete ministros, dos
quais três são indicados entre os ministros do Superior Tribunal Federal (STF).

O mandato de um ministro do STF junto ao TSE é de um biênio, sendo proibida a recondução


após dois biênios consecutivos, ou seja, o máximo que um ministro do STF serve ao TSE é
por quatro anos consecutivos, podendo retornar após um tempo ausente do mesmo.

O presidente e o vice-presidente do TSE são escolhidos entre os três ministros do STF que
estão servindo ao TSE. O mandato de presidente do TSE é limitado a dois anos, podendo ser
reeleito em mandatos não sequenciais.

O cumprimento das regras de prazos de mandatos supracitadas promovem uma situação


sui generis com alguns mandatos de presidência do TSE muito curtos (um a seis meses),
poucos mandatos completos (dois anos) e vários mandatos com tempo variável (entre doze
e vinte e três meses). O ano de 2018 ilustra bem essa situação quando o TSE teve três
presidentes: os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber.

No Brasil é normal que em entidades públicas, ao mudar o principal gestor, muda-se parte
considerável da equipe mais próxima e também ocorrem trocas estratégicas para ações
sobre alguns temas que não são perenes para a instituição. Também é comum que a decisão
sobre investimentos e recursos estejam centralizados na presidência do órgão ou ao menos
que ela deva ser consultada.

No TSE não é diferente. Essa rotatividade de presidentes traz desafios para sua governança,
pois é comum que um presidente deixe de planejar ações para além de seu próprio mandato
e, por consequência, acabe não desenvolvendo iniciativas a médio e longo prazo, em
especial em temáticas que não fazem parte do cerne das atividades da organização, como é
o caso do combate à desinformação em eleições.

No momento em que este material é escrito, o presidente do TSE é o ministro Luís Roberto
Barroso, tendo tomado posse no dia 25 de maio de 2020, com mandato até 28 de fevereiro
de 2022 (21 meses de gestão).

6 https://pt.wikipedia.org/wiki/Justi%C3%A7a_Eleitoral_do_Brasil
7 Definida no art. 119 da Constituição Federal de 1988

11
Abaixo, é apresentado um trecho de seu discurso de posse8 no qual a questão da
desinformação em eleições é abordada.

"Uma das grandes preocupações da Justiça Eleitoral são as chamadas fake news
ou, mais apropriadamente, as campanhas de desinformação, difamação e de
ódio. Refiro-me às informações intencionalmente falsas e deliberadamente
propagadas. A internet permitiu a conexão de bilhões de pessoas pelo mundo
afora em tempo real, dando lugar a fontes de informação independentes e
aumentando o pluralismo de ideias em circulação. Porém, na medida em que as
redes sociais adquiriram protagonismo no processo eleitoral, passaram a sofrer
a atuação pervertida de milícias digitais, que disseminam o ódio e a
radicalização. São terroristas virtuais que utilizam como tática a violência moral,
em lugar de participarem do debate de ideias de maneira limpa e construtiva.
A Justiça Eleitoral deve enfrentar esses desvios, mas é preciso reconhecer que sua
atuação é limitada por fatores diversos. Por isso mesmo, os principais atores no
enfrentamento às fake news hão de ser as mídias sociais, a imprensa profissional
e a própria sociedade. As plataformas digitais – como Google, Facebook,
Instagram, Twitter e Whatsapp – , todos parceiros do TSE sob a liderança da
Ministra Rosa Weber, podem - e devem-se valer da própria tecnologia e de suas
políticas de uso para neutralizar a atuação de robôs e comportamentos inusuais
na rede. É necessário o esforço comum de todas elas para impedirem o uso
abusivo que importa em degradação da democracia.
E, mais que nunca, nós precisaremos de Imprensa profissional, que se move
pelos princípios éticos do jornalismo responsável, capaz de separar fato de
opinião, e de filtrar a enorme quantidade de resíduos que circula pelas redes
sociais. Também as empresas de verificação de fatos passaram a ter papel
decisivo na qualidade do debate público, em busca da verdade possível, ainda
que plural. A Justiça Eleitoral, por sua vez, terá grande empenho no sentido de
informar e conscientizar as pessoas, alertando-as a não crer acriticamente em
toda informação que recebem e, sobretudo, a não repassá-las
irresponsavelmente.
Nesse particular, vamos precisar de um resgate da boa-fé, da regra de ouro: não
fazer aos outros o que não gostaria que fizessem consigo. Assim, não dá para
repassar a notícia inverídica sobre o candidato rival e depois se indignar quando
fazem o mesmo com o candidato da própria preferência. Também aqui
precisamos de avanço civilizatório e evolução espiritual".

8 https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/discurso-de-posse-ministro-luis-roberto-barroso-25-05-
2020/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/discurso-de-posse-ministro-luis-
roberto-barroso-25-05-2020/at_download/file

12
3. O Plano Estratégico do “Programa de Enfrentamento à
Desinformação com Foco nas Eleições 2020”
Como mencionado anteriormente, no dia 30 de agosto de 2019, o Tribunal Superior Eleitoral
lançou o “Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020
(Programa)” durante a presidência da Ministra Rosa Weber.

O programa é composto de seis eixos temáticos, brevemente explicados a seguir:

1. Organizaçao interna
•visa à integração e coordenação entre os níveis e áreas que compõem a
estrutura organizacional da Justiça Eleitoral e à definição das respectivas
atribuições na execução de ações de elaboração e divulgação de
contrainformação a práticas de desinformação

2. Alfabetização midiática e informacional


•visa à capacitação voltada à identificação e checagem de práticas de
desinformação, e à compreensão sobre o processo eleitoral, em
especial quanto ao funcionamento e segurança das urnas eletrônicas
e a situações passíveis de conduzir à anulação de votos e eleições

3. Contenção da desinformação
•visa à instituição e ao aperfeiçoamento de medidas concretas
voltadas a desestimular práticas de desinformação

4. Identificação e checagem de desinformação


•visa à instituição e ao aperfeiçoamento de métodos de
identificação de possíveis práticas de desinformação e de sua
checagem

5. Aperfeiçoamento do ordenamento jurídico


•visa à revisão e ao aperfeiçoamento do ordenamento jurídico
existente sobre a desinformação

6. Aperfeiçoamento de recursos tecnológicos


•visa ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de recursos de tecnologia da
informação e das comunicações idôneas à identificação de práticas de
desinformação e à divulgação das respectivas contra-informações

13
Esse programa teve, como uma de suas estratégias mais relevantes, a criação de parcerias
multissetoriais com organizações públicas, privadas e da sociedade civil para operacionalizar
e cooperar na execução de parte do programa, em especial os eixos de alfabetização
midiática e informacional, contenção da desinformação e identificação e checagem da
desinformação.

Nesse sentido, no dia do lançamento do Programa, dezenas de organizações9 aderiram ao


mesmo, apesar de naquele momento ser implicada uma parceria de caráter genérico, na
qual não especificava a ação ou a execução de cooperação de cada parceiro.

É importante mencionar que, ainda na gestão da ministra Rosa Weber, algumas dessas
parcerias passaram a ser melhor definidas e operacionalizadas, resultando na assinatura de
termos de cooperação individualizados e específicos.

A partir da posse do ministro Luís Barroso, esse processo de refinamento e


operacionalização das parcerias foi fortemente acelerado com vistas às eleições de 2020.

A nova equipe da presidência do TSE desenvolveu inúmeras conversas e fortaleceu as


parcerias que visavam contribuir para mitigar os efeitos provocados pela desinformação à
imagem e à credibilidade da Justiça Eleitoral, à realização das eleições e aos atores nelas
envolvidos. Então, em setembro de 2020, o Plano Estratégico 10, sob gestão do ministro, foi
lançado ao público, contendo 55 organizações parceiras que tinham aderido formalmente
ao Programa.

Como pode-se depreender da ampla gama de ações


previstas no programa, em diferentes eixos propostos,
vimos que a Justiça Eleitoral desenvolveu um movimento de
antecipação as possibilidades de ataques, e buscou se
preparar criando defesas capazes de contrapor a
desinformação com informação de qualidade, e garantir um
ambiente democrático, com ampla participação da
sociedade e organizações civis.

9 https://www.justicaeleitoral.jus.br/desinformacao/#desinformacao-parceiros
10 https://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/programa-de-enfrentamento-a-desinformacao.pdf

14
4. A Coordenação Digital de
Combate à Desinformação
Como parte da aplicação do programa, em 24 de agosto de 2020, Thiago Rondon11,
desenvolvedor autodidata em tecnologia, ativista e contribuidor ao movimento de software
livre, fundador e CEO do AppCivico12 e de outras empresas de tecnologia e codiretor do
Instituto Tecnologia e Equidade (IT&E)13, foi entrevistado e convidado pelo presidente do TSE
(ministro Luís Barroso) para um cargo inédito de coordenador digital de combate à
desinformação no TSE.

Esse cargo14 estava previsto no Plano Estratégico do Programa de Enfrentamento à


Desinformação com Foco nas Eleições 2020 em seu Eixo 1 - Organização Interna. Essa função
teria como responsabilidade coordenar as ações digitais de enfrentamento à desinformação
no processo eleitoral.

Em seu convite, o ministro o informou que sua área estaria ligada diretamente à secretaria-
geral da presidência do TSE e atuaria em estreita relação com a Assessoria de Comunicação
e a Secretaria de Tecnologia da Informação, fazendo uma “ponte” entre os dois
departamentos com foco no ambiente digital.

O ineditismo dessa posição, assim como o pedido de início imediato, reforçou nossa crença
na disposição e interesse do TSE em ter um papel central no combate à desinformação nas
eleições de 2020.

Assim, iniciou oficialmente suas atividades no dia 4 de setembro de 2020. Como parte de
suas ações iniciais, esteve em Brasília quatro dias depois a fim de conhecer a equipe indicada
pelo ministro Barroso para trabalhar com ele pelos três meses seguintes.

Diante do cenário da pandemia da Covid-19, muitos servidores do TSE não puderam


desenvolver suas atividades na sede do Tribunal de modo regular, pois existia a
recomendação para trabalhar em casa. O trabalho foi desenvolvido por meio de reuniões
online combinadas com reuniões pessoais em Brasília, em todas as semanas, pelo período
de 3 meses.

11 https://www.linkedin.com/in/thiagorondon/?originalSubdomain=br
12 https://appcivico.com/
13 https://tecnologiaequidade.org.br/
14 Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020 [recurso eletrônico] : plano
estratégico (página 16).

15
No início de suas atividades, foi-lhe oferecida a possibilidade de “recrutar” servidores das
equipes da Assessoria de Comunicação e da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE
para formar uma equipe sob sua supervisão direta.

Entretanto, ao invés de montar uma equipe própria, preferiu se inserir de forma profunda
nessas equipes, conseguindo assim que dezenas de colaboradores viessem a atuar como
aliados no processo de combate digital à desinformação nas eleições de 2020.

16
5. Estratégias do programa de
enfrentamento à desinformação
A coordenação digital de combate à desinformação definiu quatro estratégias centrais, as
quais detalharemos a seguir. São elas:

1. “Inundar”
o ambiente digital de informações orientativas sobre o processo eleitoral

2. Ampliar
os canais de comunicação direta entre a Justiça Eleitoral e os eleitores e cidadãos

3. Promover
o engajamento de organizações e cidadãos no processo de combate à
desinformação sobre o processo eleitoral

4. Estructurar
processos para integração de áreas internas do TSE e outras outras
organizações externas, como Polícia Federal, Ministério da Justiça, Agência
Brasileira de Inteligência, entre várias outras

5.1 “Inundar” o ambiente digital de informações orientativas sobre o processo eleitoral;

Para as eleições de 2020, a Assessoria de Comunicação do Tribunal Superior Eleitoral


desenvolveu uma quantidade elevada de conteúdos que buscassem atingir públicos e
usuários de redes sociais com uma linguagem mais moderna. Sendo considerada uma ação
relevante e inovadora diante do costume e tradição da Justiça Eleitoral em se comunicar
majoritariamente por meio de “notas à imprensa”.

Esses conteúdos com linguagens mais modernas podem ser encontrados nas seções “mitos
eleitorais” e “fake news” da seção de vídeos15 do site do Programa de Enfrentamento à
Desinformação e também em suas redes sociais (ver anexo III).

A Assessoria de Comunicação do TSE produziu conteúdos em uma diversidade de formatos,


tais como: vídeos longos, vídeos curtos (30 a 60 segundos), infográficos, notas para
imprensa, eventos de difusão, programas de rádios, notificações diretas aos usuários, entre

15 https://www.justicaeleitoral.jus.br/desinformacao/#desinformacao-videos

17
outros. Importante ressaltar o esforço de adaptar cada conteúdo e formato com o
respectivo canal.

A Justiça Eleitoral se preparou para gerenciar ativamente os seguintes canais de


comunicação nas redes sociais: YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, TikTok e Flickr.

Também contou com um grande número de canais próprios, como: TV Justiça16, hotsite17 do
Programa de Enfrentamento à Desinformação e aplicativos de celular da própria Justiça
Eleitoral como o e-Título, Mesário e Pardal.

A estratégia seguida foi de intensificar fortemente o processo de disseminação de


informações sobre o processo eleitoral, as urnas eletrônicas, os mitos eleitorais,
desconstrução da desinformação sobre esses temas e tudo o que pudesse gerar orientações
adequadas aos eleitores e cidadãos, considerando também o contexto de pandemia.

O coordenador digital batizou essa estratégia de “chuva de informações”, tendo usado esse
termo em várias dezenas de entrevistas, eventos, artigos e mensagens nos meios digitais,
como forma de simplificar a explicação da estratégia adotada. Sugerimos assistir ao breve
trecho de uma entrevista realizada em 12 de novembro de 2020 na rede de TV CNN Brasil18.

Ao realizarmos uma análise sistêmica dessas estratégias, encontramos a relação direta com
a variável “conteúdo legítimo online” e o ciclo de retroalimentação de “ampliação da
informação através da participação online” no diagrama de ciclos causais que mencionamos
na seção “Combate sistêmico à desinformação em eleições” (e que também consta no Anexo
II). Em outras palavras, essa estratégia teve este conteúdo como base.

O simbolismo de “chuva” de informação foi várias vezes ampliado para “inundação” nas
redes sociais de conteúdos adequados, informativos, orientativos e positivos sobre o
processo eleitoral e a Justiça Eleitoral. O resultado esperado era detonar um efeito sistêmico
que se retroalimentasse e também afetasse outras variáveis do combate à desinformação.

16 http://www.tvjustica.jus.br/index/sintonize
17 https://www.justicaeleitoral.jus.br/desinformacao/
18 https://www.facebook.com/watch/?v=720944571882642 (ver ao redor de 3:46 no vídeo).

18
5.2 Ampliar os canais de comunicação direta entre a Justiça Eleitoral e os eleitores e
cidadãos;

A Justiça Eleitoral possui vários canais de comunicação direta com os eleitores e cidadãos,
como mencionado acima. Porém, alguns desses canais eram pouco explorados para uma
comunicação direta e assertiva sobre “desinformação em eleições”. Repensar as estruturas
e os canais de comunicação foi bastante relevante.

Inicialmente, o coordenador digital realizou um diagnóstico dos aplicativos para celular que
a Justiça Eleitoral dispunha. O que o levou a propor que alguns mecanismos de comunicação
das aplicações fossem aperfeiçoados ou desenvolvidos. Desta forma, seria possível atingir
diretamente, sem a intermediação das redes sociais ou que o usuário tivesse de consultar
um website, um elevado número de pessoas com conteúdos orientativos, aumentando a
intensidade da “chuva” de informações supracitadas.

Os aplicativos que foram aperfeiçoados para permitir notificações diretas aos cidadãos
foram os seguintes:

● e-Titulo19 que teve 15.529.464 downloads, o que representa 10,50% do eleitoral e um


crescimento de 95% em relação às eleições anterior;
● Mesário20 com aproximadamente 1,5 milhão de usuários;
● Pardal com mais de 500 mil usuários e 104.605 denúncias registradas nas eleições de
2020.

Os dados acima foram extraídos da publicação “Informações e Dados Estatísticos sobre as


Eleições 2020 - 1º e 2º Turnos”21.

A estratégia de fortalecer a circulação de informação legítima, a partir do uso de recursos


tecnológicos que estão disponíveis internamente à própria Justiça Eleitoral, fizeram com que
milhões de brasileiros passassem a receber notificações em seus aparelhos celulares, desde
que tenham primeiro autorizado essa funcionalidade. A “Central de Notificações”, criada
disparou, aproximadamente, 300 milhões22 de notificações ao conjunto dos usuários e
aplicativos. O TSE se transformou numa poderosa plataforma de comunicação digital com
os cidadãos e eleitores.

19 https://www.tse.jus.br/eleitor/servicos/aplicativo-e-titulo
20 https://www.justicaeleitoral.jus.br/eleicoes/mesario/index.html
21https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/informacoes-e-dados-estatisticos-sobre-as-eleicoes-

2020/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/informacoes-e-dados-
estatisticos-sobre-as-eleicoes-2020/at_download/file
22 Estimativa = (15,5 milhões de e-Título x 18 notificações) + (1,55 milhão de Mesário x 14 notificações) + (0,5
milhão de Pardal x 8 notificações).

19
5.3. Promover o engajamento de organizações e cidadãos no processo de combate à
desinformação sobre o processo eleitoral.

Ao iniciar seu trabalho, o coordenador digital pôde observar em detalhes o grande número
de organizações que estavam dispostas a cooperar com o "Programa de Enfrentamento à
Desinformação”. Percebeu, então, que seria estratégico lidar com as parcerias em seis
categorias:

Especialistas em Agências de
“Difusoras” de
comportamento verificação de
conteúdo
do consumidor fatos

Plataformas de
Operadoras de Organizações
mídias sociais
telefonia celular forenses digitais
digitais

Além de grande número de parcerias já existentes, o coordenador digital buscou identificar


brechas de necessidades e assim trabalhou para ampliar o número de organizações
parceiras, solicitando e indicando sua adesão ao Programa e a celebração de Termos de
Cooperação.

Esse movimento foi referido como processo de coparticipação ou “crowdsourcing”, ou seja,


de contribuição colaborativa e coletiva. Diante da premissa de que as ações da Justiça
Eleitoral não seriam tão efetivas sem uma sinergia multisetorial, consideramos essa
estratégia como muito acertada para enfrentar a desinformação em diferentes níveis,
dimensões e processos.

Em seguida, explicamos as categorias mencionadas.

A) “Difusoras” de conteúdo

Como muitas das organizações parceiras tinham grande capilaridade nacional ou eram
órgãos de classe, a estratégia foi solicitar que elas se tornassem parceiras na replicação de
conteúdo produzido ou indicado pelo TSE. Dessa forma, poder-se-ia aumentar muito a
audiência dos conteúdos que se desejava difundir.

Na prática, essa estratégia ampliava dois conceitos mencionados anteriormente: aumentava


o fluxo da “chuva” de informações e os canais de comunicação. Alguns exemplos de
organizações “difusoras” de conteúdo, parceiras da Justiça Eleitoral, foram:

20
• Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom);

• Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep);

• Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert);

• Associação Brasileira de Imprensa (ABI);

• Associação Brasileira de Internet (Abranet);

• Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel);

• Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint);

• Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel);

• Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner);

• Associação Nacional dos Jornais (ANJ);

• Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);

• Conselho Gestor da Internet (CGI.br);

• Politize!;

• Secretaria Executiva do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção


Eleitoral (MCCE).

Em certo momento, essa estratégia foi ampliada e nominada e se tornou a campanha


“Embaixadores #EuVotoSemFake”23. A ideia foi conseguir adesões de pessoas e
organizações para divulgar informações oficiais, verídicas e checadas, além também de
promover conteúdos sobre medidas sanitárias necessárias para instruir os cidadãos a votar
de modo seguro em meio à pandemia da Covid-19. Ao total, foram mais de 170 instituições
embaixadoras.

Para aderir a campanha, não era necessário ser parceiro do Programa de Enfrentamento à
Desinformação. A exemplo da adesão temos a organização Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil24 (ligado à Igreja Católica), além de vários influenciadores digitais, políticos
e celebridades, que foram especialmente convidados pela Assessoria de Comunicação do
TSE. Na prática, qualquer pessoa poderia ser um embaixador(a). Era apenas necessário

23 O uso da hashtag foi aderido para estimular as pessoas a compartilharem e criarem um movimento ao redor
dos conteúdos informativos desenvolvidos a partir dessa campanha.
24https://www.cnbb.org.br/eleicoes-2020-cnbb-adere-como-instituicao-embaixadora-a-campanha-de-combate-

a-fakenews-do-tse/

21
seguir algumas regras simples de compartilhamento de conteúdo produzido ou indicado
pelo TSE.

A estratégia acima direcionada a pessoas de alta visibilidade nos meios digitais trouxe
diferentes resultados de repercussão, e momentos altibaixos, pois o TSE convidou nomes
com alta credibilidade em polos opostos do espectro ideológico político. Em resultado disso,
existiu, em momentos pontuais, uma forte rejeição de parcela da sociedade que não se
sentia contemplada pelo convite a determinadas pessoas. Em geral, os mais rejeitados por
um polo eram celebrados pelo outro, mas nem sempre.

As críticas eram esperadas e sabia-se que seria complexo, próximo do impossível, obter
unanimidade em um ambiente marcado por um cenário de polarização extremada. Porém,
após considerar a repercussão e o nível de rejeição a certos nomes, o TSE percebeu que
seria melhor revisar sua estratégia no sentido de priorizar novos convites e divulgação mais
centrada em organizações, ao invés de pessoas, como “Embaixadores #EuVotoSemFake”.

B) Especialistas em comportamento do consumidor

Uma segunda categoria de parcerias foi realizada com pessoas que compreendiam a
temática do “design comportamental”, ou seja, como criar conteúdos e mensagens que
pudessem contribuir a moldar o comportamento dos consumidores. Buscava-se
compreender melhor como produzir conteúdos que favorecessem o hábito de consumo de
informações adequadas, verdadeiras e verificadas.

A visão era entender e saber como se comunicar melhor com os cidadãos, tratados como
consumidores de informação e desinformação. A premissa é que os conteúdos, assim como
os modos e meios escolhidos para produzi-lo também influenciam em mudanças ou
direcionamentos de comportamento desejado.

Buscou-se meios de instrumentalizar a Assessoria de Comunicação do TSE na adaptação de


mensagens que ajudassem cidadãos e eleitores a consumir informação verídica e evitar o
consumo de desinformação sobre o processo eleitoral e a Justiça Eleitoral.

Duas pessoas contribuíram nesse esforço, em caráter voluntário: Guilherme Lichand e


Claudia Pires.

Cabe ressaltar que a Assessoria de Comunicação do TSE tem um quadro qualificado de


profissionais e que já detinha parte dos conteúdos transmitidos. As capacitações feitas
serviram para instigar e reforçar a área de comunicação nessa direção.

22
Um exemplo anedótico das contribuições nesse tema foi uma interação com Guilherme
Lichand25, onde nasceu o termo "Eu Voto Sem Fake" que viria a se tornar uma das hashtags
mais usadas nos esforços de comunicação do TSE para combater a desinformação -
#EuVotoSemFake. A ideia original do coordenador digital foi #VotoSemFake e Guilherme,
com sua especialidade em design comportamental recomendou a inserção do “Eu”. Algo que
parece tão trivial, mas que faz grande diferença em mudança de comportamentos.

C) Agências de verificação de fatos

Outra construção de parceria coletiva realizada: as agências de verificação de fatos


aceitaram desenvolver uma colaboração mais específica e direta com o TSE. Foram elas: AFP,
Agência Lupa, Aos Fatos, Boatos.org, Comprova, E-Farsas, Estadão Verifica, Fato ou Fake e
UOL Confere.

Com o interesse comum dessas agências, foi desenvolvida uma instância inédita na história
das eleições no Brasil: um esforço denominado “Coalizão para Checagem - Eleições 2020”.
Explicamos brevemente como foi a sua operação e alguns resultados.

Forma de funcionamento26:

1) Formou-se um grupo de comunicação por plataforma de mensageria instantânea com


os representantes das nove agências de verificação de fatos, das áreas de Assessoria de
Comunicação, Secretaria-geral da Presidência e Coordenação Digital de Combate à
Desinformação do TSE e servidores indicados pelos Tribunais Regionais Eleitorais;

2) Qualquer integrante do grupo poderia identificar supostas notícias falsas sobre a Justiça
Eleitoral e o processo eleitoral que estivessem circulando em qualquer meio como redes
sociais, sites, YouTube, por meio da mensageria instantânea e reportar as notícias
identificadas ao grupo ;

3) TSE ou TREs identificavam se realmente se tratava de conteúdo falso e disponibilizavam


materiais e conteúdos oficiais sobre o assunto justificando porque é falsa; publicava
esses conteúdos por meio de notas oficiais ou somente em reporte ao grupo;

25 Guilherme é doutor em Economia Política e Governo pela Universidade de Harvard. Guilherme é também
professor da cátedra da UNICEF de Economia do Desenvolvimento e Bem-estar Infantil da Universidade de
Zurich, e especialista em inovação social do World Economic Forum Expert Network.
26 Explicado por Mariana Araujo de Oliveira, Assessora-Chefe do TSE, em evento virtual disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=KxvUetj_af4

23
4) Agências tinham a escolha de decidir publicar uma checagem, bem como a utilização do
material disponibilizado pelo TSE/TREs, além de ouvirem outros especialistas e
publicarem as checagem em seus sites e plataformas;

5) O conteúdo identificado no passo 2 era catalogado com os seguintes dados: quem


identificou o conteúdo, onde ele estava circulando e quem fez checagens;

6) Jornalistas do TSE publicam no site Fato ou Boato27 (criado pelo TSE) todas as checagens
feitas sobre o conteúdo falso, indicando também os links para os sites das agências
como forma de consolidar, em um único espaço, as verificações realizadas. Cabe
ressaltar que o acesso a essa página era gratuita, graças a um convênio firmado com
operadoras de telefonia;

7) Os conteúdos checados também são replicados nas redes sociais do TSE, dos parceiros
da coalizão de checadores, por parceiros “difusores” e também inseridos no chatbot
desenvolvido em parceria com o WhatsApp28, ajudando a “inundar” os meios digitais de
informação verídica.

Abaixo, alguns dados fornecidos pelo TSE, em evento público, sobre as atividades e
resultados dessa instância criada:

• Em dois meses de operação da coalizão foram identificados 69 conteúdos falsos;

• Foram produzidas e publicadas 246 checagens;

• A maioria dos conteúdos falsos era sobre a segurança das urnas eletrônicas;

• No dia do primeiro turno das eleições (15 de novembro): as agências fizeram 34


verificações em relação a 8 conteúdos falsos que circulavam;

• Após o primeiro turno das eleições, a maioria dos conteúdos falsos era sobre anulação
de eleições pelo país e a circulação desses conteúdos se intensificou bastante;

• No dia do segundo turno (29 de novembro): foram 12 checagens relacionadas a 4


conteúdos.

27 https://www.justicaeleitoral.jus.br/fato-ou-boato/
28 A ferramenta permite que o eleitor consulte pelo aplicativo, numa dinâmica de conversa, todas as
informações importantes sobre o processo eleitoral, incluindo as datas das votações, os cuidados sanitários
que devem ser adotados, serviços ao eleitor e a checagem de boatos e notícias suspeitas.

24
D) Operadoras de telefonia celular

Outra ação inédita nesse esforço do TSE foi a celebração de um memorando de


entendimento29 com empresas de telecomunicação para que fornecessem “acesso gratuito”,
ou seja, sem consumo do plano de dados de internet móvel (o chamado “zero rating”) para
os sites da Justiça Eleitoral.

Essa parceria tem uma importância sistêmica, pois milhões de brasileiros30 não têm
condições de pagar por planos de dados de internet móvel e dependem do “zero rating”
oferecido pelas empresas de celular exclusivamente para acessar as redes sociais e
plataformas de mensagem instantânea de forma ilimitada.

Entre os defensores dos direitos digitais dos cidadãos, há um forte consenso que o “zero
rating” apenas para redes sociais e plataformas de comunicação instantânea é uma
disfunção e deveria ser combatido por meio da drástica redução dos preços dos planos de
dados ou, em último caso, da ampliação do “zero rating” para toda a web, mantendo-se
assim o que se chama de “neutralidade da rede” com equidade.

Portanto, o “zero rating” apenas para o site da Justiça Eleitoral, no período das eleições,
apesar de não ser uma ação ideal, foi uma estratégia de extrema importância para
acessibilidade de conteúdo sobre o processo eleitoral, como por exemplo o site "Fato ou
Boato" que continha as checagens realizadas pelas agências parcerias.

E) Plataformas de mídias sociais digitais

As plataformas que aderiram à parceria, com especificações claras de suas ações, foram:
Twitter, Google (incluindo YouTube), Facebook (incluindo Instagram), WhatsApp31 e TikTok.

Apesar do interesse manifestado pelas plataformas tecnológicas em colaborar, cabe


ressaltar que existe uma obrigação legal para que tais empresas mantenham um canal de

29https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-memorando-entendimento-

sinditelebrasil/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-memorando-
entendimento-sinditelebrasil/at_download/file
30 Segundo dados do Cetic.br referente a pesquisa TIC DOMICÍLIOS 2019 o acesso a internet nos dispositivos
móveis é de 78% da classe C e 57% na classe DE. A classe C utiliza 61% das vezes o celular como forma
exclusiva de acesso à internet e a classe DE 85% das vezes.

https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20201123121817/tic_dom_2019_livro_eletronico.pdf

https://data.cetic.br/cetic/explore?idPesquisa=TIC_DOM
31 Apesar do WhatsApp ser de propriedade do Facebook, a parceria foi tratada de forma totalmente
independente.

25
comunicação regular com a Justiça Eleitoral, conforme pode ser visto no artigo 8º, inciso II
da resolução nº 23.624, de 13 de Agosto de 2020, copiado abaixo.

Art. 8º A aplicação, às Eleições 2020, da Res.-TSE nº 23.608, de 18 de dezembro de 2019,


que dispõe sobre representações, reclamações e pedidos de direito de resposta previstos
na Lei nº 9.504/1997 para as eleições, dar-se-á com observância dos ajustes a seguir
promovidos nos dispositivos indicados:

II – até o dia 31 de agosto de 2020, as emissoras de rádio e televisão e demais veículos de


comunicação, inclusive provedores de aplicações de internet, deverão,
independentemente de intimação, apresentar aos tribunais eleitorais, em meio físico ou
eletrônico, a indicação de seu representante legal, dos endereços de correspondência e e-
mail e do número de telefone móvel que disponha de aplicativo de mensagens
instantâneas, pelos quais receberão ofícios, intimações ou citações, e poderão, ainda,
indicar procurador com ou sem poderes para receber citação, hipótese em que farão juntar
a procuração respectiva (ajuste referente ao caput do art. 10 da Res.-TSE nº 23.608/2019,
em conformidade com a Emenda Constitucional nº 107/2020, art. 1º, § 1º, II);

O TSE usou a demanda estabelecida por essa resolução como oportunidade para propor
uma ampliação das parcerias com provedores de aplicações da Internet, que são atores-
chave no combate à desinformação, como o próprio ministro Luís Barroso ressaltou em seu
discurso de posse.

Alguns dados resumidos de resultados.

Facebook e Instagram32
• Inclusão em posts da etiqueta “sem contexto”, quando o
conteúdo era checado por verificadores de fatos independentes.
Também incluiu a inserção de um link com direcionamento para
matéria com esclarecimento sobre os fatos desinformativos;
• Removeu mais de 140 mil conteúdos que violavam suas políticas
contra interferência eleitoral no Facebook e no Instagram;
• Rejeitou cerca de 250 mil tentativas de submissão de anúncios
sobre política ou eleições que não continham o rótulo
“Propaganda Eleitoral” ou “Pago por” direcionados a pessoas no
Brasil;

32https://about.fb.com/br/news/2020/11/facebook-remove-mais-de-140-mil-conteudos-no-brasil-por-violar-

politicas-de-interferencia-eleitoral-no-periodo-de-campanha/

26
• Impulsionou conteúdos com informações corretas sobre as
eleições (a maior parte dos adultos que usam o Facebook no
Brasil viu um aviso no topo do Feed de Notícias convidando as
pessoas a se preparar e conferir os protocolos sanitários para o
dia da votação no site do Tribunal Superior Eleitoral). Cerca de 3
milhões de pessoas clicaram para saber mais informações.

WhatsApp33
• De 27 de setembro a 29 de novembro, a plataforma de
denúncias para contas suspeitas de disparos de mensagens em
massa recebeu 5.180 registros, dos quais 4.981 eram sobre as
eleições e foram enviadas para o WhatsApp para verificação de
possíveis violações dos Termos de Serviço do aplicativo. Após
revisão para remover números duplicados ou inválidos, a
empresa identificou 3.527 contas válidas e baniu 1.042 números
(29,5%) por violação de seus Termos de Serviço;
• O sistema de integridade do WhatsApp, que opera independente
da parceria com o TSE, baniu mais de 360 mil contas no Brasil
por envio massivo ou automatizado de mensagens
(abuso/spam), no período de setembro a novembro de 2020;
• A criação do “Tira-dúvidas Eleitoral no WhatsApp”, um chatbot
desenvolvido gratuitamente pela Infobip para facilitar o acesso a
dados confiáveis sobre as eleições, durante o período eleitoral,
até o dia 29 de novembro, contou com mais de um milhão de
usuários únicos e foram trocadas mais de 18 milhões de
mensagens com o robô dentro do aplicativo;
• Desenvolveu uma cartilha para a comunidade jurídica eleitoral,
realizou cursos de capacitação para servidores dos Tribunais
Regionais Eleitorais (TREs) sobre como combater a
desinformação nas plataformas digitais;
• Disponibilizou um pacote de figurinhas para incentivar o
engajamento dos eleitores no processo eleitoral.

Twitter
• Inclusão de etiquetas "reivindicação de fraude é contestada" com
link para que o usuário seja direcionado para a checagem;

33https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Dezembro/tse-e-whatsapp-apresentam-resultados-da-

parceria-para-combate-a-desinformacao-apos-as-eleicoes-2020?SearchableText=whatsapp

27
• Exclusão de posts que incentivam o absenteísmo nas eleições,
por violarem a política da plataforma.

Google
• Protocolo claimreview34 para priorizar conteúdos de agências de
checagem em seus buscadores.
• Google Trends customizado para as eleições 2020.

YouTube
• Após denúncia do TSE, link de vídeo com tutorial de como
justificar ausência usando o app “fake gps” foi excluído pela
plataforma;
• Participação do TSE no Programa de Revisor Confiável do
YouTube: envio de sinalizações sobre vídeos que contenham
desinformações relacionadas ao processo eleitoral;
• Banner no YouTube que gerou 35 milhões de cliques
direcionados para o site do TSE.

TikTok
• Produção de vídeo sobre o passo a passo da votação com mais
de 1 milhão de visualizações.

F) Organizações forenses digitais

Outra ação de destaque foram as parcerias com organizações especializadas em pesquisar


e analisar conteúdos nos meios digitais. As mesmas ofereceram capacitação aos servidores
da Justiça Eleitoral para que pudessem entender melhor o ambiente digital e também
apoiaram diretamente com relatórios sobre desinformação nos meios digitais relacionada
diretamente à Justiça Eleitoral e o processo eleitoral. Aqui se destacam o DFR Lab35, a FGV-
DAPP36 e o ITS-Rio37.

34 https://www.claimreviewproject.com/o-que-voc-precisa-saber-sobre-o-claimreview
35 https://www.atlanticcouncil.org/programs/digital-forensic-research-lab/
36 http://dapp.fgv.br/
37 https://itsrio.org/pt/home/

28
5.4 Estruturar processos para integração entre áreas internas do TSE e outras
organizações.

Uma das atribuições do coordenador digital de combate à desinformação foi liderar a


implementação do Comitê Estratégico de Combate à Desinformação, instância prevista
no Plano Estratégico do Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas
Eleições 2020 em seu Eixo 1-Organização Interna.

O Comitê é oficialmente formado por representantes de diversas áreas do TSE: Secretaria-


Geral da Presidência, Assessoria de Comunicação, Secretaria de Tecnologia da Informação,
Assessoria Especial de Segurança e Inteligência, Assessoria de Gestão Eleitoral e Secretaria
de Modernização, Gestão Estratégica e Socioambiental (SMG).

Um dos maiores desafios em qualquer organização pública ou privada é conseguir


promover uma forte integração entre distintos departamentos. Não foi diferente no TSE que
tinha uma cultura natural de separação entre a área de Tecnologia da Informação, que é
altamente técnica e especializada, e as demais áreas.

Também estavam previstas atuações de outros grupos e organizações junto ao Comitê,


como a Coalizão de Checagem e os parceiros que ajudaram na análise do ambiente digital.

Em seu papel de líder do processo, o coordenador digital desenvolveu, com apoio técnico
voluntário do Instituto Tecnologia e Equidade, um processo de trabalho que ajudaria a
colocar todos os envolvidos na “mesma página”, ou seja, seguindo um fluxo de trabalho
unificado.

Um fluxograma foi desenvolvido, testado na prática, aperfeiçoado várias vezes,


transformado em protocolos por escrito e implementado. O mesmo previa diversas
organizações como porta de entrada para os assuntos a serem tratados pelo Comitê, tais
como Coalizão de Checagem, Tribunais Regionais Eleitorais, Ouvidoria do TSE (órgão
responsável por receber denúncias) e parceiros externos do Programa de Enfrentamento à
Desinformação.

A partir da entrada do assunto no Comitê, diversos caminhos e passos poderiam ser


desenvolvidos e encaminhados para as áreas competentes. Casos que escapassem à alçada
legal do TSE, deveriam ser encaminhados para órgãos responsáveis externos como Polícia
Federal, Ministério da Justiça, Procuradoria Geral Eleitoral, entre outros.

O Comitê foi ampliando seu número de integrantes, ao passo que seu trabalho ia se
avolumando. Até o início do primeiro turno, ele avaliou 130 casos. Em números, o comitê
estratégico foi formado por 13 pessoas e seu braço operacional chegou a contar com mais
de 10 pessoas.

29
Também foi formada uma instância da Justiça Eleitoral, com um ponto focal de cada Tribunal
Regional Eleitoral, totalizando 48 integrantes. Todos trabalhavam na análise de situações
relacionadas ao combate à desinformação e seus vários desdobramentos internos.

30
6. O dia das eleições (primeiro turno)
Todo o relato feito até este ponto foi prévio ao dia das eleições. No Brasil, o dia das eleições
costuma ser marcado por muita desinformação, motivo pelo qual toda a Justiça Eleitoral e
muitas outras organizações ligadas ao Programa de Enfrentamento à Desinformação
estavam em estado de alerta e prontidão, para aplicar as medidas necessárias.

Apesar desse estado, o dia das eleições acabou se tornando um cenário confuso, tenso e
difícil para o Tribunal Superior Eleitoral por três situações que ocorreram e que teve
dificuldade de gerenciá-las.

1) Ciberataques a sistemas de gestão de pessoal do TSE e sua divulgação.

No dia da eleição (15 de novembro), um grupo hacker divulgou logo cedo que havia
invadido38 sistemas de informática do Tribunal Superior Eleitoral. Essa invasão, conforme
afirmação do grupo, não tinha nada a ver com os sistemas de votação, mas sim com sistemas
de gestão de pessoal do Tribunal. Porém, o TSE não foi ágil e tardou a divulgar a real situação,
o que resultou, em poucas horas, de um grande movimento nas redes sociais inundadas de
informação que mesclavam esse ciberataque a supostos ataques à urnas eletrônicas.

2) Ataques de negação de serviços distribuídos a páginas e aplicativos da Justiça


Eleitoral

Algumas páginas da Justiça Eleitoral, incluindo a página Fato ou Boato, assim como alguns
aplicativos, em especial o e-Título, ficaram indisponíveis ou instáveis por algumas horas após
sofrerem ataques que visavam sobrecarregar os serviços, também conhecidos como
ataques DDoS39. Esses ataques afetaram os diversos eleitores que desejavam fazer uso do
e-Título para justificar o voto, causando assim, uma onda de reclamações nas mídias sociais.

Semelhante ao que aconteceu com a invasão hacker, a situação não foi gerenciada com
agilidade. E o vácuo de comunicação, refletido pela ausência de uma informação
compartilhada a respeito do real estado do ataque e da indisponibilidade, gerou mais
especulação e desinformação sobre possíveis fragilidades nos serviços informáticos ligados
à votação eletrônica.

38https://olhardigital.com.br/2020/11/15/noticias/apos-negar-ataque-tse-tem-bancos-de-dados-vazado-por-

hackers/
39 https://pt.wikipedia.org/wiki/Ataque_de_nega%C3%A7%C3%A3o_de_servi%C3%A7o

31
3) Atraso inédito na totalização dos votos

Após um dia tumultuado com os muitos rumores a respeito do ataque hacker e da


instabilidade e negação de serviços em alguns sistemas, a noite do dia 15 de novembro se
iniciou, como em todas as eleições, com a espera da mídia e de dezenas de milhões de
brasileiros para o início da apuração dos votos.

Porém, uma demora inédita e inesperada ocorreu e, com o passar dos minutos e horas, a
maioria das grandes cidades teve um avanço muito lento e, por alguns momentos,
aparentava uma paralisação da totalização dos votos.

Esse fato se tornou a causa de um movimento de desinformação vigoroso nas redes sociais,
que passaram a promover em massa campanhas de desinformação conectando essa
demora com supostas fraudes nas urnas eletrônicas ou no sistema de totalização dos votos.

Como mencionado em nota de rodapé na seção “Breve contexto da desinformação sobre o


processo eleitoral no Brasil”, um pequeno atraso em algumas cidades no primeiro turno de
2018 foi usado por alguns grupos, poucos meses antes das eleições de 2020, como suposta
“prova” de fraude, gerando desinformação. Esses conteúdos foram firmemente plenamente
contestados pelo TSE e pela Coalizão de Checagem. Porém, isso não foi suficiente para evitar
que novamente um atraso na totalização dos votos, desta vez em grande escala, fosse a base
para novas campanhas massivas de desinformação sobre o voto eletrônico.

É importante lembrar que os brasileiros se acostumaram a ver a totalização dos votos de


forma extremamente ágil e a lentidão deste 15 de novembro de 2020 foi mal recebida por
parte da população e da mídia.

Em síntese, o TSE adquiriu um novo equipamento da empresa Oracle que, segundo o


próprio TSE, foi entregue com vários meses de atraso em virtude da pandemia. Essa entrega,
concluída em agosto de 2020, dificultou que os testes técnicos necessários fossem feitos, o
que contribuiu para a dificuldade da equipe técnica do TSE de fazer os ajustes necessários
no equipamento ao longo do dia 15 de novembro. Segundo o TSE, estes testes eram
fundamentais para que esse supercomputador, que funciona em sistemas mantidos pela
Oracle, pudesse funcionar com a velocidade esperada.

Esses eventos mencionados acima foram utilizados para afetar a imagem do TSE e promover
mais campanhas desinformativas e ataques à credibilidade do TSE. Mesmo com justificativas
consistentes, muitas campanhas desinformativas foram mantidas.

Apesar de todos os relatos acima, não foram registradas comprovações de fraude nas
eleições e por mais que as campanhas de desinformação insistissem com veemência de que
houve fraude, nenhuma evidência foi apresentada ou encontrada.

32
Não cabe no escopo do presente caso detalhar o sistema de votação eletrônica do TSE.
Porém, achamos relevante afirmar pelo conhecimento publicamente disponível, de que o
mesmo possui mais de 30 camadas de segurança e que os partidos políticos, a mídia,
diversas organizações da sociedade civil e qualquer cidadão tem, em tese, condições de
comprovar como se deu a somatória dos votos registrados nas urnas, pois cada uma delas
gera um relatório impresso que se torna público e pode ser somado com uso de aplicativos.

Da mesma forma, em todas as eleições são feitos testes públicos de segurança das urnas40.
E no dia das eleições é feito uma auditoria em tempo real41, por meio da escolha aleatória
de urnas para serem auditadas de forma pública.

É fato que a maioria dos detalhes acima ainda são desconhecidos de grande parte da
população brasileira, por isso, tantas campanhas desinformativas ganharam vulto no
primeiro turno das eleições de 2020.

40https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Maio/urna-eletronica-aprovada-realizacao-de-auditoria-

em-tempo-real
41https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Maio/urna-eletronica-aprovada-realizacao-de-auditoria-

em-tempo-real

33
7. Entre o primeiro e o segundo turno
Como imaginamos, a equipe do TSE não iria desistir, após tanto tempo e esforço investido
nos muitos meses anteriores às eleições. Vamos explorar aqui o que foi feito para corrigir
os erros do primeiro turno.

Primeiramente foi necessário uma autocrítica sobre os principais erros cometidos e muitos
deles estavam relacionados à pouca agilidade para comunicar situações problemáticas e
também a pouca transparência a respeito desses problemas. Grande parte da mídia
apontou esses erros de forma incisiva.

Houve o reconhecimento e o diagnóstico de que a desinformação tem campo fértil para se


multiplicar quanto maior é o “vácuo de informação”. É nessa falta de informação que as
teorias surgem, dando margens a construções conspiratórias com mais força, e assim, se
multiplicam e passam a influenciar a opinião das pessoas.

Desta forma, foi manifesta a decisão de que, para o segundo turno, seria imprescindível
preparar novos processos para prevenir, diagnosticar, reagir e comunicar com extrema
agilidade todo e qualquer problema que surgisse. Detalhamos, abaixo, cada uma das ações,
segundo o problema no primeiro turno.

1) Ciberataque a sistemas de gestão de pessoal do TSE e sua divulgação.

Não é possível garantir a total prevenção aos ciberataques. Não obstante, tornou-se
necessário estar atento e gerar alguns protocolos adicionais de segurança para
enfrentamento dos momentos críticos.

Para o segundo turno das eleições, o TSE montou um comitê de cibersegurança com
diversas organizações, tais como: SaferNet, Instituto Igarapé, Centro de Tratamento e
Resposta a Incidentes Cibernéticos de Governo (CTIR Gov, ligado diretamente à presidência
da república), Serpro, operadoras de telefonia móvel, além dos parceiros estratégicos do
próprio programa.

Esse comitê se beneficiou dos vários processos e protocolos bem estabelecidos no Comitê
Estratégico de Combate à Desinformação e conseguiu, em tempo recorde, ser formado e
estabelecer procedimentos e papéis muito claros a serem seguidos.

Considerando os muitos rumores e problemas de desinformação do primeiro turno das


eleições, esse comitê determinou uma regra de operação bastante ousada para enfrentar
esse contexto. A regra determinava que qualquer suspeita de ciberataque teria, no máximo,
10 minutos para ser analisada. Se houvesse a confirmação de um ciberataque, a área técnica
teria mais 30 minutos para tratar o assunto, eventualmente com apoio de organizações

34
externas que estavam de prontidão para distintos tipos de ciberataques. E, desde o
momento da detecção da suspeita de ciberataque, o Comitê de Combate à Desinformação
tinha 90 minutos para atuar, gerando informação e combatendo as eventuais
desinformações que surgissem relacionadas ao ataque ou suposto ataque. A regra 10-30-
90, como ficou conhecida, precisava ser seguida em todos os casos.

Assim que identificado o ciberataque, a área de comunicação era informada e atualizava o


status de um hotsite criado (ver seção seguinte) especialmente para informar ao público o
status de seus sistemas de informática.

As investigações abertas pela Polícia Federal para identificar e responsabilizar os autores do


ciberataque do primeiro turno contribuíram para um contexto mais seguro. No sábado, um
dia antes do segundo turno, inúmeros veículos de comunicação42 noticiaram a prisão em
Portugal de um suspeito (um cidadão português) desse ataque.

2) Ataques de negação de serviços distribuídos a páginas e aplicativos da Justiça


Eleitoral.
Os ataques feitos aos sistemas do TSE para deixá-los indisponíveis temporariamente,
certamente deixaram lições às equipes responsáveis que se empenharam para reforçar as
dimensões técnicas que poderiam contribuir a evitar tais situações. Entre as mudanças
feitas, algumas regras novas foram estabelecidas, como não permitir o download de
aplicativos no dia do segundo turno.

Porém, a mudança mais relevante e fundamental para o segundo turno se resume a


“transparência” e “agililidade”.

O TSE criou, em tempo recorde, um serviço para monitorar o status dos principais sistemas
de informática, de modo a comunicar diretamente aos cidadãos, eleitores e mídia
exatamente o que estava ocorrendo com seus sistemas. Isso buscava mitigar ao máximo o
"vácuo de informações” mencionadas anteriormente, reconhecendo que a desinformação
opera fortemente graças ao mesmo.

A implantação de um hotsite com esse nível de transparência requereu não apenas questões
técnicas, mas principalmente mudanças na cultura organizacional. Não é trivial ser tão
transparente, em especial, para mostrar os próprios erros, mesmo que seja na forma de
uma indisponibilidade temporária de serviços.

Foi notável a coragem e ousadia do TSE de desenvolver toda tecnologia e processo em tão
pouco tempo, entre o primeiro e o segundo turno das eleições.

42https://www.dw.com/pt-br/suspeito-de-ataque-hacker-ao-tse-%C3%A9-preso-em-portugal/a-55761515

35
Pelo ineditismo e valor desse serviço, inserimos uma imagem43 para mostrar o status desse
hotsite por volta das 11 horas da manhã do dia 29 de novembro.

Como mencionado na subseção anterior, esse site também serviu para informar eventuais
ciberataques, além da própria disponibilidade de cada sistema.

Cabe ressaltar que a regra 10-30-90 para ciberataques também inclui os ataques de negação
de serviços distribuídos, assim como qualquer outra situação de indisponibilidade de
sistemas, mesmo que não oriundos de ciberataques.

3) Atraso inédito na totalização dos votos.

A lentidão na totalização alimentou teorias conspiratórias44 e de desinformação, para


melhorar a performance na totalização foram realizados testes extras com os engenheiros
da empresa Oracle.

43https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/veja-aqui-o-status-sobre-a-disponibilidade-dos-

servicos-durante-o-2o-turno-das-eleicoes-2020
44 Usamos como critério para definir o que são “teorias conspiratórias” a regra de não existirem evidências que
comprovem as teorias, mas que mesmo assim, elas parecem críveis a determinados grupos que criam uma
espécie de “realidade paralela” para justificar tais teorias, gerando narrativas que sempre afirmam existir uma
“conspiração” para esconder a verdade.

36
8. O dia das eleições (segundo turno)
A maioria dos dados desta seção foram extraídos da página “Estatísticas Eleitorais”45 do TSE.

Antes de comentar como foi o dia das eleições do segundo turno, apresentamos também
um pouco do contexto geral de desinformação nos meios digitais, pois nos apoia na
compreensão do contexto das eleições.

O segundo turno se aproximou trazendo a iminência de uma nova (ou fortalecida) onda de
casos da Covid-19. Levando a uma desinformação em relação aos dados e aos riscos ligados
ao vírus como estratégia política entre alguns candidatos.

Como ocorre em todas as eleições, nas cidades que apresentavam pesquisas eleitorais com
resultados mais acirrados, houve uma alta circulação de conteúdos desinformativos para
invalidar as propostas e o histórico do candidato oponente ou direcionada a apenas um
candidato, como ocorreu em Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Enquanto o primeiro turno teve 534.223 candidatos, o segundo turno foi realizado com 232
candidatos em disputa, com 57 cidades buscando eleger seus prefeitos e vice-prefeitos.

É um momento de grande repercussão nacional, pois, via de regra, as maiores capitais do


país têm segundo turno e isso mobiliza muita atenção pública.

Em 2020, o segundo turno contou com 38.284.410 eleitores aptos a votar e também com
disputas muito acirradas em algumas cidades. Tivemos segundo turno em cidades como São
Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, além de várias outras capitais.

Segundo o Ministério da Justiça46, do total de 125 ocorrências no segundo turno, 26 foram


relativas a desinformação (fake news - notícias falsas) sobre o processo eleitoral, o que nos
parece um número relativamente pequeno para as dimensões continentais do país.

Com todas as medidas mencionadas acima, o TSE conseguiu manter um nível de


desinformação bastante inferior ao do primeiro turno, quando, em muitos momentos, as
campanhas de desinformação escalaram bastante e ficaram sem respostas.

No segundo turno, a “transparência” e a “agilidade” mencionadas anteriormente foram um


belo antídoto contra a desinformação e mostraram à sociedade e ao próprio TSE que essas
estratégias são efetivas em certas condições.

45 https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais
46https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/operacoes-eleicoes-2020-2o-turno-acao-das-forcas-federais-

estaduais-e-municipais-de-seguranca-publica-serao-acompanhadas-em-tempo-
real/RelatrioEleies2Turno09hs.pdf

37
Apesar do cenário da pandemia, trazer o temor a possibilidade - nas palavras do Ministro
Barroso - de uma "abstenção colossal", as eleições do segundo turno ocorreram com uma
participação social, acima do esperado. A abstenção atingiu 29,43% — foi de 23,14% no
primeiro turno, segundo o TSE.

Ainda que a participação popular tenha ocorrido, trata-se da maior abstenção verificada nas
últimas décadas. Em algumas localidades47, tivemos índices de abstenção próximos de 40%
que não podem ser ignorados. Vale lembrar que o ato de se abster das eleições tem subido
a cada edição eleitoral.

47 Rio de Janeiro (35,4%), Porto Alegre (32,8%) São Paulo (30,8%), Goiânia (36,7%), Petrópolis (35,6%), Ribeirão
Preto (35,6%), Blumenau (31%), Joinville (28%) e Aracaju (27,8%).

Fonte: Agência Senado https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/11/30/especialistas-analisam-


abstencao-recorde-nas-eleicoes-de-2020

38
9. O pós-eleições 2020
Esta foi a eleição com o maior número de candidatos da história, além disso a Justiça Eleitoral
esteve presente em todos os municípios brasileiros, visando assegurar o direito ao voto a
todos os cidadãos, assim como a transparência e a segurança das eleições48.

No balanço apresentado pelo TSE49, foi possível perceber uma mudança singular na
agilidade e totalização dos votos no segundo turno dentro da normalidade esperada pela
Justiça Eleitoral e pelos eleitores, sem intercorrências no processo eleitoral.

As eleições de 2020 ocorreram com respeito ao rito democrático, segurança sanitária para
a população e envolvidos na organização (devido à pandemia) e enfrentamento aos
processos deformativos.

Ao final dessa fase, houveram manifestações de reforço ao combate da retórica das fraudes
nas urnas. E, mais uma vez, foi demonstrado todo processo que é feito, desde a não
conectividade das urnas aos protocolos padrões com várias barreiras de segurança.

Essas eleições corroboram evidenciar não apenas a apresentação, mas a importância do


Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020, e suas políticas
e parcerias de cooperação.

Apenas como anedota, sugerimos a leitura do levantamento feito pelo site boatos.org50, que
traz de forma esquemática as distintas categorias de desinformação ocorridas nas eleições
de 2020, incluindo até mesmo a pandemia do novo coronavírus.

48 Para a realização do processo eleitoral nestas Eleições Municipais, foram necessários 1 Tribunal Superior, 26
Tribunais Regionais, 2.625 zonas eleitorais, 92.245 locais de votação e 483.585 seções eleitorais.
49https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/ao-final-do-2o-turno-presidente-do-tse-faz-

balanco-das-eleicoes-2020
50https://www.boatos.org/politica/41-fake-news-desmentidas-balanco-desinformacao-eleicoes-2020.html

39
10. Eleições 2022: o que esperar do TSE
Nós não temos como afirmar o que o Tribunal Superior Eleitoral irá fazer como preparação
para as eleições de 2022 no Brasil, mas, pelos relatos recebidos, parece que o trabalho feito
pela coordenação digital de combate à desinformação foi bem avaliado e que as equipes
envolvidas reconheceram sua importância ao longo dos últimos 3 meses, em especial nos
momentos mais tensos. Acreditamos que essa é a opinião de várias áreas, incluindo a
Secretária-Geral da Presidência e o próprio ministro Luís Barroso, presidente do TSE.

Isso nos faz pensar que as estratégias descritas neste documento serão aprofundadas e
talvez possam se tornar políticas internas mais permanentes e que não necessitem da
atuação de uma pessoa convidada para colaborar com os esforços em curso. Isso não quer
dizer que se deva descartar uma futura colaboração desta natureza, em nossa opinião.

Acreditamos que o TSE concorda que a batalha contra a desinformação e os desequilíbrios


acelerados pela tecnologia não pode ser vencida em definitivo, mas deve ser combatida com
firmeza de forma permanente.

Ele tem pensado novos rumos para a votação eletrônica, como aponta o projeto "Eleições
do Futuro"51, que traz uma proposta de reformulação dos mecanismos de realização das
eleições, em especial, pelo custo significativo no uso das urnas eletrônicas.

Enxergamos o Tribunal Superior Eleitoral como um ator com características especiais no


ecossistema de atores que combatem a desinformação. Conforme descrito na pesquisa do
IT&E, a “Desinformação em Eleições: Desequilíbrios Acelerados pela Tecnologia”, o TSE é um
“árbitro legal”52 desse ecossistema, pois tem como missão fundamental criar medidas
reguladoras do ambiente onde a desinformação se propaga.

Seu papel central na organização das eleições nos faz crer que tem um papel importante na
articulação dos “árbitros sociais” - mídia tradicional, grupos de vigilância da sociedade civil,
acadêmicos e outros tipos de ativistas da democracia - cujos esforços de informação,
sensibilização pública, controle social e campanhas educativas é fundamental.

Além disso, acreditamos que o TSE tem um papel crucial na integração dos "árbitros
econômicos" - plataformas de redes sociais e afins. Essas empresas são controladoras de
grande parte do ambiente onde os conteúdos são circulados e difundidos em alta escala.
Suas ferramentas de amplificação e propaganda representam uma implicação direta nas

51https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/projeto-201celeicoes-do-futuro201d-empresas-

farao-demonstracao-de-propostas-de-inovacoes-no-dia-15-de-
novembro?SearchableText=Eleições%20do%20Futuro
52 Ver páginas 25 e 26.

40
práticas e hábitos dos consumidores de conteúdo digital e precisam ser mediadas para que
certos compromissos éticos e práticos, fundamentado em fatos e com motivações cívicas,
ajudem a criar um espaço público de informação seguro e confiável. E incentivá-los a
colaborar com ações mais eficazes para reduzir a desinformação.

41
11. Aprendizados e considerações finais
Muito do que foi aqui descrito, em nossa opinião, são importantes aprendizados desse
processo de combate à desinformação, empreendido de forma muito propositiva e intensiva
pelo Tribunal Superior Eleitoral e acompanhado por vários Tribunais Regionais Eleitorais.

Existem críticas justas ao fato desse processo empreendido pelo TSE ser “apenas” sobre a
desinformação relacionada à Justiça Eleitoral e ao processo eleitoral. Nós resolvemos olhar
para esse processo pelo lado “meio cheio” do copo, ou seja, pelo fato da Justiça Eleitoral ter
feito grandes avanços no combate à desinformação sobre essas duas dimensões, que têm
forte relação com a saúde do processo democrático.

Dito isto, entendemos que os próximos passos deveriam incluir um avanço sobre a
“desinformação de modo generalizado”. Porém, naturalmente, ainda restrita ao âmbito da
democracia e do processo eleitoral, mas agora incluindo as campanhas eleitorais. Mesmo
desejando isso, não podemos ignorar a missão institucional do TSE e as limitações legais de
sua atuação como uma corte.

Finalizamos aqui com o que consideramos que foram os principais aprendizados e lições
para o futuro, reconhecendo que muitos já são uma realidade para o TSE, mas lembrando
que mantê-las não é tarefa fácil, ao contrário é um desafio constante.

Cabe ressaltar que a maioria deles está intimamente conectada entre si, reforçando
nossa crença na importância de uma uma visão e prática “sistêmicas”.

1) Toda instituição pública, em especial aquelas ligadas à defesa da Democracia,


precisam de um Programa de Enfrentamento à Desinformação, estruturado e
detalhado na forma de um Plano Estratégico ou um Guia de Práticas, com metas,
ações e recursos;

2) Programas de Combate à Desinformação não devem representar uma restrição à


“liberdade de expressão”. Portanto, não devem conter ou focar em elementos de
vigilância, restrição à privacidade, entre outros. Porém, devem agir para conter
aquelas ações coordenadas e planejadas por grupos53 nos meios digitais que
extrapolam a “liberdade de expressão” e cometem crimes tipificados em lei;

3) Desinformação deve ser combatida com informação de qualidade, orientativa,


assertiva e com respeito à diversidade de posicionamentos políticos. O processo
desinformativo prospera no vácuo de informação, que precisa ser preenchido com

53 Comumente referidos como “milícias digitais”.

42
elevada quantidade de informação. Existe um risco de se gerar uma “infodemia”54 de
informações. Porém, esse risco precisa ser corrido;

4) Conteúdos informativos de qualidade precisam ser acessíveis a todos os cidadãos,


em especial aos que têm menos condições de acessar tais conteúdos,
independentemente de sua exclusão econômica, cultural, social e outras formas de
exclusão (pessoas com deficiências, entre outros). . A informação precisa chegar a
todos, mesmo que isso demande ações como “zero rating” temporários durante
campanhas e períodos críticos;

5) É importante combater a desinformação com educação e capacitação permanente.


Servidores públicos e cidadãos precisam receber conteúdos educativos e orientativos
de modo regular e assertivo. Campanhas não podem esperar as próximas eleições.
Elas têm que ser permanentes, porque a desinformação é permanente;

6) O principal objetivo das campanhas de combate à desinformação deve ser combater


comportamentos inautênticos e mudar comportamentos dos cidadãos e eleitores em
relação à desinformação. O foco não deve ser eliminar conteúdos dos meios digitais.
Parcerias com as plataformas digitais são chave para que conteúdos desinformativos
tenham seu alcance reduzido, sejam sinalizados como “falso” ao serem checados e
apresentarem links para as informações que o contrapõe. Conteúdos devem ser
eliminados de modo excepcional, por meio de decisões judiciais devidamente
justificadas, quando crimes tipificados e investigados forem cometidos;

7) Parcerias multissetoriais são imprescindíveis e fator crítico de sucesso para uma


ampliação da atuação e impacto da Justiça Eleitoral, que não pode estar sozinha com
a responsabilidade de combater a desinformação. Essa missão pertence a toda a
sociedade, com diferentes papéis de ação. Entretanto, vemos a Justiça Eleitoral como
uma líder, articuladora e catalisadora natural nesse processo;

8) Instâncias multissetoriais ágeis, tais como o Comitê Estratégico de Combate à


Desinformação e o Comitê Estratégico de Cibersegurança, que reúnem diversas
áreas internas dos Tribunais Eleitorais e outras organizações afins à missão de
reduzir a desinformação, são imprescindíveis e devem funcionar não apenas durante
o período eleitoral, mas de modo permanente, mesmo com intensidade variável.
Detalhamento de seus protocolos internos, regras, prazos, papéis e competências
necessárias devem ser aperfeiçoadas continuamente.

54 https://es.wikipedia.org/wiki/Infodemia

43
9) A existência de potentes teorias conspiratórias a respeito das urnas eletrônicas, em
nossa visão técnica, sugere que o TSE deve pensar seriamente na abertura do código-
fonte do software que é utilizado em seu funcionamento. Isto parece ser uma
oportunidade chave para desmistificar e enfraquecer as muitas teorias e narrativas
contra a Justiça Eleitoral e o processo eleitoral.

10) Organizações públicas e privadas devem manter a consciência firme de que a batalha
contra a desinformação não será vencida de modo definitivo e que afeta toda a
sociedade, em muitas dimensões. É necessário estar atento, de prontidão e evoluir
sempre no combate.

Concluímos com a certeza de que este é o primeiro estudo de caso sobre a experiência do
combate à desinformação nas eleições de 2020 no Brasil, mas certamente não será o último.

Outras organizações e o próprio IT&E certamente publicarão mais relatórios como este, que
mostrarão de diferentes perspectivas e pontos de vista como lidar com este problema
complexo e urgente.

Melhorar o ambiente de informação segura para a população é uma missão civilizatória,


inevitável, de todos e urgente.

44
Anexo I - Mapa do Sistema Complexo “Propaganda Eleitoral na Internet nas
Eleições de 2018 no Brasil”.

45
Anexo II - Diagrama de Ciclos Causais do Sistema Complexo
“Propaganda Eleitoral na Internet nas Eleições de 2018 no Brasil”.

46
Anexo III - Dados e informações sobre o TSE

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