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50 dias sem picanha

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Silvio Navarro 17 fev 2023 - 10:08

Entre um passeio internacional e outro, um discurso inflamado na festança do PT e


entrevistas para a velha imprensa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu um
culpado para as más notícias na área econômica que estão chegando mais cedo do que
o esperado: Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.

Lula tenta emplacar a tese de que os juros básicos da economia no patamar de 13,75%
travam o desenvolvimento do país. Quem determina a política monetária é o Banco
Central, cuja gestão é independente desde 2021 — ou seja, livre de ingerência política. A
diretoria do banco entende que manter a taxa de juros em dois dígitos é uma forma de
segurar as rédeas da inflação, que sempre penaliza os mais pobres.

PT: Eu acredito na ciência

Realidade: Vamos subir hashtag que o juros baixa.

Essa imagem diz tudo! pic.twitter.com/qJGbm6ACif

— Rubinho Nunes (@RubinhoNunes) February 16, 2023

As correntes de economistas ligados ao PT e em postos no governo não pensam assim:


entendem que a prática de juros escorchantes atendem a interesses do mercado, são
contra a austeridade fiscal — principalmente o teto de gastos —, querem um “Estado
grande”, mais desenvolvimentista e com aumento do consumo de bens. É sobretudo
nesse último ponto que está a preocupação de Lula: consumir mais significa garantir a
picanha aos domingos, sua promessa de campanha. Lula está preocupado com o curto
prazo, porque sabe que o resultado apertado das urnas não lhe assegurou popularidade
por muito tempo.

A realidade, contudo, às vezes atravessa o sonho do PT. As notícias que batem à porta
dos brasileiros são ruins. O mercado, esse ente demonizado pela esquerda, não gostou
da agenda de aventura fiscal. O setor produtivo tampouco, porque precisa de
previsibilidade. Grandes empresas começaram o ano com demissões. O reajuste do
salário mínimo será só de R$ 18. O investidor, principalmente o estrangeiro, não se sente
seguro em “agarrar cordas soltas” — a marca do governo Lula 3 até agora é a
insegurança. O resultado é que as engrenagens da economia começam a ranger.

Qual a resposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao mercado? “Entendo a


ansiedade do dito mercado, dessa meninada que fica na frente do computador dando
ordem de compra, ordem de venda”, afirmou, em evento do banco BTG Pactual. “Cada
espirro em Brasília gera uma enorme turbulência.”

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-PIB cai
-Bolsa cai
-37 ministérios
-Inflação subindo
-Gasolina subindo
-Pobre pagando IR
-Empresas fechando
-Picanha só no sonho
-Desemprego subindo
-Fim do saque do FGTS
-10 bilhões pra Rouanet
-Dinheiro para ditaduras
-Torneira do BNDES aberta

E tudo isso em apenas 45 dias.


pic.twitter.com/v07grISfpW

— Henrique (@henriolliveira_)
February 14, 2023

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Foto: Reprodução Twitter

Os infiltrados

Além do bode expiatório dos juros, caso a economia entre em parafuso, outro motivo da
perseguição de Lula a Roberto Campos Neto é porque ele chegou à cadeira indicado por
Jair Bolsonaro. Lula já afirmou que qualquer coisa que remeta aos governos dos
antecessores, incluindo Michel Temer, não presta. “Tudo o que fizemos em 13 anos de
governo do PT foi destruído em seis anos depois do golpe e do último mandato de um
genocida”, afirmou, na segunda-feira 13, durante a festança de aniversário do PT.

No dia seguinte, repetiu a ladainha em evento na Bahia, ao lado do ex-governador Rui


Costa (PT), que chefia a Casa Civil da Presidência.

“Vocês têm que ter um pouquinho de paciência, porque estamos apenas há 40 dias
no governo e ainda nem conseguimos montar as equipes. Temos que retirar os
bolsonaristas que estão lá, escondidos às pencas”, afirmou. “A responsabilidade de
tirar eles é do Rui Costa, que vai assinar as medidas para retirar aquela gente
infiltrada no nosso governo” (lançamento do Minha Casa, Minha Vida, em Santo
Amaro, Bahia)

O que Lula e seus satélites não entendem — ou fingem não entender — é que, se o
economista Roberto Campos Neto gosta ou não do ex-presidente Jair Bolsonaro, pouco
importa. Como disse o executivo em entrevista nesta semana: “Se sair do cargo,
dificilmente vai mudar muita coisa”. Quem estiver na cadeira terá de cumprir à risca o
papel determinado pela Lei Complementar 179, de 2021, que tirou o ordenamento das
questões monetárias das mãos do Palácio do Planalto. Trata-se de uma medida de
segurança para o sistema financeiro do país.

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O próprio Campos Neto deu um bom exemplo da eficácia desse modelo nesta semana.
Ele citou o Peru, que sofre com sucessivos sobressaltos políticos — recentemente, o ex-
presidente Pedro Castillo tentou fechar o Congresso Nacional. A manutenção de Julio
Velarde à frente da autoridade monetária peruana, desde 1997, impediu o colapso
econômico. Outro exemplo é o Chile, que enfrenta um processo de revisão da
Constituição, mas o sistema financeiro autônomo segue blindado.

A atribuição legal de autonomia centraliza os conhecimentos técnicos e profissionais


para questões monetárias e financeiras no Banco Central, aumentando a probabilidade
de decisões apropriadas. A autonomia do Banco Central do Brasil (BC) dispõe sobre os
mandatos do presidente e diretores e sobre os objetivos da instituição, definida pela Lei
Complementar nº 179/2021, alterando trechos da Lei nº 4.595/1964, que ordena o
sistema financeiro nacional. O objetivo fundamental do BC é assegurar a estabilidade de
preços, além de, acessoriamente, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema
financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno
emprego.

Mobilização de sindicalistas vermelhos contra a independência do Banco Central


pic.twitter.com/zVVkSJuEQJ

— Paulo Eduardo Martins (@PauloMartins10) February 14, 2023

Fixação por Bolsonaro

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Na segunda-feira, no mesmo horário em que Lula falava à militância recém-empregada
em cargos públicos em Brasília, Campos Neto sentou-se na cadeira de entrevistado do
programa Roda Viva, da TV Cultura. Antes de chegar ao Banco Central, fez carreira no
mercado financeiro e passou duas décadas no Santander. Segue alguns passos do avô,
o economista Roberto Campos, também entrevistado pelo programa em 1991 e 1997.

Na última delas, em pleno governo Fernando Henrique Cardoso, a produção anunciava:


“Roberto Campos, um defensor ferrenho do livre mercado, da redução do tamanho do
Estado e da privatização. Ex-seminarista, ex-diplomata, político e um dos economistas e
intelectuais brasileiros mais influentes, ele é o principal representante do pensamento
liberal clássico no país”.

Presidente do BC, Roberto Campos Neto | Foto: Raphael Ribeiro/ BCB

Nesta segunda-feira, 26 anos depois, Campos Neto foi apresentado assim na descrição
do programa: “Roberto Campos Neto assumiu a presidência do Banco Central em 2019.
Indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro, o economista é defensor da autonomia do
BC”. Na gravação — a atração não foi no formato ao vivo —, ele teve de responder aos
jornalistas convidados sobre o uso da camisa da Seleção Brasileira quando foi votar —
“símbolo do bolsonarismo”, segundo publicou O Estado de S. Paulo.

O executivo respondeu em tom conciliador, disse que se tratava de um ato privado


naquele dia e que preferia responder sobre questões técnicas de sua gestão no banco.
Os jornalistas da velha mídia insistiram mais duas vezes ao longo do programa, com

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tentativas de associá-lo ao “bolsonarismo” vilão. Essa parece ser uma estratégia de Lula
e seus simpatizantes nas redações, que continuam mergulhados em notícias sobre um
governo que acabou — talvez para não mostrar que o atual é um fiasco.

“O nosso ‘Bozo’ foi se esconder nos Estados Unidos, com medo de me passar a posse,
não teve coragem de me encarar de frente (sic)“, disse Lula, na viagem à Bahia. Até
Dilma Rousseff — que vai receber salário de R$ 300 mil no Banco dos Brics —
reapareceu com o microfone à mão na festa do PT, para pregar o bordão “Sem anistia” a
Bolsonaro.

Enquanto a fixação por Bolsonaro não dá trégua, no primeiro Carnaval do governo Lula,
não vai ter picanha.

Leia também “O tempo em que o BNDES foi realmente dos brasileiros”

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