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IA em Movimento
IA, predadores tecnológicos e massificação
das demandas
Fabio Rivelli e Jayme Barbosa Lima Netto
terça-feira, 21 de março de 2023
Atualizado às 08:21

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A A
Na fase inicial da aplicação da tecnologia ao Direito, em 2015, surgiu o DoNotPay,
considerado o primeiro "robô advogado" do mundo. Na verdade, consiste em um
aplicativo de serviços jurídicos criado por um cientista da computação, Joshua
Browder, que utiliza tecnologia de Inteligência Artificial  (IA) para prestar determinados
serviços jurídicos por assinatura anual de baixo custo. A invenção teve como "cobaia" o
próprio criador, que queria se livrar de multas continuadas de estacionamento durante
a faculdade.

Assim, havia no design da criação do DoNotPay um idealismo de seu criador: ajudar o


cidadão comum a enfrentar a burocracia do Estado, caso de multas de trânsito
excessivas, ou conflitos consumeristas de pequena monta com empresas privadas,
como cancelamento de assinaturas, taxa ilegal, spam etc., que ocupam tempo demais
e não compensam o custo da contratação de um advogado por parte do cidadão
comum.

A partir do momento que o usuário inseri no aplicativo do DoNotPay o que deseja


contestar, a IA gera uma inicial e todos os demais recursos que venham a contestar a
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demanda em sua tramitação. Ao longo dos anos, a IA ajudou a sofisticar a


argumentação legal utilizada, aumentando o sucesso do aplicativo e funcionalidades,
tanto que este ano   ensaiou representar presencialmente um cliente no tribunal ,
fornecendo instruções através de fones de ouvido, mas recebeu objeções de várias
entidades representativas de advogados e de promotores, que consideraram a prática
ilegal.

O DoNotPay não cobra taxa de desempenho ou participação nos benefícios que por
ventura o cidadão venha a obter por decisão judicial. Esse não é o caso de sites e
aplicativos que invadiram o mercado brasileiro, instigando os consumidores a ingressar
com processos judiciais para qualquer tipo de conflito consumerista.

Há uma linha tênue que divide a iniciativa dessas ferramentas tecnológicas sob o
aspecto da desjudicialização e a facilidade de acesso à justiça, em contraposição à
preocupação de que tais aconselhamentos e iniciativas possam ter. Certamente, não
reúnem a qualidade necessária de informações legais, podendo causar problemas
adicionais aos consumidores desinformados e sem a orientação de um advogado 
"humano".

Outro ponto preocupante é a regulamentação e adequação das leis aos


aconselhamentos baseados em algoritmos e estatísticas. No Brasil, existem
plataformas que atuam de forma nociva nas relações de consumo. Disfarçadas de civic
techs (empresas de tecnologia que buscam o engajamento do cidadão), acabaram por
receber a alcunha de "aplicativos abutres". Essas plataformas promovem a
judicialização predatória contra diferentes fornecedores em casos que poderiam ser
facilmente resolvidos por mediação ou conciliação.

  No entanto, esses conflitos localizados acabam se arrastando pelos tribunais,


prejudicando parte do jurisdicionado que efetivamente necessita de uma solução mais
célere  da Justiça para questões graves e urgentes. Pouca gente sabe, mas alguns
aplicativos abutres pertencem a fundos de investimento que atuam no exterior e visam
tão somente o lucro decorrente da judicialização. Eles se afastam do propósito de uma
verdadeira civic tech, que deveria auxiliar no monitoramento de denúncias, melhoria
dos serviços públicos e na busca de fomentar a participação do cidadão em consultas
públicas e outras iniciativas de engajamento social. Em vez disso, se aproveitam de
uma espécie de "comoditie legal" lucrativa, obtida pelo resultado esperado de
determinadas ações contra empresas de alguns segmentos, como aviação e varejo.

O aumento da litigiosidade no Brasil é um fenômeno que compromete o exercício


pleno da cidadania porque limita o acesso à Justiça    e vem sendo minorado com a
adoção de métodos consensuais de resolução de conflitos, nos quais as partes são
incentivadas a encontrar uma solução, mais rápida e barata, para todos os envolvidos.
O Judiciário implantou a Política Judiciária Nacional de Tratamento adequado dos
conflitos de interesse no âmbito do Judiciário (resolução CNJ n. 125/2010) e vem
ampliando o número de  soluções de litígios por autocomposição. 

Vale ressaltar que esses "abutre techs" não estão interessados em defender os direitos
dos consumidores, mas a lucrar com eles, oferecendo até a possibilidade de adquirir o
futuro direito de crédito . De acordo com dados da série histórica do Conselho
Nacional de Justiça, a despeito das medias mitigadoras, vem crescendo o número de

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novos processos que ingressam no Judiciário brasileiro: Em 1990, ingressaram 3,6


milhões de novos processos; em 2002, totalizaram 9,7 milhões; em 2010, 17,7 milhões
(1º grau) 3,3 milhões (grau de recurso). Em 2021, já atingimos 26,9 milhões, embora
tenha havido anos de estabilidade no período, casos dos anos de 2015 e 2016.1

A alta taxa de litígios do país vem sendo alvo de um efetivo esforço do CNJ voltado a
educar e estimular os consumidores a optar pela conciliação e promover uma
mudança na cultura de fornecedores e consumidores de que os direitos das partes
somente são garantidos nas barras dos tribunais. Em sentido oposto, esses sites e
chatbots, instigam pelas redes sociais o consumidor   através de um marketing
agressivo a buscar a litigiosidade para resolver qualquer tipo de reclamação, por mais
banal que seja, ignorando os canais de atendimento extrajudiciais e mesmo
plataformas digitais, como a Consumidor.Gov, com alta taxa de resolução, de forma
rápida e gratuita.

De forma concomitante, para coibir esse tipo de abuso dos aplicativos abutres, a
Ordem dos Advogados do Brasil tem atuado fortemente contra esses predadores
tecnológicos. O Conselho Federal da OAB criou um grupo de trabalho que irá discutir
esse tipo de litigância predatória e propor ações de enfrentamento, com a criação de
mecanismos que possibilitem identificar esses aplicativos, propiciando a resposta
adequada. Para o conselheiro e coordenador do grupo junto ao Conselho Nacional de
Justiça, "o problema tem começo, meio e fim. O Judiciário está na sua fase
intermediária. Não é a decisão de mérito em ação coletiva que o cria. A raiz do
problema da litigância predatória se encontra em decisões equivocadas no momento
da definição de políticas públicas ou nas estratégias empresariais, estas sim
predatórias, e não no consumidor lesado que procura a Justiça através do seu
advogado. Se existe a lesão, o processo judicial, individual ou coletivo, tem de levar a
sua reparação."2

A linha de atuação de OAB está centrada no exercício irregular da atividade da


advocacia e captação ilegal da clientela promovida pelos sites e aplicativos abutres e
têm sido vitoriosa nas ações impetradas na Justiça contra esses chatbots por
exercerem ilegalmente a advocacia, uma vez que não possuem inscrição nos quadros
da Ordem, como estabelece a Lei 8.906/1994 e o Código de Ética e Disciplina da OAB,
podendo gerar uma série de danos ao direito dos consumidores.

A tecnologia de IA pode ser empregada para servir o consumidor que se sinta lesado
ou para dar lucro a terceiros que expoliam esses consumidores, fomentando a
litigiosidade dentro do sistema judicial. A conduta das partes, portanto, é fundamental
para saber sopesar como deve encaminhar os seus potenciais conflitos, levando em
conta os fatores que asseguram seus interesses e relevando uma solução oportunista
e insegura, que resulta na massificação das demandas, prejudicando a cidadania e
comprometendo a eficiência da Justiça.

__________

1 Disponível aqui. Acesso em 15 mar 2023.

https://www.migalhas.com.br/coluna/ia-em-movimento/383286/ia-predadores-tecnologicos-e-massificacao-das-demandas 3/4
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2 Disponível aqui. Acesso em 15 mar 2023.

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