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10/11/2008
Anselmo Massad e Glauco Faria
da Fórum
as origens da crise dos créditos hipotecários que abalou os Estados Unidos e os dogmas neoliberais. Em março, eleesteve em uma
“Quanto mais demorar, maior vai ser o risco de uma estatização dosistema financeiro na hora em que a coisa periclitar.”
Pessimista, o economista não vê base no ideário do eleitorado nem nas coalizões políticas dos Estados Unidos quesustentem uma
fosse chamado novamente hoje, que tipo de avaliação faria?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Seis meses atrás, a economia brasileira estava crescendo a uma velocidade que culminaria nos 6% [ao ano]
do último semestre. A situaçãomudou muito por conta do impacto da crise internacional no Brasil. É visível uma contração na oferta
O Brasil está diante de uma crise para a qual não contribuiu, mas elas são implacáveis, não perdoam inocentes. O fato é que, dada a
natureza das crises financeiras, elas afetam a todos que integram, de alguma forma, a economia monetária. Primeiro são os bancos,
certamente há perdas com os bancos americanos, problemas com a liquidez, com o mercado monetário, o crédito e, portanto,
intensidade não prevista pelos que celebram osistema de bandas flutuantes. Não que as bandas sejam ruins, mas o sistema foi mal
administrado no Brasil, o real valorizou demais e agora a volta vem com força. Issotalvez preocupe um pouco o Banco Central,
que ficará com medo de baixar a taxa de juros por conta do movimento do câmbio, e pode até ser o caso de intervir nomercado para
inclusive para nós. O Brasil tem uma vantagem clara por seu sistema financeironão estar envolvido na negociação desses papéis
Os bancos europeus se envolveram nessa negociação, porque parecia atrativo e todo mundo comprou. Tudo indica que os bancos
brasileiros não. Vamos receber osefeitos da crise, é inevitável, mas o Brasil tem instrumentos para reagir e o governo precisa ter uma
A gente está sempre especulando. Como dizia Karl Popper a seu médico quando ouviu dele: “Vou pedir uns exames, porque a medicina
Vou pedir pro senhor especular... Além do Brasil, que outros países têm maior capacidade para se defender? E qual a
O Brasil tem instrumentos regulatórios e isso foi muito importante para impedir que as instituições financeiras se envolvessem nessa
de crédito foram feitas com o mercado de balcão, sem regulamentação. Aqui, tudo passa por dentro da BM&F, há um
Apesar de todos os impropérios que se lançam contra as políticas neoliberais dos governos brasileiros, a
Nem pelos mercados europeus, só que os bancos de lá se meteram com os americanos por causa da relação muito próxima e dos
E os outros países?
com o ouro – que não tinha a relevância que as pessoas pensam que existia. O sistema americano se funda nessa hierarquia
Quando ocorre uma crise, há esse fenômeno apontado pelo [John Maynard] Keynes da preferência pela liquidez, ou como [Karl] Marx
freqüentemente, em deflação. Ainda mais diante da reticência do Congressoamericano para aprovar [o pacote de ajuda ao sistema
acham que não podem dar dinheiro para os gatos gordos de Wall Street. Tudo isso importa muito pouco na hora de fazer o sistema
financeiro voltar a operar.
O que vejo no horizonte é que, quanto mais demorar, maior vai ser o risco de uma estatização do sistema financeiro na hora em que a
Na crise de 1929, primeiro, os mercados financeiros tinham uma integração muito menor. Segundo, o grau de alavancagem dos
proporção de 35 para um. Portanto, o risco da desalavancagem promover uma destruição de preços de ativos é muito grande.
Em 29, foi preciso atender à perda de riqueza que decorreu do crash da bolsa, socorrer os bancos comerciais que se envolveram em
ativos, porque você se livra primeiro dos bons e só depois dos ruins. É issoque o governo americano levou em conta
...das famílias é de 140% da riqueza disponível enquanto em 29 era de 45%. Nunca houve um nível
de endividamento como hoje. O pacote tinha de ser mais arrojado e, aomesmo tempo, a intervenção do governo tinha de ser mais
crise?
se estender por mais tempo. Ela afetou muito toda a estrutura e o coração do sistema financeiro, que são os bancos comerciais
A sociedade americana mudou muito. Em 1929, ela era muito mais diversificada ideologicamente, tinha setores mais comprometidos
com a visão progressista. Não é mais assim. Os anos de prosperidade, de certeza de que era inexpugnável a economia americana,
que o Estado se meta na economia, mas vão se encontrar com a ronda, porque o Estado vai se meter mais à medida que a
crise se aprofundar e que eles perceberem que, se os mercados fizerem o ajuste sozinhos, isso vai custar muito para a sociedade, para
Desde a década de 80, foram sucessivos pacotes de liberalização, as coisas iam dando certo e se acumularam as sementes da crise.
disso. O arcabouço ideológico não serve para enfrentar a crise, a intervenção, que teria de ser maior, não vai ser por uma resistência
Se a dívida continuar lá, as famílias americanas, que devem muito, não têm como gastar mais e vão fazer um ajuste do orçamento à
necessidade de pagamento. Eles teriam de gastar muito dinheiro para reestruturar essas dívidas, em geral de 30 anos. Como não dá
United States – e permitiu a aventura dos grandes barões ladrões, tudo feito às custas das finanças do Estado.
convicção de que aquilo era um país livre. De fato, para oseuropeus que fugiram da Primeira Guerra, da crise de 29, das perseguições
religiosas, de tudo, sem dúvida era um ambiente muito mais liberado, mas a presença doEstado sempre foi muito grande. É uma
ilusão que se transformou em uma poderosa arma de destruição em massa ideológica como estamos vendo agora (risos). Acreditam
Os ideólogos, sim. Alguns ainda não têm medo do ridículo, mas do ponto de vista de sua capacidade de convencimento e,
É o que vamos ver nos próximos anos no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos. E não tenho tanta certeza, levando em
Uma parte grande da mídia vem atribuindo a maior parte da responsabilidade pela crise aos executivos que embarcaram nessa
como função exercer esse controle?
críticas à economia regulada começaram a ganhar espaço. [Milton] Friedmann já tinha feito suas críticas em 1953, mas não foi ouvido;
[Friedrich] Haieck também, mas isso só passou mesmo a ser opensamento dominante porque correspondia a certa altura
recente de se considerar que tudo éobra de alguns indivíduos. Mas não, os indivíduos é que são obras de um certo movimento da
nos Estados Unidos, foi conservadora. O último presidente mais rooseveltiano, digamos, newdealer, foi [Lyndon] Johnson,
que se estrepou por causa da guerra do Vietnã, mas ele tinha uma visão muito progressista das políticas que deveriam ser levadas a
cabo e o projeto da grande sociedade. Isso desapareceu com a estagflação dos anos 60, com a estagnação na Europa também.
A crise levou anos para ser construída, porque foram se desmontando todas as estruturas que aprisionavam a economia financeira
dentro de certos limites. Todas as regras impostas nos anos 30, por exemplo, os Glass Steagall Acts, que impunham restrições
um espaço desregulamentado e fizeram oque fizeram.
Passaram a se financiar a curto [prazo] para se alavancar a longo. Quando começaram a cair o preço das casas? Quando os devedores
deixaram de pagar [as dívidas dehipotecas], o preço dos ativos emitidos [e negociados em bolsa] em cima desses créditos começou a
despencar. E houve uma desvalorização da riqueza que não tem fim se o Estado não botar a mão embaixo. Mesmo assim, vai demorar
Vai ser difícil, porque o New Deal foi criado em um momento em que a sociedade americana tinha outra composição, existia uma
Foram poucos os presidentes democratas que ganharam. Quando isso aconteceu, se portaram como o [Bill] Clinton, igual ou pior
que um republicano. Claro que nãochegou ao nível desse cidadão [George W.] Bush, que é um débil mental. Mas é preciso levar em
conta que não é por acaso que se elegem débeis mentais, tem algum fundamento, a sociedade repercute.
Sou muito pessimista em relação a isso. Não quero fazer apostas nessa direção, mas se fosse apostar no que vai acontecer,
não o faria em uma saída mais progressista tipo New Deal, mas em uma mais reacionária. A sociedade americana está “preparada”
para uma saída mais fascistóide.
As instituições não funcionam mais faz tempo. Basta dizer que embarcaram nas [teses de que havia, no Iraque,] armas
de destruição em massa, com 70% de aprovaçãoao ataque. O povo americano foi destruído pelo mass media, pelo hambúrguer, pela
pretensão de superioridade em relação aos demais. Lamento dizer isso, mas é minha visão. Isso está expresso na recusa
ao pacote, eles não entendem o que está acontecendo, se guiam por slogans, coisas insubsistentes como, por exemplo, o livremercado,
que não tem sentido.