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PERFEITO CONSULTORIA

ECONÔMICA

ECONOMIA BRASILEIRA 2023:


UMA CERTA HERANÇA BENDITA E AJUSTES
HETEROGÊNEOS.

São Paulo, 14 de janeiro de 2023

REDES SOCIAIS E CONTATO: @PERPHEITO


ECONOMIA BRASILEIRA 2023: UMA CERTA HERANÇA BENDITA E AJUSTES
HETEROGÊNEOS.

Por André Perfeito, economista

PREAMBULO, ATUALIZACÕES E TABELA DE PROJEÇÕES


O FIM DO BOLSONARISMO?

O cenário que tem em mãos foi escrito com o objetivo de sistematizar visões e projeções
do que acredito ser o caminho mais provável da economia brasileira ao longo de 2023
sob um ambiente de extrema incerteza onde o início de um novo governo no Brasil e a
perspectiva de recessão nas economias centrais (notadamente EUA e Europa) jogam
sombra sobre as projeções da maioria dos economistas e analistas de mercado. Como
irão ver tenho uma leitura bastante diversa e espero ter esgotado neste documento os
principais pontos do raciocínio.

Economista que sou sei que há muito de arbitrário em muitas das minhas projeções,
mas sei também pela experiência de anos no mercado de capitais, que consensos de
mercado se sucedem de maneira rotineira e sendo assim minha visão antagônica a
muitos colegas de mercado tem o benefício do ciclo podendo auxiliar na tomada de
decisão.

Boa parte do texto foi escrito no apagar das luzes de 2022 e aqui e acolá vocês irão
perceber alguns indicadores econômicos não tão recentes, mas que de forma alguma
com promete a linha geral do meu raciocínio. Contudo, não seria um trabalho completo
se não incorporasse algumas perspectivas dos fatos recentes.

Escrevo este PREAMBULO no dia 09 de janeiro, ou seja, um dia após o caos ter tomado
conta de Brasília e cabe aqui alguns comentários sobre o ocorrido.

A despeito do clima de tensão política que não irá se dissipar tão cedo me parece que o
presidente Lula conseguiu uma chance de ouro de reafirmar sua autoridade política e
num golpe de sorte conseguiu para sim um evento que irá permitir reorganizar parte do
cenário político a seu favor. Ele sendo a vítima do ataque conseguiu a solidariedade de
praticamente todo espectro político nacional e internacional e isso é um ativo
importante num momento que nem o atual.

Para além de uma vitória pessoal para Lula devido ao pandemônio criado na Capital
Federal me parece razoável supor que o ex-presidente Jair Bolsonaro está hoje numa
situação muito difícil e não me surpreenderia se ele fosse eventualmente preso como
responsável em parte pela balbúrdia do dia de ontem.

Não me interessa aqui os aspectos ideológicos desta situação, mas a dinâmica “hard” da
política sim é um aspecto que guia minha leitura de cenário. A situação atual sugere que
não haverá espaço para uma direita bolsonarista na media em que o aparelho do Estado
e da Justiça será usado para responsabilizar os financiadores e propagadores dos atos

2
anti-democráticos e sendo assim parte do bolsonarismo irá enfrentar dificuldades
concretas para se viabilizar no médio e longo prazo.

Me parece que as chances de alguém desta linha política se cacifar para 2026 caiu
bastante e caberá a nomes menos radicalizados da direita assumir em parte o vácuo
deixado. Digo em parte uma vez que os radicais não me parecem propriamente de
direita, mas antes brasileiros que se norteiam pela ojeriza profunda ao PT e ao
presidente Lula, mas que dado o atual momento não poderão se expressar com a
liberdade de antes.

Ao que tudo indica muitas pessoas serão presas e que as redes sociais serão de fato
monitoradas diminuindo assim muito da dinâmica social deste grupo político.

Uma situação que nem esta poderia fazer o presidente Lula ser mais lulista que
anteriormente pensado, afinal poderia agora ser mais ousado na sua agenda, mas as
reações iniciais sugerem mais uma vez que ele irá de fato ser mais heterogêneo do que
heterodoxo e tentar repetir em parte a receita feita em 2003.

A situação então sugere que se de fato Lula for mais centrista e se Bolsonaro e seus
seguidores forem neutralizados pela ação do Estado a chance de um candidato de
direita ganhar o pleito de 2026 cai fortemente e sendo assim deveremos ver Lula fazer
seu sucessor ou algum partido de centro conseguir o Planalto. Este cenário cria desafios
a queda mais forte da taxa de juros nos vencimentos mais longos se confirmado, mas
isso não será o tema central de 2023, mas antes os juros curtos que são sensíveis a
dinâmica dos juros nos EUA e a inflação por aqui.

Segue a tabela com as principais projeções.

PERFEITO
CONSULTORIA MEDIANA
ECONÔMICA FOCUS
acumulado ou fim de 2023
PIB 2,10% 0,78%
CONSUMO DAS FAMÍLIAS 3,60%
CONSUMO DO GOVERNO 1,43%
FBCF 4,36%
EXPORTAÇÕES 4,36%
IMPORTAÇÕES 12,94%

IPCA 4,90% 5,36%


SELIC 11% 12,25%
DÓLAR R$ 5,00 R$ 5,28
*FOCUS dia 06/01/2023

Boa leitura!

----------------------------------------
André Perfeito
São Paulo, 14 de janeiro de 2023

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO PÁGINA 5

PIB BRASIL: BEM VINDOS À 2014!!! PÁGINA 7

CONSUMO DAS FAMÍLIAS PÁGINA 8

CONSUMO DO GOVERNO PÁGINA 10

FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO PÁGINA 11

BALANÇA COMERCIAL PÁGINA 13

RAIZ QUADRADA E RISCOS EM TRONO DO CENÁRIO BASE. PÁGINA 16

JUROS NOS EUA E NO BRASIL: UMA HIPÓTESE RADICAL. PÁGINA 20

INFLAÇÃO NO BRASIL: OU ESTÁ RUIM, OU ESTÁ BOM. PÁGINA 21

4
INTRODUÇÃO

O ano de 2023 vai ser marcado no plano doméstico por dois aspectos importantes, a
saber i-) um conjunto de impulsos que a economia recebeu nos últimos anos e que agora
se amadurecem, e ii-) a perspectiva de um ajuste heterogêneo na economia brasileira.
O primeiro ponto se refere ao que batizei de certa herança bendita que possui dois
aspectos sendo o mais importante uma trajetória de melhora em alguns indicadores
macroeconômicos (como a elevação da Massa Salarial) e também um conjunto de
reformas que foram feitas no plano microeconômico e que irão auxiliar o PIB já no ano
que vem (onde destaco as iniciativas do governo digital, as microrreformas como a BR
do Mar, Saneamento entre outras além da independência do Banco Central).

No segundo ponto – um ajuste heterogêneo – está um conjunto de medidas que devem


ser adotadas pelo próximo governo que devem aumentar o gasto público, mas de
maneira menos dramática que muitos analistas no mercado acreditam. Trabalho como
hipótese central da dinâmica do gasto público uma postura do futuro Ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, mais ortodoxa num primeiro momento sem com isso dizer
que não se irá aumentar os gastos no ano que segue, mas que essa alta deve ser no
sentido de recompor gastos entendidos como básicos em saúde, educação e programas
sociais. Este é o sentido de heterogêneo que pretendo apontar, uma mistura de
sinalizações em ambas as direções heterodoxa e ortodoxa, ou melhor dizendo, ajustes
tanto do lado da Demanda quanto da Oferta.

Conspiram para essa minha percepção da atitude de Haddad três fatores. O primeiro é
que Haddad muito provavelmente será a grande aposta de Lula para o pleito de 2026 e
nesse sentido a melhor estratégia seria uma postura mais austera no primeiro biênio
para só então gastar com mais força ao final do governo. O segundo ponto é a
perspectiva que o Congresso, mesmo que seja cooptado pelo governo nas negociações
em curso, não deverá ser francamente de expansionista no campo fiscal uma vez que
muitas das mudanças necessárias para a expansão do Teto, por exemplo, passam pela
aprovação de PECs, o que é sempre um esforço grande por parte do Executivo e que
estressa a relação com o Legislativo. O último ponto tem sido as falas do próprio Haddad
sobre o que considera uma política econômica adequada. Em muitas oportunidades ele
tem construído uma linha de raciocínio que o filia ao campo menos heterodoxo do PT e
isso é algo que o mercado não deu ainda o devido peso.

Sobre este último ponto vale destacar a entrevista concedida por Fernando Haddad à
Globo News onde diz expressamente que pretende atuar junto com o presidente do
Banco Central, Campos Neto, para trazer o quanto antes a taxa SELIC para o patamar de
um dígito e que isso seria a grande fonte de incentivo econômico no primeiro ano do
governo. Claro que há muito de especulativo nessa minha hipótese, afinal nem começou
o próximo governo e de boas intensões o inferno está cheio, contudo acredito que o
risco é maior para uma surpresa benigna do que maligna, especialmente no atual
patamar dos preços de Bolsa, Juros e Câmbio.

No front externo devemos ver o fim das altas dos juros nos EUA já no começo do
segundo semestre e mesmo que este persista em patamar elevado ao longo do ano a

5
eventual queda da inflação por lá – e no resto do mundo – irá forçar os investidores
rumo aos mercados de capitais na perspectiva que a tendência será de queda dos juros
antes do projetado. O mesmo mercado que vê com desconfiança a política do FED vai
ser o mesmo que irá pedir para que se corte os juros ainda em 2023 num movimento
que nos lembrará a passagem de Illan no Banco Central brasileiro quando parte do
mercado acreditava que a Autoridade Monetária estava sendo mais austera que o
necessário.

Vamos agora nos debruçar sobre as Contas Nacionais abrindo os dados pertinentes de
cada componente para então explicitar minha visão mais otimista com a atividade de
2023. Após este exercício sobre os agregados macroeconômicos iremos avaliar a
inflação e o comportamento dos juros. Por fim faremos uma breve análise do setor
externo e do comportamento dólar.

NOTA TÉCNICA DADOS UTILIZADOS


Os dados deste cenário foram coletados em dezembro de 2022 e os dados do FOCUS e
TOP 5 na primeira semana de 2023.

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PIB Brasil: Bem-vindos à 2014!!!

Quando se trata de atividade econômica o mínimo que podemos falar sobre o Brasil é
que o resultado do PIB é pífio. Alguns economistas têm perdido mais tempo que o
razoável tentando estimar medidas de PIB potencial para a situação brasileira enquanto
a realidade me parece suficientemente óbvia e nos diz de maneira categórica que o
Brasil está abaixo do potencial. Boa parte da confusão entre PIB observado e potencial
deriva do fato que apesar da atividade ter se mostrado fraca dados de inflação e gastos
públicos permanecem elevados sugerindo de trás para frente - por assim dizer - que
estamos acima do potencial.

Suavizações estatísticas como o famoso Filtro HP reiteram o erro estatístico que coloca
o atual patamar de atividade como “mais forte do que deveria”, ou dito de outra forma,
num patamar de atividade que favorece a alta de preços.

A verdade é que a experiência brasileira dos últimos anos é única. Se de um lado a crise
de 2008 foi como marola o mesmo não pode ser dito do governo de Dilma Rousseff e
do impeachment que se seguiu. Somente no final de 2021 que voltamos ao patamar de
atividade econômica alcançado ao final de 2014. Foram 7 anos sem crescimento
nenhum se observado os dados em termos reais do PIB.

PIB Brasil (índice des) Fonte: IBGE, André Perfeito Consultoria Econômica

190

180

170

160

150

140

130

120

110

100
1° Trim.1996
4° Trim.1996
3° Trim.1997
2° Trim.1998
1° Trim.1999
4° Trim.1999
3° Trim.2000
2° Trim.2001
1° Trim.2002
4° Trim.2002
3° Trim.2003
2° Trim.2004
1° Trim.2005
4° Trim.2005
3° Trim.2006
2° Trim.2007
1° Trim.2008
4° Trim.2008
3° Trim.2009
2° Trim.2010
1° Trim.2011
4° Trim.2011
3° Trim.2012
2° Trim.2013
1° Trim.2014
4° Trim.2014
3° Trim.2015
2° Trim.2016
1° Trim.2017
4° Trim.2017
3° Trim.2018
2° Trim.2019
1° Trim.2020
4° Trim.2020
3° Trim.2021
2° Trim.2022

Pífio ainda é uma palavra amena para descrever a situação. Além da crise iniciada no
governo Dilma tivemos o choque exógeno da pandemia que tornou a recuperação ainda
mais frágil.

O que pode ser visto como uma fragilidade – a fraca atividade econômica – eu vejo como
uma vantagem relativa. De certa forma a boa notícia é que está ruim, ou seja, a base de
comparação é tão baixa que crescer sobre este patamar não é, nem deveria ser, uma

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missão muito difícil. As projeções dos economistas expressas na mediana do relatório
FOCUS do BCB estão, em minha opinião, extremamente pessimistas para ser cordial com
meus colegas. O motivo disso é por si só evidente.

No relatório FOCUS do dia 16 de dezembro de 2022 a projeção mediana do PIB para


2022 fechado era de 3,05% e para o ano fechado de 2023 era de 0,79%. Isso implica
dizer que os economistas projetam que o PIB do quarto trimestre de 2022 seja algo
como 0,13% na variação contra o terceiro trimestre. Assumindo este valor como
verdadeiro isto aponta que o carry para o ano que vem – ou seja, o quanto irá crescer o
PIB de 2023 em relação ao ano de 2022 se não crescer nada durante todos os trimestres
do ano que se inicia – é de 0,55%. Para crescer 0,79% (a projeção mediana do FOCUS)
seria necessário um crescimento médio por trimestre de 0,06% o que é absurdamente
baixo numa situação que nem a atual onde não há choques relevantes à vista.

Para se ter uma ideia de quão baixo é assumir 0,06% de crescimento na média por
trimestre vale apontar que em 2020 – o ano que a pandemia arrastou a economia
brasileira e mundial para uma crise sem precedentes – o crescimento médio por
trimestre foi de 0,10%. A hipótese que a economia brasileira irá crescer como naquele
ano só revela um pessimismo exagerado em relação ao próximo governo, algo que nem
faz sentido uma vez que boa parte do crescimento está contratado à revelia até do
próximo governo.

Insisto neste ponto: o PIB do Brasil mal superou o patamar de 2014. Não havendo
choques como uma nova onda de pandemia, uma piora na guerra na Europa ou uma
recessão muito mais severa nos EUA que o até então observado, não vejo motivos para
um PIB mais fraco que este ano.

Se assumirmos um crescimento médio por trimestre no ano que vem de 0,47% - o que
é justamente o que cresceu a economia brasileira na média de 2017 até 2022 por
trimestre contando aí o período da pandemia – o PIB deve fechar no acumulado do ano
com um crescimento de 1,79%, valor que é mais que o dobro das projeções atuais.
Francamente acredito que devemos crescer ainda mais que isso, algo como 2% no
acumulado do ano, o que daria algo como 0,57% ao trimestre em média.

Meu otimismo, como argumentei acima, é calçado numa dinâmica já em curso. Vamos
agora observar em maior detalhe alguns dos componentes do PIB atual e extrapolar
suas trajetórias.

CONSUMO DAS FAMÍLIAS

Do lado da Demanda o Consumo das Famílias representou cerca de 60% do PIB à preços
correntes na série iniciada em 1996. É, portanto, o principal componente da Demanda
e que temos que observar com atenção redobrada. O primeiro ponto a se observar é a
dinâmica do mercado de trabalho em particular a Renda Real Habitual e a Massa Salarial
Real Habitual.

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Se deve observar estas séries de maneira habitual uma vez que assim se isola os
rendimentos extraordinários que foram concedidos durante o esforço de se superar os
efeitos mais nefastos da Pandemia e os números são expressivos.

Apesar da inflação ainda elevada os dados de outubro de 2022 mostraram crescimento


do Rendimento Médio Real Habitual na variação mensal em 2,9% (ou seja, o rendimento
cresceu acima da inflação do período em 2,9%). Na variação anual – em comparação à
outubro do ano anterior – a alta é ainda mais expressiva, de 4,7%.

Os dados falam por si e só podemos especular o quanto mais a renda irá subir ao longo
de 2023 uma vez que a tendência é de queda da inflação no acumulado em 12 meses
pelo menos até meados do ano, mas observar o rendimento médio do indivíduo pode
ser às vezes uma métrica imprecisa. O mais importante é observar a Massa Salarial Real
Habitual uma vez que este dado mostra “quantas fichas tem na mesa” por assim dizer.

O comportamento da Massa Salarial nos últimos meses tem sido simplesmente


excepcional. Após uma queda vertiginosa entre 2020 e 2021 quando retrocedeu mais
de 7% a Massa Salarial (habitual, ou seja, não considera programas de transferência de
renda) está no maior patamar da série histórica e os dados de outubro de 2022
cresceram mais de 11% (em termos reais) em relação ao mesmo período do ano
passado.

Massa de rendimento real de todos os trabalhos, habitualmente


recebido por mês (R$ milhões) Fonte: IBGE, André Perfeito Consultoria Econômica

R$ 275.000,00

R$ 270.000,00

R$ 265.000,00

R$ 260.000,00

R$ 255.000,00

R$ 250.000,00

R$ 245.000,00

R$ 240.000,00

R$ 235.000,00

R$ 230.000,00

R$ 225.000,00
mar/12
jul/12
nov/12
mar/13
jul/13
nov/13
mar/14
jul/14
nov/14
mar/15
jul/15
nov/15
mar/16
jul/16
nov/16
mar/17
jul/17
nov/17
mar/18
jul/18
nov/18
mar/19
jul/19
nov/19
mar/20
jul/20
nov/20
mar/21
jul/21
nov/21
mar/22
jul/22

Isso por si só já indicaria um crescimento mais forte este ano, ao que tudo indica a
economia está criando momento e esta “quantidade de movimento” tem alta inércia
tornando o cenário de 23 mais alvissareiro no plano do Consumo das Famílias.

9
Para além desse impulso temos outro, este sim exógeno, que irá ter efeito já no começo
da próxima administração federal. Estou me referindo à Bolsa Família de R$ 600,00 e de
mais R$ 150,00 por filho de até seis anos.

Acredito que a soma destes fatores pode construir uma dinâmica favorável e fazer que
o Consumo das Famílias suba algo como o que já cresceu no ano terminado no terceiro
trimestre de 2022, a saber, 3,6%.

Uma conta de padeiro rápida já nos mostra que – se eu estiver certo sobre a dinâmica
do Consumo das Famílias – o PIB do ano que vem deve ser algo como 2,2% que nada
mais é que a contribuição deste componente da Demanda na formação do PIB, ou seja,
60%.

Vamos caminhar assim para outro componente da Demanda de grande importância: o


Consumo do Governo.

CONSUMO DO GOVERNO

Não é segredo para ninguém que o governo Bolsonaro construiu um resultado fiscal
extremamente positivo a despeito dos gastos efetuados durante a pandemia. O país
vinha acumulando déficits primários desde outubro de 2014 e apesar de uma melhora
tímida, mas constante, desde 2018 todo o esforço fiscal foi revertido quando eclodiu a
pandemia. O déficit primário chegou a ser de 9,24% do PIB em dezembro de 2020 sendo
este o pior resultado da série no Banco Central.

Fluxo acumulado em 12 meses - Resultado primário - Total - Setor


público consolidado Fonte: BCB, André Perfeito Consultoria Econômica

10,00%

8,00%

6,00%

4,00%

2,00%

0,00%
nov/02
jun/03
jan/04

mar/05

mai/06
dez/06
out/05

jul/07
fev/08
set/08
abr/09
nov/09
jun/10
jan/11

mar/12

dez/13
out/12
mai/13

jul/14
fev/15
set/15
abr/16
nov/16
jun/17
jan/18

mar/19

mai/20
dez/20
out/19

jul/21
fev/22
set/22
ago/04

ago/11

ago/18

-2,00%

-4,00%

-6,00%

Contudo uma série de contingenciamentos nos gastos dos ministérios reverteu essa
trajetória nos últimos meses e o déficit se transformou em superávits recorrentes desde
novembro de 2021 chegando nos dados de outubro deste ano em 1,78% do PIB.

10
Do primeiro trimestre de 2018 até o terceiro trimestre deste ano a variação média
trimestral do Consumo do Governo foi de irrisórios 0,08%. Nos três primeiros trimestres
de 2022 a variação média do Consumo do Governo foi 0,03% e só não foi negativa uma
vez que no terceiro trimestre houve uma forte expansão, muito provavelmente por
conta da corrida eleitoral.

O último trimestre de 2022 deve vir em zero ou próximo disso. O noticiário econômico
está farto de evidências de cortes de todo tipo na máquina pública e a situação está de
tal forma aguda que universidades federais não tem dinheiro para manter os serviços
básicos como a limpeza dos banheiros e nem a Polícia Federal tem mais recursos para
emitir passaportes.

O Consumo do Governo este ano deve ser, assumindo variação de 0% no quarto


trimestre, de 1,41% no acumulado no ano contra o ano anterior.

Como argumentei trabalho com a hipótese que o governo do PT irá sim gastar mais que
o governo atual, mas não quero com isso dizer que vai perder o controle, apenas
restabelecer a funcionalidade de diversos setores da administração pública. O
crescimento médio trimestral do Consumo do Governo deve ser em torno de 0,4%, um
valor relativamente modesto se comparado ao período Lula quando a variação média
foi quase o dobro, em 0,78%.

Se confirmado este cenário na variação trimestral isto aponta um crescimento no


acumulado de 2023 contra 2022 de 1,43%, praticamente o mesmo valor observado este
ano o que contribui na formação do PIB do ano que vem em mais 28 pontos base.

FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO

Chegamos assim ao investimento que representa cerca de 17% do PIB. O


comportamento da FBCF tem tido resultados mistos nos últimos anos onde destaco a
alta expressiva observada entre o segundo trimestre de 2020 e o segundo trimestre de
2021, mas que depois apresentou queda para só em 22 voltar a subir. A alta entre 2020
e 2021 pode ser explicada em parte pelo conjunto amplo de investimentos feitos no pós
pandemia para adaptar a economia aos novos tempos de home office e de uso intensivo
de tecnologia em todos os processos produtivos.

Muito provavelmente a pandemia aumentou a Produtividade Total dos Fatores


elevando a eficiência da economia e que será sentida com mais força justamente agora
quando a economia volta ao normal, mas agora turbinada pelo amplo esforço de
informatização do tecido econômico. Sobre este tópico vale salientar o esforço feito
pelo atual Governo em criar mecanismos como o GOV.BR que também irá elevar a
eficiência do Estado.

Contudo o crescimento do investimento foi revertido em parte pela elevação da Taxa


SELIC para enfrentar um surto inflacionário persistente e que fez a taxa básica da
economia sair de míseros 2% para 13,75% em muito pouco tempo. Uma alta desta

11
magnitude altera profundamente as expectativas empresariais que assumem explícita
e implicitamente nos seus projetos uma acomodação da demanda e do custo de
oportunidade do capital empregado.

Para 2023 minha perspectiva é de uma atuação mais comedida pelo Ministro da Fazenda
e neste sentido mantenho uma projeção de queda na SELIC o que deve reforçar o
investimento.

Há outro ponto a se considerar. O atual governo fez uma série de medidas


microeconômicas em diversos setores da economia e realizou um sem número de
licitações que devem maturar justamente ao longo de 2023 e isso pode sustentar o
investimento como um todo. Este é um dos aspectos mais evidente da Certa Herança
Benigna que citei logo na introdução e que Lula irá colher em seu mandato.

Fora estes aspectos citados há ainda outro ponto que me faz ficar otimista em parte
com investimento ao longo de 2023. Um empresário, não é segredo, ganha dinheiro
comprando “barato” e vendendo “caro” e o choque da inflação entre 2020 e 2022
destruiu a renda do cidadão brasileiro, mas implodiu as margens de lucro dos
empresários.

Se tomarmos o IGP-M como uma proxy dos custos empresariais vemos o tamanho do
nó que se operou na Função de Investimento no país. Se o empresário produz aos custos
do IGP-M e vende pelo valor do IPCA o retrato era desolador. Para ilustrar o fato basta
dizer que em maio de 2021 o IPCA acumulou em 12 meses 8,06%, já o IGP-M subiu na
mesma comparação nada menos que 37,06%. Isso implica dizer que mesmo com a alta
da inflação ao consumidor o empresariado não conseguia repassar os custos de
produção forçando assim que a variável de ajuste fosse a margem de lucro e sabemos
bem que margens de lucro em queda não incentivam investimento (a não ser num
ambiente de aumento da base de consumidores numa economia que se expande, mas
nem de longe esse era o cenário).

Contudo hoje esta situação mudou e muito. Nos últimos dados disponíveis de novembro
de 2022 por uma incrível coincidência tanto o IPCA quanto o IGP-M acumulam 5,9% em
12 meses e o prognóstico é que o IGP-M seja menor que o IPCA ao final de 2023 segundo
o relatório FOCUS e isto pode dar incentivos adicionais ao investimento que somado
com a perspectiva de queda da SELIC deve manter a FBCF em alta.

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IPCA vs IGP-M (% a.a.) Fonte: IBGE, BCB, André Perfeito Consultoria Econômica

40,00%

35,00%

30,00%

25,00%

20,00%

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
jan/00

mai/01
jan/02

mai/03
jan/04

mai/05
jan/06

mai/07
jan/08

mai/09
jan/10

mai/11
jan/12

mai/13
jan/14

mai/15
jan/16

mai/17
jan/18

mai/19
jan/20

mai/21
jan/22
set/00

set/02

set/04

set/06

set/08

set/10

set/12

set/14

set/16

set/18

set/20

set/22
-5,00%
IGPM IPCA

A variação média do crescimento trimestral da Formação Bruta de Capital Fixo foi entre
2017 e o terceiro trimestre de 2022 de impressionantes 1,37%. Vamos assumir que no
quarto trimestre de 2022 o crescimento seja de 1% fazendo assim que a variação
acumulada de 2022 contra 2021 seja de 1,35% (bem abaixo ao verificado no ano fechado
de 2021 quando subiu 16% em relação a 2020). Vamos agora assumir uma variação
média trimestral de menos da metade do que foi observada de 2017 para cá, vamos
supor 0,5% em média por trimestre. Se confirmada esta tendência isto deverá fazer o
investimento subir no acumulado no ano de 2023 contra 2022 algo como 4,36% o que
deve contribuir para o PIB do ano que vem em 78 pontos base.

Cabe agora investigarmos o comportamento da Balança Comercial para fechar a análise


sob a ótica da Demanda.

BALANÇA COMERCIAL

As principais economias do mundo devem enfrentar desaceleração econômica em 2023,


mas até que ponto isso é de fato um problema para o Brasil? Para responder essa
pergunta temos que primeiro ver quem são nossos principais parceiros comerciais e
como deve ser o comportamento dessas economias em 2023.

No acumulado de 2022 o principal destino das nossas exportações foi a China que
individualmente absorveu 27% das nossas vendas (US$ 84 bilhões), a Ásia como um todo
é o principal destino das nossas exportações com 42% do agregado e um total de vendas
de US$ 129 bilhões. A segunda região que mais absorveu nossas exportações foi a
Europa com 19% do total e um valor acumulado US$ 58 bilhões. Os EUA representaram
cerca de 10% das nossas exportações com um valor FOB acumulado de US$ 33 bilhões.

13
O FMI projeta no seu último World Economic Outlook que os EUA devem crescer este
ano 1% contra 1,6% de 2022, já a Europa (Rússia inclusive) deve crescer bem menos,
apenas 0,3% ante 1,9% de 2022. A China deve crescer mais que em 2022 acelerando
para 4,4% em 2023 contra 3,2%. Por fim a Ásia mais o Pacífico devem também ver uma
expansão das suas economias crescendo 4% em 2022 e 4,2% em 2023.

Como podemos ver dado a diversidade geográfica das nossas exportações o cenário não
é exatamente catastrófico, na verdade muito pelo contrário, afinal os principais
parceiros tendem a continuar crescendo e os que não vão crescer podem nos auxiliar na
missão de controlar a inflação dado que a perspectiva global é de desaceleração, logo
as expectativas de inflação estão mais comportadas.

O peso das Exportações no PIB brasileiro é de aproximadamente 13,9% e das


Importações (-) 14% (praticamente a mesma coisa, mas com ligeira vantagem das
Importações lembrando que as Importações subtraem o PIB na identidade contábil).
Entre 2017 e 2022 a variação média trimestral das Exportações foi de 0,89% (este ano
foi de 2,77%), mas dada a desaceleração prevista para as economias da Europa e dos
EUA vamos assumir uma variação média ao longo do ano que vem de 0,7% fazendo
assim que este cresça 4,36% no acumulado do ano e cria uma contribuição de 61 pontos
base.

As Importações são função de aspectos domésticos e como descrevi acima projeto um


crescimento relativamente expressivo (somando as contribuições isoladas do Consumo
das Famílias, do Governo e dos Empresários (FBCF) o PIB estimado já está em 3,31%)
logo não posso imaginar um arrefecimento do consumo brasileiro advindo do exterior.
Entre 2017 e 2022 a variação média trimestral foi de 1,23% e em 2022 nos primeiro 3
trimestres foi nada menos que 3,6% na média. Vamos assumir um valor intermediário
entre 3,6% deste ano e os 1,23% dum horizonte mais longo e assim chegamos num
crescimento médio de 2,4%. Este valor aponta para uma variação de 12,94% que
ponderado pelo peso das Importações no PIB sugerem uma contribuição negativa de
182 pontos base.

PROJEÇÃO PIB E PONTOS PRINCIPAIS

Levando em conta as hipóteses acima apresentadas chegamos a um PIB brasileiro em


2023 de 2,10% (lembrando que economista faz projeção com duas casas depois da
vírgula porque tem censo de humor). É uma projeção bem acima da mediana do
mercado que como disse está em 0,79%, mas que busca incorporar alguns aspectos que
acredito não estarem devidamente ponderados, onde destaco:

• Impulsos na demanda via Massa Salarial e Gasto do Governo;


• Investimentos já contratados e em via de concretizar;
• Aumento da Produtividade Total dos Fatores;
• Cenário externo desafiador, mas não necessariamente ruim.
• Uma atuação do próximo governo mais heterogênea que propriamente
heterodoxa;

14
• SELIC deve cair na esteira da acomodação dos riscos fiscais e de inflação sob
controle no Brasil e no Mundo.

Para além destes motivos vale salientar um aspecto que trouxe logo no início deste
prognóstico e que para mim é central. Apesar da melhora recente do PIB a base de
comparação é ainda extremamente baixa. Dito de outra forma, como custo brincar, a
boa notícia é que está ruim, ou seja, a base de comparação é tão baixa que crescer chega
a ser uma ilusão estatística. Como apontei foi só em 2021 que voltamos ao patamar de
2014, logo falar em crescimento na atual situação chega a ser quase uma figura retórica.

15
RAIZ QUADRADA E RISCOS EM TRONO DO CENÁRIO BASE.

Na virada de 2021 para 2022 acabei me notabilizando no mercado e na mídia por ter
popularizado a expressão raiz quadrada querendo com isso dizer que muito do avanço
que tínhamos observado naquele ano era apenas o retorno aos antigos patamares pré
pandêmicos e que não havia impulsos outros que sustentassem a dinâmica observada.
Como quase tudo nos últimos anos essa tese foi politizada e muitos acharam que por eu
ser um economista mais heterodoxo (o que é na melhor das hipóteses uma meia
verdade) eu estava desmerecendo o atual governo e fazendo pouco da melhora
observada. Essa não foi minha motivação e se tem uma coisa que aprendi com a
economia e nos meus anos atuando nas trincheiras do mercado financeiro é que a
política é um péssimo conselheiro para os investimentos e principalmente para
entender movimentos concretos do tecido econômico.

Cabe aqui algumas palavras sobre os fundamentos da hipótese que levantei e que serão
pertinentes para avaliações prospectivas do ano que se inicia.

Num elevado nível de abstração típica de livros texto de economia existem apenas duas
possibilidades de ajuste macroeconômico: ou bem se faz um ajuste pelo lado da Oferta,
ou se faz pelo lado da Demanda. Não há outras possibilidades. Seria até útil para
sanidade mental da nação que parássemos de falar economistas ortodoxos e
heterodoxos, afinal essas distinções querem dizer pouco ou quase nada e apenas
acirram os ânimos (por exemplo economistas da escola Austríaca – que são hiper liberais
– estão categorizados como heterodoxos, o que torna a nomenclatura inútil em termos
políticos apenas para citarmos o óbvio); o que há é economistas do lado da Oferta e da
Demanda sendo os primeiros identificados como ortodoxos/liberais e os segundos
heterodoxos/estatistas.

A despeito das inúmeras críticas que Paulo Guedes sofreu na sua atuação no Ministério
da Economia, em especial pelos economistas ditos ortodoxos/liberais, é um erro – para
não dizer uma deselegância e desconhecimento teórico básico – acusá-lo de não ter sido
liberal o suficiente. Se tem uma coisa que Paulo Guedes foi é liberal e quem acreditava
que daria parta fazer mais ajustes é porque desconhece como funciona um Estado e
acredita que estamos num exemplo de manual de economia do tipo Ilha do Robson
Crusoé. Paulo Guedes e sua equipe fizeram um esforço hercúleo em cortar gastos do
Estado e em aumentar a eficiência microeconômica da máquina e por isso mesmo era
claro para mim que o crescimento não viria de maneira relevante após retomado os
patamares pré crise.

Pois bem, qual é o nexo causal que leva ao aumento do Investimento num ajuste pelo
lado da Oferta? A engenharia é a que segue. O Estado corta seus gastos e isso permite
dois movimentos simultâneos. O primeiro é que libera mercados para a iniciativa
privada uma vez que o Estado não deve mais atuar em alguns segmentos. O segundo é
que – à curto prazo – uma diminuição da demanda do Estado gera queda na demanda
agregada e assim, tudo o mais constante, uma queda da inflação. Com a inflação em
queda isso faz que os custo de produção dos empresários caia, o que faz a margem de
lucro subir, criando assim incentivos ao investimento.

16
Todo o sentido do ajuste econômico pelo lado da Oferta é deslocar a curva de Oferta
(que nessa hipótese é vertical e de longo prazo) rearranjando o consumo do tecido
econômico para formas mais eficientes e só assim, num momento seguinte, com a curva
deslocada, é que há aumento da atividade. Reparem que o aumento da atividade se dá
apenas no longo prazo uma vez que se busca aumentar o consumo de empresários
(investimentos) via aumento das margens de lucro que melhoraram por conta de uma
diminuição dos custos de produção que caíram porque o Estado, no momento presente,
diminuiu seu consumo e de tabela a Demanda Agregada.

Por consistência lógica e pela definição teórica um ajuste pelo lado da Oferta – tal qual
protagonizado por Paulo Guedes e equipe – só pode necessariamente gerar crescimento
no longo prazo. Exigir de um liberal crescimento no curto prazo da economia é um
disparate teórico para não dizer má fé intelectual. O ajuste do lado da Oferta gera frutos
apenas no longo prazo e é justamente isso que chamei de uma Certa Herança Benigna
e que deve ser sentida com mais força justamente nos próximos anos.

A raiz quadrada, por assim dizer, era apenas o reconhecimento do esforço liberal de
Guedes e não era de forma alguma uma crítica ao ministro no sentido mais raso. Muitos
na administração Guedes entenderam minhas palavras e por isso mesmo nutri relações
cordiais com todos mantendo diálogo mesmo quando os próprios liberais teciam críticas
ferozes ao governo. Não cabe a mim determinar o sentido do ajuste econômico do país,
quando Bolsonaro ganhou a eleição em 2018 a escolha social expressa no voto foi por
esse tipo de ajuste, agora se as pessoas não sabem o que isso significa o problema não
é do economista, mas cabe à este elucidar os limites e possibilidades da escolha feita e
nitidamente não é crescimento no curto prazo.

Vamos agora nos debruçar rapidamente sobre o que significa o ajuste alternativo, pela
Demanda, para desenharmos algumas possibilidades e limites deste tipo de atuação.
Dado que para o Heterodoxo a curva de Oferta não é vertical, mas positivamente
inclinada, o juste se dá de maneira inversa ao liberal; o Estado aumenta a demanda
através de gastos ou transferência de renda. O aumento da demanda agregada força os
empresários a produzir mais e ao fazer isso a ociosidade das empresas diminuem.
Quando a ociosidade cai até um ponto crítico e levando em conta que os empresários
não veem sinal de fraqueza na demanda futura o empresário investe na tentativa de
ganhar mais dinheiro com o boom econômico.

Reparem que o ajuste pela demanda gera necessariamente crescimento no curto prazo
uma vez que o aumento da demanda força a um aumento maior da produção já no
momento presente, mas tal crescimento não vem sem algum risco. A sinalização para
os empresários que estes devem investir é que com o aumento da demanda se aumenta
o preço das mercadorias e consequentemente seu lucro e isso leva este empresário a
investir, mas apenas numa situação onde suba o preço das mercadorias que ele vende
e não os custos da sua produção, o que faria as margens de lucro cair e a depender dessa
queda na taxa de lucro qualquer eventual aumento de demanda seria ofuscada pela
queda desta mesma taxa de lucro.

17
O ajuste pela Demanda é necessariamente inflacionário uma vez que a sinalização ao
tecido econômico se dá pela elevação de preços da economia e é aqui que reside os
maiores riscos que o governo Lula, e o Brasil, pode enfrentar nos próximos anos. São
dois, a saber: aumento maior do salário mínimo que a economia comporte, e queda
exagerada dos juros subsidiados.

RISCO 1: AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO

Lula se elegeu com a promessa de “colocar o pobre no orçamento” e para fazer isso a
tentação é reeditar em parte a fórmula usada no seu primeiro mandato quando criou
uma forte política de valorização do salário mínimo. Naquele momento foi possível fazer
isso uma vez que havia espaço na inflação para fazer isso, ou seja, que outros
componentes da estrutura de preço do IPCA estavam em queda ou estabilizados de tal
sorte que o aumento do salário mínimo não alterou o IPCA cheio de maneira significativa
o que poderia alterar a trajetória de queda da SELIC.

Em 2003 vivíamos o auge da expansão deflacionária chinesa que fez o preço de todo
tipo de bem industrializado caísse de maneira constante e com melhoria destes mesmos
bens industrializados. A China exportou deflação e com isso se abriu espaço para uma
política de valorização do salário mínimo.

A elevação do salário mínimo tem impacto forte no preço dos Serviços uma vez que em
linhas gerais os Serviços que são mais intensos em mão de obra e assim a elação dos
salários tem impacto maior nesse componente.

O problema é que hoje estas condições – a queda de alguns componentes do IPCA – não
estão satisfeitas e um aumento forte do salário mínimo pode contribuir sobremaneira
para um IPCA mais alto com efeitos deletérios sobre a taxa básica SELIC.

Para além do risco inflacionário latente há algo mais perigoso. Como a economia ainda
está se recuperando e os juros permanecendo em patamar elevado a elevação do salário
mínimo pode comprometer o investimento uma vez que isto eleva os custos de
produção dos empresários diminuindo as margens de lucro.

Sabemos que o salário mínimo tem um peso maior nas contas públicas que
necessariamente nos empresários uma vez que parte relevante do mercado de trabalho
é remunerado acima do mínimo, mas dado que o Brasil é uma economia bastante
heterogênea os efeitos dessa alta podem penalizar justamente setores menos
desenvolvidos tendo efeitos mistos ou mesmo deletérios.

RISCO2: QUEDA FORTE DOS JUROS SUBSIDIADOS

Uma das formas mais tradicionais da atuação heterodoxa é criar distorções no mercado
com vistas a atender objetivos macro. Isso não é por sim um pecado nem nada errado,
afinal qualquer política pública (seja econômica ou não, ortodoxa ou heterodoxa) visa
justamente direcionar o tecido econômico e social em alguma direção que se entende
como melhor ou mais eficiente. Juros subsidiados é prática comum em qualquer

18
economia do mundo e bancos de fomento como o BNDES são praxe em qualquer
economia desenvolvida. O problema aqui é, mais uma vez, acreditar que estamos no
mesmo período do Lula 1 – lá em 2003 – e atuar como se as variáveis fossem as mesmas.
Não são.

Uma das vitórias do amadurecimento do Plano Real foi a criação de um mercado de


capitais mais ativo e mais profundo e nos últimos anos este cresceu fortemente, seja
por conta da atuação explícita de ministros desde Joaquim Levy, até pelo fato que a
SELIC caiu para míseros 2% ao ano. Seja como for os números desse mercado são
expressivos.

Uma rápida olhada nos dados da ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos
Mercados Financeiro e de Capitais) mostram o que quero dizer. Segundo os dados
disponíveis a indústria de Fundos de Investimentos (Fundos de Direito Creditório,
Fundos de Investimento em Participação e Fundos de Investimento Imobiliário) tinha
em agosto de 2021 um patrimônio líquido de R$ 300 milhões. Em novembro de 2022 o
patrimônio líquido saltou para nada menos que R$ 8,9 bilhões.

Se por acaso o BNDES joga para baixo suas taxas de juros de maneira muito forte existe
a real possibilidade de se desarticular toda uma indústria de capitais no Brasil e não há
como se desenvolver um país sem uma indústria de fundos forte, afinal a iniciativa
privada cumpre um papel central na alocação do investimento e o surgimento desta
indústria tem que ser louvada e incentivada ao máximo.

Não há como um banco público (ou privado) conseguir determinar sozinho de maneira
eficiente o investimento, é necessário todo um ecossistema financeiro para levar a
tarefa de maneira satisfatória e agora – finalmente – temos as sementes disso. Isso é
uma vitória importante da sociedade brasileira e que deve ser usada com sabedoria pelo
governo.

Somente após anos de SELIC em trajetória de queda que essa indústria surgiu e isso não
é mérito nem de uma ou outra pessoa, mas antes do Brasil como um todo que gastou
muita energia e recursos para se estabilizar e criar assim uma indústria financeira e um
mercado de capitais digno desse nome: que possa efetivamente canalizar poupança
privada e pública em direção de investimentos efetivos e sair da ciranda de um Money
Market estéril.

19
JUROS NOS EUA E NO BRASIL: UMA HIPÓTESE RADICAL.

Antes de terminar é necessário tecer uma ou duas palavras sobre os juros nos EUA e
delinear meu cenário sobre sua trajetória que imagino ser muito diferente do que
muitos analistas pensam e projetam. Hoje há o receio que a inflação por lá seja muito
mais persistente que anteriormente pensado uma vez que o mercado de trabalho não
dá sinais de arrefecimento e assim a demanda elevada mantém pressão sobre a inflação
como um todo isso sem contar deficiências na oferta de alguns produtos centrais.

Para além do mercado de trabalho aquecido sinais de persistência no preço de


commodities sugerem que não será possível controlar a inflação no curto prazo e assim
uma política monetária restritiva deve ser o movimento mais provável do FED. As
projeções e as curvas de juros apontam uma taxa de juros nos EUA em torno de 5,1%
em meados de 2023.

Contudo vejo aqui espaço para uma queda mais forte da inflação que inicialmente
projetado pelos economistas e os motivos são o que seguem.

I. o CPI (Consumer Price Index) já apresenta queda em 12 meses;


II. o preço do barril de petróleo tipo Brent está em queda;
III. o preço dos imóveis que subiram fortemente nos últimos meses também está
em queda;
IV. o mercado de trabalho (taxa de desemprego) não perdeu força, mas já mostra
sinais que chegou no piso.

Obviamente não será por já que o mercado irá incorporar estes dados em seus modelos,
de fato tem que melhorar um pouco mais para se concretizar uma tendência, no entanto
muito do mau humor do mercado e analistas é – na minha opinião – uma reação de
cautela frente as perdas que sofreram ao longo de 2022 e sendo assim vejo certo viés
na concepção de algumas projeções.

A radicalidade da minha perspectiva consiste em prever que em meados já do primeiro


trimestre de 2023 o mercado norte-americano irá rever fortemente a taxa de juros
terminal naquela economia. Não necessariamente veremos um corte na taxa em 2023
(isso seria muito agressivo e não condizente com as características da diretoria do
FOMC), mas ficará rapidamente evidente que a política monetária já cumpriu sua
função.

A intuição que guia em parte este meu cenário reside no fato que o S&P – o principal
índice do mercado de capitais norte-americano – caiu de maneira expressiva no ano
passado (em torno de 20%) e muitos ajustes já foram feitos nas expectativas por lá.
Neste sentido o mercado estaria “desejoso” de uma alta e assim as mesmas vozes que
hoje insistem no pessimismo podem rever rapidamente suas posições.

Não me surpreenderia que por volta de maio ou junho, quando haverá reuniões da
Autoridade Monetária norte-americana, o clima do mercado já seja completamente
diferente que o observado no final de 2022.

20
Chegamos assim na discussão da SELIC e como já argumentei vejo espaço para uma
queda mais pronunciada da mesma que a mediana das projeções expressas no FOCUS.
As razões para isso são as que seguem.

I. Os juros nos EUA devem sofrer revisão de trajetória abrindo assim espaço para
quedas por aqui;
II. O governo federal não irá ser o gastador que muitos analistas pensam que seja;
III. A recomposição dos impostos de combustíveis terá efeito atenuado seja por
conta da queda do barril de petróleo no mercado internacional, seja por conta
de políticas que serão implementadas pela Petrobras e pelo governo (não me
pergunte quais, mas me parece altamente improvável que Lula irá permitir uma
alta acentuada da gasolina no seu primeiro ano de governo);
IV. O mercado já prevê quedas no IPCA em 12 meses até meados deste ano o que
irá reiterar a tendência de queda com a situação nos EUA.

Não preciso dizer que muito deste meu cenário tem elementos altamente especulativos
e se calçam na perspectiva de interações dinâmicas de difícil mensuração, mas me
parece razoável supor que num momento como o atual tanto os analistas brasileiros
quanto estrangeiros estejam mais conservadores que o de costume seja por conta da
tendência recente da inflação nos EUA, seja pelo início de um governo de centro-
esquerda no Brasil.

INFLAÇÃO NO BRASIL: OU ESTÁ RUIM, OU ESTÁ BOM.

A perspectiva da maioria dos economistas é pessimista para a atividade brasileira. Como


vimos as últimas projeções disponíveis no FOCUS apontam que o PIB do Brasil mal deve
subir 0,8% este ano. Pelo que escrevi até aqui já deve estar suficientemente claro que
não vejo desta forma e que o crescimento será sensivelmente maior que a mediana das
projeções, mais próximo de 2%.

Mas vamos assumir que eu esteja errado e que o crescimento do Brasil seja de fato
muito baixo. Seria razoável supor uma inflação rompendo mais uma vez o teto da meta
num cenário que nem este e após o Banco Central brasileiro ter conduzido uma das mais
agudas elevações da taxa de juros do mundo elevando de míseros 2% para 13,75% em
tão pouco tempo? Acredito que não.

Como podemos observar nas projeções do TOP 5 de Médio Prazo do FOCUS estes
esperam que a inflação caia rapidamente na comparação em 12 meses já no começo de
2023. Segundo as estimativas disponíveis o IPCA sairia de 5,77% em dezembro de 2022
para 3,02% em junho deste ano.

21
IPCA e PROJEÇÕES TOP 5 MÉDIO PRAZO (% a.a.) Fonte: BCB, André Perfeito Consultoria Econômica

14,00%
PROJEÇÕES TOP 5 MÉDIO PRAZO
FOCUS 06/01/2023
12,00%

10,00%

8,00%

6,00%

4,00%

2,00%

0,00%
1

4
1

4
21

21

22

22

23

23

24

24
21

22

23

24
1

4
l/ 2

l/ 2

l/ 2

l/ 2
t/2

t/2

t/2

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/2

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no

no
ja

ja

ja

ja
m

m
m

m
IPCA (% a.a.) Inferior Superior Meta

Vale notar que em junho teremos uma reunião do COPOM sem que este tenha ainda os
dados fechados do mês em questão, mas já teria em mãos os dados de março que
estaria, segundo o TOP 5 de Médio Prazo, em 3,53%. Este tipo de informação na véspera
de uma decisão tem forte impacto no mercado e em alguma medida nos formuladores
de política monetária. Mais importante que a variação em 12 meses é observar a
variação mensal e as estimativas são amplamente benignas.

Segundo este mesmo TOP 5 o IPCA irá sair de 0,61% em dezembro de 2022 para
praticamente metade disso em maio de 2023 (0,33%) e para praticamente ficar em zero
em junho (0,17%). É verdade que já em julho a inflação deve ter um salto na comparação
em 12 meses subindo 100 pontos base avançando de 3,02% para 4,02%, mas este salto
deverá ser relativizado por parte do mercado uma vez que a alta iria ser resultado de
um puro efeito base: foi justamente em meados de 2022 que o IPCA apresentou
deflação após o governo intervir indiretamente no preço da gasolina.

Como podemos ver a leitura é benigna para a inflação, mas dado o efeito base e a queda
do teto da meta de inflação iríamos, mais uma vez, estourar o teto da meta de inflação
que será este ano de 4,75% e a projeção é de 5,08% no acumulado no ano.

Acredito que a inflação acumulada este ano tenda a ser menor e por alguns motivos, a
saber:

I. Não haverá alta substancial no preço dos combustíveis;


II. A desaceleração das economias norte-americana e europeia irão moderar o
preço de commodities evitando assim transtornos maiores com energia e
alimentos;
III. A situação fiscal, central na maioria dos modelos dos economistas, não será tão
ruim quanto inicialmente projetada, e por fim;

22
IV. O ajuste da SELIC tem efeito sobre o conjunto das expectativas e estas já
parecem ancoradas.

Claro, tudo isso pode mudar, mas se tentarmos imaginar o clima econômico em meados
deste ano seria mais provável supor que haja uma assimetria de riscos onde hoje se
precifica os piores cenários e que talvez não seja tão ruim quanto imaginado.

Há um ditado entre analistas financeiros que ser pessimista com o Brasil sempre é uma
boa estratégia e sem dúvida isso é verdade, mas insisto aqui na base de comparação tal
qual fiz com o PIB. Como argumentei a boa notícia é que está ruim e sendo assim o PIB
pode crescer sem com isso dizer que cresceu de fato. Com a inflação algo semelhante
opera, basta lembrar que em abril do ano passado o IPCA bateu em expressivos 12,13%
e que este movimento torna, em termos relativos, tudo “menos pior” (para assassinar a
língua portuguesa de vez).

Adicionalmente vale notar a queda expressiva do IGP-M que em junho de 2021 estava
em 35,7% em 12 meses e agora nos dados de novembro de 2022 está em 5,9% na
mesma comparação.

Para além da opinião expressa pelo consenso do TOP 5 vale apontar os argumentos da
Autoridade Monetária em documento enviado ao ministro Fernando Haddad, na
qualidade de presidente do Conselho Monetário Nacional, na oportunidade do estouro
do teta da meta em 2022. No documento o BCB argumenta que vê convergência da
inflação à meta em 2023, mesmo que ainda acima do teto, que irá cair dos atuais 5%
para 4,75%. Conspira nesse sentido uma taxa de juros no campo contracionista segundo
a Autoridade Monetária.

Deixo como último ponto a seguinte provocação. Se o TOP 5 estiver certo teremos um
IPCA em 12 meses em 3% em junho o que implica numa taxa de juros real de mais de
10% dado que deve continuar a SELIC em 13,75% até lá. Como você acredita que o
mercado irá reagir quando tivermos uma taxa real tão elevada?

Não há forma segura de comprovar este ponto, mas minha experiência diz que os
mesmos que hoje acreditam que a SELIC tem que permanecer elevada serão os mesmo
que irão dizer que “já é o suficiente” e que o BCB deveria cortar o mais rápido possível
a taxa básica da economia.

Neste sentido reitero uma perspectiva de cortes que levem a SELIC parra próximo de
11% ao final deste ano.

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