Você está na página 1de 21

Direito à educação, metodologia do ensino e suposta

crise do ensino jurídico no brasil

DIREITO À EDUCAÇÃO, METODOLOGIA DO ENSINO E SUPOSTA CRISE DO


ENSINO JURÍDICO NO BRASIL
Right to education, teaching methodology and alleged crisis of juridical education in
brazil
Revista dos Tribunais | vol. 968/2016 | p. 137 - 165 | Jun / 2016
DTR\2016\20010

Sergio Ricardo Ferreira Mota


Mestre em Direito, Estado e Sociedade. Especialista em Direito Tributário pela UFSC.
Doutorando em Direito na UFSC. Professor de Direito; Pesquisador Independente
(Independent Researcher). motadefloripa@yahoo.com.br

Área do Direito: Constitucional


Resumo: A educação, no Brasil, não é apenas direito social. A educação no Brasil, hoje,
é direito fundamental, direito público subjetivo e dever do Estado brasileiro. O direito à
educação é uma matéria particularmente tratada pelos profissionais do Direito. Os
conhecimentos desses profissionais são adquiridos na sua formação jurídica, mas o
ensino jurídico, dizem algumas pessoas, estaria em crise. Essa suposta crise do ensino
jurídico, porém, está interligada aos contextos social, político, econômico e cultural da
atualidade. Confunde-se com a crise do próprio Direito. A superação dessa suposta crise
deve ser buscada nas próprias críticas recebidas e exige um planejamento educacional e
um docente que possua um perfil com competências e habilidades próprias. O ensino
jurídico deve adotar uma metodologia que almeje formar profissionais capazes de
analisar o fenômeno jurídico nos contextos social, político, econômico e cultural.

Palavras-chave: Direito - Direito à educação - Ensino jurídico - Metodologia do ensino -


Crise do ensino.
Abstract: The education, in Brazil, is not only social right. The education in Brazil, today,
is fundamental right, subjective public right and duty of the Brazilian State. The right to
education is a matter particularly treated by law professionals. The knowledge of these
professionals is acquired in their juridical training, but the juridical education, some
people say, would be in crisis. This alleged crisis of juridical education, however, is linked
to social, political, economic and cultural contexts of the present time. It is confused with
the crisis of own Law. The overcoming of this alleged crisis must be seeking in the own
criticisms received and requires an educational planning and a teacher that has a profile
with own skills and abilities. The juridical education must to adopt a methodology that
aims to train professionals capable to analyze the legal phenomena in the social,
political, economic and cultural contexts.

Keywords: Law - Right to education - Juridical education - Teaching methodology -


Crisis of education.
Sumário:

1 Introdução - 2 Ensino no Brasil - 3 Direito à educação - 4 Formação jurídica e


profissionais do direito - 5 Crise no ensino jurídico? - 6 Planejamento educacional - 7
Perfil do professor - 8 Metodologia do ensino jurídico - 9 Conclusão - Referências

1 Introdução

O presente estudo pretende analisar o ensino jurídico no Brasil contemporâneo e abordar


a suposta crise desse ensino.

Com este objetivo, apresenta, logo no início do texto, um histórico do ensino no Brasil e
expõe o direito à educação no Brasil contemporâneo em face da promulgação da
Constituição Federal de 1988.

Após analisar a formação jurídica dos profissionais do Direito e abordar a suposta crise
Página 1
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

do ensino jurídico no Brasil, defende a necessidade do planejamento educacional.

Ao final, expõe o perfil do professor e a metodologia do ensino jurídico necessários para


a superação dessa suposta crise.

2 Ensino no Brasil

Apesar de a família real portuguesa ter fugido para o Brasil em 1808 e aqui instalado os
primeiros cursos de ensino superior, somente após a independência, proclamada em
1822, é que os primeiros cursos de Direito foram criados no Brasil, no ano de 1827.

A oferta do ensino, em geral, no período histórico anterior, foi ínfima. A sociedade vivia
um estado de coisas opressivo e excludente.

Nos primórdios do Brasil, a missão foi incumbida aos jesuítas. Como lembrado por
Aranha (1996, p. 99), na chegada ao Brasil de Tomé de Sousa, em 1549, primeiro
governador-geral, os missionários jesuítas fizeram "funcionar, na recém-fundada cidade
de Salvador, uma escola 'de ler e escrever'".

Essa escola tinha por finalidade a educação dos povos autóctones aqui encontrados.
Porém, nas palavras de Aranha (1996, p. 101), a missão se resumia à cristianização e à
pacificação dos índios para torná-los "dóceis para o trabalho".

O ensino no século XVII não foi muito diferente. Conforme anotado por Aranha (1996, p.
115), interessava "apenas a poucos elementos da classe dirigente e, ainda assim, como
ornamento e erudição".

Teixeira (1968, p. 70) complementa que em todo o período colonial a educação ficou
"reduzida aos colégios confessionais, destinados dominantemente à formação do clero".

Não obstante, Freyre (2006, p. 501) escreve que "os colégios dos jesuítas nos primeiros
dois séculos, depois os seminários e colégios de padre, foram os grandes focos de
irradiação de cultura no Brasil colonial". Ainda de acordo com Freyre (2006, p. 500-501),
"até meados do século XIX, quando vieram as primeiras estradas de ferro, o costume
nos engenhos foi fazerem os meninos os estudos em casa, com o capelão ou com mestre
particular. As casas-grandes tiveram quase sempre sala de aula".

As famílias mais abastadas enviavam seus filhos para estudar em Portugal. Nas palavras
de Aranha (1996, p. 116), "a maioria dos estudantes se dirigia para a Universidade de
Coimbra, também confiada aos jesuítas, a fim de estudar ciências teológicas ou
jurídicas".

Em 1759, porém, os jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, fato que
desmontou a estrutura educacional de então. A preocupação com a reconstrução do
ensino foi retomada mais tarde, mas "levadas a efeito só a partir de 1772, quando é
implantado o ensino público oficial" (ARANHA, 1996, p. 134).

Ou seja, as instituições de ensino, no Brasil, sempre estiveram ligadas à religião e, no


período colonial, a educação foi incumbida aos jesuítas. Conforme lembrado por Torres
(1995, p. 223), com as reformas realizadas por Pombal, transferiu-se para o Estado,
"que passou a cobrar o subsídio literário para financiar-lhe as despesas".

No período do Brasil colonial, portanto, salvo alguns privilegiados, o povo foi abandonado
à própria sorte e mantido analfabeto e alienado.

Nas palavras de Prado Júnior (2011, p. 91):

"(...) não supria o isolamento em que vivia a colônia o mais rudimentar sistema de
educação e instrução que fosse. Não se pode considerar sistema de ensino as magras
cadeiras de primeiras letras, latim e grego, que havia nalguns dos maiores centros da
colônia. Criadas, aliás, só depois de 1776, e que funcionavam ao deus-dará, com
Página 2
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

professores mal pagos, alunos indisciplinados e aulas desorganizadas. O nível cultural da


colônia era da mais baixa e crassa ignorância."

Assim, quando a família real portuguesa chegou ao Brasil, em 1808, fugindo de


Napoleão, a oferta do ensino continuava ínfima. Como escrito por Aranha (1996, p.
152), existiam "apenas as insuficientes aulas régias do tempo de Pombal".

Teixeira (1968, p. 70-71) também lembra que, com as reformas promovidas por
Pombal, foram criadas "algumas escolas régias, dispersas aqui e ali, nas principais
cidades, com o objetivo limitado de preparo do funcionário para as necessidades do
Estado".

A vinda da família real, porém, trouxe algumas mudanças na área educacional, tendo
Dom João VI determinado a criação das primeiras "escolas de nível superior para
atender as necessidades do momento" (ARANHA, 1996, p. 153).

Teixeira (1968, p. 71), aliás, escreve que, com a vinda da família real portuguesa, "a
desolação do ambiente cultural se enfeita de algumas instituições, no melhor espírito do
despotismo benevolente do século XVIII: uma escola médico-cirúrgica, um Liceu de
Artes, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico...". Ainda de acordo com Teixeira (1968, p.
71), "a educação popular foi entregue aos governos provinciais e a educação média e
superior ao governo imperial".

O curioso, porém, é que somente com a proclamação da independência, ocorrida em


1822, é que os primeiros cursos de Direito foram criados, enfim, em 1827, nas cidades
de São Paulo e Olinda. O ensino jurídico no Brasil, entretanto, nas palavras de Colaço
(2006, p. 15), "herdou o caráter conservador da Universidade de Coimbra, com suas
aulas-conferência, ensino dogmático, mentalidade ortodoxa do corpo docente e discente,
a serviço da manutenção da ordem estabelecida e transplantada da ex-metrópole".

Depois da Independência, de acordo com Freyre (2006, p. 505-506), "começaram a


aparecer colégios particulares, alguns de estrangeiros - pedagogos e charlatães; e a
frequentá-los, filhos de magistrados e altos funcionários públicos, de negociantes e até
de senhores de engenho".

Ainda nas palavras de Freyre (2006, p. 506), somente depois de 1850, com a construção
das estradas de ferro, facilitou-se o "internato dos meninos de engenho nos colégios das
capitais".

Aranha (1996, p. 154) menciona que "no período de 1860 a 1890 a iniciativa particular
se organiza, e são fundados importantes colégios, sobretudo católicos, inclusive de
jesuítas, que retornam 80 anos após a sua expulsão".

Ou seja, apesar de algumas mudanças, nas palavras de Teixeira (1968, p. 19), nos fins
do século XIX, manteve-se "o sistema de educação das elites fundamentalmente fechado
às classes populares".

As mudanças promovidas nessa época, entretanto, não trouxeram grandes avanços na


área educacional. Como alertado por Aranha (1996, p. 155), em 1867, apenas 10% da
população em idade escolar estava matriculada nas escolas primárias.

Conforme anotado por Aranha (1996, p. 155), "o governo se desinteressa pela educação
popular e também pela formação técnica e volta-se para as profissões liberais destinadas
à minoria privilegiada".

Somente a partir de 1889, com a proclamação da República, novas ideias foram levadas
a efeito na área educacional. Como lembrado por Maliska (2001, p. 163), "a República
tornou pública a escola, uma vez que, no Império, as atividades sociais ficavam a cargo,
principalmente, da Igreja".

Página 3
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

Surgiram, em 1890, os primeiros indícios de que aquele estado de coisas excludente


poderia vir a ser alterado. Neste ano, Benjamin Constant, escolhido ministro da
Instrução, empreendeu uma reforma educacional (ARANHA, 1996, p. 197).

Não obstante, conforme denunciado por Pontes de Miranda (1974, p. 416), "o
federalismo distribuiu as organizações do ensino primário, criando diferenças assaz
graves de valorização do mesmo homem brasileiro, revelados nos coeficientes de
analfabetismo".

Como apontado por Teixeira (1968, p. 72), "não se pode negar que a República dá o
primeiro impulso significativo à educação escolar". Porém, como também reconhecido
por Teixeira (1968, p. 73), a educação seguiu o "modelo europeu de um sistema dual,
com escolas para o povo e escolas para a elite".

Os problemas na área educacional, assim, não foram corrigidos, o que permitiu a


perpetuação das mazelas de outrora em pleno início do século XX. Com a manutenção
dessas mazelas, perpetuou-se aquele estado de coisas opressivo e excludente aqui
implantado desde a chegada dos primeiros navegantes.

É verdade que, como lembrado por Gontijo (2010, p. 32), desde o fim do século XIX, "a
criança passava a ser vista como futuro da nação no momento mesmo em que se
construía uma noção de 'infância brasileira' e se consolidava a ideia do Brasil como 'país
do futuro'", mas, nessa época, ainda estava em voga a teoria de que as raças ditas
superiores deveriam governar as raças ditas inferiores porque estas seriam incapazes.

Essas ideias racistas e excludentes, elaboradas na Europa, eram compartilhadas por


muitos intelectuais brasileiros. Eis a denúncia exposta por Manoel Bomfim (1905, p.
282):

"De acordo com esses princípios [da teoria de que as raças ditas superiores deveriam
governar as raças ditas inferiores porque estas seriam incapazes], os indígenas
americanos, os pretos africanos, os negroides e malaios da Oceania, foram declarados
'inferiores', em massa. Para estes o julgamento é definitivo; a sociologia oficial da
Europa e dos Estados Unidos decretou que eles são 'inferiores', pois que se acham todos
em estado social inferior ao dos outros povos".

À frente de seu tempo, porém, Manoel Bomfim defendia, naquela época, como remédio
aos males latino-americanos, a difusão da educação pública.

Eis seus ensinamentos:

"(...) difundir a educação constitui um dever iniludível, (...) aspecto moral da questão
(...) em nome de um regime democrático e livre, (...) de suprimir a injustiça, (...)
defender a liberdade, estabelecer a igualdade. Se assim é, que há de mais urgente que o
fazer desaparecer dentre os indivíduos essa causa de desigualdade, essa causa de
inferioridade intelectual e econômica, e de incapacidade política" (BOMFIM, 1905, p.
409).

Ou seja, em uma época na qual estava em voga teorias de inferioridade racial, Manoel
Bomfim construiu um contradiscurso no qual afirmava, com todas as letras, que a única
inferioridade de fato existente por aqui era a ausência de um sistema de educação
pública (MOTA, 2015, p. 119).

Aliás, buscando explicar a perpetuação dos males latino-americanos, Manoel Bomfim


(1905, p. 420) havia compreendido que a "massa popular" estava anulada, "incapaz de
sentir a realidade da própria miséria".

Por isso, defendia:

"Sofremos, neste momento, uma inferioridade, é verdade, relativamente aos outros


Página 4
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

povos cultos. É a ignorância, é a falta de preparo e de educação para o progresso - eis a


inferioridade efetiva; mas ela é curável, facilmente curável. O remédio está indicado
(...): a necessidade imprescindível de atender-se à instrução popular" (BOMFIM, 1905,
p. 399).

Manoel Bomfim foi um dos maiores defensores da educação pública no Brasil. Para ele, a
educação era dever do Estado.

Eis um pequeno trecho de um artigo publicado no Jornal do Commercio, escrito por


Manoel Bomfim (apud GONTIJO, 2010, p. 77):

"O direito que tem a criança de ser convenientemente educada, representa, para o
Estado, o dever explícito de assegurar-lhe essa educação, porque o Estado é a
1
organização social explicitamente encarregada de garantir direitos."

Aquele estado de coisas opressivo e excludente aqui implantado desde os primórdios do


Brasil, entretanto, não foi alterado. Na década de 1920, o índice de analfabetismo era de
80% (ARANHA, 1996, p. 198).

Somente em 1930, 40 anos depois da reforma educacional empreendida por Benjamin


Constant, foi, enfim, criado o Ministério da Educação.

Em 1932, ano de falecimento de Manoel Bomfim, veio a lume a obra Cultura e educação
2
do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária, ditada por ele em vida ao
teatrólogo Joracy Camargo, pouco antes de falecer.

Apesar de a historiografia oficial e a literatura brasileira terem omitido o pensamento de


Manoel Bomfim, ele foi um dos poucos que já defendia, no início do século XX, a difusão
da educação como dever de um Estado que se intitulasse um verdadeiro regime
democrático e livre (MOTA, 2015, p. 121).

A difusão da educação pública, para Manoel Bomfim (1905, p. 297), traria o progresso
da sociedade e, como o homem só pode viver e florescer em uma sociedade, o remédio
por ele prescrito possibilitaria suplantar a miséria geral.

Eis suas palavras:

"O progresso há de ser da própria sociedade, no seu todo; e isto só se obtém pela
educação e cultura de cada elemento social. Não se eleva o meio sem melhorar os
indivíduos; não há progresso para quem seja incapaz de compreendê-lo e desejá-lo,
prevê-lo e buscá-lo" (BOMFIM, 1905, p. 400-401).

Pouco depois, aliás, Pontes de Miranda (1933, p. 116) também defendeu: "Educação ou
morte! É o segundo grito de Independência do Brasil".

Eis algumas outras palavras também escritas na época por Pontes de Miranda (1933, p.
43):

"O Estado precisa resolver o problema da educação. Nada mais imperioso. Alega-se a
falta de meios? Nada é mais grave, após o não comer, do que o não aprender."

A população começava a tomar consciência daquele estado de coisas opressivo e


excludente que se perpetuava por aqui desde os primórdios do Brasil.

A tomada de consciência, que teria se iniciado com a proclamação da República e que


acabou amadurecida nas décadas seguintes, finalmente irrompeu quando, no ano de
1932, também veio a lume o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, encabeçado por
Fernando de Azevedo (ARANHA, 1996, p. 198).

Conforme esclarecido por Fischmann (2009, p. 208), "como documento, é o Manifesto


dos Pioneiros da Educação, de 1932, gestado ao longo da efervescente década de 1920,
Página 5
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

que se constitui em primeiro libelo coletivo de educadores e da sociedade em prol do


direito à educação".

Como libelo individual em prol do direito à educação, porém, seria justo e merecido
apontar-se aquela pioneira obra de Manoel Bomfim, escrita no ano de 1905, como o
documento que primeiro defendeu o direito à educação no Brasil (ou melhor, em toda a
América Latina).

3 Direito à educação

A educação no mundo contemporâneo busca, em especial, permitir o florescimento


humano. É um pressuposto necessário à consecução da liberdade e da igualdade de
todos. Por conseguinte, é imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao
exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo.

Representa um direito que guarda sintonia com os primados da República e do Estado


Democrático de Direito, bem como, em particular, com o princípio da dignidade da
pessoa humana.

No Brasil, em face da promulgação da Constituição Federal de 1988, constitui um


pressuposto necessário à concreção dos direitos fundamentais. Ou seja, a educação no
Brasil não é apenas direito social. Hoje, a educação é direito fundamental, direito público
3
subjetivo e dever do Estado brasileiro.

Afinal, os tempos mudaram. Como apontado por Maliska (2001, p. 57):

"(...) não é possível que seja pensada, de forma não harmônica, a existência de uma
democracia e de um Estado que possibilitem ao cidadão condições mínimas para que
seja educado, alimentado, respeitado em sua integralidade física e moral. Se o mundo,
hoje, fala em democracia como sendo o regime mais adequado à sociedade moderna,
deve, necessariamente, ter também presente que, sem um Estado que propicie
condições para a emancipação de seus cidadãos, não se pode nem pensar em
democracia."

Por conseguinte, a educação, hoje, deve ser promovida para possibilitar o florescimento
humano. Somente com a educação é que a liberdade e a igualdade se tornam possíveis.
Esses valores, entretanto, só coexistem em uma verdadeira democracia.

Como a democracia exige que ao povo seja ofertada uma educação compatível com a
igualdade, limitar o acesso à educação significa limitar a liberdade.

Assim, na busca de se corrigir velhos problemas perpetuados na história do Brasil, a


Constituição de 1988 dispôs que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo (art. 208, § 1.º), prestigiando, enfim, o ensinamento de Pontes de
Miranda (1974, p. 437): "é preciso que se crie, para todos, o direito subjetivo à
educação".

Com a promulgação da nova Constituição, portanto, a educação tornou-se, conforme


assinalado por Silva (2008, p. 843), "um serviço público integrante dos fins do Estado
Democrático".

Afinal, como já afirmava Pontes de Miranda (1974, p. 438): "mais se aproveitará com
isso o Estado do que a própria pessoa".

Não é de se estranhar, assim, o fato de constar a liberdade, a igualdade e a justiça como


valores supremos da República Federativa do Brasil no compromisso do Preâmbulo da
Constituição; a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamento (art. 1.º);
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades
sociais e regionais, e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
Página 6
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação como objetivos


fundamentais (art. 3.º); e a justiça social como princípio balizador da ordem econômica,
financeira e social exatamente (arts. 170 e 193).

Ademais, conforme exposto por Arend (2001, p. 45), escrevendo acerca da busca da
justiça social no Estado Democrático de Direito, "na Democracia verdadeira subsiste a
aspiração compulsiva do nivelamento social, fruto natural da concepção filosófica da
igualdade perante a lei". É que, ainda de acordo com Arend (2001, p. 47), "quando a
justiça social não está incorporada como o componente principal da Democracia,
divide-se a sociedade entre uma elite governante e a massa de sujeitos passivos das
decisões e do destino do país".

O direito à educação possui conteúdo interdisciplinar e, conforme destacado por Maliska


(2001, p. 293-294), definir o que seja esse direito "é uma atividade que o jurista sempre
terá que buscar nas áreas afins à educação".

Logo, a expressão direito à educação não mais deve ser confundida com aquela relativa
ao direito de educação, que significava, de acordo com Monteiro (2006, p. 27), uma
expressão jurídica da mentalidade pedagógica tradicional de matriz doutrinária
pedagógica católica, ou seja, o direito de os adultos imporem às crianças "as
aprendizagens que consideram necessárias e boas para a coletividade e, por reflexo,
para elas próprias".

A educação é um direito fundamental, um bem público, pouco importando cuidar de


educação infantil (creche e pré-escola), ensino especial (aos portadores de deficiência),
profissional (técnico e tecnológico), fundamental, médio ou superior. É um direito de
todas as pessoas, sejam crianças ou adultos, ricos ou pobres, brancos, negros ou índios,
4
homens ou mulheres, moradores rurais ou urbanos.

A propósito, como afirmado expressamente por Silva (2008, p. 312):

"O art. 205 contém uma declaração fundamental que, combinada com o art. 6.º, eleva a
educação ao nível dos direitos fundamentais do homem. Aí se afirma que a educação é
direito de todos, com o que esse direito é informado pelo princípio da universalidade.
Realça-lhe o valor jurídico, por um lado, a cláusula - a educação é dever do Estado e da
família -, constante do mesmo artigo, que completa a situação jurídica subjetiva, ao
explicitar o titular do dever, da obrigação, contraposto àquele direito."

De forma distinta com que trata os demais direitos sociais, a Constituição de 1988 dá
especial destaque ao direito à educação. Para corroborar essa afirmação, basta que se
verifique que, mais do que ressaltar a relevância da educação no desenvolvimento do
indivíduo e da sociedade, o texto constitucional prescreve o dever jurídico de o Estado
brasileiro prestar essa educação, além de dispor que constitui um direito público
subjetivo dos cidadãos.

O direito à educação, portanto, é dever prioritário do Estado brasileiro, de modo que


deve buscar efetivamente implementá-lo, pois, ao contrário da alegada vocação
programática de alguns dispositivos constitucionais reguladores da educação, essa
educação cuida, na realidade, de direito público subjetivo, e não de mera diretriz ou
objetivo a ser alcançado.

A Constituição brasileira consagra o direito à educação como um direito fundamental por


ser imprescindível para o desenvolvimento e fruição dos demais direitos fundamentais
nela também assegurados. É por isso que ela dispõe que a educação é um direito social
(art. 6.º), que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios proporcionarem os meios de acesso à educação (art. 23, V), que o ensino é
livre à iniciativa privada (art. 209), que as instituições privadas de educação, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei, são imunes aos impostos incidentes sobre o
patrimônio, a renda ou serviços (art. 150, VI, c), que a educação é direito de todos e
Página 7
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração


da sociedade (art. 205), que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, o direito à educação (art. 227), que o ensino deve
ser ministrado com base no princípio da igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola (art. 206, I), que o ensino público em estabelecimentos oficiais
deve ser gratuito (art. 206, IV), e que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo (art. 208, § 1.º).

A propósito, discorrendo sobre o art. 205 da CF/1988 (LGL\1988\3), Silva (2008, p.


311-312) diz ainda que, como a Constituição prevê como objetivos básicos da educação
o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua
qualificação para o trabalho, "integram-se, nestes objetivos, valores
antropológico-culturais, políticos e profissionais". Por conseguinte, também nas palavras
de Silva (2008, p. 312), "a consecução prática desses objetivos só se realizará num
sistema educacional democrático". Por isso, para Silva (2008, p. 838), "a educação como
processo de reconstrução da experiência é um atributo da pessoa humana, e, por isso,
tem que ser comum a todos".

Maliska (2001, p. 181), por sua vez, diz que a atual Constituição, "reconhecendo as
diferenças regionais e sociais (art. 3.º), procurou instituir um Estado Social Democrático
de Direito comprometido com o respeito à pluralidade".

Logo, mesmo quando a educação não seja ministrada em instituições públicas e


gratuitas, diante da possibilidade de escolha pela educação ofertada por instituições
privadas de ensino, há de se considerar, com especial destaque, que o ensino particular
também é um meio de se assegurar o pluralismo ideológico embasador do Estado
Democrático, de modo que não deve ser visto como um instrumento apenas destinado a
suprir as deficiências do ensino público.

Apesar de o texto constitucional ter utilizado a expressão direito público subjetivo para
se referir ao direito de acesso ao ensino obrigatório e gratuito, uma vez considerada a
educação como direito fundamental, é certo que a expressão possui um alcance maior
que à primeira vista possa parecer.

Ademais, quando Canotilho (1996, p. 468) aponta o princípio do não retrocesso social,
relacionado aos direitos sociais e econômicos, e.g., diz que, "uma vez alcançados ou
conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um
direito subjetivo".

Não seria lógico, portanto, restringir a educação, entendida como direito público
subjetivo, apenas ao direito de acesso ao ensino obrigatório e gratuito, uma vez que o
direito à educação, no Brasil de hoje, possui uma acepção muito mais ampla.

Corolário do direito público subjetivo à educação, existe para o Poder Público o dever
jurídico de promover e incentivar essa educação, o que implica, em particular, na
obrigação de disponibilizar estabelecimentos de ensino obrigatório e gratuito.

O direito à educação seria, então, um típico direito de prestação em sentido estrito,


porque, conforme escrito por Maliska (2001, p. 153-154), "o Estado tem o dever, tem a
obrigação jurídica de oferecer e manter o ensino público obrigatório e gratuito".

Como exposto por Silva (2008, p. 844):

"(...) se a Constituição estabeleceu que a educação é direito de todos e dever do Estado,


significa que a elevou à condição de serviço público a ser prestado pelo Poder Público
indiscriminadamente e, portanto, gratuitamente aos usuários, ficando seu custeio por
conta das arrecadações gerais do Estado."

Em conjunto com o dever do Estado, a educação também é dever da família. Não


obstante, esse dever da família não se confunde com aquele, porque também
Página 8
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

compreende "o direito prioritário dos pais de escolher o gênero de educação a dar a seus
filhos" (MALISKA, 2001, p. 159).

Em suma, no Brasil, o direito à educação não é apenas direito social. Hoje, a educação é
direito fundamental, direito público subjetivo e dever do Estado brasileiro.

4 Formação jurídica e profissionais do direito

O direito à educação é uma matéria particularmente tratada pelos profissionais do


Direito. Os conhecimentos desses profissionais são adquiridos na sua formação jurídica,
mas o ensino jurídico, dizem algumas pessoas, estaria em crise.

Cumpre às Faculdades de Direito (abrangidas ou não por alguma universidade),


ofertarem cursos jurídicos e prestarem o ensino necessário à formação dos profissionais
do Direito.

Ocorre que, conforme escrito por Colaço (2006, p. 13), historicamente, "a formação
didática docente universitária foi negligenciada no Brasil de uma forma geral, exceto
para os cursos de licenciatura e pedagogia".

O tempo de duração dos cursos de Direito no Brasil sempre foi de cinco anos, com
exceção do período compreendido entre os anos de 1973 e 1995, quando ele foi de
quatro anos. O regime de oferta do curso pode ser seriado, anual ou semestral, mas, de
acordo com Rodrigues (2005, p. 178-179), no regime de créditos também pode ser
trimestral.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996), por outro lado,
estabelece que o ano letivo regular, independente do ano civil, deve ter no mínimo 200
dias letivos anuais (art. 47). Já a carga horária mínima para os cursos de Direito foi
5
fixada em 3.700 horas pelo Parecer CNE/CES n. 329/2004.

A Constituição Federal estabelece que as universidades possuem autonomia


didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e devem
obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (art. 207
da CF/1988 (LGL\1988\3)).

A Constituição também estabelece que o ensino, no Brasil, será ministrado com base nos
seguintes princípios, dentre outros (art. 206 da CF/1988 (LGL\1988\3)):

a) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

b) pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições


públicas e privadas de ensino.

O art. 43 da Lei 9.394/1996, estabelece que a educação superior tem, como uma de
suas finalidades, formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a
inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade
brasileira, e colaborar na sua formação contínua.

É a formação jurídica desses profissionais, operadores jurídicos ou não, que lhes


oportuniza o exercício de cargos, funções, empregos, atividades, atribuições e tarefas,
tanto na área da atividade privada como na área da atividade pública (seja no Poder
Executivo, Poder Legislativo ou Poder Judiciário).

Aliás, o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública


6
exercem funções essenciais à Justiça.

Destas, o advogado, em particular, que, de acordo com a Constituição, é indispensável à


Administração da Justiça (art. 133 da CF/1988 (LGL\1988\3)), merece destaque aqui em
razão do número maior de vagas ofertadas aos profissionais do Direito.

Página 9
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

A Lei 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil (LGL\1994\58) (OAB), estabelece que são atividades privativas de advocacia a
7
postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, bem como as
atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, mas nada estabelece acerca do
docente do Direito.
8
Assim, por exclusão, o docente do Direito não está obrigado a se inscrever na OAB.

A propósito, Rodrigues (2006, p. 252-277) afirma que "a OAB não possui competência
legal para definir qualquer condição para o exercício do direito de ensinar e qualquer
restrição à liberdade de ensinar das Instituições de Ensino Superior".

Por outro lado, o parágrafo único do art. 30 da Lei 8.906/1994 estabelece que os
docentes dos cursos jurídicos não estão impedidos de exercer a advocacia contra a
Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora.

Apesar de a Lei 9.394/1996, nada dispor acerca da necessidade de o docente do Direito


possuir formação na área jurídica, o art. 16 do Dec. 5.773/2006, estabelece que o Plano
de Desenvolvimento Institucional (PDI) da instituição de ensino superior deve conter,
dentre outros elementos, o perfil do corpo docente, a indicação dos requisitos de
titulação, experiência no magistério superior e experiência profissional não acadêmica.

Rodrigues (2011; 2015) ensina, aliás, que não existe lei que estabeleça a formação
jurídica para lecionar direito e afirma que, "na realidade, não existe isso em nenhuma
área do conhecimento; e que eu saiba, em lugar nenhum do mundo".

Colaço (2006, p. 21), entretanto, diz que "o único requisito legal para a docência do
ensino do Direito no Brasil é a posse de diploma de graduação expedido por curso
superior em que se ministre matéria idêntica ou afim".

Como resultado dessa realidade, ainda nas palavras de Colaço (2006, p. 23), "a maioria
dos educadores do ensino do Direito são amadores e não profissionais, aprendem a
ensinar ensinando, com a experiência do dia-a-dia em sala de aula".

O art. 66 da Lei 9.394/1996, porém, estabelece que a preparação para o exercício do


magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas
de mestrado e doutorado, bem como que o notório saber, reconhecido por universidade
com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.

A preparação para o exercício do magistério superior deve ser realizada em nível de


pós-graduação. Anota-se, porém, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) não restringe a formação para o magistério superior aos cursos stricto sensu e,
como lembrado por Rodrigues (2005, p. 269), admite-se, além daqueles profissionais
egressos dos cursos de pós-graduação lato sensu, ainda, a exceção relativa aos
profissionais que possuam o reconhecimento do notório saber concedido por
universidade com curso de doutorado em área afim e situações resguardadas pelo direito
adquirido para o exercício do magistério superior.

Quanto ao regime de trabalho docente em tempo integral, merecida a lembrança de que


deve corresponder a 40 horas semanais de trabalho na mesma IES, nele reservado o
tempo de pelo menos 20 horas semanais destinado a estudos, pesquisa, trabalhos de
9
extensão, planejamento e avaliação (art. 69, parágrafo único, do Dec. 5.773/2006).

5 Crise no ensino jurídico?

O ensino jurídico, no Brasil, dizem algumas pessoas, estaria em crise. Essa suposta crise
do ensino jurídico, porém, está interligada aos contextos social, político, econômico e
cultural da atualidade.

Rodrigues (2005, p. 34), aliás, diz que em face da vinculação com questões políticas,
Página 10
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

econômicas, sociais e culturais, "a atual crise do ensino do Direito é bastante complexa".
Rodrigues escreve, inclusive, que contribui para crise do ensino do Direito a intensa
produção legislativa e sua constante mutação, bem como o fato de processo social global
ter modificado as exigências de prática profissional do jurista, uma vez que "o ensino do
Direito não acompanhou essa evolução. Continua inerte, estacionado na era da
dogmática".

Melo Filho (1976, p. 7), porém, já havia mencionado, na década de 1970, que
constantemente se alude à crise do ensino jurídico em face do descompasso entre os
métodos de ensino do Direito e as exigências da vida contemporânea.

Essa suposta crise do ensino jurídico, portanto, como também alertado por Melo Filho
(1976, p. 9), é "consequência das mutações da sociedade em que se insere. E, numa
sociedade em mudança como esta, não seria justo englobar, sob a rubrica de crise, o
que talvez seja simplesmente mudança".

Em face das mudanças verificadas nos tempos mais atuais, observados os novos
contextos social, político, econômico e cultural vigentes, faz-se necessária, por lógica, a
mudança do ensino jurídico.

Na verdade, não apenas o ensino, mas inclusive o currículo do curso de Direito, exige
mudanças no transcorrer dos tempos. É por isso que, desde a instalação dos primeiros
cursos de Direito aqui no Brasil, houve alterações no currículo do curso de Direito.

Eis os principais currículos adotados no Brasil no transcorrer da história, conforme


exposto por Melo Filho (1979, p. 25-32) e Rodrigues (2005, p. 61-98):

a) Carta de Lei de 11.08.1827;

b) Lei 314, de 30.10.1895;

c) Dec. 16.782-A, de 13.01.1925;

d) Parecer CFE 215/1962 do Conselho Federal de Educação;

e) Parecer CFE 162/1972 do Conselho Federal de Educação;

f) Portaria MEC 1.886/1994 do Ministério da Educação;

g) Res. CNE/CES 9/2004 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de


Educação.

Afinal, hoje, como alertado por Demo (2009, p. 112, 114), não serve mais o trabalhador
apenas treinado, ainda que seja "super-especializado". Por isso, "a estratégia primordial
do desenvolvimento humano sustentado é a educação de qualidade, instrumentada pela
construção de conhecimento. (...) é mister que a universidade e os professores acordem
para este desafio".

Logo, essa suposta crise do ensino jurídico se confunde com a crise do próprio Direito.
Nas palavras de Rodrigues (2005, p. 36), está "imersa na crise do próprio modelo
político, econômico e social adotado, que busca concretizar as suas crenças e valores
através da instância jurídica".

Como essa suposta crise resulta de uma realidade maior, sua superação deve ser
buscada nas próprias críticas recebidas. Exige um planejamento educacional
especialmente direcionado para esse campo do conhecimento e um docente que possua
um perfil com competências e habilidades próprias.

Em suma, a suposta crise do ensino jurídico está interligada aos contextos social,
político, econômico e cultural da atualidade. Confunde-se com a crise do próprio Direito
e é resultado das mudanças verificadas na sociedade contemporânea.
Página 11
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

6 Planejamento educacional

A Lei 9.131/1995, modificou o art. 9.º, § 2.º, c, da Lei 4.024/1961 (antiga Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e estabeleceu ser competência da Câmara de
Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE) deliberar sobre as
diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto para os
cursos de graduação.

A almejada superação daquela suposta crise do ensino jurídico no Brasil parece ter se
iniciado, assim, com a publicação da Res. CNE/CES 9/2004 da Câmara de Educação
Superior do Conselho Nacional de Educação, que instituiu as novas diretrizes curriculares
10
nacionais do curso de graduação em Direito.

Conforme explicado por Rodrigues (2005, p. 199-201), o currículo "é a forma de


organização de conteúdos, matérias, disciplinas, módulos e demais componentes
curriculares, tais como estágio supervisionado, trabalho de curso e atividades
complementares", o currículo pleno é o conjunto de atividades e disciplinas ou módulos
que formam um curso. Já o currículo mínimo é aquele que deve obrigatoriamente fazer
parte de todo e qualquer currículo pleno, formado pelos conteúdos constantes dos eixos
de formação fundamental e profissional, e pelas atividades indicadas no eixo de
formação prática.

A Res. CNE/CES 9/2004 exige conteúdos e atividades expressamente obrigatórios no


curso de Direito, divididos nos seguintes eixos de formação:

a) eixo de formação fundamental;

b) eixo de formação profissional;

c) eixo de formação prática.

A Res. CNE/CES 9/2004 também exige conteúdos e atividades indiretamente


obrigatórios, decorrentes do perfil definido para o graduando e da necessidade de
trabalhar suas competências e habilidades.

Como lembrado por Rodrigues (2005, p. 171-172), o perfil do formando a ser buscado
por todos os cursos de graduação em Direito é definido pela Comissão de Especialistas
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do
Ministério da Educação, da mesma forma que a definição de suas competências e
habilidades.

Os conteúdos aparecem sob a forma de matérias, disciplinas ou módulos. De acordo com


Rodrigues (2005, p. 264-265), o conteúdo corresponde a um determinado conhecimento
ou conjunto de conhecimentos, a matéria corresponde ao conteúdo, a disciplina
corresponde a cada uma das divisões de uma mesma matéria, e o módulo corresponde à
forma de organização dos conteúdos adotada nos projetos pedagógicos por
aprendizagem baseada em problemas.

O planejamento educacional, portanto, deve observar todo o exposto. Compreende o


Plano Nacional de Educação (PNE), o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de
cada Instituição de Ensino Superior (IES) e o Projeto Pedagógico de cada curso dessas
11
instituições.

Nas palavras de Rodrigues (2005, p. 185): "o Estado planeja a educação nacional, de
forma geral, através do PNE; cada IES efetua o seu planejamento específico através do
PDI; cada curso é planejado através do seu projeto pedagógico".

Nos termos da Constituição Federal (art. 214), o Plano Nacional de Educação deve
conduzir à:

a) erradicação do analfabetismo;
Página 12
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

b) universalização do atendimento escolar;

c) melhoria da qualidade do ensino;

d) formação para o trabalho;

e) promoção humanística, científica e tecnológica do País;

f) estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como


proporção do produto interno bruto.

O planejamento educacional também compreende o Plano de Ensino e o Plano de Aula.


12
O Plano de Ensino deve buscar a realização da interdisciplinaridade, não bastando para
isso a simples inclusão no currículo de disciplinas de áreas afins e que propiciem uma
visão estanque do fenômeno jurídico, pois assim procedendo, como explicado por
Rodrigues (2005, p. 187), restaria caracterizada apenas a multidisciplinaridade, cuja
realidade propicia análises isoladas do mesmo objeto sem propiciar ao aluno uma
perspectiva de sua totalidade.
13
O Plano de Aula, por sua vez, deve almejar o ensino dialogado e interativo, onde o
foco seja o aluno e não o professor, uma vez que, como alertado por Melo Filho (1976,
p. 16), "a aula dialogada, através de suas múltiplas formas, realiza uma pedagogia
centrada no aluno, desenvolvendo-lhe a criatividade e independência intelectual". Afinal,
ainda nas palavras de Melo Filho (1976, p. 18), "somente através da aula dialogada e
suas variantes, tais como dinâmica de grupo, seminários, debates, painéis etc., é que se
proporcionará aos alunos uma posição ativa nas aulas".

Em suma, a superação daquela suposta crise do ensino jurídico no Brasil, além de dever
ser buscada nas próprias críticas recebidas, exige um planejamento educacional, que
compreende o Plano Nacional de Educação (PNE), o Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) de cada instituição de ensino superior e o Projeto Pedagógico de cada
curso dessas instituições.

7 Perfil do professor

O docente do Direito, um operador jurídico, deve possuir como habilidade necessária a


pretensão de entender o mundo.

Isso porque, como ensinado por Aguiar (2004, p. 150):

"O operador jurídico que não tem a consciência do mundo que o cerca, que não procura
entendê-lo, não inserindo as questões tratadas nas diversas dimensões a que estão
ligadas, prendendo-se a formalidades estritas, esquecendo-se das probabilidades de
entrelaçamento entre o pessoal com o local, deste com o estatal, do estatal com o
internacional e do internacional com o planetário, numa compreensão multidisciplinar [
sic] e totalizadora, não sabe entender onde e com quem está tratando a questão."

Além disso, o professor de Direito deve possuir um perfil com sólida formação geral,
humanística e axiológica. Deve demonstrar postura reflexiva e visão crítica, bem como a
capacidade de análise, domínio de conceitos e terminologia jurídica e da Ciência do
Direito.

Não bastassem essas competências e habilidades, também deve ter o domínio da


argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos, políticos, sociais,
econômicos e culturais.

O docente também deve demonstrar ter o domínio de tecnologias e métodos atuais para
ministrar suas aulas, uma vez que, como apontado por Demo (2009, p. 83), a ciência é
um saber caracterizado pelo rigor metodológico e o método é a "marca principal" do
conhecimento científico.

Página 13
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

Somente através desse perfil mínimo do docente é que será possível fomentar-se a
capacidade e a aptidão do aluno para a aprendizagem autônoma e dinâmica,
indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do
desenvolvimento da cidadania, exigidas do egresso do curso de Direito na atualidade.

Como esclarecido por Aguiar (2004, p. 27), é difícil estabelecer um limite muito rígido
entre perfil e habilidades, "pois podemos cair na seguinte tautologia: os perfis são um
conjunto desejável de habilidades e as habilidades são capacidades e aptidões que
compõem perfis". O perfil, também de acordo com Aguiar, é "um recorte que reúne as
habilidades necessárias para alguma finalidade profissional ou de inserção humana no
mundo. É um modelo ideal que tem por finalidade criar diretrizes para práticas
pedagógicas formativas ou instrucionais". Ainda de acordo com Aguiar (2004, p. 17), a
habilidade é a "aptidão que tem o ser humano de lidar, operar, entender, interferir e
dialogar destramente com o outro, a natureza, os artefatos criados e a se criar, a
sociedade e consigo mesmo". Já a competência, para Aguiar (2004, p. 20), "está ligada
à externalidade, à habilidade de apreciar e resolver certo assunto ou fazer determinada
coisa, como nos lembra o Aurélio". Em outras palavras, ainda de acordo com Aguiar
(2004, p. 20), "a competência, embora seja expressão de habilidade, traduz um sentido
de adequação ou de conformação a regras ou demandas heterônomas".

Para Rodrigues (2005, p. 250), a competência é um fazer intelectual e a habilidade é um


fazer material. Na área do Direito, entretanto, "o exercício profissional está mais
vinculado ao domínio de competências do que propriamente de habilidades".

Presentes as necessárias competências e habilidades do docente do Direito e


preenchidos os requisitos legais para o exercício do magistério superior, expostos
anteriormente no texto, faz-se necessário, ainda, a formação didático-pedagógica e o
domínio dos conteúdos das disciplinas a serem ministradas.

O enfoque acadêmico nas atividades dirigidas à formação didático-pedagógica é


obrigatório em todo e qualquer curso de pós-graduação (lato sensu ou stricto sensu) que
objetive preparar para o exercício do magistério superior. De acordo com Rodrigues
(2005, p. 272), sem o cumprimento desse pré-requisito "seus egressos não poderão
exercer o magistério superior".

Entretanto, como ainda lembrado por Rodrigues (2005, p. 216), a posse de titulação em
nível de pós-graduação em área específica da disciplina ou módulo pode ser substituída
com base no critério de aderência, de acordo com a produção acadêmica ou experiência
profissional comprovada. A base para a definição desse critério de aderência são, ainda
de acordo com Rodrigues (2005, p. 273), "a formação e a produção acadêmicas, sendo a
experiência profissional apenas elemento complementar". Por outro lado, a aderência
deve ser considerada "prioritariamente" com base nos graus acadêmicos aí obtidos
(2005, p. 274).

Em suma, a superação daquela suposta crise do ensino jurídico no Brasil, além de dever
ser buscada nas próprias críticas recebidas e exigir um planejamento educacional,
também exige um docente do Direito que possua um perfil com competências e
habilidades próprias, ou seja, uma sólida formação geral, humanística e axiológica, uma
postura reflexiva e uma visão crítica, bem como uma capacidade de análise, domínio de
conceitos e terminologia jurídica e da Ciência do Direito. O docente deve ter o domínio
da argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos, políticos, sociais,
econômicos e culturais, além de demonstrar ter o domínio de tecnologias e métodos
atuais para ministrar suas aulas.

8 Metodologia do ensino jurídico

Para a superação daquela suposta crise do ensino jurídico, deve-se adotar, nesse ensino,
uma metodologia que almeje formar profissionais capazes de analisar o fenômeno
jurídico nos contextos social, político, econômico e cultural.
Página 14
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

Exige-se, portanto, a superação de algumas realidades histórico-institucionais


consolidadas na prática do ensino no Brasil. Por isso, como já escrito por Rodrigues
(2005, p. 284), o ensino do Direito deve "assumir o papel de formar profissionais
conscientes de seu papel na sociedade".

Para isso, ainda de acordo com Rodrigues (2005, p. 39), "deve o ensino do Direito
formar agentes sociais críticos".

Isso porque, ainda de acordo com Rodrigues (2005, p. 37-38):

"Para que se possa ter um ensino transformador, é necessário que ele deixe de ser um
aparelho ideológico do Estado (...) e se transforme em uma instância orgânica de
construção de um novo imaginário social criativo e comprometido com (...) a
democracia, a ética, a justiça social e a construção de uma sociedade solidária."

Como já havia também escrito Melo Filho (1979, p. XII), o mundo atual, com sua
dinâmica jurídica e seu "processo de relações humanas, sociais, políticas e econômicas
cada vez mais intensas, exigem e impõem ao jurista soluções rápidas, daí por que o
ensino do Direito tem de ter como objetivo primeiro o Raciocínio Jurídico do discente".

Ademais, Rodrigues (2005, p. 55) alerta que "o mestre que domina totalmente o
conteúdo dogmático de sua disciplina pode ser um bom professor, mas nunca será um
educador".

Também nesse sentido, Reale (2007, p. 27) adverte que "o homem culto é bem mais do
que o homem erudito. Este limita-se a reunir e a justapor conhecimentos, enquanto o
homem culto os unifica e anima com um sopro de espiritualidade e de entusiasmo".

É por isso que Melo Filho (1976, p. 27-28) considera serem objetivos primordiais de uma
aula:

"a) ensinar o aluno a pescar, ou seja, testar e aperfeiçoar seu raciocínio jurídico,
habituá-lo a pensar por si mesmo, impedindo-o, concomitantemente, de decorar ou
memorizar a lei, a jurisprudência ou a doutrina (...);

b) permitir diálogos e debates no encaminhamento dos problemas e questões."

É curioso, assim, o fato de alguns professores estrangeiros também afirmarem a


existência daquela suposta crise do ensino jurídico no Brasil.

Rosenn (1998, p. 62), e.g., escreve o seguinte:

"A educação jurídica brasileira tem sido basicamente formalista. Uma importância quase
exclusiva é dada à exegese clássica de textos legais formais. Pouca atenção é dada ao
exame de como as normas funcionam na prática. O estudo jurídico tem se concentrado
na compreensão de normas legais e tem ignorado a conduta das pessoas afetadas por
essas normas."

Esse professor, americano, ou seja, um observador em princípio não influenciado pelas


acaloradas discussões travadas nas últimas décadas acerca do ensino jurídico brasileiro,
chega, inclusive, a mostrar uma verdadeira parte dessa ferida: "encarar o direito como
ciência e a educação jurídica como um meio de conferir dogmaticamente o verdadeiro
significado das normas legais, tem provocado um divórcio entre o sistema jurídico formal
e a conduta real" (ROSENN, 1998, p. 63).

A realidade atual exige, portanto, um ensino crítico do aluno do curso de Direito, pois, de
acordo com Rodrigues (2005, p. 21), "profissionalizar os alunos dos cursos de Direito
não pode e não deve representar a formação de técnicos em direito positivo, meros
exegetas dos textos legais emanados do Estado".

Não obstante, uma questão paradoxal existente outrora, mas ainda parcialmente
Página 15
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

verificada, é que na época em que Melo Filho (1979, p. 3) escreveu seu livro de
metodologia do ensino jurídico (a primeira edição é de 1977), já alertava que "alguns
aludem à hipertrofia do teórico em detrimento do prático, (...) taxando-o de superado e
retrógrado". Entretanto, Melo Filho (1979, p. 4) informava, em seguida, que "grande
parte do corpo docente dos Cursos de Direito ainda se compõe de advogados, de juízes,
de desembargadores, de promotores etc., para os quais estas se constituem atividades
primaciais, ficando o magistério em plano secundário".

Denota-se que aquele ensino considerado retrógrado, porque teórico, estava sendo
ministrado por operadores jurídicos que, em face de suas profissões, seriam as pessoas
em princípio mais capacitadas para o ensino da prática reivindicada nos cursos jurídicos
daquela época.

Hoje, em face da exigência legal no sentido de que 1/3 do corpo docente das
universidades possuam pós-graduação stricto sensu e cumpram regime de tempo
integral, tal situação foi parcialmente solucionada (art. 52 da Lei n. 9.394, de 1996).

Entretanto, nos dias atuais, do mesmo modo como outrora, alguns ainda aludem àquela
"hipertrofia do teórico em detrimento da prática" mencionada por Melo Filho (1979, p.
3).

Por outro lado, há de se ponderar que, como anotado por Demo (2009, p. 28, 30), como
construção explicativa ou domínio teórico, a teoria precisa da prática para ser real e essa
prática precisa da teoria para continuar inovadora.

Aquela necessária prática talvez esteja solucionada, na atualidade, com as atuais


exigências de estágio curricular supervisionado, obrigatório nos curso de Direito.
Entretanto, em face das atuais críticas ainda divulgadas, talvez não tenha havido
solução.

O importante a ser anotado, então, é que a integração entre teoria e prática nos cursos
de Direito merece maior atenção na metodologia do ensino atual.

Como escrito por Colaço (2006, p. 32), "algo de positivo que temos observado nos
cursos de pós-graduação em Direito, no contato com os futuros profissionais do ensino
do Direito, é de que há uma nova mentalidade, mais crítica, do modelo tradicional de
ensino".

Assim, a visão crítica, parece, é que fomentará a capacidade e a aptidão dos egressos
dos cursos jurídicos para o exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do
14
desenvolvimento da cidadania.

Afinal, o ensino jurídico deve formar profissionais do Direito conscientes de seu papel na
sociedade, agentes sociais críticos comprometidos com verdadeiros valores humanos.
Deve adotar uma metodologia que almeje formar profissionais capazes de analisar o
fenômeno jurídico nos contextos social, político, econômico e cultural.

9 Conclusão

A oferta do ensino no período do Brasil colonial, em geral, foi ínfima. A sociedade vivia
um estado de coisas opressivo e excludente. O povo foi abandonado à própria sorte e
mantido analfabeto e alienado. As famílias mais abastadas enviavam seus filhos para
estudar em Portugal. Os primeiros cursos de Direito somente foram criados no ano de
1827.

O período do Brasil imperial não foi muito diferente. A educação era privilégio das elites.
Somente a partir de 1889, com a proclamação da República, novas ideias foram levadas
a efeito na área educacional. Entretanto, os problemas não foram corrigidos, o que
permitiu a perpetuação das mazelas de outrora em pleno início do século XX. Com a
manutenção dessas mazelas, perpetuou-se aquele estado de coisas opressivo e
Página 16
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

excludente aqui implantado desde a chegada dos primeiros navegantes.

Os tempos mudaram. Em face da promulgação da Constituição Federal de 1988, a


educação no Brasil contemporâneo não é apenas direito social, é direito fundamental,
direito público subjetivo e dever do Estado brasileiro.

Hoje, a educação é um direito fundamental, um bem público, pouco importando cuidar


de educação infantil (creche e pré-escola), ensino especial (aos portadores de
deficiência), profissional (técnico e tecnológico), fundamental, médio ou superior. É um
direito de todas as pessoas, sejam crianças ou adultos, ricos ou pobres, brancos, negros
ou índios, homens ou mulheres, moradores rurais ou urbanos.

De forma distinta com que trata os demais direitos sociais, a Constituição de 1988 dá
especial destaque ao direito à educação. Para corroborar essa afirmação, basta que se
verifique que, mais do que ressaltar a relevância da educação no desenvolvimento do
indivíduo e da sociedade, o texto constitucional prescreve o dever jurídico de o Estado
brasileiro prestar essa educação, além de dispor que constitui um direito público
subjetivo dos cidadãos.

O direito à educação, portanto, é dever prioritário do Estado brasileiro, de modo que


deve buscar efetivamente implementá-lo, pois, ao contrário da alegada vocação
programática de alguns dispositivos constitucionais reguladores da educação, essa
educação cuida, na realidade, de direito público subjetivo, e não de mera diretriz ou
objetivo a ser alcançado.

A Constituição brasileira consagra o direito à educação como um direito fundamental por


ser imprescindível para o desenvolvimento e fruição dos demais direitos fundamentais
nela também assegurados.

O direito à educação é uma matéria particularmente tratada pelos profissionais do


Direito. Os conhecimentos desses profissionais são adquiridos na sua formação jurídica,
mas o ensino jurídico, dizem algumas pessoas, estaria em crise.

Essa suposta crise do ensino jurídico, porém, está interligada aos contextos social,
político, econômico e cultural da atualidade. Em face das mudanças verificadas nos
tempos mais atuais, observados os novos contextos social, político, econômico e cultural
vigentes, faz-se necessária, por lógica, a mudança do ensino jurídico.

Como essa suposta crise resulta de uma realidade maior, sua superação deve ser
buscada nas próprias críticas recebidas. Exige um planejamento educacional
especialmente direcionado para esse campo do conhecimento e um docente que possua
um perfil com competências e habilidades próprias.

Afinal, essa suposta crise do ensino jurídico está interligada aos contextos social,
político, econômico e cultural da atualidade. Confunde-se com a crise do próprio Direito
e é resultado das mudanças verificadas na sociedade contemporânea.

A almejada superação dessa suposta crise do ensino jurídico no Brasil parece ter se
iniciado com a publicação da Res. CNE/CES 9/2004 da Câmara de Educação Superior do
Conselho Nacional de Educação, que instituiu as novas diretrizes curriculares nacionais
do curso de graduação em Direito.

A superação dessa suposta crise do ensino jurídico no Brasil, além de dever ser buscada
nas próprias críticas recebidas, exige um planejamento educacional, que compreende o
Plano Nacional de Educação (PNE), o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de
cada instituição de ensino superior e o Projeto Pedagógico de cada curso dessas
instituições.

O docente do Direito, um operador jurídico, deve possuir como habilidade necessária a


pretensão de entender o mundo. Somente através de um perfil mínimo do docente é que
será possível fomentar-se a capacidade e a aptidão do aluno para a aprendizagem
Página 17
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da


justiça e do desenvolvimento da cidadania, exigidas do egresso do curso de Direito na
atualidade.

Presentes as necessárias competências e habilidades do docente do Direito e


preenchidos os requisitos legais para o exercício do magistério superior, faz-se
necessário, ainda, a formação didático-pedagógica e o domínio dos conteúdos das
disciplinas a serem ministradas.

A superação daquela suposta crise do ensino jurídico no Brasil, além de dever ser
buscada nas próprias críticas recebidas e exigir um planejamento educacional, também
exige um docente do Direito que possua um perfil com competências e habilidades
próprias, ou seja, uma sólida formação geral, humanística e axiológica, uma postura
reflexiva e uma visão crítica, bem como uma capacidade de análise, domínio de
conceitos e terminologia jurídica e da Ciência do Direito. O docente deve ter o domínio
da argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos, políticos, sociais,
econômicos e culturais, além de demonstrar ter o domínio de tecnologias e métodos
atuais para ministrar suas aulas.

Para a superação daquela suposta crise do ensino jurídico, deve-se adotar, nesse ensino,
uma metodologia que almeje formar profissionais capazes de analisar o fenômeno
jurídico nos contextos social, político, econômico e cultural.

Assim, a integração entre teoria e prática nos cursos de Direito merece maior atenção na
metodologia do ensino atual. A visão crítica, parece, é que fomentará a capacidade e a
aptidão dos egressos dos cursos jurídicos para o exercício da Ciência do Direito, da
prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

Afinal, o ensino jurídico deve formar profissionais do Direito conscientes de seu papel na
sociedade, agentes sociais críticos comprometidos com verdadeiros valores humanos.
Deve adotar uma metodologia que almeje formar profissionais capazes de analisar o
fenômeno jurídico nos contextos social, político, econômico e cultural.

Referências

AGUIAR, Roberto A. R. de. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de


Janeiro: DP&A, 2004.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

AREND, Márcia Aguiar. Direitos humanos e tributação. In: BALTHAZAR, Ubaldo Cesar;
PALMEIRA, Marcos Rogério (orgs.). Temas de direito tributário: estudos em homenagem
ao prof. Índio Jorge Zavarizi. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001.

BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro:


Livreiro-Editor/Paris: H. Garnier, 1905.

______. Cultura e educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária. Rio
de Janeiro: Pongetti, 1932.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Formulário do Plano de Desenvolvimento


Institucional - PDI. Disponível em: [www2.mec.gov.br/sapiens/Form_PDI.htm]. Acesso
em: 11.08.2011.

CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO. A educação na América Latina:


direito em risco. São Paulo: Cortez/ActionAid, 2006.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina,


1996.

COLAÇO, Thais Luzia. Ensino do direito e capacitação docente. In: ______ (org.).
Página 18
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

Aprendendo a ensinar direito o direito. Florianópolis: OAB/SC, 2006.

DEMO, Pedro. Pesquisa e construção de conhecimento: metodologia científica no


caminho de Habermas. 7. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2009.

FISCHMANN, Roseli. Direitos humanos e educação. In: GIOVANNETTI, Andrea (org.). 60


anos da declaração universal dos direitos humanos: conquistas do Brasil. Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da


economia patriarcal. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.

GONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana,


2010.

MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a constituição. Porto Alegre: Sergio


Antônio Fabris, 2001.

MELO FILHO, Álvaro. Direito tributário: metodologia e aplicação. Rio de Janeiro: Forense,
1976.

______. Metodologia do ensino jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

MONTEIRO, A. Reis. História da educação: do antigo 'direito de educação' ao novo


'direito à educação'. São Paulo: Cortez, 2006.

MOTA, Sergio Ricardo Ferreira. Direito constitucional II: anotações de aula. Florianópolis:
Insular, 2014.

______. Imposto de renda e direito à educação no Brasil: a inconstitucionalidade 'prima


facie' da tributação da renda gasta com a educação. Florianópolis: Insular, 2013a.

______. Manoel Bomfim: autêntico pensador latino-americano. Florianópolis: Insular,


2015. Coleção Pensadores da Pátria Grande, vol. 9.

______. Metodologia do ensino crítico do direito tributário no Brasil: uma proposta para
a superação da crise do ensino jurídico. Revista de Direito Educacional. vol. 4. p.
337-359. São Paulo, jul.-dez. 2011.

______. A tributação da renda gasta com a educação. Revista Tributária e de Finanças


Públicas. vol. 111. p. 259-277. São Paulo: Ed. RT. jul.-ago. 2013.

PONTES DE MIRANDA. O acesso à cultura como direito de todos os homens. Anais da V


Conferência Nacional da OAB. 11 a 16 de agosto de 1974. Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro: OAB Editora, 1974

______. . Direito à educação. Rio de Janeiro: Alba, 1933.

PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2011.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Controle público da educação e liberdade de ensinar na


constituição federal de 1988. In: BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques
de; BEDÊ, Fayga (coords.). Constituição e democracia: estudos em homenagem ao
professor J. J. Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006.

______. Fundamentos de metodologia do ensino do direito. Disciplina ministrada no


curso de pós-graduação em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, 2011
(informação verbal).

______. Pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto


Página 19
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Requisitos do docente do direito. Mensagem recebida


por: [motadefloripa@yahoo.com.br] em 21.04.2015.

ROSENN, Keith S. O jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 31. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008.

TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio


de Janeiro: Renovar, 1995.

1 BOMFIM, Manoel. O dever de educar. Jornal do Commercio. p. 2. Rio de Janeiro,


27.09.1921.

2 BOMFIM, Manoel. Cultura e educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução


primária. Rio de Janeiro: Pongetti, 1932.

3 Vide: MOTA, Sergio Ricardo Ferreira. Imposto de renda e direito à educação no Brasil:
a inconstitucionalidade 'prima facie' da tributação da renda gasta com a educação.
Florianópolis: Insular, 2013a. p. 31-44; MOTA, Sergio Ricardo Ferreira. A tributação da
renda gasta com a educação. RTrib 111/259-277. São Paulo: Ed. RT. jul.-ago. 2013b;
MOTA, Sergio Ricardo Ferreira. Direito constitucional II: anotações de aula. Florianópolis:
Insular, 2014. p. 179-183.

4 Vide: CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO. A educação na América


Latina: direito em risco. São Paulo: Cortez/ActionAid, 2006.

5 Deve ser considerado para a duração do curso, em termos de carga horária, o


parâmetro da hora-relógio de 60 minutos. Como escrito por Rodrigues (2005, p. 180),
se a IES não utilizar esse parâmetro na sua hora-aula adotada, deve elaborar novos
cálculos. Como na atualidade as horas-aula das IES variam de instituição para instituição
(entre 40 e 60 minutos) e a carga horária definida nas diretrizes curriculares é em
horas-relógio (60 minutos), as IES devem organizar suas grades curriculares de forma
que o aluno tenha cumprido a carga horária mínima exigida ao final do curso, pois, ainda
nas palavras de Rodrigues (2005, p. 246-248), "a carga horária final do curso deverá
corresponder no mínimo, em minutos, ao equivalente à carga horária definida nas
diretrizes curriculares".

6 Como esclarecido por Silva (2008, p. 594), funções essenciais à Justiça são "todas
aquelas atividades profissionais públicas ou privadas, sem as quais o Poder Judiciário
não pode funcionar".

7 Vide ADIn 1.127-8.

8 O art. 69 do Dec. 5.773/2006, dispõe que o exercício de atividade docente na


educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação
profissional.

9 Hora-relógio, hora-aula, hora-atividade e hora-sindical não se confundem. Como


esclarecido por Rodrigues (2005, p. 246-249), a hora-relógio corresponde a 60 minutos
e o legislador não pode alterá-la por ser padrão de tempo internacional, a hora-aula é
um padrão pedagógico adotado pela IES e pode não coincidir com a hora-relógio, a
hora-atividade é um padrão remuneratório adotado pela IES para atividades extraclasse
Página 20
Direito à educação, metodologia do ensino e suposta
crise do ensino jurídico no brasil

de seus docentes e a hora-sindical é padrão remuneratório adotado em decorrência de


acordos coletivos.

10 Não obstante, Rodrigues (2005, p. 98) entende que a publicação dessa resolução
representou apenas uma nova etapa com novos desafios que se apresentam, agora,
"junto com velhos desafios ainda não vencidos".

11 O Plano Nacional de Educação (PNE) é o planejamento de duração decenal pelo qual


o Estado brasileiro, através de lei, define diretrizes, objetivos, metas e estratégias para
assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas
e modalidades, por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas federativas (vide: Lei 13.005/2014); O Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) é o planejamento no qual se definem a missão da instituição de ensino superior e
as estratégias para atingir suas metas e objetivos, conforme estabelecido pelo Ministério
da Educação. Abrange um período de cinco anos e deve contemplar o cronograma e a
metodologia de implementação dos objetivos, metas e ações, observando a coerência e
a articulação entre as diversas ações, a manutenção de padrões de qualidade e, quando
pertinente, o orçamento. Deve apresentar, ainda, um quadro-resumo contendo a relação
dos principais indicadores de desempenho, que possibilite comparar, para cada um, a
situação atual e futura (vide: BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Formulário do Plano
de Desenvolvimento Institucional - PDI); O Projeto Pedagógico é o planejamento que
uma instituição de ensino superior faz para determinado curso.

12 O Plano de Ensino é o planejamento de cada disciplina, módulo ou atividade que


compõe o currículo pleno de um curso. Deve conter conteúdos, atividades, metodologia
do processo de ensino-aprendizagem, bibliografia básica e critérios de avaliação a serem
utilizados.

13 O Plano de Aula é o planejamento de cada aula ou atividade diária que compõe o


plano de ensino de uma determinada disciplina, módulo ou atividade de um curso.

14 Vide: MOTA, Sergio Ricardo Ferreira. Metodologia do ensino crítico do direito


tributário no Brasil: uma proposta para a superação da crise do ensino jurídico. Revista
de Direito Educacional. vol. 4, p. 337-359. São Paulo, jul.-dez. 2011.

Página 21

Você também pode gostar