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Direito e mudanças tecnológicas: automação, inteligência

artificial e os novos desafios do ensino jurídico

DIREITO E MUDANÇAS TECNOLÓGICAS: AUTOMAÇÃO, INTELIGÊNCIA


ARTIFICIAL E OS NOVOS DESAFIOS DO ENSINO JURÍDICO
New challenges for legal Education: impacts of automation and artificial intelligence
Revista de Direito e as Novas Tecnologias | vol. 1/2018 | Out - Dez / 2018
DTR\2018\21260

Marina Feferbaum
Doutora em Direito do Estado, FGV Direito – SP marina.feferbaum@fgv.br

Alexandre Pacheco da Silva


Mestre em Direito e Desenvolvimento, FGV Direito – SP alexandre.silva@fgv.br

Área do Direito: Educação


Resumo: O artigo procura mostrar em que medida se pode diagnosticar a introdução e
os impactos da tecnologia da informação e de ferramentas de inteligência artificial no
direito. Na primeira seção, descreve-se o cenário internacional e nacional sobre as
mudanças e as perspectivas de futuro no campo. Depois, exploram-se alguns estudos de
caso para mostrar, na realidade brasileira, como os atores estão se organizando a partir
de novos padrões tecnológicos. Por fim, exploram-se algumas críticas aos diagnósticos
de mudanças com base em entraves de implementação no contexto brasileiro e nos
potenciais de transformação para o ensino do direito nas universidades.

Palavras-chave: Tecnologia da informação – Profissão jurídica – Ensino jurídico


Abstract: This article exposes in what sense can one diagnose the introduction and
impacts of information technology and artificial intelligence tools on law. In the first
section, I describe the international and national scenarios on the changes and future
perspectives in the field. Then, I explore some case studies to show how actors are
dealing with new technological patterns in the Brazilian reality. Finally, some critics are
described based on implementation barriers in the Brazilian context and on
transformation potential to the methodology of legal schools.

Keywords: Information technology – Legal profession – Legal teaching


Sumário:

Introdução - 1.A ascensão das legaltechs e de novas ferramentas tecnológicas: estado


da arte e indagações - 2.Transformações em curso - 3.Da euforia à crítica: potenciais e
barreiras das inovações tecnológicas - 4.Estrutura curricular nas faculdades de Direito -
5.O futuro da atividade jurídica e dos advogados

Introdução
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Os mercados de startups jurídicas passam por um processo de expansão em escala
global. Em contextos estrangeiros, observa-se tanto um crescimento relevante no
número total de startups existentes relacionadas a serviços jurídicos como nos fluxos de
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investimentos destinados a elas . A despeito da natureza questionável de parte dos
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dados empíricos hoje disponíveis , parece claro que o interesse geral de
empreendedores, operadores do direito e de acadêmicos nesse segmento encontra-se
em alta.

Esse fenômeno encontra correspondência também no contexto brasileiro, que viu, nos
últimos anos, evidências de crescimento de seu próprio mercado de legaltechs. Em
2017, esse processo pôde ser mais bem observado com o espaço à criação da
Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), uma entidade voltada ao diálogo
interinstitucional entre startups do setor, escritórios de advocacia, departamentos
jurídicos empresariais, órgãos governamentais e demais instituições relacionadas ao
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campo . O sucesso da associação em obter adesão de um número relativamente grande
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de empresas, de perfis diversos, em um curto período de tempo, é também indicativo do


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atual estado de florescimento desse campo .

Simultaneamente, também tem crescido o interesse acadêmico pela emergência dessas


iniciativas: às tentativas de compreensão das razões para a sua proliferação e de
construção de tipologias adequada para descrevê-las, somam-se as preocupações
crescentes com os impactos do avanço tecnológico sobre o funcionamento dos mercados
de serviços jurídicos e, mais especificamente, sobre a formação dos operadores do
direito.

Em âmbito internacional, essas indagações vêm sendo trazidas à tona já há alguns anos,
por força da introdução crescente de ferramentas de automação e inteligência artificial
nos processos tradicionais de produção do direito. Já em 2016, o relatório Developing
Legal Talent: stepping into the future law firm, da Deloitte (2016), estimou que, em um
cenário mais radical, aproximadamente 114.000 empregos da área jurídica dos Estados
Unidos (e.g., cerca de 39% dos empregos existentes no campo à época) teriam chances
altas de sofrerem automação até 2025.

No Brasil, contudo, ainda não há estudos que tenham se prestado a uma consolidação e
sistematização de dados sobre a situação do país em meio a esse processo de mudança
tecnológica. Diante dessa lacuna, o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas conduz, desde 2017, a
pesquisa Tecnologia, Ensino e Profissões, que se dedica justamente a identificar como
novas tecnologias (e.g. algoritmos de aprendizagem, expert systems, etc.) têm alterado
a profissão jurídica, reorganizando as funções e atividades realizadas por profissionais do
setor, e como esse processo pode impactar a formação em Direito no Brasil (e.g.
habilidades, competências, conhecimentos mínimos necessários para o exercício da
profissão etc.).

O projeto, hoje, desenvolve-se em três frentes específicas: (i) uma pesquisa quantitativa
, que pretende avaliar o grau de inserção tecnológica de escritórios de advocacia no
Brasil; (ii) uma pesquisa qualitativa, que realiza estudos de caso específicos de aplicação
tecnológica nos setores público e privado; e (iii) a elaboração e aplicação de laboratórios
de tecnologia jurídica no curso de graduação em Direito da FGV Direito SP – que rendeu,
no segundo semestre de 2017, o curso Labtech, destinado a familiarizar alunos da
graduação em direito com conceitos básicos de programação e permitir que eles
produzissem seus próprios algoritmos de automação de documentos jurídicos.

A análise feita aqui se debruça, portanto, sobre essas questões. Como a introdução de
novas tecnologias tem afetado o trabalho de operadores do direito, nos âmbitos público
e privado? Que habilidades e competências passam a ser esperadas de seus
profissionais, a partir desse contexto? E, por fim, como instituições de ensino podem
adiantar-se a esses desafios e melhor treinar futuros quadros do campo jurídico?

O artigo desenvolve essa reflexão em três partes distintas. Na Parte I, trazemos uma
breve reflexão inicial acerca da emergência das legaltechs e da introdução de novas
ferramentas tecnológicas, principalmente de automação e de inteligência artificial, nos
processos tradicionais de produção do direito, em escritórios de advocacia,
departamentos jurídicos e órgãos públicos. Na Parte II, trazemos dois exemplos
ilustrativos de iniciativas inovadoras adotadas no Brasil, uma no setor público e a outra
no setor privado, que podem ser compreendidas a partir dessa mudança de paradigmas.
Na Parte III, por fim, propomos uma reflexão crítica sobre os potenciais e gargalos das
profissões jurídicas no Brasil frente aos fenômenos de transformação tecnológica
tratados nas seções anteriores.

1.A ascensão das legaltechs e de novas ferramentas tecnológicas: estado da arte e


indagações

Cabe aqui uma explicação clara do que vem a ser uma legaltech. Escolhemos aqui
defini-las como startups que se dedicam a fornecer serviços e produtos inovadores e de
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base tecnológica, destinados a reduzir custos ou aumentar a eficiência na realização de


tarefas envolvidas na prestação de serviços jurídicos. Como outras startups, legaltechs
(também denominadas lawtechs) são empresas concentradas em expansão rápida e em
alto potencial para lucros futuros, que atraem investidores interessados em
empreendimentos de alto risco e com potencial de geração de grandes dividendos.

A natureza dos produtos e serviços gerados por legaltechs influencia muito a composição
dos clientes almejados por elas: no mercado britânico, por exemplo, a maior parte de
seu público-alvo parece ser composta justamente por escritórios de advocacia (46%),
seguidos por empresas de grande porte (24%). Em nível significativamente menor,
estão pequenas e médias empresas (11%), ligeiramente atrás de consumidores finais
(13%). Isso indica um grande enfoque de legaltechs em gerar ganhos de eficiência na
prestação de serviços jurídicos por atores tradicionais (sejam eles escritórios ou
departamentos internos de empresas) e, em menor escala, um interesse em atingir
consumidores até então ignorados por tais atores ou alienados pelos altos custos
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envolvidos – como pessoas físicas ou empresas de menor porte .

A ascensão das legaltechs é, na verdade, indicativa de um processo mais amplo de


transformação da prática jurídica, com a introdução de ferramentas tecnológicas que
tendem a reduzir ou eliminar determinados custos ou etapas dos processos de produção
do direito. Entendemos que esses novos instrumentos trazem duas variáveis
especialmente importantes: (i) a tendência de crescente automação de tarefas
relacionadas ao direito (e.g. elaboração de documentos, realização de pesquisas de
legislação, doutrina e jurisprudência etc.), e (ii) a introdução de inteligências artificiais
capazes de aprender pela própria experiência (aprendizado de máquina) e desenvolver
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algoritmos capazes de organizar melhor a realização de trabalhos repetitivos .

Inevitavelmente, a proliferação de ambas as tecnologias traz à tona indagações acerca


do futuro da profissão jurídica. De um lado, o aumento de produtividade da automação
costuma ser associado à redução do número de postos de trabalho tradicionais. Ainda
que isso não implique necessariamente em uma diminuição do número total de vagas de
emprego (uma vez que a introdução de novas tecnologias também pode levar à geração
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de novas oportunidades de trabalho, impossíveis nos modelos produtivos anteriores ),
deve-se dizer que o perfil e os skillsets esperados de profissionais que venham a ocupar
tais postos de trabalho podem ser sensivelmente diferentes daqueles possuídos pelos
profissionais hoje existentes. A automação de tarefas tradicionalmente desempenhadas
por operadores do direito, portanto, pode criar demanda por profissionais com perfis
considerados atípicos no contexto atual. De outro lado, a adoção de inteligência artificial
tende a incorrer em obstáculos semelhantes, geralmente relacionados ao próprio
funcionamento do aprendizado de máquina e à viabilidade da implementação de
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sistemas inteligentes em processos de produção de produtos e serviços jurídicos .

2.Transformações em curso

Para conseguir lidar com um gigantesco volume de processos e informações, instituições


públicas, escritórios de advocacia tradicionais e setores jurídicos de grandes empresas,
principalmente, têm buscado utilizar as tecnologias anteriormente referidas como
ferramentas para solucionar gargalos e alcançar maior eficiência em suas atividades.

Para fins ilustrativos, apresentaremos, a seguir, dois casos que evidenciam algumas
oportunidades e expectativas da relação tecnologia e direito no momento atual. O
primeiro é uma iniciativa do setor público, mais especificamente da Advocacia-Geral da
União (AGU), que vem adotando o Sistema de Apoio à Procuradoria Inteligente (Sapiens)
como ferramenta de apoio à produção de conteúdo e controle de fluxos de atividades
internas. O segundo caso é a iniciativa da empresa Finch Soluções, sediada na cidade de
São Paulo, que oferece uma série de serviços atrelados a robôs de captura de
informação, automação e gestão de processos voltados, especificamente, para o mundo
jurídico.

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O Sapiens nasceu com a proposta modernização da gestão de informação dentro da


AGU, substituindo dois sistemas distintos: um sistema destinado à tramitação de
processos e o outro a registros de atos de consultoria, tornando-se enquanto sistema de
referência dos processos administrativos da instituição e com atuação no processo
judicial. A Portaria 125 de 30.04.2014 formalizou a obrigatoriedade de utilização do
SAPIENS para gestão documental e controle de fluxos de trabalho como sistema oficial
de informações, documentos e processos eletrônicos da instituição. Dessa forma, a AGU
aposta em mecanismos de inteligência artificial e automação de processos visando a,
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entre outros fatores, agilizar suas atividades .

Em termos práticos, o SAPIENS é um sistema informatizado de gestão de documentos,


tanto virtuais quanto físicos. Dividido em dois módulos, um administrativo e um judicial,
tem por finalidade principal dar apoio à produção de conteúdo jurídico e controle de
fluxos administrativos da advocacia pública, priorizando a integração com os sistemas do
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Poder Executivo e do Judiciário .

O desenvolvimento do SAPIENS aconteceu como evolução de um sistema anterior – o


Sistema de Automação Processual (SAP). A principal atuação do SAP, também conhecido
como "robozinho", era distribuição de processos e cadastro de tarefas no Sistema
Integrado de Controle das Ações da União (Sicau). A inovação do SAPIENS é
implementar rotinas de inteligência aos processos executados pelo SAP, o que permite
ao computador "ler" uma peça jurídica e apresentar sugestões adequadas para a sua
execução. Além disso, tarefas que antes demandavam dias para completa execução,
passam a ser executadas em menos de um minuto para atingir o mesmo resultado.

A proposta de implementação da ferramenta está atrelada ao objetivo de simplificar


rotinas, automatizar processos padronizados, proporcionar maior velocidade e interação
entre áreas interessadas, auxiliar no processo de tomada de decisão e na elaboração de
documentos. Além disso, Sapiens se mostra uma inovação enquanto “ferramenta
inteligente", “capaz de fazer interpretações de similaridade e sugerir informações de
pesquisas, jurisprudências, destinatários, notas padrões entre outras informações em
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tempo real”, afirmam seus desenvolvedores .

Apesar de desafios orçamentários, o projeto é reforçado como prioridade por parte da


AGU e isso inclui a ampliação do uso do Sistema Sapiens para todas as unidades da PGF.

Nesse ecossistema, iniciativas privadas também têm se mostrado cada vez mais comuns
com base nas promessas de mais eficiência e rapidez ao sistema a partir da crescente e
contínua adoção, estratégica, de recursos tecnológicos mais ou menos sofisticados para
a execução de procedimentos jurídicos.

No universo das legaltechs, que ganham cada vez mais destaque pelas soluções (
softwares e serviços), e agregam tecnologia a rotinas diversas no ecossistema judiciário,
é interessante mencionar o caso da Finch Soluções.

A empresa, criada em 2012, é uma spin off da área de tecnologia de dois grandes
escritórios de advocacia brasileiros, especializou-se no desenvolvimento de plataformas
digitais focadas no gerenciamento e processamento de grandes volumes de processos e
dados vinculados aos escritórios de advocacia. A janela de oportunidade explorada pela
empresa baseou-se na possibilidade de agilizar e baratear a atividade de contencioso de
massa em escritórios de advocacia ou em departamentos específicos de grandes
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empresas com base em grandes volumes de informações .

Diversas técnicas de inteligência artificial adotadas para o funcionamento do sistema –


que lê, entende e interpreta documentos por meio de métodos de dedução e
processamento de linguagem natural, redes neurais, aprendizado de máquina, dentre
outras – possibilitam à empresa desenvolver soluções para a automação e integração de
processos, além de análise de dados, pesquisa avançada de jurisprudência,
acompanhamento de processos em diferentes instâncias e consultoria especializada.
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A grande promessa dessas soluções, bem como de outras empresas do mesmo


segmento, é ganho de performance que implicaria redução significativa do tempo de
avaliação de processos e de execução de algumas atividades (sejam elas atribuições
exclusivas de advogados ou não), concepção de insights e projeções fundamentadas em
dados e casos similares (e.g. probabilidade de uma empresa ganhar ou perder ação;
exercício de previsão da decisão de um juiz sobre um determinado tipo de ação), dentre
outros.

Nos dois casos citados, de forma mais ou menos semelhante, as soluções tecnológicas
desenvolvidas dão pistas dos diversos tipos de novos serviços e transformações que a
atividade jurídica vem vivenciando e que vão, desde leitura e classificação automática de
peças, cadastro e preenchimento de formulários de forma automatizada, gestão de
atividades de forma mais eficiente, identificação e acompanhamento de processos,
mapeamento de argumentos vencedores nas causas julgadas, dentre outras. Por meio
delas, por sua vez, espera-se uma otimização da rotina com maior acuracidade, preços
mais justos, eficiência operacional, ganhos em prazos, e controle mais apurado de todo
o processo.

O limite dos benefícios, e dos desafios, relacionados especificamente a essa


transformação são, contudo, incertos e devem mobilizar muitas reflexões. Para além de
questões de eficiência e produtividade, é fundamental ponderar dimensões éticas,
oportunidades de trabalho, perfil dos profissionais, o futuro das profissões jurídicas como
um todo. Segundo Marcia Ogawa, da Deloitte Brasil, "Todos os empregos que podem ser
automatizados serão afetados muito rapidamente. Tudo que tem uma regra, um modelo
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para ser seguido, será substituído por softwares inteligentes" .

Analisa Renato Mandaliti em reportagem sobre a Finch, publicada pela Revista Fonte, em
julho de 2017:

A inteligência artificial traz ganhos de eficiência e de produtividade, e possui capacidade


analítica que nenhum ser humano jamais sonhou em atingir. Por meio dela, é possível
fazer correlações que antes não eram sequer cogitáveis, por exemplo, relacionar o
impacto do trânsito e de dias chuvosos nas decisões tomadas pelos juízes nesses dias. É
interessante? Muito. É relevante? Talvez.

É importante reconhecer também que a implantação dessas soluções que auxiliam a


atuação dos advogados, procuradores e profissionais do campo jurídico coproduz
inúmeros desafios e incertezas, além de um grande esforço de adaptação e
transformação, seja do ponto de vista de uma mudança de cultura que o processo
eletrônico traz consigo, quanto ao fato de se tratar de mudanças tecnológicas radicais e
de paradigma.

O Anuário 2017 do Centro de Estudos das Sociedades dos Advogados (CESA), dedicado
ao exclusivamente ao tema, chama atenção para alguns desses aspectos, dentre os
quais estão: questões ligadas à ética e à pessoalidade da prestação dos serviços
jurídicos, à responsabilidade, ao futuro da carreira dos advogados em diferentes estágios
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da profissão, entre outros . A difusão da percepção de que “A velocidade com que o
mundo dos negócios jurídicos está se transformando não é a mesma que transforma o
direito” torna oportuna uma série de questionamentos e reflexões que não se esgotam
neste artigo, e se fazem cada vez mais complexas.

3.Da euforia à crítica: potenciais e barreiras das inovações tecnológicas

Uma análise crítica da implementação de novas tecnologias informacionais no direito não


pode prescindir de um maior detalhamento das tendências e dificuldades. O terceiro
tópico do artigo procura destacar o contexto específico do mercado em que a profissão
está inserida e o modo de formação dos seus profissionais, de forma a identificar com
mais precisão onde estão os maiores potenciais e possíveis gargalos.

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Direito e mudanças tecnológicas: automação, inteligência
artificial e os novos desafios do ensino jurídico

Em primeiro lugar, a profissão e o ensino jurídico estão inseridos em um cenário de


incertezas. A disseminação de ferramentas tecnológicas e a expansão das possibilidades
de comunicação online impactaram as noções transparência e a accountability que essas
esferas possuíam. Em especial, quando se fala do trabalho do advogado, o senso comum
aponta para uma atividade altamente personalizada e artesanal, com um vocabulário
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próprio hermético e tecnicalidades estranhas ao cidadão comum. Essa imagem se
altera, no entanto, se considerarmos as redundâncias na cadeia produtiva do direito
trazidas pela tecnologia e o ganho de autonomia que os litigantes civis podem ter.

Por exemplo, uma diferença simples e extremamente poderosa está na digitalização dos
processos judiciais, uma realidade consolidada na maioria das jurisdições do país.
Acompanhar o desenrolar processual era antes função monopolizada pelo advogado ou
exigia da parte no processo todo um deslocamento de tempo e energia até o fórum.
Atualmente, por meio de diferentes ferramentas online, a maioria das partes consegue
transpor essas dificuldades e receber as atualizações do seu processo em tempo real.

O que acontece, então, quando as peças processuais podem ser feitas sem a ajuda de
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um advogado? Nos Estados Unidos e na Europa, especialmente no Reino Unido, já
estão disseminados aplicativos e softwares de redação de peças processuais. Esses
mecanismos funcionam como um formulário padrão para cada tipo de causa em que o
usuário apenas insere nos campos os dados do pedido e, ao final, o próprio aplicativo
gera a petição a partir das informações inseridas e protocola no sistema judicial online.
As interfaces dos softwares tendem a ser amigáveis e prescindem da linguagem técnica
para o usuário. Nesses casos, o advogado se torna redundante: ele não é necessário
nem para a redação da peça e tampouco para explicar a linguagem ao “cliente”.

Não é só com o cidadão autônomo que a profissão precisa se preocupar. Outros atores
não jurídicos podem passar a fazer o trabalho do advogado. Um caso clássico são as
grandes consultorias empresariais que oferecem um serviço completo a seus clientes,
desde planejamento empresarial, análise de mercado e, agora, o litigioso e consultivo. O
mercado jurídico sofre pressão, portanto, dos consumidores finais de seus produtos
como também de concorrentes de setores econômicos diversos. O monopólio dos
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bacharéis em direito parece cada vez mais ameaçado.

Essas tendências, no entanto, sofrem interferências exógenas significativas que podem


mudar seu curso. Para o caso brasileiro em específico, a regulação da oferta de serviços
jurídicos é um dado que não pode ser desconsiderado. O monopólio no Brasil não é
apenas uma questão de acesso e conhecimento, mas de exclusividade legal: apenas
advogados certificados pela OAB podem exercer a atividade. Essa é uma barreira que
baliza a conduta dos outros atores. Por exemplo, a prática comum de consultorias,
conforme avaliado por nossa pesquisa, é se associarem a escritórios de seus sócios de
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modo a lhes delegar as necessidades de seus clientes. Formalmente, usa-se de uma
estrutura societária apartada da consultoria para não fugir à regulação legal. Para o
cidadão comum, a exigência de representação profissional em processos judiciais, com
exceção da justiça trabalhista, barra também o acesso autônomo ao sistema judiciário e
impede a disseminação dessas novas ferramentas. Em última instância, o mercado
brasileiro fica menos atrativo para esse nicho empresarial.

O poder público também poderia fazer uso das novas tecnologias. Um exemplo concreto
é a utilização de softwares de pesquisa de jurisprudência por tribunais: diante da
obrigatoriedade da vinculação ao precedente em um contexto em que vários processos
são sentenciados, poderia ser muito útil às cortes o uso de aplicativos de inteligência
artificial que mineram dados em big data e tracem correlações entre dados e sentenças,
como já mencionado anteriormente. Afinal, o trabalho manual de encontrar o melhor
dificilmente poderia cobrir a mesma base de dados acessível à máquina.

Todavia, uma variável do contexto brasileiro que deve ser considerada é a dificuldade de
contratação em termos de parceria de entes privados pela administração pública,
conforme alguns de nossos entrevistados declararam. Uma constante que tem aparecido
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em vários relatos da nossa pesquisa é a indefinição de procedimentos para que uma


contratação de tal tipo se efetive. Não é razoável supor que o poder público tenha que
ser responsável exclusivo pelo seu desenvolvimento tecnológico; ao mesmo tempo,
existe um grande interesse por parte das empresas privadas em ofertar seus produtos
para o poder público. Estão ausentes na legislação brasileira informações sobre como se
efetivaria desde a modalidade de contratação, os termos concorrência, o tipo de
remuneração e até mesmo qual a autoridade pública responsável pela contratação. Todo
esse vácuo regulatório inibe os agentes a convergirem suas ações e impossibilitam o
ganho de eficiência que adviria de sua implementação.

O ponto principal de todas essas mudanças, apesar das dificuldades de implementação,


se traduz em uma transformação no status da profissão. O mercado não enxerga mais o
advogado como detentor de um conhecimento altamente especializado de difícil acesso.
Tanto o conhecimento se disseminou quanto ficou mais fácil prescindir do auxílio
profissional para usufruir de produtos jurídicos. Essa tendência se insere, portanto, em
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um novo tipo de postura do cliente: more for less (“mais por menos”). O imperativo
por parte dos clientes é que os profissionais sejam capazes de agregar mais valor a suas
cadeias produtivas de modo mais eficiente, ou seja, em menos tempo e por custos
menores. O direito passa a ser parcela fundamental do valor gerado pela empresa e não
mais apenas uma parte significativa dos seus passivos, com a revalorização dos
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departamentos jurídicos como uma parte fundamental na eficiência da sua atividade.

A exigência de mais valor agregado, juntamente a esse novo cenário de prestação do


serviço, impõe ao profissional do direito a necessidade de readequar suas competências
e habilidades, com impacto direto no que se considera um bom ensino na faculdade de
direito. O ponto central está na insuficiência de uma concepção do direito de fundamento
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hartiano para a atuação do profissional no mercado globalizado. Não basta mais ao
profissional o domínio sobre a linguagem do campo: exige-se dele um rol de habilidades
tradicionalmente alheias às faculdades de direito.

São inúmeras as referências ao longo de nossa pesquisa ao perfil e atitude do novo


profissional do direito, que precisaria se enxergar agora como mais um funcionário na
produção de valor de seu cliente, integrado e interagindo com todos os demais polos da
mesma cadeia. Com isso, demanda-se dele capacidade de gerenciamento e
administração de processos para tornar mais eficiente e racional a atividade, seja do
escritório de advocacia seja do departamento jurídico. Atividades de negociação para a
obtenção dos melhores acordos entre clientes, e mesmo dentro da própria empresa, são
cada vez mais valorizadas: o direito é valorizado como uma variável de grande
importância para o poder de barganha do cliente, fato que torna um profissional com
boa capacidade de negociação um ativo valioso no mundo corporativo.

Nossas entrevistas mostram que uma habilidade valiosa em falta é o domínio sobre a
linguagem de programação computacional. As ferramentas de trabalho no direito estão
cada vez mais integradas ao ambiente online e às máquinas de inteligência artificial,
gerando uma alta demanda por profissionais que consigam transitar fluentemente entre
a linguagem profissional e a linguagem computacional. Ao domínio da linguagem de
programação se soma a necessidade por um profissional que entenda de métodos
quantitativos e estatísticos que são cada vez mais usados para precificar os ativos e
passivos jurídicos. Em resumo, os entrevistados exigem do profissional um domínio
sólido de raciocínio lógico-analítico.

As faculdades de direito precisam se adequar a esse novo ambiente se quiserem


continuar a formar profissionais que tenham colocação profissional. Passa a ser
insuficiente oferecer apenas disciplinas que foquem nos raciocínios teóricos se elas não
procurarem introduzir as novas habilidades que fazem parte do novo perfil do
profissional do direito. Isso requer tanto uma readequação metodológica para introduzir
em sala de aula novas ferramentas e novos modelos de ensino quanto uma readequação
de projeto pedagógico do curso.
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É nesse espírito, por exemplo, que a FGV Direito SP realizou uma atividade pioneira no
segundo semestre de 2017, ao oferecer a um grupo de alunos uma disciplina optativa de
design de automação de contratos inteligentes. Aos alunos foi oferecida uma plataforma
em parceria com a empresa Looplex, com base na qual eles puderam aprender a
linguagem de programação.

O desafio proposto aos alunos foi o de automatizar a produção de um documento


jurídico que identificassem como necessário à realidade dos advogados. Após
determinarem qual seria o documento, capacitaram-se e aprenderam a programar os
códigos. No entanto, pelos relatos e pela dinâmica dos grupos, a maior dificuldade foi
relacionada ao trabalho em equipe e não à aquisição de conhecimento de uma área
distinta. A gestão de um projeto e o relacionamento interpessoal impactaram mais a
realização da tarefa do que a linguagem de programação e tecnologia, até então
desconhecida para todos. Com isso, pôde-se observar que as habilidades e competências
nesses quesitos foram fundamentais para o sucesso, sem o qual não teria sido
bem-sucedido, ainda que tenham adquirido o conhecimento técnico necessário.

Esse caso ilustra uma boa prática de alinhamento do ensino do pensamento jurídico com
novas metodologias que possibilitem aos estudantes a aplicação do conhecimento em
um ambiente automatizado pela tecnologia. Não obstante, os saberes técnicos não se
esgotam em si mesmos e não são, unicamente, capazes de fazer um projeto se
concretizar. As habilidades relacionadas a relacionamento e gestão foram fundamentais
para o sucesso desse desafio. Sem a capacidade de gerenciar pessoas e conflitos, todo o
conhecimento técnico e jurídico não teria sido aplicável.

Destarte, fica evidente que o diferencial nessa experiência foi o domínio do


conhecimento tecnológico aliado à capacidade de gestão de saberes, de pessoas, de
conflitos. Com um mercado de trabalho em constante transformação por conta da
necessidade de agilidade em obter soluções para novos problemas e involucrado cada
vez mais à tecnologia como forma racional e econômica de apresentar respostas, o perfil
do profissional que está sendo requisitado é outro. Já não é mais um advogado
generalista ou um superespecializado em determinado assunto, mas sim uma pessoa
com formação ampla, que compreenda aspectos jurídicos e que saiba aliar saberes
multidisciplinares a tecnológicos para apresentar uma solução criativa, já que os
problemas apresentados e o contexto também são outros.

Nesse sentido, o ensino jurídico e as universidades também devem revolucionar seus


métodos e grade curricular, de modo a formar profissionais aptos a lidarem com esse
novo mundo do trabalho, cada vez mais tecnológico e integrado, não mais subdivido,
mas em um contexto de cooperação entre saberes e áreas de conhecimento.

O que se vê é um contexto de intensa transformação e adaptação, que coloca grande


pressão sobre a educação no direito atualmente. Se, por um lado, as perspectivas de
transformação devem contornar as barreiras e especificidades locais, por outro lado há
um grande potencial não aproveitado nas escolas de direito para colocarem seus
estudantes na liderança das transformações.

Dessa forma, a grande barreira entre os advogados formados tradicionalmente pelas


escolas de direito e o mercado de trabalho é que a demanda por esse perfil já não
corresponde mais às necessidades atuais. Além disso, algumas atividades jurídicas não
precisam mais ser realizadas exclusivamente por advogados, já que muitas vezes o
saber jurídico, por si só, não consegue apresentar soluções para os novos problemas.

4.Estrutura curricular nas faculdades de Direito

A tecnologia é um fato da realidade do século XXI que impacta cada vez mais também o
direito. As exigências do mercado estão mudando continuamente. A educação
profissional também precisa acompanhar as mudanças para continuar a formar
profissionais capazes de enfrentar os novos desafios.
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Tendo em vista as transformações recentes, a utilização da tecnologia a favor da


celeridade burocrática e do acesso à justiça, e o que as novas ferramentas estão
possibilitando à sociedade, o perfil tradicional do advogado já não corresponde às novas
demandas. As faculdades de Direito precisam se atualizar, multidisciplinarizar-se e
compreender que a atividade jurídica não é mais exclusivamente do advogado. De uma
escola que forma advogados, precisa-se de escolas de profissões jurídicas que capacitem
e formem profissionais para a nova realidade do mercado jurídico, de novas ocupações e
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com habilidades jurídicas e não jurídicas.

A competição, hoje em dia, se dá entre profissionais de formações distintas, que uma


delas pode ser a de advogado, mas não mais exclusivamente, por um mercado de
serviços jurídicos – e não mais necessariamente serviços de advogados. Se um
profissional com formação em Engenharia ou algum ramo das tecnologias, e com
conhecimentos jurídicos, possui ótimas soluções para problemas atuais, ele terá seu
espaço no mercado e não mais o advogado.

Diante desse divisor de águas, a renovação precisa ocorrer também nas faculdades de
Direito, especialmente nas pesquisas e nos docentes, para que se possam identificar os
nichos, áreas e perfil de profissional demandados atualmente pelo mercado, e ser
elaborada uma estrutura curricular adequada às novas demandas. Se antes era
impensável um engenheiro jurídico, que trabalha com big datas, ou um arquiteto jurídico
para construir soluções tecnológicas a tarefas manuais e repetitivas exercidas pelos
advogados, hoje já é uma realidade que não tem volta. E muitos desses serviços não
estão sendo executados por profissionais com formação jurídica – e estão atendendo
bem a demanda.

Disciplinas que desenvolvam habilidades, para além do conhecimento jurídico


necessário, tais como gestão, contabilidade, empreendedorismo e economia, são
fundamentais para a formação de um egresso que tenha condições de dar respostas
satisfatórias a um mundo tecnológico que cada vez mais tem sido tomado por ofertas de
serviços jurídicos automatizados e realizados por inteligência artificial, substituindo o
trabalho braçal de advogados.

Isso não quer dizer que a profissão de advogado ou que os cursos de Direito serão
extintos ou vão se tornar desnecessários em um futuro breve, mas sim que as funções
estão mudando e os profissionais precisam se reinventar. E para isso, precisam de
instrumentalização em sua formação. Precisa-se, para além de conhecimentos jurídicos,
de noção de gestão de empresas, de serviços jurídicos, de como lidar com pessoas, de
noções de empreendedorismo, de linguagem de programação, enfim, de como usar a
tecnologia a favor da sua profissão e não contra.

Todas essas ferramentas, que têm sido timidamente consideradas em alguns currículos
de poucas faculdades de direito no Brasil, precisam fazer parte da formação do
advogado do futuro. Futuro esse que já chegou a alguns grandes escritórios de
advocacia, departamentos jurídicos e judiciário brasileiro. Logo, universidades e corpo
docente devem repensar sobre seu papel formativo, atualizar-se e ser cada vez mais
multidisciplinar.

5.O futuro da atividade jurídica e dos advogados

Muitos veem o avanço da tecnologia com pessimismo e receio, já que está havendo a
substituição de funções humanas por máquinas. Contudo, as novas tecnologias e
inteligências artificiais são capazes de executar com uma rapidez e precisão impossível
ao ser humano, com taxa de falha bem menor. Isso, por si só, é algo positivo para a
atividade jurídica, pois torna determinados tipos de atividade mais confiáveis e
economiza um precioso tempo.

Ao analisar de uma maneira global, a junção de saberes só tem a dar respostas e


soluções melhores para os problemas, otimizando o tempo, democratizando o acesso a
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Direito e mudanças tecnológicas: automação, inteligência
artificial e os novos desafios do ensino jurídico

serviços jurídicos, retirando o trabalho repetitivo e mecânico das mãos dos advogados e
liberando-os para realizar atividades mais estratégicas.

A atividade jurídica e o fornecimento de soluções e serviços jurídicos para empresas,


governo e cidadãos não são mais exclusividade do advogado. Embora haja um desafio
grande para a regulação brasileira e órgão de classe adaptar-se a essas mudanças, o
advogado da era tecnológica pode – e deve – assumir outros papeis que não os
tradicionais.

Se antes o advogado tradicional tinha que ficar preenchendo e redigindo diversas peças
e contratos, bem semelhantes, ou mesmo ir ao fórum para acompanhar um processo, a
tendência é que cada vez menos lhe seja demandado esse tipo de serviço.

Irão se adaptar aqueles profissionais que forem múltiplos, que souberem absorver e
mesclar conhecimentos de outras áreas com o conhecimento jurídico, aqueles que forem
criativos o suficiente para se recriarem e criarem soluções inovadoras para problemas
complexos apresentados pelo mundo moderno.

O momento atual não deve ser vivenciado como um luto, mas sim o renascimento das
profissões jurídicas, de novos desafios para a universidade e docentes que devem
instrumentalizar profissionais aptos a construírem soluções jurídicas diante dessas
mudanças, e da função do advogado no e para o mundo, de uma era tecnológica que só
está iniciando.

1 Artigo publicado: FEFERBAUM, Marina; SILVA, Alexandre Pacheco da. Direito e


mudanças tecnológicas: automação, inteligência artificial e os novos desafios do ensino
jurídico. In: PARENTONI, Leonardo (Coord.); GONTIJO, Bruno M.; LIMA, Henrique C. S.
(Org.). Direito, Tecnologia e Inovação. Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2008. v. I.
p.887-904.

2 Cf. LINNA JR., Daniel W. What we know and need to know about legal startups. Digital
Commons at Michigan State University College of Law. 2016. p. 390-391. Disponível em:
[https://digitalcommons.law.msu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1540&context=facpubs].
Acesso em: 01.02.2018.

3 Frequentemente, estudos e relatórios sobre o tema baseiam-se em cadastros


particulares de startups para manter registro da quantidade de legaltechs em atividade
em cada momento. É o caso, por exemplo, do Angel List [https://angel.co/], domínio
destinado a listar oportunidades de trabalho em startups para investidores e
profissionais. Uma vez que (i) o cadastro é feito pelas próprias empresas, (ii) não há
garantia de que todas as startups cadastradas neles ainda estão ativas e (iii) existe a
possibilidade de que algumas das empresas em questão sejam, na prática, apenas
pequenos negócios ou pequenos escritórios de advocacia, e não propriamente startups,
tais dados são, por natureza, incompletos. A despeito disso, trata-se de dados ao menos
indicativos do crescimento do interesse e atividade no setor.

4 Mais informações em: [www.ab2l.org.br/missao-e-objetivos/]. Acesso em:


01.02.2018.

5 A AB2L possui, hoje, um total de 88 legaltechs associadas, classificadas em nove


grandes áreas de atuação: (i) Automação e Gestão de Documentos, (ii) IA – Setor
Público, (iii), Conteúdo, Educação e Consultoria, (iv) Faça Você Mesmo, (v) Gestão de
Escritórios e Departamentos Jurídicos, (vi) Redes de Profissionais, (vii) Monitoramento e
Extração de Dados Públicos, (viii), Analytics e Jurimetria e (ix) Resolução de Conflitos
Online. Cf. [www.ab2l.org.br/ecossistema/]. Acesso em: 01.02.2018.

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Direito e mudanças tecnológicas: automação, inteligência
artificial e os novos desafios do ensino jurídico

6 Cf. THOMSON REUTERS. Movers and Shakers: UK lawtech startups. jul. 2017.
Disponível em:
[http://images.info.legalsolutions.thomsonreuters.co.uk/Web/ThomsonReutersLegalUKI/%7Baf1da23c-b
Acesso em: 01.02.2018.

7 Para trazer uma diferenciação mais profunda do que a feita aqui entre “automação” e
“inteligência artificial” no caso específico da profissão jurídica, cabe trazer a seguinte
reflexão: “Alguns separam a automação da inteligência artificial. Na automação são
realizadas tarefas repetitivas por meio de robôs, como a elaboração de peças jurídicas, o
exame de documentos em trabalhos de investigação, ou em outras tarefas que
apresentem um elevado grau de similaridade em seus processos construtivos. A IA, por
outro lado, implica cognição e a máquina interage com o humano. Nesse caso, por meio
de contínua alimentação de dados, o sistema “entende” e “aprende” com os dados, o
que lhe permite analisá-los e oferecer ao usuário do sistema soluções e respostas em
tempo real. [....] A automação é amplamente utilizada, particularmente nos escritórios
que militam na área da advocacia de volume, consistente em patrocinar e administrar
um grande número de processos judiciais, de várias matérias, ou nos que militam na
área da advocacia de massa, consistente em um grande volume de ações similares.
Robôs já podem compilar um volume sobre-humano de precedentes, jurisprudências e
estatísticas, históricos das partes envolvidas, notícias e fatos importantes, comparações
de princípios de direitos nacional e estrangeiro, tudo em curtíssimo tempo, em uma
velocidade que jamais seria alcançada pelo trabalho árduo de inúmeros advogados.
Nessa medida, eles são utilizados para uma série de tarefas, entre outras: a produção de
defesas padronizadas, a elaboração de minutas de contratos e estatutos sociais e
contratos comerciais em geral, a realização de análise de documentos e e-mails, em
processos de auditorias legais e investigação, o controle de intimações nos diários
oficiais com simultâneo agendamento dos prazos processuais no sistema e o envio de
lembretes aos advogados correspondentes para que compareçam às audiências
designadas. [...] Quanto à inteligência artificial, os advogados têm já à disposição
ferramentas que permitem a análise de padrões de comportamento” (CESA, 2017,
p.71-73). CESA. Anuário 2017. São Paulo: Migalhas, 2017. p. 71-78.

8 Cf. MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. A Future That Works: automation, employment and
productivity. jan. 2017. p. 30-31. Disponível em:
[www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Global%20Themes/Digital%20Disruption/Harnessing%20autom
Acesso em: 01.02.2018.

9 Nesse sentido, um dos problemas recorrentes associados ao funcionamento de


inteligências artificiais se refere justamente à tendência de enviesamento desses
algoritmos pelos dados tratados por eles. Exemplos dessas dificuldades foram
observados em tecnologias de reconhecimento fácil:
[https://motherboard.vice.com/en_us/article/the-inherent-bias-of-facial-recognition].
Acesso em: 01.02.2018; e de atribuição de riscos de reincidência criminal
[www.propublica.org/article/machine-bias-risk-assessments-in-criminal-sentencing].
Acesso em: 01.02.2018.

10 KAMAYURÁ, Uyara. Advocacia-Geral aposta em inteligência artificial e automação de


processos para agilizar trabalhos jurídicos. 2013. Disponível em:
[www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/230719].. Acesso em: 01.02.2018.

11 Idem; AGU. Relatório de Gestão do exercício de 2015. Brasília, 2016. Disponível em:
[www.agu.gov.br/page/download/index/id/37002083]. Acesso em: 01.02.2018.

12 AGU. Relatório de Gestão do exercício de 2015. Brasília, 2016. Disponível em:


[www.agu.gov.br/page/download/index/id/37002083]. Acesso em: 01.02.2018.

13 FONTE. Agilidade para a Justiça. Fonte: Tecnologia de Informação na Gestão Pública,


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Direito e mudanças tecnológicas: automação, inteligência
artificial e os novos desafios do ensino jurídico

Belo Horizonte, v. 17, n. 14, p.42-43, jul. 2017. Semestral. ISSN 1808-0715. Disponível
em: [www.prodemge.gov.br/images/com_arismartbook/download/19/revista_17.pdf].
Acesso em: 01.02.2018; JORNAL DO COMÉRCIO. Plataforma cognitiva analisa processos
e até orienta defesa. 2016. Disponível em:
[http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2016/10/economia/528761-plataforma-cognitiva-analisa-processos-e
Acesso em: 01.02.2018; RAVAGNANI, Giovani dos Santos. Uber do Direito: Parte II.
Jota. 2017. Disponível em:
[www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/uber-do-direito-parte-ii-17032017]. Acesso
em: 01.02.2018.

14 LIMA, Mariana. Máquinas que "pensam" e falam. Revista .br, São Paulo, n. 13, ano
08, 2017, p. 9.

15 CESA. Anuário 2017. São Paulo: Migalhas, 2017. p. 71-78.

16 LAMACHIA, Claudio. Novas tecnologias e mudanças no mercado de trabalho: o que


esperar dos Advogados? In: Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, Anuário
2017. São Paulo: Migalhas, 2017. p. 37.

17 VEIGA, Jorge Miguel Arruda da; GASPARINI, Pedro Paulo Wendel. A pessoalidade da
advocacia e as novas tecnologias. In: Centro de Estudos das Sociedades de Advogados,
Anuário 2017. São Paulo: Migalhas, 2017. p. 42-48. p. 45.

18 AGUIAR, Antonio Carlos; SILVA, Marcel Tadeu Matos Alves da; GUIMARÃES, Poliana
Banqueri da Silva. Um novo zeitgeist na formação do profissional do direito. In: Centro
de Estudos das Sociedades de Advogados, Anuário 2017. São Paulo: Migalhas, 2017. p.
109-114. p. 113.

19 Ver, por exemplo, a prática da consultoria McKinsey & Company Brasil, associada ao
escritório Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados, em São Paulo.

20 International Bar Association [IBA], Legal Policy & Research Unit Report. ‘Times are
a-changin’: disruptive innovation and the legal profession, 2016. p. 12-14.

21 VEITH, Christian; BANDLOW, Michael; HARNISCH, Michael; WENZLER, Hariolf;


HARTUNG, Markus; HARTUNG, Dirk. How legal technology will change the business of
law. Report, 2016. p. 5-7.

22 Ver: HART, H. L. A. The Concept of Law. 3. ed. Oxford: Oxford University Press,
2012.

23 CAMPBELL, R. W. The end of Law Schools: Legal Education in the era of Legal
Services Business. Mississipi Law Journal, v. 85, 2016, p. 69. Disponível em:
[http://mississippilawjournal.org/wp-content/uploads/2017/03/1.-Campbell.pdf]. Acesso
em: 05.02.2018.

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