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Europa regulamenta a IA protegendo a sociedade

sem ameaçar a inovação

O Parlamento Europeu aprovou, na quarta passada (13), a Lei da Inteligência


Artificial, uma legislação pioneira que visa a proteção da democracia, do meio
ambiente e dos direitos fundamentais, enquanto promove o desenvolvimento dessa
tecnologia. As novas regras, que devem entrar em vigor ao longo dos próximos dois
anos, estabelecem obrigações para desenvolvedores, autoridades e usuários da IA,
de acordo com potenciais riscos e impacto de cada aplicação.
Na semana anterior, a Europa já havia aprovado uma lei que regula a atuação das
gigantes da tecnologia, favorecendo a competição. Tudo isso consolida a vanguarda
do continente na organização do uso do mundo digital para proteger e beneficiar a
sociedade, inspirando leis pelo mundo. O maior exemplo é a GDPR, para proteção
de dados, que no Brasil inspirou a LGPD, nossa Lei Geral de Proteção de Dados.
Legislações assim se tornam necessárias à medida que a digitalização ocupa
espaço central em nossas vidas, transformando profundamente a sociedade. Isso
acontece desde o surgimento da Internet comercial, na década de 1990. De lá para
cá, cresceu com as redes sociais, com os smartphones e agora com a inteligência
artificial.
O grande debate em torno dessas regras é se elas podem prejudicar a sociedade,
ao atrapalhar o desenvolvimento tecnológico. A preocupação é legítima, mas ganha
uma dimensão muito maior que a real por influência dessas empresas, que se
tornaram impérios por atuarem quase sem regras até agora, e gostariam de
continuar assim.
Infelizmente essas big techs abusaram dessa liberdade, sufocando a concorrência e
criando recursos que, na prática, podem prejudicar severamente seus usuários.
Portanto, essas leis não devem ser vistas como ameaças à inovação (que
continuará existindo), e sim como necessárias orientações sociais para o uso da
tecnologia.
A nova lei proíbe algumas aplicações da IA. Por exemplo, o uso de câmeras fica
restrito, sendo proibido o "policiamento preditivo", em que a IA tenta antecipar um
crime por características e ações das pessoas. Também são proibidos a
categorização biométrica e a captação de imagens da Internet ou câmeras para
criar bases de reconhecimento facial. A identificação de emoções em locais
públicos, a manipulação de comportamentos e a exploração de vulnerabilidades
tampouco são permitidos.
"O desafio é garantir que tecnologias de vigilância contribuam para a segurança e
bem-estar da sociedade, sem prejuízo das liberdades civis e direitos individuais",
explica Paulo Henrique Fernandes, Legal Ops Manager no Viseu Advogados. "Isso
requer um diálogo contínuo para aprimoramento de práticas e regulamentações que
reflitam valores democráticos e éticos", acrescenta.
A lei também disciplina outros sistemas de alto risco, como usos da IA em
educação, formação profissional, emprego, infraestruturas críticas, serviços
essenciais, migração e Justiça. Esses sistemas devem reduzir os riscos, manter
registros de uso, ser transparentes e ter supervisão humana. As decisões da IA
deverão ser explicadas aos cidadãos, que poderão recorrer delas. Além disso,
imagens, áudios e vídeo sintetizados (os deep fakes)
A inovação não fica ameaçada pela lei europeia, porque ela não proíbe a tecnologia
em si, concentrando-se em responsabilidades sobre aplicações que criem riscos à
sociedade claramente identificados. Como a lei prevê um diálogo constante entre
autoridades, desenvolvedores, universidades e outros membros da sociedade civil,
esse ambiente pode até mesmo favorecer um desenvolvimento sustentável da IA,
ao criar segurança jurídica a todos os envolvidos.
A nova legislação também aborda um dos temas mais polêmicos do momento, que
é o uso de conteúdos de terceiros para treinar as plataformas de IA. Os donos
desses sistemas vêm usando tudo que podem coletar na Internet para essa
finalidade, sem qualquer compensação aos autores. A lei aprovada pelo Parlamento
Europeu determina que os direitos autorias sejam respeitados e que os dados
usados nesse treinamento sejam identificados.

Evitando Estados policialescos

Um grande ganho da nova lei europeia é a proteção do cidadão contra o próprio


Estado e seus agentes. A tecnologia digital vem sendo usada, em várias partes do
mundo, para monitorar pessoas e grupos cujas ideias e valores sejam contrárias às
do governo da vez, uma violação inaceitável a direitos fundamentais, além de criar
riscos enormes de injustiças por decisões erradas das máquinas.
Em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, muitas pessoas foram presas por
terem sido confundidas pelos sistemas com criminosos. Em São Paulo, a primeira
proposta do programa Smart Sampa, implantado em 2023 pela Prefeitura e que
monitora os cidadãos com milhares de câmeras, previa que o sistema indicasse à
polícia pessoas "em situação de vadiagem", seja lá o que isso significasse.
A ficção nos alerta há muito tempo sobre os problemas desses abusos. O filme
"Minority Report" (2002), por exemplo, mostra que mesmo objetivos nobres (como
impedir assassinatos, nessa história) podem causar graves danos sociais e
injustiças com a tecnologia. E há ainda os casos em que as autoridades
deliberadamente a usam para controlar os cidadãos, como no clássico livro "1984",
publicado por George Orwell em 1949.
O Congresso brasileiro também estuda projetos para regulamentar a inteligência
artificial. O mais abrangente é o Projeto de Lei 2.338/2023, que propõe o Marco
Legal da Inteligência Artificial. "Enquanto a União Europeia estabeleceu um quadro
regulatório detalhado e abrangente, focando na gestão de riscos associados a
diferentes usos da IA, o Brasil ainda está definindo seu caminho regulatório, com um
enfoque aparentemente mais flexível e menos prescritivo", explica Fernandes.
É inevitável a profunda transformação que a inteligência artificial já promove em
nossa sociedade, um movimento que crescerá de maneira exponencial. Os
benefícios que ela traz são imensos, mas isso embute também muitos riscos,
especialmente porque nem os próprios desenvolvedores entendem tudo que ela
vem entregando.
Precisamos estar atentos também porque muitos desses problemas podem derivar
de maus usos da IA, feito de maneira consciente ou não. Por isso, leis que
regulamentem claramente suas utilizações sem impedir o desenvolvimento são
essenciais nesse momento em que a colaboração entre pessoas e máquinas ganha
um novo e desconhecido patamar. Mais que aspectos tecnológicos ou de mercado,
essas legislações se tornam assim verdadeiros marcos civilizatórios, críticos para a
manutenção da sociedade.

FONTE:
https://www.estadao.com.br/brasil/macaco-eletrico/europa-regulamenta-a-ia-protege
ndo-a-sociedade-e-sem-ameacar-a-inovacao/

COMENTÁRIO:
A União Europeia recentemente aprovou uma legislação inovadora conhecida como
a Lei da Inteligência Artificial, que visa equilibrar a proteção da sociedade e dos
direitos fundamentais com o desenvolvimento da tecnologia. Esta legislação
estabelece obrigações para desenvolvedores, autoridades e usuários da IA, com
base nos potenciais riscos e impactos de cada aplicação. Além disso, a Europa já
havia aprovado leis para regular as gigantes da tecnologia, favorecendo a
competição e consolidando-se como líder na organização do uso do mundo digital
para proteger e beneficiar a sociedade.As preocupações sobre se essas leis
poderiam prejudicar a inovação são abordadas, argumentando que são necessárias
para orientar o uso da tecnologia de forma socialmente responsável, especialmente
após abusos cometidos por grandes empresas de tecnologia. A nova legislação
proíbe certas aplicações de IA, como o policiamento preditivo e a categorização
biométrica, visando garantir a segurança e o bem-estar da sociedade sem
comprometer as liberdades individuais.A regulamentação também disciplina outros
sistemas de alto risco, como aqueles usados em educação, emprego e justiça,
exigindo transparência, supervisão humana e a explicação das decisões tomadas
pela IA aos cidadãos. Além disso, a lei aborda o uso de conteúdos de terceiros para
treinar plataformas de IA, garantindo o respeito aos direitos autorais e a
identificação dos dados utilizados.Um dos principais ganhos da nova legislação é a
proteção do cidadão contra abusos estatais através da tecnologia, evitando estados
policialescos. A regulamentação da IA também é destacada como um marco
civilizatório crucial para lidar com os desafios e riscos associados à rápida
transformação que essa tecnologia promove em nossa sociedade. O Brasil também
está considerando legislações semelhantes para regular a inteligência artificial,
enquanto busca equilibrar a gestão de riscos com um enfoque flexível e menos
prescritivo.

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